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2001-dis-lloliveira

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UNIVERSIDADE FEDERAL DO CEARÁ
Faculdade de Farmácia, Odontologia e Enfermagem
Programa de Pós-Graduação em Enfermagem
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A MULHER SUJEITA À VIOLÊNCIA MASCULINA: 
REPRESENTAÇÃO SOCIAL
DE SUA IDENTIDADE
Lucineire Lopes de Oliveira
Fortaleza
2001
FICHA CATALOGRÁFICA
o48m Oliveira, Lucineire Lopes de
A mulher sujeita à violência masculina: 
Representação social de sua identidade/ 
Lucineire Lopes de oliveira, - Fortaleza, 2001.
173f,
Orientador(a): Profa DH Maria Socorro
Pereira Rodrigues
Dissertação (Mestrado) Universidade Federal 
do Ceará, Curso de Mestrado em Enfermagem
1. Enfermagem - aspecto social. 2. Mulheres - 
violência, I, Título
CDD 610,73069
UNIVERSIDADE FEDERAL DO CEARÁ
Faculdade de Farmácia, Odontologia e Enfermagem
Programa de Pós-Graduação em Enfermagem
A mulher sujeita à violência masculina:
Representação Social de sua Identidade
Lucineire Lopes de Oliveira
Dissertação apresentada ao Programa de Pós- 
Graduação em Enfermagem da Faculdade de 
Farmácia, Odontologia e Enfermagem da 
Universidade Federal do Ceará, como requisito à 
obtenção do título de Mestre em Enfermagem na 
Saúde Comunitária.
Orientadora:
ProP Dr* Maria Socorro Pereira Rodrigues
Fortaleza - 2001
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que ™iíiu. batalhae da &ida nem, ianpw dsfr- ganhas/ pel.fr mais, (frete. fru pelfr- 
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cdfr mea maeidfr &duaedfr cdug.g.utfr, pfre seti appifr* efrnstante. e. eludfr de 
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cdfrs meus, pais? dhudanfr e díèitíjnhay eaffr amfrr e dediea^ãfr permitíram?me, 
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cÀ missha ieeuã dDidi e afr meu. eanhadfr Üõegbertp? pela presença em. tfrdfrs 
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■p.aeiêneia e, ineenfiwfr. ÇTeria s.idfr ainda mais ili.fi.eifi sem. fr- e.frn.(frrtfr de 
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c/ís. nunluu. eiusíuidiu.^ ti fui e tia c/lída., eufa e&nfeilwieâtí- f&i iitiefíM para
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Çl&das as eoisas de que falo estão na eidade.
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e mââtf senhos, íjeevses, 
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de que. falam. os. loenais.
cÀs gaexes. tão- rudes,
cAs, oe^es, tão- esesseas
Qp&e mum& a. poesia. as. ilumina. eâm difieuldade,
Mas. é nelas. que. te uefo ^ssls.an.d.&-
Mundo- tusM-
fdUsida. em estado de s.&lu.çães. e esperanças*
C^erreira. l^ullar
Este trabalho conta com o apoio financeiro da Coordenação de 
Aperfeiçoamento do Pessoal de Ensino Superior (CAPES).
SUMÁRIO
LISTA DE FIGURAS
LISTA DE QUADROS
RESUMO
1. INTRODUÇÃO......................................................................................16
1.1. O problema........................................................................................23
1.2. Justificativa.........................................................................................26
1.3. Objetivos............................................................................................27
2. REVISÃO DE LITERATURA
2.1. Violência e seus desdobramentos.................................................... 28
2.2. Violência contra a mulher..................................................................32
2.2.1. Violência simbólica............................................................................39
2.2.2. Violência física...................................................................................41
2.3. Processo de construção da identidade e 
sua contextualização sócio-cultural e 
temporal.............................................................................................42
3. REFERENCIAL TEÓRICO-METODOLÓGICO
3.1. A Teoria das Representações Sociais............................................. 48
3.1.1. Funções das Representações Sociais............................................ 53
3.1.2. Processo de formação das
Representações Sociais...................................................................55
3.2. Semiótica e pragmática do discurso no 
processo de comunicação ~ visibilidades
e silêncios........................................................................................58
4. METODOLOGIA
4.1. Tipo de estudo.................................................................................64
4.2. Sujeitos da pesquisa........................................................................65
4.3. Locai do estudo...... .........................................................................67
4.4. Coleta de dados................................................................................70
4.5. Organização da análise e discussão
dos resultados...................................................................................71
4.6. Aspectos éticos da pesquisa...............................................................76
5. ANÁLISE E DISCUSSÃO DOS RESULTADOS................................78
5.1. DISCURSO A: A força do instinto maternal como
suporte de enfrentamento, utilizado pela mulher,
sujeita à violência masculina............................................................ 84
5.2. DISCURSO B: O dinheiro sendo utilizado como
veículo, de dominação feminina, em um relacionamento
violento..............................................................................................99
5.3.DISCURSO C: A religiosidade como estratégia utilizada
pela mulher para enfrentar a violência...........................................112
5.4. DISCURSO D: O medo do abandono, da separação
dos "outros”, como suporte de enfrentamento da
violência masculina..........................................................................123
5.5. DISCURSO E: A crença no impossível para
tomar possível a convivência com
a agressão masculina......................................................................134
6. REPRESENTAÇÕES SOCIAIS DA IDENTIDADE
DAS MULHERES SUJEITAS À VIOLÊNCIA
MASCULINA......................................................................................144
7. CONSIDERAÇÕES FINAIS...................... 156
ABSTRACT......................... ....................................................................160
8. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS...................................................161
9. ANEXOS
LISTA DE FIGURAS
FIGURA 01: Representação saussureana do signo linguístico.
FIGURA 02: O valor linguístico considerado em seu aspecto conceituai.
FIGURA 03: Representação do. Eixo da Comunicação.
FIGURA 04: Organização do campo representacional da identidade da
mulher sujeita à violência masculina.
LISTA DE QUADROS
QUADRO 01: Atos abusivos praticados pelos homens contra as mulheres 
no ambiente doméstico.
QUADRO 02: Processo de vitímização nas mulheres.
RESUMO
Trata-se de uma pesquisa de caráter qualitativo, norteada pela Teoria das 
Representações Sociais, cujo objetivo é apreender a representação social da 
identidade das mulheres sujeitas à violência masculina. O universo da pesquisa foi 
composto por 98 mulheres expostas a violência masculina em Mossoró-RN, sendo 
utilizado como instrumento, a entrevista semi-estruturada, para obtenção dos 
discursos. Nas entrevistas realizadas, foram identificados cinco discursos 
predominantes: Discurso A - A força do instinto maternal, como suporte de 
enfrentamento, utilizado pela mulher sujeita à violência masculina; Discurso B - O 
dinheiro, sendo utilizado como veículo de dominação feminina, em um 
relacionamento violento; Discurso C - A religiosidade, como estratégia utilizada pela 
mulher, para enfrentar a violência; Discurso D - O medo do abandono, da 
separação, e dos "outros1, como suporte de enfrentamento da violência masculina; 
Discurso E - A crença no impossível, para tornar possível a convivência com a 
agressão masculina; estes, foram selecionados para análise, efetuada segundo a 
técnica da análise estrutural do discurso, o que possibilitou conhecer os fatores 
tidos como determinantes no processo de construção da identidade da mulher 
sujeita à violência masculina. Dentre estes fatores, o predomínio ficou por conta da 
cultura androcêntríca, que considera o homem superior à mulher, naturalizando os 
riscos e agravos a que as mulheres estão expostas, em virtude de sua condição de 
subordinação, inferioridade e desvalorização.
16
1. INTRODUÇÃO
O universo feminino é um espaço repleto de riquezas e 
complexidades, pulverizado por muitas e diversas sensações boas e 
alvissareiras, mas, também, por alguns dissabores e desilusões.
A trajetória básica deste trabalho, teve, como ponto de partida, 
o desejo desencadeado de entender o que pensam, sobre a sua 
condição, as mulheres sujeitas à violência masculina. Intento, no 
desenvolvimento do estudo, conhecer os sentimentos expressos por 
elas, acerca dos maus tratos a que são submetidas, e as estratégias 
que elaboram para conviver com o problema da violência doméstica.
Com este esforço, procuro oferecer uma particular e especial 
contribuição, no sentido de colaborar com a discussão sobre possíveis 
alternativas que possam ajudar essas mulheres a melhorar a sua 
qualidade de vida.
A polêmica em torno do problema da violência contra a mulher, 
decorre de inúmeras causas, tais como: a diferenciação social imposta 
aos indivíduos, em razão do sexo, raça, classe, etc.; o processo de 
vitimização do acusado, tornando a mulher culpada das agressões 
sofridas; e a ausência de políticas públicas efetivas que tratem dessa 
questão. É provável que esteja aí a explicação para o aumento 
crescente desses atos de violência com agressão à mulher. Dentre 
esses, o mais discutido é a cultural subordinação do sexo feminino ao 
masculino, o que constitui um aspecto importante na construção da 
identidade da mulher, exposta à sujeição da violência masculina.
Alves e Pitanguy (1991) ao realizarem uma retrospectiva da 
história das mulheres, demonstram que a submissão feminina teve início 
há muito tempo, caracterizada por idéias repassadas através de valores 
17
e normas culturais impostas pela sociedade, em um determinado 
contexto socia! e histórico.
Na Grécia, a mulher era considerada equivalente aos escravos, 
pelo fato de serem responsáveis pelas tarefas manuais, o que incorre na 
sua extrema desvalorização pelos homens livres. Vale ressaltar que 
eram considerados livres, apenas os homens que desenvolviam as 
atividades consideradas nobres - filosofia, política e artes - integrantes 
do dito mundo masculino.
