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UNIVERSIDADE FEDERAL DO CEARÁ Faculdade de Farmácia, Odontologia e Enfermagem Programa de Pós-Graduação em Enfermagem : ST j..... SHÍSfreA 1■ j | ^ 5^...R í L !/'■■ :S i j A MULHER SUJEITA À VIOLÊNCIA MASCULINA: REPRESENTAÇÃO SOCIAL DE SUA IDENTIDADE Lucineire Lopes de Oliveira Fortaleza 2001 FICHA CATALOGRÁFICA o48m Oliveira, Lucineire Lopes de A mulher sujeita à violência masculina: Representação social de sua identidade/ Lucineire Lopes de oliveira, - Fortaleza, 2001. 173f, Orientador(a): Profa DH Maria Socorro Pereira Rodrigues Dissertação (Mestrado) Universidade Federal do Ceará, Curso de Mestrado em Enfermagem 1. Enfermagem - aspecto social. 2. Mulheres - violência, I, Título CDD 610,73069 UNIVERSIDADE FEDERAL DO CEARÁ Faculdade de Farmácia, Odontologia e Enfermagem Programa de Pós-Graduação em Enfermagem A mulher sujeita à violência masculina: Representação Social de sua Identidade Lucineire Lopes de Oliveira Dissertação apresentada ao Programa de Pós- Graduação em Enfermagem da Faculdade de Farmácia, Odontologia e Enfermagem da Universidade Federal do Ceará, como requisito à obtenção do título de Mestre em Enfermagem na Saúde Comunitária. Orientadora: ProP Dr* Maria Socorro Pereira Rodrigues Fortaleza - 2001 óduisjfdô- e a minha. filha. <c&si#iíí. h.uí.0- q.ti£. íMí&í e. /&&#■ íttd.& cdm& cÂq.ea.d.eefrs, <cdfr meu. <7)eu&f que edá wmpw afr meu ladfr e me dá. fi)-eç.aj>, fiam (Mitmuaf , iem/we. cÀ& mulhem, que efr-Mfeuíeam efrmiqfr e&te. t&abalhfr, eíefifrndfr miíu fieidas. e deiseandfr^me iíe3.eea(uneh.ádafi}? ate que umgfauuti. Qlãfr euda, eepeiie que ™iíiu. batalhae da &ida nem, ianpw dsfr- ganhas/ pel.fr mais, (frete. fru pelfr- mais, eãpidfr/ mais eedfr fru tnaii taede? eegue. fr te-fr(éu/ aquele que aeeedita pfrdee ueneee.ff H IO* ^fretgeneehee cdfr mea maeidfr &duaedfr cdug.g.utfr, pfre seti appifr* efrnstante. e. eludfr de efrsnpeeensãfr^ esseneial para que eu frâ^neiasse essa. etapa de. medut. eeutêu&.a.', cÀ minha, filha, edema, difr-pes, para quem. fá pfrss.fr dizer que> a. mamãe, nãfr peeeisa mais ,raifrer nfr @earã.?í cdfrs meus, pais? dhudanfr e díèitíjnhay eaffr amfrr e dediea^ãfr permitíram?me, ser quem, sfru* cÀ missha ieeuã dDidi e afr meu. eanhadfr Üõegbertp? pela presença em. tfrdfrs frs m.frme.ntfrs,» cd. ininhja, irmã QfrsJdene, e afr meu. eunhadfr (Jraneis.efr? pelfr apfrifr? ■p.aeiêneia e, ineenfiwfr. ÇTeria s.idfr ainda mais ili.fi.eifi sem. fr- e.frn.(frrtfr de frfreêe* c/ís. nunluu. eiusíuidiu.^ ti fui e tia c/lída., eufa e&nfeilwieâtí- f&i iitiefíM para a. waUKa&àfi- deiue uush.0-, <dl cdiuwinda, e&m &wf£&£t de. que ea. nã& teeia. e&H&equid0- eheqae- aqui tem a tua eedal^eiudu).. Jflait& &beiqiulu! í'À. dJa&é- ^DD-ilé-iy ip-wl-íi tjfa/iílz e^nteiluii^ã.^- aa meu eee.A.eienenf& etím# lee humana, cJl nuulta grande ainiqa. dUlguina., leenbrand& que eseislem. e&tsMi, que a& ■gialaiuauí nà.& dizeni, e que adulai &&. M?ufÍ9uenf&-£ ,tã&- ea^a^ee de e<e/seen.ae-, cÀá. *9iudia& amiqaÂ.. d& sneitead^y $i&e tudo- & que sdue&wM iuídai. <dl naua hiddeia. fuuutLi seeá. a meuna, <cd t&da& as.. fâ£ML&uA. ífite fazem a. fidsrqeadaaeãq em. feenuiqe.su, da QdfJ^iy fiela íi&i.‘fíÂtidid.a.dey dmfiatia e e.&m^elêneia* (l)&ee& sã& deenaid cd. (JJe&f" &&&&&&&., fudu. #uieiêneia e., p.eineifiudwunte? pela eap.aeida.de de dem&euieae-. que difeeeuea u.ã& é deslqualdeuley mai alq& a &e& eespeliadô- e suileeiead^ > c:d t^d&s, && que. fazerei a (^poeuldade de ddifeemaqeen. da ddn.is.zeed.dade d& fdlad& d& dèi&. .f^aeule d& ilíaete (Qd&dQQl}? pela a#ud& e eampeeeniãa» dèaquel Ç/sdui d^sea e à Jil&êmia, pauaqdf&s d® uuiuu) bautí e? o mais. ienp0&fa»de.y aleauesean.da & mesma mar. cd$. JUa.o dàts&ia fdeeilut e pela. híi í^ndg.gj.â&- dede trabalha <cd.$- ^P^í^aAttíi. de ^pd&d^adaaçã& da. (l$&<1fèf¥(.? fi.el<& Í»i.ee»ití^- e apd&, eAjpeeial»nesde a& dllmie @adr&, &a$a eêfíift.éhtída faeilit&gi & tneii afas. tam.esd&» o4 fti&diw&ddade d& Ódíul^ d& (íèi& ú^atide d&- Ql&ete? gieLa. ma, ^dííiea. de ea^aeilaeã^ d&eente? que buAjea., ateoa^éÂ. d& ieuwdiene»d& na (gMalifieaj^ã& d&s, &eg.gj. fw&fe&&&&e&f ^fe^eeee- ttái leiii. eei&&&£ utna {Mna^ãô- :fMud.ada. tta etuw^etêneia. erítiea., éliea? tée&giea e ha.Manídiea de teia tyraetiuand&£a mal Q^a^ee-u ett mm- ^eta. $t.a&a. dejtfwieiwÊrla. em ue&£& e /u&dee- ell.&ee. & tyitasitfr ííul :p.es.^u.. é. tm^&tiomte. fua&a. tnhit, Q^tb.eea ígue weê pu.íle.u.e. euleudes'- &■ bem. ígttee^jr- qjtie. lhe íledie^» Qphu&u..,, eu. &ee &&m&- mheê qiutndfi er-e&eee. Muka. fâ&lseu. da. ‘Iteeea. Çl&das as eoisas de que falo estão na eidade. &ntee o eéu e a. teeea ..■> são eoisas^ iodas elas? <iotidianas.f eomo bo-eas e mââtf senhos, íjeevses, denúnetas^ cdeideuies do tealalho e do asnoey eohas. de que. falam. os. loenais. cÀs gaexes. tão- rudes, cAs, oe^es, tão- esesseas Qp&e mum& a. poesia. as. ilumina. eâm difieuldade, Mas. é nelas. que. te uefo ^ssls.an.d.&- Mundo- tusM- fdUsida. em estado de s.&lu.çães. e esperanças* C^erreira. l^ullar Este trabalho conta com o apoio financeiro da Coordenação de Aperfeiçoamento do Pessoal de Ensino Superior (CAPES). SUMÁRIO LISTA DE FIGURAS LISTA DE QUADROS RESUMO 1. INTRODUÇÃO......................................................................................16 1.1. O problema........................................................................................23 1.2. Justificativa.........................................................................................26 1.3. Objetivos............................................................................................27 2. REVISÃO DE LITERATURA 2.1. Violência e seus desdobramentos.................................................... 28 2.2. Violência contra a mulher..................................................................32 2.2.1. Violência simbólica............................................................................39 2.2.2. Violência física...................................................................................41 2.3. Processo de construção da identidade e sua contextualização sócio-cultural e temporal.............................................................................................42 3. REFERENCIAL TEÓRICO-METODOLÓGICO 3.1. A Teoria das Representações Sociais............................................. 48 3.1.1. Funções das Representações Sociais............................................ 53 3.1.2. Processo de formação das Representações Sociais...................................................................55 3.2. Semiótica e pragmática do discurso no processo de comunicação ~ visibilidades e silêncios........................................................................................58 4. METODOLOGIA 4.1. Tipo de estudo.................................................................................64 4.2. Sujeitos da pesquisa........................................................................65 4.3. Locai do estudo...... .........................................................................67 4.4. Coleta de dados................................................................................70 4.5. Organização da análise e discussão dos resultados...................................................................................71 4.6. Aspectos éticos da pesquisa...............................................................76 5. ANÁLISE E DISCUSSÃO DOS RESULTADOS................................78 5.1. DISCURSO A: A força do instinto maternal como suporte de enfrentamento, utilizado pela mulher, sujeita à violência masculina............................................................ 84 5.2. DISCURSO B: O dinheiro sendo utilizado como veículo, de dominação feminina, em um relacionamento violento..............................................................................................99 5.3.DISCURSO C: A religiosidade como estratégia utilizada pela mulher para enfrentar a violência...........................................112 5.4. DISCURSO D: O medo do abandono, da separação dos "outros”, como suporte de enfrentamento da violência masculina..........................................................................123 5.5. DISCURSO E: A crença no impossível para tomar possível a convivência com a agressão masculina......................................................................134 6. REPRESENTAÇÕES SOCIAIS DA IDENTIDADE DAS MULHERES SUJEITAS À VIOLÊNCIA MASCULINA......................................................................................144 7. CONSIDERAÇÕES FINAIS...................... 156 ABSTRACT......................... ....................................................................160 8. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS...................................................161 9. ANEXOS LISTA DE FIGURAS FIGURA 01: Representação saussureana do signo linguístico. FIGURA 02: O valor linguístico considerado em seu aspecto conceituai. FIGURA 03: Representação do. Eixo da Comunicação. FIGURA 04: Organização do campo representacional da identidade da mulher sujeita à violência masculina. LISTA DE QUADROS QUADRO 01: Atos abusivos praticados pelos homens contra as mulheres no ambiente doméstico. QUADRO 02: Processo de vitímização nas mulheres. RESUMO Trata-se de uma pesquisa de caráter qualitativo, norteada pela Teoria das Representações Sociais, cujo objetivo é apreender a representação social da identidade das mulheres sujeitas à violência masculina. O universo da pesquisa foi composto por 98 mulheres expostas a violência masculina em Mossoró-RN, sendo utilizado como instrumento, a entrevista semi-estruturada, para obtenção dos discursos. Nas entrevistas realizadas, foram identificados cinco discursos predominantes: Discurso A - A força do instinto maternal, como suporte de enfrentamento, utilizado pela mulher sujeita à violência masculina; Discurso B - O dinheiro, sendo utilizado como veículo de dominação feminina, em um relacionamento violento; Discurso C - A religiosidade, como estratégia utilizada pela mulher, para enfrentar a violência; Discurso D - O medo do abandono, da separação, e dos "outros1, como suporte de enfrentamento da violência masculina; Discurso E - A crença no impossível, para tornar possível a convivência com a agressão masculina; estes, foram selecionados para análise, efetuada segundo a técnica da análise estrutural do discurso, o que possibilitou conhecer os fatores tidos como determinantes no processo de construção da identidade da mulher sujeita à violência masculina. Dentre estes fatores, o predomínio ficou por conta da cultura androcêntríca, que considera o homem superior à mulher, naturalizando os riscos e agravos a que as mulheres estão expostas, em virtude de sua condição de subordinação, inferioridade e desvalorização. 