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Pró-reitoria de EaD e CCDD 
 
1 
Epistemologia das Ciências Sociais 
 
 
 
 
 
 
Aula 5 
 
 
 
 
 
 
 
 
Profa. Mariana Bettega Braunert 
 
 
Pró-reitoria de EaD e CCDD 
 
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Conversa Inicial 
Uma das questões mais relevantes no que diz respeito à epistemologia 
das ciências sociais é a possibilidade de construção de um conhecimento 
neutro, objetivo e imparcial. Essa problemática se coloca nas ciências humanas 
em geral de maneira diferente das ciências naturais, embora essas últimas não 
sejam mais exatas, puras ou “verdadeiras” que as primeiras. 
Nesta aula, aprofundaremos a reflexão sobre a possibilidade de 
construção de um conhecimento neutro e imparcial nas ciências sociais e 
identificaremos as peculiaridades da relação entre o cientista social e seus 
objetos de pesquisa. 
Para tanto, analisaremos o conceito de vigilância epistemológica 
utilizado por Pierre Bourdieu e Gaston Bachelard e as noções de envolvimento 
e alienação dos pesquisados com base nas ideias do sociólogo Norbert Elias. 
Contextualizando 
Se é verdade que em nenhuma ciência, seja ela humana, exata ou 
biológica, é possível falar em conhecimento objetivo puro, pleno, verdadeiro e 
imparcial, a discussão se coloca de modo bastante peculiar nas ciências 
humanas, e especialmente nas sociais, em que o sujeito pesquisador é 
também parte do próprio objeto de pesquisa, pois está imerso no mundo social 
e é parte integrante das relações nele estabelecidas. 
Como ensina Tremblay (2008, p. 12), isso decorre em grande parte do 
fato de o homem ser seu próprio observador e produzir, muitas vezes, 
explicações divergentes de uma mesma realidade, o que também pode ocorrer 
nas ciências naturais e experimentais. 
Apesar disso, a prática científica difere de outras formas de conhecimento 
sobre o real. Embora cientes da relatividade da “verdade” científica, devemos 
ser rigorosos e coerentes na atividade de pesquisa, eliminando o máximo que 
pudermos o viés da nossa análise e buscando a maior objetividade possível. 
 
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Qual é, porém, essa “objetividade possível” nas ciências sociais? Como 
lidar de forma mais concreta com a subjetividade para produzir resultados 
considerados legítimos pela comunidade acadêmica? Devemos reconhecer a 
influência da nossa subjetividade e das nossas experiências de vida no 
desenvolvimento da pesquisa ou negá-la incessantemente? São questões 
dessa natureza e importância que procuraremos responder ao longo desta 
aula. 
Tema 1: A Relação Entre o Pesquisador e o Objeto de Pesquisa 
 
Já mencionamos em outras aulas que uma das grandes particularidades 
da pesquisa sociológica é o fato de o pesquisador estar imerso no mundo 
social que estuda, e, por isso, a relação entre pesquisador e objeto de pesquisa 
deve ser problematizada. 
Exemplificando: digamos que você decide desenvolver uma pesquisa 
sobre a influência da família na escolha da profissão os filhos. Quase todos os 
pesquisadores têm ou já tiveram uma família e passaram pelo dilema da 
escolha profissional; portanto, podem ter uma série de preconcepções e 
opiniões de senso comum sobre o assunto. Se pensarmos em outros temas de 
pesquisa como violência, trabalho, escola ou relações de gênero, veremos que 
a maioria de nós, de alguma forma, já vivenciou experiências relacionadas a 
eles, pois estamos imersos em uma série de relações sociais nas nossas vidas 
cotidianas. 
Para estudar cientificamente a sociedade em que estamos inseridos, 
precisamos assumir diante do objeto de estudo uma postura científica e crítica, 
embora não possamos negar e apagar todas as experiências vividas. 
Em primeiro lugar, precisamos ter a consciência de que fazemos parte de 
uma cultura, que possuímos valores e uma visão de mundo limitada pelo nosso 
contexto social. Retomando o exemplo da família acima mencionado, em 
outras sociedades e outras épocas, as relações entre os membros da família 
 
