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! “28 DIAS”: ANÁLISE CONTINGENCIAL DO AMBI- ENTE DE INTERNAÇÃO PARA O TRATAMENTO DE DEPENDÊNCIA QUÍMICA!! Alessandra de Cássia Araújo Fonseca Lledó! Consultório Particular!! Ana Karina C. R. de-Farias !59 Consultório Particular! Secretaria de Estado de Saúde do Distrito Federal! Instituto Brasiliense de Análise do Comportamento ! Gwen Cummings, protagonista interpretada por Sandra Bullock, é uma escritora envolvida em um ciclo social de badalações noturnas, no qual o uso abusivo do álcool está presente. A relação com o namorado Jasper (Dominic West) parece estar baseada em sexo e uso abusivo do álcool. Gwen apresenta comportamentos padrões do alcoolismo, tais como não se lembrar do que fez na noite anterior; fazer uso de álcool logo pela manhã e para se preparar para eventos sociais; consumir bebidas alcóolicas ao longo do trajeto que a leva a esses eventos (casamento da irmã, por exemplo); e não cumprir adequada- �240 E-mail: akdefarias@gmail.com 59 Título: 28 dias! Título original: 28 Days! Ano: 2000! Direção: Betty Thomas! Roteiro: Susannah Grant! Produção: Jenno Topping mente os compromissos familiares em decorrência do uso abusivo do álcool. O namorado parece influenci- ar a manutenção desses comporta- mentos, já que ele a acompanha, demonstrando repertório comporta- mental similar ao dela. ! A relação da protagonista com a irmã mais velha, Lily Cummings (Elizabeth Perkins), apresenta-se desgastada devido ao vício de Gwen. O vício e a falta de comprometimento parecem ter contribuído para a sua falta de credibilidade perante a família e para o afastamento afetivo entre ela e a irmã no decorrer da vida. Aparenta sentir-se mal por desapontar, mais uma vez, a irmã quando chega atrasada e alcoolizada ao seu casamento, e, por isso, toma o analgésico Vicodin misturado ao álcool para amenizar a sensação de mal-estar durante o evento. Ao longo do filme, o comportamento de tomar remédios mostra-se um hábito da protagonista para amenizar momentos des- confortáveis.! No decorrer da festa de casamento da irmã, Gwen não discrimina a ina- dequação de seus comportamentos junto com o namorado (ambos já se en- contram alcoolizados) e expõe a irmã, seu noivo e convidados a situações constrangedoras. Gwen acaba destruindo o bolo do casamento ao se jogar so- bre ele em uma manobra mal sucedida enquanto dançava com Jasper. Mais uma vez, depara-se com a frustração da irmã em virtude de seus comporta- mentos e tenta resolver o problema saindo sozinha para comprar outro bolo, pega a limusine do casamento e dirige, nitidamente embriagada, em busca de uma confeitaria, colocando sua vida e a de outras pessoas em risco. Por estar sob efeito do álcool, Gwen perde o controle do carro e arrebenta a varanda de uma casa. A vida sem limites da protagonista chega a um ponto extremo e, para não ir para a cadeia devido a esse episódio, ela se vê obrigada a fazer um tratamento de reabilitação, por um período de 28 dias em uma clínica de inter- nação.! A partir daí, o filme mostra a realidade de uma clínica que envolve várias operações estabelecedoras para o tratamento da dependência química. O que se pretende abordar no presente texto é como a realidade do contexto terapêu- tico da clínica de tratamento pode proporcionar a mudança comportamental e se, de fato, ocorre o estabelecimento e generalização de novos comportamen- tos de enfrentamento e prevenção de risco de recaída da dependência química no ambiente externo e cotidiano do indivíduo. Teremos como base os princípios �241 da Análise do Comportamento e, para facilitar o entendimento das análises, se- rão apresentados, em um primeiro momento, conceitos básicos da dependên- cia química e dessa abordagem psicológica.!! Dependência Química!! O crescente aumento no consumo de drogas lícitas e ilícitas tem sido tema de debates governamentais e sociais. O Relatório Mundial sobre Drogas d e 2 0 0 8 ( U N O D C , 2008 ) informou que o 60 Brasil tem cerca de 870 mil usuários de cocaína e que o consumo aumen- tou de 0,4% para 0,7% entre pessoas de 12 a 65 anos, no período entre 2001 e 2004, o que equi- vale a aumento de cerca de 75% dos usuários. O Brasil é o segundo maior mercado das Américas, com 870 mil usuários, atrás apenas dos Esta- dos Unidos, com cerca de seis milhões de con- sumidores (UNODC, 2008).! O consumo de maconha subiu de 1% para 2,6%, o maior aumento da América Latina no perío- do entre 2001 e 2005, cerca de 160% de acrés- cimo. A Organização das Nações Unidas (ONU) não dispõe de dados es- pecíficos sobre o ecs- �242 http://oglobo.globo.com/pais/arquivos/drogas_2008.pdf-www.unodc.org - http://www.unodc.org/do60 - cuments/southerncone//Topics_drugs/WDR/2010/WDR_2010_Referencias_ao_Brasil_e_Cone_- Sul.pdf ! tasy, mas o crescente número de apreensões realizadas no país indica tam- bém um crescimento do consumo (UNODC, 2008).! Entretanto, a droga psicoativa mais amplamente usada no mundo é o álcool. Nos Estados Unidos, 95 milhões ou 60% dos adultos (indivíduos com pelos menos 18 anos) bebem em algum grau e 7% dos adultos bebem diaria- mente. Aproximadamente, 26% das pessoas de 12 aos 17 anos de idade são classificadas como bebedores regulares. A taxa de mortalidade entre as pes- soas dependentes de álcool é 2,5 vezes maior que aquelas que não são de- pendentes (Washton & Zweben, 2009).! O álcool é uma droga que atua no Sistema Nervoso Central de forma depressora, altera as funções cerebrais que normalmente exercem os controles restritivos responsáveis por manter a inibição do comportamento social, pro- porcionando, assim, maior “liberdade aos impulsos”. Por isso, o usuário tende a sentir-se desinibido e relaxado. No entanto, o aumento da ingestão comprome- te comportamento cognitivo, discernimento, capacidade de raciocínio e de jul- gamento, instabilidade de humor, respiração, coordenação motora e sexualida- de (Washton & Zweben, 2009). ! A pesquisa mais recente sobre a prevalência da dependência de álcool no Brasil apontou que 17,1% entre os homens e 5,7% entre as mulheres apre- sentam a dependência dessa substância, o que representa 11,2% da popula- ção (Centro Brasileiro de Informações sobre Drogas Psicotrópicas, CEBRID, 2002). De