Alves e Pitanguy (1991), referem-se a Xenofonte, filósofo do 
século IV a.C. cujos argumentos referem que os deuses criaram a 
mulher para as funções domésticas e o homem para todas as outras.
As funções domésticas a que se referia o filósofo era a 
gestação e criação dos filhos, além da execução de atividades ligadas à 
subsistência doméstica da família: fiação, tecelagem e alimentação. A 
mulher exercia ainda trabalhos pesados, como a extração de minerais e 
o cultivo agrícola.
Em que pese essa realidade, o trabalho desenvolvido pela 
mulher não era considerado importante, sendo a mesma vista, quase 
sempre, como um apêndice do homem. Sua história foi contada a partir 
da visão masculina, o que oportunizou a reconstituição sucessiva de 
mulheres subordinadas e submissas aos desmandos do homem/macho. 
Por conseqüência, a segregação social e política foi imposta, 
historicamente, à mulher, tornando-a diminuída perante a sociedade, o 
que contribuía para sua desvalorização, como sujeito, transformando-a 
em objeto.
Segundo analisa Sousa (1997), é através do processo de 
socialização em que são repassados normas, crenças e valores, que 
ocorre a diferenciação entre o mundo masculino e o mundo feminino, 
18
não havendo relação quanto ao fato biológico de se ter nascido homem 
ou mulher.
Para a autora, essa premissa permite afirmar "que as relações 
entre os indivíduos de sexos diferentes desenvolvem-se a partir da noção da 
diferença do valor social de cada um, ou seja, da noção de subordinação de um 
sexo pelo outro." (Sousa, 1997,p.21)
No seu discurso, a mulher evidencia a clara diferença que é 
tratada pela sociedade, em relação ao seu companheiro e afirma que 
essa diversidade cultuada e existente entre o homem e a mulher, 
perante a sociedade - .e ela mesma ™ coloca~a em uma situação de 
fragilidade, em relação ao homem, permitindo que o mesmo venha a 
tratá-la de forma condizente com sua situação de ser inferior.
Exemplo disso tem-se no ano de 195 a.C., quando as mulheres 
romanas reivindicaram o direito de utilizar os transportes públicos que, 
nessa época, eram restritos aos homens e o Senador Marco Pórcio 
Catão profere um discurso aos seus companheiros em que díz:
“Lembrem-se do grande trabalho que temos para manter nossas mulheres 
tranquilas e para refrear-lhes à licenciosidade, o que foi possível enquanto 
as leis nos ajudaram. Imaginem o que sucederá, daqui por diante, se tais 
leis forem revogadas e se as mulheres se puserem, legalmente, 
considerando-se em pé de igualdade com os homens! Os senhores 
sabem como são as mulheres: façam-nas suas iguais, e imediatamente 
elas quererão subir às suas costas para governá-los.” ( Alves 0 
Pitanguy, 1991, p. 14)
De acordo com a Teoria de Gênero,
"o gênero é uma maneira de indicar as construções sociais - a criação 
inteiramente socialdas idéias sobre os papéis próprios aos homens e às 
19
mulheres, É uma maneira de se referir às origens exclusivamente sociais 
das identidades subjetivas dos homens e das mulheres, ” (Scott, 1994, 
p.04)
Desse modo, a questão da subordinação feminina, sob a 
abordagem da Teoria de Gênero, é referendada com base na assertiva 
de que o problema existe por causa das relações estabelecidas entre os 
homens e as mulheres, no decorrer da história. Sousa (1997,p.23), ao 
falar sobre esse relacionamento, afirma que
"os papéis sociais, rigidamente estabelecidos, ou os esteriótipos sexuais, 
como podemos chamá-los, têm criado um profundo desequilíbrio nas 
relações de igualdade, pois rejeitam totalmente as diferenças, não só 
sexuais, mas, também, de comportamento, de sentimento, emoções, 
culturais, etc,”
A sociedade, com base nas diferenças entre os sexos, tem 
facilitado ao homem assumir a posição do Um em relação ao Outro 
feminino. Beauvoir (1999a), ao abordar esse problema, coloca que os 
indivíduos e os grupos procuram entender e demonstrar a reciprocidade 
que existe em suas relações. Entretanto, entre os sexos, o homem 
coloca-se como o único essencial e nega toda a relatividade em relação 
ao seu correlativo, no caso a mulher.
A autora afirma que isso só acontece porque o Outro feminino 
não contesta a soberania do Um masculino, como o fazem as demais 
categorias. E, continuando sua explicação, aduz que essa situação foi 
gestada através dos tempos, acontecendo dessa forma porque as 
mulheres, só muito recentemente, vêm se posicionando como sujeitos 
de sua história, mesmo diante da dificuldade encontrada para formação 
20
de uma coletividade unida, que se oponha, de forma clara e consciente, 
aos “direitos" do homem". Se a mulher se enxerga como o inessencial, que 
nunca retorna ao essencial, é porque não consegue, ela própria, operar esse 
retomo.'’ (Beauvoir, 1999a,p.13)
Dessa circunstância advém o grande questionamento a 
respeito das situações que influenciaram a mulher a “consentir” que o 
homem impusesse sua superioridade como absoluta, uma vez que, de 
acordo com Saffloti (1994), por causa da assimetria estabelecida entre a 
consciência de dominantes e dominados (homens e mulheres), a mulher 
surge como que consentindo em ser subordinada e dominada pelo 
homem. Não obstante, diz a autora que
“...o conceito de consentimento presume que os copartícipes falem a 
partir da mesma posição ou de posições iguais. Portadoras de uma 
consciência de dominadas, as mulheres não possuem conhecimento 
para decidir, elas cedem diante de ameaças ou violências concretas.” 
Saffloti (1994,p.446)
Essa talvez seja a explicação mais plausível para que, apesar 
de todo o desenvolvimento histórico, ainda tenhamos que nos deparar 
com as ações masculinas que configuram contra-sensos extremamente 
irreparáveis, que a sociedade tenta explicar com uma certa naturalidade.
Já no nascimento, meninos e meninas assumem papéis 
diferentes, sendo suas histórias redigidas com passagens que procuram 
associá-los aos aspectos ou características de gênero. Por ser assim, as 
diferenciações ocorrem de forma “natural” dando início ao processo de 
construção da identidade feminina ou masculina com base nos 
(pré)conceitos existentes, no universo social, oriundos das concepções 
construídas a favor do homem. Brissac (1997,p.33-4) diz que ‘'meninas 
21
são culturalmente criadas para se tornarem mulheres e meninos para se tornarem 
homens,"
Doise (1994,p,09) afirma que
“já não é a natureza dos seres que define as suas características 
psicológicas; antes disso, há uma explicação bem mais relacionai: é a 
natureza do tecido das relações em que modela a maneira como elas se 
representam reciprocamente e como se constróem uma identidade 
própria,”
A explicação mais difundida (e aceita), por parte da sociedade 
(homens e mulheres), é que a diferença entre os sexos tem explicação 
na inferioridade biológica da mulher, partindo-se da premissa que isso 
pressupunha uma desigualdade inaceitável. Seu cérebro era menor e, 
portanto, ela era menos inteligente, e emocionalmente instável- um ser 
em quem não se podia confiar. A partir disso, as mulheres expõem-se 
demais, riem, choram facilmente, enfim demonstram sentimento, 
menstruam (ficam sujas, impuras), têm uma estrutura menor, força 
muscular diferente e todo um processo reprodutivo que as colocam em 
desvantagem no “mundo masculino”.
Giffin (1991,p. 190) diz que “na mulher feita para ser mãe (ter um 
útero, significa parir), via-se uma correspondência perfeita entre atributos físicos e 
funções sociais.”
Dessa forma, a construção da identidade feminina estava 
intrinsecamente ligada à forma como as mulheres eram vistas e como 
eram condicionadas a verem-se, por razões circunstanciais. Assim é 
que a subordinação da mulher, ao homem, foi sendo construída com o 
tempo, pari passu com a diferença das suas atribuições na sociedade.
22
Para Odalia (1983, p.31)
“a naturalidade da desigualdade, que nos tem sido imposta, no decorrer 
da história do homem civilizado, só pode ser compreendida a partir do 
entendimento de que ela é uma condição de estruturas sociais, que 
passam a reproduzida como um fenômeno aparentemente natural.”
As mulheres, em tempos anteriores eram instadas a assumir o 
papel de submissas, abnegadas, compreensivas, zelosas com seus 
rebentos, responsáveis pelo bem estar da família, enquanto que o 
homem era estimulado a desenvolver e demonstrar características da 
identidade masculina: atuar com leis, política, lidar com bens e finanças, 
demonstrar a força física, a insensibilidade, a agressividade, a 
tenacidade, o que já demostrava uma tendência da sociedade 
androcêntrica em subjugar as mulheres, tornando-as passíveis de 
manipulação e, desse modo, servir de suporte às necessidades do 
homem/macho.
Dentre as atribuições femininas, socialmente ditadas, encontra- 
se a de aceitar, passivamente, como natural, a violência perpetrada 
pelos homens contra a mulher, e, também, a de conservar/manter o 
casamento, através da paciência, complacência, aceitação das 
situações que vão se apresentando na convivência conjugal. É evidente 
o pensamento de que da mulher, do seu “poder de negociação”, 
depende o sucesso ou o fracasso dos relacionamentos, dos filhos, 
enfim, da família.
A família foi por muito tempo o grande projeto da maioria das 
mulheres. Essas eram criadas e educadas com a finalidade de, em 
futuro, dedicarem-se à família, mantê-la unida e forte para enfrentar os 
problemas. Essa havería de ser sempre a sua meta maior. A sociedade 
23
exigia que eia estivesse disposta a qualquer sacrifício, em prol da 
família, tida como a célula mater da sociedade, carente, portanto de 
alguém que mantivesse e permitisse sua continuidade.
