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Aula 10 - Machado de Assis - O Gênio - parte II

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LITERATURA BRASILEIRA II
MACHADO DE ASSIS: O GÊNIO (PARTE II)
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Olá!
Ao final desta aula, o aluno será capaz de: 1. Conhecer outros gêneros desenvolvidos por Machado de Assis; 2.
analisar a poesia machadiana; 3. experimentar a sutileza e a criatividade do olhar crítico machadiano em seus
ensaios; 4. relacionar as obras de Machado à vida brasileira do final de século XIX e início de século XX.
A obra de Machado de Assis é muito vasta e se estende de peças de teatro a atividades jornalísticas, da poesia ao
romance. Embora a poesia em Machado de Assis não tenha alcançado a mesma proeminência atingida por sua
obra em prosa, o matiz parnasiano está presente em produção de razoável número e que merece a nossa
atenção.
Vamos ler um de seus poemas, publicado em Ocidentais, no ano de 1901.
Círculo Vicioso
Bailando no ar, gemia inquieto vaga-lume:
-- “Quem me dera que fosse aquela loura estrela,
Que arde no eterno azul, como uma eterna vela!”
Mas a estrela, fitando a lua, com ciúme:
-- “Pudesse eu copiar o transparente lume,
Que, da grega coluna à gótica janela,
Contemplou, suspirosa, a fronte amada e bela!”
Mas a lua, fitando o sol, com azedume:
-- “Mísera! tivesse eu aquela enorme, aquela
Claridade imortal, que toda a luz resume!”
Mas o sol, inclinando a rútila capela:
-- “Pesa-me esta brilhante auréola de nume...
Enfara-me esta azul e desmedida umbela...
Porque não nasci eu um simples vaga-lume?”
Fundação Biblioteca Nacional
Departamento Nacional do Livro
OCIDENTAIS
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Machado de Assis
O soneto tem filiação marcadamente parnasiana, evidente pelos versos do decassílabos, em rimas interpoladas.
A singeleza do tema, porém, remete à ironia registrada na prosa – a insatisfação motiva uma reflexão cíclica
entre os elementos da natureza e a glorificação do maior qualidade que se possa desejar: a simplicidade.
Segundo Alfredo Bosi,
“(...) em , em e no célebre , uma linguagem compostaUma criatura Mundo Interior Círculo Vicioso
e fatigada serve à expressão de um pessimismo cósmico que toca Schopenhauer [.1] e Leopardi [.2]
pelo retorno ao mito da Natureza madrasta.” (BOSI, 1994, p.178)
O lirismo repreendido e contido nas primeiras poesias será extravasado no belo soneto que compôs em
homenagem a sua esposa, Carolina:
A Carolina
Querida, ao pé do leito derradeiro
Em que descansas dessa longa vida,
Aqui venho e virei, pobre querida,
Trazer-te o coração do companheiro.
Pulsa-lhe aquele afeto verdadeiro
Que, a despeito de toda a humana lida,
Fez a nossa existência apetecida
E num recanto pôs um mundo inteiro.
Trago-te flores – restos arrancados
Fique ligado
Arthur Schopenhauer, filósofo alemão.
http://www.mundodafilosofia.com.br/page92.html
Giacomo Leopardi, poeta romântico italiano. Sua poesia expressa
o pessimismo decorrente de convicções sobre o destino atávico da espécie humana, refém de
sua condição pensante.
http://www.mundodafilosofia.com.br/page92.html
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Da terra que nos viu passar unidos
E ora mortos nos deixa e separados.
Que eu, se tenho nos olhos malferidos
Pensamentos de vida formulados,
São pensamentos idos e vividos.
ASSIS, Machado.
RELÍQUIAS DA CASA VELHA.
A beleza do poema reside na força da expressão da saudade da esposa, companheira de uma longa vida. O texto
sugere que o eu lírico visita o túmulo da amada, levando-lhe flores e a terra, testemunha do amor dos dois. Conta-
se que o autor visitava com frequência o túmulo da esposa, o que corrobora a nossa suspeita de ser esse poema
uma declaração autobiográfica.
