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UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO INSTITUTO COPPEAD DE ADMINISTRAÇÃO PEDRO LUIS CHARNEY SANTOS SILVA O ECOSSISTEMA DA REALIDADE VIRTUAL E SEUS IMPACTOS FUTUROS Rio de Janeiro 2017 PEDRO LUIS CHARNEY SANTOS SILVA O ECOSSISTEMA DA REALIDADE VIRTUAL E SEUS IMPACTOS FUTUROS Dissertação de Mestrado apresentada ao Instituto COPPEAD de Administração, da Universidade Federal do Rio de Janeiro, como parte dos requisitos necessários à obtenção do título de Mestre em Administração. ORIENTADORA: Paula Castro Pires de Souza Chimenti, D.Sc. Rio de Janeiro 2017 PEDRO LUIS CHARNEY SANTOS SILVA O ecossistema da realidade virtual e seus impactos futuros Dissertação de Mestrado apresentada ao Instituto COPPEAD de Administração, da Universidade Federal do Rio de Janeiro, como parte dos requisitos necessários à obtenção do título de Mestre em Administração. Aprovada por: _________________________________________________ Paula Castro Pires de Souza Chimenti, D.Sc. (COPPEAD/UFRJ) _________________________________________________ Antonio Roberto Ramos Nogueira, D.Sc. (COPPEAD/UFRJ) _________________________________________________ Daniela Abrantes, D.Sc (UFRJ) Aos meus pais, pela oportunidade de ter crescido em família cuja educação sempre esteve em primeiro lugar. AGRADECIMENTOS A cada um dos meus mais que colegas, amigos da turma do mestrado de 2015, pelo suporte, união e companheirismo, jamais vistos em qualquer grupo. Aos meus grandes amigos, Amaro Daflon, e Julia Craveiro, que sempre se mostraram dispostos a fornecer o apoio necessário, não importando o quão ausente eu estivesse. A todo corpo de técnicos administrativos e professores do COPPEAD, pela dedicação contínua a construção de uma instituição de ensino pública baseada na excelência. Em especial a minha orientadora, Profa Paula Chimenti, pela dedicação, benevolência e compreensão irrestrita, sem a qual a realização deste trabalho não seria possível. A minha segunda mãe Ester Florinda, cujo carinho e o cuidado superam as barreiras consanguíneas. A minha irmã Leila Beatriz pela paciência de elefante. E por fim, a minha mãe Lilha Maria, cuja dedicação incondicional e o sacrifício de uma vida me trouxeram até onde cheguei. Obrigado, do fundo do meu coração, a todos vocês! RESUMO CHARNEY, Pedro. ECOSSISTEMA DE REALIDADE VIRTUAL: Renascimento da tecnologia para o mercado consumidor. 2017. 137f. Dissertação (Mestrado em Administração) - Instituto COPPEAD de Administração, Universidade Federal do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 2017. O surgimento de uma tecnologia disruptiva, como a Realidade Virtual, tem o poder de transformar, a vida, os negócios e a economia global, fator que se torna ainda mais relevante com base na explosão do interesse e o lançamento de dispositivos de realidade virtual ao mercado consumidor. A pesquisa exploratória realizada nesta dissertação tem como principal objetivo investigar o recente fenômeno do renascimento da tecnologia de realidade virtual para o mercado consumidor, seu ecossistema, bem como os possíveis desdobramentos do mercado no futuro com base nas principais incertezas identificadas no presente. Embora exista um número significativo de artigos científicos sobre realidade virtual, maioria envolve apenas aspectos técnicos, dificilmente abordando questões mercadológicas. Aliado isso ao fato do fenômeno investigado ainda ser muito recente, optou-se pela realização de uma pesquisa qualitativa, por meio de entrevistas em profundidade com membros atuantes da indústria. Os resultados revelaram que a maturidade da tecnologia de realidade virtual, gera uma condição muito mais propicia ao desenvolvimento do que o enfrentado pela mesma na década de 90. Apesar da heterogeneidade e complexidade do ecossistema, os pontos mais críticos ao sucesso da plataforma envolvem o estabelecimento de condições tecnológicas (abertura de sistemas, padronização de tecnologias) e de mercado (preço, subsidio e distribuição de conteúdo) para suportar o desenvolvimento de um ambiente onde a criação de conteúdo e aplicações ocorram de maneira orgânica. Com isso são propostas recomendações para a indústria, como a exclusão das barreiras que limitem o acesso ao conteúdo com base na plataforma de publicação, adoção de um modelo híbrido de plataforma que combine as vantagens do open source, com o padrão proprietário, estabelecimento de um modelo compreensível de desenvolvimento multiplataforma, subsidio a pequenos estúdios e desenvolvedores independentes e o financiamento de conteúdos triple A. Palavras-chave: Realidade Virtual, Ecossistemas de Negócio, Plataformas de Negócio, RV. ABSTRACT CHARNEY, Pedro. ECOSSISTEMA DE REALIDADE VIRTUAL: Renascimento da tecnologia para o mercado consumidor. 2017. 137f. Dissertação (Mestrado em Administração) - Instituto COPPEAD de Administração, Universidade Federal do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 2017. The emergence of disruptive technology, such as Virtual Reality, has the power to transform, life, business and the global economy, a factor that becomes even more relevant based on the explosion of interest and the launch of virtual reality devices to the consumer market. The exploratory research done in this dissertation aims to investigate the recent phenomenon of the revival of virtual reality technology for the consumer market, its ecosystem, as well as the possible future market developments based on the main uncertainties identified in the present. Although there are a significant number of scientific articles on virtual reality, most discuss technical aspects, hardly addressing marketing issues. Allied to the fact that the phenomenon investigated is still very recent, it was decided to conduct a qualitative research, through in-depth interviews with active members of the industry. The results revealed that the maturity of virtual reality technology generates a better condition to development than the one faced by it in the 1990s. Despite the heterogeneity and complexity of the ecosystem, the most critical aspects to the platform success are the establishment of technological conditions (systems opening, technology standardization) and market conditions (price, subsidy and content distribution) to support the development of an environment where the creation of content and applications take place organically. This leads to industry recommendations such as the exclusion of barriers that limit access to content based on the publishing platform, adoption of a hybrid platform model that combines the advantages of open source with the proprietary standard, establishment of an understandable cross-platform development standard, subsidy to small studios and independent developers, and triple A content funding. Keywords: Virtual Reality, Business Ecosystems, Business Platforms, VR. LISTA DE ILUSTRAÇÕES Figura 1: Câmara 5 da Villa Dei Misteri ............................................................................... 14 Figura 2: Sala da paisagem em Drakelowe Hall ................................................................... 15 Figura 3: "Hindustan", papel de parede com motivo panorâmico ....................................... 15 Figura 4: The Galope ............................................................................................................ 16 Figura 5: The Link Flight Trainer .........................................................................................17 Figura 6: Sensorama ............................................................................................................. 18 Figura 7: Telephere Mask .................................................................................................... 18 Figura 8: Sword Of Damocles .............................................................................................. 19 Figura 9: O Wright-Patterson Air Force Base HMD de 1969 .............................................. 19 Figura 10: Grope-III ............................................................................................................... 20 Figura 11: Video Place ........................................................................................................... 21 Figura 12: Nasa View System ................................................................................................ 21 Figura 13: Gartner Hype Cycle Journey ................................................................................. 24 Figura 14: Google Cardboard .................................................................................................. 26 Figura 15: Comparativo entre a projeção e as vendas de dispositivos de VR ........................ 29 Figura 16: Investimentos e acordos em realidade virtual ....................................................... 30 Figura 17: Investimentos de empresas de mídia em startups de vr e ar ................................. 31 Figura 18: Motivações para o estabelecimento de padrões na indústria de VR ..................... 32 Figura 19: Continuo da realidade-virtualidade ....................................................................... 38 Figura 20: HTC Vive controller ............................................................................................. 45 Figura 21: Homem vestindo um Samsung GearVR e rink controller .................................... 46 Figura 22: Ilustração dos diferentes graus de liberdade de movimentação ............................ 46 Figura 23: Previsão da distribuição de software de VR e AR, 2020 ...................................... 