acordo com o CEBRID, 19,1% da população já fez uso de maconha e cocaína, entre outras drogas ilegais, percentual que aumenta para 29% se for acrescido álcool e tabaco. A pesquisa aponta ainda que, no Brasil, 45,88% dos adolescentes entre 12 e 17 anos já experimentaram álcool, uma prática tão comum que chega a ser encarada com naturalidade. Geralmente, as famílias só começam a se preocupar quando o problema já está instalado. Talvez, a lici- tude do álcool e a aceitação social do consumo diminuam o interesse das auto- ridades em desenvolver pesquisas mais recentes sobre o uso abusivo dessa substância perante a complexidade do tráfico e das consequências públicas e políticas das outras drogas que estão invadindo o Brasil nos últimos anos. Ape- sar da aceitação social do consumo de bebida alcoólica, este consumo, quan- do em excesso, passa a trazer sérios problemas em longo prazo e, dependen- do da dose, frequência e circunstâncias de uso, pode causar um quadro de de- pendência conhecido como alcoolismo. O consumo inadequado do álcool é um fator relevante de saúde pública, acarretando altos custos para a sociedade e envolvendo questões médicas, psicológicas, profissionais e familiares (CE- BRID, 2003).! A questão da dependência química já foi vista de forma estereotipada pela sociedade, que considerava os usuários como impulsivos, não-confiáveis, resistentes ao tratamento e desmotivados à mudança. Eram estigmatizados �243 como portadores de transtornos de caráter e tidos como não-responsivos às intervenções psicoterapêuticas (Washton & Zweben, 2009). A maioria das defi- nições de adição a drogas ou dependência de substâncias inclui descrições em que o indivíduo não controla o uso de uma droga (uso compulsivo) e aponta vários sintomasou critérios que refletem a perda de controle sobre o consumo de drogas (Associação Americana de Psiquiatria, APA, 2002). Hoje em dia, as pesquisas se direcionam baseadas em conceitos psiquiátricos e da Psicologia Experimental, juntamente com a Neurobiologia, visando identificar elementos emocionais e biológicos que contribuem para alterar o equilíbrio do prazer e o estabelecimento da dependência (APA, 2002).! Segundo o Manual Diagnóstico e Estatístico das Doenças Mentais, em sua quarta edição revisada, DSM-IV-TR (APA, 2002), a dependência química é definida como um conjunto de sintomas cognitivos, comportamentais e fisioló- gicos, indicando que o indivíduo continua utilizando uma substância, apesar de problemas significativos relacionados a ela. A repetida autoadministração da substância resulta em tolerância, abstinência e comportamento compulsivo de consumo da droga. ! A tolerância caracteriza-se pela necessidade de quantidades progressi- vamente aumentadas da substância para atingir intoxicação ou o efeito deseja- do. O organismo demonstra uma habituação ao efeito da droga, ou seja, uma redução do efeito com o uso continuado da mesma quantidade da substância. Nos estágios mais avançados da dependência, o indivíduo começa a perder a tolerância e fica incapacitado com pequenas doses da substância (APA, 2002). ! A abstinência refere-se a sintomas físicos (tremor, sudorese, palpitações cardíacas, aumento de temperatura do corpo, náuseas, vômitos, confusão mental e convulsões) e psíquicos (“fissura” pela droga, ansiedade, sintomas depressivos, irritação, dificuldade de concentração e insônia) de desconforto frente à redução ou interrupção do consumo de drogas. Diante dos sintomas desagradáveis de abstinência, a pessoa tende a consumir a substância para aliviá-los ou evitá-los. Os sinais e sintomas de abstinência variam de acordo com a substância utilizada, sendo que álcool, opióides, sedativos, hipnóticos e ansiolíticos apresentam sinais acentuados e facilmente identificáveis de absti- nência. Vale ressaltar que nem a tolerância, nem a abstinência, são critérios necessários ou suficientes para um diagnóstico de dependência química. O Quadro 1 apresenta os critérios que devem ser satisfeitos para definir a depen- dência química, conforme o DSM-IV-TR (APA, 2002).!!!!!! �244 Quadro 1. Critérios para definição de dependência química, conforme o DSM-IV-TR (APA, 2002).!! Além do diagnóstico, é necessário o encaminhamento correto para o tra- tamento da dependência química. Existem várias possibilidades: tratamento medicamentoso com ou sem internação em hospital geral, psiquiátrico, comu- nidades terapêuticas ou clínicas especializadas; tratamento não medicamento- so com internação em fazendas de recuperação; tratamento não medicamen- toso a partir do ingresso em grupo de ajuda mútua (Alcóolicos Anônimos – AA – e Narcóticos Anônimos – NA); psicoterapias individuais ou de grupo; e, até mesmo, a cura através da fé religiosa. O nível de gravidade da dependência Critérios para Dependência de Substância Um padrão mal-adaptativo de uso de substância, levando a prejuízo ou sofrimento clinicamente significativo, manifestado por três (ou mais) dos seguintes critérios, ocorrendo a qualquer momento no mesmo período de 12 meses: (1) tolerância, definida por qualquer um dos seguintes aspectos: (a) uma necessidade de quantidades progressivamente maiores da substância para adquirir a intoxicação ou efeito desejado (b) acentuada redução do efeito com o uso continuado da mesma quantidade de substância (2) abstinência, manifestada por qualquer dos seguintes aspectos: (a) síndrome de abstinência característica para a substância (consultar os Critérios A e B dos conjuntos de critérios para Abstinência das substâncias específicas) (b) a mesma substância (ou uma substância estreitamente relacionada) é consumida para aliviar ou evitar sintomas de abstinência (3) a substância é freqüentemente consumida em maiores quantidades ou por um período mais longo do que o pretendido (4) existe um desejo persistente ou esforços mal-sucedidos no sentido de reduzir ou controlar o uso da substância (5) muito tempo é gasto em atividades necessárias para a obtenção da substância (por ex., consultas a múltiplos médicos ou fazer longas viagens de automóvel), na utilização da substância (por ex., fumar em grupo) ou na recuperação de seus efeitos (6) importantes atividades sociais, ocupacionais ou recreativas são abandonadas ou reduzidas