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1 Júlia Morbeck – @med.morbeck Objetivos 1- Rever a morfofisiologia do glomérulo; 2- Estudar a epidemiologia, fatores de risco, etiologia, fisiopatologia, manifestações clínicas e diagnóstico da síndrome nefrítica. Glomérulo A principal unidade estrutural e funcional do rim é o néfron. Mais de um milhão desses túbulos apinham-se (unem-se estreitamente) em cada rim (MARIEB, 7ª ed.). Cada néfron é composto de corpúsculo renal e túbulo renal; este último é dividido em porções: túbulo contorcido proximal, alça do néfron (de Henle), túbulo contorcido distal e túbulo coletor. Em todo o seu comprimento, o néfron é revestido por um epitélio simples que é adaptado a vários aspectos da produção de urina (MARIEB, 7ª ed.). CORPÚSCULO RENAL ↠ A primeira parte do néfron, onde ocorre a filtração, é o corpúsculo renal esférico. Os corpúsculos renais ocorrem estritamente no córtex. Eles consistem em um novelo de capilares chamado glomérulo (“novelo de lã”) circundado por uma cápsula do glomérulo oca em forma de cálice (cápsula de Bowman) (MARIEB, 7ª ed.). ↠ Esse novelo de capilares é abastecido por uma arteríola aferente e drenado por uma arteríola eferente. O endotélio do glomérulo é fenestrado (possui poros) e, portanto, esses capilares são altamente permeáveis permitindo que grandes quantidades de fluido e de pequenas moléculas passem do sangue do capilar para o interior oco da cápsula, o espaço capsular. (MARIEB, 7ªed.). Esse fluido é o filtrado que, no fim das contas, é processado para se transformar em urina. Aproximadamente apenas 20% do fluido sai do glomérulo e entra no espaço capsular; 80% permanece no sangue dentro desse capilar (MARIEB, 7ª ed.). HISTOLOGIA E FISIOLOGIA ↠ A cápsula é formada por dois folhetos, um interno, ou visceral, disposto em torno dos capilares glomerulares, e outro externo, ou parietal, que reveste internamente o corpúsculo renal. Entre os dois folhetos da cápsula de Bowman, existe o espaço capsular (ou espaço de Bowman), que recebe o líquido filtrado através da parede dos capilares e do folheto visceral da cápsula de Bowman (JUNQUEIRA, 13ª ed.). ↠ O folheto externo ou parietal da cápsula de Bowman é constituído por um epitélio simples pavimentoso, que se apoia na lâmina basal e em uma fina camada de fibras reticulares. O conjunto constitui uma membrana basal bem visível ao microscópio de luz (JUNQUEIRA, 13ª ed.). ↠ Enquanto o folheto externo mantém sua morfologia epitelial, as células do folheto interno ou visceral modificam-se durante o desenvolvimento embrionário, adquirindo características muito peculiares. Essas células são chamadas de podócitos e formadas por um corpo celular, de onde partem diversos prolongamentos primários que dão origem aos prolongamentos secundários (JUNQUEIRA, 13ª ed.). ↠ Os podócitos contêm actina, apresentam mobilidade e se apoiam sobre a lâmina basal dos capilares glomerulares. Seus prolongamentos envolvem completamente o capilar, e o contato com a lâmina basal é feito pelos prolongamentos secundários. Os podócitos estabelecem contato com a membrana basal por meio de várias proteínas, dentre as quais se destacam as integrinas (JUNQUEIRA, 13ª ed.). – 2 Júlia Morbeck – @med.morbeck ↠ Entre os prolongamentos secundários dos podócitos existem espaços denominados fendas de filtração. Essas fendas são fechadas por uma membrana muito delgada, com cerca de 6 nm de espessura, constituída por um conjunto de proteínas (p. ex., a nefrina) que se liga, através da membrana plasmática, com os filamentos intracitoplasmáticos de actina dos podócitos (JUNQUEIRA, 13ª ed.). ↠ Os capilares glomerulares são do tipo fenestrado, sem diafragmas nos poros das células endoteliais. Há uma lâmina basal entre as células endoteliais e os podócitos. Essa lâmina basal é espessa pela fusão das membranas basais do endotélio e dos podócitos (JUNQUEIRA, 13ª ed.). ↠ Além das células endoteliais e dos podócitos, os glomérulos contêm as células mesangiais internas, mergulhadas em matriz mesangial. Há locais do glomérulo em que a lâmina basal não envolve toda a circunferência de um só capilar, constituindo uma membrana comum a duas ou mais alças capilares. É principalmente nesse espaço entre os capilares que se localizam as células mesangiais, as quais podem também ser encontradas na parede dos capilares glomerulares, entre as células endoteliais e a lâmina basal (JUNQUEIRA, 13ª ed.). ↠ Juntos, os capilares glomerulares e os podócitos, que circundam completamente os capilares, formam uma barreira permeável conhecida como membrana de filtração. Esta configuração em sanduíche possibilita a filtração de água e pequenos solutos, mas impede a filtração da maior parte das proteínas plasmáticas, células sanguíneas e plaquetas (TORTORA, 14ª ed.). ↠ As substâncias filtradas do sangue atravessam três barreiras de filtração – a célula endotelial glomerular, a lâmina basal e uma fenda de filtração formada por um podócito (TORTORA, 14ª ed.). Os glomérulos capilares apresentam uma grande área de superfície para a filtração, porque são longos e extensos. As células mesangiais regulam a quantidade de área de superfície disponível. Quando as células mesangiais estão relaxadas, a área de superfície é máxima, e a filtração glomerular é muito alta. A contração das células mesangiais reduz a área de superfície disponível, e a filtração glomerular diminui (TORTORA, 