Brissac (1997, p.37) afirma que “toda menina tem na sua essência o 
desejo de se tomar mulher, de ser alguém na vida e viver um grande amor.” SÓ a 
partir de um grande amor, seria possível cobrar-lhe, em troca dedicação 
e abnegação total, de sua vida e de seus ideais.
Para a autora, a realização pessoal da mulher depende muito 
da satisfação desses desejos, que são inerentes à natureza feminina, 
realimentados e regimentados pela sociedade. Se no decorrer da 
trajetória desenvolvida pela mulher ocorrer algo que a impeça de realizar 
seus sonhos, em relação a algum desses aspectos, será essa outra vez 
instada a sentir-se culpada, fracassada e com baixa auto-estima.
Por fim, tendo por base a construção social da mulher e as 
relações estabelecidas, a partir da quase original violência construída e 
constituída contra a mulher, busquei o entendimento sobre quais 
aspectos são relevantes para a formação da identidade da mulher 
sujeita à violência masculina.
1.1. O problema
A mulher e as decorrências de seu cotidiano, sempre se 
constituíram objeto de interesse dos meus estudos, acadêmicos ou não. 
A sua inserção no mercado de trabalho, asrelações construídas no seu 
cotidiano, suas conquistas, seus desejos, seus fracassos, exercem 
sobre mim um profundo desejo de prescrutar essa mulher, que vem 
ininterruptamente experimentando formas de reconstrução de vida. 
Acredito que a partir de trabalhos como este a violência doméstica 
24
passa a ser mais visível e, a partir daí, a ser percebida como um 
problema necessário de ser discutido com maior freqüência, buscando- 
se estratégias que possam minimizado, além de contribuir para a 
(re)construção da auto-estima dessas mulheres.
A violência com que as mulheres vêm sendo continuamente 
tratadas, nos seus relacionamentos com os homens, e o fato de que 
parcela significativa de mulheres agredidas, retorna aos seus algozes, 
mesmo sabendo elas que serão submetidas a outros atos violentos, 
capazes até mesmo de tirar-lhes a vida, tem despertado a minha 
particular atenção. Acredito que essa constatação está centrada, 
certamente, na inferioridade resultante de questões financeiras e 
culturais decorrentes do enclausuramento doméstico, ao qual a mulher, 
por sua condição, vê-se confinada.
A sociedade atual tem-se posicionado na tentativa de minimizar 
as ocorrências de violência contra a mulher. Nesse sentido
“o Brasil já assinou vários tratados internacionais, nos quais a violência 
doméstica aparece como uma questão que deve ser eliminada. Nossa 
Constituição Federal estabelece a obrigatoriedade do Estado de criar 
mecanismos para coibir a violência no âmbito da família. Diz a Lei que 
punirá severamente o abuso, a violência e a exploração sexual da criança 
e adolescentes e afirma que os Tratados e Convenções Internacionais 
assinados pelo governo brasileiro têm status constitucional. "(CFEMEA, 
2000, p.01)
Entretanto, essas recomendações nâo têm se configurado 
como possibilidades reais, para coibir as ações de violência perpetradas 
contra a mulher, o que cria facilidades para que os agressores fiquem 
impunes e suas ações passem a se tornar socialmente naturalizadas.
25
Saffioti (1994, p.444) diz que “é exatamente esta legitimação social 
da violência dos homens contra as mulheres, que responde pelo caráter tão 
marcadamente de gênero deste fenômeno."
É portanto, a partir da formação da identidade social da mulher, 
dos valores que lhe são repassados através da sociedade, que ela 
acaba se submetendo a dominação masculina. Na sociedade patriarcal, 
uma parcela das mulheres é ensinada a sentir-se responsável pelos 
outros, a colocar-se sempre em uma posição inferior, em relação ao 
homem, a ignorar os seus desejos, em prol da realização dos de outras 
pessoas. A mulher arca, dessa forma, com a responsabilidade da 
manutenção dos relacionamentos, a tal ponto que, para que isso 
aconteça, justifica, até mesmo o fato de tornar-se ou sentir-se 
violentada.
Pitanguy (1986, p.03), referindo-se a essa situação, diz que
"... a forma de violência socialmente identificável é justamente a 
desvalorização do feminino, que, em nossa sociedade, está presente seja 
na forma sutil, ou declarada, em atitudes de desrespeito, desvalorização e 
desconfiança para com a mulher.”
Assim sendo, e por entender que todo o processo de 
construção da identidade feminina é responsável pela constituição da 
forma como ela se apresenta, em um dado momento, investiguei, dentre 
outros aspectos, a partir de quais referenciais é estruturada a identidade 
da mulher que sofre agressões masculinas. Para tanto, foram 
formuladas indagações acerca das crenças que possuem a mulher 
sujeita à violência masculina, da imagem que ela tem de si própria e dos 
fatores aos quais é atribuído o fato de ser agredida. Todas essas 
perguntas foram respondidas por mulheres que sofrem, cotidianamente, 
a violência doméstica no município de Mossoró-RN.
26
1.2. Justificativa
Os sentimentos experimentados pelas mulheres que são 
agredidas por homens, são, certamente reflexo de suas visões de 
mundo, de suas crenças e valores, bem como de sua educação. Discutir 
essa questão, constituiu-se o móvel desta pesquisa, servindo de norte, 
para sua execução, a busca da transparência do "eu interior**, da mulher 
que é agredida pelo "macho”, em que pese a conscientização de o "eu 
interior" é, muitas vezes, mascarado pelos papéis desempenhados em 
sociedade, e que o eu intrínseco e moral, por vezes difere muito do eu 
extrínseco e social.
A aparência, ou seja, o que diz respeito ao que se espera 
socialmente, e a essência, o que é intrínseco ao ser, no caso a 
subjetividade, apesar de serem partes integrantes e inerentes da 
constituição humana, nem sempre coincidem. Se aparência e essência 
sempre coincidissem, é possível que essa pesquisa tivesse sido 
desnecessária. A compreensão da identidade da mulher, sujeita à 
violência masculina, oferece subsídios às discussões sobre estratégias 
que possam ser viabilizadas, para diminuição desses agravos.
Acredito que esse trabalho tenha se constituído em algo de 
singular relevância, pela abordagem que fez de uma temática muito 
complexa, mas, de certa forma, bastante rotineira na vivência feminina, 
responsável por graves danos às mulheres expostas a esse trauma. 
Partindo do pressuposto de que para contribuir com a resolução de um 
problema, é necessário conhecê-lo em suas particularidades, realizei 
este estudo com rigor científico, centrado na representação social da 
identidade da mulher sujeita à violência, por parte de homens.
27
1,3. Objetivos
® Organizar um quadro representacional de crenças e valores, sob o 
qual se estrutura a representação social da identidade da mulher que 
sofre violência masculina;
® Identificar as conseqüências e repercussões da violência sobre a 
mulher, em seu cotidiano;
« Conhecer as formas de enfrentamento utilizadas pela mulher vítima 
de violência.
28
2. REVISÃO DE LITERATURA
2.1. Violência e seus desdobramentos
Atualmente, a violência se configura como um dos grandes 
problemas da sociedade moderna. No Brasil, de acordo com Souza e 
Mínayo (1995), a partir de 1989, a violência tornou-se a segunda causa 
de óbito no Brasil, situando-se abaixo apenas das doenças 
cardiovasculares.
Observa-se que a violência está presente em todos os lugares 
e vem aumentando deforma significativa, tanto nas grandes metrópoles, 
quanto nas cidades pequenas; mesmo apresentando-se em proporções 
diferentes às infrações, de outros tipos, cometidas nesses locais, 
persistem as semelhanças, em relação à progressão do fenômeno, o 
que leva diversos estudiosos a procurarem elaborar tentativas de 
explicação para o crescente e preocupante desenvolvimento dessa 
ocorrência,
Odalia (1983,p.O9) afirma que,
“a violência, no mundo de hoje, parece tão entranhada em nosso dia-a- 
dia, que pensar e agir em função dela, deixou de ser um ato 
circunstancial, para se transformar em uma forma de ver e viver no 
mundo.”
De acordo com o referido autor, a violência, que faz parte do 
nosso cotidiano, garante alterações visíveis no modo de vida das 
pessoas. Tal se revela no modo como evitam sair à noite, por medo de 
assalto, não conversam com desconhecidos e nem mesmo com seus 
vizinhos, esquivando-se de possíveis envolvimentos que possam lhes 
trazer aborrecimentos e discussões, mudam a arquitetura de suas 
29
casas, construindo muros altos e feios, para atender à necessidade de 
proteção de si, da família e dos próprios bens.
Secco (2000) afirma que os moradores das metrópoles 
brasileiras, ao saírem de suas casas, convivem com a possibilidade real 
de que venham a sofrer algum tipo de ataque físico. A ansiedade gerada 
pela insegurança, nos grandes centros, proporciona inúmeras 
intercorrências na saúde dessas pessoas, sendo a mais comum a 
Síndrome do Pânico, que se caracteriza pelo medo exacerbado de sair 
do interior de suas casas, único local considerado seguro.
No dia-a-dia, a mídia tem mostrado que a violência grassa no 
mundo atual, discutindo o problema sem, no entanto, alcançarum 
consenso, sem conseguir caracterizá-la, sobretudo porque esta tem 
continuamente renovado suas formas de apresentação, tornando-se 
cada vez mais elaborada e cruel, dificultando o entendimento e 
consequentemente, o desenvolvimento de estratégias de enfrentamento 
pelos órgãos competentes, para minimização do problema.