em virtude do uso da substância (7) o uso da substância continua, apesar da consciência de ter um problema físico ou psicológico persistente ou recorrente que tende a ser causado ou exacerbado pela substância (por ex., uso atual de cocaína, embora o indivíduo reconheça que sua depressão é induzida por ela, ou consumo continuado de bebidas alcoólicas, embora o indivíduo reconheça que uma úlcera piorou pelo consumo do álcool) �245 química diagnosticado por profissional especializado definirá a escolha da me- lhor alternativa de tratamento (Edwards, 1995). ! Neste capítulo, vamos nos ater ao tratamento disponibilizado no filme, que pode ser caracterizado como o de clínica especializada de internação, na qual o indivíduo será submetido a uma avaliação diagnóstica clínica sócio-fami- liar e psiquiátrica, iniciada na fase de desintoxicação, que resultará na elabora- ção de um programa terapêutico específico para cada paciente. Após o diag- nóstico, a equipe abordará objetivamente com o paciente e a família o nível de dependência, as complicações em decorrência do abuso da(s) substância(s), as dificuldades familiares e outras questões que sejam relevantes ao tratamen- to baseado na abordagem terapêutica estabelecida pela clínica. No filme 28 dias, o modelo de tratamento é o Minessota, idealizado nos Estados Unidos, que segue a filosofia da programação dos 12 passos sugeridos pelos Alcoóli- cos Anônimos, interagindo com princípios da psicoterapia humanista, da psico- terapia comportamental e da psicoterapia baseada na confrontação da realida- de (Kadden & Cooney, 2009). Atualmente, esse modelo tem como fundamentos o crescimento da consciência espiritual, reconhecimento da responsabilidade sobre as escolhas pessoais e a aceitação da importância dos relacionamentos pessoais.! Como dito acima, o presente texto objetiva relacionar, brevemente, o en- foque analítico-comportamental ao tratamento da dependência química. Para que isso fique mais claro, é necessário abordar conceitos básicos dessa abor- dagem.!! Análise do Comportamento: Conceitos Básicos!! A Análise do Comportamento é uma ciência baseada na filosofia do Behaviorismo Radical, proposto por B. F. Skinner (1945/1988, 1953/1998, 1974/1982, 1981, 1989/2003). Defende-se que o comportamento humano é fru- to das interações organismo-ambiente, sendo ambiente entendido como qual- quer coisa que possa influenciar o comportamento. Desse modo, o conceito de ambiente é estendido em relação às demais teorias psicológicas e ao senso comum, e abarca estímulos internos e externos ao organismo que se comporta, podendo tais estímulos consistirem em fatores históricos e/ou atuais. Quando se fala em ambiente, portanto, está-se referindo à fisiologia, à história de vida individual do organismo, à cultura (i.e., às práticas compartilhadas pelo grupo do qual o indivíduo faz parte). Em outras palavras, sendo o comportamento se- lecionado a partir de suas interações com o meio, um analista do comporta- mento busca suas causas em três níveis de variação e seleção: filogenia, on- togenia e cultura (de-Farias, 2010; Marçal, 2010; Skinner, 1981).! �246 A filogenia refere-se à história de variação, seleção e reprodução de ca- racterísticas da espécie. Portanto, explica nossas características físicas, mas também algumas comportamentais. É responsável, dentre outras coisas, pela susceptibilidade aos condicionamentos respondente e operante (explicados abaixo), assim como pela susceptibilidadevariável às consequências do com- portamento, dependendo do estado atual do organismo. Em outras palavras, a filogênese nos prepara para aprender a interagir com um mundo que está em constante modificação e, como não poderia deixar de ser, esta interação envol- ve todo o organismo e o que se pode denominar “variáveis motivacionais” ou “operações estabelecedoras” (Baum, 1994/1999). ! No que se refere à capacidade de aprender a partir de sua interação única e direta com o ambiente (segundo nível de variação e seleção: ontoge- nia), podem-se apontar os conceitos de condicionamento respondente, condi- cionamento operante, modelação (ou aprendizagem por modelo), e, por fim, aprendizagem por regras. No condicionamento respondente, um estímulo ante- riormente neutro (i.e., que não elicia/produz a resposta sob análise), após uma história de emparelhamentos com um estímulo incondicionado ou já condicio- nado (i.e., um estímulo que já elicia determinada resposta) passa a eliciar a resposta em análise (Baum, 1994/1999; Catania, 1998/1999; Moreira & Medei- ros, 2007). Deste modo, a ingestão de álcool elicia, incondicionalmente, res- postas de salivação e prazer. Após diversos emparelhamentos entre o líquido ingerido e uma garrafa de cerveja, uma propaganda de whisky, ou a simples visão de alguém bebendo álcool, os estímulos que anteriormente não eliciavam respostas de “encher a boca d’água” (salivação e prazer) – ou seja, eram estí- mulos neutros para estas respostas – podem passar a funcionar como estímu- los condicionados e, agora, eliciam respostas condicionadas semelhantes (sali- vação e prazer). O organismo passa, então, a responder reflexamente a estí- mulos outros que não apenas o álcool (líquido) em si. ! O condicionamento operante, por sua vez, refere-se à aprendizagem pe- las consequências do comportamento. Quando um organismo emite uma res- posta que produz consequências, ou seja, uma resposta que modifica o meio, essas consequências alteram a probabilidade de emissão futura daquela res- posta. São denominadas consequências reforçadoras aquelas que aumentam a probabilidade das respostas que as produzem e, por sua vez, diminuem a probabilidade das respostas que as retiram do ambiente. Por outro lado, as consequências punidoras (ou estímulos aversivos) são aquelas que diminuem a probabilidade das respostas que as produzem e, também, aumentam a pro- babilidade das respostas que as retiram. No início do processo, as consequên- cias produzidas pelo álcool (desinibição, alegria, elogios por parte do grupo, embriaguez, etc.) são tidas como reforçadoras pelos usuários e, portanto, res- postas que as produzem (comprar ou pedir álcool, beber escondido, etc.) são �247 emitidas com alta frequência. Quando o indivíduo já