14ª ed.). Glomerulonefrites ou glomerulopatias ↠ As glomerulonefrites são a terceira principal causa de doença renal crônica (DRC) no mundo, responsabilizando- se por cerca de 13 a 15% de todos os casos de DRC terminal, atrás apenas da nefropatia diabética e das lesões renais associadas à hipertensão arterial (RIELLA, 2018). ↠ Quando se consideram as glomerulopatias como um todo, incluindo a nefropatia diabética, estas são a principal causa de DRC no mundo (RIELLA, 2018). CLASSIFICAÇÃO ↠ As glomerulopatias podem ser classificadas de acordo com a presença ou ausência de doença sistêmica, por sua apresentação clínica ou quanto ao seu modo de instalação e progressão (RIELLA, 2018). Quando aparecem isoladamente, são classificadas como primárias e, quando associadas a doenças sistêmicas [p. ex., lúpus eritematoso sistêmico (LES), hepatites virais ou diabetes melito], secundárias (RIELLA, 2018). Pacientes portadores de lesões glomerulares podem apresentar diferentes sinais e sintomas. As principais consequências da agressão glomerular são proteinúria, hematúria, cilindrúria, queda de filtração glomerular e retenção de sódio. Os sinais e sintomas em geral mais apresentados são edema, hipertensão, urina escura e uremia (RIELLA, 2018). Dependendo principalmente da intensidade e do tipo da agressão, pode haver predomínio de um sinal sobre outro, dando origem a diferentes apresentações clínicas: síndrome nefrítica; síndrome nefrótica e síndromes mistas (nefrítico-nefrótica); hematúria macroscópica; hematúria e proteinúria assintomáticas; e glomerulopatia rapidamente progressiva (RIELLA, 2018). 3 Júlia Morbeck – @med.morbeck ETIOLOGIA ↠ Os agentes ou eventos causadores de lesão glomerular incluem mecanismos imunológicos, não imunológicos e hereditários (NORRIS, 2021). ↠ Muitos casos de doença glomerular primária e doença glomerular secundária provavelmente têm origem imune. Embora várias doenças glomerulares sejam suscitadas por eventos imunológicos, inúmeros estressores não imunológicos metabólicos (i. e., diabetes), hemodinâmicos (i. e., hipertensão arterial) e tóxicos (i. e., drogas ilícitas e fármacos), tanto sozinhos como associados a mecanismos imunológicos, podem ocasionar lesão glomerular (NORRIS, 2021). Doenças glomerulares hereditárias como a síndrome de Alport, apesar de relativamente raras, são uma importantecategoria de doença glomerular, devido à sua associação à perda progressiva da função renal e à sua transmissão a futuras gerações (NORRIS, 2021). FISIOPATOLOGIA ↠ Dois tipos de mecanismos imunes foram implicados na patogênese da doença glomerular: (NORRIS, 2021). • Lesão resultante de anticorpos que reagem com antígenos glomerulares fixos ou antígenos depositados dentro do glomérulo • Lesão resultante de complexos antígeno- anticorpo circulantes retidos na membrana glomerular. Os imunocomplexos circulantes pré-formados podem sofrer precipitação ao longo do lado subendotelial da MBG, enquanto outros imunodepósitos são formados in situ sobre o lado subepitelial . Esses últimos depósitos se acumulam quando os autoanticorpos circulantes encontram seu antígeno encarcerado ao longo da borda subepitelial da MBG. Os imunodepósitos no mesângio glomerular podem resultar da deposição de complexos circulantes pré-formados ou de interações antígeno-anticorpo in situ (JAMESON, et al., 2019). Os imunodepósitos estimulam a liberação de proteases locais e ativam a cascata do complemento, produzindo complexos de ataque C5-9. Além disso, os oxidantes locais lesam as estruturas glomerulares, produzindo proteinúria e apagamento dos podócitos. Etiologias ou mecanismos fisiopatológicos superpostos podem produzir lesões glomerulares semelhantes, sugerindo que diferentes respostas moleculares e celulares sequenciais frequentemente convergem para padrões comuns de lesão (JAMESON, et al., 2019). Os antígenos responsáveis pelo desenvolvimento da reação imune podem ter origem endógena, como autoanticorpos contra o ácido desoxirribonucleico (DNA) no LES, ou podem ser exógenos, como os antígenos da membrana dos estreptococos na glomerulonefrite pós-estreptocócica. Em muitos casos, a origem do antígeno não é conhecida (NORRIS, 2021). A ativação local de receptores semelhante ao Toll nas células glomerulares, a deposição de imunocomplexos ou a lesão infligida pelo complemento às estruturas glomerulares induz a infiltração de células mononucleares, que subsequentemente produz uma resposta imune adaptativa atraída ao rim pela liberação local de quimiocinas Neutrófilos, macrófagos e células T são atraídos pelas quimiocinas para o interior do tufo glomerular, onde reagem com antígenos e epítopos sobre ou próximo às células somáticas ou suas estruturas, produzindo mais citocinas e proteases que lesionam o mesângio, os capilares e/ou a membrana basal glomerular (MBG). Enquanto a resposta imune adaptativa assemelha-se àquela de outros tecidos, a ativação precoce das células T desempenha um papel importante no mecanismo da glomerulonefrite. Os antígenos apresentados pelas moléculas do complexo de histocompatibilidade principal (MHC) classe II nos macrófagos e nas células dendríticas em combinação com moléculas de reconhecimento associativo participam do repertório das células T CD4/8 (JAMESON, et al., 2019). As células mononucleares, por si só, podem lesionar o rim, porém os eventos autoimunes que lesionam os glomérulos produzem classicamente