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IMPACTO DA METODOLOGIA ÁGIL NA GESTÃO DE PRODUTOS TECNOLÓGICOS: O CASO DE UMA EMPRESA DE SOLUÇÕES DE PAGAMENTOS Gabriel Tavares da Silva Oliveira Guilherme Brito de Marsillac Projeto de Graduação apresentado ao Curso de Engenharia de Produção da Escola Politécnica, Universidade Federal do Rio de Janeiro, como parte dos requisitos necessários à obtenção do título de Engenheiro. Orientador: Renato Flórido Cameira Rio de Janeiro Agosto de 2019 3 Oliveira, Gabriel Tavares da Silva de Marsillac, Guilherme Brito Impacto da metodologia ágil na gestão de produtos tecnológicos: o caso de uma empresa de soluções de pagamento / Gabriel Tavares da Silva Oliveira, Guilherme Brito de Marsillac – Rio de Janeiro: UFRJ/ Escola Politécnica, 2019. XV, 115 p.: il.; 29,7 cm. Orientador: Renato Flórido Cameira Projeto de Graduação – UFRJ/ POLI/ Engenharia de Produção, 2019. Referências Bibliográficas: p. 128-130. 1. Gestão de produtos. 2. Metodologias ágeis. 3. Product Design. I. Cameira, Renato Flórido. II. Universidade Federal do Rio de Janeiro, UFRJ, Curso de Engenharia de Produção. III. Impacto da metodologia ágil na gestão de produtos tecnológicos: o caso de uma empresa de soluções de pagamento. 4 Resumo do Projeto de Graduação apresentado à Escola Politécnica/ UFRJ como parte dos requisitos necessários para a obtenção do grau de Engenheiro de Produção. Impacto da metodologia ágil na gestão de produtos tecnológicos: o caso de uma empresa de soluções de pagamento Gabriel Tavares da Silva Oliveira Guilherme Brito de Marsillac Agosto/2019 Orientador: Renato Flórido Cameira Curso: Engenharia de Produção O atual panorama de atuação das maiores empresas do mundo, em contínua mutação, tem evidenciado o papel de destaque que as empresas de tecnologia (da informação) têm assumido. Tal contexto reflete como o mercado de tecnologia atende a uma exigência crescente por novos produtos e soluções inovadoras, com destaque à demanda por aguda velocidade de entrega, alta confiabilidade e flexibilidade. O protagonismo dessa indústria traz à tona discussões sobre como a introdução da tecnologia tem afetado o ciclo de vida dos produtos. Uma das vertentes refere-se aos métodos de gestão desses produtos e, em particular, à opção por metodologias ágeis que estimulem a iteração, com feedback rápido e constante, e o lançamento assertivo de soluções inovadoras num curto espaço de tempo. Este trabalho apresenta, a partir da identificação dos pontos de compatibilidade entre as metodologias ágeis e a gestão do desenvolvimento de produtos de tecnologia, a definição de um modelo de gestão ágil que seja eficiente e viável. Posteriormente, realiza-se uma aplicação no caso de uma empresa de soluções de pagamentos, em que são analisados os aspectos da gestão de produtos na companhia e, depois, as principais oportunidades de incorporação do conhecimento acumulado no desenvolvimento e na gestão de produtos, e os possíveis impactos do modelo definido para a entrega de soluções de alto valor. Palavras-chave: gestão de produtos, metodologias ágeis, entrega de valor. 5 Abstract of Undergraduate Project presented to POLI/UFRJ as a partial fulfilment of the requirements for the degree of Industrial Engineer. Leverage points and the impact of agile methodology on tech product management: a case study of a payment solutions company Gabriel Tavares da Silva Oliveira Guilherme Brito de Marsillac August/2019 Advisor: Renato Flórido Cameira Course: Industrial Engineering The current landscape of the biggest companies in the world, in continuous mutation, endorse the important role tech business companies are assuming. This scenario reflects how tech product’s market meets the growing demand for innovative solutions and new products, mainly for faster product launches and flexible and reliable releases. The leading role played by technology industry highlights discussions about how technology introduction has affected the product life cycle. One of the main discussions refers to the products management methods and, specifically, the choice for agile methodologies that stimulate iterations, with rapid and constant feedbacks, and the assertive launching of innovative solutions in a short period. This work presents, as a result of the identified points as to the compatibility of the agile management with the tech product management, the definition of a agile model that is both efficient and viable. Later, there is a practical case application of the study in a payment solutions company, in which the main aspects of the product management are analyzed, and afterwards, the main opportunities of incorporating the accumulated knowledge in products development and management, as well as the possible impacts of the defined model for delivering high value solutions. Keywords: product management, agile methodologies, value delivery. 6 AGRADECIMENTOS GABRIEL TAVARES A felicidade que sinto de atingir mais um objetivo é enorme e com ela vem a enorme gratidão que tenho pelas companhias que tive longo dessa trajetória. Vocês foram minha base. Pai, muito obrigado por ter me capacitado e permitido que eu chegasse até aqui. Deixo um agradecimento mais do que especial aos meus pais, Eliane e Josué, por todo o sacrifício que fizeram para que eu pudesse estar vivendo esse momento. Não tenho palavras para descrever o meu amor por vocês e o quanto foi confortante ter todo o apoio que me deram em absolutamente todos os momentos. Estendo esse agradecimento ao meu irmão Rafael e aos meus avós Pedro e Maria. Agradeço também aos meus amigos de colégio pelo suporte de vocês e pela amizade de longa data. Aos meus amigos de baixo F, agradeço por terem tornado esses anos mais leves e divertidos. Certamente preciso destacar também minha gratidão à Fluxo Consultoria por ter sido uma verdadeira escola para mim, especialmente em termos profissionais, mas também por todos os amigos que pude fazer ao longo da minha passagem pelo Movimento Empresa Junior. À Universidade Federal do Rio de Janeiro deixo meu reconhecimento por ter me formado enquanto aluno e acrescentado valores tão importantes na minha formação enquanto cidadão brasileiro. Destaco também minha felicidade por ter compartilhado esses anos com profissionais de excelência e tão dedicados a essa instituição quanto os professores que pude ter ao longo do curso de engenharia de produção. Deixo, como símbolo disso, meu agradecimento ao professor Renato Flórido Cameira. Aos amigos da Stone Co e meus queridos amigos da Ralé, deixo meu muito obrigado por acrescentarem tanto em tão pouco tempo, esse lugar é realmente feito para esticar gente e, o principal, feito por pessoas integras, inteligentes e com muita energia. Deixo dois últimos agradecimentos. À Catarina, pois sem ela teria sido muito mais difícil. Cata, obrigado por todo companheirismo, apoio e carinho, você é muito especial para mim. E ao Guilherme, muito obrigado pela confiança e pela amizade que construímos ao longo desse período, você foi o melhor parceiro que eu poderia ter. 7 AGRADECIMENTOS GUILHERME MARSILLAC É extremamente gratificante agradecer - de forma sincera e um tanto emocionada - a todos os que, à sua forma, contribuíram para o presente momento. Seguem abaixo meus agradecimentos: Aos meus pais, Marcelo e Márcia, por seu apoio, incentivo e amor incondicional, sem os quais eu não estaria aqui. Não há agradecimento suficiente para a dedicação e para o esforço vocês; À Universidade Federal do Rio de Janeiro, por me oferecer conhecimento e aprendizados que me engrandeceram pessoal e academicamente e me tornaram mais preparado para o mercado de trabalho e - mais importante - para a vida;Ao professor Renato Cameira, por sua confiança, paciência e orientação nesse processo, além de sua leal e admirável dedicação ao curso de Engenharia de Produção; Ao meu grande amigo e parceiro, Gabriel, por estar ao meu lado sempre, do início ao fim. Não consigo imaginar forma e companhia melhor para encerrar esse ciclo; À minha família e ao Clã dos Marsillacs, por seu constante apoio e, principalmente, por me ensinarem que tudo vale a pena se a alma não é pequena; Aos amigos do Baixo F, por todas as provas, noites mal dormidas e por todas as resenhas ao longo desses anos; Aos meus amigos do Colégio de São Bento, por sua amizade inabalável apesar do tempo e da distância e por todo o apoio e carinho; Aos amigos da Ambev, e especialmente à Ju, pela cumplicidade, pelo incentivo e pelo apoio essenciais e indispensáveis nesses últimos momentos; Por fim, sou grato às experiências, momentos, alegrias e tristezas que construí até aqui e que me condicionaram ao que vem a seguir. 8 LISTA DE FIGURAS Figura 1: Distribuição do número de ofertas públicas iniciais e volumes captados. ...... 25 Figura 2: Histórico de preço das ações da Microsoft ao longo do tempo em dólares. ... 26 Figura 3: Análise das vendas de iPhone, iPad and iPod do primeiro trimestre de 2006 ao quarto trimestre de 2018 (em milhões de unidades) ....................................................... 32 Figura 4: Ciclo de vida de um projeto ............................................................................ 38 Figura 5: Características do ciclo de vida do projeto. .................................................... 39 Figura 6: Ciclo de feedback Construir-Medir-Aprender de Eric Ries. ........................... 46 Figura 7: O atalho proposto por Jake Knapp no processo de aprendizado .................... 47 Figura 8: Os ciclos e fases do modelo de Desenvolvimento do cliente. ........................ 