16 1. INTRODUÇÃO O universo feminino é um espaço repleto de riquezas e complexidades, pulverizado por muitas e diversas sensações boas e alvissareiras, mas, também, por alguns dissabores e desilusões. A trajetória básica deste trabalho, teve, como ponto de partida, o desejo desencadeado de entender o que pensam, sobre a sua condição, as mulheres sujeitas à violência masculina. Intento, no desenvolvimento do estudo, conhecer os sentimentos expressos por elas, acerca dos maus tratos a que são submetidas, e as estratégias que elaboram para conviver com o problema da violência doméstica. Com este esforço, procuro oferecer uma particular e especial contribuição, no sentido de colaborar com a discussão sobre possíveis alternativas que possam ajudar essas mulheres a melhorar a sua qualidade de vida. A polêmica em torno do problema da violência contra a mulher, decorre de inúmeras causas, tais como: a diferenciação social imposta aos indivíduos, em razão do sexo, raça, classe, etc.; o processo de vitimização do acusado, tornando a mulher culpada das agressões sofridas; e a ausência de políticas públicas efetivas que tratem dessa questão. É provável que esteja aí a explicação para o aumento crescente desses atos de violência com agressão à mulher. Dentre esses, o mais discutido é a cultural subordinação do sexo feminino ao masculino, o que constitui um aspecto importante na construção da identidade da mulher, exposta à sujeição da violência masculina. Alves e Pitanguy (1991) ao realizarem uma retrospectiva da história das mulheres, demonstram que a submissão feminina teve início há muito tempo, caracterizada por idéias repassadas através de valores 17 e normas culturais impostas pela sociedade, em um determinado contexto socia! e histórico. Na Grécia, a mulher era considerada equivalente aos escravos, pelo fato de serem responsáveis pelas tarefas manuais, o que incorre na sua extrema desvalorização pelos homens livres. Vale ressaltar que eram considerados livres, apenas os homens que desenvolviam as atividades consideradas nobres - filosofia, política e artes - integrantes do dito mundo masculino. Alves e Pitanguy (1991), referem-se a Xenofonte, filósofo do século IV a.C. cujos argumentos referem que os deuses criaram a mulher para as funções domésticas e o homem para todas as outras. As funções domésticas a que se referia o filósofo era a gestação e criação dos filhos, além da execução de atividades ligadas à subsistência doméstica da família: fiação, tecelagem e alimentação. A mulher exercia ainda trabalhos pesados, como a extração de minerais e o cultivo agrícola. Em que pese essa realidade, o trabalho desenvolvido pela mulher não era considerado importante, sendo a mesma vista, quase sempre, como um apêndice do homem. Sua história foi contada a partir da visão masculina, o que oportunizou a reconstituição sucessiva de mulheres subordinadas e submissas aos desmandos do homem/macho. Por conseqüência, a segregação social e política foi imposta, historicamente, à mulher, tornando-a diminuída perante a sociedade, o que contribuía para sua desvalorização, como sujeito, transformando-a em objeto. Segundo analisa Sousa (1997), é através do processo de socialização em que são repassados normas, crenças e valores, que ocorre a diferenciação entre o mundo masculino e o mundo feminino, 18 não havendo relação quanto ao fato biológico de se ter nascido homem ou mulher. Para a autora, essa premissa permite afirmar "que as relações entre os indivíduos de sexos diferentes desenvolvem-se a partir da noção da diferença do valor social de cada um, ou seja, da noção de subordinação de um sexo pelo outro." (Sousa, 1997,p.21) No seu discurso, a mulher evidencia a clara diferença que é tratada pela sociedade, em relação ao seu companheiro e afirma que essa diversidade cultuada e existente entre o homem e a mulher, perante a sociedade - .e ela mesma ™ coloca~a em uma situação de fragilidade, em relação ao homem, permitindo que o mesmo venha a tratá-la de forma condizente com sua situação de ser inferior. Exemplo disso tem-se no ano de 195 a.C., quando as mulheres romanas reivindicaram o direito de utilizar os transportes públicos que, nessa época, eram restritos aos homens e o Senador Marco Pórcio Catão profere um discurso aos seus companheiros em que díz: “Lembrem-se do grande trabalho que temos para manter nossas mulheres tranquilas e para refrear-lhes à licenciosidade, o que foi possível enquanto as leis nos ajudaram. Imaginem o que sucederá, daqui por diante, se tais leis forem revogadas e se as mulheres se puserem, legalmente, considerando-se em pé de igualdade com os homens! Os senhores sabem como são as mulheres: façam-nas suas iguais, e imediatamente elas quererão subir às suas costas para governá-los.” ( Alves 0 Pitanguy, 1991, p. 14) De acordo com a Teoria de Gênero, "o gênero é uma maneira de indicar as construções sociais - a criação inteiramente socialdas idéias sobre os papéis próprios aos homens e às 19 mulheres, É uma maneira de se referir às origens exclusivamente sociais das identidades subjetivas dos homens e das mulheres, ” (Scott, 1994, p.04) Desse modo, a questão da subordinação feminina, sob a abordagem da Teoria de Gênero, é referendada com base na assertiva de que o problema existe por causa das relações estabelecidas entre os homens e as mulheres, no decorrer da história. Sousa (1997,p.23), ao falar sobre esse relacionamento, afirma que "os papéis sociais, rigidamente estabelecidos, ou os esteriótipos sexuais, como podemos chamá-los, têm criado um profundo desequilíbrio nas relações de igualdade, pois rejeitam totalmente as diferenças, não só sexuais, mas, também, de comportamento, de sentimento, emoções, culturais, etc,” A sociedade, com base nas diferenças entre os sexos, tem facilitado ao homem assumir a posição do Um em relação ao Outro feminino. Beauvoir (1999a), ao abordar esse problema, coloca que os indivíduos e os grupos procuram entender e demonstrar a reciprocidade que existe em suas relações. Entretanto, entre os sexos, o homem coloca-se como o único essencial e nega toda a relatividade em relação ao seu correlativo, no caso a mulher. A autora afirma que isso só acontece porque o Outro feminino não contesta a soberania do Um masculino, como o fazem as demais categorias. E, continuando sua explicação, aduz que essa situação foi gestada através dos tempos, acontecendo dessa forma porque as mulheres, só muito recentemente, vêm se posicionando como sujeitos de sua história, mesmo diante da dificuldade encontrada para formação 20 de uma coletividade unida, que se oponha, de forma clara e consciente, aos “direitos" do homem". Se a mulher se enxerga como o inessencial, que nunca retorna ao essencial, é porque não consegue, ela própria, operar esse retomo.'’ (Beauvoir, 1999a,p.13) Dessa circunstância advém o grande questionamento a respeito das situações que influenciaram a mulher a “consentir” que o homem impusesse sua superioridade como absoluta, uma vez que, de acordo com Saffloti (1994), por causa da assimetria estabelecida entre a consciência de dominantes e dominados (homens e mulheres), a mulher surge como que consentindo em ser subordinada e dominada pelo homem. Não obstante, diz a autora que “...o conceito de consentimento presume que os copartícipes falem a partir da mesma posição ou de posições iguais. Portadoras de uma consciência de dominadas, as mulheres não possuem conhecimento para decidir, elas cedem diante de ameaças ou violências concretas.” Saffloti (1994,p.446) Essa talvez seja a explicação mais plausível para que, apesar de todo o desenvolvimento histórico, ainda tenhamos que nos deparar com as ações masculinas que configuram contra-sensos extremamente irreparáveis, que a sociedade tenta explicar com uma certa naturalidade. Já no nascimento, meninos e meninas assumem papéis diferentes, sendo suas histórias redigidas com passagens que procuram associá-los aos aspectos ou características de gênero. Por ser assim, as diferenciações ocorrem de forma “natural” dando início ao processo de construção da identidade feminina ou masculina com base nos (pré)conceitos existentes, no universo social, oriundos das concepções construídas a favor do homem. Brissac (1997,p.33-4) diz que ‘'meninas 21 são culturalmente criadas para se tornarem mulheres e meninos para se tornarem homens," Doise (1994,p,09) afirma que “já não é a natureza dos seres que define as suas características psicológicas; antes disso, há uma explicação bem mais relacionai: é a natureza do tecido das relações em que modela a maneira como elas se representam reciprocamente e como se constróem uma identidade própria,” A explicação mais difundida (e aceita), por parte da sociedade (homens e mulheres), é que a diferença entre os sexos tem explicação na inferioridade biológica da mulher, partindo-se da premissa que isso pressupunha uma desigualdade inaceitável. Seu cérebro era menor e, portanto, ela era menos inteligente, e emocionalmente instável- um ser em quem não se podia confiar. A partir disso, as mulheres expõem-se demais, riem, choram facilmente, enfim demonstram sentimento, menstruam (ficam sujas, impuras), têm uma estrutura menor, força muscular diferente e todo um processo reprodutivo que as colocam em desvantagem no “mundo masculino”. Giffin (1991,p. 190) diz que “na mulher feita para ser mãe (ter um útero, significa parir), via-se uma correspondência perfeita entre atributos físicos e funções sociais.” Dessa forma, a construção da identidade feminina estava intrinsecamente ligada à forma como as mulheres eram vistas e como eram condicionadas a verem-se, por razões circunstanciais. Assim é que a subordinação da mulher, ao homem, foi sendo construída com o tempo, pari passu com a diferença das suas atribuições na sociedade. 