uma resposta imune humoral. Tipicamente, glomerulonefrite pós-estreptocócica, nefrite lúpica e nefrite membranosa idiopática estão associadas aos imunodepósitos ao longo da MBG, enquanto anticorpos anti-MBG produzem a ligação linear da doença anti-MBG (JAMESON, et al., 2019). ↠ As alterações celulares na doença glomerular aumentam as contagens de células glomerulares ou inflamatórias (proliferativas ou hipercelulares), causam espessamento da membrana basal (membranosa) e acarretam alterações dos componentes não celulares do glomérulo (esclerose e fibrose). O aumento da quantidade de células caracteriza-se por uma ou mais das seguintes alterações: (NORRIS, 2021). • proliferação das células endoteliais ou mesangiais; • infiltração de leucócitos (neutrófilos, monócitos e linfócitos em alguns casos); • formação de crescentes (acúmulos com formato de crescentes de células epiteliais em proliferação e leucócitos infiltrantes) no espaço de Bowman. Mecanismos imunes das doenças glomerulares. A. Anticorpos dirigidos contra a membrana basal do glomérulo deixam a circulação e interagem com antígenos existentes em sua estrutura. B. Os complexos antígeno-anticorpo circulantes no sangue ficam retidos à medida que são filtrados no glomérulo. 4 Júlia Morbeck – @med.morbeck ↠ O espessamento da membrana basal consiste em deposição de material acelular denso nas superfícies endotelial e epitelial da membrana basal, ou dentro da própria membrana. “Esclerose” é o termo usado para descrever um aumento da quantidade de material extracelular nos tecidos mesangiais, subendoteliais ou subepiteliais do glomérulo, enquanto “fibrose” refere-se à deposição de fibras de colágeno (NORRIS, 2021). ↠ As alterações glomerulares podem ser difusas, ou seja, envolvendo todos os glomérulos e todos os seus componentes; focais, quando apenas alguns glomérulos são afetados; segmentares, quando há envolvimento apenas de determinado segmento de cada glomérulo; ou mesangiais, quando as células mesangiais são afetadas (NORRIS, 2021). ↠ A glomerulonefrite persistente que agrava a função renal é sempre acompanhada de nefrite intersticial, fibrose renal e atrofia tubular (JAMESON, et al., 2019). PERDA DA FUNÇÃO RENAL A perda de função renal devida ao dano intersticial é explicada hipoteticamente por vários mecanismos. A explicação mais simples é que o fluxo de urina é dificultado pela obstrução tubular como resultado da inflamação intersticial e da fibrose. Assim sendo, a obstrução dos túbulos com detritos ou pela compressão extrínseca resulta funcionalmente em néfrons aglomerulares (JAMESON, et al., 2019). Um segundo mecanismo sugere que as alterações intersticiais, incluindo o edema intersticial ou a fibrose, alteram a arquitetura vascular e tubular e, dessa forma, comprometem o transporte tubular normal de solutos e de água do lúmen tubular para o espaço vascular. Essa disfunção faz aumentar o conteúdo de solutos e de água do líquido tubular, resultando em isostenúria e poliúria. Os mecanismos adaptativos relacionados com o feedback tubuloglomerular também falham, resultando em uma redução na produção de renina pelo aparelho justaglomerular dominado pela inflamação intersticial. Consequentemente, a influência vasoconstritiva local da angiotensina II sobre as arteríolas glomerulares diminui, e a filtração cai em razão de uma diminuição generalizada do tônus arteriolar (JAMESON, et al., 2019). Um terceiro mecanismo envolve mudanças na resistência vascular devidas à lesão dos capilares peritubulares. O volume do corte transversal desses capilares torna-se reduzido por inflamação intersticial, edema ou fibrose. Essas alterações estruturais na resistência vascular afetam a função renal por meio de dois mecanismos. Em primeiro lugar, as células tubulares são metabolicamente muito ativas, e, como resultado, uma redução na perfusão leva à lesão isquêmica. Em segundo, o comprometimento do efluxo arteriolar glomerular resulta em agravamento da hipertensão intravascular nos glomérulos menos afetados. Essa hipertensão intraglomerular seletiva agrava e amplia a esclerose mesangial e a glomerulosclerose para os glomérulos menos afetados. Independentemente do mecanismo exato, a nefrite tubulointersticial aguda precoce sugere uma função renal potencialmente recuperável, enquanto o desenvolvimento de fibrose intersticial crônica prognostica uma perda permanente (JAMESON, et al., 2019). A lesão persistente dos capilares glomerulares propaga-se para o tubulointerstício em associação com proteinúria. A explicação mais simples para o efeito da proteinúria sobre o desenvolvimento da nefrite intersticial é que uma proteinúria cada vez mais acentuada, carreando citocinas e lipoproteínas ativadas queproduzem espécies reativas do oxigênio, desencadeia uma cascata inflamatória distal dentro e ao redor das células epiteliais que revestem o néfron tubular. Esses efeitos induzem infiltrados de linfócitos T e macrófagos nos espaços intersticiais, junto com fibrose e atrofia tubular (JAMESON, et al., 2019). Os túbulos se desagregam após o dano direto a suas membranas basais e isso leva a mais fibroblastos e fibrose intersticiais no sítio da lesão. Recentemente, evidências abrangentes sugeriram que o aumento de fibroblastos renais se dá por vários mecanismos: transições epitelial ou endotelial-mesenquimal (15%), fibrócitos derivados da medula óssea (35%) e proliferação de fibroblastos