se encontra dependente, sintomas de abstinência (tais como tremores e dores) funcionam como estímu- los aversivos ou punidores: respostas que produzem abstinência tendem a di- minuir de probabilidade, e respostas que retiram ou adiam os sintomas de abs- tinência (tais como beber escondido da família ou do terapeuta) tendem a au- mentar de probabilidade. ! A relação entre respostas e consequências ocorre em um contexto, e este contexto passa a fazer parte dos determinantes do comportamento . Diz-61 se, então, que existem estímulos que estabelecem ocasião para a consequen- ciação de uma resposta: na presença de determinados estímulos ou classe de estímulos (denominados discriminativos), a resposta é mais provável porque 62 a consequência, no passado, foi predominantemente liberada na presença e não na ausência destes estímulos. Um usuário de drogas tende a ingeri-las, inalá-las ou injetá-las na presença de determinados estímulos (pessoas, ambi- ente físico, sentimentos, pensamentos, etc.) e não na presença de outros estí- mulos. Os primeiros tornam-se, portanto, estímulos discriminativos que aumen- tam a probabilidade de emissão da resposta quando estão presentes. Para al- guns usuários, estar na companhia de amigos usuários (estímulos discriminati- vos) tende a aumentar a probabilidade de usar drogas, enquanto estar em fa- mília (estímulos delta) tende a diminuir esta probabilidade.! Para se entender mais claramente o condicionamento operante, precisa- se ter claro também o conceito de operações estabelecedoras, apontado aci- ma. Estas consistem em operações ambientais que alteram, momentamente, o valor de estímulos reforçadores ou punidores (efeito estabelecedor do reforço). Com isso, alteram, também momentamente, a probabilidade de respostas que produzem tais estímulos (efeito evocativo). Mecanismos de privação, saciação e estimulação aversiva são exemplos de operações estabelecedoras (da Cu- nha & Isidro-Marinho, 2005; Michael, 1993; Miguel, 2000). A privação de álcool altera o valor reforçador deste estímulo, tornando-o momentamente mais “po- deroso”, e aumentando a probabilidade de respostas que o produzam. Mesmo em tratamento, um indivíduo submetido a esta privação pode “sucumbir”, ou seja, a privação pode ter um efeito superior à “força de vontade” de um depen- dente.! O termo “força de vontade”, tão comum em reuniões e palestras para alcoolistas e demais dependentes químicos, está relacionado ao autocontrole. Nery e de-Farias (2010) definem autocontrole como um tipo de resposta em situação de escolha entre diferentes alternativas: “o indivíduo passa a controlar �248 A essa influência dos estímulos antecedentes sobre a probabilidade de respostas, dá-se o nome 61 de controle de estímulos. O conceito de classe de estímulos refere-se a um conjunto de estímulos com uma propriedade 62 física ou funcional em comum. parte de seu próprio comportamento quando uma resposta tem consequências que provocam conflitos” (p. 116). Nele, observa-se a escolha ou preferência pela alternativa de reforçamento maior atrasado, em detrimento da alternativa de reforço imediato, porém de menor magnitude (denominada alternativa de impulsividade).! “Libertar-se” da dependência química envolve escolher a alternativa de autocontrole, em detrimento da impulsividade, ou seja, não escolher as altera- ções fisiológicas, a companhia de amigos que usam a droga, a eliminação ou adiamento de sintomas de abstinência – acompanhadas de prazer e/ou alívio imediatos – produzidas pelo uso de drogas, pois estas consequências vêm acompanhadas de críticas, problemas de saúde, problemas legais, e outras possíveis perdas em médio e longo prazo. ! Até agora, falamos de condicionamento operante referindo-nos à expo- sição direta às contingências, ou seja, à modificação da probabilidade e topo- grafia de respostas devido às consequências diretas que elas produzem no meio. Entretanto, a probabilidade e a topografia de uma classe de respostas podem também ser alteradas, como dito anteriormente, por meio de modelação (aprendizagem por observação ou aprendizagem pelo modelo) ou por meio de regras. Na modelação, aprende-se sobre uma resposta ou sobre uma contin- gência observando-se o comportamento de outro organismo, que serve como modelo (Baldwin & Baldwin, 1989; Millenson, 1967/1976). Uma criança pode aprender que ingerir álcool é uma boa forma de se divertir e/ou aliviar o estres- se, observando o comportamento e as consequências produzidas pelo compor- tamento de seu pai alcoolista ou pelos atores de filmes e novelas, que parecem relaxar ao tomar um whisky. ! �249 Por fim, regras são estímulos que especificam verbalmente (descrevem) contingências ambientais (Baum, 1994/1999; Skinner, 1969/1984). São deno- minadas autorregras quando o falante (quem formula a regra) é seu próprio ouvinte (quem a segue). Pode-se começar a usar algum tipo de droga após a repetição de frases como: “você usa isso e os seus problemas desaparecem”, “isso aqui é muito legal. Você vai se divertir como nunca”, “para fazer parte desse grupo, tem que ser ‘pra frente’, divertido. Tem que experimentar” e/ou “quem não usa é um nerd”.! Portanto, pode-se aprender um comportamento (e.g., uso dedrogas) por exposição direta às contingências, modelação e/ou regras. Um terapeuta deve estar atento a todas as possíveis influências e formas de estabelecimento e manutenção de um repertório comportamental, para que suas intervenções se- jam eficazes. A seguir, serão apresentadas algumas características do trata- mento oferecido a Gwen.!! O Contexto de Tratamento da Clínica de Internação! Intervenções Terapêuticas! Logo na chegada à clínica, Gwen se depara com um grupo de autoaju- da, iniciando as atividades diárias com cânticos de motivação, e liga para o namorado, que aparenta estar em um lu- gar com amigos, fazendo uso de bebidas alcoólicas. Contudo, seu desabafo com o namorado é interrompido pela enfermei- ra Betty (Margo Martindale), nada simpá- tica, pois na instituição não é permitido o uso de celulares. Gwen começa, então, a ser exposta a uma série de regras e limites aos quais, inicialmente, não se submetia. Também é privada de materi- ais de uso pessoal que possam causar riscos à sua própria