22 Para Odalia (1983, p.31) “a naturalidade da desigualdade, que nos tem sido imposta, no decorrer da história do homem civilizado, só pode ser compreendida a partir do entendimento de que ela é uma condição de estruturas sociais, que passam a reproduzida como um fenômeno aparentemente natural.” As mulheres, em tempos anteriores eram instadas a assumir o papel de submissas, abnegadas, compreensivas, zelosas com seus rebentos, responsáveis pelo bem estar da família, enquanto que o homem era estimulado a desenvolver e demonstrar características da identidade masculina: atuar com leis, política, lidar com bens e finanças, demonstrar a força física, a insensibilidade, a agressividade, a tenacidade, o que já demostrava uma tendência da sociedade androcêntrica em subjugar as mulheres, tornando-as passíveis de manipulação e, desse modo, servir de suporte às necessidades do homem/macho. Dentre as atribuições femininas, socialmente ditadas, encontra- se a de aceitar, passivamente, como natural, a violência perpetrada pelos homens contra a mulher, e, também, a de conservar/manter o casamento, através da paciência, complacência, aceitação das situações que vão se apresentando na convivência conjugal. É evidente o pensamento de que da mulher, do seu “poder de negociação”, depende o sucesso ou o fracasso dos relacionamentos, dos filhos, enfim, da família. A família foi por muito tempo o grande projeto da maioria das mulheres. Essas eram criadas e educadas com a finalidade de, em futuro, dedicarem-se à família, mantê-la unida e forte para enfrentar os problemas. Essa havería de ser sempre a sua meta maior. A sociedade 23 exigia que eia estivesse disposta a qualquer sacrifício, em prol da família, tida como a célula mater da sociedade, carente, portanto de alguém que mantivesse e permitisse sua continuidade. Brissac (1997, p.37) afirma que “toda menina tem na sua essência o desejo de se tomar mulher, de ser alguém na vida e viver um grande amor.” SÓ a partir de um grande amor, seria possível cobrar-lhe, em troca dedicação e abnegação total, de sua vida e de seus ideais. Para a autora, a realização pessoal da mulher depende muito da satisfação desses desejos, que são inerentes à natureza feminina, realimentados e regimentados pela sociedade. Se no decorrer da trajetória desenvolvida pela mulher ocorrer algo que a impeça de realizar seus sonhos, em relação a algum desses aspectos, será essa outra vez instada a sentir-se culpada, fracassada e com baixa auto-estima. Por fim, tendo por base a construção social da mulher e as relações estabelecidas, a partir da quase original violência construída e constituída contra a mulher, busquei o entendimento sobre quais aspectos são relevantes para a formação da identidade da mulher sujeita à violência masculina. 1.1. O problema A mulher e as decorrências de seu cotidiano, sempre se constituíram objeto de interesse dos meus estudos, acadêmicos ou não. A sua inserção no mercado de trabalho, asrelações construídas no seu cotidiano, suas conquistas, seus desejos, seus fracassos, exercem sobre mim um profundo desejo de prescrutar essa mulher, que vem ininterruptamente experimentando formas de reconstrução de vida. Acredito que a partir de trabalhos como este a violência doméstica 24 passa a ser mais visível e, a partir daí, a ser percebida como um problema necessário de ser discutido com maior freqüência, buscando- se estratégias que possam minimizado, além de contribuir para a (re)construção da auto-estima dessas mulheres. A violência com que as mulheres vêm sendo continuamente tratadas, nos seus relacionamentos com os homens, e o fato de que parcela significativa de mulheres agredidas, retorna aos seus algozes, mesmo sabendo elas que serão submetidas a outros atos violentos, capazes até mesmo de tirar-lhes a vida, tem despertado a minha particular atenção. Acredito que essa constatação está centrada, certamente, na inferioridade resultante de questões financeiras e culturais decorrentes do enclausuramento doméstico, ao qual a mulher, por sua condição, vê-se confinada. A sociedade atual tem-se posicionado na tentativa de minimizar as ocorrências de violência contra a mulher. Nesse sentido “o Brasil já assinou vários tratados internacionais, nos quais a violência doméstica aparece como uma questão que deve ser eliminada. Nossa Constituição Federal estabelece a obrigatoriedade do Estado de criar mecanismos para coibir a violência no âmbito da família. Diz a Lei que punirá severamente o abuso, a violência e a exploração sexual da criança e adolescentes e afirma que os Tratados e Convenções Internacionais assinados pelo governo brasileiro têm status constitucional. "(CFEMEA, 2000, p.01) Entretanto, essas recomendações nâo têm se configurado como possibilidades reais, para coibir as ações de violência perpetradas contra a mulher, o que cria facilidades para que os agressores fiquem impunes e suas ações passem a se tornar socialmente naturalizadas. 25 Saffioti (1994, p.444) diz que “é exatamente esta legitimação social da violência dos homens contra as mulheres, que responde pelo caráter tão marcadamente de gênero deste fenômeno." É portanto, a partir da formação da identidade social da mulher, dos valores que lhe são repassados através da sociedade, que ela acaba se submetendo a dominação masculina. Na sociedade patriarcal, uma parcela das mulheres é ensinada a sentir-se responsável pelos outros, a colocar-se sempre em uma posição inferior, em relação ao homem, a ignorar os seus desejos, em prol da realização dos de outras pessoas. A mulher arca, dessa forma, com a responsabilidade da manutenção dos relacionamentos, a tal ponto que, para que isso aconteça, justifica, até mesmo o fato de tornar-se ou sentir-se violentada. Pitanguy (1986, p.03), referindo-se a essa situação, diz que "... a forma de violência socialmente identificável é justamente a desvalorização do feminino, que, em nossa sociedade, está presente seja na forma sutil, ou declarada, em atitudes de desrespeito, desvalorização e desconfiança para com a mulher.” Assim sendo, e por entender que todo o processo de construção da identidade feminina é responsável pela constituição da forma como ela se apresenta, em um dado momento, investiguei, dentre outros aspectos, a partir de quais referenciais é estruturada a identidade da mulher que sofre agressões masculinas. Para tanto, foram formuladas indagações acerca das crenças que possuem a mulher sujeita à violência masculina, da imagem que ela tem de si própria e dos fatores aos quais é atribuído o fato de ser agredida. Todas essas perguntas foram respondidas por mulheres que sofrem, cotidianamente, a violência doméstica no município de Mossoró-RN. 26 1.2. Justificativa Os sentimentos experimentados pelas mulheres que são agredidas por homens, são, certamente reflexo de suas visões de mundo, de suas crenças e valores, bem como de sua educação. Discutir essa questão, constituiu-se o móvel desta pesquisa, servindo de norte, para sua execução, a busca da transparência do "eu interior**, da mulher que é agredida pelo "macho”, em que pese a conscientização de o "eu interior" é, muitas vezes, mascarado pelos papéis desempenhados em sociedade, e que o eu intrínseco e moral, por vezes difere muito do eu extrínseco e social. A aparência, ou seja, o que diz respeito ao que se espera socialmente, e a essência, o que é intrínseco ao ser, no caso a subjetividade, apesar de serem partes integrantes e inerentes da constituição humana, nem sempre coincidem. Se aparência e essência sempre coincidissem, é possível que essa pesquisa tivesse sido desnecessária. A compreensão da identidade da mulher, sujeita à violência masculina, oferece subsídios às discussões sobre estratégias que possam ser viabilizadas, para diminuição desses agravos. Acredito que esse trabalho tenha se constituído em algo de singular relevância, pela abordagem que fez de uma temática muito complexa, mas, de certa forma, bastante rotineira na vivência feminina, responsável por graves danos às mulheres expostas a esse trauma. Partindo do pressuposto de que para contribuir com a resolução de um problema, é necessário conhecê-lo em suas particularidades, realizei este estudo com rigor científico, centrado na representação social da identidade da mulher sujeita à violência, por parte de homens. 27 1,3. Objetivos ® Organizar um quadro representacional de crenças e valores, sob o qual se estrutura a representação social da identidade da mulher que sofre violência masculina; ® Identificar as conseqüências e repercussões da violência sobre a mulher, em seu cotidiano; « Conhecer as formas de enfrentamento utilizadas pela mulher vítima de violência. 