48 Figura 9: Lean Canvas para registro de hipóteses e aprendizados das etapas de descoberta do negócio. ..................................................................................................................... 50 Figura 10: Framework da metodologia Scrum ............................................................... 52 Figura 11: Quadro kanban para gestão de produto......................................................... 55 Figura 12: Principais motivos pelos quais startups falham ............................................ 62 Figura 13: Quadro representativo do Mapa de Empatia do cliente ................................ 65 Figura 14: Exemplo de aplicação do Mapa de Empatia para curso de ensino à distância ........................................................................................................................................ 66 Figura 15: Exemplo da estrutura de uma persona definida sobre um grupo de potenciais clientes ............................................................................................................................ 68 Figura 16: Relação entre o canvas de modelo de negócios e o canvas de proposta de valor. ........................................................................................................................................ 72 Figura 17: Canvas de proposta de valor. ........................................................................ 72 Figura 18: Processo de validação de conceitos e usabilidade com o cliente. ................. 74 9 Figura 19: Exemplo de aplicação de um teste A/B. ....................................................... 76 Figura 20: Matriz de priorização de funcionalidades. .................................................... 83 Figura 21: Evolução dos níveis de concentração do segmento bancário conforme índice de Herfindahl-Hirschman (IHH). ................................................................................... 93 Figura 22: Análise da evolução do índice de concentração do segmento bancário nos quatro maiores participantes. .......................................................................................... 93 Figura 23: Apresentação da Agenda BC+ do Banco Central do Brasil. ........................ 95 Figura 24: Ferramenta de estruturação de roadmap e identificação de dependências de iniciativas. ..................................................................................................................... 120 Figura 25: Canvas de comunicação dos fluxos do piloto do produto. .......................... 121 Figura 26: Importância do registro de aprendizados nas entrevistas de problema e solução. ...................................................................................................................................... 124 10 LISTA DE TABELAS Tabela 1 - Ranking de maiores empresas públicas nos EUA em 1967 .......................... 23 Tabela 2: Lista das dez maiores empresas públicas dos EUA em 18/03/2019. ............. 27 Tabela 3: Classificação das maiores empresas de tecnologia por receita por colaborador (2014-2017) .................................................................................................................... 28 Tabela 4: Comparativo da redução do custo médio de funcionalidades ao longo do tempo ........................................................................................................................................ 29 Tabela 5: Princípios do Lean aplicado a produtos tecnológicos. ................................... 54 Tabela 6: Guia de entrevistas com clientes. ................................................................... 69 11 SUMÁRIO 1. INTRODUÇÃO ................................................................................................ 14 1.1. Motivação .................................................................................................... 14 1.2. Objetivos ..................................................................................................... 15 1.2.1. Objetivo geral ....................................................................................... 15 1.2.2. Objetivos específicos ............................................................................. 15 1.3. Estrutura de Escopo ................................................................................... 15 1.4. Metodologia................................................................................................. 16 1.5. Limitações e delimitações .......................................................................... 17 2. MERCADO DE TECNOLOGIA .................................................................... 18 2.1. Evolução da tecnologia e introdução da ‘tecnologia da informação’ .... 18 2.2. Tendências do mercado tecnológico ......................................................... 22 2.2.1. Democratização do mercado ................................................................ 22 2.2.2. Necessidade de agilidade e enfoque na gestão de produtos ................. 30 3. METODOLOGIAS ÁGEIS ............................................................................. 34 3.1. Definição e contextualização ..................................................................... 34 3.1.1. Modelo Cascata versus Métodos Ágeis ................................................ 37 3.1.1.1. Modelo Cascata ............................................................................... 37 3.1.1.2. Breve Comparativo ......................................................................... 39 3.1.2. Manifesto Ágil ....................................................................................... 40 3.1.3. Lean Market Validation ........................................................................ 43 3.1.4. Scrum .................................................................................................... 51 12 3.1.5. LeanKanban ......................................................................................... 53 3.2. Compatibilidades com o mercado de tecnologia ..................................... 55 4. GESTÃO DE PRODUTOS TECNOLÓGICOS ............................................ 59 4.1. Definição ...................................................................................................... 59 4.2. Validação do problema .............................................................................. 61 4.3. Definição e validação de requisitos ........................................................... 74 4.4. Gestão e desenvolvimento do produto ...................................................... 77 4.4.1. Iterações ou ciclos de gestão ................................................................ 78 4.4.2. Elementos de gestão .............................................................................. 80 4.4.3. Priorização de desenvolvimento ........................................................... 82 4.4.4. Validação de entregas .......................................................................... 84 4.4.5. Definição e acompanhamento de metas e indicadores ......................... 86 4.5. Gestão do conhecimento ............................................................................ 88 4.6. O papel do gestor: product manager ......................................................... 89 5. CASO APLICADO: UMA EMPRESA DE SOLUÇÃO DE PAGAMENTOS 91 5.1. Caracterização da empresa ....................................................................... 91 5.1.1. Mercado de soluções de pagamento no Brasil ..................................... 91 5.1.2. Histórico e composição ........................................................................ 96 5.2. A gestão de produtos tecnológicos na empresa XPTO ........................... 99 5.2.1. Validação do problema ....................................................................... 100 5.2.2. Definição e validação de requisitos .................................................... 103 5.2.3. Gestão e desenvolvimento do produto ................................................ 106 13 5.2.4. Gestão do conhecimento ..................................................................... 110 5.2.5. O papel do gestor ................................................................................ 111 5.3. Aplicabilidade da metodologia ágil nos pontos de alavancagem ......... 114 5.3.1. Validação do problema ....................................................................... 114 5.3.2. Definição e validação de requisitos .................................................... 116 5.3.3. Gestão e desenvolvimento do produto ................................................ 119 5.3.4. Gestão do conhecimento ..................................................................... 122 5.3.5. O papel do gestor ................................................................................ 124 6. CONCLUSÃO ................................................................................................. 126 7. BIBLIOGRAFIA ............................................................................................ 128 14 1. INTRODUÇÃO Ao longo desse primeiro capítulo, serão detalhados aspectos iniciais em relação ao desenvolvimento desse trabalho e sobre o que é esperado como resultado dele. Dentre os principais pontos, inicialmente é apresentada a motivação dos autores pela escolha do tema e condução do projeto, assim como os objetivos do presente trabalho e a estrutura de escopo estabelecida. Por fim, são esclarecidas também a metodologia utilizada e sob quais delimitações e limites esse trabalho se desenvolveu. Com todos esses esclarecimentos será possível ter a compreensão da forma como o projeto evoluiu. 