48 Figura 24: Ecossistema detalhado por finalidade de atuação .................................................. 64 Figura 25: Ecossistema agrupado categoria. ........................................................................... 65 Figura 26: Cenários. ................................................................................................................ 91 LISTA DE TABELAS Tabela 1: Vendas development kit 1 e 2 da Oculus ............................................................. 25 Tabela 2: Categorias e investimentos em realidade virtual - 2016 ....................................... 30 Tabela 3: Diferentes conceitos de realidade virtual.............................................................. 34 Tabela 4: Fatores que contribuem para o senso de presença ................................................ 36 Tabela 5: Receita do mercado de entretenimento interativo - 2016 ..................................... 53 Tabela 6: Entrevistados ........................................................................................................ 62 Tabela 7: Métricas dos ecossistemas .................................................................................... 66 Tabela 8: Comparação dos aspectos técnicos de HMDs ao longo do tempo ....................... 68 LISTA DE ABREVIATURAS AI Artificial intelligence AR Augmented reality CAVE Automatic Virtual Environment CPU Central Processing Unit CRT Tubo de raios catódicos GPU Graphics Processing Unit HMD Head Mounted Display KVRSI Khronos Virtual Reality Standard Initiative NAMRC Nuclear Advanced Manufacturing Research Centre NASA National Aeronautics and Space Administration NBA National Basketball Association OSVR Open-Source Virtual Reality PC Personal Computer PSVR PlayStation Virtual Reality PTSD Post-Traumatic Stress Disorder PwC PricewaterhouseCoopers VIEW Virtual Interface Environment Workstation VIVED Virtual Visual Environment Display VR Virtual Reality VRLE Virtual Reality Learning Environment SUMÁRIO 1 INTRODUÇÃO ..................................................................................................................... 13 2 BREVE HISTÓRICO E CONTEXTUALIZAÇÃO ........................................................................... 14 2.1 HISTÓRICO DA REALIDADE VIRTUAL ................................................................................................ 14 2.2 REDESCOBRIMENTO DA REALIDADE VIRTUAL .................................................................................... 23 2.2.1 Amadurecimento da Tecnologia .......................................................................................... 23 2.2.2 Evolução do Mercado .......................................................................................................... 25 2.2.3 Investimentos ...................................................................................................................... 29 2.2.4 Iniciativas Open Source ........................................................................................................ 31 2.3 ASPECTOS DA TECNOLOGIA ........................................................................................................... 32 2.3.1 Imersão, Interação e Envolvimento ..................................................................................... 34 2.3.2 Presença .............................................................................................................................. 35 2.3.3 Realidade Virtual Como um Meio de Comunicação ............................................................ 37 2.3.4 Formas de Realidade ........................................................................................................... 37 2.3.5 Tipos de Sistemas de Realidade Virtual ............................................................................... 39 2.3.6 Sistemas de Realidade Virtual Imersiva ............................................................................... 40 2.3.6.1 Head-mounted Displays (HMD)............................................................................................................ 40 2.3.6.1.1 Mobile HMD .................................................................................................................................... 41 2.3.6.1.2 Wired HMD ..................................................................................................................................... 41 2.3.6.2 Caverna Digital ..................................................................................................................................... 42 2.3.7 Áudio .................................................................................................................................... 42 2.3.8 Dispositivos Hapticos ........................................................................................................... 43 2.3.9 Dispositivos Multissensoriais ............................................................................................... 44 2.3.10 Dispositivos de Entrada de Dados (Input) .......................................................................... 44 2.3.10.1 Controles .............................................................................................................................................. 45 2.3.11 Dispositivos de Navegação ................................................................................................ 46 2.3.12 Dispositivos de Rastreamento ........................................................................................... 47 2.3.13 Inputs Neurais ....................................................................................................................47 2.4 APLICAÇÃO DA REALIDADE VIRTUAL ............................................................................................... 48 2.4.1 Educação.............................................................................................................................. 49 2.4.2 Medicina e Saúde................................................................................................................. 50 2.4.3 Varejo e Comércio Eletrônico .............................................................................................. 50 2.4.4 Mercado Imobiliário ............................................................................................................ 51 2.4.5 Viagem e Turismo ................................................................................................................ 51 2.4.6 Arte ...................................................................................................................................... 52 2.4.7 Entretenimento Interativo ................................................................................................... 52 2.4.8 Eventos ao Vivo.................................................................................................................... 53 2.4.9 Entretenimento Adulto ........................................................................................................ 54 2.4.10 Social VR ............................................................................................................................ 55 3 REFERENCIAL TEÓRICO ....................................................................................................... 56 3.1 INOVAÇÕES NOS AMBIENTES DE NEGÓCIO ....................................................................................... 56 3.2 PLATAFORMAS ............................................................................................................................ 58 3.3 ECOSSISTEMAS DE NEGÓCIO.......................................................................................................... 58 3.4 PLANEJAMENTO DE CENÁRIOS ....................................................................................................... 59 4 MÉTODO ............................................................................................................................ 61 5 RESULTADOS E DISCUSSÕES ................................................................................................ 64 5.1 ECOSSISTEMA DA REALIDADE VIRTUAL ............................................................................................ 64 5.2 RESULTADOS DAS ENTREVISTAS ..................................................................................................... 66 5.2.1 Redescobrimento do Mercado de Realidade para o Consumidor Final ............................... 66 5.2.2 Realidade Virtual Mobile ..................................................................................................... 69 5.2.3 Desenvolvimento de Conteúdo ............................................................................................ 71 5.2.4 Plataformas de Distribuição ................................................................................................ 72 5.2.5 Investimento ........................................................................................................................ 74 5.2.6 Estabelecimento de Padrões ................................................................................................ 77 5.2.7 Mão de Obra Especializada ................................................................................................. 78 5.2.8 Implicações Éticas ................................................................................................................ 79 5.2.9 Massificação da Tecnologia................................................................................................. 