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eram absolutamente distintas da sociedade moderna ocidental, mas temos a 
tendência de universalizar nosso modo de vida como o único possível. Por 
isso, antes de tudo, o sociólogo deve ter a necessária abertura diante do objeto 
e submeter sua prática científica a constantes questionamentos, tendo ciência 
de que ele próprio é produto de uma cultura particular. Acerca do assunto, 
Bourdieu ensina: 
Entre os pressupostos que o sociólogo fica devendo ao fato de ser um sujeito 
social, o mais fundamental é, sem dúvida, o da falta de pressupostos que define o 
etnocentrismo; com efeito, ao se ignorar como sujeito culto de uma cultura 
particular e ao não subordinar toda a sua prática a um questionamento contínuo 
em relação a esse enraizamento, o sociólogo (mais do que o etnólogo) é 
vulnerável à ilusão da evidência imediata ou à tentação de universalizar, 
inconscientemente, uma experiência singular. (Bourdieu, 2001, p. 91) 
Pedro Demo ressalta que a relação do sujeito com o objeto construído é 
dinâmica e de influência mútua: 
Objeto construído significa, pois, que não se entende sem o respectivo construtor. 
Não conseguimos imaginar a solidão pura de um sujeito objetivo diante de um 
objeto, travando entre os dois um relacionamento apenas formal de simples 
captação, descrição e reprodução. Seria isto ignorar os condicionamentos sociais 
e a ciência como processo histórico. A relação entre sujeito e objeto é dinâmica, 
dialética, no sentido da mútua influência. E isto é precisamente o fenômeno 
metodológico da interpretação, ou seja, depende também do intérprete e, como 
consequência, do seu contexto social. (Demo, 1983, p. 48) 
Tendo em vista a complexidade dessa relação, Minayo entende que toda 
produção científica nas ciências sociais carrega a marca do seu autor, sendo 
necessário reconhecer que o sujeito não é neutro e o objeto é também sujeito 
em constante interação com o investigador: 
Não podemos desconhecer que qualquer produção científica na área das ciências 
sociais é uma criação e carrega a marca de seu autor. (...) É preciso aceitar que o 
sujeito das ciências sociais não é neutro ou então se elimina o sujeito no processo 
de conhecimento. Da mesma forma, o “objeto” dentro dessas ciências é também 
sujeito e interage permanentemente com o investigador. (Minayo, 1992, p. 35) 
 
 
 
Sobre o assunto, Martins esclarece ainda que essa proximidade entre o 
sujeito e o objeto foi outrora algo que comprometia a neutralidade e 
objetividade do conhecimento nas ciências sociais: 
 
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A proximidade (ainda que muitas vezes meramente física) entre o sujeito e objeto 
do conhecimento, requisito metodológico central da metodologia qualitativa, 
favoreceria o comprometimento subjetivo do pesquisador e conduziria a trabalhos 
de caráter especulativo e pouco rigorosos, arriscando, assim, a neutralidade e a 
objetividade do conhecimento científico. (Martins, 2004, p. 293) 
 
Outro aspecto também ressaltado pela autora é que a aproximação do 
objeto muitas vezes exige uma aproximação baseada na amizade, na empatia 
e no afeto e, para os positivistas, essa referência a sentimentos na pesquisa 
compromete o caráter científico do conhecimento produzido. (Martins, 2004, p. 
294) 
Percebe-se, assim, que as reflexões epistemológicas atuais não analisam 
as relações entre sujeito e objeto de maneira dicotômica, colocando de um lado 
o sujeito pesquisador que conhece e de outro o objeto pesquisado que é 
descrito e analisado. Ao contrário disso, além de reconhecer a complexidade 
dessa relação, entende-se que uma das formas de objetivar o conhecimento é 
explicitando as condições sociais da pesquisa e a posição social que o 
pesquisador ocupa em relação ao objeto. 
Nesse sentido, Bourdieu denomina de objetivação participante o processo 
pelo qual o pesquisador descreve a relação subjetiva que mantém com seu 
objeto, tornando-se consciente dela e dos seusimpactos sobre a prática 
científica. Isso significa que o sociólogo possui uma história de vida, pertence a 
uma instituição, ocupa uma posição no espaço social e deve ter consciência do 
impacto dessas variáveis na relação que estabelece com o objeto pesquisado. 
 