1.1. Motivação Marc Andreessen, co-fundador da Andreessen Horowitz, um dos principais fundos de venture capital dos Estados Unidos, escreveu em 2011 sobre porque o software está dominando o mundo1. Acompanhada dessa mudança no contexto mundial, surge uma série de questões sobre a abordagem ágil quanto à gestão de produtos, e de suas aplicabilidades no mercado de produtos de tecnologia e de tecnologia da informação. Esse mercado ainda possui grande possibilidade de análise e investigação e é extremamente importante, do ponto de vista econômico e estratégico, compreender os impactos da implementação da metodologia ágil na gestão de produtos tecnológicos. Portanto, a motivação para o presente estudo veio da possibilidade de ser capaz de analisar de forma profunda e eficiente um mercado dinâmico e flexível como o de tecnologia, bem como refletir sobre as melhores e mais compatíveis formas de gestão de produtos ou projetos nesse mercado, sendo as principais conhecidas como metodologias ágeis. Por fim, a motivação veio também da possibilidade de tangibilizar o conhecimento adquirido em um caso prático em um mercado extremamente atual e com grande potencial no Brasil como o de solução em pagamentos. 1 Disponível em: <https://a16z.com/2011/08/20/why-software-is-eating-the-world/> Acesso em 05/07/2019. https://a16z.com/2011/08/20/why-software-is-eating-the-world/ 15 1.2. Objetivos Os objetivos de um projeto são uma das partes mais importantes de um trabalho como esse pois sintetizam o resultado esperado pelos autores na condução e aplicação dos conhecimentos adquiridos ao longo da graduação. A seguir, são esclarecidos o objetivo geral - o elemento que resume e apresenta a ideia central do trabalho acadêmico - e os objetivos específicos - elemento que relaciona mais profundamente o objeto do trabalho e suas particularidades. 1.2.1. Objetivo geral Como objetivo geral é esperado discursar sobre a gestão ágil, apresentar suas principais metodologias e compreender os diversos elementos gerenciais, desde a validação de mercado até a gestão de produtos e/ou projetos, que viabilizem de forma eficiente a gestão de produtos digitais, cumprindo seu propósito de entrega de valor. 1.2.2. Objetivos específicos No que tange a objetivos específicos, busca-se a partir de uma análise inicial do cenário do mercado de tecnologia e de gestão de produtos, tema ainda com exploração incipiente, entender quais os impactos da aplicação da metodologia ágil nesse contexto e enquadramento de ferramentas e técnicas que deem mais agilidade ao processo de desenvolvimento de produtos. A partir daí, procura-se tangibilizar e destacar as vantagens oriundas da compatibilidade e aplicabilidade dos temas aprofundados para empresas. 1.3. Estrutura de Escopo Primeiramente, a presente seção busca apresentar o estudo a seguir, definindo requisitos técnicos como motivação, objetivos, metodologia de pesquisa e desenvolvimento do projeto e, por fim, limites e limitações para o estudo. Na seção 2, é feita uma introdução ao mercado de tecnologia (e tecnologia da informação), com uma análise histórica de sua evolução e de seus avanços. Também são analisadas as tendências desse mercado, não quanto às tecnologias desenvolvidas, mas quanto às características competitivas e dinâmicas do mesmo. 16 Posteriormente, na seção 3, aborda-se o conceito das metodologias ágeis. Nesse sentido, realiza-se uma contextualização de seu surgimento e de seus princípios, bem como um breve comparativo entre essa metodologia e o modelo cascata de gestão. Também, são descritos alguns dos métodos mais conhecidos de gestão ágil e de pensamento ágil e, por fim, é realizada uma análise quanto à compatibilidade entre o cenário do mercado de tecnologia exposto na seção 2 e a metodologia ágil abordada. A seguir objetiva-se, na seção 4, encontrar um modelo de gestão ágil que reúna diversos pontos abordados na seção anterior e que seja viável e eficiente para a criação e para agestão de produtos e projetos tecnológicos, considerando a validação das ideias, o desenvolvimento do produto e a manutenção e/ou validação com o cliente final. Chega-se, então, à seção 5, em que é analisado o caso prático de uma empresa de tecnologia em pagamentos. Essa análise possui uma introdução à empresa, com descritivo de sua história, de sua estrutura e de sua abordagem quanto à gestão de projetos e produtos tecnológicos. Posteriormente, é realizado um levantamento dos pontos de falha quanto à gestão de produtos dessa empresa e, por fim, define-se a aplicabilidade do modelo de metodologia ágil sugerido nos pontos definidos para benefício da companhia. Finalmente, a seção 6 contém a conclusão quanto ao estudo realizado, e a seção 7 contém as referências bibliográficas utilizadas para embasar as análises. 1.4. Metodologia De acordo com a classificação das pesquisas com base em seus objetivos, apresentada em GIL (2010), este trabalho se enquadra como uma pesquisa de caráter exploratório. A pesquisa exploratória consiste tanto em pesquisas bibliográficas quanto em estudo de caso (GIL, 2010) e, portanto, esses foram os dois tipos de coleta de dados empregados no presente estudo. Primeiramente realizou-se uma pesquisa bibliográfica, que buscou reunir insumos quanto ao mercado de tecnologia, à gestão de produtos e a metodologias ágeis, para posterior estudo do caso prático e elaboração de uma análise consistente quanto aos pontos mencionados. O levantamento foi feito por meio da busca dessa base teórica em artigos e publicações encontrados em bases de artigos científicos online - Academia, Google Acadêmico, RefSeek, dentre outros - bem como livros dos assuntos supracitados e matérias em revistas e websites. 17 O estudo de caso na empresa de soluções de pagamento foi realizado como forma de investigação da aplicação prática dos pontos mencionados, considerando a aplicação da metodologia ágil na gestão de produtos tecnológicos. O acesso à empresa foi ilimitado, buscando apenas manter a discrição quanto ao nome da empresa (a ser chamada de empresa XPTO) e dos produtos analisados, para evitar possível divulgação de informação confidencial. Por fim, as sugestões e inferências da aplicabilidade da metodologia ágil e de seu impacto no caso estudado podem servir como insumo para estudos futuros focados em sua implementação e na consequente mensuração desses impactos de forma quantitativa e qualitativa. 1.5. Limitações e delimitações Devido ao escopo do projeto, decidiu-se por não adentrar a temática de estratégia na análise de gestão de projetos e produtos, bem como na validação das ideias. Isso porque essa temática é extremamente profunda e vasta, e abordá-la exigiria mudança de escopo. Pelo mesmo motivo o tema de inovação também é abordado de forma apenas superficial ao longo do texto, sem aprofundamentos técnicos e teóricos acerca do assunto. No que tange ao tema de Lean Market Validation, na seção 2, o estudo possui como limite as duas primeiras fases do processo. Isso se dá porque as duas últimas fases se referem à escalabilidade do negócio, o que foge do escopo do estudo sobre gestão de produtos. Por fim, o estudo também não aborda os processos de alteração do produto, tornando isso de seus limites. 18 2. MERCADO DE TECNOLOGIA O mercado de tecnologia tem mudado de forma muito rápida e isso tem impactado a dinâmica com que ele se comporta e a forma com que são desenvolvidos novos produtos no mundo. Ao longo deste capítulo serão debatidas algumas das consequências da evolução da tecnologia, quais são as principais tendências em termos de mercado e como tudo isso tem afetado a dinâmica competitiva das empresas e deixado o mercado cada vez mais democrático e exigindo agilidade daqueles participantes que desejam ter vantagem competitiva. 2.1. Evolução da tecnologia e introdução da ‘tecnologia da informação’ O ser humano, em toda a sua história, teve que enfrentar diversas situações em que foi exigido aplicar sua inteligência para superar desafios de diferentes naturezas, inclusive relacionados à sua sobrevivência. Em meio a esses momentos, é possível observar a existência de inovações que, hoje, podem ser encaradas como marcos da história da humanidade, como o surgimento de instrumentos que facilitaram a busca por alimentos, a comunicação escrita, a descoberta do fogo, os primeiros motores a vapor, a eletricidade, a internet, entre outros. Algumas dessas novas tecnologias modificaram completamente a forma como vivemos e abriram caminho para o surgimento de novas empresas e modelos de negócio que as explorassem. O período considerado como pré-revolução industrial pode ser destacado como responsável por avanços diretamente relacionados à sobrevivência e pelo desenvolvimento da humanidade enquanto sociedade. Sob essa ótica, este longo período ficou marcado por avanços político-sociais que proporcionaram o começo das primeiras civilizações urbanas. A utilização dos primeiros instrumentos que exploravam recursos disponíveis, como ossos e pedras, e que passaram a ser entendidos como modeláveis para diferentes propósitos, criou uma base de aprendizado que culminou na descoberta e exploração do fogo e roda - importantíssimo para avanços de transporte -, nas primeiras construções, avanços de irrigação e agricultura, bem como na manufatura e posterior utilização de metais e armas de fogo. Todas essas novas habilidades acumuladas possibilitaram o crescimento populacional e implicaram numa economia majoritariamente agrária com atividade produtiva artesanal e emprego de algumas máquinas simples. 