28 2. REVISÃO DE LITERATURA 2.1. Violência e seus desdobramentos Atualmente, a violência se configura como um dos grandes problemas da sociedade moderna. No Brasil, de acordo com Souza e Mínayo (1995), a partir de 1989, a violência tornou-se a segunda causa de óbito no Brasil, situando-se abaixo apenas das doenças cardiovasculares. Observa-se que a violência está presente em todos os lugares e vem aumentando deforma significativa, tanto nas grandes metrópoles, quanto nas cidades pequenas; mesmo apresentando-se em proporções diferentes às infrações, de outros tipos, cometidas nesses locais, persistem as semelhanças, em relação à progressão do fenômeno, o que leva diversos estudiosos a procurarem elaborar tentativas de explicação para o crescente e preocupante desenvolvimento dessa ocorrência, Odalia (1983,p.O9) afirma que, “a violência, no mundo de hoje, parece tão entranhada em nosso dia-a- dia, que pensar e agir em função dela, deixou de ser um ato circunstancial, para se transformar em uma forma de ver e viver no mundo.” De acordo com o referido autor, a violência, que faz parte do nosso cotidiano, garante alterações visíveis no modo de vida das pessoas. Tal se revela no modo como evitam sair à noite, por medo de assalto, não conversam com desconhecidos e nem mesmo com seus vizinhos, esquivando-se de possíveis envolvimentos que possam lhes trazer aborrecimentos e discussões, mudam a arquitetura de suas 29 casas, construindo muros altos e feios, para atender à necessidade de proteção de si, da família e dos próprios bens. Secco (2000) afirma que os moradores das metrópoles brasileiras, ao saírem de suas casas, convivem com a possibilidade real de que venham a sofrer algum tipo de ataque físico. A ansiedade gerada pela insegurança, nos grandes centros, proporciona inúmeras intercorrências na saúde dessas pessoas, sendo a mais comum a Síndrome do Pânico, que se caracteriza pelo medo exacerbado de sair do interior de suas casas, único local considerado seguro. No dia-a-dia, a mídia tem mostrado que a violência grassa no mundo atual, discutindo o problema sem, no entanto, alcançarum consenso, sem conseguir caracterizá-la, sobretudo porque esta tem continuamente renovado suas formas de apresentação, tornando-se cada vez mais elaborada e cruel, dificultando o entendimento e consequentemente, o desenvolvimento de estratégias de enfrentamento pelos órgãos competentes, para minimização do problema. Chesnais (1999, p.55) afirma que a violência acontece sobretudo, no âmbito urbano e, principalmente, pela desigualdade existente na sociedade brasileira, fato perceptível através da ''coexistência cie uma oligarquia riquíssima (São Paulo é, depois de Nova Iorque, a cidade com maior número de jatos particulares) e de massas miseráveis." Pode-se inferir que o crescimento desordenado das cidades, o expressivo êxodo rural, a quase inexistência do acesso aos bens e serviços públicos, por parte da maioria da população, o desemprego e todos os problemas que este acarreta, são fatores que contribuem, de maneira importante, para o aumento da violência no Brasil. Entretanto, acredita-se que tais fatores não são sinônimos da violência. A criminalidade, quando associada à pobreza, mão leva em conta nenhuma 30 contextualização histórica, nenhum passado, nenhuma distinção pessoa! ou social.,.'1’ (Almeida, 1996, p.162) No espaço urbano, principalmente, existe uma associação estereotipada entre violência e pobreza, o que “traz uma identidade estigmatizada do pobre, do favelado, do negro, do jovem, expondo os moradores da periferia ao olhar empobrecedor que os homogeneiza enquanto “marginais” e “vagabundos”, sem fazer distinções entre eles, e, de antemão, excluindo a condição de trabalhador." (Almeida, 1996, p.162) Para Almeida (1996) muitas dessas pessoas encontram-se inseridas no mercado de trabalho, mas são tratadas e até chamadas de marginais, em virtude de sua carência de condições materiais. Sousa e Mínayo (1995), referem ser um dos grandes causadores da violência, a formação indiscriminada dos poderosos grupos de narcotráficos, que têm entre suas maiores vítimas, os jovens de 15 a 29 anos, cujo perfil é o de pessoas pobres, de baixa escolaridade e baixa qualificação profissional, sexo masculino, de cor negra ou mulata. Na mesma obra, p.112, a autora faz uma ressalva quando afirma que “muitos dos jovens que estão morrendo, não são engajados na criminalidade: são vítimas de uma mentalidade exterminista, e eliminados nas ruas e no anonimato, nesse clima de terror, insegurança e medo em que se transformaram muitos lugares dos centros urbanos do país.” Enfim, as precárias condições de vida e a desigual distribuição de renda, na sociedade, têm contribuído para que haja um aumento da violência, uma vez que estabelece explicações e 31 justificativas, para aceitá-la como um fato normal. Algumas Organizações Não Governamentais atuam no sentido de promover a compreensão da importância da participação do indivíduo, como sujeito atuante na história, na luta por uma justa distribuição de renda, acesso aos serviços e às necessidades básicas de saúde, educação, emprego e lazer, como fator preponderante para que ocorra a diminuição nas circunstâncias da violência, contribuindo, com isso, para o aumento da qualidade de vida da população. Diógenes (1996, p.142), ao abordar a violência no espaço urbano, afirma que "...a “violência vinda cie baixo” e a ‘violência vinda de cima”, articulam-se no mesmo enredo e põem face a face, atores diferenciados. A “violência vinda de baixo”, antes “invisível”, pelo distanciamento das zonas de concentração de grandes contingentes de excluídos, cada vez mais é explicitada. A violência ganha as ruas, assume faces diversas, potencializa-se, de tal forma, que ordem e desordem “ocupam” o mesmo “lugar”, tornando, potencialmente, qualquer espaço um “locus” de expressão da violência.” Infere-se, desse contexto, que a violência poderá ocorrer em qualquer espaço, sob uma gama infinita de pretextos ou explicações, posicionando-se como uma questão fundamental, que deverá permear a discussão da violência perpetrada contra a mulher ™ a chamada violência de gênero ™ que acarreta sérias implicações psicológicas e sociais a essa categoria. Chesnais (1999, p.54) ao comentar sobre a violência doméstica, diz que 32 "esta é a violência oculta atrás dos muros das casas, a violência sexual, as rixas familiares e as crianças espancadas, só são conhecidas muito parcialmente, mesmo em caso de falecimento das vítimas; as circunstâncias das mortes são, então, esmagadas sob uma capa de silêncio." 2.2. Violência contra a mulher O fenômeno da violência, contra a mulher, tem-se revelado muito complexo e de difícil solução, haja vista o espancamento de mulheres "... encontrar-se tão arraigado na nossa sociedade, que frequentemente parece invisível. É um fenômeno tão difuso que literalmente não ocorre de maneira que se possa relatá-lo, ou colher estatísticas ao seu respeito.” (Langley e Levy, 1980, p.27) A falta de dados fidedignos, é um dos grandes entraves para que se possa atuar, de forma mais efetiva, na minimização do problema. Muitas mulheres não denunciam os episódios de violência, até que chega a um nível insuportável; outras, sofrem agressões fatais, sem que consigam chegar ao relato do seu sofrimento. Uma das explicações para essa realidade, está ligada ao fato de que a maioria das agressões perpetradas contra mulheres, ocorre dentro do espaço doméstico, o que para Saffioti e Almeida (1995, p.35) "... constituí o caldo de cultura propício à rotinização das relações violentas.” Para Sousa (1997, p.50), “a violência doméstica, assim denominada por ser efetivada no espaço privado do lar. ou envolver relações familiares, entre parceiros de uma relação afetiva, é mais comum do que se quer admitir e acontece, cotidianamente, sob várias formas." 33 Esse estado de coisas só é verdadeiro, porque o homem tende a conceber a mulher como um ser inferior, sem vontade própria, passiva e submissa aos seus desejos e desmandos, enfim, uma propriedade sua. A submissão da muíher ao homem é ratificada pela igreja, pela sociedade e pela Lei. A inferioridade feminina supõe a superioridade masculina, dando ao homem o direito de agir da forma que lhe for mais conveniente, podendo mesmo usar de força física para colocar a mulher no seu devido lugar, segundo assim lhe parece. É importante que se diga que a violência contra a mulher é um fenômeno democrático, não escolhe classe social, raça e nível de educação. Está presente em todos os lugares, sendo qualquer homem, um agressor, em potencial, da mulher. E isso é facilitado pela ideologia dominante, continuamente repassada pela cultura e pelos meios de comunicação. Sousa (1997, p.47), considera que “muitas mulheres acham que a violência da qual são vítimas, é uma decorrência natural de sua condição de gênero. Entendem que sempre foi assim, e aceitam isso como fato consumado, por acharem que não têm condição de mudar essa situação.” Beauvoir (1999a), diz que o homem, pelo fato de ser homem, sempre se considera certo, é a mulher que está errada. Afirma a autora, em seu discurso, que a mulher é o Outro e o homem é o absoluto, o sujeito da história. A mulher é quem se determina e se diferencia em relação ao homem, e não o contrário. Ele considera que a fêmea é inessencial, ele é essencial. Talvez seja essa a maior causa da violência masculina contra as mulheres: a assimetria estabelecida entre os sexos que concede 34 poder a um, em detrimento de outro. No Jornal O POVO, de 21 de novembro de 1999, foi veiculada uma matéria intitulada Vivendo com o perigo, em que era ressaltado o problema da violência contra a mulher. De acordo com o referido conteúdo da matéria publicada, a violência acontece em espaços geográficos variados, independendo de sua condição de país rico ou pobre. Os dados são estarrecedores, mesmo que se saiba que não podem ser considerados fidedignos, haja vistao número de mulheres que prefere ocultar a violência que perpassa em seus relacionamentos afetivo-sexuais. Na América Latina, as estatísticas são alarmantes, conforme o demonstrado, em relação aos seguintes países: ® México: 90% dos abusos sexuais são cometidos contra meninas que, além disso, recebem uma alimentação inferior, em qualidade e quantidade do que as dos meninos e de outros membros da família. Quarenta e sete por cento (47%) das meninas de rua, abandonaram suas casas, por terem sofrido maus tratos, d algum tipo, além de abuso sexual. • República Dominicana: 50% das prostitutas da Holanda são provenientes desse país e, para elas, o exercício da profissão é sinônimo de ameaça, humilhação, suborno e violência física e sexual ® Guatemala: 49% das mulheres afirmaram, já ter sofrido violência doméstica. Pesquisa realizada na região, com uma amostragem de 650 mulheres, dá conta de que 30% já foram alvo de algum tipo de violência, dentro de casa. ® Nicarágua: 32,8% das mulheres, em idade reprodutiva, são vítimas de violência severa. 