Chesnais (1999, p.55) afirma que a violência acontece 
sobretudo, no âmbito urbano e, principalmente, pela desigualdade 
existente na sociedade brasileira, fato perceptível através da ''coexistência 
cie uma oligarquia riquíssima (São Paulo é, depois de Nova Iorque, a cidade com 
maior número de jatos particulares) e de massas miseráveis."
Pode-se inferir que o crescimento desordenado das cidades, o 
expressivo êxodo rural, a quase inexistência do acesso aos bens e 
serviços públicos, por parte da maioria da população, o desemprego e 
todos os problemas que este acarreta, são fatores que contribuem, de 
maneira importante, para o aumento da violência no Brasil. Entretanto, 
acredita-se que tais fatores não são sinônimos da violência. A 
criminalidade, quando associada à pobreza, mão leva em conta nenhuma 
30
contextualização histórica, nenhum passado, nenhuma distinção pessoa! ou social.,.'1’ 
(Almeida, 1996, p.162)
No espaço urbano, principalmente, existe uma associação 
estereotipada entre violência e pobreza, o que
“traz uma identidade estigmatizada do pobre, do favelado, do negro, do 
jovem, expondo os moradores da periferia ao olhar empobrecedor que os 
homogeneiza enquanto “marginais” e “vagabundos”, sem fazer distinções 
entre eles, e, de antemão, excluindo a condição de trabalhador." 
(Almeida, 1996, p.162)
Para Almeida (1996) muitas dessas pessoas encontram-se 
inseridas no mercado de trabalho, mas são tratadas e até chamadas de 
marginais, em virtude de sua carência de condições materiais.
Sousa e Mínayo (1995), referem ser um dos grandes 
causadores da violência, a formação indiscriminada dos poderosos 
grupos de narcotráficos, que têm entre suas maiores vítimas, os jovens 
de 15 a 29 anos, cujo perfil é o de pessoas pobres, de baixa 
escolaridade e baixa qualificação profissional, sexo masculino, de cor 
negra ou mulata. Na mesma obra, p.112, a autora faz uma ressalva 
quando afirma que
“muitos dos jovens que estão morrendo, não são engajados na 
criminalidade: são vítimas de uma mentalidade exterminista, e eliminados 
nas ruas e no anonimato, nesse clima de terror, insegurança e medo em 
que se transformaram muitos lugares dos centros urbanos do país.”
Enfim, as precárias condições de vida e a desigual 
distribuição de renda, na sociedade, têm contribuído para que haja um 
aumento da violência, uma vez que estabelece explicações e 
31
justificativas, para aceitá-la como um fato normal. Algumas 
Organizações Não Governamentais atuam no sentido de promover a 
compreensão da importância da participação do indivíduo, como sujeito 
atuante na história, na luta por uma justa distribuição de renda, acesso 
aos serviços e às necessidades básicas de saúde, educação, emprego 
e lazer, como fator preponderante para que ocorra a diminuição nas 
circunstâncias da violência, contribuindo, com isso, para o aumento da 
qualidade de vida da população.
Diógenes (1996, p.142), ao abordar a violência no espaço 
urbano, afirma que
"...a “violência vinda cie baixo” e a ‘violência vinda de cima”, articulam-se 
no mesmo enredo e põem face a face, atores diferenciados. A “violência 
vinda de baixo”, antes “invisível”, pelo distanciamento das zonas de 
concentração de grandes contingentes de excluídos, cada vez mais é 
explicitada. A violência ganha as ruas, assume faces diversas, 
potencializa-se, de tal forma, que ordem e desordem “ocupam” o mesmo 
“lugar”, tornando, potencialmente, qualquer espaço um “locus” de 
expressão da violência.”
Infere-se, desse contexto, que a violência poderá ocorrer em 
qualquer espaço, sob uma gama infinita de pretextos ou explicações, 
posicionando-se como uma questão fundamental, que deverá permear a 
discussão da violência perpetrada contra a mulher ™ a chamada 
violência de gênero ™ que acarreta sérias implicações psicológicas e 
sociais a essa categoria.
Chesnais (1999, p.54) ao comentar sobre a violência 
doméstica, diz que
32
"esta é a violência oculta atrás dos muros das casas, a violência sexual, 
as rixas familiares e as crianças espancadas, só são conhecidas muito 
parcialmente, mesmo em caso de falecimento das vítimas; as 
circunstâncias das mortes são, então, esmagadas sob uma capa de 
silêncio."
2.2. Violência contra a mulher
O fenômeno da violência, contra a mulher, tem-se revelado 
muito complexo e de difícil solução, haja vista o espancamento de 
mulheres "... encontrar-se tão arraigado na nossa sociedade, que frequentemente 
parece invisível. É um fenômeno tão difuso que literalmente não ocorre de maneira 
que se possa relatá-lo, ou colher estatísticas ao seu respeito.” (Langley e Levy, 
1980, p.27)
A falta de dados fidedignos, é um dos grandes entraves para 
que se possa atuar, de forma mais efetiva, na minimização do problema. 
Muitas mulheres não denunciam os episódios de violência, até que 
chega a um nível insuportável; outras, sofrem agressões fatais, sem que 
consigam chegar ao relato do seu sofrimento.
Uma das explicações para essa realidade, está ligada ao fato 
de que a maioria das agressões perpetradas contra mulheres, ocorre 
dentro do espaço doméstico, o que para Saffioti e Almeida (1995, p.35) 
"... constituí o caldo de cultura propício à rotinização das relações violentas.” Para 
Sousa (1997, p.50),
“a violência doméstica, assim denominada por ser efetivada no espaço 
privado do lar. ou envolver relações familiares, entre parceiros de uma 
relação afetiva, é mais comum do que se quer admitir e acontece, 
cotidianamente, sob várias formas."
33
Esse estado de coisas só é verdadeiro, porque o homem tende 
a conceber a mulher como um ser inferior, sem vontade própria, passiva 
e submissa aos seus desejos e desmandos, enfim, uma propriedade 
sua.
A submissão da muíher ao homem é ratificada pela igreja, pela 
sociedade e pela Lei. A inferioridade feminina supõe a superioridade 
masculina, dando ao homem o direito de agir da forma que lhe for mais 
conveniente, podendo mesmo usar de força física para colocar a mulher 
no seu devido lugar, segundo assim lhe parece.
É importante que se diga que a violência contra a mulher é um 
fenômeno democrático, não escolhe classe social, raça e nível de 
educação. Está presente em todos os lugares, sendo qualquer homem, 
um agressor, em potencial, da mulher. E isso é facilitado pela ideologia 
dominante, continuamente repassada pela cultura e pelos meios de 
comunicação. Sousa (1997, p.47), considera que
“muitas mulheres acham que a violência da qual são vítimas, é uma 
decorrência natural de sua condição de gênero. Entendem que sempre foi 
assim, e aceitam isso como fato consumado, por acharem que não têm 
condição de mudar essa situação.”
Beauvoir (1999a), diz que o homem, pelo fato de ser homem, 
sempre se considera certo, é a mulher que está errada. Afirma a autora, 
em seu discurso, que a mulher é o Outro e o homem é o absoluto, o 
sujeito da história. A mulher é quem se determina e se diferencia em 
relação ao homem, e não o contrário. Ele considera que a fêmea é 
inessencial, ele é essencial.
Talvez seja essa a maior causa da violência masculina contra 
as mulheres: a assimetria estabelecida entre os sexos que concede 
34
poder a um, em detrimento de outro. No Jornal O POVO, de 21 de 
novembro de 1999, foi veiculada uma matéria intitulada Vivendo com o 
perigo, em que era ressaltado o problema da violência contra a mulher.
De acordo com o referido conteúdo da matéria publicada, a 
violência acontece em espaços geográficos variados, independendo de 
sua condição de país rico ou pobre.
Os dados são estarrecedores, mesmo que se saiba que não 
podem ser considerados fidedignos, haja vistao número de mulheres 
que prefere ocultar a violência que perpassa em seus relacionamentos 
afetivo-sexuais.
Na América Latina, as estatísticas são alarmantes, conforme o 
demonstrado, em relação aos seguintes países:
® México: 90% dos abusos sexuais são cometidos contra meninas que, 
além disso, recebem uma alimentação inferior, em qualidade e 
quantidade do que as dos meninos e de outros membros da família. 
Quarenta e sete por cento (47%) das meninas de rua, abandonaram 
suas casas, por terem sofrido maus tratos, d algum tipo, além de 
abuso sexual.
• República Dominicana: 50% das prostitutas da Holanda são 
provenientes desse país e, para elas, o exercício da profissão é 
sinônimo de ameaça, humilhação, suborno e violência física e sexual
® Guatemala: 49% das mulheres afirmaram, já ter sofrido violência 
doméstica. Pesquisa realizada na região, com uma amostragem de 
650 mulheres, dá conta de que 30% já foram alvo de algum tipo de 
violência, dentro de casa.
® Nicarágua: 32,8% das mulheres, em idade reprodutiva, são vítimas 
de violência severa.
35
® Costa Rica: 54% das mulheres, já sofreram violência doméstica, quer 
de natureza física, psicológica, ou sexual.
• Venezuela: entre os anos de 92 e 97, pelo menos 591 mulheres 
foram vítimas de homicídio. As causas elencadas foram: crime 
passional, brigas, roubo seguido de estupro e espancamento.
® Equador: 83% dos estupros denunciados, foram cometidos por 
familiares ou conhecidos e 88% das mulheres disseram sofrer algum 
tipo de violência por parte de seus companheiros.
® Colômbia: 20% da população feminina já foram vítimas de algum 
abuso físico, 10% de abuso sexual e 14% de abuso psicológico.