19 A revolução industrial ficou marcada como uma época de mudanças significativas e avanços tecnológicos relevantes num curto espaço de tempo. Um dos principais destaques podem ser as máquinas a vapor, que mudaram completamente o nível de produção industrial, já que não só substituíram outras fontes de energia utilizadas até então, como também foram importantes na melhoria do design e eficiência das fontes tradicionais. Eficiência, aliás, nesse mesmo período, virou obsessão2. A máquina a vapor é símbolo de um período que ficou marcado pela mudança de paradigma na organização e avaliação do trabalho, já que as máquinas potencializaram a técnica, com a criação de instrumentos mecânicos em substituição às operações manuais, além de poderem ser comandadas por pessoas que não necessariamente tinham aptidão para as atividades artesanais. Duarte (1999, p.15) destaca que, em decorrência das transformações produtivas, tem-se um redesenho dos territórios dos países que se industrializavam em virtude do movimento populacional do campo para as cidades. Essa nova conjuntura agravou a necessidade de desenvolvimento dos meios de comunicação, pois o aumento da população urbana e o crescimento na oferta de bens e serviços modificaram o aspecto das grandes cidades, inserindo a rapidez de produção e distribuição de produtos e informações como fatores chave. Ainda no século XIX, os estudos de Benjamin Franklin, Alessandro Volta e Michael Faraday foram cruciais para o desenvolvimento da eletricidade como fonte de energia, já em um primeiro momento com resultados que introduziram a geração de energia mecânica a partir da corrente elétrica e utilização dos motores elétricos. Neste mesmo período, foram conhecidas as técnicas básicas de geração, distribuição e utilização dessa forma de energia que se espalharia por todo mundo a partir do século XX. A partir do advento da eletricidade, uma série de inovações no campo da comunicação, principalmente, pôde ser notada. O surgimento da primeira dessas inovações, o telégrafo elétrico, responsabilidade de Alexander Graham Bell em 1876, que introduziu a comunicação oral de curta distância; e, no final do mesmo século, do primeiro sistema de radiocomunicação,de Guglielmo Marconi, utilizado para conexão de duas pessoas separadas pelo oceano Atlântico, impactaram positivamente numa sociedade globalizada - ainda que em um estágio inicial - por meio da possibilidade prematura de comunicação instantânea. 2 Disponível em https://hbr.org/2019/01/rethinking-efficiency. - Acesso em 31/07/2019 https://hbr.org/2019/01/rethinking-efficiency 20 Essa gama de acontecimentos do século XIX potencializou um volume ainda maior de inovações nos séculos posteriores. O século XX é um período reconhecido por mudanças políticas que têm relação direta com a capacidade tecnológica de cada país, especialmente por ter duas Guerras Mundiais que trouxeram consigo novos materiais e tecnologias que eram inimagináveis até então. Invenção dos aviões, foguetes, bomba atômica e avanços na indústria farmacêutica, foram aparatos resultantes da inovação estimulada tanto na indústria privada quanto pública. Segundo Castells (2011), o forte impulso tecnológico dos anos 1960 promovido pelo setor militar preparou, por exemplo, a tecnologia norte-americana para o grande avanço que culminou na primeira revolução da tecnologia da informação, nos EUA nos anos 70. Além disso, os estudos não ficaram concentrados apenas em novas tecnologias, mas também evoluíram nos campos de ganho de produtividade e melhoria de técnicas empregadas. Os estudos do trabalho e os conceitos de administração científica, introduzidos por Taylor, se espalharam por todas organizações industriais dos EUA e da Europa no início do século. Com o final da Segunda Guerra Mundial, foi observada também a introdução da engenharia de controle e automação de processos e técnicas computadorizadas. O estopim para o surgimento rápido dos primeiros computadores pode ser a invenção dos transistores, resultado das invenções decorrentes da era espacial e principal responsável pela revolução da eletrônica. Dali em diante, verificou-se impressionante expansão de tecnologias de processamento de dados e de técnicas e métodos que marcaram época, como o Toyotismo e o Controle de Qualidade. Peter Drucker elucida ainda que o trabalhador industrial tradicional passou a ser substituído pelos knowledge workers, os ‘trabalhadores do conhecimento’, que aliam o trabalho teórico com o antigo trabalho manual (Drucker, 1959). Todo esse processo de mudança estabeleceu um novo paradigma em que a informação passa a ser a matéria- prima e a tecnologia permeia toda a atividade humana. Esse novo paradigma alterou completamente as formas utilizadas de acesso aos dados e como armazená-los; reduziu custos e intensificou a comunicação das pessoas e organizações, através de programas de processamento de texto, de formação de bancos de dados, bem como de tecnologias que permitiam a transmissão de documentos, compartilhamento de mensagens e arquivos, mas também a interligação de dados a outros computadores da época, a Internet. Essa última explodiu e ganhou capilaridade de forma 21 comparável à eletricidade, e, a partir da sua popularização deu-se início a revolução digital, que modificou completamente a sociedade e as organizações. De modo geral, como tendência desse paradigma estabelecido, há a convergência de tecnologias específicas em um sistema integrado com foco na geração de informação. Gordon Moore, co-fundador da Intel, definiu, naquilo que ficou conhecida como Lei de Moore, que a densidade de transistores deve dobrar a cada dois anos, enquanto o custo de produção dos chips cai. Assim, como consequência, ano após ano, os computadores e dispositivos móveis seriam significativamente mais rápidos e poderiam ser comprados com a mesma quantidade de dinheiro. Esse cenário projetado por Moore já é observado na medida em que, nesse padrão de duplicação, são construídos computadores mais rápidos que auxiliam na construção de computadores ainda mais rápidos que servem de base para tecnologias que fazem a informação também seguir nessa mesma trajetória exponencial através da inteligência artificial, biotecnologia, data science, internet das coisas e outras. Nesse contexto, Ismail (et al., 2015) defende que, nos próximos anos, a maioria dos grandes empreendimentos construirá seus negócios a partir de novas fontes de informação ou pela conversão de ambientes previamente analógicos em informação, de modo que as organizações de sucesso do século XXI serão aquelas que conseguirem se adaptar a esse mundo de informação onipresente e convertê-la em vantagem competitiva (Ismail et al., 2015). Com base nisso, a exploração da tecnologia da informação por parte das empresas passa a ser encarada como sinônimo de vantagem competitiva e fonte de capacitações importantes para a sustentação da posição competitiva das empresas em um cenário que demanda alta flexibilidade estratégica e capacidade de resposta às mudanças. Não à toa, o termo economia digital tem sido utilizado com frequência para descrever o momento atual. O termo se refere à atividade econômica que resulta das bilhões de interações geradas todos os dias entre as pessoas, negócios e, agora, dados e dispositivos. Tudo como consequência de um processo de transformação digital que possibilita uma maior conectividade e alavanca a conexão entre pessoas, máquinas e organizações. Essa mudança de contexto destaca algumas mudanças naturais de princípios de estruturação de negócios, interações entre as empresas e a dinâmica de competição, desenvolvimento de produtos e como os usuários consomem produtos, serviços e informações. 22 2.2. Tendências do mercado tecnológico A partir da aproximação inicial feita quanto ao mercado de tecnologia, cabe apresentar as tendências do mesmo. Explorar esse assunto traz benefícios para a compreensão do que é possível se esperar de um mercado que agora possui outro ritmo de crescimento de demanda. Serão analisados portanto, não essencialmente aspectos quanto às tecnologias de estado da arte, mas quanto às principais características que os comportamentos e a competição dentro desse mercado passam a exigir de empresas, equipes e sistemas, bem como as capacitações insurgentes no meio. 2.2.1. Democratização do mercado O avanço no desenvolvimento de tecnologias proporcionou ganhos de eficiência e outros impactos positivos em uma série de situações do cotidiano humano, esse incremento foi também uma das principais alavancas para o crescimento populacional na velocidade que temos hoje. Não à toa, esse comportamento exponencial que o desenvolvimento tecnológico tem dado às coisas traz consigo tópicos importantes de serem compreendidos, como o efeito de rede, a alta exigência de escalabilidade e, também, a democratização dos mercados. Se por muitos anos o mundo dos negócios apresentou um cenário em que os líderes de mercado e marcas mais valiosas do mundo tinham um posicionamento praticamente hegemônico, quando se torna possível um movimento de migração global do hardware e do bem físico para o software, a dinâmica muda em uma velocidade inédita e atinge volumes que impressionam. Em 1967, a lista de companhias mais valiosas dos EUA, divulgada anualmente pela Forbes, contava com a presença de gigantes do ramo de óleo e gás na maioria das dez primeiras posições - a Exxon Corp., antiga Standard Oil of N.J., era a quinta maior companhia de uma lista que tinha também entre as dez maiores a Texaco e Gulf Oil, que posteriormente deram origem à Chevron (Tabela 1). Analisando as empresas que se destacavam à época, é fácil perceber que a lista era dominada por empresas relacionadas a bens tangíveis como computadores, câmeras fotográficas, carros e afins. O surgimento da internet proporcionou então mudanças em cadeia na dinâmica de negócios de muitas empresas, seja por seu potencial atingimento em massa ou simplesmente pelo fato de permitir a digitalização e desmaterialização de umasérie de negócios. 