residentes (50%). O fator de crescimento transformador β (TGF-β), o fator de crescimento de fibroblastos 2 (FGF-2), o fator induzível por hipoxia 1α (HIF-1α) e o fator de crescimento derivado de plaquetas (PDGF) são particularmente ativos nessa transição. Com a nefrite persistente, os fibroblastos se multiplicam e depositam tenascina, além de um arcabouço de fibronectina para polimerização de novo colágeno intersticial dos tipos I/III. Esses eventos formam tecido cicatricial por um processo denominado fibrogênese. Em estudos experimentais, a proteína morfogenética óssea 7 e o fator de crescimento dos hepatócitos conseguem reverter a fibrogênese inicial e preservar a arquitetura tubular. Quando os fibroblastos se distanciam de seus fatores de sobrevivência, ocorre apoptose e a cicatriz renal permanente torna-se acelular, resultando em disfunção renal irreversível (JAMESON, et al., 2019). As manifestações clínicas dos distúrbios glomerulares geralmente são classificadas em cinco grupos: (NORRIS, 2021). • Síndromes nefríticas • Glomerulonefrite rapidamente progressiva • Síndrome nefrótica • Distúrbios assintomáticos do sedimento urinário (i. e., hematúria ou proteinúria) Ilustração esquemática de três capilares glomerulares mostrando as áreas de formação dos imunocomplexos. Os depósitos subepiteliais são encontrados na glomerulonefrite pós-infecciosa (1) e na nefropatia membranosa (2) e provavelmente são formados localmente por um mecanismo in situ. Os depósitos subendoteliais (3) e mesangiais (4) também podem formar-se localmente, mas na maioria dos casos são resultantes da retenção passiva dos imunocomplexos circulantes pré-formados. Os anticorpos anti-MBG ligam-se com padrão linear à MBG (5) e, como o antígeno faz parte da membrana basal com inúmeras ligações cruzadas, os depósitos elétron-densos não aparecem ao exame ultraestrutural. 5 Júlia Morbeck – @med.morbeck • Glomerulonefrite crônica. As diversas formas de lesão glomerular podem ser analisadas em várias síndromes distintas, com base na clínica. Entretanto, essas síndromes nem sempre são mutuamente exclusivas. Existe a síndrome nefrítica aguda que produz 1 a 2 g/24 horas de proteinúria, hematúria com cilindros hemáticos, piúria, hipertensão, retenção de líquidos e elevação da creatinina sérica associada a uma redução da filtração glomerular. Quando a inflamação glomerular se instala lentamente, a creatinina sérica sobe de modo gradual ao longo de muitas semanas (JAMESON, et al., 2019). Síndrome Nefrítica ↠ Na síndrome nefrótica, a lesão glomerular é manifestada principalmente como um aumento da permeabilidade da parede capilar à proteína. Em contraste, na síndrome nefrítica, existem evidências de inflamação glomerular, resultando em redução da TFG, proteinúria não nefrótica, edema e hipertensão (secundária à retenção de sódio), bem como hematúria com cilindros hemáticos (JOHNSON, 2016). As síndromes nefríticas agudas se manifestam classicamente com hipertensão, hematúria, cilindros hemáticos, piúria e proteinúria leve a moderada. O dano inflamatório extenso dos glomérulos causa uma queda da TFG e, por fim, produz sintomas urêmicos, com retenção de sal e água, resultando em edema e hipertensão (JAMESON, et al., 2019). A glomerulopatia classicamente caracterizada por síndrome nefrítica é a glomerulonefrite difusa aguda pós- estreptocócica. Outras glomerulopatias também podem manifestar-se desse modo, como a nefropatia por IgA, a nefrite lúpica e a glomerulonefrite membranoproliferativa (GNMP) (RIELLA, 2018). EPIDEMIOLOGIA ↠ A epidemiologia da síndrome nefrítica varia de forma considerável de acordo com a glomerulopatia que a causa. De forma geral, a mais prevalente é a glomerulonefrite pós-estreptocócica, predominando na população masculina dos 6 aos 10 anos. Entretanto, a faixa etária mais prevalente depende da doença específica, variando entre a primeira década de vida e após os 50 anos (SANAR). FATORES DE RISCO ↠ Alguns dos fatores de risco para o desenvolvimento da síndrome nefrítica incluem: • Infecções: A síndrome nefrítica pode ser causada por infecções, principalmente as causadas por bactérias, como a estreptococos. • Histórico familiar: Algumas formas de síndrome nefrítica são hereditárias e podem ser transmitidas de pais para filhos. • Idade: A síndrome nefrítica pode afetar pessoas de todas as idades, mas é mais comum em crianças e jovens adultos. • Doenças autoimunes: Algumas doenças autoimunes, como lúpus e vasculite, podem aumentar o risco de desenvolvimento da síndrome nefrítica. • Uso de medicamentos: Certos medicamentos, como antibióticos, anti-inflamatórios não esteroides (AINEs) e alguns medicamentos para o coração, podem aumentar o risco de desenvolvimento da síndrome nefrítica. • Diabetes: Pessoas com diabetes têm maior risco de desenvolver problemas renais, incluindo a síndrome nefrítica. • Hipertensão: A hipertensão arterial pode danificar os rins e aumentar o risco de desenvolvimento da síndrome nefrítica. • Obesidade: A obesidade pode aumentar o risco de desenvolvimento de problemas renais, incluindo a síndrome nefrítica ETIOPATOGENIA Segundo Titan (2013), as glomerulonefrites agudas podem ser classificadas clinicamente de acordo com o local e a extensão da lesão em: • Primárias: patologias restritas ao rim; • Secundárias: quando associadas a doenças sistêmicas. Quanto à etiologia específica, as glomerulonefrites podem