80 5.3 CENÁRIOS .................................................................................................................................. 81 5.3.1 Tendências ........................................................................................................................... 82 5.3.2 Incertezas ............................................................................................................................. 85 5.3.3 Definição dos Cenários ........................................................................................................ 90 5.3.4 Implicações e Opções ........................................................................................................... 93 5.3.5 Sinais de Alerta .................................................................................................................... 95 6 CONSIDERAÇÕES FINAIS ..................................................................................................... 97 7 REFERÊNCIAS .................................................................................................................... 100 ANEXO I – LÍDERES DA INDÚSTRIA DE REALIDADE VIRTUAL E AUMENTADA ................................ 116 ANEXO II – ROTEIRO DE ENTREVISTA ......................................................................................... 117 13 1 INTRODUÇÃO A indústria de realidade virtual existe deste a década de 90, porém, devido a limitações tecnológicas da época, não foi capaz de desenvolver produtos que pudessem entregar a experiência que os usuários demandavam, culminando na decadência e posterior esquecimento da tecnologia por parte do público geral. No entanto, em 2012 a tecnologia de realidade virtual começou a ganhar tração novamente, após a bem-sucedida campanha de financiamento coletivo do Oculus Rift ter arrecadado mais de USD 2.4 milhões. Os anos seguintes foram marcados pelo desenvolvimento acelerado da indústria, culminando no lançamento dos primeiros dispositivos de realidade virtual diretamente voltados ao consumidor final, em 2016. No mesmo ano, a firma de consultoria e pesquisa Gartner (2016), classificou a realidade virtual como uma das 10 tecnologias emergentes mais críticas para o futuro, e o banco de investimento Goldman Sachs (2016) afirmou que tecnologia teria o potencial para se tonar uma nova plataforma de computação. Sob um ponto de vista de mercado, novas startups estão emergindo, e players já consolidados em outras industrias relativas a conteúdo, software e hardware estão se movendo para o ecossistema em um ritmo acelerado, através de aquisições e investimentos (Veja listagem no Anexo A). Apesar disto, a tecnologia ainda está passando por um estágio de desenvolvimento, com uma série de desafios técnicos que precisam ser superados (Jerald, 2015), bem como desafios mercadológicos inerentes a uma etapa anterior à consolidação do mercado. A união dos riscos tecnológicos e mercadológicos suscitam uma série de incertezas a respeito do futuro da indústria, cuja investigação se revela ainda mais relevante pelo número reduzido de publicações que abordem o tema realidade virtual sob o ponto de vista de negócio. O proposito desta pesquisa é a investigação do recente fenômeno do renascimento da tecnologia de realidade virtual para o mercado consumidor, com o objetivo de compreender a realidade virtual, seu ecossistema e os possíveis desdobramentos do mercado no futuro com base na análise de cenários. A dissertação começa com a revisão da literatura e o estabelecimento do método, seguindo da análise de resultados que inclui o desenho e avaliação do ecossistema da realidade virtual, análise das entrevistas em profundidade realizadas com membros atuantes da indústria, levantamento das tendências e das incertezas e cenários para o futuro e finalizando com a conclusão. 14 2 BREVE HISTÓRICO E CONTEXTUALIZAÇÃO 2.1 HISTÓRICO DA REALIDADE VIRTUAL Não é incomum enxergar a realidade virtual como um fenômenorecente, mas, na verdade, sua raiz tem um fundamento muito mais profundo, muitas vezes não reconhecido, na história das imagens e quadros imersivos da antiguidade. As primeiras tentativas de conceber espaços visuais ilusórios, surgiram com a pintura dos murais romanos feitos em Pompeia (GRAU, 2003) Figura 1: Câmara 5 da Villa dei Misteri. Fonte: Grau, O. (2003). Virtual Art: from illusion to immersion. Na idade moderna, diversos artistas buscaram maneiras de fundir o observador com a imagem, por meio da pintura de quadros panorâmicos e murais em 360 graus (Grau, 2003). Durante muito tempo, estes métodos tradicionais eram as únicas formas de preencher todo o campo de visão do observador, fazendo-o se sentir presente em algum evento histórico ou cena fictícia (Grau, 2007, p.93). Em 17 julho de 1789, Robert Baker patenteou um processo pelo qual uma vista panorâmica poderia ser representada na perspectiva correta em uma tela completamente circular. Esta invenção ficou conhecida mais tarde como panorama (Grau, 2007). A invenção de Baker, aliada à introdução de processos racionalizados e métodos de desindividualização da produção de pinturas em tela, permitiu que os panoramas pudessem ser criados mais rapidamente, popularizando-os como meio de arte, educação, propaganda política, e diversão (GRAU, 2007). A procura pela experiência do panorama era tamanha que o investimento do 15 capital nesses empreendimentos superou qualquer outro meio artístico visual da época (GRAU, 2007). “O que ha meio século atrás custava algumas centenas de libras e meio ano, agora custa um shilling e um quarto de hora. Acrescentando à descrição antiga os inúmeros tormentos da viagem, a insolência dos funcionários públicos, a malandragem dos estalajadeiros, as visitas de bandidos carregados até o focinho com sabre, pistola e escapulário, e a canalhice dos oficiais da alfândega, que pilham, com o passaporte em mãos, os indescritíveis dissabores da culinária italiana, e os aborrecimentos insuportáveis daquele epítome de abominação, uma cama italiana.” Blackwood's Maganize, n.15 (1824), p.472ss, apud Altick (1978), p.181, apud Grau (2003) p.104 Figura 2: Sala da paisagem em Drakelowe Hall, por Paul Sandby, 1793. Fonte: The Victoria and Albert Museum, Londres. Figura 3: "Hindustan", papel de parede com motivo panorâmico, 1807-1820. Em: Décors de I`imaginaire: papiers peints panoramiques, 1790-1865. Fonte: Musée des Arts Décoratifs, sob a direção de Odile Nouvel-Kammerer, Paris, 1990. p.306. As imagens 360 graus continuaram a exercer um grande fascínio sobre a mente humana, e a evolução tecnológica permitiu o desenvolvimento de novos meios de comunicação que 16 simulavam a sensação de imersão. Em 1838, Charles Wheatstone mostrou que o cérebro processa duas imagens bidimensionais diferentes em cada olho, formando uma única imagem em três dimensões (Wheatstone, 1838). Esta descoberta foi fundamental para a invenção do estereoscópico, uma ferramenta que exibe para o usuário duas imagens estereoscópicas lado a lado, gerando a sensação de profundidade e imersão (Brewster, 1858). O estereoscópio passou a ser comercializado em 1862, mas ainda muito caro para a maior parte dos consumidores. Porém, por volta de 1870, já era um objeto de fácil acesso, mesmo para a classe média (Grau, 2007; Beeton, 2015). Um dos usos mais populares do estereoscópio foi o turismo virtual (Beeton, 2015). Com o surgimento do filme cinematográfico, o estereoscópio foi perdendo espaço de mercado entre os adultos, sendo posteriormente comercializado como um brinquedo. O mais famoso deles foi o View-Master, criado por William Gruber em 1939 (Gruber, 1940), que em 1999 se tornou parte do National Toy Hall of Fame of the United States. A humanidade tem buscado e criado formas cada vez mais criativas e sofisticadas de estimular os sentidos e a próxima etapa natural foi o desenvolvimento de soluções capazes de colocar movimento em imagens. O primeiro passo do que hoje chamamos de cinema, foi o “movimento aparente”, também conhecido como “movimento estroboscópico” (Apparent Motion & Stroboscopic Motion), que pode ser descrito como a percepção de movimento a partir da exibição de uma sequência rápida de imagens sistematicamente diferentes (Wade & Wade, 2000). Um dos primeiros exemplos do uso desta técnica foi realizado por Edward Muybridge em 1878, em uma pesquisa para investigar de forma precisa o padrão de galope de cavalos durante uma corrida (Muybridge, 1957) Figura 4: The Galope. Fonte: Muybridge, E. (1957). Animals in Motion. P.51, BOOK, Dover Publications. 17 A partir daí a tecnologia de imagens em movimento melhorou rapidamente, e em 1896, expectadores em uma sala de cinema se abaixaram, gritaram e até desmaiavam de terror, ao estarem convencidos de que o curta metragem de um trem vindo em direção a câmera, iria ultrapassar os limites da tela e colidir contra eles (Brownlow, 1968). O primeiro vislumbre de aplicação prática da realidade virtual foi um simulador de voo comercial inteiramente eletromecânico, patenteado em por Edward Link (Link, 1931). Vale ressaltar que simuladores de voo já existiam desde 1910, porém inteiramente mecânicos e dependentes de diversos instrutores para simular a movimentação (Rolfe & Staples, 1988). A companhia fundada por Edward Link, a L-3 Link Simulation & Training, existe até hoje e ainda desenvolve soluções de treinamento e simulação para diversas necessidades (L-3 Link Simulation and Training, 2016). Figura 5: The Link Flight Trainer. Fonte: The American Society of Mechanical Engineers (2010), https://www.asme.org/getmedia/d75b81fd-83e8-4458-aba7-166a87d35811/210-Link- C-3-Flight-Trainer.aspx Embora o termo realidade virtual só tenha sido cunhada mais tarde, em 1935, o livro Pygmalion’s Spectacles, do escritor de ficção científica Stanley G. Weinbaum, conta uma história cuja ideia da utilização de um óculo especial, permitiria ao usuário experimentar um mundo fictício através de holografia, olfato, paladar e tato. Nos anos 50, Mortion Healing desenvolveu o Sensorama, um aparelho que estimulava todo os sentidos do usuário, apresentando autofalantes estéreo, uma tela que exibia imagens em terceira dimensão (estereoscópica), cadeira vibratória e até mesmo ventiladores e geradores de aroma (Healing, 1962). 