35 ® Costa Rica: 54% das mulheres, já sofreram violência doméstica, quer de natureza física, psicológica, ou sexual. • Venezuela: entre os anos de 92 e 97, pelo menos 591 mulheres foram vítimas de homicídio. As causas elencadas foram: crime passional, brigas, roubo seguido de estupro e espancamento. ® Equador: 83% dos estupros denunciados, foram cometidos por familiares ou conhecidos e 88% das mulheres disseram sofrer algum tipo de violência por parte de seus companheiros. ® Colômbia: 20% da população feminina já foram vítimas de algum abuso físico, 10% de abuso sexual e 14% de abuso psicológico. • Peru: dados mostraram que 68,5% dos agressores das mulheres estavam sóbrios; destes, 57% eram maridos das vítimas e 38,9% eram seus companheiros. • Paraguai: em 1997, 70% das denúncias recebidas por um órgão do Ministério Público paraguaio, referiam-se à violência contra mulheres. «> Chile: 60% das mulheres que vivem com um parceiro, sofrem algum tipo de violência em casa, e mais de 10% sofrem abuso físico grave. • Brasil: as Delegacias da Mulher apontam que 85,5% das mulheres que denunciam a violência física, acusam os seus parceiros. Os crimes mais denunciados são lesões corporais e crime de ameaça. Entretanto, mesmo apresentando realidades sociais, culturais e econômicas diferenciadas, como foi ressaltado anteriormente, em todo o mundo a violência contra a mulher acontece de forma bastante acentuada. É o caso dos Estados Unidos, onde em cada 3 mulheres, uma sofre agressão física do parceiro, pelo menos uma vez, ao longo da vida. Na Argélia, baseando-se em uma interpretação primária dos preceitos mulçumanos, as mulheres não podem trabalhar fora de casa, 36 e são obrigadas a usar um véu, sob pena de serem espancadas, publicamente. Na África, em regiões do Oriente Médio e no sudoeste asiático é imposta à população feminina a mutilação de parte da genitália, dentro de um ritual tribal de passagem da infância para a maturidade. Esses povos acreditam que essa prática milenar, preserva a virgindade das mulheres, garante um bom casamento e reprime os desejos sexuais das jovens. Na Etiópia e Somália, as mulheres, além de serem submetidas a essa agressão física e psicológica, são infibuladas, prática que consiste na extirpação dos lábios vaginais, seguida de sutura, deixando- se apenas uma pequena abertura para emissão da urina e fluxo menstruai. Na índia, inúmeros são os casos em que é negado, à mulher, o direito à vida, visto ser esta considerada uma carga para a família, pelo que, deverá ser extirpada. No Canadá, a violência de gênero atinge quase um quarto da população feminina. E, por fim, em Israel, as mulheres são continuamente espancadas, fato que a sociedade justifica como sendo em defesa da honra masculina. É possível observar que não há grandes diferenças, entre os países, no que se refere à violência contra a mulher. Acontece, inclusive, de algumas vezes, serem estes normatizadores de regras sociais severas, que não permitem o recuo da violência contra a mulher, mas, sim, o seu aumento progressivo. No Brasil, foi a partir da década de 70 que o fenômeno da violência contra a mulher ganha visibilidade, com a campanha intitulada 37 "Quem Ama não Mata". Os casos de assassinatos de mulheres ganharam notoriedade na imprensa, o que suscitou o interesse de pesquisadores em estudar essa temática. (Azevedo, 1985; Saffioti, 1994; Saffioti e Almeida, 1995) Azevedo (1985) põe à mostra o aparecimento de dois níveis de discurso: o erudito e o senso comum. O primeiro, concebia a violência como intrinsecamente determinada pelo aspecto político-econômico da sociedade; o segundo, percebia a violência como uma relação de poder, em que o homem era o sexo mais forte e a mulher, o mais fraco. No entanto, ' dadas as imprecisões • conceituais nos dois discursos, que não demonstravam os fatores que contribuíam para a exacerbação da violência, entre os sexos, outros vieram a superá-los, sendo o mais aceito pelos estudiosos da violência o de Chauí (1984), que é adotado neste trabalho. A autora, em questão, define violência, como sendo "uma realização determinada das relações de força, tanto em termos de classes sociais, quanto em termos interpessoais. Em lugar de tomarmos a violência como violação e transgressão de normas, regras e leis, preferimos considerá-la sob dois outros ângulos. Em primeiro lugar, como conversão de uma diferença e de uma assimetria em uma relação hierárquica de desigualdade, com fins de dominação, de exploração e de opressão. Isto é, a conversão dos diferentes em desiguais e a desigualdade em relação entre superior e- inferior. Em segundo lugar, como a ação que trata um ser humano não como sujeito, mas como uma coisa. Esta se caracteriza pela inércia, pela passividade e pelo silêncio de modo que, quando a atividade e a fala de outrem são impedidas ou anuladas, há violência." (Chauí, 1985, p.23-6) 38 Azevedo (1985:20), diferencia a violência contra a mulher, com base na escala de Richards e Purdy que demonstram o seu continuam crescente. QUADRO 01: Atos abusivos cometidos por homens contra as mulheres no ambiente doméstico. A) ABUSO SEXUAL: 1. Assedia sexualmente a muiher, em momentos inoportunos. 2. Caçoa da sexualidade da mulher 3. Acusa-a de infidelidade. 4. Ignora ou nega as necessidades e sentimentos sexuais da mulher. 5. Critica seu corpo e sua maneira de fazer amor. 6. Toca-a de modo não agradável para eia; força-a a tocá-lo ou a olhar o que não deseja. 7. Retira-lhe todo e qualquer momento do amor e carinho. 8. Chama-a de “puta*' e de "frígida", alternadamente. 9. Exige o sexo constantemente. 10. Força-a a desnudar-se (às vezes diante dos filhos). 11. Sai com outras mulheres. 12. Exige sexo através de ameaças. 13. Força a mulher a fazer amor com outros homens. 14. Sente prazer em causar dor à mulher durante o ato sexual. 15. Exige sexo depois de ter espancado a mulher. 16. Usa objetos ou armas sexuaímente, com o propósito de causar dorà mulher. 17. Homicídio. B) ABUSO FÍSICO 1. F3elisca-a. 2. Empurra-a, imobiliza-a 3. Sacode-a, dá-ihe empurrões. 4. Esbofeteia-a. agarra-a pelos cabelos. 5. Aperta-a, deixando marcas em seu corpo. 6. Dá-lhe socos e/ou pontapés. 7. Aperta-lhe o pescoço, atira-lhe objetos. 8. Repetição de qualquer ato anterior. 9. Golpeia-a em partes específicas do corpo. 10. Transforma objetos de casa em armas de agressão. 11. Fá-la girar. 12. Imobiliza-a e golpeia-3 13. Fá-la abortar. 14. Deixa-a na cama. 15. Produz cortes que demandam suturas. 16. Quebra-lhe ossos: produz-lhe feridas internas. 17. Agride-a com armas (pistolas, facas, veneno, etc.). 18. Deixa-a desfigurada ou aleijada. 19. Homicídio. C. ABUSO PSICOLÓGICO (emocional): 1. Caçoa da mulher. 2. Insulta-a 3. Nega seu universo afetivo. 4. Jamais aprova as realizações da mulher. 5. Grita com ela6. Insulta-a repetidamente (em particular). 7. Culpa-a por todos os problemas da família, 8 Chama-a de "louca", "puta", "estúpida", etc. 9 Ameaça-a de violência. 10- Critica-a como mãe, amante e profissional. 11. Exige toda atenção da mulher, competindo zelosamente com os filhos. 12. Critica-a reiterada mente (em público). 13. Conta-lhe suas aventuras com outras mulheres. [ 14. Ameaça-a com maus-tratos para os filhos. | 15. Diz que fica com a mulher apenas porque ela não pode viver sem ele. 16. Cria um ambiente de medo. 17. Faz com que a mulher fique desesperada, sofra depressão e/ou apresente outros sintomas de enfermidade mentai. 18. Suicídio. 39 Entretanto, para melhor explicitar os modos como ocorre, comumente, a violência contra a mulher, recorreu-se à opção de descrevê-las, de forma bastante sucinta. 