vida ou à de outros pacientes, inclusive suas pílulas para “dores nas costas”, das quais ela também aparenta ter desenvolvido dependência. ! Já na primeira noite de internação, a protagonista enfrenta o seu primei- ro desafio: passar por uma crise de abstinência em meio a vômitos, sudorese, tremores e com a presença das lembranças da rotina de badalações com o namorado e da mãe “divertida” e alcoolizada.! Gwen assume uma conduta debochada e irônica nesse primeiro contato com a realidade da clínica, resistindo aos cânticos, às outras técnicas terapêu- ticas propostas, às intervenções do monitor do tratamento, às regras, enfim, �250 aos limites impostos. O espectador tem, a todo momento, a sensação de que a protagonista age de forma a fugir de perceber-se como dependente química. Ela tenta burlar e infringir as regras, inclusive tenta manipular o comportamento do monitor da clínica, Cornell Shaw (Steve Buscemi), enquanto acreditava que ele era um paciente, para acessar drogas. Assim, sofre sua primeira advertên- cia e entra em contato com a contingência em operação: esse tipo de compor- tamento poderia produzir como consequência a expulsão da clínica e, portanto, sua ida para a cadeia. ! Em outros momentos do filme, Gwen tenta manipular o monitor para amenizar suas respostas de ansiedade com o uso de medicação, o que vai contra o modelo de tratamento seguido pela instituição, no qual o paciente deve manter-se em abstinência total de substâncias psicoativas e aprender a viver com a dependência como uma condição crônica. O monitor, por sua vez, aproveita para indicar como a satisfação instantânea das vontades de Gwen não auxiliou na resolução de problemas de sua vida, ao contrário, complica- ram-nos ainda mais. Dessa forma, o objetivo principal do tratamento retratado no filme é proporcionar o aprendizado do paciente em lidar com as contingên- cias externas sem a interferência do consumo de drogas, optando por estraté- gias de autocontrole, em detrimento da impulsividade. ! A proposta terapêutica da instituição envolve a convivência com outros dependentes, sessões de terapia em grupo e individual, solicitação de registros individuais diários (referentes a atividades, sentimentos, lembranças), exposi- ção a material bibliográfico sobre dependência química, palestras científicas, aulas didáticas e depoimentos (durante as sessões em grupo e palestras). Em termos analítico-comportamentais, pode-se afirmar que o tratamento visava atuar por meio de consequências diretas dos comportamentos emitidos pelos pacientes, assim como por modelação e apresentação de regras.! Uma ocasião terapêutica interessante é quando o grupo de apoio de Gwen é exposto à terapia equina, cujo objetivo é o de tentar proporcionar ao paciente a realização de uma análise funcional de como ele interage com o seu ambiente na resolução e enfretamento de situações adversas cotidianas. Nes- sa, o terapeuta dá as instruções e demonstra o que os pacientes deveriam fa- zer para obter a resposta desejada do cavalo, ou seja, os pacientes deveriam seguir o modelo do comportamento do terapeuta, assim como as regras por ele emitidas, como forma de aprendizagem. No entanto, os pacientes não conse- guem reproduzir o comportamento, e Gwen, especificamente, não reconhece que precisa de ajuda, mesmo diante da insistência do instrutor e das suas limi- tações aparentes, mantendo seu repertório comportamental de resolver as coi- sas sozinha, e não pedir nem aceitar ajuda. Nesse contexto terapêutico, ela não demonstra evolução comportamental. Em outra sessão com o cavalo, o instrutor – quando se vê diante da recorrência comportamental dos pacientes �251 com o cavalo, sem êxito na tarefa solicitada e, ainda assim, sem aceitarem aju- da ou experimentarem novos recursos comportamentais – define “insanidade” como repetir o mesmo comportamento diante de uma mesma situação espe- rando resultados diferentes. Isso poderia ser reinterpretado como insensibilida- de às contingências em vigor, ou seja, as contingências ambientais se modifi- cam, mas o comportamento emitido não entra em contato com essas mudan- ças. Em outras palavras, o comportamento não se altera na medida/direção em que as contingências se alteram (Catania, 1998/1999; Nico, 1999).! Essa insensibilidade começa a diminuir, dando lugar a um melhor conta- to com as contingências em vigor na instituição, após Gwen tentar pegar o Vi- codin que havia jogado fora, a fim de não ser flagrada pelos monitores. Ela cai da janela, machuca-se, e discrimina os riscos aos quais se expunha. Machuca- da, assustada, afirma ao monitor: !! (…) há algo de errado com minhas mãos (apresentam tremores, sintomas típi- cos de abstinência). Comigo. Que tipo de pessoa pularia da janela porque não consegue parar quieta? E ficar sozinha no quarto? Uma pessoa deveria ser capaz de ficar sozinha. As pessoas deveriam ser capazes de só respirar. Eu não consigo respirar. Acho que se eu for para a prisão desse jeito, vou morrer, e eu não quero morrer.! �252 ! Esse comportamento verbal autodiscriminativo parece ter contribuído para a inserção de Gwen nas atividades propostas pela clínica. !! A Convivência com Outros Dependentes Químicos: Enfrentando a Realidade do Vício! A protagonista divide o leito com uma adolescente, Andrea (Azura Skye), viciada em heroína e na novela “Santa Cruz”, a qual Gwen faz questão de dizer que não conhece, enfatizando sua “intelectualidade”. Apesar da pouca idade, Andrea aponta a contradição do discurso da colega de quarto: diante de tama- nha intelectualidade, ela não deveria estar internada em uma clínica de reabili- tação. ! A adolescente usa os doces para substituir e amenizar a sua necessida- de pela droga, o que incomoda Gwen inicialmente. Entretanto, ela aprende e adquire esse hábito para atenuar a ausência da nicotina, do álcool e até mes- mo da cafeína. Ao longo do filme, Andrea indica uma relação problemática com sua mãe e consigo mesma, apresenta comportamentos de autoflagelação, aparentando o que se denomina baixa autoestima. A protagonista, porém, ha- via estabelecido uma relação afetuosa com essa personagem, o que, prova- velmente, havia se tornado uma operação estabelecedora para a manutenção �253 do tratamento