ser classificadas em infecciosas e não infecciosas (TITAN, 2013). Doenças infecciosa • Glomerulonefrite pós-estreptocócica • Glomerulonefrite pós-infecciosa não estreptocócica: I. Bacteriana: endocardite infecciosa, “nefrite por shunt”, sepse, pneumonia pneumocócica, febre tifoide, sífilis secundária, meningococcemia II. Viral: hepatite B, mononucleose infecciosa, caxumba, sarampo, varicela, vacínia, vírus Echo e vírus Coxsackie III. Parasitária: malária, toxoplasmose 6 Júlia Morbeck – @med.morbeck GLOMERULONEFRITE INFECCIOSA GLOMERULONEFRITE PÓS-ESTREPTOCÓCICA ↠ Em geral, a glomerulonefrite pós-infecciosa aguda ocorre depois da infecção por algumas cepas de estreptococos beta-hemolíticos do grupo A, e é causada pela deposição de imunocomplexos de anticorpo e antígenos bacterianos (NORRIS, 2021). Isso também pode ocorrer depois de infecções por outros microrganismos, inclusive estafilococos, vírus (p. ex., vírus da hepatite) e vários parasitas. Embora essa doença seja encontrada principalmente nas crianças, todas as faixas etárias podem ser afetadas (NORRIS, 2021). EPIDEMIOLOGIA: A glomerulonefrite pós-estreptocócica aguda nos países subdesenvolvidos é epidêmica e afeta em geral crianças entre 2 e 14 anos de idade, enquanto nos países desenvolvidos, a sua ocorrência é mais típica no idoso, particularmente em associação a condições debilitantes. É mais comum no sexo masculino, e a incidência em familiares ou co-habitantes pode chegar a 40%. A glomerulonefrite pós-estreptocócica em consequência de impetigo surge dentro de 2 a 6 semanas após uma infecção cutânea, e dentro de 1 a 3 semanas após uma faringite estreptocócica. (JAMESON, et al.,2019). ↠ A fase aguda da glomerulonefrite pós-infecciosa caracteriza- se por crescimento difuso e hipercelularidade dos glomérulos. A hipercelularidade é causada por infiltração de leucócitos (neutrófilos e monócitos) e pela proliferação das células endoteliais e mesangiais. Também há edema das células endoteliais. A combinação de proliferação, edema e infiltração por leucócitos fecha os lumens dos capilares glomerulares. Também pode haver edema e inflamação do interstício, e os túbulos comumente contêm hemácias (NORRIS, 2021). ↠ Os casos clássicos da glomerulonefrite pós- estreptocócica começam depois de uma infecção estreptocócica 7 a 12 dias antes. Esse é o intervalo necessário à produção dos anticorpos. Em geral, a infecção primária afeta a faringe, mas a pele também pode ser afetada. Uma das primeiras manifestações clínicas é oligúria, que ocorre à medida que a TFG diminui. Proteinúria e hematúria são consequentes ao aumento da permeabilidade das membranas dos capilares glomerulares. As substâncias na urina destroem as hemácias, e urina marrom-escura pode ser o primeiro sinal dessa síndrome. A retenção de sódio e água causa edema (principalmente da face e das mãos) e hipertensão (NORRIS, 2021). ↠ Entre as anormalidades laboratoriais significativas, observam-se aumentos dos títulos de anticorpo antiestreptocócico (ASO), redução das concentrações séricas de C3 e outros componentes do sistema complemento e formação de crioglobulinas (i. e., imunocomplexos grandes) no soro (NORRIS, 2021). Diagnóstico ↠ O diagnóstico é baseado em uma história clínica (hematúria, proteinúria moderada, oligúria, edema e hipertensão) de faringite ou piodermite com um período de incubação compatível, além de achados laboratoriais, como os títulos elevados de ASLO, Anti-DNAse B e Anti- hialuronidase (SANAR). Ademais, com relação a diferenciação com a nefropatia por IgA, um achado laboratorial importante é o consumo do sistema complemento (C3 e CH50) (SANAR). ↠ Na microscopia ótica, os achados mais comuns são: proliferação de células mesangiais, obliteração dos capilares glomerulares; na imunofluorescência, há depósito de imunocomplexos de forma difusa; e na 7 Júlia Morbeck – @med.morbeck microscopia eletrônica é possível perceber a presença de imunocomplexos entre a membrana basal e os podócitos, lembrando humps ou corcovas (SANAR). O tratamento da glomerulonefrite pós-estreptocócica aguda consiste em erradicar a infecção estreptocócica com antibióticos e instituir medidas de suporte. Esse tipo de glomerulonefrite tem prognóstico excelente e raramente causa doença renal crônica (NORRIS, 2021). GLOMERULONEFRITE NÃO ESTREPTOCÓCICA ↠ Pode ocorrer após outras infecções bacterianas, virais e parasitárias. Os exemplos incluem endocardite bacteriana, sepse, hepatite B e pneumonia pneumocócica. As manifestações são mais leves que na GN pós- estreptocócica (JAMESON et al., 2021). ↠ Segundo Titan (2013): • Contexto clínico de endocardite bacteriana (atenção especial a portadores de próteses valvares e usuários de drogas ilícitas), pacientes com shunts ou abscessos viscerais; • Presença de sintomas sistêmicos, como febre, emagrecimento, artralgias e anemia; • Geralmente há consumo dos componentes do complemento C1q, C3 e C4; • Podem ser detectados no sangue vários autoanticorpos como ANCA, FAN, fator reumatoide e crioglobulinas, devido à estimulação policlonal de linfócitos B ↠ Uma GN pós-infecciosa aguda específica IgA- dominante, com predomínio de depósitos de IgA na imunofluorescência, pode ser vista após infecções estafilocócicas, especialmente no diabetes. O controle da infecção primária costuma produzir a resolução da GN pós-infecciosa, mas os esteroides são frequentemente administrados nos casos