Baixe o app para aproveitar ainda mais
Prévia do material em texto
APG 19 - Síndrome nefrítica 1. Revisar a morfofisiologia do glomérulo 2. Entender os mecanismos imunológicos envolvidos na patogênese da doença glomerular 3. Analisar as glomerulopatias associadas à síndrome nefrítica 4. Compreender a etiologia, epidemiologia, fisiopatologia, manifestações clínicas e diagnóstico da síndrome nefrítica Cada néfron consiste em um glomérulo (glom = novelo de lã), que é um tufo de capilares, e um túbulo renal. A extremidade do túbulo renal, em forma de cálice, a cápsula glomerular (ou cápsula de Bowman), é cega e circunda completamente o glomérulo (assim como uma luva de beisebol engloba uma bola). A cápsula glomerular e o glomérulo envolvido por ela constituem o corpúsculo renal. O endotélio dos capilares glomerulares é fenestrado (“perfurado”), o que os torna extremamente porosos. Isso permite que uma grande quantidade de fluido rico em solutos, praticamente sem proteínas, passe do sangue para dentro da cápsula glomerular O folheto parietal externo da cápsula glomerular é formado por epitélio pavimentoso simples. Essa camada contribui apenas para a estrutura da cápsula e não exerce nenhum papel na formação do filtrado. O folheto visceral, que adere aos capilares glomerulares, consiste em células epiteliais modificadas, ramificadas, chamadas de podócitos (“células pés”). Essas células, que se parecem com polvos, possuem nas suas extremidades projeções chamadas de pedicelos (processos pés), os quais se entrelaçam quando aderem à membrana basal do glomérulo. As aberturas entre os pedicelos são chamadas de fendas de filtração. Através dessas fendas, o filtrado entra no espaço capsular dentro da cápsula glomerular. Cada néfron está intimamente associado com dois leitos capilares: o glomérulo e os capilares peritubulares. O glomérulo, no qual os capilares se dispõem em paralelo, é especializado na filtração. Ele difere de todos os outros leitos capilares do corpo porque é tanto abastecido como drenado por arteríolas – a arteríola aferente e a arteríola eferente Mecanismo de lesão imune do glomérulo A lesão glomerular é geralmente mediada pela ação de múltiplos elementos do sistema imune inato e adaptativo, resultando em diversas manifestações clínicas e patológicas A resposta imune nefrogênica inclui componentes humorais e celulares. As respostas imunes humorais são o resultado da ativação de células B e maturação em células plasmáticas, o que pode levar à deposição de imunoglobulinas e ativação do complemento nos glomérulos. A resposta imune celular regulada por células T auxiliares (Th)1 ou regulada por Th17 contribui para a infiltração de células inflamatórias mononucleares circulantes (incluindo linfócitos e macrófagos) nos glomérulos e para a formação de crescentes. ➔ Imunidade humoral A maioria das doenças glomerulares é caracterizada pela formação de imunocomplexos que contêm imunoglobulinas e componentes do complemento, o que sugere que a resposta imune humoral é a principal causa da lesão. Depósitos imunes se formam no glomérulo ativamente porque o(s) antígeno(s) alvo está localizado predominantemente no glomérulo ou, menos comumente, passivamente devido ao papel do glomérulo na filtração. Anticorpos que induzem depósitos imunes glomerulares podem ser direcionados contra os seguintes antígenos: ● Constituintes normais do glomérulo ● Autoantígenos não renais que se localizam nos glomérulos Esses antígenos endógenos não glomerulares localizam-se nos glomérulos devido ao aprisionamento passivo, muitas vezes por agregação espontânea ou por interação com locais carregados negativamente na parede capilar glomerular. Autoantígenos não renais circulantes também podem se ligar a receptores localizados no mesângio ● Antígenos exógenos ou agregados imunes que se localizam nos capilares glomerulares via afinidade de carga para estruturas glomerulares, aprisionamento passivo ou precipitação local de agregados macromoleculares. ➔ Imunidade celular Existem fortes evidências de um papel primário para células mononucleares, particularmente linfócitos e macrófagos na ausência de deposição de anticorpos, em causar lesão glomerular. Além disso, algumas evidências suportam um papel para plaquetas e células T, incluindo subconjuntos específicos de células T, na patologia glomerular As plaquetas são proeminentes em várias lesões glomerulares, principalmente aquelas que envolvem trombose intraglomerular Além de seu papel em processos trombóticos envolvendo lesão de células endoteliais, as plaquetas também liberam vários produtos que participam e aumentam a lesão glomerular, incluindo substâncias vasoativas, mitogênicas e quimiotáticas. Fatores derivados de plaquetas, como o fator ativador de plaquetas e o fator plaquetário 4, aumentam a permeabilidade glomerular às proteínas e a deposição de imunocomplexos As plaquetas contribuem para o recrutamento de leucócitos e são elas próprias