de ambas. Andrea finaliza sua participação no filme quando Gwen a encontra morta no banheiro por overdose, no dia que receberia alta e que foi homenageada por seus colegas de tratamento. Os pacientes da clínica acessam que a “só mais uma vez” (jargão usado pelos dependentes químicos em momentos de fissura na abstinência, quando querem usar a droga pela úl- tima vez) de Andrea a matou.! Eddie Boone (Viggo Mortensen), um ex-jogador de beisebol internado na clínica para tratar a compulsão por sexo e drogas, compulsão esta que pode ter arruinado a sua carreira e relações sociais, também tem papel fundamental no tratamento de Gwen. Além de ser o seu salvador quando ela cai da janela e machuca a perna,a convivência entre eles proporciona uma interação da qual emergirão outros reforçadores, tais como aprender a argumentar nas relações usando a assertividade; que ela pode ser uma mulher interessante e divertida sem a interferência do álcool; que outras pessoas também concordam com a maneira social de seguir a vida sem a influência do álcool e das drogas para enfrentar as adversidades; a importância de dividir suas dificuldades e poder aprender diante da experiência do outro; assumir seus erros e suas limitações e buscar ajuda para superar esses problemas e, principalmente, a grande lição que pode tirar dessa relação: pensar nas pequenas coisas que pode controlar em si quando achar que pode fracassar diante das imposições do ambiente e o fato de que as pessoas não gostam de alguns de seus comportamentos, mas que isso não significa que essas pessoas não gostem da pessoa que ela é.! Numa palestra do monitor Cornell, um dos colegas de Gwen demonstra ansiedade para saber quando ele estaria apto para se relacionar afetiva e se- xualmente com outra pessoa. O monitor sugere que arrumem uma planta e ten- tem mantê-la viva e saudável durante 1 ano; depois desse período, devem ad- quirir um animal de estimação e, se após 2 anos, a planta e o animal estiverem vivos, então, estarão preparados para namorar.! Nessas oportunidades de convivência e exposição com os outros de- pendentes, Gwen tem a possibilidade de experimentar as consequências de seus próprios comportamentos, como a hostilidade e ironia, quando os colegas reproduziam comportamentos como esses direcionados a ela. Isso pode facili- tar a mudança e manutenção de comportamentos tidos como socialmente ade- quados, evitando evocar nas pessoas os sentimentos desagradáveis que ela sentia nessas circunstâncias. Esse aspecto pode ficar evidente quando Gwen se dedica e mobiliza o grupo na realização da despedida de Andrea, antes de sua overdose. Ela também teve a oportunidade de aprender por observação de modelo, como no caso do colega de internação e do grupo de apoio.!! �254 A Influência das Relações Afetivas Inadequadas no Processo Te- rapêutico! Na primeira visita do namorado de Gwen, eles mantêm os comporta- mentos de exposição pública caindo no chão, quando ele aproveita para entre- gar a medicação inapropriada e proibida no contexto da clínica, mas que fora so- licitada por ela. Nessa ocasião, ela rea- firma seus sentimentos por ele. Os pa- cientes e suas visitas aparentam cons- trangimento ao observar essa conduta. Ele proporciona a fuga dela da clínica para fazerem sexo e usarem bebidas alcoólicas, quebrando as regras da insti- tuição. Ela retorna à clínica apresentan- do comportamentos de embriaguez. ! No dia seguinte, é repreendida pelo monitor, que a informa novamente da consequência para esses comporta- mentos: sua transferência para a ca- deia. Ela aparenta não discriminar a gravidade do comportamento que a le- vou para o tratamento, negando sua condição de dependência química, e emite uma série de repostas agressivas e de resistência ao acessar que a pos- sibilidade de ser transferida para a ca- deia é iminente. O monitor a ignora, res- saltando que as regras seriam seguidas. Ao demonstrar indignação e revolta, Gwen indica buscar o alívio dessa circunstância ingerindo a medicação proibi- da, trazida pelo namorado, mas aparenta se dar conta que, agindo dessa for- ma, ela confirma sua dependência não só pelo álcool, mas também por essa medicação. Assim, numa tentativa de autocontrole, joga a caixa da medicação pela janela do seu quarto e se dispõe a tomar banho, percebendo que voltou a apresentar os tremores nas mãos. Esse sintoma fica muito visível diante de sua dificuldade de confeccionar correntes de embalagens de chicletes. Nesse mo- mento, prefere o isolamento e se esquiva de participar da palestra com o seu monitor, na qual ele relata a sua experiência de adição às drogas e as adversi- dades encontradas por ele para superar esse problema. ! Enquanto isso, no quarto, Gwen se vê, mais uma vez, acometida pelo desconforto da possível abstinência e das lembranças dos eventos que envol- viam bebida. Numa tentativa frustrada de pegar a medicação, outrora jogada �255 pela janela, ela cai da árvore, machuca uma de suas pernas, o que a leva a usar tala e muletas. Essa é a circunstância referida anteriormente, na qual Ed- die Boone a socorre quando chega à clínica. A recomendação médica para tra- tar o machucado seria conviver com a dor, pois nesse contexto não poderia uti- lizar remédio. ! Diante desse cenário, Gwen percebe seu reflexo no vidro da enfermaria e demonstra discriminar sua condição física e emocional limitada frente à sua dependência química. Esse é o marco do filme para a protagonista compreen- der que precisa de ajuda para enfrentar o seu problema.! Gwen procura, então, o monitor para negociar a sua permanência na clínica, considerando admitir que suas condutas recentes foram inadequadas (pular da janela para pegar a medicação, por exemplo) e que necessita, de fato, de tratamento especializado para a dependência. Para tanto, alega que não pode ir para a cadeia, pois lá não teria essa possibilidade terapêutica e, como consequência, poderia morrer. Em razão desse último episódio, Gwen também é repudiada pelo grupo de apoio, que não aceita o fato de ela poder infringir as regras e permanecer na clínica. Ao se deparar com a pressão do grupo, ela demonstra sua fragilidade e limitação perante os membros do grupo e eles reforçam esse comportamento com aplausos