18 Figura 6: Sensorama. Fonte: mortonheilig.com. O mesmo inventor patenteou em 1960 a Telephere Mask, o primeiro vídeo-capacete, (do inglês Head mounted display1), ainda que o aparelho não tivesse interatividade com o filme e nem captura de movimentos do usuário (Healing, 1960) Figura 7: Telephere Mask. Fonte: mortonheilig.com. Um ano mais tarde, em 1961, Comeau e Bryan, engenheiros da Philco, criaram um sistema muito similar aos sistemas de telepresença que temos hoje. O head mounted display Headsight era composto de um monitor de tubo de raios catódicos (CRT, do inglês Cathode Ray Tube) e um sistema magnético de rastreamento do usuário, permitindo um nível de imersão muito mais profundo, já que o movimento feito com a cabeça era automaticamente refletido em uma câmera instalada remotamente (Haller, 2006). Segundo Featherstone e Burrows (1996), o primeiro HMD com capacidade de rastreamento dos movimentos da cabeça e sobreposição em tempo real de imagem gerada por computador foi demonstrado por Ivan Sutherland no final da década de 1960. Chamado Sword 1 Head monunted display (HMD), é o termo que usaremos. 19 of Damocles, o dispositivo contava com um conjunto ótico de transmissão de imagens baseada em uma tela CRT2 para os olhos. Permitindo que cada olho observe uma imagem sintética e o ambiente real simultaneamente de diferentes pontos de vista (Sutherland. 1968). Essencialmente,o enorme aparato era um sistema de visualização computadorizada completo para a exibição do wireframe de um único cubo em terceira dimensão para o espectador. Figura 8: Sword of damocles. Fonte: Sherman, W. R., & Craig, A. B. (2003). Understanding Virtual Reality: Interface, Application, and Design. BOOK, Morgan Kaufmann. Na mesma época, Tom Furness e outros pesquisadores estavam trabalhando para a Força Aérea Americana (USAF) no desenvolvimento de cabines de pilotagem para aviões de caça. Criando uma série de sistemas de visuais acoplados ao capacete dos pilotos, basicamente um head mounted display (IEEE, 2016). O dispositivo, integrado ao capacete do piloto, permitia identificar se uma aeronave era amiga ou inimiga, prover informações sobre o alvo, ameaças eminentes e rotas de voo (Earnshaw, 2014). Figura 9: O Wright-Patterson Air Force Base HMD de 1969. Fonte: Jerald, J. (2015). The VR Book: Human-Centered Design for Virtual Reality. BOOK, Association for Computing Machinery and Morgan & Claypool Publishers. P.25. 2 Tubo de raios catódicos (do inglês cathode ray tubes) 20 Frederick P. Brooks Jr e outros pesquisadores iniciaram, em 1967, uma pesquisa visando a criação de uma forma de interação visual simulada com moléculas de proteína nos laboratórios de computação da Universidade da Carolina do Norte. O resultado da pesquisa culminou na criação do GROPE-III, um dos primeiros dispositivos de visualização integrados a um retorno háptico (do inglês haptic feedback), permitindo ao usuário não apenas interagir visualmente, mas sentir as moléculas virtualmente simuladas (Brooks et al., 1990) Figura 10: Grope-III, Brooks Jr, F. P., Ouh-Young, M., Batter, J. J., & Jerome Kilpatrick, P. (1990, September). Project GROPE Haptic displays for scientific visualization. In ACM SIGGraph computer graphics (Vol. 24, No. 4, pp. 177-185). ACM. Em paralelo ao surgimento dos head mounted displays, uma abordagem radicalmente diferente de realidade simulada surgiu. Myron Krueger desenvolveu em 1969 uma série de experiências que chamou de “realidade artificial” (do inglês artificial reality) na qual um ambiente virtual pode ser manipulado de acordo com os movimentos do usuário, sem a necessidade de um aparato acoplado ao corpo, pois o sistema utilizava câmeras para captura de movimentos. “Câmeras seguem o corpo do usuário, e computadores sintetizam os movimentos do usuário dentro do ambiente artificial. Eu vejo uma bola flutuando projetada na tela. Minha mão projetada por computador alcança e pega a bola. O computador constantemente atualiza a interação do meu corpo com o mundo sintético que eu vejo, escuto e toco.” Heim (1994, p. 102) Esse experimento culminou na criação da tecnologia VIDEOPLACE, que possibilitou a comunicação de duas pessoas em um mundo virtual responsivo de forma remota. Conforme 21 Krueger (1985), logo que um dos usuários apontarem para uma determinada imagem em sua tela local, esta será automaticamente combinada e exibida no ambiente virtual, permitindo que os participantes gesticulem naturalmente, como se estivessem sentados em uma mesa. Segundo Jacobson, (1994, apud NETTO, A. V., Machado, L. D. S., & Oliveira, M. C. F. D., 2002) mais tarde esta técnica ficou conhecia como Realidade Virtual de Projeção. Figura 11: Video Place, Fonte: pbworks.com (2016) Entre 1984 e 1985, Mike McGreevy, Jim Humphries e Scott Fisher, pesquisadores da NASA Ames Research Center, desenvolveram o primeiro head mounted display estereoscópico monocromático com rastreamento dos movimentos da cabeça, por um preço comercialmente viável (Jerald, 2015). Chamado de Virtual Visual Environment Display (VIVED), todo o dispositivo foi construído com tecnologias disponíveis no mercado (Mazuryk & Gervautz, 1996). Pouco depois, outro dispositivo chamado de Virtual Interface Environment Workstation System (VIEW System) foi concebido, suas configurações continham rastreamento do posicionamento da cabeça e das mãos, reconhecimento de fala, saída de áudio em 3D (Earnshaw, 2014) e visor monocromático estéreo com amplo campo de visão (Haller, 2006). Figura 12: NASA View System. Fonte: The Virtual Interface Environment Workstation (VIEW), 1990. NASA. 22 A pesquisa desenvolvida na NASA foi o berço das primeiras empresas da indústria de realidade virtual, pois VPL Research, LEEP Systems, Inc., Fakespace, Inc. e Cristal River Engineering receberam apoio financeiro por meio da pesquisa espacial (Sherman & Craig 2003). Em 1985, Jaron Lanier e Thomas Zimmerman deixaram a ATARI para fundar a VPL (Visual Programming Language) segundo Sherman & Craig (2003), para criar uma linguagem de programação visual. Porém, a ideia inicial foi deixada de lado para focar no desenvolvimento da Dataglove. Lançada em 1985, a luva, capaz de captar a movimentação e inclinação dos dedos da mão, reportando a posição da mão do usuário para o computador e provendo feedback tátil através de vibração (Zimmerman et al. 1987). A Dataglove foi utilizada pela NASA no projeto VIEW (Jerald, 2015). A VPL também criou o EyePhone (1988), um head-mounted display estéreo colorido (Teitel, 1990). Estes produtos foram os primeiros dispositivos de realidade virtual comercialmente disponíveis (Mazuryk & Gervautz, 1996). Durante esse período, Jaron Lanier cunhou o termo Realidade Virtual (do inglês virtual reality) (Lanier & Biocca 1992). No início dos anos 90, o relatório Emerging Markets for Virtual Reality (IGI Consulting, 1992) descreve os desafios enfrentados pelo mercado de realidade virtual, sendo (1) a necessidade de reduzir o custo dos sistemas de realidade virtual e (2) a necessidade de aumentar a verossimilhança e complexidade dos ambientes virtuais exibidos. Devido ao custo elevado, as boas aplicações eram basicamente utilizadas pelo governo, nas forças armadas ou na área de educação. Enquanto isto, o mercado consumidor tinha acesso a uma realidade virtual extremamente limitada à capacidade de processamento dos computadores pessoais da época (IGI Consulting, 1992). O relatório alertava sobre o risco de implosão do mercado, devido à incapacidade da tecnologia em entregar uma experiência de uso boa por um preço acessível. Durante os anos 1990, diversas empresas focadas principalmente no mercado de pesquisa profissional e de entretenimento surgiram (Jerald, 2015). Nomes conhecidos da indústria como a Sega (Hill, 2014), Nintendo (Edwards, 2015), General Motors (Siefkes, 2005), AutoDesk (IGIC, 1992), começaram a investir no desenvolvimento de tecnologias voltadas a realidade virtual (Sherman & Craig 2003). Lanier, Presidente da VPL Research, uma das pioneiras e mais inovadoras empresas na indústria de realidade virtual, declarou em 1992 que um sistema voltado ao uso doméstico, com qualidade aceitável, estaria disponível na virada do século, por um preço de aproximadamente USD 10.000 (Lanier & Biocca, 1992). Em 1992 o conceito de Audio-Visual Experiencie Automatic Virtual Environment, apelidado de CAVE, foi apresentado à comunidade científica como uma nova proposta de 23 interface visual para realidade virtual (Cruz-Neira et al. 1992). Segundo Netto, Machado & Oliveira (2002), o sistema, descrito como uma sala em que paredes, teto e chão são telas semitransparentes aonde as imagens são projetadas, permitindo que uma ou mais pessoas fiquem imersas no ambiente virtual, possibilitou que um número muito maior de pessoas pudessem interagir entre si de maneira mais natural e imersa no ambiente virtual. Segundo Howard Rheingold (The Verge, 2016), na época estava em curso a transição da linha de comando para as interfaces gráficas e todos imaginavam que o próximo passo fosse a