23 Tabela 1 - Ranking de maiores empresas públicas nos EUA em 1967 Rank Empresa Indústria Valor de mercado (em bilhões de dólares) Valor de mercado (com ajuste de inflação - 2017) 1 International Business Machines Tecnologia $35.20 $258.57 2 American Telephone & Telegraph Telecom $27.30 $200.54 3 Eastman Kodak Filmes $24.10 $177.03 4 General Motors Auto $23.40 $171.89 5 Standard Oil of N.J. Óleo e Gás $14.50 $106.51 6 Texaco Óleo e Gás $11.20 $82.27 7 Sears, Roebuck Consumo $8.80 $64.64 8 General Electric Conglomerado $8.70 $63.91 9 Polaroid Filmes $7.90 $58.03 10 Gulf Oil Óleo e Gás $7.90 $58.03 Fonte: <https://howmuch.net/articles/100-years-of-americas-top-10-companies> - Acesso em 06/07/2019 Segundo ponto de vista de Diamandis e Kotler (2015), há algumas décadas atrás, as discussões chave nas empresas estavam relacionadas a criação de determinado produto - em geral físico - ou serviço e em como, quase que obsessivamente, encontrar mecanismos e ajustes em toda a produção para produzir entregáveis de maior qualidade e a um custo inferior ao dos demais concorrentes. O momento atual inverte alguns pontos da lógica anterior já que, ao invés de milhares de funcionários e grandes plantas físicas, 24 exige que as empresas modernas coordenem suas atividades como pequenas organizações focadas em tecnologias da informação. Essa inversão força as empresas, em meio à transformação digital, a usar as tecnologias mais modernas para fazer atividades já desempenhadas, porém melhor. O resultado disso é a contínua desmaterialização do que antes era físico. Ainda segundo os autores, quando um processo ou produto é digitalizado – passando do meio físico para o meio digital –, ele passa a adquirir poder de impacto exponencial e se tornar disruptivo, ou seja, cria um mercado e abala outro já existente (Diamandis & Kotler, 2015, p.18). “Imagine a primeira câmera digital da Kodak dobrando de 0,01 megapixel para 0,02, de 0,02 para 0,04, de 0,04 para 0,08. Para o observador desatento, todos esses números parecem zero. No entanto, há uma grande mudança no horizonte. Como essas duplicações rompem a barreira dos números inteiros (tornando-se 1, 2, 4, 8 etc.), estão a apenas 20 duplicações de distância de uma melhoria de 1 milhão de vezes e a somente 30 de 1 bilhão. Toda a teoria dos autores está alinhada com o potencial de escalabilidade de determinado modelo de negócio, o que, principalmente após essa fase de transformação digital, tem sido um dos principais pontos de atenção de investidores. Cabe destacar a repercussão e todo o impacto econômico gerado pela bolha das empresas ponto.com no final dos anos 90 e início dos anos 2000. Durante esse período, a economia americana passava por um cenário de excessiva liquidez no mercado acionário e o número de IPOs - empresas abrindo capital nas bolsas de valores - cresceu de forma expressiva, sendo majoritariamente ligados a empresas de tecnologia. Era uma época de negócios sendo alavancados pelo surgimento da internet que deixavam de ser negócios locais e tomavam proporções globais, como no exemplo da Amazon. 25 Figura 1: Distribuição do número de ofertas públicas iniciais e volumes captados. Fonte: <https://www.nytimes.com/interactive/2019/05/09/business/dealbook/tech-ipos-uber.html> - Acesso em 06/07/2019. Um dos principais motivos da formação da bolha foi o fato de que os benefícios trazidos pela digitalização afetaram a percepção de valor dos investidores que se defrontaram com uma realidade de baixo investimento, alta capilaridade e alcance e velocidade de atingimento de resultados esperados muito maiores do que a de até então. Sob esse novo ponto de vista, a volume e ritmo de captação de capital para financiar todo o crescimento da indústria tecnológica acelerou e teve como efeito disso que os preços dos ativos foram incorporando, além dos fundamentos econômicos, um componente especulativo alimentado pelas taxas de crescimento anormais, daí a formação da bolha especulativa que posteriormente veio a estourar, conforme tese apresentada por SHILLER (2001, apud MORANDIM, 2018). Independente disso, como parte de um processo evolutivo e de seleção natural, algumas empresas que incorporaram esses conceitos muito rapidamente começaram a despontar e figurar entre as maiores empresas e consolidar o protagonismo do setor de tecnologia. E é nesse contexto, que a Microsoft atinge o maior resultado já registrado de valor de mercado de uma companhia (figura 2). 26 Figura 2: Histórico de preço das ações da Microsoft ao longo do tempo em dólares. Fonte: <https://www.nasdaq.com> - Acesso em 06/07/2019. A partir dali, com a desmaterialização e maior democratização do mercado, começa o surgimento das hoje gigantes Apple, Facebook e Amazon, assim como outras iniciativas de impacto gigantesco ao redor do mundo, como as chinesas Alibaba e Tencent3. O fato é que essas empresas fazem parte de uma geração que, conforme destacado por Ismail (et al. 2015), está expandindo e gerando valor a um ritmo inédito, pois conseguiram criar organizações suficientemente escaláveis, velozes e inteligentes, com um mínimo de tempo e recursos. Todas elas conseguiram de forma muito rápida e com equipes cada vez menores alcançar resultados que até então exigiam ser parte de grandes corporações com investimento alto e presença em uma centena de países. 3 Disponível em <https://singularityhub.com/2018/08/17/baidu-alibaba-and-tencent-the-rise-of-chinas- tech-giants/> - Acessado em 06/07/2019. 27 Tabela 2: Lista das dez maiores empresas públicas dos EUA em 18/03/2019. Rank Empresa Valor de marcado (em 18/03/2019) #1 Microsoft $902 billion #2 Apple $887 billion #3 Amazon $856 billion #4 Alphabet $824 billion #5 Alibaba $471 billion #6 Facebook $458 billion #7 Intel $243 billion #8 Cisco $236 billion #9 Oracle $192 billion #10 Netflix $159 billion Fonte: <https://www.visualcapitalist.com/biggest-tech-companies-market-cap-23-years/> - Acesso em 30/06/2019. 28 Tabela 3: Classificação das maiores empresas de tecnologia por receita por colaborador (2014-2017) Rank Empresa Receita por colaborador 2017 ($000s) Crescimento da receita por colaborador Crescimento de receita Crescimento do quadro de colaboradores 1 Apple 1.864 0% 6% 6% 2 Facebook 1.619 0% 47% 47% 3 Alphabet 1.384 10% 23% 11% 4 Broadcom 1.260 49% 33% -11% 5 Visa 1.224 15% 22% 6% 6 VeriSign 1.224 6% 2% -4% 7 HP 1.062 8% 8% 0% 8 Mastercard 933 3% 16% 13% 9 Lam Research 853 9% 36% 25% 10 NVIDIA 843 26% 41% 12% 11 Applied Materials 790 22% 34% 10% 12 Microsoft 725 -3% 5% 9% 13 Activision Blizzard 716 4% 6% 2% 14 PayPal 700 17% 21% 3% 15 eBay 679 -5% 7% 12% 16 Qualcomm 659 -15% -5% 11% 17 Cisco 659 -1% -3% -1% 18 Intuit 631 6% 10% 4% 19 Xilinx 613 -4% 6% 11% 20 Intel 611 9% 6% -3% Fonte: <https://craft.co/reports/where-do-the-most-productive-employees-work> - Acesso em 30/06/2019. 29 É válido destacar que as mais novas gigantes mencionadas acima são bons exemplos de uma mudança significativa na dinâmica de mercado: barreiras de entrada reduzidas e surgimento de novos entrantes. Em muitos setores, já é possível fazer upload de seus produtos e serviços, empreender negócios inéditos, utilizando as mais recentes ferramentas on-line para projetar e imprimir a partir da nuvem sua mais recente inovação a um custo cada vez menor. Tabela 4: Comparativo da redução do custo médio de funcionalidades ao longo do tempo Funcionalidade Custo médio para uma funcionalidade equivalente Escala Impressão 3D De US$ 40 mil (2007) para US$ 100 (2014) 400x em 7 anos Robôs Industriais De US$ 500 mil (2008) para US$ 22 mil (2013) 23x em 5 anos DronesDe US$ 100 mil (2007) para US$ 700 (2013) 142x em 6 anos Energia Solar De US$ 30 por kWh (1984) para US$ 0,16 por kWh (2014) 200x em 20 anos Sensores (sensor LIDAR 3D) De US$ 20 mil (2009) para US$ 79 (2014) 250x em 5 anos Biotecnologia (sequenciamento de DNA humano) De US$ 10 milhões (2007) para US$ 1 mil (2014) 10.000x em 7 anos Neurotecnologia (dispositivos de interface cérebro-computador) De US$ 4 mil (2006) para US$ 90 (2011) 44x em 5 anos Medicina (escaneamento completo) De US$ 10 mil (2000) para US$ 500 (2014) 20x em 14 anos Fonte: ISMAIL, 2015 O Youtube, em pouco mais de um ano e meio fundação, deixou de ser uma empresa financiada com cartões pessoais de seus fundadores e foi comprada pelo Google por US$1,65 bilhões4. À época, com cerca de apenas um ano operacionalmente ativa, a empresa já estimava ter mais de 50 milhões de usuários ativos, hoje esse número já passa 4 Disponível em <https://www.nytimes.com/2006/10/09/business/09cnd-deal.html> - Acesso em 30/06/2017. 