2.2.1. Violência Simbólica Alves e Cavenaghi (2000, p.11), consideram a violência simbólica como 'uma forma agressiva de se manter e se perpetuarem as desigualdades sociais e individuais entre os gêneros." Miller (1999) diz que na violência simbólica, os ferimentos não são visíveis, sendo, portanto, mais sutis. Os homens destroem, aos poucos, a auto-estima das mulheres, reprimindo seus desejos, eliminando suas bases de apoio, submetendo-as a um contínuo processo de despersonalização. Com muita freqüência, a violência simbólica é transformada em violência física. Os insultos constantes tornam-se ameaças que podem se converter, na realidade em surras e homicídios. De acordo com Miller (1999, p.163-4), em termos de rotina, os atos mais cometidos por homens, são: • Perturbação da ordem: gritar, pronunciar obscenidades e xingamentos, quebrar janelas e derrubar portas. ® Molestamento: seguida, esconder chaves, esvaziar os pneus do seu carro, não permitir visitas à família ou a amigos, telefonar repetidamente, quebrar as suas coisas favoritas, humilhá-la, fazer exigências irracionais. ® Ameaça em terceiro grau: trancá-la em armário, trancá-la fora de casa, agitar uma arma à sua frente, bater em seu animal de estimação, rasgaras suas roupas, fingir que vai esmurrá-la. 40 e Exposição irresponsável ao perigo: levar as crianças no carro, sem o cinto de segurança, forçá-la a sair de casa à noite, não deixá-la tomar remédios, forçá-la a beber ou ingerir drogas. O convívio permanente com a violência simbólica, permite à mulher, ver-se como culpada da sua situação, levando-a a acreditar na sua incapacidade de propiciar o bem-estar do companheiro e de seus filhos, promovendo o seu isolamento. Tudo isso contribui, de forma importante, para o alto índice de tentativas de suicídio, como forma de eliminação do problema. ”É praticamente impossível seguir a pista - extensa, complexa, labiríntica - da violência nossa de cada dia, imposta à mulher, Mas, em grandes linhas, ela se inicia precisamenté com os deixo-nâo-deixo, quero-não- quero, gosto-não-gosto, concedo-nego, permito-proíbo, zelo pelo que é meu, E por aí prossegue, através dos isso não é coisa de mulher, proibida a entrada de mulheres desacompanhadas, inteligência feminina é voltada para o miúdo e o imediato, não fale do que não entende, candidatos exclusivamente do Sexo masculino, lógica de mulher, ela é eficiente como um homem; por sua própria natureza, a mulher é emocional e instável, ela pensa com o coração e os ovários, fora do casamento e da maternidade, a mulher não se sente realizada, preferimos empregar mulheres porque rendem mais, pedem menos salários e não fazem reivindicações, mas, em cargos de chefia, não, porque os homens não admitem ser mandados por mulher, a missão sublime de esposa e mãe, não é discriminação, é só que não dispomos de sanitários femininos, não alugamos a mulheres sozinhas, para manter a moral do prédio, mulher dirigindo automóvel é aquela desgraça, devia ser proibido, as feministas são neuróticas e frustradas, ora meu bem não esquente sua cabeça com problemas, deixe comigo que eu resolvo, mulher ambiciosa perde a feminilidade, mulher tem de ser delicada como uma flor e, como é, papou? faturou o material? e por que meu jantar não 41 está pronto e onde estão minhas meias e falta botão na minha camisa e me traz um cafezinho e leva pra lá essas crianças que estão fazendo um barulhão dos diabos... E já que o estupro é inevitável, relaxe e goze. De preferência em cima do fogão, porque lugar de mulher é na cozinha..." (Carmem da Silva apud Azevedo, 1985, p.157) É assim, desse modo, que se constituí a violência simbólica, tâo "natural", tão "sem pretensões", sem "intenção" de denegrir, de machucar, de ferir. É isso que dizem os homens, grandes perpetradores desse tipo de violência. Para Azevedo (1985, p.13) a violência simbólica é um tipo "sutil, feita de críticas e recriminações constantes, de inveja e desvalorizações profissionais, de cerceamento e isolamento, de competição por cuidados e atenção, de recusa da solidariedade em momentos difíceis, de apelos ambíguos, de negação, enfim do direito de ser pessoa, diferente, porém igual e livre, para poder optar e crescer.” 2.2.2. Violência física É considerada violência física, qualquer ato que inclua chutes, tapas, empurrões, queimaduras, mordidas, estupro e uso de armas fatais. Em todo o mundo, milhares de mulheres sofrem, rotíneiramente, com essas agressões, sendo consequências diretas desse problema, hematomas, fraturas, cortes, dores de cabeça, patologias ginecológicas, doenças sexualmente transmissíveis, abortos, partos prematuros, violação sexual, além do consumo excessivo de drogas, como o álcool, cigarros e remédios. 42 É evidente que esse tipo de violência não está desvinculado das demais formas de violência, tais como a exclusão do mercado formal de trabalho, o difícil acesso à educação, a desigual distribuição de renda, configurados como violência estrutural em que se pese o fato de dar o devido valor a esses aspectos, quando o problema é discutido. Grossi (1995, p. 134-5), ao abordar a violência contra a mulher, afirma que esta é, antes de tudo, "reflexo de uma desigualdade social, econômica e política, que é perpetuada pelos aparatos sociais que reforçam ideologias sexistas, racistas e classistas. (...) A violência física, nada mais é do que uma das formas mais exacerbadas de poder masculino," Em outras palavras, a sociedade, ao definir para a mulher o papel de passiva-submissa-doméstica-fraca-impotente, concede ao homem espaço para desenvolver sua dominação, em que ocorre o processo de mutilação feminina, de forma lenta e gradual, sendo o mesmo considerado legitimo. 2.3. Processo de construção da identidade e sua contextualização sócio-cultural e temporal A noção de identidade que o indivíduo possuí está intrinsecamente ligada ao seu eu imaginário, constituído de várias facetas identitárias. A identidade é resultante de uma mistura do individual com o social, do confronto entre o peso das estruturas sociais e as vontades e liberdades individuais. 43 A identidade é o que torna a pessoa única e semelhante, parecida e diferente dos outros. É interessante ressaltar que esses sentidos, apesar de diferentes (indivíduo e coletivo), apresentam-se juntos (um e outro), sem que haja aigurna exclusão (de um ou de outro). O sentimento de identidade é decorrência de um processo evolutivo, que não se realiza sem que haja a existência de rupturas e crises, perpassando e diferenciando-se em todas as fases de desenvolvimento humano. A par disso, exprime o desejo de ser único, sem deixar de pertencer a um determinado grupo. “A identidade do indivíduo é um constructo, ao longo da vida, se revestindo-se, cumulativamente, de várias facetas identiíárias (...) mutantes e até contraditórias, entre si, mas que mantêm uma certa organização, coerência e estabilidade.” (Andrade, 1998, p.142) A identidade, nesse entendimento, é resultado dos processos sociais, podendo ser mantida, modificada ou mesmo modeladapelas reiações sociais, como, também, modificar essas relações. Tap (1979) diz que a identidade é um sistema articulado de múltiplas dimensões, tais como: a) a continuidade; b) a coerência (unidade); c) a positividade (valorização, avaliação, estima); d) a diferenciação interna; e) a diferenciação externa; 0 a afirmação de si; 9) a originalidade (unicidade). É necessário, pois, o uso de estratégias adequadas, para que 44 essas dimensões sejam mantidas, isso quer dizer a identidade será consolidada à medida que o sujeito perceber a importância que ele representa para ele próprio, para o grupo em que se insere e para os acontecimentos que se sucedem em sua vivência. A construção da identidade é influenciada pelos valores, crenças, tradições e costumes que são constituintes e constituídos em um determinado contexto sócio-cultural e temporal. É através do processo de socialização, em que ocorre a construção de mitos, estereótipos e condutas, que se consolidam a identidade e a subjetividade femininas. Na realidade, a formação da identidade ocorre através de um processo de reflexão, e de observação a partir da forma como o indivíduo se vê mediante a visão das outras pessoas ao seu respeito. Garcia et al (2000, p. 42) afirmam que "para a construção da identidade feminina, do mesmo modo que para a construção da identidade masculina, concorrem duas categorias básicas distintas, mas intimamente relacionadas. A primeira delas, a categoria sexo, refere-se à conformação anatòmica/biológica particular, que confere ao macho e a fêmea características distintivas, atribuindo-lhes um papel distinto na reprodução da espécie. A segunda, a categoria gênero, refere-se, por sua vez, às associações psicossociaís específicas, para cada sexo, associações essas que são socioculturalmente construídas, apreendidas, internalizadas e reproduzidas, ao longo das gerações. Ambas, as identidades de sexo de gênero, fazem parte da identidade pessoal/social do indivíduo, e são componentes essenciais da sexualidade humana. A construção da identidade feminina é permeada pelo modo como as mulheres são descritas pela sociedade - pessoas de condição 45 intelectual inferior, submissas, dependentes, futeis, passivas, frágeis, dadas ao sofrimento e às reclamações. Felizmente, a construção da identidade é um processo dinâmico, que vai continuamente sofrendo transformação, mediante a socialização dos indivíduos, sendo, por conseqüência, articulados diferentes discursos, representações e práticas, fatos que contribuem para a formação do sujeito, como ator de sua própria história. ® A identidade feminina A identidade feminina vem sendo conformada no transcorrer dos tempos, de acordo com a concepção que se tem do papel que a mulher deve assumir, naquele momento específico. Beauvoír (1999a, p.09) diz que “Ninguém nasce mulher: torna-se mulher.” Não é o destino o responsável pela formação que a fêmea assume na sociedade; é a sociedade que qualifica o feminino. Sua identidade está pois, ligada a todas as determinações sociais, com as quais ela convive e pelas quais é condicionada a apreender, como sua verdade interior. Historicamente, a mulher vem sendo submetida a um processo de castração, que visa impedir o seu desenvolvimento, favorecendo o homem a ganhar destaque em campos ditos masculinos. A mulher tem, como herança, a culpa do pecado original e, portanto, precisa se redimir, através de sua concordância com a superioridade masculina. Para Boise (1994, p.09), a diferença entre os sexos, encontra explicações a partir de teses que são raramente contestadas, tais como as que atribuem às mulheres, um maior interesse pela esfera das relações e 40 dos afetos, e aos homens, uma maior preocupação pela autonomia e eficiência," No imaginário das pessoas, por muito tempo foi tido como natural, que as situações, das quais os sujeitos deveríam participar, estivessem muito ligadas ao fato de serem estes homem ou mulher. Eram