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UNIVERSIDADE FEDERAL DO CEARÁ PRÓ-REITORIA DE PESQUISA E PÓS-GRADUAÇÃO MESTRADO PROFISSIONAL EM POLÍTICAS PÚBLICAS E GESTÃO DA EDUCAÇÃO SUPERIOR EMILIA SUITBERTA DE OLIVEIRA TRIGUEIRO ÉTICA E COMPORTAMENTO MORAL DOS SERVIDORES PÚBLICOS – UM ESTUDO DE CASO NO IFCE CAMPUS DO CRATO FORTALEZA 2012 EMILIA SUITBERTA DE OLIVEIRA TRIGUEIRO ÉTICA E COMPORTAMENTO MORAL DOS SERVIDORES PÚBLICOS – UM ESTUDO DE CASO NO IFCE CAMPUS DO CRATO Dissertação apresentada à Coordenação do Curso de Mestrado Profissional em Políticas Públicas e Gestão da Educação Superior, da Universidade Federal do Ceará, como requisito parcial para obtenção do título de mestre. Orientadora: Profª. Dra. Maria do Socorro de Sousa Rodrigues FORTALEZA 2012 F828e Trigueiro, Emilia Suitberta de Oliveira. Ética e comportamento moral dos servidores públicos: um estudo de caso no IFCE campus do Crato / Emilia Suitberta de Oliveira Trigueiro. 88 f. : il. color; enc. Dissertação (mestrado) – Universidade Federal do Ceará, Pró-Reitoria de Pesquisa e Pós-Graduação, Mestrado Profissional em Políticas Públicas e Gestão da Educação Superior, Fortaleza, 2012. Orientadora: Profa. Dra. Maria do Socorro de Sousa Rodrigues. Área de concentração: Gestão da Educação Superior 1. Ética 2. Moral 3. Servidor Público I. Rodrigues, Maria do Socorro de Sousa (orient.) II. Universidade Federal do Ceará - Mestrado Profissional em Políticas Públicas e Gestão da Educação Superior III. Título. CDD 160 EMILIA SUITBERTA DE OLIVEIRA TRIGUEIRO ÉTICA E COMPORTAMENTO MORAL DOS SERVIDORES PÚBLICOS – UM ESTUDO DE CASO NO IFCE CAMPUS DO CRATO Dissertação submetida à Coordenação do Curso de Mestrado Profissional em Políticas Públicas e Gestão da Educação Superior, da Universidade Federal do Ceará, como requisito parcial para obtenção do título de mestre. Aprovada em ___/___/____. BANCA EXAMINADORA ____________________________________ Profª. Dra. Maria do Socorro de Sousa Rodrigues (Orientadora) Universidade Federal do Ceará ____________________________________ Profª Dra. Virgínia Bentes Pinto Universidade Federal do Ceará ____________________________________ Profª Dra. Eloísa Maia Vidal Universidade Estadual do Ceará Dedico este trabalho aos meus pais, Sebastião e Graça, e ao meu esposo, Edson. Obrigada por vocês existirem na minha vida. AGRADECIMENTOS Agradeço primeiramente a Deus, autor da minha vida e a quem tudo dedico, por ter me dado a força e a coragem para prosseguir e o entendimento de que “TUDO PASSA!”. Aos meus pais e aos meus irmãos que sempre me deram a certeza que “os melhores amigos são aqueles que estão em casa esperando por mim”. Ao meu esposo Edson, meu grande amigo, que me deu forças quando eu não as tinha mais e que acreditou em mim quando nem eu mesma acreditava que poderia conseguir superar todas as dificuldades surgidas ao longo desses dois anos. À professora Maria do Socorro que confiou e apostou em mim. Aos professores Dr. André Haguette, Dra. Eloísa Vidal, Dr. Ivan de Oliveira, Dra. Virgínia Bentes, que contribuíram com importantes e enriquecedoras sugestões. Especialmente a Aline e Jeferson pela companhia, Anna Caroline pelo acolhimento, Lígia, Guilherme, Daniele, Márlen, Tereza e a todos os colegas do POLEDUC pelo aprendizado e companheirismo. À direção do IFCE campus do Crato pelo incentivo à minha qualificação e aperfeiçoamento profissional. Aos colegas de trabalho do IFCE campus do Crato que viabilizaram, com sua participação, a realização deste estudo. “Certo dia a Ética desceu ao Olimpo na forma de uma linda mulher e dirigiu-se a um reino poderoso. Todos, ao vê-la à distância, ficavam maravilhados, mas à medida que se aproximava, fechavam-lhe a porta. A Ética tentava comunicar-se, mas em vão: ninguém queria defrontar-se com ela. Bastava sua visão longínqua. Finalmente, acabrunhada, ao retirar-se, encontrou a Verdade, que se espantou com a sua profunda tristeza. “Que foi minha irmã? O que tanto a magoou?” “Cheguei em missão de paz, mas ninguém quis receber-me”, disse a Ética, não entendendo as razões por que foi rejeitada. “Olhe-me de frente, adverte a Verdade. Ninguém, nem mesmo você, minha cara Ética, foi capaz de perceber a Verdade: nós somos espelhos. As pessoas têm medo de se verem refletidas em nós.”(Francisco Gomes de Matos, 2008). RESUMO A ética é um tema de grande importância, pois é ela que guia a vida em sociedade. Ela é influenciada pelo tempo, pela história e pela cultura na qual está inserida. Nas organizações, a ética influencia diretamente os lucros e resultados, por isso há um grande número de estudos e discussões em torno do tema, fruto da ética individual dos funcionários. Em relação à ética organizacional no serviço público, as críticas são muitas, entre elas o fato de os servidores públicos não possuírem comportamentos éticos, o serviço público não funcionar adequadamente e haver valorização dos interesses pessoais em detrimento dos interesses coletivos nesses locais. No entanto, é fato que não existem muitos estudos analisando essa vertente do tema. Com esta pesquisa busca-se identificar qual é o entendimento que os servidores (docentes e técnico-administrativos) do Instituto Federal do Ceará campus do Crato têm sobre o conceito de ética e como se dá o comportamento moral dos mesmos no exercício da profissão. Para tanto foi desenvolvida uma pesquisa descritiva, realizada por meio eletrônico, com 44 servidores desta instituição. A mesma baseou-se nas teorias de Bardin para analisar o conceito de ética desses servidores, manifestado através do Teste de associação de palavras, e no Instrumento para avaliar comportamentos morais nas organizações, desenvolvido por LIcht, baseado na teoria de Petrick e Wagley. Os principais resultados encontrados dizem respeito à discrepância entre a teoria e a prática desses servidores, pois eles, individualmente, manifestaram noções do que seria ética, com um conceito consistente com o que é preconizado pelo Código de Ética do Servidor público, mas, no entanto, a organização como um todo foi classificada no nível de desenvolvimento organizacional pré-moral ou pré-convencional. Isso nos leva a concluir que nem sempre o indivíduo manifesta em sua conduta os fundamentos éticos que prega, pois as coletividades exercem grande influência no comportamento de seus integrantes. Palavras-chave: Ética organizacional. Comportamento moral. Servidor público. ABSTRACT Ethics is a very important theme since it guides social life. It is influenced by time, history and culture in which it is inserted. In organizartions, ethics straight influences profits and results. For this, there is a great number of studies and discussions on this subject as a result of employees’ personal ethics. In relation to public organizational ethics there are several critics. Among them, the fact public servants do not have ethical behavior, public service do not work appropriately, the value of personal interests contrasting corporate ones in these places. Nevertheless, there are not many studies analysing this point. Within this research, it aims at identifying what Ceará Federal Unstitute-at campus Crato-faculty and technical administrative servants understanding are about ethical concepts and how these moral behaviors are made throughout their labor practice. For this, it was developed a descriptive research carried by eletronic device, with 44 servants in this institution. It was basedon Badin’s theories to analyse the ethics concept of these servants extracted by the Word Association Test and the Instrument to analyse the moral behavior under organizations, developed by Llcht, based on Patrick and Wagley’s theory. The main founded results speak about divergence between servants’ theory and labor practice, since they individually demonstrate notions on what ethics would be, with a solid concept according to Public Servant Ethical Code. Otherwise, the whole organization was classified in the level of organizational development as pre-moral or pre- convencional. This leads us to conclude that not always the person express in his/her behavior the ethical basis he/she preaches since collectivities exert a great influence on the behavior of the components. Key words: Organizational ethics. Moral behavior. Public servant. LISTA DE ILUSTRAÇÕES Figura 1 Modelo de desenvolvimento pessoal ........................................................ 256 Figura 2 Modelo de desenvolvimento moral organizacional .................................... 278 Gráfico 3 Caracterização da amostra segundo a idade ............................................. 55 Gráfico 4 Caracterização da amostra segundo o tempo de serviço total ................. 567 Gráfico 5 Caracterização da amostra segundo o tempo de serviço no campus ........ 56 Gráfico 6 Caracterização da amostra segundo a escolarização .............................. 578 Gráfico 7 Caracterização da amostra segundo o nível do cargo dos servidores técnico- administrativos ........................................................................................... 57 Gráfico 8 Número de vezes que cada palavra foi citada. ........................................... 59 Gráfico 9 Categorias das palavras citadas. ................................................................ 60 Gráfico 10 Comparação das respostas entre organização geral, servidores técnico- administrativos e servidores docentes. ..................................................................... 67 Gráfico 11 Comparação das respostas entre organização geral e servidores que possuem função gratificada ou cargo de direção. ..................................................... 