30 de 1,9 bilhão de 2 de todo o mundo ativos no mês5. O Whatsapp, fundado em 2009, cinco anos depois a taxa de novos usuários era de 1 milhão por dia e atrai atenção do Facebook, que o adquiriu por cerca de US$19 bilhões6. Uma leitura possível desses movimentos é que tanto Google quanto Facebook optaram por comprar empresas insurgentes que escalaram rapidamente e usufruíram das novas oportunidades que o mercado agora digital e democrático traz. 2.2.2. Necessidade de agilidade e enfoque na gestão de produtos O cenário teorizado por Gordon Moore e explicitado na Lei de Moore mostra, como citado anteriormente, que computadores cada vez mais capazes e potentes criarão tecnologias cada vez mais disruptivas e avançadas, originando um ciclo de feedback de reforço que tende à exponencialização de tecnologias da informação e, por consequência, de sistemas e empresas como um todo. Segundo Salim Ismail (et al., 2015), em seu livro “Organizações Exponenciais”, as empresas que conseguirem utilizar esse comportamento exponencial para garantir vantagem competitiva serão as empresas que dominarão o mercado. Nesse contexto, a aceleração da tecnologia da informação faz com que haja avanços cada vez maiores e mais disruptivos, permitindo assim uma cultura de busca e estímulo à inovação como poucas vezes se viu na história. Como descrito nos pontos anteriores, é visível a democratização do mercado - com redução das barreiras de entrada - e uma mudança na dinâmica de competição. Assim, empresas de diversos portes competem de forma mais acirrada, exigindo cada vez mais diferenciação e, da mesma forma, inovação. Em 1934 o cientista econômico Josef Schumpeter, em seu artigo “The Theory of Economic Development” afirmou, em linhas gerais, que empresas que não inovarem estarão fadadas ao insucesso. A realidade do mercado tecnológico prova, constantemente, que Schumpeter estava correto, mas além disso explicita um outro ponto acerca do assunto: não basta apenas inovar, mas inovar com agilidade e assertividade. Isso porque o mercado tecnológico, como já mostrado, se transforma de forma cada vez mais rápida, e o 5 Disponível em <https://youtube.googleblog.com/20,18/06/vidcon-2018-helping-creators-earn- more.html> – Acesso em 30/06/2019. 6 Disponível em <https://money.cnn.com/2014/02/20/technology/social/whatsapp-19-billion/> - Acesso em 30/06/2019. 31 consumidor muda seus gostos e suas preferências também com frequência cada vez maior. De acordo com NAJRANI (2017), o maior motivo para quedas de grandes companhias como Kodak e Ericsson foi a inabilidade de se adaptar a novas tecnologias e às mudanças do mercado consumidor. Ainda segundo NAJRANI (2017), essas empresas falharam em inovar de forma rápida e essa foi a principal razão para que elas estejam no seu atual panorama. Inúmeros são os exemplos de empresas que, como as citadas acima, não conseguiram se adaptar às mudanças de mercado e perderam market share, foram compradas por concorrentes ou, nos piores casos, encerraram suas atividades. Inúmeros também são os casos de empresas como a Dupont, a Apple ou o Google, que por inovarem constantemente, sempre focadas em captar as percepções, tendências e necessidades do mercado e, dessa forma, atingiram (ou permaneceram em) posições consolidadas em seus respectivos mercados. Fica claro assim que a agilidade organizacional, implicando em agilidade de inovação e absorção de tecnologias, se torna vantagem competitiva significativa e, mais ainda, condição essencial para a subsistência e manutenção de empreendimentos em mercados tecnológicos e rapidamente mutáveis. Um outro fator extremamente relevante com toda essa dinâmica acelerada do mercado de produtos de tecnologia é o de que o incumbente passa a ter responsabilidade de conciliar tanto uma estratégia sustentadora quanto disruptiva. Esse dilema foi discutido e apresentado pelo professor Clayton M. Christensen e nos ajudou a compreender porque empresas como Uber, Netflix e Airbnb deixaram incumbentes gigantescos para trás de forma muito rápida. Esses exemplos, especialmente no mercado de tecnologia, acendem um sinal de alerta daqueles que estão como líderes de mercado. O Dilema da Inovação é a análise de que empresas que já estão em ritmo de sustentação dificilmente conseguem conciliá-lo com os riscos necessários para o crescimento inovador. Os exemplos de aquisições que foram destacados no tópico anterior ilustram a preocupação das hoje gigantescas Google e Facebook em momentos que lidaram com insurgentes que se destacavam. A introdução do conceito do Dilema da Inovação se torna relevante para a discussão desse tópico pois está diretamente relacionada, numa análise mais macro, com o efeito prático da redução do tempo de vida de produtos, especialmente digitais. A necessidade de disrupção vir de “dentro de casa”, quando se olha sob o prisma da gestão de produtos, exige dois pontos principais: tirar o foco do produto oferecido e direcioná- lo para o problema que ele resolve e desapegar-se da realização de seu produto principal. 32 Um bom exemplo disso foi a ideia de Steve Jobs de substituir o seu produto de maior sucesso, o iPod, pelo iPhone, medida que não contou com apoio do conselho da Apple na época. Figura 3: Análise das vendas de iPhone, iPad and iPod do primeiro trimestre de 2006 ao quarto trimestre de 2018 (em milhões de unidades) Fonte: <https://www.statista.com/> Acesso em 30/06/2019. Exemplos como esse, bem como todo o cenário acima reportado e as características apresentadas, tornam claro que o mercado tecnológico está cada vez mais competitivo, democrático, dinâmico e ágil. Isso faz com que seja essencial a capacidade das empresas de se transformarem, de absorverem novas tecnologias e de se adaptarem às mudanças de mercado. Esses processos, que consequentemente exigem a busca por constante e ágil inovação, demandam alta criatividade das companhias, o que durante muito tempo passou a ideia de que empresas deveriam ter liberdade criativa, ou a permissividade de ser criativo de forma descontrolada e desinibida. Segundo WILSON (2005), contudo, cada vez mais percebe-se a necessidade de gerenciar a criatividade e, também, a inovação nas empresas. Wilson define, em seu artigo, inovação e criatividade como conceitos distintos, definindo como criatividade a geração de ideias, e inovação a capacidade de explorar e executar as ideias geradas. De 33 qualquer forma, o autor afirma que é preciso ter controle sobre os processos de cada um desses conceitos para fazê-los de forma eficiente e produtiva. Para tal, é necessário que se tenha uma gestão contínua e eficiente sobre o negócio, que envolva todos os stakeholders, que compreenda as vontades (e as mudanças) do mercado consumidor e que tenha capacidade de síntese e de execução,utilizando as ferramentas e os recursos necessários (humanos, físicos, tecnológicos, etc.) para implementar melhorias e inovar, de forma disruptiva ou incremental. No mercado atual, em que empresas de tecnologia buscam diversificar cada vez mais seus pontos de contato com o consumidor, percebe-se cada vez mais uma pulverização de produtos e enfoques dentro de uma companhia. Assim, não basta apenas uma gestão empresarial eficiente, como também uma gestão de cada um dos produtos, dado que seu sucesso pode, como citado, transformar e redirecionar a empresa para novos mercados e focos. Torna-se fundamental, portanto, no cenário tecnológico e competitivo apresentado, que se passe a gerir produtos de forma similar à gestão da companhia em si, com equipes, processos, metas distintos entre si, ainda que partilhem de metas e objetivos que façam com que as companhias avancem e se sustentem economicamente. Essa tendência vem sendo percebida e, consequentemente, implementada em empresas do mercado de tecnologia. A busca por uma gestão de produtos tecnológicos eficiente e produtiva fez com que surgissem, dos meios prático e acadêmico, diversas metodologias e diversos processos que buscam garantir o sucesso desses produtos. Abaixo serão abordados alguns desses métodos que se tornaram, por diversos motivos a serem apresentados, conhecidos e aplicados mundialmente em larga escala. 34 3. METODOLOGIAS ÁGEIS No capítulo anterior, foi enfatizada a mudança de cenário competitivo e a necessidade de agilidade que se faz necessário no desenvolvimento de novos produtos, especialmente os digitais. Essa mudança traz consigo novos princípios fundamentais que foram explorados no que ficou conhecido como Manifesto Ágil e que passa a ter o cliente no centro da gestão e desenvolvimento do produto. Os conceitos de validação do mercado que serão apresentados ajudam a diminuir incertezas de que os esforços e recursos serão empregados sobre o que realmente tem demanda validada e entrega valor para o cliente. Ao longo da etapa de desenvolvimento em si, as metodologias conhecidas para a condução desse processo também foram refatoradas e com isso, surgem as metodologias ágeis, que compartilham princípios e direcionamentos sobre como encaminhar essa etapa já diante dessa necessidade de agilidade nas entregas. Ao longo deste capítulo, serão apresentadas as principais diferenças entre esses métodos ágeis e os métodos clássicos de gestão de projetos e produtos e como esses métodos são compatíveis com o mercado de tecnologia. 