• Peru: dados mostraram que 68,5% dos agressores das mulheres 
estavam sóbrios; destes, 57% eram maridos das vítimas e 38,9% 
eram seus companheiros.
• Paraguai: em 1997, 70% das denúncias recebidas por um órgão do 
Ministério Público paraguaio, referiam-se à violência contra mulheres.
«> Chile: 60% das mulheres que vivem com um parceiro, sofrem algum 
tipo de violência em casa, e mais de 10% sofrem abuso físico grave.
• Brasil: as Delegacias da Mulher apontam que 85,5% das mulheres 
que denunciam a violência física, acusam os seus parceiros. Os 
crimes mais denunciados são lesões corporais e crime de ameaça.
Entretanto, mesmo apresentando realidades sociais, culturais e 
econômicas diferenciadas, como foi ressaltado anteriormente, em todo o 
mundo a violência contra a mulher acontece de forma bastante 
acentuada. É o caso dos Estados Unidos, onde em cada 3 mulheres, 
uma sofre agressão física do parceiro, pelo menos uma vez, ao longo da 
vida.
Na Argélia, baseando-se em uma interpretação primária dos 
preceitos mulçumanos, as mulheres não podem trabalhar fora de casa, 
36
e são obrigadas a usar um véu, sob pena de serem espancadas, 
publicamente.
Na África, em regiões do Oriente Médio e no sudoeste asiático 
é imposta à população feminina a mutilação de parte da genitália, dentro 
de um ritual tribal de passagem da infância para a maturidade. Esses 
povos acreditam que essa prática milenar, preserva a virgindade das 
mulheres, garante um bom casamento e reprime os desejos sexuais das 
jovens.
Na Etiópia e Somália, as mulheres, além de serem submetidas 
a essa agressão física e psicológica, são infibuladas, prática que 
consiste na extirpação dos lábios vaginais, seguida de sutura, deixando- 
se apenas uma pequena abertura para emissão da urina e fluxo 
menstruai.
Na índia, inúmeros são os casos em que é negado, à mulher, o 
direito à vida, visto ser esta considerada uma carga para a família, pelo 
que, deverá ser extirpada.
No Canadá, a violência de gênero atinge quase um quarto da 
população feminina.
E, por fim, em Israel, as mulheres são continuamente 
espancadas, fato que a sociedade justifica como sendo em defesa da 
honra masculina.
É possível observar que não há grandes diferenças, entre os 
países, no que se refere à violência contra a mulher. Acontece, 
inclusive, de algumas vezes, serem estes normatizadores de regras 
sociais severas, que não permitem o recuo da violência contra a mulher, 
mas, sim, o seu aumento progressivo.
No Brasil, foi a partir da década de 70 que o fenômeno da 
violência contra a mulher ganha visibilidade, com a campanha intitulada
37
"Quem Ama não Mata". Os casos de assassinatos de mulheres 
ganharam notoriedade na imprensa, o que suscitou o interesse de 
pesquisadores em estudar essa temática. (Azevedo, 1985; Saffioti, 
1994; Saffioti e Almeida, 1995)
Azevedo (1985) põe à mostra o aparecimento de dois níveis de 
discurso: o erudito e o senso comum. O primeiro, concebia a violência 
como intrinsecamente determinada pelo aspecto político-econômico da 
sociedade; o segundo, percebia a violência como uma relação de poder, 
em que o homem era o sexo mais forte e a mulher, o mais fraco.
No entanto, ' dadas as imprecisões • conceituais nos dois 
discursos, que não demonstravam os fatores que contribuíam para a 
exacerbação da violência, entre os sexos, outros vieram a superá-los, 
sendo o mais aceito pelos estudiosos da violência o de Chauí (1984), 
que é adotado neste trabalho.
A autora, em questão, define violência, como sendo
"uma realização determinada das relações de força, tanto em termos de 
classes sociais, quanto em termos interpessoais. Em lugar de tomarmos a 
violência como violação e transgressão de normas, regras e leis, 
preferimos considerá-la sob dois outros ângulos. Em primeiro lugar, como 
conversão de uma diferença e de uma assimetria em uma relação 
hierárquica de desigualdade, com fins de dominação, de exploração e de 
opressão. Isto é, a conversão dos diferentes em desiguais e a 
desigualdade em relação entre superior e- inferior. Em segundo lugar, 
como a ação que trata um ser humano não como sujeito, mas como uma 
coisa. Esta se caracteriza pela inércia, pela passividade e pelo silêncio de 
modo que, quando a atividade e a fala de outrem são impedidas ou 
anuladas, há violência." (Chauí, 1985, p.23-6)
38
Azevedo (1985:20), diferencia a violência contra a mulher, com 
base na escala de Richards e Purdy que demonstram o seu continuam 
crescente.
QUADRO 01: Atos abusivos cometidos por homens contra as mulheres 
no ambiente doméstico.
A) ABUSO SEXUAL:
1. Assedia sexualmente a muiher, em 
momentos inoportunos.
2. Caçoa da sexualidade da mulher
3. Acusa-a de infidelidade.
4. Ignora ou nega as necessidades e 
sentimentos sexuais da mulher.
5. Critica seu corpo e sua maneira de fazer 
amor.
6. Toca-a de modo não agradável para eia; 
força-a a tocá-lo ou a olhar o que não deseja.
7. Retira-lhe todo e qualquer momento do amor 
e carinho.
8. Chama-a de “puta*' e de "frígida", 
alternadamente.
9. Exige o sexo constantemente.
10. Força-a a desnudar-se (às vezes diante dos 
filhos).
11. Sai com outras mulheres.
12. Exige sexo através de ameaças.
13. Força a mulher a fazer amor com outros homens.
14. Sente prazer em causar dor à mulher durante o 
ato sexual.
15. Exige sexo depois de ter espancado a mulher.
16. Usa objetos ou armas sexuaímente, com o 
propósito de causar dorà mulher.
17. Homicídio.
B) ABUSO FÍSICO
1. F3elisca-a.
2. Empurra-a, imobiliza-a
3. Sacode-a, dá-ihe empurrões.
4. Esbofeteia-a. agarra-a pelos cabelos.
5. Aperta-a, deixando marcas em seu corpo.
6. Dá-lhe socos e/ou pontapés.
7. Aperta-lhe o pescoço, atira-lhe objetos.
8. Repetição de qualquer ato anterior.
9. Golpeia-a em partes específicas do corpo.
10. Transforma objetos de casa em armas de 
agressão.
11. Fá-la girar.
12. Imobiliza-a e golpeia-3
13. Fá-la abortar.
14. Deixa-a na cama.
15. Produz cortes que demandam suturas.
16. Quebra-lhe ossos: produz-lhe feridas internas.
17. Agride-a com armas (pistolas, facas, veneno, 
etc.).
18. Deixa-a desfigurada ou aleijada.
19. Homicídio.
C. ABUSO PSICOLÓGICO
(emocional):
1. Caçoa da mulher.
2. Insulta-a
3. Nega seu universo afetivo.
4. Jamais aprova as realizações da mulher.
5. Grita com ela6. Insulta-a repetidamente (em particular).
7. Culpa-a por todos os problemas da família,
8 Chama-a de "louca", "puta", "estúpida", etc.
9 Ameaça-a de violência.
10- Critica-a como mãe, amante e profissional.
11. Exige toda atenção da mulher, competindo 
zelosamente com os filhos.
12. Critica-a reiterada mente (em público).
13. Conta-lhe suas aventuras com outras mulheres.
[ 14. Ameaça-a com maus-tratos para os filhos.
| 15. Diz que fica com a mulher apenas porque ela 
não pode viver sem ele.
16. Cria um ambiente de medo.
17. Faz com que a mulher fique desesperada, sofra 
depressão e/ou apresente outros sintomas de 
enfermidade mentai.
18. Suicídio.
39
Entretanto, para melhor explicitar os modos como ocorre, 
comumente, a violência contra a mulher, recorreu-se à opção de 
descrevê-las, de forma bastante sucinta.
2.2.1. Violência Simbólica
Alves e Cavenaghi (2000, p.11), consideram a violência 
simbólica como 'uma forma agressiva de se manter e se perpetuarem as 
desigualdades sociais e individuais entre os gêneros."
Miller (1999) diz que na violência simbólica, os ferimentos não 
são visíveis, sendo, portanto, mais sutis. Os homens destroem, aos 
poucos, a auto-estima das mulheres, reprimindo seus desejos, 
eliminando suas bases de apoio, submetendo-as a um contínuo 
processo de despersonalização.
Com muita freqüência, a violência simbólica é transformada 
em violência física. Os insultos constantes tornam-se ameaças que 
podem se converter, na realidade em surras e homicídios.
De acordo com Miller (1999, p.163-4), em termos de rotina, os 
atos mais cometidos por homens, são:
• Perturbação da ordem: gritar, pronunciar obscenidades e 
xingamentos, quebrar janelas e derrubar portas.
® Molestamento: seguida, esconder chaves, esvaziar os pneus do seu 
carro, não permitir visitas à família ou a amigos, telefonar 
repetidamente, quebrar as suas coisas favoritas, humilhá-la, fazer 
exigências irracionais.
® Ameaça em terceiro grau: trancá-la em armário, trancá-la fora de 
casa, agitar uma arma à sua frente, bater em seu animal de 
estimação, rasgaras suas roupas, fingir que vai esmurrá-la.
40
e Exposição irresponsável ao perigo: levar as crianças no carro, sem o 
cinto de segurança, forçá-la a sair de casa à noite, não deixá-la 
tomar remédios, forçá-la a beber ou ingerir drogas.