graves para evitar a diálise (JAMESON et al., 2021). GLOMERULONEFRITES PRIMÁRIAS Glomerulonefrite rapidamente progressiva ↠ Glomerulonefrite rapidamente progressiva é uma síndrome clínica que se caracteriza por sinais e sintomas de lesão glomerular grave, sem uma causa específica determinável. Como seu nome sugere, esse tipo de glomerulonefrite é rapidamente progressivo, em geral no intervalo de alguns meses (NORRIS, 2021). ↠ A doença consiste em proliferação focal e segmentar das células glomerulares e recrutamento de monócitos e macrófagos com formação de estruturas com configuração de crescentes, que fecham o espaço de Bowman. A glomerulonefrite rapidamente progressiva pode ser causada por algumas doenças imunes, condições sistêmicas e patologias limitadas aos rins. Entre as doenças associadas, estão distúrbios imunes complexos como LES, vasculites de pequenos vasos (p. ex., poliangiite microscópica) e uma doença conhecida como síndrome de Goodpasture (NORRIS, 2021). SÍNDROME DE GOODPASTURE. É uma forma rara e agressiva de glomerulonefrite causada por anticorpos dirigidos contra as membranas basais dos glomérulos (MBG) e dos alvéolos. Os anticorpos anti-MBG têm reatividade cruzada com a membrana basal dos alvéolos pulmonares e são responsáveis pela síndrome de hemorragia pulmonar associada à insuficiência renal. A etiologia dessa síndrome é desconhecida, embora tenham sido implicadas infecções por vírus influenza, exposição aos hidrocarbonetos solventes (encontrados nas tintas e nos corantes), vários fármacos e câncer em alguns casos. Acredita- se que a síndrome de Goodpasture tenha predisposição genética, mas isso não está comprovado (NORRIS, 2021). 8 Júlia Morbeck – @med.morbeck Glomerulopatia membranoproliferativa ↠ É uma das doenças que se manifestam com síndrome nefrítica, podendo acometer qualquer idade, porém tem predomínio nos adultos e é marcada por consumir o sistema complemento. Geralmente está associada com hepatite e crioglobulinemia (SANAR). ↠ Durante a microscopia ótica é percebida uma proliferação mesangial e endocapilar, além do espessamento e duplicação da membrana basal glomerular (sinal do duplo contorno) (SANAR). O tratamento é baseado no uso de anti-hipertensivos (IECA ou BRA), além do tratamento da doença de base (SANAR). NEFROPATIA POR IgA ↠ Berger descreveu pela primeira vez a glomerulonefrite atualmente denominada nefropatia por IgA. Caracteriza-se classicamente por hematúria episódica associada ao depósito de IgA no mesângio. A nefropatia por IgA é uma das formas mais comuns de glomerulonefrite em todo o mundo (JAMESON et al., 2019). ↠ Existe uma predominância masculina, uma incidência máxima na segunda e na terceira décadas de vida e raros agrupamentos familiares. Existem diferenças geográficas na prevalência de nefropatia por IgA, com uma prevalência de 30% ao longo da costa asiática e do Pacífico e 20% no Sul da Europa, em comparação com uma prevalência muito mais baixa na Europa setentrional e na América do Norte. (JAMESON et al., 2019). ↠ A nefropatia por IgA é uma glomerulonefrite mediada por imunocomplexos definida pela presença de depósitos mesangiais difusos de IgA frequentemente associados com hipercelularidade mesangial. IgM, IgG, C3 ou cadeias leves de imunoglobulina podem ser codistribuídas com a IgA. A IgA depositada no mesângio é polimérica e da subclasse IgA1, cujo significado patogênico ainda não foi esclarecido. Foram descritas anormalidades na produção de IgA pelos plasmócitos; na depuração de IgA pelo fígado; na depuração mesangial de IgA; e nos receptores para IgA (JAMESON et al., 2019). ↠ As duas apresentações mais comuns de nefropatia por IgA são os episódios recorrentes de hematúria macroscópica durante ou imediatamente após uma infecção do trato respiratório superior, muitas vezes acompanhados de proteinúria ou hematúria microscópica assintomática persistente (JAMESON et al., 2019). As características clínicassão: hematúria macroscópica (40 – 50% dos casos), mas ela pode ser microscópica, além disso, de forma menos comum ela pode cursar com síndrome nefrótica (5 – 10% dos casos) ou como glomerulonefrite rapidamente progressiva (SANAR). Diagnóstico ↠ O diagnóstico é baseado na clínica de síndrome nefrítica, com a presença de IgA aumentado, o que ocorre em aproximadamente 50% dos casos. Porém, o achado principal para confirmação do diagnóstico é baseado no estudo histopatológico, após a biópsia, na qual é encontrada uma proliferação mesangial, o que já é percebido na microscopia ótica e marcado na imunofluorescência com o depósito da imunoglobulina A (SANAR). GLOMERULONEFRITES SECUNDÁRIAS NEFRITE LÚPICA ↠ A nefrite lúpica é uma complicação comum e grave do lúpus eritematoso sistêmico (LES) e ainda mais grave em adolescentes negras. De 30 a 50% dos pacientes terão manifestações clínicas de doença renal por ocasião do diagnóstico, enquanto 60% dos adultos e 80% das crianças desenvolvem anormalidades renais em algum momento no decorrer do curso da doença (JAMESON et al., 2019). 