imersão total, já que a computação estava amadurecendo. No entanto, para que arealidade virtual pudesse de fato entregar o tipo de experiência presente no imaginário popular por influência de obras literárias como Neuromancer (Gibson, 1984) e filmes como Tron (Lisberger & MacBird, 1982) ou The Lawnmower Man (King, 1992), a tecnologia necessitava evoluir muito (Jerald, 2015). Mesmo assim, opiniões expressas em revistas como Wired (Negroponte, 1993) e no Jornal The New York Times (Bailey, 1995), mostravam uma expectativa positiva do mercado, com a proximidade do lançamento dos primeiros dispositivos de realidade virtual para o consumidor final. No final da década de 1990, a maior parte desses lançamentos havia fracassado, diversas empresas promissoras na área de realidade virtual tinham falido como a Virtuality Group, (Bloomberg, 2016b) ou sido incorporadas a outras organizações da área de tecnologia devido ao portfólio de patentes como a VPL e a Fakespace (Gutierrez, Vexo & Thalmann, 2008; Bloomberg, 2016a). Na virada do milênio, uma estimativa apontava que o mercado de simulações visuais e realidade virtual para soluções de software, serviços, manutenção, programação, integração e outros elementos estava avaliado em USD 24 bilhões, sendo a maior parte dos investimentos oriundos de aplicações voltadas ao mercado de pesquisa e profissional (Delany, 2000). Naquele momento, o que de fato havia acabado era o hype midiático sobre a capacidade da tecnologia de realidade virtual imersiva. 2.2 REDESCOBRIMENTO DA REALIDADE VIRTUAL 2.2.1 Amadurecimento da Tecnologia Segundo a Gartner, empresa de pesquisa e consultoria em tecnologia da informação, a maior parte das novas tecnologias desperta um entusiasmo muito grande, porém geralmente 24 perde a atenção da mídia e deixam de ser emocionalmente atraentes aos consumidores. A mesma empresa criou o termo Hype Cycle Journey (fig. 13), que descreve os distintos períodos pelo qual tecnologias emergentes passam. Após o período de “innovation trigger” há naturalmente uma fase de "peak of inflated expectations” que é o ponto mais alto do Gartner Hype Cycle, onde em geral a mídia/imprensa superestima o potencial de aplicação da tecnologia que a realidade não consegue acompanhar, promovendo a fase do “trough of disillusionment”, para que após um período de esquecimento a tecnologia possa ressurgir indo para o período de “slope of enlightenment” e culmine na última etapa “plateau of productivity”. Figura 13: Gartner Hype Cycle Journey. Fonte: Gartner (2016) A realidade virtual como tecnologia alcançou o "peak of inflated expectations” no início da década de 90, quando as promessas relativas ao potencial da plataforma estavam muito a frente da capacidade tecnológica e do ecossistema de criação de conteúdo necessários. Em comparação, em 2016 fica claro a existência de uma abordagem muito mais prática e pragmática nos meios de comunicação ao se discutir as aplicações da realidade virtual, demostrando que de fato a tecnologia entrou no período de "plateau of productivity”. Em 2012, a empresa Oculus VR arrecadou através do KickStarter3 USD 2,4 milhões para financiar a criação da sua versão do head mounted display de realidade virtual, o Oculus Rift, prometendo entregar uma experiência de jogo verdadeiramente envolvente e por um preço 3 Uma das mais populares plataformas de financiamento coletivo 25 realmente acessível (Kickstarter, 2012). A realidade virtual começava a despertar a atenção do público e da mídia novamente. Um ano mais tarde, a empresa captou outros USD 16 milhões de investimento das Spark Capital e Matrix Partners, sendo comprada em 2014 pelo Facebook por USD 2 bilhões. Na ocasião, Mark Zuckerberg, CEO do Facebook, declarou que "a expectativa é que no futuro a realidade virtual e aumentada, se torne parte do dia-a-dia das pessoas" (Metz, 2016). Tabela 1: Vendas Development Kit 1 e 2 da Oculus Localidade DK1 DK2 América do Norte 27.746 56.590 Europa 19.899 41.409 Ásia 4.625 13.816 Oceania 3.359 5.468 América do Sul 557 1.228 África 131 353 Caribe 11 35 América Central 6 31 Total 56.334 118.930 Fonte: Oculus.com Lançado em março de 2013, o Development Kit 1 (DK1) tinha uma resolução de 1280x800, e latência de atualização de quadros de imagens entre 50 e 60 milissegundos, 14 meses depois em julho de 2014, a Oculus lançou o DK2, um modelo refinado da primeira versão com resolução de 1920x1090 (Full HD) e tempo de latência de atualização entre quadros entre 20 e 50 milissegundos (Oculus, 2016). 2.2.2 Evolução do Mercado Até o final de 2015 outras empresas como HTC (HTV Vive), Samsung (Gear VR), Google (Google CardBoard), Microsoft (Hololens) e Sony (Playstation VR, inicialmente chamado de projeto Morpheus) também declararam investimentos em produtos voltados ao consumidor na área de realidade virtual e realidade aumentada. Grande parte da excitação dos investidores é calcada na confiança nos atuais sistemas computacionais para entregar o poder de processamento necessário a fim de proporcionar experiências realmente imersivas, sem um preço proibitivo (Byrnes 2016). Um exemplo disto é a declaração do Chefe do Departamento de Realidade Virtual e Simulação do Nuclear Advanced Manufacturing Research Centre (NAMRC), Rab Scott: "antigamente eram necessários seis computadores, enquanto tudo que você precisa hoje é de uma placa gráfica” (Allison, 2015). 26 Mesmo que a aquisição de uma solução de realidade virtual doméstica completa ainda demande um investimento significativamente alto, a qualidade das telas e dos processadores gráficos evoluíram bastante em termos de acessibilidade, desempenho e consumo de energia, tornando a realidade virtual comercialmente viável. Mesmo um smartphone é capaz de suportar uma experiência de realidade virtual imersiva, bastando estar acoplado a um Google CardBoard (Hayward, 2016). Lançado em 2014, o CardBoard não é nada mais que uma caixa feita de papelão dobrado, duas lentes e um imã. Após acoplar o telefone, um aplicativo disponível para os sistemas operacionais Android e IOS, fica responsável por dividir a tela do celular em duas imagens, uma para cada olho, que em conjunto com as lentes, cria a sensação de profundidade na imagem. A interatividade utiliza o acelerômetro do smartphone, que captura as informações de movimento usuário, limitado a apenas olhar ao redor (Fast Company, 2015). Mesmo as versões mais baratas sendo frágeis e geralmente desconfortáveis ao uso prolongado, o kit tem mais de 5 milhões de unidades entregues e 25 milhões de instalações de aplicativos realizados, nos primeiros 19 meses após o lançamento4. Figura 14: Google CardBoard. Fonte: Google Também em 2014, a Samsung anunciou seu próprio headset, desenvolvido em colaboração com a Oculus VR. O Gear VR funciona de forma similar ao Google CardBoard, onde o próprio aparelho celular cumpre praticamente todas as funções, porém ele é otimizado e compatível apenas com certos aparelhos celulares da própria Samsung, e conta com um modulo de rastreamento de movimentos da cabeça separado, possibilitando mais precisão e redução da latência (Samsung, 2016), evitando a ocorrência da sensação de enjoo, que segundo Jerald (2015) é o maior risco para adoção da tecnologia de realidade virtual pelo consumidor. Embora o head-mounted display só tenha sido lançado em 2014, a empresa já 4 Blog.google/products/google-vr/unfolding-virtual-journey-cardboard 27 vinha realizando pesquisas sobre produtos de realidade virtual pelo menos desde 2005 (Trenholm, 2016). Outro player relevante nessa competição é a HTC, que em parceria com a plataforma de distribuição e de desenvolvimento de jogos digitais Steam lançou, em 2015, o HTC Vive. O HMD tem configurações semelhantes ao seu principal concorrente oOculus Rift - CV1, mas conta adicionalmente com um lighthouse tracking system, que funciona preenchendo o ambiente com uma luz não visível, permitindo que os dispositivos de rastreamento, como o joystick e o HMD, possam saber exatamente suas posições no espaço real em 3D (Buckley, 2015). Para obter a melhor experiência em realidade virtual utilizando dispositivos direcionados ao mercado consumidor é necessário investir em um HMD dedicado. Diferente do Google CardBoard, esta categoria de dispositivos chamados de High-end VR5, Full Feature VR ou PC-Based VR (Andreessen Horowitz, 2016) contam com sensores, controles e telas melhores. Além do HMD, para essa categoria também é necessário possuir um computador com uma placa de vídeo dedicada potente ou um videogame capaz de entregar o poder de processamento gráfico requerido (Deloitte Global, 2015). A NVIDIA e AMD, duas principais desenvolvedoras de soluções de processamento gráfico, já anunciaram placas gráficas, incorporadas a soluções de software voltadas ao mercado de realidade virtual (Clark; Sag, 2016). No caso do videogame, a única opção disponível no mercado é o Playstation VR (Sony, 2016). Previamente apelidado de Projeto Morpheus, o HMD utiliza a plataforma do Playstation 4 (PS4) como motor gráfico. O PS4 já vendeu mais de 35 milhões de unidades no mundo todo (Sarkar, 2016), sendo uma das plataformas de games, mais bem-sucedidas, desde o seu lançamento (Russell, 2013), indicando como a plataforma é extremamente relevante para a massificação da realidade virtual. Por tudo que foi descrito, fica claro que grandes empresas estão realizando grandes apostas com a expectativa de trazer a realidade virtual para o nosso dia a dia. Segundo Jerald (2015, prefácio XXIII) “graças ao esforço dessas empresas a realidade virtual virou o jogo, transitando de um instrumento de laboratório especializado disponível apenas para uma elite tecnológica, para uma forma convencional de consumo de conteúdo disponível a qualquer consumidor." 