3.1. Definição e contextualização No início de 2001, dezessete conceituados gestores e desenvolvedores de softwares se uniram para escrever o “Manifesto for Agile Software Development” ou, como ficou conhecido posteriormente, “Manifesto Ágil”. Esse documento uniu doze princípios fundamentais para um desenvolvimento com agilidade, baseados em experiências pessoais, profissionais e conhecimentos técnicos de diversas metodologias que prezavam pela velocidade e continuidade de entrega de valor, como Scrum, Lean Kanban e Design Sprint. Essas metodologias, ainda que sejam, possivelmente, mais antigas do que o próprio Manifesto, tornaram-se mais conhecidas e utilizadas devido a ele e, apesar de terem abordagens diferentes quanto à gestão de projetos, possuem princípios similares e estreitamente ligados aos princípios ágeis. No que tange ao desenvolvimento, gestão e acompanhamento de produtos (ou projetos), o Agile pode ser considerado uma disrupção ao que existia, dado que propõe abordagens significativamente distintas das utilizadas nos métodos mais empregados até então, sendo mais conhecido o Waterfall Project Management Methodology, ou 35 Metodologia Cascata de Gestão de Produtos. Ele foi concebido exatamente pela percepção, por parte de seus criadores, dos pontos de falha - ou defasagem - do modelo cascata para o desenvolvimento de produtos tecnológicos. FILHO (2008, p. 22) retrata esse momento na seguinte passagem: “Durante a evolução dos processos de Engenharia de Software, a indústria se baseou nos métodos tradicionais de desenvolvimento de software, que definiram por muitos anos os padrões para criação de software nos meios acadêmico e empresarial. Porém, percebendo que a indústria apresentava um grande número de casos de fracasso, alguns líderes experientes adotaram modos de trabalho que se opunham aos principais conceitos das metodologias tradicionais. Aos poucos, foram percebendo que suas formas de trabalho, apesar de não seguirem os padrões no mercado, eram bastante eficientes. Aplicando-as em vários projetos, elas foram aprimoradas e, em alguns casos, chegaram a se transformar em novas metodologias de desenvolvimento de software. Essas metodologias passaram a ser chamadas de leves por não utilizarem as formalidades que caracterizavam os processos tradicionais e por evitarem a burocracia imposta pela utilização excessiva de documentos.” Essa “nova abordagem” coloca o cliente no centro do desenvolvimento e da gestão de produtos e preza pela interação constante com stakeholders e envolvidos no projeto, exigindo a sua participação na idealização, na priorização e na validação de todas as entregas. De acordo com PRESSMAN (2011), “a filosofia defende a satisfação do cliente e a entrega de incremental prévio; equipes de projeto pequenas e altamente motivadas”. Além disso, o objetivo é garantir sempre entregas incrementais em períodos curtos - chamados iterações -, passando para o cliente a sensação de entrega de valor contínua por parte da equipe. Ainda, devido a esses curtos períodos de execução, exige-se menos tempo de planejamento e de definição de escopo, o que teoricamente faz com que haja menos retrabalho e maior capacidade de adaptação e alteração do entregável ao longo do projeto ou, também, dinamização do direcionamento do produto gerido. A centralização do cliente nesse processo, bem como o curto tempo de iteração traz outra grande vantagem: feedbacks constantes, rápidos e assertivos. Dessa forma, a equipe consegue validar se o seu produto ou projeto está atingindo o objetivo almejado e, em caso negativo, realizar o pivoteamento (adaptação) do produto para a direção correta. 36 Isso poupa tempo, recursos e acelera a entrega de valor, atingindo as necessidades do mercado de forma mais rápida e assertiva. É válido mencionar que, como citado por FILHO (2008), a ideia foi concebida para o desenvolvimento de softwares. Segundo SOMMERVILLE (2011), “os métodos ágeis foram desenvolvidos para serem usados por equipes de programação de pequeno porte que podiam trabalhar juntas na mesma sala e se comunicar de maneira informal”. A ideia é que equipes pequenas podem ser autogeridas, podem trocar informações de forma mais clara e direta e seus membros podem auxiliar uns aos outros sem grandes empecilhos. Posteriormente, o ágil foi analogamente utilizado como abordagem para a gestão de produtos, de sistemas e de organizações de distintos e inúmeros mercados. Ademais, ficou clara a necessidade de agilidade, principalmente para produtos tecnológicos, mas também para diversos outros, não só no desenvolvimento do produto, mas também no que tange ao desenvolvimento de protótipos, soluções e validação de ideias antes de efetivamente engajar-se em um projeto. Esse processo foi definido por Steve Blank (2012), em seu livro “The Startup Owner’s Manual”, como Customer Development, processo em que a empresa busca o seu market fit, ou alinhamento com mercado consumidor. Atualmente, metodologias ágeis são extremamente populares e utilizadas cada vez mais por empresas tecnológicas. Segundo uma pesquisa do Product Management Journal (volume 7), em 2017 50% da base de empresas de tecnologia contatadas utilizavam exclusivamente metodologias ágeis, 42% utilizavam adaptações de metodologiaságeis e tradicionais e apenas 8% utilizavam metodologias tradicionais7. Por isso, neste capítulo serão descritos os princípios do Manifesto Ágil, o aprofundamento do conceito de Lean Market Validation e sua importância para o mercado tecnológico e, por fim, as principais metodologias de desenvolvimento de produtos utilizadas pelo mercado. Ao final, objetiva-se definir as principais compatibilidades desse modelo de gestão (e desenvolvimento) com o mercado já caracterizado anteriormente. Contudo, é válido, antes, realizar um breve comparativo entre o método de gestão de projetos tradicional, conhecido também como Cascata (do inglês, Waterfall), e a metodologia ágil. É fato que ambos têm vantagens e desvantagens, e não se pode dizer se um ou outro são “melhores”, mas pode-se pontuar as suas principais características e 7 Disponível em <https://www.productfocus.com/journals/product-management-agile/?page=1> – Acesso em 05/06/2019. 37 divergências para, posteriormente, compreender qual metodologia tem maior sinergia com o mercado de produtos de tecnologia. 3.1.1. Modelo Cascata versus Métodos Ágeis Nesta seção é realizada uma breve introdução ao Modelo Cascata de gestão de projetos, bem como uma comparação entre tal modelo e as metodologias consideradas ágeis. Isso é importante para caracterizar de forma mais completa e profunda cada um dos modelos e as diferenças e divergências de paradigmas entre eles, para posteriormente analisar a compatibilidade de um ou outro método com o mercado de produtos tecnológicos. A análise segue abaixo. 3.1.1.1. Modelo Cascata Antes da disseminação da metodologia ágil, a principal metodologia implementada na gestão e no desenvolvimento de produtos e projetos era o modelo cascata. Ele possui esse nome em analogia ao fluxo de uma cachoeira (waterfall), em que todo o fluxo de atividades é sequencial e linear, ou seja, segue-se uma lógica de um nível alto para um nível mais baixo. Neste modelo é necessário que uma fase termine para que outra possa ser iniciada e todos os processos precisam estar bem documentados para uma execução efetiva. Segundo RAMOS E GHODDOSI (2016, p. 48), “baseia-se em processos bem definidos e bem documentados em todas as etapas do projeto, preocupando-se também com fatores como testes e qualidade do produto ou serviço a ser desenvolvido”. O método tradicional de gerenciamento de projetos é dividido em cinco grupos de processos, conhecidos como Ciclo de Vida do Projeto, baseado no método PDCA (Plan, Do, Check, Act). São eles: iniciação, planejamento, execução, controle e encerramento. Abaixo na figura 4 pode-se ver um gráfico que define essas etapas quanto ao esforço a ser empregado: 38 Figura 4: Ciclo de vida de um projeto Fonte: ALMEIDA, 2006, p.18. Cada um deles é extremamente importante para o modelo cascata e, como já citado, precisa estar encerrado para se passar ao seguinte. A Fase de Iniciação é quando surge a necessidade ou demanda e o projeto inicia. Na Fase de Planejamento é realizada a elaboração e o detalhamento de cronogramas, interdependências de atividades, alocação de recursos e outros fatores referentes ao que foi levantado na primeira fase do Ciclo de Vida. Segundo Vargas (2009), “nesta fase, os planos de escopo, tempo, custos, qualidade, recursos humanos, comunicações, riscos e aquisições são desenvolvidos”. Ainda de acordo com Vargas (2009), a Fase de Execução “é a fase que materializa tudo aquilo que foi planejado anteriormente. (...). Grande parte do orçamento e do esforço do projeto é consumida nessa fase”. É a fase em que emprega-se o maior esforço ao projeto. Concomitantemente deve-se realizar a Fase de Monitoramento, que objetiva controlar as tarefas desenvolvidas durante o Ciclo de Vida, de modo que quaisquer problemas ou divergências sejam detectados de forma mais rápida e assertiva, e que as ações corretivas causem o menor impacto no projeto. Na Fase de Encerramento ocorre a validação das entregas do projeto, bem como da gestão de conhecimento e das lições aprendidas. Pode-se ver abaixo característica importante do modelo tradicional de gestão de projetos quanto ao custo e quanto à influência das partes interessadas (feedbacks e validações de stakeholders) dado o andamento do projeto (figura 5): 39 Figura 5: Características do ciclo de vida do projeto. Fonte: <wpm.wikidot.com/conceito:caracteristicas-do-ciclo-de-vida-do-projeto> - Acesso em 07/01/2019. É possível concluir que quanto mais o projeto avança, no modelo cascata, maior é o custo de mudanças e modificações e, dessa forma, menor é a influência das partes envolvidas, já que o escopo fechado dificulta alterações no projeto. 