70 Gráfico 12 Comparação das respostas dos servidores que estão no campus há menos de 10 anos e dos servidores que estão no campus há mais de 10 anos. ... 712 Gráfico 13 Comparação das palavras condizentes com ética e moral e comportamento condizente com o estágio pós-moral. ............................................ 767 LISTA DE TABELAS Tabela 1 Correspondência entre questões e indicadores. ...................................... 534 Tabela 2 Número de respostas para as questões. .................................................. 634 Tabela 3 Nível de desenvolvimento moral organizacional geral................................ 64 Tabela 4 Nível de desenvolvimento moral organizacional dos servidores técnico- administrativos. ......................................................................................................... 66 Tabela 5 Nível de desenvolvimento moral organizacional dos servidores docentes. 67 Tabela 6 Nível de desenvolvimento moral organizacional dos servidores que possuem função gratificada ou cargo de direção ...................................................... 68 Tabela 7 Nível de desenvolvimento moral organizacional dos servidores que estão no campus há menos de 10 anos. ............................................................................ 70 Tabela 8 Nível de desenvolvimento moral organizacional dos servidores que estão no campus há mais de 10 anos. ................................................................................ 70 SUMÁRIO 1 INTRODUÇÃO ..................................................................................................... 123 2 CONSIDERAÇÕES SOBRE A ÉTICA E A MORAL ............................................. 167 2.1 Pressupostos conceituais sobre ética e moral ............................................... 167 2.2 Cultura brasileira e comportamento ético organizacional na administração pública .................................................................................................................. 289 2.3 Ética profissional e código de ética do servidor público ............................... 3940 3 MATERIAL E MÉTODO ......................................................................................... 50 3.1 Tipo de pesquisa .............................................................................................. 50 3.2 Lócus da pesquisa ........................................................................................... 50 3.3 Procedimentos e instrumento de coleta de dados ........................................... 52 3.4 Análise dos dados ............................................................................................ 53 4 RESULTADOS E DISCUSSÕES ......................................................................... 556 5 CONCLUSÕES E RECOMENDAÇÕES............................................................... 778 REFERÊNCIAS ......................................................................................................... 79 APÊNDICE .............................................................................................................. 834 12 1 INTRODUÇÃO Durante muito tempo, na história da humanidade, a vida foi dominada por crenças religiosas e mitológicas sem que houvesse distinção objetiva entre ética, religião, moral e direito. Somente no século V a.C nasce a filosofia, como uma reflexão sobre o comportamento humano, vindo substituir a compreensão mitológica dos fatos pela compreensão racional. Entre os objetos de estudo da filosofia estão a ética e a moral, que para serem entendidas precisam, inicialmente, ser conceituadas. A ética pode ser compreendida como uma reflexão sobre o fazer, anterior ao fazer. É uma ciência teórica e reflexiva; é a ciência do dever e da obrigatoriedade e é ela que rege a conduta humana. É ela que está incumbida de refletir sobre a moral e de qualificá-la do ponto de vista do bem e do mal. Já o fenômeno moral é o que pode ser observável na conduta humana, é a ética posta em prática. A moral é social, construída por grupos particulares e reflete o momento e as características da coletividade. Toda sociedade tende a desenvolver uma moral própria, um código de conduta próprio, um sistema de normas que serve de eixo e orienta seus membros tendo em vista uma finalidade geral, que é o bem estar e o bem viver de todos. Assim, qualquer reflexão sobre moral e ética não pode ser dissociada da compreensão da natureza humana, do contexto histórico e das ideologias instauradas na sociedade. O indivíduo nem sempre realiza na sua ação moral os fundamentos éticos que apregoa, pois existe uma relação dialética, contraditória e intrínseca entre os mundos ético e moral. A moral estabelecida por um contexto específico pode ter uma influência tão grande que, muitas vezes, o indivíduo a pratica sem se dar conta de que esse agir contraria os princípios éticos que diz seguir e acreditar, e tal situação pode causar intermináveis conflitos individuais e psicológicos. Diante disso, para bem entendermos a ética e o comportamento moral dos brasileiros, precisamos compreender o contexto em que nossa sociedade foi formada. 13 A colonização brasileira teve muita influência na cultura que temos hoje. Traços portugueses, africanos e indígenas misturaram-se e formaram o que hoje denominamos de Brasil. Na visão de autores como Vasconcelos (1996), Damatta (1986) e Freitas (2006), entre outros, esses povos, ao se misturarem, deram origem a traços característicos da nossa cultura como o personalismo, o sensualismo, amalandragem, a hierarquia e a aventura. Estes traços da cultura brasileira fizeram-se presentes nas organizações com suas várias formas de ética, quais sejam, a familiarista, a meritocrática, a da integridade e a do oportunismo, em detrimento da ética organizacional que seria a desejável (SROUR, 2005). Essa ética organizacional, que é um assunto de grande importância e complexidade, tem sido pouco aprofundada em termos de estudos e práticas. No entanto, esse tema é fundamental, pois o indivíduo leva para o mundo profissional os valores relativos a honestidade, solidariedade humana, fraternidade e fidelidade a seu cliente que provêm da experiência ética e moral que já vivenciou. Se o profissional é uma pessoa que tem valores morais consolidados e os coloca em prática em seu quotidiano, também o fará em sua profissão, seja ela qual for. No serviço público brasileiro podem ser vistos, com clareza, comportamentos ético-morais exibidos por seus profissionais, basta que observemos com acuidade os atendimentos prestados à população em todos os segmentos, inclusive nos serviços essenciais. Esses serviços são oferecidos pelos órgãos públicos à sociedade, mas, no senso comum, tem-se a ideia de que eles não funcionam adequadamente porque seus servidores não possuem comportamentos éticos adequados e que interesses pessoais são valorizados em detrimento dos interesses coletivos nessas instituições. No entanto, a maioria das pesquisas sobre ética organizacional é realizada em empresas privadas, deixando uma lacuna de como, de fato, é a conduta ética dos servidores públicos. Um exemplo de instituição pública é o Instituto Federal de Educação Ciência e Tecnologia do Ceará campus do Crato (IFCE campus do Crato), que, em seus 58 anos de existência, já passou por mudanças significativas de nome, estrutura organizacional e curricular. Até o ano de 2009 era uma instituição autônoma, quando passou a integrar, com mais outros 28 campi, a rede do Instituto Federal do Ceará, perdendo sua autonomia. 14 Por ser uma instituição com 58 anos de existência, referência no ensino na região, com 178 servidores, sendo 70 docentes e 108 técnico-administrativos, pressupõe-se que seja uma instituição modelo no que tange à ética e à moral. No entanto, algumas características da cultura brasileira podem estar presentes no comportamento desses servidores, fazendo com que eles individualmente possuam noções de ética, seu conceito e suas aplicações, mas coletivamente expressem comportamentos morais inadequados a uma organização, como orientação para punição ou expectativas quanto a interesses pessoais. Diante desse cenário, pergunta-se: qual é o entendimento que os servidores (docentes e técnico-administrativos) do Instituto Federal do Ceará campus do Crato têm sobre o conceito de ética e como se dá o comportamento moral destes no exercício da profissão? No intento de investigar acerca desta questão, o objetivo geral desta pesquisa é analisar o conceito de ética dos servidores docentes e técnico- administrativos do IFCE campus do Crato e correlacioná-lo com o comportamento moral que eles manifestam. Tal objetivo desdobra-se nos seguintes objetivos específicos: identificar o conceito de ética dos servidores do IFCE campus do Crato por meio do Teste de Associação de Palavras; descobrir, por meio do Instrumento Para Avaliar Comportamentos Morais nas Organizações, o comportamento moral organizacional do IFCE campus do Crato; analisar se os conceitos de ética apresentados pelos servidores possuem consistência teórica; observar e descrever se o comportamento moral dos servidores condiz com o que é preconizado no Código de Ética do Servidor; e correlacionar o conceito de ética com o comportamento moral organizacional dos referidos servidores, analisando possíveis discrepâncias. A relevância social e política desta investigação dá-se pelas reflexões e análises que poderão advir dos seus resultados, servindo como parâmetro para outras análises e para tomadas de decisão na operacionalização de novas pesquisas, generalistas ou não, para o aprofundamento do tema. Também poderá contribuir para averiguações atuais e futuras quanto ao cumprimento da legislação federal nas