os aspectos culturais, que definiam os papéis masculino e feminino. Ao homem, cabia a autoridade, o dom de comandar, o direito de tomar todas as decisões, tidas como importantes e, á mulher, era reservada a condição de ser subordinado, inferior, cujo poder de decisão era limitado aos assuntos domésticos, por não se acreditar na sua capacidade intelectual. A maternidade era vista como a única forma de realização pessoal e, quando havia a necessidade de trabalhar fora de casa, só o fazia se essa ocupação não trouxesse prejuízos aos seus papéis de esposa-mãe-dona de casa. Entretanto, apesar de todas as tentativas de moldar a mulher aos desejos da sociedade patriarcal, algumas mulheres opunham-se a essa “identidade" deturpada, que lhes queriam imputar. Reagiam, formando movimentos que discutiam a sua inserção, como sujeito da história, atriz na peça que tratava de sua vida e de seus desejos. Essas mulheres foram discriminadas pela sociedade, inclusive por outras mulheres, mas não desistiram e prosseguiram na luta clamando por equivalência entre os sexos. Sabe-se o quão distante ainda se está do alcance desse objetivo, mas não se pode negar os grandes avanços que foram conseguidos, nos últimos anos. A identidade feminina, permeada de preconceitos, crenças, visões de mundo, tem conseguido transformar-se e, com isso, permitido que avance o processo de transformação da sociedade, o que se dá de forma lenta, contraditória, com avanços e recuos, alegrias e tristezas, mas com vontade, uma imensa vontade de mostrar que mudar uma concepção tão arraigada em nossas mentes, é possível. 48 3. REFERENCIAL TEÓRICO METODOLÓGICO Metodologicamente, este trabalho apoia-se na Teoria da Representação Social, sendo que, uma vez que a análise estrutural é utilizada como ferramenta, para a decodificação do sentido, necessário se faz lançar mão também da semiótica do discurso, no processo de comunicação, como suporte para o processo da referida análise. 3.1. A teoria da Representação Social Para subsidiar a busca pelo entendimento da violência contra a mulher, fenômeno que vem ascendendo de forma preocupante, minha opção recaiu na Teoria da Representação Social (RS), por acreditar que é um suporte que favorece a compreensão do problema pesquisado: a representação social da identidade da mulher, que sofre violência masculina. Por configurar-se como um elemento que possibilita o entendimento do fenômeno da violência, considero a Teoria da Representação Social suficientemente aplicável ao estudo, haja vista o seu objetivo compreender o processo de construção social da realidade que permite construções diferenciadas para as identidades masculina e feminina. Mais do que isso busca, conhecer as opiniões, conceitos e explicações acerca de fatos e fenômenos vividos no cotidiano, emitidos pelos indivíduos nas suas representações e para o qual são utilizadas referências apreendidas através da socialização, pelo processo da comunicação.(Nóbrega, 1990) 49 Wagner (1998, p.03) diz que é impressionante o número de pesquisas realizadas, nos últimos 30 anos, sobre representações sociais.Segundo ele, "o denominador comum, desse tipo de pesquisa, é a característica de tal conhecimento ser um conjunto coletivamente compartilhado de crenças, imagens, metáforas e símbolos, em um grupo, comunidade, sociedade ou cultura.” Nessa perspectiva, as RS demonstram o que as pessoas pensam e fazem, sobre as coisas de seu mundo particular, porém não desvinculado do conhecimento criado pelo grupo do qual são parte integrante. Dessa forma, “a representação funciona como um sistema de interpretação da realidade, que rege as relações dos indivíduos com seu meio físico e social. É ela que vai determinar seus comportamentos e suas práticas. A representação é um guia para a ação, orientador das ações e das relações social.” (Abric, 1998, p.28) Assim sendo, a RS é uma forma de entender a construçãosocial do indivíduo, a partir de sua integração com o grupo, no qual crenças, opiniões, informações e atitudes são compartilhadas e influenciam na formação dos universos consensuais deste indivíduo e do grupo, como um todo. As Representações Sociais são produzidas nos universos consensuais, através da interação social cotidiana das pessoas no compartilhamento das suas "teorias”, com predomínio do senso comum. A Teoria da Representação Social, tem como um dos seus maiores expoentes, Serge Moscovici, o qual, a partir de lacunas teóricas .50 encontradas nos estudos do sociólogo francês Émile Durkheim, no tocante à interpretação dicotômica do conceito de representação coletiva, resolveu estudá-las e, em 1961, publica sua tese de doutorado sobre a questão inédita das “Representações Sociais”, no livro “La psychana/yse. son Image et son public: étude sur Ia representation socíale de Ia PsychanalyseL em Paris-França. Para Durkheim, o saber produzido e partilhado, coletívamente,exercia uma coerção sobre os indivíduos, fazendo-os pensar de forma homogênea. Nesse caso, o coletivo transcendia o individual, visto que era estável na transmissão e reprodução do saber, opondo-se à instabilidade das representações individuais. Tal fato confere à representação coletiva, o status de objetividade, requerido pela ciência. Moscovíci (1962) descreve a teoria da Representação Social, como uma forma de conhecimento socialmente elaborado e partilhado, enquanto saber prático do saber comum. Ele inova, porque busca verificar como se dá a intersecção da ciência na vida cotidiana da sociedade, e identifica a importância da comunicação, para o processo criativo, "... capaz de explicar o modo pelo qual o novo é engendrado nos processos de interações sociais, e, inversamente, como estes produzem as representações sociais.” (Nóbrega, 1990, p.07) Abric (1998, p.28), afirma que a RS permite ao grupo e ao indivíduo compreender a realidade, a partir do seu próprio sistema de referências. Segundo o autor, "a representação funciona como um sistema de interpretação da realidade, que rege as relações dos indivíduos com o seu meio físico e social. É ela que vai determinar seus comportamentos e suas práticas. A representação é um guia para a ação, orienta as ações e as relações 51 sociais. Enquanto sistema de pré-decodificação da realidade porque determina um conjunto de antecipações e expectativas,” Sabe-se que a comunicação tem um pape! preponderante na RS, pois é através da comunicação social, que ocorre a determinação da formação do processo representacional, estruturado em três níveis: 1. cognitivo - refere-se ao acesso desigual das informações, interesses ou implicação dos sujeitos, necessidade de agir em relação aos outros; 2. formação da RS - objetivaçâo e ancoragem; 3. edificação das condutas - opiniões, atitudes, estereótipos. (Nóbrega, 1990) As Representações Sociais, que são construídas através do processo da comunicação, são produtoras da realidade e repercutem na maneira de interpretar as ocorrências do cotidiano de cada um, seja no âmbito individual, ou coletivo, promovendo, além disso, uma adequação das respostas ao fato ou fenômeno para o qual foi elaborada a representação. É oportuno dizer que, mediante a constituição de uma representação, será "criada" uma realidade capaz de tornar válidas as explicações e previsões dela decorrentes. Desse modo, a comunicação na RS é concebida de duas maneiras: como um processo em desenvolvimento, nos grupos sociais, e como o resultado desse processo (Wagner, 1998, p.09-10). As representações sociais resultam desse processo de comunicação e discurso. Entretanto, o autor observa que "o produto, as representações distribuídas, formam parte do sistema de conhecimento ordinário dos indivíduos, que não pode ser concebido separadamente da condição sócío-genética, sob a qual ele foi formado. A sócio-gènese implica em características específicas das representações sociais, as quais não compartilham com idiossincrasia e conhecimento privado.” Nesse sentido, as representações sociais que são criadas através da comunicação e do discurso, só ocorrem dentro de grupos reflexivos, assim "entendidos aqueles que são definidos pelos seus membros, que conhecem sua afiliação e dispõem de critérios para decidir quem são os membros do grupo.” (Wagner, 1998, p.11) É denominado de genérico, o critério utilizado, considerando que as Representações Sociais produzidas derivam das interações e dos diversos fenômenos comunicacionais, inerentes a um grupo social determinado, cuja situação, projetos, problemas e estratégias, são evidenciados como resultantes da sua atividade cognitiva e simbólica. Pode-se, dessa maneira, concluir que a RS é uma forma encontrada para explicar a relação existente entre o mundo material e o mundo simbólico. De igual forma, essa relação ocorre, principalmente, através do processo de comunicação, compartilhado pelos indivíduos de um determinado grupo social. É importante salientar que os atos de comunicação nem sempre são, ou nem sempre constituem apenas atos de consenso, apresentando-se, muitas vezes, como debates ou discussões acirradas, dentro dos grupos ou entre seus membros. Entretanto, como o processo da comunicação é formado pelos atos de descrever, avaliar e explicar, o que caracteriza o funcionamento da Representação Social, é a transformação da avaliação em descrição e da descrição em explicação. Considere-se, agora, outro ponto que tem gerado discussão sobre a RS, no caso se a representação é determinada pela prática, ou, em caso inverso, se é a representação que determina a prática. Seriam, então, os dois, indissociaveimente ligados ou interdependentes? Não se questiona aqui a importância da prática no desenvolvimento das representações sociais, mas é possível inferir que o sistema de valores do indivíduo é que irá determinar sua apropriação ou não de determinada prática. São as normas, os valores, e as referências do indivíduo, também constituintes da representação social, que o fazem optar ou não pela prática apresentada. Sobre isso, argumenta Rouquette (1998, p.43), “não é mais exato dizer, sem outra precisão, que “as representações sociais e as práticas se influenciam reciprocamente”, uma vez que não se trata de reciprocidade; para uma maior informação, convém tomar as representações como uma condição das práticas, e as práticas como um agente de transformação das representações.” Nessa concepção teórica, as Representações Sociais devem ser entendidas como teorias sociais práticas. 