9 Júlia Morbeck – @med.morbeck ↠ A nefrite lúpica resulta do depósito de imunocomplexos circulantes que ativam a cascata do complemento, levando a lesão mediada pelo complemento, infiltração de leucócitos, ativação de fatores pró-coagulantes e liberação de várias citocinas. A formação de imunocomplexos in situ após a ligação glomerular dos antígenos nucleares, particularmente nucleossomos necróticos, também desempenha algum papel na lesão renal. A presença de anticorpos antifosfolipídeo também pode desencadear uma microangiopatia trombótica em uma minoria dos pacientes (JAMESON et al., 2019). ↠ As manifestações clínicas, a evolução da doença e o tratamento da nefrite lúpica estão intimamente relacionados com a patologia renal. O sinal clínico mais comum de doença renal é a proteinúria, contudo é possível observar a presença de hematúria, hipertensão, graus variáveis de disfunção renal e sedimento urinário ativo com cilindros hemáticos. As manifestações extrarrenais do lúpus são importantes para estabelecer um diagnóstico seguro de lúpus sistêmico, porque as anormalidades sorológicas não são diagnósticas, ainda que sejam comuns na nefrite lúpica (JAMESON et al., 2019). ↠ Os anticorpos anti-dsDNA que fixam o complemento se correlacionam melhor com a presença de doença renal. A hipocomplementemia é comum nos pacientes com nefrite lúpica aguda (70-90%), e um declínio nos níveis de complemento pode prenunciar uma recaída da doença. Embora estejam sendo identificados biomarcadores urinários da nefrite lúpica que ajudam a prever as exacerbações renais, a biópsia renal é o único método confiável para identificar as variantes morfológicas da nefrite lúpica (JAMESON et al., 2019). Vasculites ↠ Existem 03 tipos de vasculites relacionadas com o anticorpo ANCA, que podem cursar com síndrome nefrítica. São elas: • Poliangeíte granulomatosa (Wegener) – caracterizada por: sinusopatia, escarros hemoptoicos, infiltrados ou nódulos pulmonares e nefrite; • Poliangeíte eosinofílica (Churg-Strauss) – caracterizada por: asma de difícil controle, eosinofilia, eosinófilos em parede de vasos, mono/polineuropatia e nefrite; • Poliangeíte microscópica – caracterizada por: hemorragia alveolar, mono/polineuropatia e nefrite. ↠ As manifestações renais de todas estas vasculites de pequenos vasos positivas para anticorpos ANCA incluem frequentemente GN necrosante focal sem depósitos imunológicos glomerulares significativos (“pauci-imune”), crescentes em mais de 50% dos glomérulos e progressão rápida em muitos casos (COUSER, 2016). MANIFESTAÇÕES CLÍNICAS ↠ O quadro clínico das glomerulonefrites agudas é variável e depende fundamentalmente da etiologia envolvida e do grau de comprometimento histológico (TITAN, 2013). A evolução clínica depende da lesão subjacente (JAMESON et al., 2021). 10 Júlia Morbeck – @med.morbeck PROTEINÚRIA ↠ Na fisiologia glomerular, proteínas de baixo peso molecular podem ser filtradas pela barreira de filtração, mas logo são reabsorvidas pelos túbulos proximais e não são identificadas em exames de urina. Quando há lesão da barreira, pode-se observar perda de proteínas na urina. O endotélio é uma barreira bastante permeável; já a membrana basal glomerular (MBG) corresponde a uma rede com carga elétrica negativa, que apresenta grande quantidade de poros pequenos, denominados poros discriminantes, e baixa densidade de poros grandes, chamados poros não discriminantes. Essas características fazem com que ela seja altamente permeável a água e moléculas pequenas, como ureia, creatinina, glicose etc., e praticamente impermeável a macromoléculas (p. ex., imunoglobulinas) (RIELLA, 2018). ↠ O podócito, célula que recobre a MBG, tem pedicelos unidos por um diafragma, que são bastante seletivos à passagem de proteínas, constituindo-se a principal barreira à passagem de proteínas. Lesões nos podócito podem causar grandes proteinúrias (RIELLA, 2018). ↠ Outro fator que influencia bastante a permeabilidade a proteínas é a carga elétrica negativa da barreira. A albumina plasmática, por exemplo, apresenta raio molecular de 33 Å e, quando em solução no plasma, tem carga negativa. Pelo seu tamanho, ela poderia atravessar a MBG; porém, o fato de apresentar carga negativa faz com que ela seja repelida pela MBG e sua passagem por essa membrana seja desprezível (RIELLA, 2018). Nas glomerulopatias, tem-se demonstrado que existem perda de cargas aniônicas e aumento da densidade de poros não discriminantes da MBG, o que leva ao aumento da sua permeabilidade com consequente proteinúria. Nas glomerulopatias em que ocorrem apenas lesão podocitária e perda de carga (glomerulonefrite por lesões mínimas), as proteínas encontradas na urina são basicamente de baixo peso molecular, como a albumina e a transferrina, considerando-se a proteinúria seletiva, enquanto naquelas em que ocorre aumento da densidade de poros não discriminantes da MBG (NM, GNMP, GESF), além de albumina e transferrina, encontram- se também proteínas de maior peso molecular, como imunoglobulinas, constituindo-se proteinúria não seletiva (RIELLA, 2018). A maior parte das glomerulonefrites é mediada pelo sistema imune, quer pela deposição de imunocomplexos circulantes, quer pela reação antígeno-anticorpo in situ. Essas reações podem ativar o sistema complemento, o que, direta ou indiretamente, leva ao aumento de permeabilidade da MGB, resultando em proteinúria (RIELLA, 2018). ↠ Tem-se demonstrado que, nas diferentes glomerulonefrites experimentais, existe aumento da pressão hidrostática dentro do capilar glomerular, o qual representa outro fator importante na gênese da proteinúria (RIELLA, 2018). HEMATÚRIA ↠ O mecanismo da hematúria nas glomerulopatias tem sido muito pouco estudado. O conceito mais aceito atualmente refere-se ao fato de que, no curso da