Instituições Federais de Ensino Superior (IFES). Do ponto de vista científico, colabora com a produção do conhecimento, podendo a instituição 15 participante do estudo, utilizar os resultados desta investigação para promover ações e fóruns de discussão que colaborem com uma possível mudança de atitude dos servidores, especialmente por se tratar de um estudo de caso. Para que os objetivos fossem atingidos, foi realizada uma pesquisa descritiva utilizando um questionário enviado por e-mail a todos os servidores da instituição pesquisada, juntamente com uma nota explicando a natureza e a importância da pesquisa, bem como a solicitação da participação dos pesquisados. Obteve-se resposta de 44 servidores, número que corresponde a 24,7% do total. O questionário é composto por três partes: na primeira parte solicita-se aos servidores que informem suas características sócio-econômicas, a fim de traçar um perfil dos respondentes e correlacionar com as demais respostas; na segunda parte há o Teste de Associação de Palavras, que evoca as associações dos servidores para a palavra “Ética”; por fim há o Instrumento Para Avaliar Comportamentos Morais nas Organizações. Antes da utilização definitiva do questionário, foi realizado um pré- teste com a participação de 7 (sete) servidores. Para melhor compreensão e organização do relatório de pesquisa, esta dissertação encontra-se estruturada em cinco capítulos. No primeiro será feita uma introdução sobre o tema. O segundo trará uma revisão da literatura existente sobre Ética e Moral, subdividindo-se em três partes: a primeira tratará da ética e da moral; a segunda da cultura brasileira e do comportamento ético organizacional na administração pública; a terceira da ética profissional e do Código de Ética do Servidor Público. No terceiro capítulo serão detalhados os procedimentos metodológicos da pesquisa, o tipo de pesquisa, os participantes, o instrumento e os procedimentos de coleta de dados. No quarto capítulo estão apresentados os resultados e as discussões do estudo. Por fim, no quinto capítulo serão apresentadas as considerações finais. 16 2 CONSIDERAÇÕES SOBRE A ÉTICA E A MORAL 2.1 Pressupostos conceituais sobre ética e moral A ética, do latim Ethica, é conceituada como “uma reflexão sobre o fazer, antes de fazer, procurando fazer bem” (SOUZA FILHO, 1998, p. 27). Nesse conceito encontra-se evidenciado o caráter reflexivo da ética que a vincula às disciplinas filosóficas. Assim, quando, antes de praticar determinada ação, alguém se questiona subjetivamente sobre o sentido do comportamento que irá efetivar, estará, neste ato de questionar-se, consumando o momento ético. A ética é um dos ramos da filosofia que, hoje em dia, desperta o maior interesse e as maiores discussões. Essa “demanda de ética” tem razões múltiplas. A primeira delas decorre da crise das crenças morais comuns, que confirma o fato de que a ética se desenvolve, sobretudo, nos momentos em que falta ou se atenua um ethos comum, ou seja, quando o patrimônio dos costumes e dos valores tradicionais perde o caráter de evidência, e os costumeiros critérios de bem e mal são postos em discussão. Um segundo motivo advém da carência de grandes visões totalizadoras da realidade e da história, bem como da carência de ideais e de certezas. Um terceiro motivo decorre do desenvolvimento da ciência e da técnica, ou seja, da descoberta de novas tecnologias capazes de intervir não só nos mecanismos ambientais, como também na própria constituição biológica e psíquica do homem. Um quarto motivo diz respeito à complexidade estrutural da vida atual, queimplica a detecção de novos códigos de comportamento que sejam mais adequados. Um quinto motivo provém da maior sensibilidade ao outro, seja este “outro” humano ou não. Por fim, um sexto motivo, ligado ao anterior, vem da necessidade de garantir a coexistência entre etnias, culturas e formas de vida diferentes (ABBAGNANO, 2007). Segundo Comparato (2006), a filosofia nasceu no século V a.C na Ásia e na Grécia como uma reflexão sobre o comportamento humano. Antes desse período, em todas as civilizações, a vida ética era dominada pelas crenças e instituições religiosas, sem que houvesse nenhuma distinção objetiva entre religião, moral e direito. Os governantes eram antes de tudo sacerdotes, e suas funções essenciais 17 consistiam em cumprir regularmente as cerimônias religiosas. Além disso, a humanidade era uma espécie de arquipélago: [...] onde as ilhas culturais tinham o seu próprio ideário e as suas próprias instituições de poder, pois cada sociedade estava intimamente ligada a seus deuses particulares, de todo estranhos aos das sociedades vizinhas, e mesmo inimigos destas (COMPARATO, 2006, p. 41). Os traços mais evidentes da vida ética na antiguidade eram: o importante papel que a religião desempenhava comandando a vida inteira das pessoas do nascimento à morte, o predomínio absoluto da tradição, a absorção dos indivíduos pela coletividade, o desprezo pelos ofícios técnicos e a profissão mercantil. Com o passar do tempo, os agrupamentos, antes distantes, passam a se aproximar uns dos outros pela difusão dos meios técnicos, pela prática das relações de comércio e pela ambição política de conquista. Os componentes da vida ética, a religião, a moral e o direito começam a apresentar internamente uma tendência à desconexão. Isso se deu por dois fatores principais: o nascimento da filosofia, ou saber racional, substituindo a compreensão mitológica dos fatos, e o surgimento das primeiras religiões universais. Esses fatores influíram de modo decisivo para superar a visão estreitamente particular que cada povo tinha do homem e do mundo, despertando, desse modo, as consciências ao universalismo da fé e da razão (COMPARATO, 2006). O Dicionário de Filosofia (ABBAGNANO, 2007) define ética como a ciência da conduta. Segundo seu autor, existem duas concepções fundamentais dessa ciência. A primeira a considera como ciência do fim para o qual a conduta dos homens deve ser orientada e dos meios para atingir tal fim, sendo tanto o fim quanto os meios deduzidos da natureza do homem. A segunda concepção considera a ética como a ciência do móvel da conduta humana e procura determinar tal móvel com vistas a dirigir ou disciplinar esta conduta. Para Cortina (2010), a ética consiste na dimensão da filosofia que reflete sobre a moralidade, isto é, ela seria a forma de reflexão e linguagem acerca da reflexão e da linguagem moral. A ética não seria gerada no mundo social no qual a moral está sustentada: ela se moveria no discurso teórico e substancial da filosofia, ou seja, seria conceitual e argumentativa. Seu objeto seriam as normas, das quais 18 não se pode dizer que sejam verdadeiras ou falsas, mas se são corretas ou incorretas. Para a autora caberia apenas argumentar sobre a correção ou incorreção das normas, pois se há um discurso teórico também se faz necessário um discurso prático que permite distinguir entre as normas válidas e as meramente vigentes. Através dos conceitos de ética supracitados, percebemos que o seu objeto material é o fato moral consumado, é o fazer, é o agir concreto, é a preocupação com a ação que ainda não foi efetuada. Outra característica importante da ética é o caráter subjetivo de seu critério de verdade, renunciando à condição exclusivamente teórica de sua investigação e ressaltando as lições existenciais transmitidas através da historicidade individual de cada sujeito. Assim, considera-se a verdade não como uma busca meramente teórica e especulativa, mas como a tradução de uma simbiose da razão e da emoção do sujeito humano em busca da felicidade (SOUZA FILHO, 1998). Essa busca da felicidade é ressaltada desde Aristóteles (2010) quando este diz que o bem viver e o bem agir equivalem a ser feliz e que as atividades virtuosas constituem a felicidade, que, por sua vez, deve ser buscada por todos, sábios e vulgos. Ele determina a felicidade como o propósito da conduta humana, e afirma que sua condição está nas virtudes, que devem ser buscadas a todo instante. A moral, do latim Moralia, é a consumação prática da ética. Abbagnano (2007) refere-se a ela como sendo o objeto da ética, a conduta dirigida ou disciplinada por normas. Enquanto adjetivo, tem dois significados: o primeiro é atinente à doutrina ética, o segundo é atinente à conduta e, portanto, suscetível de avaliação moral, especialmente de avaliação moral positiva. Souza Filho (1998) conceitua o fenômeno moral como um dado empírico que pode ser observável no comportamento humano: a ética positivada na ação humana concreta. Segundo o autor, a moral seria empírica porque o fato individual ou social pode ser observado, já que é impossível observar o fenômeno ético enquanto está sendo processado no indivíduo. Dada a interiorização psicológica e subjetiva da ética, o que se pode ver é a moralidade, sua prática exterior, o comportamento concreto. 