recrutadas para o glomérulo inflamado As plaquetas contribuem para a lesão glomerular mediada por neutrófilos por meio de mecanismos não quimiotáticos Existem dois mecanismos imunológicos de lesão glomerular: inflamatório e não inflamatório: A lesão inflamatória (glomerulonefrite [GN]) é caracterizada por infiltração glomerular por células hematopoiéticas como neutrófilos e macrófagos e/ou proliferação de células glomerulares residentes. Essas células efetoras podem induzir trombose, necrose e formação de crescentes que, se extensas, podem resultar em GN rapidamente progressiva A lesão glomerular geralmente resulta da ativação de células efetoras e da liberação de uma variedade de mediadores inflamatórios. Esses mediadores incluem produtos da ativação do complemento, como C5a e C5b-9, que são induzidos por anticorpos oxidantes e proteases liberados por células glomerulares inflamatórias e residentes; e uma variedade de outras citocinas, quimiocinas, fatores de crescimento e agentes vasoativos. A lesão glomerular também pode resultar da ausência de certos mediadores. Como exemplo, o fator H do complemento (CFH) é um regulador negativo da via alternativa do complemento. Quando complexos imunes se formam no glomérulo, eles frequentemente provocam uma resposta inflamatória celular. Depósitos imunes indutores de inflamação podem ser vistos nos seguintes locais: ● Membrana basal glomerular ● Parede capilar adjacente às células endoteliais ● Mesângio As principais características clínicas da GN são: ● Um sedimento urinário ativo incluindo hematúria, muitas vezes com alguns dos glóbulos vermelhos com aparência dismórfica ou anormal, com ou sem cilindros de glóbulos vermelhos e leucocitúria ● Graus variados de proteinúria, variando de leve a nefrótico ● Taxa de filtração glomerular reduzida que depende da gravidade da doença Lesões não inflamatórias decorrentes de lesão imune geralmente atingem o podócito glomerular e estão associadas a alterações ultraestruturais e funcionais importantes no glomérulo que resultam em aumento da permeabilidade glomerular à albumina e outras proteínas. As principais características clínicas das lesões glomerulares não inflamatórias são: ● Proteinúria ● Síndrome nefrótica, com pouca ou nenhuma hematúria e ausência de cilindros eritrocitários. Um dos principais determinantes de o paciente apresentar GN e sedimento urinário ativo (síndrome nefrítica) ou proteinúria e pouca ou nenhuma hematúria (síndrome nefrótica) é o local da lesão glomerular. As células endoteliais e mesangiais glomerulares entram em contato direto com fatores circulantes, como complemento e células inflamatórias, incluindo neutrófilos, macrófagos, células natural killer (NK) e células T. Os complexos imunes que se formam ou se depositam na matriz mesangial ou no espaço subendotelial geralmente resultam em inflamação glomerular e síndrome nefrítica As células epiteliais viscerais glomerulares , ou podócitos , são a principal barreira que restringe a filtração de proteínas plasmáticas carregadas negativamente ou grandes. A lesão dos podócitos leva à proteinúria maciça e está frequentementeassociada à síndrome nefrótica. Como os podócitos são separados da circulação pela membrana basal glomerular (MBG), os depósitos imunes subepiteliais que têm como alvo os podócitos raramente produzem inflamação glomerular e, portanto, há pouca ou nenhuma hematúria e nenhum cilindro de hemácias. Além do local da lesão glomerular, vários outros fatores podem contribuir para a lesão glomerular: As propriedades biológicas das imunoglobulinas que formam os depósitos: como exemplo, os subtipos de imunoglobulina G (IgG) fixadora de complemento, como IgG1 e IgG3, causam mais inflamação do que imunoglobulinas que ativam mal o complemento, como IgA e IgG4 O mecanismo pelo qual os depósitos são formados: as interações antígeno-anticorpo que ocorrem dentro do glomérulo (formação de imunocomplexos in situ) resultam na ativação local do complemento e são muito mais nefritogênicas do que o aprisionamento passivo de complexos semelhantes pré-formados na circulação Glomerulopatias associadas à síndrome nefrítica aguda (SNA) Na pediatria a síndrome nefrítica é sinônimo de glomerulonefrite pós-estreptocócica (GNPE), mas a SNA pode ter várias outras causas, sendo que ela representa um subtipo da SNA. Entre as outras causas podemos citar: glomerulonefrite pós-infecciosas, nefrite lúpica, glomerulonefrite da crioglobulinemia, glomerulonefrite membranoproliferativa, nefropatia por IgA, glomerulonefrite da púrpura de HenochSchölein. A glomerulonefrite membranoproliferativa consiste em um conjunto heterogêneo de doenças que , principalmente, crianças e compartilham características mistas nefríticas e nefróticas e achados microscópicos. Sua causa é a deposição de imunocomplexos, que é idiopática ou secundária a doenças sistêmicas. A glomerulonefrite rapidamente progressiva é uma síndrome nefrítica aguda que