5 High-end VR, este será o termo utilizado. 28 Além do CardBoard, o Google (Metz, 2016) tem aprofundado seus investimentos e também pesquisa em empresas e produtos voltados à mixed reality6. Em outubro de 2014, a empresa declarou que injetou USD 542 milhões de dólares na Magic Leap, empresa cuja promessa de produto vai permitir a mistura de objetos virtuais com a visão do mundo real, por meio de uma tecnologia proprietária chamada Dynamic Digitized Lightfield Signal (Abovitz, Schowengerdt, & Watson, 2015), que faz uso de microlentes que são capazes de reorganizar as informações dos raios de luz salvos diretamente nos nossos olhos, de forma a gerar a percepção de profundidade em três dimensões de uma cena. Em 2015, outras empresas, lideradas pela gigante chinesa do e-commerce Alibaba, realizaram um investimento total de USD 793,5 milhões, deixando a Magic Leap com uma avaliação de mercado de USD 4,5 bilhões (Cao, 2016). A Apple também demonstra interesse na área de realidade virtual e aumentada. Em 2013 a companhia adquiriu a PrimeSense, empresa responsável pelo desenvolvimento do sistema de sensores 3D que o Microsoft Kinect utilizou para fazer o rastreamento dos movimentos (MIT Technology Review, 2016) por USD 345 milhões. Em 2015, foi a vez da Metaio, e em 2016 da Flyby Media, negócios focados na construção de soluções voltadas à realidade aumentada e mapeamento espacial utilizando smartphone, respectivamente (Rosenbaum, 2016). A Apple também tem a patente de um head-mounted display (Prest, Tang, & Hankey, 2013) muito similar ao conceito do Google CardBoard e do Samsung Gear VR, mas que conta adicionalmente com um controle de mão dedicado à interação. Embora a Apple não tenha confirmado o desenvolvimento ou o lançamento de qualquer serviço ou produto voltado à realidade virtual ou aumentada, fica claro o interesse da companhia na área. Ao fim de 2016, os resultados das vendas de dispositivos de realidade virtual ficaram relativamente dentro do que havia sido estimado (fig. 15), com exceção do PSVR (PlayStation VR) que apresentou uma diferença de 1,846 milhões de unidades a menos que o esperado. Grande parte dessa diferença ocorreu pelo número de vendas abaixo do esperando durante a black friday no território americano (Brightman, 2016) 6 A Realidade Misturada propõe a combinação de cenas do mundo real com o virtual oferecendo ao usuário uma maneira intuitiva de interagir com uma determinada aplicação (Rodello, I. A., Sanches, S. R. R., Sementille, A. C., & Brega, J. R. F., 2010). 29 Figura 15: Comparativo entre a projeção e as vendas de dispositivos de realidade virtual – 2016. Fonte: Adaptado de Superdataresearch.com Mesmo após ter investido mais de USD 2 bilhões na compra da Oculus, em fevereiro de 2016, Mark Zuckerberg, CEO do Facebook, afirmou em entrevista para a revista MIT Technology Review, acreditar que a realidade virtual só iria alcançar o mercado de massa em 10 anos (Simonite, 2016). 2.2.3 Investimentos Ao todo durante o ano de 2015, foram mais de USD 456 milhões de dólares, em 94 acordos de investimento ou aquisição em todo o mundo (fig. 16). Segundo a Green Light firma de consultoria e pesquisa especializada na indústria de realidade virtual e aumentada, o volume de investimentos direcionados a empresas de realidade virtual e aumentada foi de USD 1,8 bilhões de dólares, sendo que, dos acordos de investimento, mais de 85% deles são configurados como capital semente (seed capital)7 ou série A (series A)8. Comparado com outras categorias como transporte (9%) ou FinTech (3,5%), os investimentos em VR/AR em 2016 corresponderam a apenas 1% do financiamento total. As seis categorias mais investidas 7 Seed Capital é um modelo de financiamento dirigido a projetos empresariais em estágio inicial ou estágio zero, em fase de projeto e desenvolvimento, antes da instalação do negócio, onde um ou mais grupos interessados investem os fundos necessários para o início do negócio, de maneira que ele tenha fundos suficientes para se sustentar até atingir um estado onde consiga se manter financeiramente sozinho ou receba novos aportes financeiros. 8 O financiamento da Série A é a primeira rodada de financiamento concedida a um novo negócio, uma vez que o capital inicial já tenha sido fornecido. Normalmente, é quando os investidores externos recebem a propriedade da empresa pela primeira vez. 450K 360K 420K 2,600K 2,300K 261k 355k 420k 745k 2,317k 0 500 1,000 1,500 2,000 2,500 3,000 Google Daydream View Oculus Rift HTC Vive PlayStation VR Samsung Gear VR T h o u s a n d s Projeção Vendas + 1% - 71% 0%- 1%- 42% 30 responderam por 63% de todo o investimento em 2016 (tabela 2). Embora a área mais investida tenha sido a dos HMD, se combinadas as categorias Jogos, Entretenimento e Eventos ao Vivo, correspondem a quase um terço do investimento total, refletindo a ênfase do mercado para o desenvolvimento de conteúdo centrado no consumidor a fim de promover a adoção e o engajamento com dispositivos já disponíveis no mercado. Figura 16: Investimentos e acordos em realidade virtual. Fonte: Adaptado de CB Insights https://www.cbinsights.com/blog/ar-vs-vr/ Tabela 2: Categorias e Investimentos em Realidade Virtual - 2016 # Categoria Descrição Investimento 1 Head Mounted Display Dispositivo vestível na cabeça para interação em ambiente virtual $201 milhões 2 Eventos ao Vivo Tecnologia usada para transmissão de eventos ao vivo para HMD $113 milhões 3 Entretenimento Entretenimento, excluindo games e eventos ao vivo $94 milhões 4 Jogos $78 milhões 5 Location Based VR Tecnologia ou aplicação da mesma que exige a presençado usuário em um local físico especifico $59 milhões 6 Social VR Comunicação pública ou privada ou compartilhamento de mídia entre um ou mais usuários $24 milhões - Outras categorias $334 milhões Total $903 milhões Fonte: Greenlight Insights Funding Database (2017) Além das gigantes de tecnologia, grandes grupos de mídia também iniciaram uma corrida pelo investimento e aquisição de startups de realidade virtual e aumentada. Praticamente 1 46 149 95 465 2 7 16 24 94 $0 $50 $100 $150 $200 $250 $300 $350 $400 $450 $500 2011 2012 2013 2014 2015 0 10 20 30 40 50 60 70 80 90 100 M ilh õ es Investimento (U$D) Acordos https://www.cbinsights.com/blog/ar-vs-vr/ 31 todos os grandes nomes da indústria da mídia como Comcast, Time Warner e Disney já realizaram investimentos. Embora o primeiro grande acordo entre uma empresa de mídia e uma startup do ecossistema de realidade virtual tenha ocorrido no último trimestre de 2014, quando a Legendary Entertainment investiu em conjunto com outras empresas USD 542 milhões na Magic Leap, o boom (fig. 17) só aconteceu em 2015. Figura 17: Investimentos de empresas de mídia em startups de realidade virtual e aumentada. Fonte: cbinsights.com 2.2.4 Iniciativas Open Source Especificamente para a realidade virtual, a fragmentação dos padrões, reduz a velocidade com que uma determinada aplicação é portada para outros aparelhos de realidade virtutal (interoperabilidade), reduzindo o número de títulos totais disponíveis aos consumidores em um espectro mais amplo de dispositivos. Já existem algumas iniciativas na indústria para o estabelecimento e disseminação de padrões abertos (open source) como a A Khronos Virtual Reality Standard Initiative (fig. 18) e a Open-Source Virtual Reality. 32 Figura 18: Motivações para o estabelecimento de padrões na indústria de realidade virtual. Fonte: khronos.org Outra iniciativa é a Open-Source Virtual Reality (OSVR) que não é uma organização formal, nem uma instituição sem fins lucrativos, mas uma plataforma criada a partir de contratos de licenciamento entre a Razer e os fornecedores participantes, objetivando estabelecer um padrão de desenvolvimento para realidade virtual em código aberto. Ao contrario de um padrão de desenvolvimento baseado em software proprietário, as plataformas baseadas em open source são compatíveis entre si. O que acaba sendo preponderante para que determinada plataforma seja mais bem-sucedida que a outra é o valor que esta agrega aos usuários, através do nível de engajamento da comunidade, confiabilidade da plataforma e disponibilidade de documentação (West, 2003). Não se sabe ao certo se o movimento open source vai de fato continuar ganhando força, mesmo que os benefícios de padronizar aspectos chaves de uma tecnologia superam os custos gerados por um cenário onde o ecossistema é muito fragmentado. 2.3 ASPECTOS DA TECNOLOGIA Definir de forma precisa o termo realidade virtual é uma tarefa muito complexa, dada a alta velocidade com que o campo vem evoluindo. O termo realidade virtual é popularmente utilizado pela mídia para descrever mundos imaginários que só existem nos computadores e em nossas mentes, mas esse tipo de abordagem não fornece quaisquer insights sobre o processo ou os efeitos da utilização desses sistemas (Steuer, J. 1992). 33 Ivan E. Sutherland, um dos pioneiros na área de computação gráfica, e pesquisador por trás do primeiro head-mounted display (Ivan E. Sutherland. 