O convívio permanente com a violência simbólica, permite à 
mulher, ver-se como culpada da sua situação, levando-a a acreditar na 
sua incapacidade de propiciar o bem-estar do companheiro e de seus 
filhos, promovendo o seu isolamento. Tudo isso contribui, de forma 
importante, para o alto índice de tentativas de suicídio, como forma de 
eliminação do problema.
”É praticamente impossível seguir a pista - extensa, complexa, labiríntica 
- da violência nossa de cada dia, imposta à mulher, Mas, em grandes 
linhas, ela se inicia precisamenté com os deixo-nâo-deixo, quero-não- 
quero, gosto-não-gosto, concedo-nego, permito-proíbo, zelo pelo que é 
meu, E por aí prossegue, através dos isso não é coisa de mulher, 
proibida a entrada de mulheres desacompanhadas, inteligência feminina 
é voltada para o miúdo e o imediato, não fale do que não entende, 
candidatos exclusivamente do Sexo masculino, lógica de mulher, ela é 
eficiente como um homem; por sua própria natureza, a mulher é 
emocional e instável, ela pensa com o coração e os ovários, fora do 
casamento e da maternidade, a mulher não se sente realizada, 
preferimos empregar mulheres porque rendem mais, pedem menos 
salários e não fazem reivindicações, mas, em cargos de chefia, não, 
porque os homens não admitem ser mandados por mulher, a missão 
sublime de esposa e mãe, não é discriminação, é só que não dispomos 
de sanitários femininos, não alugamos a mulheres sozinhas, para manter 
a moral do prédio, mulher dirigindo automóvel é aquela desgraça, devia 
ser proibido, as feministas são neuróticas e frustradas, ora meu bem não 
esquente sua cabeça com problemas, deixe comigo que eu resolvo, 
mulher ambiciosa perde a feminilidade, mulher tem de ser delicada como 
uma flor e, como é, papou? faturou o material? e por que meu jantar não 
41
está pronto e onde estão minhas meias e falta botão na minha camisa e 
me traz um cafezinho e leva pra lá essas crianças que estão fazendo um 
barulhão dos diabos...
E já que o estupro é inevitável, relaxe e goze. De preferência em cima 
do fogão, porque lugar de mulher é na cozinha..." (Carmem da Silva 
apud Azevedo, 1985, p.157)
É assim, desse modo, que se constituí a violência simbólica, 
tâo "natural", tão "sem pretensões", sem "intenção" de denegrir, de 
machucar, de ferir. É isso que dizem os homens, grandes 
perpetradores desse tipo de violência.
Para Azevedo (1985, p.13) a violência simbólica é um tipo
"sutil, feita de críticas e recriminações constantes, de inveja e 
desvalorizações profissionais, de cerceamento e isolamento, de 
competição por cuidados e atenção, de recusa da solidariedade em 
momentos difíceis, de apelos ambíguos, de negação, enfim do direito de 
ser pessoa, diferente, porém igual e livre, para poder optar e crescer.”
2.2.2. Violência física
É considerada violência física, qualquer ato que inclua chutes, 
tapas, empurrões, queimaduras, mordidas, estupro e uso de armas 
fatais. Em todo o mundo, milhares de mulheres sofrem, rotíneiramente, 
com essas agressões, sendo consequências diretas desse problema, 
hematomas, fraturas, cortes, dores de cabeça, patologias 
ginecológicas, doenças sexualmente transmissíveis, abortos, partos 
prematuros, violação sexual, além do consumo excessivo de drogas, 
como o álcool, cigarros e remédios.
42
É evidente que esse tipo de violência não está desvinculado 
das demais formas de violência, tais como a exclusão do mercado 
formal de trabalho, o difícil acesso à educação, a desigual distribuição 
de renda, configurados como violência estrutural em que se pese o fato 
de dar o devido valor a esses aspectos, quando o problema é discutido.
Grossi (1995, p. 134-5), ao abordar a violência contra a 
mulher, afirma que esta é, antes de tudo,
"reflexo de uma desigualdade social, econômica e política, que é 
perpetuada pelos aparatos sociais que reforçam ideologias sexistas, 
racistas e classistas. (...) A violência física, nada mais é do que uma das 
formas mais exacerbadas de poder masculino,"
Em outras palavras, a sociedade, ao definir para a mulher o 
papel de passiva-submissa-doméstica-fraca-impotente, concede ao 
homem espaço para desenvolver sua dominação, em que ocorre o 
processo de mutilação feminina, de forma lenta e gradual, sendo o 
mesmo considerado legitimo.
2.3. Processo de construção da identidade e sua contextualização 
sócio-cultural e temporal
A noção de identidade que o indivíduo possuí está 
intrinsecamente ligada ao seu eu imaginário, constituído de várias 
facetas identitárias.
A identidade é resultante de uma mistura do individual com o 
social, do confronto entre o peso das estruturas sociais e as vontades e 
liberdades individuais.
43
A identidade é o que torna a pessoa única e semelhante, 
parecida e diferente dos outros. É interessante ressaltar que esses 
sentidos, apesar de diferentes (indivíduo e coletivo), apresentam-se 
juntos (um e outro), sem que haja aigurna exclusão (de um ou de 
outro).
O sentimento de identidade é decorrência de um processo 
evolutivo, que não se realiza sem que haja a existência de rupturas e 
crises, perpassando e diferenciando-se em todas as fases de 
desenvolvimento humano. A par disso, exprime o desejo de ser único, 
sem deixar de pertencer a um determinado grupo.
“A identidade do indivíduo é um constructo, ao longo da vida, se 
revestindo-se, cumulativamente, de várias facetas identiíárias (...) 
mutantes e até contraditórias, entre si, mas que mantêm uma certa 
organização, coerência e estabilidade.” (Andrade, 1998, p.142)
A identidade, nesse entendimento, é resultado dos processos 
sociais, podendo ser mantida, modificada ou mesmo modeladapelas 
reiações sociais, como, também, modificar essas relações.
Tap (1979) diz que a identidade é um sistema articulado de 
múltiplas dimensões, tais como:
a) a continuidade;
b) a coerência (unidade);
c) a positividade (valorização, avaliação, estima);
d) a diferenciação interna;
e) a diferenciação externa;
0 a afirmação de si;
9) a originalidade (unicidade).
É necessário, pois, o uso de estratégias adequadas, para que 
44
essas dimensões sejam mantidas, isso quer dizer a identidade será 
consolidada à medida que o sujeito perceber a importância que ele 
representa para ele próprio, para o grupo em que se insere e para os 
acontecimentos que se sucedem em sua vivência.
A construção da identidade é influenciada pelos valores, 
crenças, tradições e costumes que são constituintes e constituídos em 
um determinado contexto sócio-cultural e temporal.
É através do processo de socialização, em que ocorre a 
construção de mitos, estereótipos e condutas, que se consolidam a 
identidade e a subjetividade femininas. Na realidade, a formação da 
identidade ocorre através de um processo de reflexão, e de observação 
a partir da forma como o indivíduo se vê mediante a visão das outras 
pessoas ao seu respeito.
Garcia et al (2000, p. 42) afirmam que
"para a construção da identidade feminina, do mesmo modo que para a 
construção da identidade masculina, concorrem duas categorias básicas 
distintas, mas intimamente relacionadas. A primeira delas, a categoria 
sexo, refere-se à conformação anatòmica/biológica particular, que 
confere ao macho e a fêmea características distintivas, atribuindo-lhes 
um papel distinto na reprodução da espécie. A segunda, a categoria 
gênero, refere-se, por sua vez, às associações psicossociaís 
específicas, para cada sexo, associações essas que são 
socioculturalmente construídas, apreendidas, internalizadas e 
reproduzidas, ao longo das gerações. Ambas, as identidades de sexo 
de gênero, fazem parte da identidade pessoal/social do indivíduo, e são 
componentes essenciais da sexualidade humana.
A construção da identidade feminina é permeada pelo modo 
como as mulheres são descritas pela sociedade - pessoas de condição 
45
intelectual inferior, submissas, dependentes, futeis, passivas, frágeis, 
dadas ao sofrimento e às reclamações.
Felizmente, a construção da identidade é um processo 
dinâmico, que vai continuamente sofrendo transformação, mediante a 
socialização dos indivíduos, sendo, por conseqüência, articulados 
diferentes discursos, representações e práticas, fatos que contribuem 
para a formação do sujeito, como ator de sua própria história.
® A identidade feminina
A identidade feminina vem sendo conformada no transcorrer 
dos tempos, de acordo com a concepção que se tem do papel que a 
mulher deve assumir, naquele momento específico.
Beauvoír (1999a, p.09) diz que “Ninguém nasce mulher: torna-se 
mulher.” Não é o destino o responsável pela formação que a fêmea 
assume na sociedade; é a sociedade que qualifica o feminino. Sua 
identidade está pois, ligada a todas as determinações sociais, com as 
quais ela convive e pelas quais é condicionada a apreender, como sua 
verdade interior.
Historicamente, a mulher vem sendo submetida a um 
processo de castração, que visa impedir o seu desenvolvimento, 
favorecendo o homem a ganhar destaque em campos ditos 
masculinos. A mulher tem, como herança, a culpa do pecado original e, 
portanto, precisa se redimir, através de sua concordância com a 
superioridade masculina.
Para Boise (1994, p.09), a diferença entre os sexos, encontra 
explicações a partir de teses que são raramente contestadas, tais como 
as que atribuem às mulheres, um maior interesse pela esfera das relações e 
40
dos afetos, e aos homens, uma maior preocupação pela autonomia e eficiência,"
No imaginário das pessoas, por muito tempo foi tido como 
natural, que as situações, das quais os sujeitos deveríam participar, 
estivessem muito ligadas ao fato de serem estes homem ou mulher. 