se soma à formação de crescentes glomerulares microscópicos. Os crescentes são caracterizados pela presença de duas ou mais camadas de células no espaço de Bowman, que podem estender-se por toda a circunferência do glomérulo ou apenas parcialmente. Caracteriza-se por uma perda rápida e progressiva de função renal que ocorre em semanas, associada à presença de indicativos laboratoriais de glomerulonefrite, ou seja, hematúria e proteinúria. Esta é uma doença que predomina entre a 3ª e 6ª décadas de vida, sendo bastante rara em crianças, mas podendo estar presente nos casos de glomerulonefrite pós-estreptocócica. As glomerulonefrites com crescentes apresentam os piores prognósticos entre as doenças glomerulares A doença de Berger, ou nefropatia por IgA, é uma doença renal comum causada por depósitos de anticorpos, no caso a Imunoglobulina A, causando inflamação e lesão dos glómerulos renais de forma progressiva ao longo dos anos. A síndrome hemolítico-urêmica (SHU) consiste em uma doença grave, caracterizada pelo conjunto de sinais e sintomas que são manifestados por anemia hemolítica microangiopática, trombocitopenia e lesão renal aguda, chamada tríade. É uma doença que, em geral, pode acometer todas as pessoas vulneráveis que a adquirirem infecção por micro-organismos que causam a (SHU), porém, sua ocorrência é mais frequente em crianças menores de 5 anos e em pessoas idosas. A púrpura de Henoch-Schönlein é uma doença que cursa com inflamação e sangramento nos pequenos vasos sanguíneos, vasculite. A púrpura de HenochSchönlein afeta os pequenos vasos sanguíneos da pele, das articulações, dos intestinos e dos rins. É mais prevalente em crianças menores que 7 anos, mas pode acometer qualquer pessoa. Seu quadro clínico consiste em aparecimento de púrpura palpável, púrpuras elevadas, não relacionadas à redução das plaquetas (plaquetopenia); Dor abdominal, geralmente difusa que piora às refeições ou presença de sangramento nas fezes e alterações na biópsia de pele, o exame histológico evidencia granulócitos em paredes de arteríolas ou vênulas. O lúpus eritematoso sistêmico é uma doença autoimune que pode desencadear a glomerulonefrite lúpica. A nefrite lúpica é uma condição que cursa com alterações túbulo-intersticiais, vasculares e glomerulares, sendo esta última o fator preponderante para o aparecimento de sinais e sintomas marcantes da doença, que são sintomas de síndrome nefrítica. Fisiopatologia da síndrome nefrítica A estrutura da barreira de filtração glomerular consiste em 3 elementos básicos: células endoteliais, membrana glomerular basal e os podócitos (epiteliais). O processo inflamatório e a resposta imune, de forma geral, que se forma para combater o estreptococo gera uma lesão na barreira de filtração glomerular, principalmente na membrana basal, nesse processo há um consumo de complemento, principalmente o C3 (sistema de defesa inato). Esse C3 é consumido após a deposição de imunocomplexos na membrana basal glomerular. Os polimorfonucleares são recrutados e ampliam o processo inflamatório. Quadro clínico As manifestações clínicas clássicas da GNPE englobam edema, hematúria, hipertensão arterial sistêmica (HAS) e oligúria. O edema periorbitário é típico, normalmente mais proeminente pela manhã e tende a regredir ao final do dia. O edema costuma anteceder a hematúria, que é macroscópica. Em 2/3 dos casos a urina tem uma coloração dita, cor de chá, cor de Coca-Cola ou enferrujada Proteinúrias de graus variáveis são encontradas nesta doença Diagnóstico Para realizar o diagnóstico de síndrome nefrítica devemos, inicialmente, confirmar a infecção pelo estreptococo, solicitando exames como Strep-test, hemoculturas de orofaringe ou pele, e solicitar alguns exames sorológicos como: pesquisa de anticorpos antiestreptocócicos, pesquisa e quantificação de crioglobulinas no sangue, pesquisa de FAN e anti-DNA, pesquisa de anticorpos anticitoplasma de neutrófilo (ANCA), pesquisa de anticorpos antimembrana basal glomerular. Outros exames devem ser considerados em função de história e quadro clínico do paciente para descartar outros diagnósticos como sorologias para hepatite B e HIV. Além desses exames, a avaliação de laboratórios habituais como ureia, creatinina e sumário de urina devem ser parte da investigação. É muito importante solicitar o quanto antes uma dosagem do complemento (CH50 e/ou frações, em especial C3 e C4), pois o estudo do sistema do complemento permite classificar as glomerulonefrites em normo e hipocomplementêmicas, lembrando que o consumo de C3 costuma ocorrer na fase aguda da doença, nos primeiros dois meses. Em crianças com mais de 3 dias de anuria ou oliguria, ou toda criança que se apresenta em mais de 4 semanas com azotemia, hipertensão, hematúria macroscópica, e proteinúria nefrótica devemos biopsiar. Quando uma criança apresenta mais de 8 semanas com o complemento C3 em queda, também constitui uma indicação de biópsia renal.
Compartilhar