agressão renal, acabam ocorrendo soluções de continuidade na MBG que, associadas ou não a reação inflamatória local com vasodilatação, possibilitam a passagem de hemácias para o espaço de Bowman. Essa passagem se faz pela diapedese, o que provoca intensa alteração da sua forma e, por isso, a maior parte dos eritrócitos encontrados na urina de pacientes com glomerulopatias apresenta-se dismórfica (RIELLA, 2018). Codócitos e acantócitos representam os dismorfismos mais relacionados com lesão glomerular, assim como cilindros hemáticos, característicos de grandes lesões glomerulares. Lesões que cursam com ruptura da MBG, como é o caso das glomerulopatias crescênticas, podem apresentar hematúria não dismórfica e cilindros hemáticos (RIELLA, 2018). RETENÇÃO DE SÓDIO, EDEMA E HIPERTENSÃO ↠ Com o sódio, há retenção de água, com aumento da volemia,aumento da pressão hidrostática intravascular e extravasamento de líquido para o interstício, com consequente aparecimento de edema. Nesses casos, os pacientes podem apresentar hipertensão, edema, hipervolemia e sinais de insuficiência cardíaca congestiva. (RIELLA, 2018) QUEDA DA FILTRAÇÃO GLOMERULAR ↠ Vários fatores, como a retração dos podócitos (que ocorre em pacientes com síndrome nefrótica, independentemente do tipo histológico), a infiltração de neutrófilos, os depósitos de imunocomplexos e as proliferações endocapilares, podem ocluir as fenestrações do endotélio e diminuir a área filtrante da MBG, o que explica a queda aguda do coeficiente de permeabilidade da MBG em algumas glomerulopatias. Proliferações extracapilares observadas nas glomerulonefrites crescênticas com colapso do tufo glomerular também podem ser responsáveis pela queda aguda da filtração glomerular por diminuírem a área total disponível para filtração. (RIELLA, 2018) Classificação conforme extensão da lesão A extensão do comprometimento histológico é determinante para as manifestações clínico-laboratoriais e permite classificar as glomerulonefrites em: • Glomerulonefrite focal: acometimento inflamatório de menos de 50% dos glomérulos. Estes pacientes 11 Júlia Morbeck – @med.morbeck habitualmente apresentam hematúria assintomática, proteinúria leve (usualmente < 1,5 g/dia) e, eventualmente, cilindros celulares. Exemplos: nefropatia da IgA, doença de membrana fina e nefrites hereditárias (TITAN, 2013). • Glomerulonefrite difusa: envolvimento de mais de 50% dos glomérulos. Classicamente, os pacientes apresentam início abrupto de hematúria micro ou macroscópica, oligúria, edema, hipertensão e queda na taxa de filtração glomerular. Os níveis de proteinúria tendem a ser mais elevados, podendo atingir níveis nefróticos. Exemplos: glomerulonefrite pós-infecciosa, nefrite lúpica e glomerulonefrite membranoproliferativa (TITAN, 2013). DIAGNÓSTICO ↠ Diante de um quadro clínico de glomerulonefrite aguda, os principais exames laboratoriais a serem solicitados são: (TITAN, 2013) BIÓPSIA No contexto de uma glomerulonefrite aguda, a biópsia renal nem sempre está indicada. Quadros sugestivos de glomerulonefrite pós- estreptocócica, por exemplo, apresentam um prognóstico habitualmente favorável e podem ser conduzidas mediante acompanhamento clínico-laboratorial (TITAN, 2013). ↠ Pacientes que cursam com alteração de função renal devem ser submetidos à biópsia renal, visando ao diagnóstico definitivo. É importante salientar que a biópsia não deve retardar a instituição do tratamento, especialmente nas suspeitas de glomerulonefrite (TITAN, 2013). Urina I ↠ Permite detectar hematúria, leucocitúria estéril (a ser confirmada com urocultura), cilindros (celulares ou hemáticos) e proteinúria (TITAN, 2013). Eritrócitos dismórficos no sedimento urinário, que estão deformados como resultado de sua passagem através da parede capilar e dos túbulos glomerulares. FUNÇÃO RENAL • Ureia e creatinina. ULTRASSONOGRAFIA ↠ Fornece alguns parâmetros de viabilidade renal, além de permitir a identificação de eventuais patologias pós- renais (TITAN, 2013) Dosagem de complemento ↠ As glomerulonefrites podem ser classificadas em normo ou hipocomplementêticas (TITAN, 2013) PESQUISA DE ANTICORPOS ANTI-ESTREPTOCÓCICOS ↠ Suspeita de glomerulonefrite pós-estreptocócica (TITAN, 2013) FAN e anti-DNA ↠ FAN e anti-DNA para investigação de lúpus eritematoso sistêmico (TITAN, 2013). Hemocultura e ecocardiograma ↠ Suspeita de endocardite ou nefropatia do shunt (TITAN, 2013) 12 Júlia Morbeck – @med.morbeck Referências TORTORA, Gerard J. Princípios de anatomia e fisiologia / Gerard J. Tortora, Bryan Derrickson; tradução Ana Cavalcanti C. Botelho... [et al.]. – 14. ed. – Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 2016. JUNQUEIRA, L. C.; CARNEIRO, J. Histologia básica: texto e atlas. 13. ed. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 2018 MARIEB, E. N.; HOEHN, K. Anatomia e Fisiologia, 3ª ed., Porto Alegra: Artmed, 2008. RIELLA, Miguel C. Princípios de Nefrologia e Distúrbios Hidroeletrolíticos, 6ª edição. Grupo GEN, 2018. JOHNSON, Richard J. Nefrologia Clínica. Grupo GEN, 2016. NORRIS, Tommie L. Porth - Fisiopatologia. Grupo GEN, 2021. JAMESON, J L.; FAUCI, Anthony S.; KASPER, Dennis L.; et al. Medicina interna de Harrison - 2 volumes, Grupo A, 2019. TITAN, Silvia. Princípios básicos de nefrologia.: Grupo A, 2013. COUSER, W. G. Patogênese e tratamento da glomerulonefrite – uma atualização. Jornal Brasileiro de Nefrologia, v. 38, n. 1, 2016.