3.1.1. Funções da Representação Social As funções da Representação social aqui utilizadas, correspondem às descritas por Abric (1998), incluindo o acréscimo que efetuou às duas já existentes, justificando a inserção de mais outras resultantes da evolução das pesquisas realizadas, enfocando as cognições e as práticas sociais, as quais estão a seguir descritas: 1.Função do saber: permite compreender e explicar a realidade através da assimilação de conhecimentos pelos indivíduos e/ou grupos, sem que sejam desprezados seus valores, crenças e costumes, o que cria 54 facilidades para que as trocas sociais sejam viabilizadas e que haja a transmissão do saber prático do senso comum, apreendido pelos sujeitos sociais. Essa função é a condição necessária ao estabelecimento do processo de comunicação social. 2. Função identitária: define a identidade e permite a proteção da especificidade dos grupos, haja vista a identidade social assegurar aos indivíduos a permanência no grupo, e garantir que todos os seus membros desempenhem um papel importante, nos processos de socialização. 3. Função de orientação: orienta os comportamentos e as práticas, a partir de um sistema de pré-decodificação da realidade, o qual se constitui em um saber que é assimilado petos indivíduos e/ou grupos, mediante os referenciaisque possuem e que promovem a elaboração de representações que se tornam guias para a ação. É aí que os sujeitos apresentam um papel similar na determinação do comportamento, e definem quais atos, dentro de um determinado contexto social, é considerado lícito, tolerável ou inaceitável. 4. Função justifícadora: permite, a posteriori, a justificativa das tomadas de posição e dos comportamentos., As representações são utilizadas com o intuito de manter ou reforçar a posição social do grupo de referência, mesmo que seja preciso justificar e preservar as diferenças sociais e/ou estereotipar os grupos, contribuindo para que haja discriminação e manutenção da distância social, entre grupos diferentes. 55 3.1.2. Processos de formação das Representações Sociais São dois os processos de formação das Representações Sociais: objetivação e ancoragem (Moscovici, 1962). Embora esses dois processos estejam intrínsecamente ligados e não sejam seqüenciais, alguns teóricos da Representação Social (Sá, 1998; Wagner, 1998; Nóbrega, 1990), descrevem-no de forma autônoma. Afirma Nóbrega (1990, p.16), ao abordar o processo de objetivação, que, “fundamentalmente, a objetivação consiste em materializar as abstrações, corporificar os pensamentos, tornar físico e visível o impalpável, enfim, transformar em objeto o que é representado/' É por ser assim que, a objetivação aborda a maneira como os elementos constituintes da representação se organizam e adquirem materialidade, formando-se expressões de uma realidade vista como natural. O processo de objetivação é constituído de três fases: ♦ a construção seletiva: meio utilizado pela maioria dos indivíduos consumidores da mídia, como forma de apropriação das informações de cunho teórico-científico. Essas informações sofrem um processo de seleção e descontextualização, para que sejam apreendidas apenas as partes consideradas coerentes, levando em conta as normas e os valores individuais, o que permite verificar que a reorganização dos elementos, relativos a um objeto, não é realizada de forma neutra ou aleatória. Em outros termos, a partir da aquisição desses conhecimentos, há uma seleção feita pelos indivíduos, de acordo com o universo do senso comum, a qual é baseada em dois critérios: culturais e normativos. • Esquemateação estruturante ou núcleo central: é o elemento que irá resistir à mudança. São as noções básicas que constituem uma 56 representação, encontrando-se as mesmas organizadas, de forma a constituir um padrão de relações estruturadas. De acordo com Abric (1998, p.31) o núcleo central assume duas funções fundamentais: " _ Uma função geradora: ela é o elemento através do qual se cria, ou se transforma o significado dos outros elementos constitutivos da representação. É através dele que os outros elementos ganham um sentido, um valor. „ Uma função organizadora: é o núcleo central que determina a natureza dos elos, unindo entre si os elementos da representação. Neste sentido, o núcleo é o elemento unificador e estabilizador da representação." • naturalização: configura-se como uma “tela de fundo”, em que são refletidos os delineamentos figurativos, que se concretizam ao formar um conceito novo , e demonstram a relação desse conceito com a realidade. Não é só o abstrato que se torna concreto, através da sua expressão em imagens e metáforas; o que era percepção, faz-se realidade, tornando equivalentes a realidade e os conceitos. Isso posto, a cada palavra corresponde um objeto e cada imagem tem a sua contrapartida na realidade. Integrados ainda ao processo de objetivação, estão o desejo, a avaliação, a demanda e a troca, como forma de explicação da representação social do dinheiro. - O desejo é provocado por algo que se faz recusar, sendo diferente e, por conta do impedimento da sua realização imediata, provoca tensão na relação sujeito ~~ objeto. - A avaliação desenvolve uma escala de desejabilidade, através da qual o desejo será avaliado, qualificado e (des)valorizado. 57 - A demanda configura-se como a possibilidade de escolha sobre a diversidade de desejos e as necessidades apresentadas. - A troca é o que solidifica os laços de reciprocidade entre os indivíduos, o que auxilia o sujeito a pertencer a determinado grupo ou instituição. É definida como sendo a base da vida, em sociedade. A ancoragem. o segundo processo de formação da RS, não pode ser entendida desligada da objetivação, pelo fato de que, juntas, asseguram as três funções essenciais da representação: incorporação do estranho ou do novo; interpretação da realidade; e orientação do comportamento. São também três, as condições estruturantes, sobre as quais é organizada a ancoragem: atribuição do sentido; instrumentalização do saber; e enraizamento no sistema de pensamento. • atribuição do sentido: essa condição estruturante diz respeito à rede de significações, em que são articulados e hierarquizados os valores culturais já existentes e que permitem classificar acontecimentos, comportamentos, pessoas, grupos e fatos sociais, atribuindo denominações que decorrem dos valores, conceitos e crenças dos indivíduos e/ou grupos. ® mstrumentaHzação do saber:- é a interpretação que o indivíduo e/ou grupo faz acerca do objeto, transformando-o em saber útil, com a função de contribuir para a tradução e compreensão do mundo. • Enraizamento no sistema de pensamento: a representação é elaborada a partir de idéias pré-existentes, o que 58 permite a ocorrência de dois fenômenos opostos, na formação de novas representações: incorporação social da novidade e familiarização do estranho. 3.2. Semiótica e pragmática do discurso no processo de comunicação “ visibilidades e silêncios. O fenômeno da comunicação é universal, uma vez ser a comunicação configurada como a base da vida em sociedade. Para Ferreira (1988, p.165), o processo de comunicação caracteriza-se pelo “ato ou efeito de emitir, transmitir e receber mensagens, por meio de métodos e/ou processos convencionados, quer através da linguagem falada ou escrita, quer de outros sinais, signos ou símbolos, quer de aparelhamento técnico especializado, sonoro e/ou visual." Isso significa que, independente da forma utilizada no processo comunicacional, o importante é que a mensagem seja transmitida, não implicando, necessariamente, em sua interpretação. Silva (1999, p. 67~8), citando Vayone, afirmam que a comunicação tem como objetivo a transmissão da mensagem, sendo necessário, para tanto, a presença de alguns agentes constituídos, quais sejam: “emissor ou destinador, responsável pela emissão da mensagem: receptor ou destinatário, capaz de receber a mensagem (o que não significa necessariamente que a mensagem seja compreendida); a mensagem, objeto da comunicação, constituída pelo conteúdo das informações transmitidas; o canal de comunicação, que é a via de 59 circulação da mensagem, os meios técnicos aos quais o destinador tem acesso, para assegurar que a mensagem chegue ao destinatário (meios sonoros visuais); e, finalmente, o código, que oferece um conjunto de signos e regras capazes de serem codificados por uma pessoa, um grupo de pessoas, um animal ou uma máquina.” Os signos desempenham um papel fundamental no processo de comunicação, visto que sua ausência implica impossibilidade da construção da mensagem, fato que assegura a inexistência de uma relação comunicacional. Saussure (2000) concebe a língua como um sistema de signos, sendo estes constituídos de um significante e de um significado. Para o autor (2000, p.80), “o signo linguístico não une só uma coisa e uma palavra, mas um conceito e uma imagem acústica,” Considerado como uma entidade psíquica de duas faces, pode ser representado pela figura: FIGURA 01: Representação saussureana do signo linguístico. A O conceito, representado na figura, refere-se ao significado (imagem mental mediada pelo significante,
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