1 Crônicas
Machado de Assis teve uma longa carreira na imprensa e publicou em torno de 600 crônicas. Veja abaixo os
principais temas:
Vamos ler uma das crônicas de Machado de Assis para entender o seu valor como cronista?
O nascimento da crônica
Machado de Assis
Há um meio certo de começar a crônica por uma trivialidade. É dizer: Que calor! Que desenfreado
calor! Diz-se isto, agitando as pontas do lenço, bufando como um touro, ou simplesmente sacudindo
a sobrecasaca.
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Resvala-se do calor aos fenômenos atmosféricos, fazem-se algumas conjeturas acerca do sol e da lua,
outras sobre a febre amarela, manda-se um suspiro a Petrópolis, e ; estáLa glace est rompue
começada a crônica.
Mas, leitor amigo, esse meio é mais velho ainda do que as crônicas que apenas datam de Esdras.
Antes de Esdras, antes de Moisés, antes de Abraão, Isaque e Jacó, antes mesmo de Noé, houve calor e
crônicas. No paraíso é provável, é certo que o calor era mediano, e não é prova do contrário o fato de
Adão andar nu.
Adão andava nu por duas razões, uma capital e outra provincial.
A primeira é que não havia alfaiates, não havia sequer casimiras; a segunda é que, ainda havendo-os,
Adão andava baldo ao naipe.
Digo que esta razão é provincial, porque as nossas províncias estão nas circunstâncias do primeiro
homem.
Quando a fatal curiosidade de Eva fez-lhes perder o paraíso, cessou, com essa degradação, a
vantagem de uma temperatura igual e agradável. Nasceu o calor e o inverno, vieram as neves, os
tufões, as secas, todo o cortejo de males, distribuídos pelos 12 meses do ano.
Não posso dizer positivamente em que ano nasceu a crônica, mas há toda a probabilidade de crer
que foi coletânea das primeiras duas vizinhas. Essas vizinhas, entre o jantar e a merenda, sentaram-
se à porta para debicar os sucessos do dia.
Provavelmente, começaram a lastimar-se do calor. Um dia que não pudera comer jantar, outra que
tinha a camisa mais ensopando que as ervas que comera. Passar das ervas às plantações do morador
fronteiro, e logo às tropelias amatórias do dito morador e, ao resto, era a coisa mais fácil, natural e
possível do mundo.
Eis a origem da crônica.
Que eu, sabedor ou conjeturador de tão alta prosápia, queira repetir o meio de que lançaram mãos as
duas avós do cronista, é realmente cometer uma trivialidade e, contudo, leitor, seria difícil falar desta
quinzena sem dar à canícula o lugar de honra , lhe compete. Seria, mas eu dispensarei esse meio
quase tão velho como o mundo para somente dizer que a verdade mais incontestável que achei
debaixo do sol é que ninguém se deve queixar, porque cada pessoa é sempre mais feliz do que outra.
Não afirmo sem prova.
Fui há dias a um cemitério, a um enterro, logo de manhã, num dia ardente como todos os diabos e
suas respectivas habitações.
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Em volta de mim, ouvia o estribilho geral: que calor! Que sol! É de rachar passarinho! É de fazer um
homem doido! Íamos em carros! Apeamo-nos à porta do cemitério e caminhamos um longo pedaço.
O sol das onze horas batia de chapa em todos nós, mas sem tirarmos os chapéus, abríamos os de sol e
seguíamos a suar até o lugar onde devia verificar-se o enterramento. Naquele lugar, esbarramos com
seis ou oito homens ocupados em abrir covas: estavam de cabeça descoberta, a erguer e fazer cair a
enxada.
Nós enterramos o morto, voltamos nos carros às nossas casas ou repartições. E eles? Lá os achamos,
lá os deixamos, ao sol, de cabeça descoberta, a trabalhar com a enxada. Se o sol nos fazia mal, que não
faria àqueles pobres-diabos, durante todas as horas quentes do dia?