19 A moral, como fato de vida individual ou social, é bem mais dinâmica do que a ética, que, por sua vez, é mais estática e conservadora. A moral se modifica e se altera com mais facilidade dada a sua exterioridade e superficialidade. A ética é mais resistente às mudanças por ser um conjunto de valores, ideias e princípios sobre os quais o homem reflete para pensar a ação feliz e segura (SOUZA FILHO, 1998). Segundo Abbagnano (2007), a moral é a adaptação progressiva do homem às suas condições de vida. O que o indivíduo enxerga como dever ou obrigação moral é resultado de experiências repetidas e acumuladas através de inúmeras gerações, é o ensinamento que essas experiências propiciaram ao homem em sua tentativa de adaptar-se cada vez mais às suas condições vitais. Assim, percebe-se que o fenômeno moral é plural, especialmente nas sociedades nas quais as imagens religiosas e filosóficas do mundo deixaram de funcionar socialmente como vínculo de coesão e, portanto, de fundamentar objetivamente conteúdos morais. Os ideais de felicidade pertencem à dimensão da moral e também são plurais, pois os homens e as gerações são diferentes e esboçam ideais diferentes de vida boa (CORTINA, 2010). As normas de conduta, além de plurais, são sociais, ou seja, precisam ser discutidas no interior da sociedade. “Uma norma pode ser considerada moralmente correta quando todos os afetados por ela estiverem dispostos a assumir as consequências de sua entrada em vigor, depois de um diálogo celebrado em condições de simetria” (CORTINA, 2010, p. 82). A relação entre o indivíduo e a sociedade é de benefício mútuo porque as comunidades necessitam da contribuição de seus membros para sobreviver e progredir. A base sobre a qual a sociedade pode sobreviver é o fortalecimento do seu caráter comunitário, caráter este que só se estabelecerá se os indivíduos encarnarem determinados hábitos, necessários para desempenhar seu papel na comunidade em que serão reunidos em torno de uma ideia comum de bem. Esses hábitos a serem desempenhados são chamados de virtudes, e já desde a Grécia antiga são exaltados. As virtudes se dividem em intelectuais e morais. As virtudes intelectuais devem sua geração e crescimento ao ensino e, por isso, requerem experiência e tempo, enquanto as virtudes morais são adquiridas em resultado do hábito. A sabedoria filosófica, a compreensão e a sabedoria prática são 20 exemplos de virtudes intelectuais; a liberalidade e a temperança são virtudesmorais. Segundo Aristóteles (2010), as ações belas e justas admitem grande variedade e flutuações de opinião e considera-se que elas existam apenas por convenção, e não por natureza. Algumas virtudes podem ser para muitas pessoas até prejudiciais, já que está na natureza delas serem destruídas pela deficiência ou pelo excesso, devendo-se sempre buscar um meio-termo. Segundo Comparato (2006), o fundamento de toda vida ética é a dignidade da pessoa humana, de onde decorrem normas universais de comportamento que representam a expressão desta dignidade em todos os tempos e lugares, tendo como objetivo preservá-la. Essas normas universais são chamadas de princípios éticos e nos obrigam a agir em função do objetivo final que dá sentido à vida humana, e não de um interesse puramente subjetivo que não compartilhamos com a comunidade. Os princípios éticos são normas objetivas, sempre relacionadas a virtudes subjetivas. Os princípios se fundam no paradigma supremo de toda vida social que é a dignidade da pessoa humana e sua classificação obedece à ordem de abrangência a partir daquele modelo supremo. Os bens supremos verdade, justiça e amor atuam em todas as dimensões da pessoa humana e se desdobram nos princípios de liberdade, igualdade, segurança e solidariedade. O primeiro dos bens supremos é a verdade. Sobre ela há duas concepções básicas, quais sejam: a grega e a semítica. Para a filosofia grega, a verdade é a correspondência intrínseca do pensamento com a realidade pensada. Já para a concepção semítica, a verdade está ligada à vida ética e, portanto, verdadeiro seria o que inspira confiança e fidelidade. A justiça, por sua vez, consiste em dar a cada um o que lhe é devido, é não fazer aos outros o que não queremos que eles nos façam. O homem justo seria aquele que, além de não cometer injustiças, pratica ações justas. Por fim, o terceiro dos bens supremos, que é o amor, traduz-se numa doação completa e sem reservas não só das coisas que nos pertencem, mas da nossa própria pessoa. O amor tem duas características principais: uma estreita união pessoal e um impulso irreprimível em direção ao absoluto (COMPARATO, 2006). 21 O autor continua seu pensamento dizendo que a verdade, a justiça e o amor especificam-se nos quatro princípios complementares que devem ser aplicados e interpretados à luz dos princípios que os englobam. O primeiro princípio é a liberdade. Inicialmente as forças sobrenaturais decidiam o destino da vida humana. Na Grécia, o homem era livre em relação a outros povos, mas não em relação à polis e somente na modernidade a liberdade foi afirmada como uma defesa da vida intima ou particular contra a devida interferência dos poderes constituídos, sejam políticos ou religiosos. A igualdade, segundo princípio, é a própria essência da justiça. Segundo esse princípio, os seres humanos são naturalmente diferentes quanto ao seu fenótipo étnico ou à sua conformação sexual, mas nenhuma dessas diferenças deveria implicar uma posição de desigualdade social. No entanto, é com base nelas que, desde sempre, uns se consideram superiores a outros. O principio da segurança sustenta que a primeira e mais elementar razão da existência da sociedade política é a necessidade de garantir a todos um habitat coletivo que lhes assegure uma proteção contra os riscos de fome, falta de abrigo contra as intempéries, assédio de outros grupos humanos e estabelecimento de condições institucionais necessárias à realização dos grandes valores espirituais do belo, do justo, do amorável. A solidariedade é, por fim, o fecho do sistema dos princípios éticos, pois complementa a liberdade, a igualdade e a segurança. Enquanto a liberdade e a igualdade põem as pessoas umas diante das outras, a solidariedade as reúne, todas, no seio de uma mesma comunidade. Como temos visto, a ética reflete acerca de princípios, doutrinas ou situações teóricas visando tornar perfeita a boa ação moral. É a partir desse refletir que o proceder ético deduz logicamente normas ideais do bem agir. Assim, tendo conhecimento de determinadas normas éticas indicativas de um caminho ideal, o sujeito moral refletirá sobre sua correção e razoabilidade para, em seguida, determinar se assumirá ou não a conduta normatizada. Esse comportamento, objetivado como prática moral, será tolerado externamente se não for antissocial ou 22 egoístico, e somente após o controle do grupo receberá a resposta subjetiva do agente, fazendo-o se sentir feliz e realizado ou arrependido (SOUZA FILHO, 1998). Antes de praticar uma ação o indivíduo a submete a três formas de controle: o de sua própria consciência, que seria a ética individual; em seguida ao controle da família, perante o qual o indivíduo reflete sobre a reação que poderia advir de seu ato por parte de sua família; e, por fim, o controle da sociedade, que traduz a reflexão do sujeito sobre a repercussão de seu comportamento no seio da sociedade e de suas leis (ARISTÓTELES, 2010). Segundo Souza Filho (1998), a norma ética está inscrita na consciência do homem e, se ele a transgride, sofrerá uma sansão subjetiva, interna, sob a forma de arrependimento e remorso. Já a sansão moral, diferentemente da sansão ética, é externa e objetiva, traduzida pela aprovação ou reprovação do grupo ao comportamento materializado. A sociedade tem interesse efetivo em padrões comportamentais que assegurem a paz e o equilíbrio da vida grupal e de suas instituições fundamentais. Por isso, através do Estado e de seus Poderes Políticos, institucionaliza normas obrigatórias de conduta, em defesa das quais emprega a própria força física em prol de seu cumprimento. Esse conjunto de normas impostas aos cidadãos constitui a chamada Ordem Jurídica, que expressa a vontade e os interesses dos grupos que efetivamente controlam a vida social. Quando nascemos já encontramos um mundo feito e definido: uma sociedade real que não ajudamos a construir, com suas contradições, mazelas e vantagens; uma economia estabelecida; uma organização sociopolítica; uma concepção de ciência e arte; e também uma ética oficial imposta aos indivíduos. Da mesma forma que a mãe vacina o bebê recém-nascido contra algumas doenças que podem comprometer a saúde do seu filho, a sociedade, através de suas agências institucionais de controle, também administra na criança algumas “vacinas éticas” destinadas à preparação de um comportamento social eficaz e estável (SOUZA FILHO, 1998). A maneira como esses conceitos morais se desenvolvem no individuo é tópico de grande interesse para a filosofia, para a psicologia, para a sociologia e para a educação. Como é que o ser humano transforma-se numa pessoa que respeita os outros e a sociedade se nasceu uma criança sem princípios morais? 