3.1.1.2. Breve Comparativo Dada a explanação inicial, bem como a introdução ao ágil já realizada, é possível então pontuar algumas das principais divergências referentes às mesmas características de cada uma delas, para compreender o movimento de popularização da metodologia ágil, especialmente no que tange à gestão e ao desenvolvimento de projetos e produtos tecnológicos. Quanto ao objetivo de cada um dos métodos, percebe-se que enquanto o método tradicional é centrado em processos e orientado por atividades, a metodologia ágil é centrada em pessoas e orientada por produtos. Além disso, enquanto a gestão de projetos/produtos tradicional é estável, estruturada e com baixa possibilidade de mudanças (vide figura 5), o método ágil possui feedback constante e mudanças rápidas. Isso se dá devido à divergência quanto ao planejamento do projeto/produto, posto que o Cascata exige planejamento estruturado e detalhado no início do Ciclo de Vida, 40 majoritariamente sem envolvimento de quem o realiza. Por outro lado, a gestão ágil possui curto planejamento, com total envolvimento da equipe que a executa. Essa equipe, no modelo tradicional, possui papéis claros e bem definidos, e deve atuar de forma funcional e hierárquica, respondendo sempre ao gerente de projetos, com comunicação majoritariamente formal. Em projetos ágeis, contudo, as equipes são essencialmente multidisciplinares e autônomas, o gerente de projeto tem função de facilitação e auxílio e a comunicação é essencialmente direta e informal. Ainda, a execução do projeto é realizada de forma sequenciada e linear (semelhante a uma cachoeira) na gestão tradicional, enquanto que na gestão ágil é iterativa e incremental. A participação do cliente é, também, diferente entre os métodos. O cliente, no modelo cascata, participa das fases iniciais de levantamento de requisitos, bem como das validações dos produtos ao final, mas não tem alta relevância ao longo do planejamento e da execução. Já no ágil, o cliente possui papel central e essencial, validando entregas incrementais e dando feedbacks rápidos e constantes. Feedbacks esses que são absorvidos de forma dinâmica e rápida devido às curtas iterações da metodologia ágil, enquanto que no modelo tradicional o controle de mudanças é burocrático e tende a ser caro e lento. Sobre isso, segundo Palmquist et al (2013), em ambientes dinâmicos, o modelo tradicional tem dificuldades em realizar entregas, já que está sempre referenciado a planejamentos e prioridades fixados no início do projeto, enquanto que projetos ágeis conseguem se adaptar, já que realizam entregas incrementais focadas em participação do cliente e envolvendo alterações de prioridades e requerimentos para escopos também dinâmicos. Portanto, é possível perceber que, no que tange às principais características de um projeto, os métodos cascata e ágil possuem grande divergência de enfoque e abordagem. Feita a comparação, pode-se então prosseguir com aprofundamento às metodologias ágeis, dada a sua popularização e, também, a sua aparente compatibilidade com o mercado de produtos tecnológicos, que ainda será abordadaneste estudo. O primeiro ponto a ser abordado será, assim, o fundamento de todo o ágil, o chamado Manifesto Ágil, que segue abaixo. 3.1.2. Manifesto Ágil Como citado no início do capítulo, o Manifesto Ágil foi criado em 2001, em uma convenção em que diversos gestores e desenvolvedores reuniram-se para debater as 41 dificuldades e os pontos de alavancagem dos modelos de gestão presentes à época. O manifesto é composto de doze princípios de “agilidade” para a gestão, que estão descritos abaixo (agilemanifesto.org, 2001): 1. Nossa maior prioridade é satisfazer o cliente através da entrega contínua e adiantada de software com valor agregado; 2. Mudanças nos requisitos são bem-vindas, mesmo tardiamente no desenvolvimento. Processos ágeis tiram vantagem das mudanças visando vantagem competitiva para o cliente; 3. Entregar frequentemente software funcionando, de poucas semanas a poucos meses, com preferência à menor escala de tempo; 4. Pessoas de negócio e desenvolvedores devem trabalhar diariamente em conjunto por todo o projeto; 5. Construa projetos em torno de indivíduos motivados. Dê a eles o ambiente e o suporte necessário e confie neles para fazer o trabalho; 6. O método mais eficiente e eficaz de transmitir informações para e entre uma equipe de desenvolvimento é através de conversa face a face; 7. Software funcionando é a medida primária de progresso; 8. Os processos ágeis promovem desenvolvimento sustentável. Os patrocinadores, desenvolvedores e usuários devem ser capazes de manter um ritmo constante indefinidamente; 9. Contínua atenção à excelência técnica e bom design aumenta a agilidade; 10. Simplicidade - a arte de maximizar a quantidade de trabalho não realizado - é essencial; 11. As melhores arquiteturas, requisitos e designs emergem de equipes auto- organizáveis; 12. Em intervalos regulares, a equipe reflete sobre como se tornar mais eficaz e então refina e ajusta seu comportamento de acordo. É possível compreender, ao ler os princípios listados, que o Manifesto buscou posicionar o cliente no centro do desenvolvimento do projeto. O cliente é diretamente envolvido na validação de ideias, na busca por feedbacks assertivos e recebe entregas de valor contínuas. Dessa forma, consegue enxergar avanços, avaliar mudanças e propor melhorias, dado que uma das conclusões do Manifesto é que a colaboração com o cliente é mais importante que negociação de contra (agilemanifesto.org, 2001). 42 Também, pode-se ver o posicionamento do grupo quanto à equipe envolvida no trabalho. Busca-se, com esses princípios, não mais uma organização hierarquizada, em que o líder ou gerente de projetos é supervisor e controlador, mas sim uma autonomia da equipe, que deve receber as tarefas e os objetivos e definir a melhor forma de alcançá-los no prazo estipulado. A equipe deve, portanto, ser multidisciplinar, possuir capacidade de auto-organização, auto-crítica e, por fim, auto-reflexão, garantindo um momento formal de análise dos pontos de melhoria e de alavancagem ao final de cada iteração. A empresa deve garantir também, como dito anteriormente por Nonaka, as melhores condições possíveis para o trabalho de sua equipe, garantindo assim indivíduos motivados e que enxergam propósito no que fazem. Deve-se evitar comunicações e feedbacks internos desgastantes ou burocráticos, prezando pela simplicidade e pela comunicação “face a face”. Dessa forma, o Manifesto conclui que indivíduos e iterações são mais importantes do que processos e ferramentas (agilemanifesto.org, 2001). Além disso, é tangível a necessidade de reduzir as burocracias e encurtar as entregas de valor. A possibilidade de alterações ao longo do projeto, sem escopo totalmente definido desde o início, bem como a definição de entregáveis menores e mais compactos, faz com que o cliente tenha a sensação de entrega contínua e, também, permite que a empresa consiga adaptar ou alterar o projeto para satisfazer a real necessidade do cliente, antes que se tenha investido tempo e dinheiro de forma indevida e seja necessário retrabalho. Portanto, quanto à entrega de valor contínua e assertiva, define-se que o software funcionando é mais importante que documentação completa, e que a adaptação a mudanças é mais importante do que seguir o plano normal (agilemanifesto.org, 2001). Percebe-se, então, que o Manifesto Ágil objetiva, segundo seus autores, reduzir burocracias (tanto processuais quanto nas relações de trabalho), aproximar o produto do cliente, fazendo-o coator no desenvolvimento, e entregar valor de forma contínua e rápida, sem escopo de projeto fixo, possibilitando maior satisfação para o cliente e maior flexibilidade na adaptação e na redefinição de escopo, evitando assim retrabalhos e lentidão no processo de desenvolvimento de projetos. Pode-se dizer que o foco do Agile é desenvolver a capacidade de rápida adequação do software em desenvolvimento de acordo com as necessidades do cliente, além da obtenção de resultados em um curto espaço de tempo (ROLA et al, 2016). Esses princípios são base de diversas metodologias de desenvolvimento de produtos e, portanto, extremamente importantes no contexto de gestão de produtos e projetos. Devido a ele, foram criadas - ou disseminadas - grande parte das metodologias 43 utilizadas hoje na gestão de produtos, que se estruturam em torno da agilidade de entrega e do foco no cliente para tal. Algumas a serem citadas são Feature Driven Development (FDD), eXtreme Programming (XP), Dynamic Systems Development Model (DSDM), Scrum e Lean Software Development, também conhecida como Lean Kanban (FILHO, 2008). Dentre essas, talvez tenham maior destaque o Scrum e o Lean Kanban, muito porque, apesar de serem metodologias ágeis, possuem processos e ferramentas pré definidos para o desenvolvimento, ainda que não se limitem a eles e sejam adaptáveis de acordo com o projeto ou os times envolvidos. Essa flexibilidade, atrelada à escalabilidade e a uma dificuldade não tão alta de implementação faz com que elas sejam as metodologias ágeis mais utilizadas pelo mercado atualmente (ROLA et al, 2016). A seguir os conceitos trazidos pelo Manifesto serão mostrados como, ao longo do tempo, também foram incorporados em um processo anterior ao desenvolvimento do produto em si, mas que também exigia grande agilidade nas validações de hipóteses críticas a determinados modelos de negócios. Esse aproveitamento de princípios permitiu com que a agilidade estivesse presente tanto na etapa de validação do mercado quanto nas metodologias ágeis de desenvolvimento de produto, o que, conforme será mostrado a seguir, pode se tornar uma vantagem competitiva importante no cenário de democratização e desmaterialização do mercado. 3.1.3. Lean Market Validation A mudança na dinâmica de mercado, que tem a tecnologia como um dos seus principais motores, passa então a ser fator de muita relevância quando se pensa no sucesso de determinado produto. A concorrência e os mercados, até então consolidados e comandados pelas empresas multinacionais, caminhava em um ritmo que permitia que a velocidade de mudança de rumo dos gigantes garantisse a capacidade de entrega de produtos que, explorando todos os métodos mais clássicos de gestão de produtos e projetos, tinham milestones espaçados e canais de distribuição majoritariamente físicos. A introdução da tecnologia se torna disruptiva em termos comerciais pois ela desmaterializa os produtos e os canais de distribuição, ou seja, é possível observar a migração do mercado para produtos digitais e que exploram esse mesmo ecossistema no relacionamento com o cliente. O cliente assume ainda o protagonismo e o centro da construções dos produtos pois, além de toda troca de mentalidade que o coloca no centro 44 - “customer centric” -, há, em meio a essa revolução digital, a democratização
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