O texto que lemos foi publicado no livro " ” (São Paulo: Editora Ática, 1994. p. 13) e extraídoCrônicas Escolhidas
do livro " " (Rio de Janeiro: Editora Objetiva, 2007. p. 27), organização eAs Cem Melhores Crônicas Brasileiras
introdução de Joaquim Ferreira dos Santos.
O texto, de forma metalinguística, versa sobre a natureza das crônicas: o cotidiano e as queixas dos homens.
Fotografando um evento, o enterro, expõe as preocupações comezinhas humanas e a crítica machadiana à
ausência de sentimentos de solidariedade.
Se a poesia de Machado e as peças de teatro não fazem jus ao talento e genialidade do nosso autor, as crônicas
merecem atenção redobrada, isso porque, como assinalou Massaud Moisés:
“A crônica servia-lhe de posto de observação ao que ia dentro e fora do país e de exercício
permanente na da escrita, permitindo-lhe apurar o estilo, atingira decantada limpidez (...) Por outro
lado, crônicas há tão bem armadas, ricas de fantasia e senso crítico, que pensamos estar perante
verdadeiros contos.” (MOISÉS, 2001, p. 85)
2 Os ensaios
Como vimos, Machado de Assis foi escritor vigoroso, verve que se registrou em contos e romances, mas também
em poesia, crônicas, peças de teatro e ensaios críticos. Dentre eles, citemos , publicadoInstinto de Nacionalidade
em 1873, cuja importância incide diretamente sobre a necessidade de tratar convenientemente dos paradigmas
da literatura brasileira.
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“Não há dúvida que uma literatura, sobretudo uma literatura nascente, deve principalmente
alimentar-se dos assuntos que lhe oferece a sua região, mas não estabeleçamos doutrinas tão
absolutas que a empobreçam. O que se deve exigir do escritor, antes de tudo, é certo sentimento
íntimo que o torne homem do seu tempo e do seu país, ainda quando trate de assuntos remotos no
tempo e no espaço."
Observe que o ensaio incide sobre a crítica ao aspecto da "cor local", como obrigatória nos textos para que se
pudessem considerá-los brasileiros. Você se lembra que, no Romantismo, essa era uma bandeira indicadora da
maturidade de nossa literatura?
Machado, em , reage contra essa obrigatoriedade por entender que a literatura deveInstinto de nacionalidade
falar dos sentimentos íntimos que devem ser, antes de tudo, universais.
Como dissemos no início de nossa aula, a obra de Machado de Assis é dividida em duas fases:
Todavia, hoje muitos autores percebem que o realismo machadiano já vivia em seus contos e romances, ditos,
românticos. Isso também procuramos demonstrar aqui quando analisamos um de seus primeiros contos, Miss
 e indicamos a presença dos aspectos que coroariam a sua produção mais elaborada de segunda fase.Dollar
A obra de Machado de Assis escapa, assim, a qualquer tentativa limitante, pois a produção de sentidos
permanece entre leitores do século XXI, provocando interesse não pela contextualização da obra em seu tempo,
mas por tratar das idiossincrasias humanas com renovada atualidade.
Nas palavras de Luis Costa Lima:
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“(...) pensar sobre o mundo que o envolvia não é por certo especificidade machadiana. Criar
ficcionalmente, contudo, a partir dessa reflexão, parece-nos a sua singularidade” (LIMA, 1981, p 57).
O que vem na próxima aula
• Você concluiu esta disciplina.
CONCLUSÃO
Nesta aula, você:
• Nesta aula, você conheceu outros gêneros desenvolvidos por Machado de Assis; analisou a poesia 
machadiana; experimentou a agudeza do olhar crítico machadiano em seus ensaios.
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	Olá!
	
	1 Crônicas
	2 Os ensaios
	O que vem na próxima aula
	CONCLUSÃO

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