23 Na psicologia, diversas correntes teóricas têm abordado a moralidade sob diferentes aspectos. Sigmund Freud, fundador da psicanálise, explica a origem da moralidade através do “Complexo de Édipo”, no qual a criança, para livrar-se da ansiedade causada pelos desejos em relação ao pai ou a mãe, imagina-se no lugar dele/dela e incorpora as regras a partir da proibição do incesto, generalizando para outras regras morais da sociedade. Psicólogos behavioristas, por sua vez, consideram a moralidade como um fenômeno de resistência à extinção. A criança é punida tantas vezes por um comportamento indesejável, que a punição torna-se desnecessária e o comportamento desaparece mesmo na ausência da punição, o mesmo acontecendo com o comportamento desejável, que é reforçado positivamente até se estabelecer (BIAGGIO, 2006). Tanto para a psicanálise quanto para o behaviorismo, a moral parece ser algo que vem de fora, da sociedade, e que é internalizado pelo indivíduo. Somente com o construtivismo de Jean Piaget e com o enfoque cognitivo-evolutivo de Lawrence Kohlberg é que apareceo papel do sujeito humano como agente do processo moral. Esses autores focalizam não tanto o sentimento de culpa ou o real comportamento moral, mas o julgamento moral, o conhecimento do certo e do errado, o que a pessoa acha ou julga como certo ou errado (BIAGGIO, 2006). Piaget dedicou sua obra à investigação de como se processa o desenvolvimento cognitivo e como evoluem o pensamento e o conhecimento. Sua perspectiva construtivista fala da interação entre estruturas cognitivas, biologicamente determinadas, e a estimulação ambiental. Ele identificou estágios universais pelos quais evolui o desenvolvimento cognitivo e o julgamento moral, numa sequência invariante. Sua teoria foi embasada na observação do comportamento de crianças em relação a regras de jogo de bolinhas de gude (para meninos) e de amarelinha (para meninas). No primeiro estágio do julgamento moral não existem propriamente regras, as crianças estão em uma fase de exercícios sensório-motores. No segundo estágio o jogo é egocêntrico, porém há uma atitude de respeito unilateral da regra e das autoridades que a criaram. No terceiro estágio há uma cooperação nascente e as crianças começam a compreender a necessidade da existência de regras para que haja um respeito mútuo e o bom funcionamento do jogo. No último estágio ocorre a codificação das regras, assim como uma 24 compreensão da natureza arbitrária e convencional de certas regras do jogo (GALLEGO, 2006). Ainda segundo a teoria de Piaget, no princípio da vida a criança é egocêntrica, o que significa uma não diferenciação do eu com o mundo exterior e uma falta de cooperação. A criança egocêntrica parte da ideia de que só ela existe, mas logo com as primeiras coações e recompensas dos pais, ela vai se dando conta da existência do outro. A partir da relação afetiva e de respeito entre pais e filhos, a criança aceita seus valores como corretos e os adota como lei. Mais tarde, quando a criança amplia seu circulo de relações, passando a conviver com outras crianças ou mesmo supondo os pais como iguais, passa a questionar seus valores a caminho da moral da cooperação. Essas morais se sucedem, sem, contudo, constituir estágios propriamente ditos. Inicialmente a coação moral do adulto sobre a criança resulta na heteronomia e, consequentemente, no realismo moral. A seguir vem a cooperação que resulta na autonomia, no entanto, entre os dois há uma fase de interiorização e de generalização das regras e das ordens (GALLEGO, 2006). Lawrence Kohlberg baseou-se nas ideias de Piaget, aprofundando o estudo do desenvolvimento da moral. Para ele, assim como para Piaget, a sequência de estágios por que a pessoa passa é invariante, isto é, todas as pessoas de todas as culturas passam pela mesma sequência de estágios, na mesma ordem, embora nem todas atinjam os estágios mais elevados. Os seis estágios do desenvolvimento moral de Kohlberg estão incluídos em três níveis: o pré-convencional (estágios 1 e 2), o convencional (estágios 3 e 4) e o pós-convencional (estágios 5 e 6). O nível pré-convencional é característico da maioria das crianças com menos de 9 anos de idade, de alguns adolescentes e de muitos criminosos adolescentes e adultos. O nível convencional é o da maioria dos adolescentes e adultos. O nível pós-convencional é alcançado por uma minoria de adultos (em torno de 5%), geralmente depois dos 20 a 25 anos. A avaliação do estágio predominante de julgamento moral é feita por meio de análise de respostas a dilemas morais, dos quais o mais conhecido é o dilema de Heinz - o marido que rouba um remédio para salvar a vida da mulher doente (BIAGGIO, 2006). O nível pré-convencional tem dois estágios. O primeiro é o da “orientação para a punição e a obediência”, e nele a moralidade de um ato é definida em termos 25 de suas consequências físicas para o agente. Se a ação é punida, está moralmente errada; se não é punida está moralmente correta. O segundo estágio é o “hedonismo instrumental relativista”, no qual a ação moralmente correta é definida nos termos do prazer ou da satisfação das necessidades da pessoa - a igualdade e a reciprocidade emergem como “olho por olho, dente por dente” (BIAGGIO, 2006) O nível convencional também comporta dois estágios. O estágio da “moralidade do bom garoto, da aprovação social e relações interpessoais” mostra que o comportamento moralmente certo é o que leva à aprovação dos outros. É a moralidade de conformismos a estereótipos. No quarto estágio, o da “orientação para a lei e a ordem”, há um grande respeito pela autoridade, por regras fixas e pela manutenção da ordem social. A justiça está relacionada com a ordem social estabelecida, não é uma questão de escolha pessoal moral (BIAGGIO, 2006) No nível pós-convencional estão os dois últimos estágios. No estágio da “orientação para o contrato social”, as leis não são mais consideradas válidas pelo mero fato de serem leis. O indivíduo admite que as leis ou costumes morais podem ser injustos e podem ser mudados, e a mudança é buscada por meio dos canais legais e dos contratos democráticos. O último estágio é o dos “princípios universais de consciência” e nele o individuo reconhece os princípios morais universais da consciência individual e age de acordo com eles. Se as leis injustas não puderem ser modificadas pelos canais democráticos legais, o individuo ainda assim resiste a elas. É a moralidade dos mártires e revolucionários pacifistas (BIAGGIO, 2006). Figura 1 Modelo de desenvolvimento pessoal Fonte: Do Autor (2012, baseado em BIAGGIO, 2006). 26 Duas décadas depois, partindo da teoria de Kohlberg, Petrick e Wagley (1992) criaram um modelo de desenvolvimento moral aplicado às organizações que segue os mesmos princípios subjacentes ao modelo original e que também é baseado em três estágios e seis níveis morais. É importante salientar que o modelo de Kohlberg preocupa-se com o julgamento moral dos indivíduos (em termos de raciocínio e cognição), enquanto o de Petrick e Wagley preocupa-se com a cultura moral que predomina em uma organização através dos comportamentos morais mais frequentes emitidos pelos indivíduos que nela atuam. O primeiro estágio no Modelo de Desenvolvimento Moral Organizacional é denominado sobrevivência maquiavélica, pois o ambiente de trabalho caracteriza-se pela troca de favores e pela manipulação para atingir objetivos pessoais, e não os institucionais. Esse estágio é composto por dois níveis. O primeiro é denominado “darwinismo social”, pois o receio da extinção e a urgência de sobreviver financeiramente ditam a conduta moral da instituição e o emprego direto da força é a norma aceita para obter os resultados pessoais esperados. O segundo nível deste estágio é denominado “maquiavelismo”, pois os ganhos da organização guiam suas ações. O segundo estágio é denominado autoridade e conformidade, pois há, na organização, respeito pela autoridade e conformação aos padrões sociais predominantes. O primeiro nível desse estágio é o da “conformidade”, pois há uma tradição de procedimentos operacionais padronizados e a pressão dos pares para aderir às normas sociais dita o que é comportamento certo ou errado. A burocracia e o paternalismo são procedimentos comuns nesse nível. O quarto nível é o da “lealdade para com a autoridade”, pois as direções de uma autoridade legítima denominam os padrões morais da organização. O estágio mais elevado de desenvolvimento moral é denominado organização e integridade, pois a participação na tomada de decisões e a confiança nas regras da maioria se tornam padrões morais da organização. Esse estágio compõe-se dos dois últimos níveis. O quinto é o da “participação democrática”, pois há, na organização, grande tolerância para a diversidade que se integra no esforço de integração dialética. Neste nível, o voto individual da maioriadetermina políticas e procedimentos. O ultimo nível é o da “integridade baseada em princípios”, pois a 27 justiça e os direitos individuais são os ideais morais. O julgamento equilibrado entre interesses conflitivos forma o caráter da organização, o que, por seu turno, determina os comportamentos corretos ou incorretos (PETRICK e WAGLEY, 1992). Figura 2 Modelo de desenvolvimento moral organizacional Fonte: Do Autor (2012, baseado em PETRICK e WAGLEY, 1982) Como pôde ser percebido, a moralidade é construída na sociedade e à ela serve através da manutenção dos contratos sociais, enquanto a ética tenta acompanhar as mudanças daquela. A moralidade não é imposta ao indivíduo. Pais, professores, orientadores espirituais, lideres comunitários e políticos apenas fornecerão a base sob a qual o julgamento moral individual se construirá. Esse comportamento moral, por sua vez, apresentar-se-á nos mais diversos contextos, como familiar, escolar e profissional, tendo, em cada um deles, suas especificidades. Deste modo, é importante observar que na moral e na ética, juntas ou separadas, o refletir sobre o fazer antes de fazer é procedimento que harmoniza o movimento interpessoal das convivências humanas. Ao tempo em que os indivíduos ficam em paz com suas consciências, nas organizações e instituições elas estariam a serviço do bem estar da sociedade, promovendo um ambiente de solidariedade, honestidade e justiça. A compreensão do comportamento ético de organizações e das sociedades remete o leitor a uma breve análise da cultura dos povos. Assim, na seção seguinte serão abordados aspectos da cultura brasileira e do comportamento ético organizacional na administração pública. 