Eram os aspectos culturais, que definiam os papéis masculino e 
feminino. Ao homem, cabia a autoridade, o dom de comandar, o direito 
de tomar todas as decisões, tidas como importantes e, á mulher, era 
reservada a condição de ser subordinado, inferior, cujo poder de 
decisão era limitado aos assuntos domésticos, por não se acreditar na 
sua capacidade intelectual.
A maternidade era vista como a única forma de realização 
pessoal e, quando havia a necessidade de trabalhar fora de casa, só o 
fazia se essa ocupação não trouxesse prejuízos aos seus papéis de 
esposa-mãe-dona de casa.
Entretanto, apesar de todas as tentativas de moldar a mulher 
aos desejos da sociedade patriarcal, algumas mulheres opunham-se a 
essa “identidade" deturpada, que lhes queriam imputar. Reagiam, 
formando movimentos que discutiam a sua inserção, como sujeito da 
história, atriz na peça que tratava de sua vida e de seus desejos.
Essas mulheres foram discriminadas pela sociedade, inclusive 
por outras mulheres, mas não desistiram e prosseguiram na luta 
clamando por equivalência entre os sexos. Sabe-se o quão distante 
ainda se está do alcance desse objetivo, mas não se pode negar os 
grandes avanços que foram conseguidos, nos últimos anos.
A identidade feminina, permeada de preconceitos, crenças, 
visões de mundo, tem conseguido transformar-se e, com isso, 
permitido que avance o processo de transformação da sociedade, o 
que se dá de forma lenta, contraditória, com avanços e recuos, alegrias 
e tristezas, mas com vontade, uma imensa vontade de mostrar que 
mudar uma concepção tão arraigada em nossas mentes, é possível.
48
3. REFERENCIAL TEÓRICO METODOLÓGICO
Metodologicamente, este trabalho apoia-se na Teoria da 
Representação Social, sendo que, uma vez que a análise estrutural é 
utilizada como ferramenta, para a decodificação do sentido, necessário 
se faz lançar mão também da semiótica do discurso, no processo de 
comunicação, como suporte para o processo da referida análise.
3.1. A teoria da Representação Social
Para subsidiar a busca pelo entendimento da violência contra a 
mulher, fenômeno que vem ascendendo de forma preocupante, minha 
opção recaiu na Teoria da Representação Social (RS), por acreditar que 
é um suporte que favorece a compreensão do problema pesquisado: a 
representação social da identidade da mulher, que sofre violência 
masculina.
Por configurar-se como um elemento que possibilita o 
entendimento do fenômeno da violência, considero a Teoria da 
Representação Social suficientemente aplicável ao estudo, haja vista o 
seu objetivo compreender o processo de construção social da realidade 
que permite construções diferenciadas para as identidades masculina e 
feminina. Mais do que isso busca, conhecer as opiniões, conceitos e 
explicações acerca de fatos e fenômenos vividos no cotidiano, emitidos 
pelos indivíduos nas suas representações e para o qual são utilizadas 
referências apreendidas através da socialização, pelo processo da 
comunicação.(Nóbrega, 1990)
49
Wagner (1998, p.03) diz que é impressionante o número de 
pesquisas realizadas, nos últimos 30 anos, sobre representações 
sociais.Segundo ele,
"o denominador comum, desse tipo de pesquisa, é a característica de tal 
conhecimento ser um conjunto coletivamente compartilhado de crenças, 
imagens, metáforas e símbolos, em um grupo, comunidade, sociedade ou 
cultura.”
Nessa perspectiva, as RS demonstram o que as pessoas 
pensam e fazem, sobre as coisas de seu mundo particular, porém não 
desvinculado do conhecimento criado pelo grupo do qual são parte 
integrante. Dessa forma,
“a representação funciona como um sistema de interpretação da 
realidade, que rege as relações dos indivíduos com seu meio físico e 
social. É ela que vai determinar seus comportamentos e suas práticas. A 
representação é um guia para a ação, orientador das ações e das 
relações social.” (Abric, 1998, p.28)
Assim sendo, a RS é uma forma de entender a construçãosocial do indivíduo, a partir de sua integração com o grupo, no qual 
crenças, opiniões, informações e atitudes são compartilhadas e 
influenciam na formação dos universos consensuais deste indivíduo e 
do grupo, como um todo.
As Representações Sociais são produzidas nos universos 
consensuais, através da interação social cotidiana das pessoas no 
compartilhamento das suas "teorias”, com predomínio do senso comum.
A Teoria da Representação Social, tem como um dos seus 
maiores expoentes, Serge Moscovici, o qual, a partir de lacunas teóricas 
.50
encontradas nos estudos do sociólogo francês Émile Durkheim, no 
tocante à interpretação dicotômica do conceito de representação 
coletiva, resolveu estudá-las e, em 1961, publica sua tese de doutorado 
sobre a questão inédita das “Representações Sociais”, no livro “La 
psychana/yse. son Image et son public: étude sur Ia representation 
socíale de Ia PsychanalyseL em Paris-França.
Para Durkheim, o saber produzido e partilhado, 
coletívamente,exercia uma coerção sobre os indivíduos, fazendo-os 
pensar de forma homogênea. Nesse caso, o coletivo transcendia o 
individual, visto que era estável na transmissão e reprodução do saber, 
opondo-se à instabilidade das representações individuais. Tal fato 
confere à representação coletiva, o status de objetividade, requerido 
pela ciência.
Moscovíci (1962) descreve a teoria da Representação Social, 
como uma forma de conhecimento socialmente elaborado e partilhado, 
enquanto saber prático do saber comum. Ele inova, porque busca 
verificar como se dá a intersecção da ciência na vida cotidiana da 
sociedade, e identifica a importância da comunicação, para o processo 
criativo, "... capaz de explicar o modo pelo qual o novo é engendrado nos 
processos de interações sociais, e, inversamente, como estes produzem as 
representações sociais.” (Nóbrega, 1990, p.07)
Abric (1998, p.28), afirma que a RS permite ao grupo e ao 
indivíduo compreender a realidade, a partir do seu próprio sistema de 
referências. Segundo o autor,
"a representação funciona como um sistema de interpretação da 
realidade, que rege as relações dos indivíduos com o seu meio físico e 
social. É ela que vai determinar seus comportamentos e suas práticas. A 
representação é um guia para a ação, orienta as ações e as relações 
51
sociais. Enquanto sistema de pré-decodificação da realidade porque 
determina um conjunto de antecipações e expectativas,”
Sabe-se que a comunicação tem um pape! preponderante na 
RS, pois é através da comunicação social, que ocorre a determinação 
da formação do processo representacional, estruturado em três níveis:
1. cognitivo - refere-se ao acesso desigual das informações, interesses 
ou implicação dos sujeitos, necessidade de agir em relação aos 
outros;
2. formação da RS - objetivaçâo e ancoragem;
3. edificação das condutas - opiniões, atitudes, estereótipos. (Nóbrega, 
1990)
As Representações Sociais, que são construídas através do 
processo da comunicação, são produtoras da realidade e repercutem na 
maneira de interpretar as ocorrências do cotidiano de cada um, seja no 
âmbito individual, ou coletivo, promovendo, além disso, uma adequação 
das respostas ao fato ou fenômeno para o qual foi elaborada a 
representação.
É oportuno dizer que, mediante a constituição de uma 
representação, será "criada" uma realidade capaz de tornar válidas as 
explicações e previsões dela decorrentes.
Desse modo, a comunicação na RS é concebida de duas 
maneiras: como um processo em desenvolvimento, nos grupos sociais, 
e como o resultado desse processo (Wagner, 1998, p.09-10). As 
representações sociais resultam desse processo de comunicação e 
discurso. Entretanto, o autor observa que
"o produto, as representações distribuídas, formam parte do sistema de 
conhecimento ordinário dos indivíduos, que não pode ser concebido 
separadamente da condição sócío-genética, sob a qual ele foi formado. A 
sócio-gènese implica em características específicas das representações 
sociais, as quais não compartilham com idiossincrasia e conhecimento 
privado.”
Nesse sentido, as representações sociais que são criadas 
através da comunicação e do discurso, só ocorrem dentro de grupos 
reflexivos, assim "entendidos aqueles que são definidos pelos seus membros, que 
conhecem sua afiliação e dispõem de critérios para decidir quem são os membros 
do grupo.” (Wagner, 1998, p.11)
É denominado de genérico, o critério utilizado, considerando 
que as Representações Sociais produzidas derivam das interações e 
dos diversos fenômenos comunicacionais, inerentes a um grupo social 
determinado, cuja situação, projetos, problemas e estratégias, são 
evidenciados como resultantes da sua atividade cognitiva e simbólica.
Pode-se, dessa maneira, concluir que a RS é uma forma 
encontrada para explicar a relação existente entre o mundo material e o 
mundo simbólico. De igual forma, essa relação ocorre, principalmente, 
através do processo de comunicação, compartilhado pelos indivíduos de 
um determinado grupo social. É importante salientar que os atos de 
comunicação nem sempre são, ou nem sempre constituem apenas atos 
de consenso, apresentando-se, muitas vezes, como debates ou 
discussões acirradas, dentro dos grupos ou entre seus membros.
Entretanto, como o processo da comunicação é formado pelos 
atos de descrever, avaliar e explicar, o que caracteriza o funcionamento 
da Representação Social, é a transformação da avaliação em descrição 
e da descrição em explicação.
Considere-se, agora, outro ponto que tem gerado discussão 
sobre a RS, no caso se a representação é determinada pela prática, ou, 
em caso inverso, se é a representação que determina a prática. Seriam, 
então, os dois, indissociaveimente ligados ou interdependentes?