e a inserindo nas ativida- des laborais da clínica, com a condição de se sujeitar a fazer a limpeza dos banheiros para ser aceita no grupo.! Na segunda aparição de Jasper, namorado de Gwen, na clínica, ela aparenta desenvolver uma discriminação dos comportamentos “inadequados” dele. Ele a leva para um passeio de barco e a pede em casamento – ocasião que ele avalia como apropriada para um evento romântico e de celebração, e, por isso, leva uma garrafa térmica com champanhe para brindarem. Ela perce- be a falta de repertório dele para avaliar e analisar as contingências de sua re- abilitação e como ele pode contribuir, significativamente, para a manutenção dos seus comportamentos de alcoolismo, considerando a natureza reforçadora desse relacionamento e seu emparelhamento com o uso de álcool. Ela joga a garrafa no lago e diz a ele como sua visão sobre o tratamento mudou, aceitan- do sua dependência química e a necessidade de reavaliar o seu contexto de vida, aproveitando a oportunidade para levar a vida de um jeito diferente, mais adequado e, consequentemente, mais saudável. Jasper tenta persuadi-la mos- trando que o estilo de vida transgressor deles é interessante e adequado, pois assim minimizam as dores das perdas da vida adulta. Ele alega que o senti- mento dela de inadequação, enquanto internada, está vinculado ao afastamen- to deles e não realmente à percepção de ter um problema com drogas. Jasper tenta aumentar a confusão de Gwen sobre os novos conceitos que vem adqui- rindo na clínica, a fim de mantê-la como fonte reforçadora ligada à bebida.! �256 Gwen confidencia esse episódio a Andrea, que o divide com os colegas do grupo de apoio. Os colegas sentem-se no dever de aconselhá-la a negar esse pedido, considerando o namorado como alcoolista. Ela é contestada pelo grupo sobre o valor que ela tem para o namorado, pois, se ele a ama, deveria compreender e ajudá-la o processo de reabilitação. Nesse momento, Gwen re- conhece que Jasper não consegue compreender o significado da internação.! Outros comportamentos de Jasper fazem Gwen se questionar sobre o valor do relacionamento, inclusive quando ela já está fora da clínica, em seu primeiro dia de alta e ele a leva para um bar para conversarem sobre o futuro do namoro. Ela se dá conta de que o que tinham em comum e poderia manter o relacionamento era o interesse deles pela bebida alcoólica e a vida sem limi- tes; diante dessa constatação, ela escolheseguir a vida sozinha e conforme seus objetivos terapêuticos. ! A Importância da Terapia de Grupo na Mudança e Aquisição do Comportamento: Discriminação de Contingências Familiares! Considerando-se que as situações sociais ocorrem naturalmente duran- te o tratamento em grupo, pode-se afirmar que a Terapia de Grupo proporciona maior oportunidade de aprendizagem, em relação à terapia individual, pois faci- lita a aquisição de comportamentos, por meio da modelação e reforçamento �257 social dos participantes, incluindo-se o próprio terapeuta. Propicia condições de aprendizagem por possibilitar a participação ativa e a observação; o indivíduo tem a possibilidade de observar e refletir sobre a sua própria habilidade social; as regras decorrentes da história de vida dos diferentes participantes do grupo podem ser evidenciadas, questionadas e utilizadas como modelos de novos repertórios (Delitti & Derdyk, 2008). ! Ao ser apresentada no grupo de apoio do qual passará a fazer parte, Gwen se vê avaliada a partir de sua dependência, quando vê esses colegas fazendo uma aposta por comida para saber qual seria a droga de dependência dela ou comportamento que a levaram à internação. Ela também percebe que é hostilizada por outros membros, nesse momento. Diante da resistência da personagem em seguir as regras de convivência da instituição, ela é mal-vista e excluída pelo grupo de apoio. Com o desenrolar da trama, a personagem principal começa a perceber que cada uma daquelas pessoas que ela achava estranhas, estereotipadas e, portanto, diferentes dela – pois, de início, não se reconhecia como dependente química – era, na verdade, um paciente interna- do e doente com características e histórias de vida singulares, como as dela. Alguns desses pacientes demonstram, em seus depoimentos, os mesmos comportamentos de resistência e negação de sua condição em relação ao ví- cio.! Em uma das reuniões, a terapeuta estabelece que uma pessoa da famí- lia deve descrever como se sente quando a pessoa com dependência química está sob o efeito da droga. Os terapeutas podem usar essa estratégia tentando sensibilizar e estimular a discriminação do dependente da influência dos seus comportamentos no sofrimento e na interação familiar.! Quando Gwen ouve a filha de uma de suas colegas de internação rela- tar o que sente pela mãe, este discurso assume função de estímulo para se lembrar da convivência com o alcoolismo da mãe dela. O filme indica que essa relação da protagonista com a mãe pode ter propiciado a evolução de seu al- coolismo, considerando a mãe como modelo para aquisição de comportamen- tos. ! Enquanto Gwen era criança e não tinha repertório de análise da inade- quação dos comportamentos de alcoolismo da mãe, achava que a mãe era uma pessoa divertida e bem humorada, já que fazia coisas simples (e.g., mesa de centro da sala) virarem um evento extraordinário e inesquecível (e.g., trenó em um dia de neve). Por estar alcoolizada, expunha ela mesma e as filhas a situações de risco (no caso, descer com o trenó em via movimentada, podendo ocasionar o atropelamento por carro e morte da família). ! A mãe aparentava emitir o comportamento recorrente de consumir bebi- das até ficar inconsciente, quando as filhas a encontravam e, após várias tenta- tivas de acordá-la sem sucesso, Gwen desferia um tapa no rosto da mãe que �258 fazia acordá-la. Diante da frequência e da naturalidade desses episódios, Gwen teve dificuldades de compreender e aceitar a morte, de fato, da mãe. Por já terem sido abandonadas pelo pai e com a morte prematura da mãe, vão mo- rar temporariamente na casa de parentes. Considerando essa falta de referen- cial de comportamento adulto e o valor reforçador da relação com a mãe, Gwen pode ter aprendido que uma pessoa “feliz” emitia os mesmos