28 2.2 Cultura brasileira e comportamento ético organizacional na administração pública O estudo das organizações públicas pressupõe o estudo da administração pública, sua estrutura e suas atividades. O Estado é constituído por três elementos originários e indissociáveis: o povo (seu componente humano); o território (sua base fixa); e o governo (o elemento condutor que detém e exerce o poder absoluto de autodeterminação e auto- organização emanado do povo). A vontade estatal apresenta-se e manifesta-se através dos poderes do Estado, que são o Executivo, Legislativo e Judiciário, independentes e harmônicos entre si. Cada um dos poderes tem suas funções precípuas, mas todos têm necessidade de praticar atos administrativos (MEIRELLES, 2005). Segundo o autor, administrar seria gerir interesses, segundo a lei, a moral, e a finalidade dos bens entregues à guarda e conservação alheias. Se os bens e interesses geridos são individuais, realiza-se a administração particular; se são da coletividade, realiza-se administração pública. Administração pública, portanto, é a gestão de bens e interesses qualificados da comunidade no âmbito federal, estadual ou municipal, segundo os preceitos do direito e da moral, visando o bem comum (MEIRELLES, 2005, p. 84). A administração pública estrutura-se legalmente através de entidades e órgãos que irão desempenhar funções através dos agentes públicos (pessoas físicas), visando a satisfação das necessidades coletivas. O fim último da administração é a defesa do interesse público, consubstanciada nas aspirações ou vantagens licitamente almejadas por toda a comunidade administrada ou por uma parte expressiva de seus membros. Cabe ao administrador público a obrigação de cumprir fielmente os preceitos do direito e da moral administrativa que regem a sua atuação. Os princípios básicos da administração pública estão pautados em doze regras de observância permanente e obrigatória para o bom administrador: legalidade, moralidade, impessoalidade ou finalidade, publicidade, eficiência, razoabilidade, proporcionalidade, ampla defesa, contraditório, segurança jurídica, motivação e supremacia do interesse público (MEIRELLES, 2005). 29 Tanto a administração pública quanto a administração particular são formadas por organizações. As organizações são definidas por Srour (2005, p.140) como “coletividades especializadas na produção de um determinado bem ou serviço, combinando agentes sociais e recursos, de forma a economizar esforços e tornar seu uso eficiente”. Comumente as organizações são confundidas com as instituições, no entanto, estas são definidas, pelo mesmo autor, como organizações ou agrupamentos sociais dotados de certa estabilidade estrutural, que adquiriram prestígio e tradição ao longo dos anos, mas o termo pode remeter também a um complexo consagrado de normas, estribado em valores duradouros. O indivíduo nasce, educa-se, trabalha e passa a vida ligado a organizações e instituições. As relações que estruturam as organizações são relações coletivas que abrangem e conectam os indivíduos. As relações coletivas são singularidades históricas que se inscrevem num plano institucional e se distinguem das relações interpessoais por serem associativas e mediadas por meios de produção. As organizações formam um espaço em que agentes sociais, munidos de instrumentos de trabalho, processam matérias primas e as transformam em produtos finais. As relações coletivas não se limitam às relações de produção, incluem também relações de poder e relações de saber, de maneira que as organizações põem em jogo uma teia complexa de relações, tais como as formadas entre patrões e empregados (relações de produção), chefes e subordinados (relações de poder) e peritos e práticos (relações de saber) (SROUR, 2005). Para entender a substância empírica das coletividades, deve-se lembrar que os participantes da organização, além de representarem suas próprias organizações, são portadores de vários estatutos, como classe social e categorias sociais, incluindo-se nestas gênero, raça, etnia, geração, religião, preferência sexual, estado civil, entre outros, e são também representantes de uma cultura nacional, regional, local e organizacional. Assim, os valores que os indivíduos têm ao ingressar no mundo do trabalho influenciam definitivamente suas ações, podendo refletir no seu nível geral de produtividade. Sabendo que existe uma relação direta entre a performance de uma organização e sua cultura, e que esta cultura organizacional carrega muito da nossa cultura nacional, faz-se necessário conhecer um pouco das nossas raízes culturais, para melhor entender a cultura organizacional. 30 A cultura brasileira começou a ser formada há mais de 500 anos, quando portugueses e espanhóis começaram a manifestar o desejo de explorar as terras além-mar. No Brasil houveram vários conflitos, sendo o primeiro deles entre os europeus e os índios. Esse conflito se deu em vários níveis. No nível biológico ocorreu através de uma guerra bacteriológica travada pelas pestes que o branco trazia no corpo e que eram mortais para a população indígena. No ecológico, pela disputa do território, de suas matas e riquezas para outros usos. No econômico e social, pela escravização do índio e pela mercantilização das relações de produção, fato que articulou o novo mundo ao velho mundo europeu como provedor de gêneros exóticos e ouro. No plano étnico-cultural, com a gestação de uma etnia nova, que foi unificando na língua e nos costumes os índios desengajados de seu viver gentílico, os negros trazidos da África e os europeus aqui querenciados (RIBEIRO, 2000). Segundo Holanda, (1995, p. 31) a tentativa de implantação da cultura europeia no extenso território, dotado de condições naturais, se não adversas, largamente estranhas à sua tradição milenar, é, nas origens da sociedade brasileira, o fato dominante e mais rico em consequências. Trazendo de países distantes nossas formas de convívio, nossas instituições, nossas ideias, e timbrando em manter tudo isso em ambiente muitas vezes desfavorável e hostil, somos ainda hoje uns desterradosem nossa terra. As raças que se juntaram no Brasil, quais sejam, a negra, a índia e a branca, os costumes e padrões de existência que foram incorporados, as condições ambientais e climáticas que exigiam longo período de adaptação, o espírito aventureiro dos portugueses que desejavam prosperidade sem custo, bem como posições e riquezas fáceis, formaram as notórias características da gente da nossa terra. Com traços fortemente rurais, as agregações e relações pessoais tinham como elementos distintivos uma acentuação enérgica do afetivo, do irracional, do passional e uma estagnação ou atrofia de qualidades ordenadoras, disciplinadoras, racionalizadoras. Devido a esses fatores presentes na época da colonização, nossa sociedade já nasceu personalista (HOLANDA, 1995). Segundo Darcy Ribeiro (2000), uma instituição social que possibilitou a formação do povo brasileiro foi o cunhadismo, velho uso indígena de incorporar 31 estranhos à sua comunidade, que consistia em dar-lhes uma indígena como esposa. Assim que o estranho assumisse a esposa, estabelecia, automaticamente, mil laços que o aparentavam com todos os membros do grupo. O recém-chegado contava com uma multidão de parentes que podia pôr a seu serviço, seja para seu conforto pessoal, seja para a produção de mercadorias. Para preservar seus interesses, ameaçados pelo cunhadismo generalizado, a coroa portuguesa pôs em execução o regime das donatarias. Quase todos os contemplados vieram tomar posse de suas terras com a função de povoá-las e fazê- las produzir, elevando a economia colonial a um novo patamar. Com a escassez de mulheres brancas para povoar as donatarias, a expansão do domínio português terra adentro, acabou sendo obra dos brasilíndios ou mamelucos. Gerados por pais brancos, a maioria deles lusitanos, sobre mulheres índias, dilataram o domínio português, exorbitando o Tratado das Tordesilhas, excedendo a tudo que se podia esperar (RIBEIRO, 2000) Segundo Vasconcellos (1996), nesse contexto de Brasil colonial, alguns fatores contribuíram para formar um poder local muito forte, transformando as donatarias, e posteriormente os municípios, em espaços efetivos de organização da vida política e social. Entre esses fatores, podem ser citados a distância da metrópole, a dificuldade no trato com o trabalho escravo e a resistência dos indígenas. Os municípios que iam surgindo eram administrados por um Senado da Câmara, constituído pelos chamados homens bons, que eram aqueles que detinham enormes extensões de terra ou eram altos funcionários da burocracia lusitana. Os homens bons eram ao mesmo tempo senhores de terras, políticos que detinham o poder nos municípios e oficiais de uma milícia muito poderosa, exercendo seu poder sobre um conjunto de pessoas sem condições de defesa, sobretudo os escravos. Assim, a ausência de limites e de noção do outro foram a marca do processo brasileiro de colonização. Toda a estrutura de nossa sociedade colonial foi alicerçada na família patriarcal, que forneceu o grande modelo por onde se calcaram na vida política as relações entre governantes e governados, entre monarcas e súditos. Uma lei moral inflexível, superior a todos os cálculos e vontades dos homens, regulou a boa harmonia do corpo social, sendo rigorosamente respeitada e cumprida. Com o 32 Império, na ausência de cidades consolidadas e, consequentemente, de uma burguesia urbana independente, os candidatos às funções criadas foram recrutados entre os indivíduos da mesma massa dos antigos senhores rurais, portadores de mentalidades e tendências características dessa classe. “Toda ordem administrativa do país, durante o Império e mesmo depois, já no regime republicano, há de comportar, por isso, elementos estreitamente vinculados ao velho sistema senhorial” (HOLANDA, 1995, p. 88). Segundo Sérgio Buarque de Holanda (1995), nesta sociedade onde imperou, desde tempos remotos, o tipo primitivo da família patriarcal, o desenvolvimento da urbanização acarretou um desequilíbrio social cujos efeitos permanecem vivos até hoje. Não foi fácil para os detentores