Não se questiona aqui a importância da prática no 
desenvolvimento das representações sociais, mas é possível inferir que 
o sistema de valores do indivíduo é que irá determinar sua apropriação 
ou não de determinada prática. São as normas, os valores, e as 
referências do indivíduo, também constituintes da representação social, 
que o fazem optar ou não pela prática apresentada.
Sobre isso, argumenta Rouquette (1998, p.43),
“não é mais exato dizer, sem outra precisão, que “as representações 
sociais e as práticas se influenciam reciprocamente”, uma vez que não se 
trata de reciprocidade; para uma maior informação, convém tomar as 
representações como uma condição das práticas, e as práticas como um 
agente de transformação das representações.”
Nessa concepção teórica, as Representações Sociais devem 
ser entendidas como teorias sociais práticas.
3.1.1. Funções da Representação Social
As funções da Representação social aqui utilizadas, 
correspondem às descritas por Abric (1998), incluindo o acréscimo que 
efetuou às duas já existentes, justificando a inserção de mais outras 
resultantes da evolução das pesquisas realizadas, enfocando as 
cognições e as práticas sociais, as quais estão a seguir descritas:
1.Função do saber: permite compreender e explicar a realidade através 
da assimilação de conhecimentos pelos indivíduos e/ou grupos, sem 
que sejam desprezados seus valores, crenças e costumes, o que cria 
54
facilidades para que as trocas sociais sejam viabilizadas e que haja a 
transmissão do saber prático do senso comum, apreendido pelos 
sujeitos sociais. Essa função é a condição necessária ao 
estabelecimento do processo de comunicação social.
2. Função identitária: define a identidade e permite a proteção da 
especificidade dos grupos, haja vista a identidade social assegurar aos 
indivíduos a permanência no grupo, e garantir que todos os seus 
membros desempenhem um papel importante, nos processos de 
socialização.
3. Função de orientação: orienta os comportamentos e as práticas, a 
partir de um sistema de pré-decodificação da realidade, o qual se 
constitui em um saber que é assimilado petos indivíduos e/ou grupos, 
mediante os referenciaisque possuem e que promovem a elaboração 
de representações que se tornam guias para a ação. É aí que os 
sujeitos apresentam um papel similar na determinação do 
comportamento, e definem quais atos, dentro de um determinado 
contexto social, é considerado lícito, tolerável ou inaceitável.
4. Função justifícadora: permite, a posteriori, a justificativa das 
tomadas de posição e dos comportamentos., As representações são 
utilizadas com o intuito de manter ou reforçar a posição social do 
grupo de referência, mesmo que seja preciso justificar e preservar as 
diferenças sociais e/ou estereotipar os grupos, contribuindo para que 
haja discriminação e manutenção da distância social, entre grupos 
diferentes.
55
3.1.2. Processos de formação das Representações Sociais
São dois os processos de formação das Representações 
Sociais: objetivação e ancoragem (Moscovici, 1962). Embora esses dois 
processos estejam intrínsecamente ligados e não sejam seqüenciais, 
alguns teóricos da Representação Social (Sá, 1998; Wagner, 1998; 
Nóbrega, 1990), descrevem-no de forma autônoma.
Afirma Nóbrega (1990, p.16), ao abordar o processo de 
objetivação, que, “fundamentalmente, a objetivação consiste em materializar as 
abstrações, corporificar os pensamentos, tornar físico e visível o impalpável, enfim, 
transformar em objeto o que é representado/'
É por ser assim que, a objetivação aborda a maneira como os 
elementos constituintes da representação se organizam e adquirem 
materialidade, formando-se expressões de uma realidade vista como 
natural. O processo de objetivação é constituído de três fases:
♦ a construção seletiva: meio utilizado pela maioria dos indivíduos 
consumidores da mídia, como forma de apropriação das informações 
de cunho teórico-científico. Essas informações sofrem um processo 
de seleção e descontextualização, para que sejam apreendidas 
apenas as partes consideradas coerentes, levando em conta as 
normas e os valores individuais, o que permite verificar que a 
reorganização dos elementos, relativos a um objeto, não é realizada 
de forma neutra ou aleatória. Em outros termos, a partir da aquisição 
desses conhecimentos, há uma seleção feita pelos indivíduos, de 
acordo com o universo do senso comum, a qual é baseada em dois 
critérios: culturais e normativos.
• Esquemateação estruturante ou núcleo central: é o elemento que 
irá resistir à mudança. São as noções básicas que constituem uma 
56
representação, encontrando-se as mesmas organizadas, de forma a 
constituir um padrão de relações estruturadas. De acordo com Abric 
(1998, p.31) o núcleo central assume duas funções fundamentais:
" _ Uma função geradora: ela é o elemento através do qual se cria, ou se 
transforma o significado dos outros elementos constitutivos da 
representação. É através dele que os outros elementos ganham um 
sentido, um valor.
„ Uma função organizadora: é o núcleo central que determina a natureza 
dos elos, unindo entre si os elementos da representação. Neste sentido, 
o núcleo é o elemento unificador e estabilizador da representação."
• naturalização: configura-se como uma “tela de fundo”, em que são 
refletidos os delineamentos figurativos, que se concretizam ao formar 
um conceito novo , e demonstram a relação desse conceito com a 
realidade. Não é só o abstrato que se torna concreto, através da sua 
expressão em imagens e metáforas; o que era percepção, faz-se 
realidade, tornando equivalentes a realidade e os conceitos. Isso 
posto, a cada palavra corresponde um objeto e cada imagem tem a 
sua contrapartida na realidade.
Integrados ainda ao processo de objetivação, estão o desejo, 
a avaliação, a demanda e a troca, como forma de explicação da 
representação social do dinheiro.
- O desejo é provocado por algo que se faz recusar, sendo 
diferente e, por conta do impedimento da sua realização 
imediata, provoca tensão na relação sujeito ~~ objeto.
- A avaliação desenvolve uma escala de desejabilidade, 
através da qual o desejo será avaliado, qualificado e 
(des)valorizado.
57
- A demanda configura-se como a possibilidade de escolha 
sobre a diversidade de desejos e as necessidades 
apresentadas.
- A troca é o que solidifica os laços de reciprocidade entre os 
indivíduos, o que auxilia o sujeito a pertencer a determinado 
grupo ou instituição. É definida como sendo a base da vida, 
em sociedade.
A ancoragem. o segundo processo de formação da RS, não 
pode ser entendida desligada da objetivação, pelo fato de que, juntas, 
asseguram as três funções essenciais da representação: incorporação 
do estranho ou do novo; interpretação da realidade; e orientação do 
comportamento.
São também três, as condições estruturantes, sobre as quais é 
organizada a ancoragem: atribuição do sentido; instrumentalização do 
saber; e enraizamento no sistema de pensamento.
• atribuição do sentido: essa condição estruturante diz 
respeito à rede de significações, em que são articulados e 
hierarquizados os valores culturais já existentes e que permitem 
classificar acontecimentos, comportamentos, pessoas, grupos e fatos 
sociais, atribuindo denominações que decorrem dos valores, 
conceitos e crenças dos indivíduos e/ou grupos.
® mstrumentaHzação do saber:- é a interpretação que o 
indivíduo e/ou grupo faz acerca do objeto, transformando-o em saber 
útil, com a função de contribuir para a tradução e compreensão do 
mundo.
• Enraizamento no sistema de pensamento: a 
representação é elaborada a partir de idéias pré-existentes, o que 
58
permite a ocorrência de dois fenômenos opostos, na formação de 
novas representações: incorporação social da novidade e 
familiarização do estranho.
3.2. Semiótica e pragmática do discurso no processo de comunicação 
“ visibilidades e silêncios.
O fenômeno da comunicação é universal, uma vez ser a 
comunicação configurada como a base da vida em sociedade.
Para Ferreira (1988, p.165), o processo de comunicação 
caracteriza-se pelo
“ato ou efeito de emitir, transmitir e receber mensagens, por meio de 
métodos e/ou processos convencionados, quer através da linguagem 
falada ou escrita, quer de outros sinais, signos ou símbolos, quer de 
aparelhamento técnico especializado, sonoro e/ou visual."
Isso significa que, independente da forma utilizada no processo 
comunicacional, o importante é que a mensagem seja transmitida, não 
implicando, necessariamente, em sua interpretação.
Silva (1999, p. 67~8), citando Vayone, afirmam que a 
comunicação tem como objetivo a transmissão da mensagem, sendo 
necessário, para tanto, a presença de alguns agentes constituídos, 
quais sejam:
“emissor ou destinador, responsável pela emissão da mensagem: 
receptor ou destinatário, capaz de receber a mensagem (o que não 
significa necessariamente que a mensagem seja compreendida); a 
mensagem, objeto da comunicação, constituída pelo conteúdo das 
informações transmitidas; o canal de comunicação, que é a via de 
59
circulação da mensagem, os meios técnicos aos quais o destinador tem 
acesso, para assegurar que a mensagem chegue ao destinatário (meios 
sonoros visuais); e, finalmente, o código, que oferece um conjunto de 
signos e regras capazes de serem codificados por uma pessoa, um grupo 
de pessoas, um animal ou uma máquina.”
Os signos desempenham um papel fundamental no processo 
de comunicação, visto que sua ausência implica impossibilidade da 
construção da mensagem, fato que assegura a inexistência de uma 
relação comunicacional.
Saussure (2000) concebe a língua como um sistema de signos, 
sendo estes constituídos de um significante e de um significado. Para o 
autor (2000, p.80), “o signo linguístico não une só uma coisa e uma palavra, mas 
um conceito e uma imagem acústica,” Considerado como uma entidade 
psíquica de duas faces, pode ser representado pela figura: 
FIGURA 01: Representação saussureana do signo linguístico.
A
O conceito, representado na figura, refere-se ao significado 
(imagem mental mediada pelo significante,

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