comportamentos que a mãe, enquanto estava alcoolizada. Isso pode ter propiciado o aprendiza- do de autorregras distorcidas e inadequadas sobre comportamentos adultos, contribuindo para o aprendizado relacionado ao alcoolismo.! A relação conturbada de Gwen com sua irmã mais velha volta à trama do filme quando a estratégia de confronto familiar na terapia de grupo será uti- lizada com a personagem e ela solicita a participação de Lily nesse momento. A irmã denota hostilidade por meio de seu discurso ao se recusar, inicialmente, a participar dessa sessão de terapia familiar, considerando que não dará mais oportunidades de Gwen interferir e atrapalhar a sua vida. Porém, reconsidera e, durante a sessão, Lily precisa apontar um evento no qual o alcoolismo de Gwen interferiu em sua vida. A irmã indica o dia em que Gwen arruinou o seu casamento, demonstrando embriaguez ao entrar na igreja cambaleando e no momento do brinde, do qual Gwen não se lembra, quando foi irônica ao definir a conduta adulta e responsável da irmã e ao desmerecer o noivo, diante de to- dos os convidados. Nessa situação, é possível perceber que Gwen e Lily apre- sentam comportamentos similares de hostilidade e falta de repertório verbal para expressar sentimentos, pois, quando Lily é questionada pela terapeuta e/ ou por Gwen sobre seus sentimentos, aparenta irritação e agressividade, le- vanta-se e vai embora. ! Perante o abatimento de Gwen por causa da morte de Andrea, Lily vai encontrá-la na clínica e expõe seus sentimentos desde a infância, seus erros, ressentimentos, culpa e falta de compreensão do alcoolismo, possibilitando a aproximação e estabelecimento de novas contingências para a adequação e manutenção dessa relação.! O filme termina com o encontro de Gwen com o colega, que estava an- sioso para se relacionar afetiva e sexualmente, em uma loja de plantas. Ele es- tava chorando, porque sua planta não havia sobrevivido, com um cachorro na coleira, e buscando uma justificativa com o vendedor da loja sobre a morte da planta, para não ter que assumir sua responsabilidade sobre o fato.!! Considerações Finais!! A colocação de Jaspers, em uma cena do filme, pode resumir regras/au- torregras que controlavam o comportamento de Gwen: “nenhum adulto é feliz. �259 O importante no jogo é tentar minimizar a dor”. Em outros termos, deveríamos nos comportar sob controle principal de reforçamento negativo.! ! Seu possível histórico de negligência na infância, quando se divertir e receber afeto da mãe significavam participar de atividades “irresponsáveis”, pa- rece ter modelado um padrão comportamental tido como irresponsável, imedia- tista, impulsivo, desequilibrado. O filme, claro, não retrata todos os eventos re- levantes do histórico de Gwen, mas não há indícios de adultos que possam ter servido de modelos para comportamentos de diversão dissociada de drogas, de alegria pela simples companhia de outras pessoas, de desenvolvimento de habilidades sociais para o enfrentamento de situações adversas, dentre outros comportamentos que seriam nomeados como “maduros” ou “responsáveis”. Ao contrário, após a morte da mãe, a personagem parece ter sido exposta à hosti- lidade da irmã mais velha, a abandono, ao uso precoce de álcool, a amigos que se divertiam a partir do abuso de substâncias. Vemos, então, um padrão comportamental modelado e mantido a partir de exposição direta às contingên- cias, modelos e, provavelmente, regras. Já adulta, o uso de álcool e outras drogas era mantido por reforçamento positivo (respostas fisiológicas de prazer, companhia de amigos e namorados, risadas) e reforçamento negativo (evitar lidar com situações aversivas, evitar ter que se responsabilizar pelos seus er- �260 ros, adiar conversas difíceis, etc.). Soma-se a essa história de aprendizagem, um repertório comportamental empobrecido no que se refere a habilidades de resolução de problemas, assertividade, demonstração de afeto. Além disso, possivelmente estavam em atuação operações estabelecedoras de (i) privação de afeto, cuidado e proteção; e (ii) estimulação aversiva, pelas críticas e co- branças da irmã e de outros. ! Todos estes aspectos (e muitosoutros não apontados aqui) contribuíram para a aquisição e manutenção do repertório comportamental da personagem principal de “28 dias”. Nesse sentido, intervenções terapêuticas precisariam partir da análise de fatores dos três níveis de variação e seleção pelas con- sequências (filogenético, ontogenético e cultural). Precisariam levar em conta a multideterminação da dependência química, a participação de eventos passa- dos e atuais, os excessos e os déficits comportamentais. ! Em termos gerais, o que se defende no presente capítulo é que uma vi- são externalista/interacionista, como a da Análise do Comportamento, permite maior previsão e controle dos comportamentos por parte dos terapeutas e, principalmente, dos clientes (de-Farias, 2010; Nery & de-Farias, 2010). Isto fa- cilitaria a realização de análises funcionais mais completas, a independência do cliente em relação ao terapeuta, a implementação de intervenções mais adequadas, assim como a generalização das mudanças observadas em con- texto clínico para o ambiente natural do cliente. A cliente precisaria se ex- por a diferentes contingências; implementar variabilidade comportamen- tal; testar regras e autorregras, e reformulá-las; desenvolver repertó- rios de assertividade, autoconhecimento e autocontrole; etc.! Sem dúvida, o trabalho de Gwen estava apenas começan- do... ! ! Referências Bibliográficas!! Associação Americana de Psiquiatria (2002). Manual Diagnóstico e Es- tatístico de Transtornos Mentais-DSM-IVTR. Porto Alegre: Artmed. ! Baldwin, J. D. & Baldwin, J. I. (1989). Behavior principles in everyday life. New Jersey: Prentice Hall.! Baum, W. M. (1994/1999). Compreender o Behaviorismo: Ciência, compor- tamento e cultura (M. T. A. Silva, M. A. Matos, G. Y. Tomanari, & E. Z. Touri- nho, trads.). Porto Alegre: Artmed.! Catania, A. C. (1998/1999). Aprendizagem: Comportamento, linguagem e cognição (D. G. de Souza, trad. coord.). Porto Alegre: Artmed.! Centro Brasileiro de Informações sobre Drogas Psicotrópicas (CEBRID, 2003). 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