1968), idealizou, três anos antes no artigo The Ultimate Display (1965) uma sala na qual um computador pode controlar diretamente a existência da matéria, onde as algemas exibidas nesta sala seriam confinantes, e um projetil seria fatal. “O Visor final seria, naturalmente, uma sala dentro da qual o computador pode controlar a existência da matéria. Uma cadeira exibida em tal sala seria boa o suficiente para que se pudesse sentar. As algemas exibidas em tal sala seriam confinantes, e uma bala exibida em tal sala seria fatal. Com a programação apropriada, tal sala poderia ser literalmente o País das Maravilhas em que Alice andou. "(Ivan E. Sutherland, 1968). Embora isso ainda esteja longe de ser possível, o artigo uniu a comunidade científica no desenvolvimento de tecnologias e algoritmos para tirar esta visão do papel (Anthes C. et al, 2016). A tecnologia ganhou de fato atenção da academia no final da década de 80, por esta razão a maioria dos artigos disponíveis sobre o tema estão permeadas com definições oriundas desta época. Para Mazuryk e Gervautz (1996), a expressão realidade virtual tem uma série de sinônimos como “Virtual Environments”, “Syntetic Experience”, “Virtual Worlds”, “Artificial Worlds”. O termo realidade virtual foi cunhado pela primeira vez em 1989, por Jaron Lanier (Rheingold, 1991), a fim de unificar todos os projetos virtuais sob o mesmo guarda chuva (Krueger, 1991), e é descrito por pesquisadores através do tempo de maneiras variadas, como pode ser visto na tabela 3. 34 Tabela 3: Diferentes conceitos de realidade virtual Steuer, J. 1992 Ambiente real ou simulado em que o observador experimenta a telepresença Coates, 1992 Simulações eletrônicas de ambientes experimentadas através de head- mounted displays e roupas com conectadas, permitindo ao usuário interagir de forma realística em situações tridimensionais Greenbaum, 1992 Um mundo alternativo preenchido com imagens geradas por computador que respondem a movimentos humanos. Esses ambientes simulados são geralmente visitados com o auxílio de caras vestimentas conectadas, possuindo óculos de vídeo estereofônico e luvas de dados de fibra ótica Latta, J. N. & Oberg, D. J., 1994 Uma interface que simula um ambiente real, permitindo aos participantes interagir com o mesmo Hancock, 1995 A forma mais avançada de interface do usuário com o computador, disponível até agora Hand, 1996 Paradigma pelo qual usa-se um computador para interagir com algo que não é real, mas que pode ser considerado real enquanto está sendo usado Tori, R, Kirner C & Siscoutto R., 2006 Uma interface avançada para aplicações computacionais, que permite ao usuário a movimentação (navegação) e interação em tempo real em um ambiente tridimensional, podendo fazer uso de dispositivos multissensoriais, para atuação ou feedback Earnshaw, R. A., 2014 A ilusão da participação em um ambiente sintético em vez da observação externa de tal ambiente Steven M. LaValle, 2016 A indução de comportamento alvo em um organismo usando estimulação sensorial artificial, enquanto o organismo tem pouco ou nenhum conhecimento da interferência Embora existam diferenças entre cada uma das definições apresentadas, algumas impondo um lado mais técnico e outras um aspecto mais filosófico, essencialmente todas elas querem dizer a mesma coisa. Sendo assim a definição de realidade virtual que iremos utilizar é a de um "Ambiente gerado por computador, feito com a intenção de simular de forma imersiva a presença física de uma pessoa dentro deste espaço”. Das definições, também é possível observar que a realidade virtual não pode ser reduzida meramente a sua própria tecnologia. 2.3.1 Imersão, Interação e Envolvimento Os sistemas de realidade virtual podem ser caracterizados entre si conforme os níveis de (1) imersão, (2) interatividade e (3) envolvimento (Morie, 1994). O conceito de imersão está relacionado ao objetivo de mostrar que o usuário, quando imerso no ambiente virtual, pode ter 35 a sensação de estar dentro do ambiente. A interação se refere à capacidade do computador de detectar os inputs do usuário e modificar em tempo real o mundo virtual e as ações sobre ele. Já o envolvimento diz respeito ao grau de estimulação para o comprometimento de uma pessoa com determinadaatividade, podendo ser ativo como participar de um jogo, visualizar um ambiente virtual ou passivo como ler um livro, sofrer de uma cirurgia virtual (Rodriges & Porto, 2013). Heim (1994), na busca de esclarecer a realidade virtual em sua essência, sumariou sete atributos inerentes à pesquisa em realidade virtual: simulação, interação, artificialidade, imersão, telepresença, imersão corporal completa e rede de comunicação. Pouco depois, Burdea (1996, apud Burdea & Coiffet, 2003) utilizou praticamente as mesmas palavras para criar o “Virtual Reality Triangle”, (1) Imersão, (2) Interação e (3) Imaginação. Embora a definição provida pelo autor tenha uma abordagem mais técnica, na essência o conceito continua sendo o mesmo. Sherman e Craig (2003) propõem quatro elementos-chave da experiência de realidade virtual como sendo (1) Mundo Virtual, (2) Imersão, (3) Retorno Sensorial e (4) Interatividade, que conservam os mesmos preceitos definidos por Morie (1994). “… a união das ideias de imersão, interatividade e participação, definem a essência do que a realidade virtual é e será.” - Morie (1994) 2.3.2 Presença Outro conceito fundamental é a Telepresença9, termo criado por Marvin Minsky (1980) em referência a sistemas de tele operação para manipulação remota de objetos físicos, que dentro do contexto de estudo e pesquisa de realidade virtual também pode ser chamado de Presença10, geralmente definida como (1) a sensação de estar no ambiente representado pela realidade virtual, em vez do ambiente físico real onde o corpo do participante está realmente 9 Os pesquisadores Sheridan & Furness criaram em 1992 um novo periódico científico dedicado ao estudo de teleoperadores e de sistemas de ambiente virtual com o nome de Presença em vez de Telepresença. Na primeira edição do periódico, uma sessão inteira foi dedicada a concepção de telepresença, o termo "presença” se referia a percepção genérica de estar em um ambiente artificial ou remoto, reservando "telepresença" apenas para casos que envolvessem tele operação, porém na mesma sessão do periódico outro autor utilizou o termo “telepresença” para se referir tanto à tele operação ou ambientes de realidade virtual (Steuer, J., 1992). 10 O termo presença também pode ser chamado de telepresença, presença virtual ou presença mediada (Lee, K. M., 2004) 36 localizado (Slater M., 2003) ou (2) um estado de consciência, a sensação (psicológica) de estar no ambiente virtual (Slater & Wilbur, 1997) ou mesmo (3) um estado mental em que um usuário se sente fisicamente presente dentro do ambiente mediado por computador (Draper & Kaber, 1998). Nesse ponto é essencial distinguir Presença de Imersão, onde Imersão relata a extensão com que o sistema de realidade virtual em questão é capaz de entregar uma ilusão inclusiva, extensa, envolvente e vivida para todos os sentidos do participante (Slater & Wilbur, 1997). A Presença tem em termos de realidade virtual, uma abordagem humanística, enquanto Imersão é mais focada nos aspectos tecnológicos. Lee (2004) identificou através de uma extensa revisão bibliográfica três diferentes aspectos da Presença: (1) Física, espacial e ambiental, como a sensação de que você está em um espaço virtual, (2) Presença Social, como a sensação de que outra pessoa está compartilhando o espaço virtual com você e (3) Presença pessoal ou auto presença, sendo uma experiência de auto representação virtual como uma extensão de si próprio. A presença, ou "senso de estar" (Slater, Usoh, & Steed, 1994) do usuário pode ser afetada segundo quatro grandes fatores conforme Witmer (1998). Tabela 4: Fatores que contribuem para o senso de presença Fatores de Controle Fatores Sensoriais Fatores de Distração Fatores de Realismo Nível de controle Modalidade sensorial Isolamento Realismo do Cenário Imediatismo de controle Riqueza do Ambiente Atenção Seletiva Consistência entre as informações e o mundo objetivo Antecipação de Eventos Apresentação multimodal Consciência da Interface Significância da Experiência Modo de Controle Coerência das informações multimodais A ansiedade da separação / desorientação Capacidade de modificação do ambiente físico Grau de percepção do movimento Busca ativa Fonte: Adaptado de: Witmer, B. G., & Singer, M. J. (1998). Measuring presence in virtual environments: A presence questionnaire. Presence: Teleoperators and virtual environments, 7(3), 225-240. Sanchez e Slater (2005) abordaram uma visão mais técnica para descrever os fatores que influenciam a presença em ambientes virtuais, como os parâmetros de exibição, realismo 37 visual, som, retorno háptico (haptic feedback), representação visual do corpo, e engajamento corporal. 2.3.3 Realidade Virtual Como um Meio de Comunicação Normalmente, o processo de comunicação é definido como a transmissão de informações de um emissor para um receptor (Shannon, & Weaver, 1963), através de um meio de comunicação que contribui ou interfere na transmissão da mensagem (Steuer, J., 1992). Mesmo que tradicionalmente a comunicação ocorra entre duas ou mais pessoas, para Schroeder (1996), ela também pode ocorrer entre pessoas e computadores, sendo este um dos componentes básicos da realidade virtual (Jerald, 2015). De acordo com Bricken (1991), a essência da realidade virtual é a relação inclusiva entre o participante e o ambiente virtual, onde a experiência direta do ambiente imersivo constitui uma comunicação. Segundo McLuhan, conforme apontado por Sandstrom (2012) todas as mídias são uma extensão dos nossos sentidos, já que interfaces modernas de comunicação se anexam ao nosso corpo, e neste sentido a realidade virtual pode ser considerada como um meio de comunicação (Ellis, 1991) e uma evolução natural de interfaces extensamente utilizadas como televisão, telefones e computadores (Kay, 1984). Desta forma, a realidade virtual é muito mais que um conduíte que transfere a informação de um emissor para um receptor, mas um ambiente mediador da interação do usuário, que é ao mesmo tempo tanto um emissor quanto um receptor (Sheridan, & Furness, 1992). 