das posições públicas de responsabilidade compreenderem a distinção fundamental entre os domínios do público e do privado. O núcleo familiar, esfera dos “contratos primários”, dos laços de sangue e de coração, forneceu o modelo obrigatório para as outras composições sociais, mesmo onde as instituições democráticas, fundadas em princípios neutros e abstratos, pretendiam assentar a sociedade em normas antiparticularistas. O “homem cordial”, típico brasileiro, mostra que permanece ativa e fecunda a influência ancestral dos padrões de convívio humano, formados no meio rural e patriarcal. Mesmo após a independência da colônia, seriam mantidas as mesmas instituições centrais sobre as quais se assentava a vida no Brasil: latifúndio, escravidão, monarquia. A república surgiu de uma aliança entre os detentores do poder local e as elites militares, chamados de coronéis. Ressalta-se que o homem simples do campo também chamava de coronel a todo chefe político importante, de tal forma que este nome passou a designar todos os políticos poderosos. Os elementos básicos da dominação coronelística eram afeto e violência, semelhante ao senhor de engenho. Este mesmo coronel e senhor de engenho transformou-se depois em empresário, levando para as unidades produtoras a mesma lógica gerencial que desenvolvera durante séculos em suas propriedades rurais. O coronel passou a ser o patrão e o escravo, o empregado. Assim o Brasil “urbanizou-se e enriqueceu, mas continuou portador do mesmo imaginário” (VASCONCELLOS, 1996, p. 228). 33 Roberto DaMatta (1986) corrobora este pensamento afirmando que nosso sistema foi tão fortemente marcado pelo trabalho escravo que as relações entre patrões e empregados ficaram definitivamente confundidas. Esta relação entre senhor e escravo não era apenas econômica, era também uma relação moral, da qual não só um tirava o trabalho do outro, mas era seu representante e dono perante a sociedade como um todo. Essa situação embebeu de tal modo as nossas concepções de trabalho e nossas relações que até hoje misturamos uma relação puramente econômica com laços pessoais de simpatia e amizade, o que confunde o empregado e permite ao patrão exercer duplo controle da situação. Segundo Freitas (2006), para bem entender as organizações brasileiras, devem ser entendidos os traços gerais de nossa cultura. Os traços brasileiros, características gerais comuns ou frequentes na maioria dos indivíduos, são parte do inconsciente de todos nós e formados historicamente, como pode ser percebido. A formação da sociedade brasileira foi híbrida, formada pelo “triângulo racial” entre brancos, negros e índios. Mais recentemente assimilamos culturas imigrantes diversas, no entanto, parece haver uma unidade orgânica, um núcleo central, durável, ainda que móvel, que pouco, ou muito lentamente, se modifica. Há traços brasileiros que são mais nitidamente influentes no âmbito organizacional, entre eles: hierarquia, personalismo, malandragem, sensualismo, aventura. O primeiro traço, a hierarquia, é reflexo do poder aristocrático e virtualmente ilimitado do patriarca e nos fornece a ideia da normalidade do poder, da respeitabilidade e da obediência irrestrita. A família patriarcal nos forneceu o grande modelo moral, quase inflexível, que regula as relações entre governantes e governados, definindo as normas de dominação e conferindo a centralização de poder nas mãos dos governantes e a subordinação aos governados. A frase “manda quem pode, obedece quem tem juízo” reflete um ângulo importante dessa cultura (PRATES e BARROS, 2006). Freitas (2006) nos mostra que o personalismo, reflexo da unidade básica que forma nossa sociedade, não é baseado no indivíduo, mas nas relações. A malha de relações estabelecidapor pessoas, famílias e grupos de parentes e amigos vale mais do que a figura do cidadão. Essa unidade básica baseada na relação ultrapassa a esfera social para contaminar as esferas política e jurídica. Assim, o 34 brasileiro sabe que ao ingressar em uma organização, por exemplo, deve logo arrumar um bom “padrinho”, que representará uma trilha rumo à rápida ascensão até o topo da organização. Calligaris (1991, p. 62) exemplifica as relações personalistas através do clientelismo tão presente também em nossa sociedade: o clientelismo local e familiar, ou seja, o fato esperado que um homem político ou um funcionário no poder devolva riqueza para sua cidade natal e para seu círculo familiar, não é tanto uma retribuição dos votos que lhe foram eventualmente acordados, nem o signo de seu amor para a terra natal e a família. O problema é que nesses lugares, mais do que em outros, o nosso político ou funcionário gostaria de encontrar o justo reconhecimento da dignidade do seu percurso e do seu cargo, e ele descobre que esta dignidade só será reconhecida a medida que ele a ilustre com uma prodigalidade que demonstre os seus recursos (CALLIGARIS 1991, p.62). Numa sociedade hierarquizada como a nossa, somos marcados pelas desigualdades e múltiplas gradações sociais. Esse tratamento não igualitário dos indivíduos possibilitou um modo de navegação social baseado nas relações, em laços de família e amizade. Assim, quando nos deparamos com leis ou situações universais e homogêneas que ignoram nossas personalidades, apelamos para relações e para a intimidade, buscando a invocação de algum ponto em comum que gere um mínimo de identificação pessoal, seja um time de futebol, seja uma cidade natal. No Brasil, entre o “pode” e o “não pode” buscamos um caminho intermediário no famoso “jeitinho”, que é o agir com sensibilidade, inteligência e simpatia para relacionar o pessoal e o impessoal. O malandro é o mestre na arte do “jeitinho” (FREITAS, 2006). DaMatta (1986, p. 95) ilustra da seguinte forma o “jeitinho” brasileiro: o dilema brasileiro reside numa trágica oscilação entre um esqueleto nacional feito de leis universais cujo sujeito era o indivíduo e situações onde cada qual se salvava e se despachava como podia, utilizando para isso o seu sistema de relações pessoais. Haveria assim, nessa colocação, um verdadeiro combate entre leis que devem valer para todos e relações que evidentemente só podem funcionar para quem as tem. O resultado é um sistema social dividido e até mesmo equilibrado entre duas unidades sociais básicas: o indivíduo (o sujeito das leis universais que modernizam a sociedade) e a pessoa (o sujeito das relações sociais, que conduz ao polo tradicional do sistema). Entre os dois o coração do brasileiro balança. E no meio dos dois a malandragem, o “jeitinho” e o famoso e antipático “você sabe com quem esta falando?” seriam modos de enfrentar essas contradições e paradoxos de modo tipicamente brasileiro. 35 Outro traço brasileiro, citado por Freitas (2006), é o sensualismo. Nos primórdios do Brasil havia escassez de gente e dificuldade na colonização com poucos recursos humanos. Com isso houve uma grande tolerância perante toda união que resultasse no aumento de gente, abrindo espaço para uma libertinagem total envolvendo negras e índias devido à falta de mulheres brancas. O reflexo destes comportamentos está nas nossas relações interpessoais, que além de serem afetivas e próximas, caminham nos limites de um sensualismo afetivo. Gostamos do contato próximo, da pele, das falas carinhosas, dos olhares atravessados. Esse sensualismo nas relações serve como modo de navegação social, como maneira de se obter o que deseja mais facilmente. A figura do aventureiro representa aquele que quer que seus esforços se dirijam a recompensas imediatas e fáceis. O português, e, por conseguinte, o brasileiro, admiram a vida de senhor, enquanto povos protestantes exaltam o esforço manual. O brasileiro busca limitar seu foco a perspectivas de proveito material que deem retorno em curto prazo e evitem o trabalho manual que está associado à desqualificação social (FREITAS, 2006). Holanda (1995, p. 155) relata: no trabalho não buscamos senão a própria satisfação, ele tem o seu fim em nós mesmos e não na obra: um finis operantis, não um finis operis. As atividades profissionais são, aqui, meros acidentes na vida dos indivíduos, ao oposto do que sucede entre outros povos, onde as próprias palavras que indicam semelhantes atividades podem adquirir acento quase religioso. Esses traços brasileiros formam algumas figuras presentes na sociedade e nas organizações. São elas: cunhados, coronéis, homens cordiais, malandros, jeitosos e despachantes. Segundo Machado (2008), essas imagens interiorizadas pelos indivíduos estão presentes no imaginário social e no imaginário organizacional, mas, como indivíduos ou como pessoas, não têm existência real nas organizações. Srour (2005) cita que a cultura brasileira formou dois códigos de conduta, duas morais que abrangem toda população. Estes códigos não se comunicam, pois guardam conteúdos qualitativamente distintos e opostos. O primeiro código é o da moral da integridade, que confronta um código de natureza altruísta e inclusiva, que orienta as pessoas a terem “caráter”, a serem decentes e “de bem”. Como primeira moral, oficial e pública, é ensinada nas escolas e igrejas. O segundo código é o da 36 moral do oportunismo, de natureza egoísta e excludente, que orienta as pessoas a serem malandras, a “levar vantagem em tudo”, sem se importar com as consequências sobre os outros. Como segunda moral, é difundida à boca pequena pelos íntimos e faz apologia à esperteza, justificando os muitos jeitinhos, as ações entre amigos, os arranjos paralegais e as práticas dissimuladas. A moral da integridade (idealista) e a moral do oportunismo (funcional) convivem às turras, e essa hibridez carrega um alto custo social. De um lado contribui para reforçar a