2.3.4 Formas de Realidade Diferente da tecnologia de realidade virtual, que imerge o usuário em um ambiente completamente sintético, a realidade aumentada permite que o usuário veja objetos em 3D sobrepostos ao mundo real. Tanto a Realidade Virtual quanto a Realidade Aumentada fazem parte de um contínuo mais amplo de realidade-virtualidade chamado Realidade Misturada (do inglês mixed reality) (Milgram et al, 1995). A Realidade Misturada é a sobreposição de objetos virtuais gerados por computador com o ambiente físico, exibida ao usuário, em tempo real, com o apoio de algum dispositivo tecnológico (Kirner & Tori, 2004). Enquanto no mundo real não há qualquer tipo de intervenção, um mundo completamente virtual será totalmente sintético. Uma comparação entre a realidade virtual e a realidade aumentada pode ser sintetizado da seguinte maneira: “A 38 realidade virtual trabalha unicamente com o mundo virtual; transferindo o usuário para o ambiente virtual e priorizando as características de interação do usuário. Enquanto a realidade aumentada possui um mecanismo para combinar o mundo real com o mundo virtual, mantendo o senso de presença do usuário no mundo real e enfatizando a qualidade das imagens e a interação do usuário” (Tori, Kirner, & Siscoutto, 2006, pg. 24). No espaço entre esses dois extremos (Realidade e Realidade Virtual), vão existir variações, ou realidades misturadas que podem ser decompostas em Realidade Aumentada e Virtualidade Aumentada. Figura 19: Continuo da Realidade-Virtualidade. Fonte: Adaptado de Milgram, P., & Colquhoun, H. (1999). A taxonomy of real and virtual world display integration. Mixed reality:Merging real and virtual worlds, 1, 1-26. A Realidade Aumentada é a inserção de objetos virtuais no ambiente físico, mostrada ao usuário, em tempo real, com o apoio de algum dispositivo tecnológico, usando a interface do ambiente real, adaptada para visualizar e manipular os objetos reais e virtuais (Kirner, 2008). Enquanto a “Virtualidade Aumentada” pode ser descrita como a inserção de representações de elementos reais no mundo virtual, usando a interface que permite ao usuário interagir com o ambiente virtual (Kirner, 2008). Os conceitos inerentes ao contínuo realidade-virtualidade foram ampliados por Schnabel, Wang, Secihter & Kvan (2007) que classificaram três formas adicionais de realidade misturada: Realidade Amplificada, Realidade Mediada e Realidade Virtualizada. Segundo Falk, Redström, & Björk (1999) a realidade amplificada melhora as propriedades publicamente disponíveis de um objeto físico, através da utilização de recursos computacionais embarcados. A Realidade Mediada foi descrita por Mann & Nnlf (1994) podendo ser resumida como a capacidade de manipular a percepção de realidade de um indivíduo a partir da adição e ou subtração de informações exibidas através de um dispositivo de visualização (como um HMD, computador, smartphone e etc.…). Já a Realidade Virtualizada pode ser apresentada como a reconstrução virtual (virtualização) de cenas e ambientes do mundo real, possibilitando ao usuário uma movimentação livre e escolha de 39 diferentes pontos de vista, para por exemplo, poder enxergar a si próprio sob diferentes ângulos de visão (Kanade, Rander, & Narayanan, 1997). Outro conceito que originalmente não estava relacionado com o contínuo realidade- virtualidade é a Hiper Realidade que dentro do contexto de realidade virtual e realidade aumentada, pode ser descrita como a capacidade tecnológica de combinar realidade virtual, realidade física, inteligência artificial e humana, todas integradas de maneira natural para servir de interface do usuário no acesso a aplicações avançadas (Tiffin, & Terashima, 2001). O termo, cunhado pelo filósofo e teórico social francês Jean Baudrillard, descreve um lugar que promove a sensação de ser mais real que o próprio mundo real, através da mistura do ambiente existente com sensações simuladas (Baudrillard, 2003). Nesse sentido é como se a Hiper Realidade extrapolasse o contínuo realidade-virtualidade, já que, para o usuário, esse ambiente está em uma camada acima da própria realidade. 2.3.5 Tipos de Sistemas de Realidade Virtual Na década de 1990, pesquisas sugeriam a existência de quatro ou mais tipos de realidade virtual (Thurman, & Mattoon, 1994; Jacobson, 1993) segmentadas em dimensões que variavam de acordo com o nível de veracidade da experiência que o usuário experimenta usando como meio de comparação o mundo real (McLellan, 1992). Os diferentes conceitos apresentados estão diretamente associados ao uso das tecnologias tanto de software quanto de hardware disponíveis na época. Embora seja complexo classificar todos os tipos de sistemas de realidade virtual, estes são geralmente, qualificados em função do senso de imersão e o nível de presença proporcionado ao usuário (Tori, Kirner, Siscoutto, 2006), sendo não imersivos, semi-imersivos e imersivos (Thurman, & Mattoon, 1994). A realidade não imersiva, ao contrário da realidade imersiva, não consiste na sensação de inclusão experimentada pelo usuário, mas sim pela sensação de não-inclusão pois o usuário não se sente dentro do ambiente virtual, consistindo apenas em uma visualização de imagens ou gráficos tridimensionais, como por exemplo um monitor de computador ou uma televisão (Robertson, Card, & Mackinlay, 1993). Nesta classe estão enquadrados a maioria dos jogos eletrônicos e os sistemas interativos de navegação, onde o usuário deve permanecer olhando para a tela afim de poder ver o mundo virtual (Ware, Arthur, & Booth, 1993) (Demiralp et al., 2006) Embora a mídia normalmente classifique sistemas de realidade virtual apenas como imersivos e não imersivos, com base na utilização ou não de um head mounted display, entre 40 esses dois extremos, temos os sistemas semi-imersivos, onde o usuário é parcialmente isolado do mundo real, como por exemplo a utilização de varias telas ou monitores grandes que são capazes de entregar um bom nível de imersão, mas que não cobrem totalmente o angulo de visão do usuário (Castronovo et al, 2013). Tanto em sistema não imersivo quanto em um semi- imersivo, o usuário continua mantendo algum contato com o mundo real (Gutierrez, 2008). Os sistemas de realidade virtual não e semi-imersivos, ao contrário do que se possa imaginar, retém vantagens sobre um sistema de realidade virtual imersivo, como por exemplo baixo custo (dependendo da aplicação), abstenção das limitações e ou dificuldades técnicas decorrentes do uso de head mounted display, facilidade e familiaridade de uso. Um sistema de realidade virtual imersivo pode ser definido como o hardware e o software no qual a experiência sensorial esta sendo baseada. O objetivo deste sistema é se comunicar de forma eficaz e intuitiva com o usuário, simulando em um ambiente sintético, a sensação de realidade (Jerald, 2015). A Realidade virtual é imersiva quando o usuário é completamente imergido dentro de um ambiente gerado por computador, dando a impressão que ao utilizar ele ou ela “está” presente neste mundo sintético (Furht, 2008), também incluso cenários reais, através da exibição de imagens/vídeos capturados em 360. Para alcançar essa imersão, são utilizadas geralmente duas abordagens tecnológicas distintas de exibição, através de um sistema de realidade virtual baseado em head-mounted display (HMD) ou em múltiplas projeções (CAVE). Slater (2009) propõe que a diferença fundamental de um sistema imersivo para um não imersivo é a possibilidade do sistema de realidade virtual imersivo emular um sistema não imersivo, por exemplo usando um head mounted display e outros dispositivos hápticos para reconstruir, dentro ambiente virtual a sensação de estar utilizando um computador como se estivesse em um ambiente real. 2.3.6 Sistemas de Realidade Virtual Imersiva Tradicionalmente ao se tratar de sistemas de realidade virtual, estes são segmentados em três categorias, (1) Sensores ou dispositivos de entrada (input) (2) exibidores ou dispositivos de saída (output) e (3) computadores. Muitas vezes, porém existem dispositivos híbridos como por exemplo os head mounted displays, que além de exibir as imagens e sons, também contam com uma série de recursos de rastreamento adicionais embutidos. 2.3.6.1 Head-mounted Displays (HMD) 41 O primeiro HMD foi criado por (Sutherland, 1968), uma unidade de projeção de imagens acoplada (vestida) na cabeça do usuário, é utilizada para projetar as imagens diretamente na frente dos olhos, onde uma série de sensores captura os movimentos e comportamento do usuário, que são transmitidos ao computador para que este atualize as imagens exibidas de acordo com a posição da cabeça do usuário (Shibata, 2002). Ou seja, quando o usuário move a sua cabeça, o ambiente sintético a sua volta reage de forma natural mudando o ponto de vista na mesma proporção do movimento. Atualmente com base nos produtos disponíveis do mercado, os HMD podem ser segmentados entre os que tem fio (wired) ou moveis (mobile) (Anthes et al, 2016). 2.3.6.1.1 Mobile HMD Os móveis são extensamente utilizados em aplicações nas áreas de entretenimento, mais voltados à exibição de imagens panorâmicas e filmes em 360 graus, possibilitando ainda algum tipo de interação através de navegação baseada no direcionamento do olhar do usuário. Apesar de compartilharem o fato de não necessitarem de um computador adicional e nem de fios, eles podem ser sub categorizados em três tipos: (1) Apenas como uma estrutura com lentes
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