generalizada desconfiança em relação aos “estranhos”, tornando as relações pessoais zona de refúgio; por outro lado, a ambivalência moral consolida a tradição de uma cultura cívica pouco desenvolvida, fruto da fragilidade institucional e da tímida cooperação coletiva. Essa duplicidade moral permite que costumes tipificados como imorais pelos cânones públicos da integridade sejam considerados socialmente aceitáveis do ponto de vista privado (SROUR, 2005). Ainda segundo Srour (2005), uma cultura é aprendida, transmitida e partilhada. Não decorre de uma herança biológica ou genética, mas resulta de uma aprendizagem socialmente condicionada. A cultura comporta um conjunto de padrões que permitem a adaptação dos agentes sociais à natureza e à sociedade em que vivem. Nas organizações, a cultura impregna todas as práticas e constitui um conjunto precioso de representações mentais, um complexo muito definido de saberes, especificando a identidade da organização. Freitas (2006), por sua vez, entende que culturas nacionais e regionais, assim como culturas organizacionais, são formadas por pressupostos básicos, artefatos visíveis e outros conjuntos simbólicos. Nas organizações, esses valores contribuiriam para criar parâmetros de como pensar, agir e sentir, por isso desempenham papel fundamental para o sucesso das mesmas. A cultura assume papel de destaque no comportamento das organizações à medida que influi no modo de vida, nos padrões e nos valores das pessoas que, durante a maior parte do tempo, se dedicam a elas e para onde transportam não apenas seus conhecimentos técnicos, como também todas as características de suas personalidades. A cultura organizacional na esfera pública possui peculiaridades promissoras de análise devido ao fato de ser organizada mediante um conjunto de regras de caráter impessoal – como em toda burocracia– o que, de 37 certa forma, delimita formalmente o espaço organizacional. A cultura organizacional burocrática caracteriza-se por ser um tipo de cultura hierarquizada, onde existem linhas claras de responsabilidade e autoridade, sendo o trabalho organizado e sistemático (SARAIVA, 2002). Segundo Silva e Fadul (2010), a produção científica brasileira que estuda a cultura organizacional em instituições públicas é baixa e não há continuidade na produção de pesquisas voltadas especificamente para estudos culturais neste tipo de organização. Os resultados da pesquisa feita por estes autores demonstram que o número de autores que estiveram envolvidos direta e simultaneamente nesta área, no período de 1997 a 2007 não passou de 15. Considerando a importância do tema, isso demonstra pouca sistematicidade e regularidade dos pesquisadores na construção de uma linha de pesquisa de referência e de continuidade para seus trabalhos, o que causa prejuízo para toda a comunidade acadêmica. Entre os estudos encontrados na área, está o Villardi, Ferraz e Dubeux (2011) com servidores do poder judiciário. No estudo, os autores encontraram a manifestação de traços culturais brasileiros inter-relacionados. O ambiente de trabalho citado é marcado por traços de autoritarismo, centralização, personalismo e centralização decisória, onde as hierarquias e fontes de poder formal são princípios aceitos e há um sentimento de conformidade com as diferenças. O estudo de Saraiva (2002) sobre cultura organizacional em ambiente burocrático mostrou, em linhas gerais, que o relacionamento entre funcionário e organização é de natureza complexa. Sob um prisma, a realidade atual não representa o que os funcionários gostariam que ela fosse, no entanto, há um temor generalizado do novo, do diverso do estabelecido nos manuais, por isso as organizações públicas precisam ter seus fenômenos observados com atenção específica, levando em consideração o ambiente e suas demandas peculiares. No referido estudo, os resultados mais significativos referem-se à natureza contraditória da organização pública. É inegável a existência da burocracia como fator de racionalidade predominante na organização analisada, o que acarreta toda uma série de atitudes voltadas à perpetuação dos processos existentes, condizente com a lógica de sistema fechado que os rege. Os servidores públicos percebem a necessidade de modificação da maneira pela qual as atividades vêm sendo 38 desempenhadas, de uma maior aproximação com o mercado e de maior agilidade na resposta às mudanças ambientais, mas, ainda assim, manifestam-se predominantemente de forma negativa quando a inovação é tratada, deixando claro que mudar é preciso, mas não de forma radical. A lógica burocrática do serviço público erigiu barreiras para a satisfação do cidadão difíceis de serem superadas, especialmente porque suas bases estão solidamente assentadas sobre a ignorância dos funcionários a respeito do seu próprio potencial de desenvolvimento e sobre o receio de trabalhar em um contexto flexível e sem a presença do manual que tudo prevê, tudo provê e tudo regula. Em organizações privadas encontramos o estudo de Hernández e Gómez (2009). Para os autores, a cultura organizacional relaciona-se, entre outros aspectos, com a prática de gestão de recursos humanos. A gerência de recursos humanos é um marco estratégico da cultura organizacional e ambas se influenciam. A prática de recursos humanos deve condizer com a cultura organizacional para ser efetiva e ter estabilidade ao longo do tempo. Além disso, essas práticas reforçam a cultura e a influenciam pela informação proporcionada e pelos comportamentos induzidos. Outro estudo ressalta a associação entre planejamento estratégico e cultura organizacional. Segundo Pereira e Kich (2009), a cultura e o planejamento estratégico estão intimamente relacionados, uma vez que se apoiam uma no outro, o que faz com que a execução do planejamento estratégico não encontre muitas dificuldades. Para a empresa em estudo, o alinhamento da estratégia com sua cultura, a definição e a divulgação clara de seus valores, assim como uma cultura voltada ao aprendizado e o pensamento estratégico de seus membros, foram fundamentais para a eficácia do seu planejamento estratégico. Ao mesmo tempo em que a cultura influencia o planejamento estratégico, visto que suas estratégias são formuladas sempre com base nos princípios da empresa, os quais são disseminados entre os funcionários para que estes busquem os mesmos objetivos, o planejamento estratégico também parece ter influenciado muito na cultura da empresa. Estes estudos mostram a importância da cultura organizacional no desempenho de uma organização, pois, ao influenciar o comportamento de seus funcionários e gestores, influenciará, por consequência, seu desempenho final. A 39 influência sobre os funcionários se dá em vários âmbitos, entre eles na escolha dos seus padrões éticos de comportamento profissional, que devido a sua grande importância para organização precisam de um estudo aprofundado. 2.3 Ética profissional e código de ética do servidor público Cada profissão traz consigo uma significação que representa o conhecimento categórico e específico de cada atividade do agir humano. Assim, a profissão traduz, em seus fundamentos doutrinários, um discurso específico e explicativo do mundo. A ética profissional, segundo esta visão, seria iniciada por uma introspecção a partir da qual o sujeito profissional se autoanalisa como conhecedor dos preceitos teóricos de seu ofício e depois como correto praticante de sua profissão. Segundo Souza Filho (1998, p. 61), “a ética profissional pode ser compreendida como uma reflexão pessoal do agente profissional buscando definir diretrizes lógicas e valorativas orientadoras de seu procedimento laboral.” Para o autor, é inegável a influência da ética, orientadora da vida pessoal, na diretriz que o indivíduo imprimirá à sua profissão. Os valores relativos à honestidade, solidariedade humana, fraternidade e fidelidade a seu cliente provirão, geralmente, da experiência ética e moral que o profissional já vivenciou como indivíduo. Essa prática profissional demonstra que o médico ou o advogado, por exemplo, necessitam compatibilizar suas condutas profissionais (morais) não apenas com a ideia pessoal que individualmente têm dos valores da profissão, mas com um código de normas estandardizadas e comprovadas pela prática social como sendo boas e eficazes. Esses códigos de normas são os Códigos de Ética regulamentadores das profissões. Para Souza Filho (1998 p. 70), o ato profissional é tão sério e relevante socialmente (pois compromete o conceito da profissão, a moral do profissional e o cliente), que hoje saiu do mero controle da consciência ética de cada sujeito para receber controle externo da própria sociedade, destinatária maior desses serviços (SOUZA FILHO 1998, p.70). Devido à sua importância, poucos assuntos têm sido tão discutidos nas empresas do mundo inteiro quanto a ética corporativa, que é vista como a 40 transparência nas relações e a preocupação com o impacto de suas atividades na sociedade. Esse tema, no entanto, tem se apresentado como muito complexo e pouco aprofundado. Durante o dia-a-dia da empresa podem acontecer diversas situações testando a ética de cada profissional, independente de sua função ou cargo, gerando, assim, conflitos éticos. Mas em que medida o comportamento ético pode influenciar nos resultados esperados por uma organização? Segundo Cohen (2003), se uma empresa assumir uma postura ética, seus funcionários consequentemente darão seu sangue por ela, os fornecedores se tornarão fortes parceiros estratégicos, os consumidores darão preferência a seus produtos e serviços, aceitando até mesmo pagar mais caro por eles, e a sociedade
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