Leitura Complementar: 
BOURDIEU, P. Objetivar o sujeito objetivante. In: Coisas ditas. São Paulo: 
Brasiliense, 2004. 
Saiba Mais: 
Pierre Bourdieu (1930-2002) foi um dos mais importantes sociólogos da 
contemporaneidade e é uma referência nos estudos sobre epistemologia das 
 
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ciências sociais. 
Para acessar entrevistas, artigos e obras completas, visite a página de consulta 
e difusão da obra de Bourdieu. Disponível em http://www.bourdieu.com.br/ 
 
Tema 2: Neutralidade Científica 
 
Embora o conhecimento nas ciências sociais seja sempre relativo, uma 
das formas de conferir objetividade a ele é explicitando as condições sociais 
específicas em que foi produzido. É preciso, portanto, submeter prática 
científica à reflexividade crítica, isto é, “um pensamento sobre as condições 
sociais do pensamento, que seja capaz de oferecer ao pensamento a 
possibilidade de uma verdadeira liberdade em relação a tais condições” 
(Bourdieu, 2001, p. 144). 
Essa é uma tarefa, segundo Bourdieu, propriamente epistemológica que 
consiste em “descobrir no decorrer da própria atividade científica, 
incessantemente confrontada com o erro, as condições nas quais é possível 
tirar o verdadeiro do falso, passando de um conhecimento menos verdadeiro a 
um conhecimento mais verdadeiro” (Bourdieu et. al., 1999, p. 17). 
O partido da reflexividade crítica inspira-se – explica Bourdieu – por duas 
convicções, validadas pela experiência: 
Primeiramente, o princípio dos erros ou das ilusões mais graves do pensamento 
antropológico (recorrentes tanto entre especialistas das ciências sociais – 
historiadores, sociólogos, etnólogos – como entre filósofos), e em particular a 
visão do agente como indivíduo (ou “sujeito”) consciente, racional e 
incondicionado, reside nas condições sociais de produção do discurso 
antropológico, ou seja, na estrutura e no funcionamento dos campos em que se 
produz o discurso sobre “o homem”; em segundo lugar, é possível um 
pensamento sobre as condições sociais do pensamento que seja capaz de 
oferecer ao pensamento a possibilidade de uma verdadeira liberdade em relação a 
tais condições. (Bourdieu, 2001, p. 144) 
 
Bourdieu adverte que o imperativo da reflexividade não implica que o 
pensador pode ocupar um ponto de vista transcendente em relação aos pontos 
de vista empíricos de agentes comuns e ter acesso a um saber absoluto, mas 
http://www.bourdieu.com.br/
 
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trabalhar para dar conta do sujeito empírico da prática científica e lograr então 
“uma consciência mais aguda e um domínio mais completo das constrições 
que podem se exercer sobre o ‘sujeito’ científico por meio de todos os liames 
que o vinculam ao ‘sujeito empírico’, a seus interesses, pulsões, pressupostos, 
e com os quais ele precisa romper para se constituir” (Bourdieu, 2001, p. 145). 
Ao indagar se é possível um ponto de vista soberano, totalizante, objetivo, 
neutro e imparcial, Bourdieu esclarece que, para ele, a verdade é um “móvel de 
lutas”: 
Se existe uma verdade, é o fato de a verdade constituir um móvel de lutas. O que 
ocorre, aliás, no próprio campo científico. Mas as lutas que aí de desenvolvem 
possuem sua lógica própria, arrancando-as do jogo de espelhos que se refletem 
ao infinito de um perspectivismo radical. (Bourdieu, 2001, p. 143) 
 
O esforço para intensificar a consciência dos limites e determinações do 
pensamento está, portanto, ligado a um conhecimento dos limites das suas 
condições sociais de sua produção. Para o autor: 
Longe de ser, como por vezes finge-se acreditar, uma denúncia polêmica com 
vistas a depreciar a razão, a análise das condições em que se realiza o trabalho 
do pensamento constitui um instrumento privilegiado da polêmica da razão. Ao 
esforçar-se em intensificar a consciência dos limites que o pensamento deriva de 
suas condições sociais de produção e em desenraizar a ilusão da ausência de 
limites ou da liberdade perante quaisquer determinações, deixando o pensamento 
indefeso contra tais determinações, essa análise trabalha no sentido de oferecer a 
possibilidade de uma liberdade real diante das determinações por ela 
desvendadas. (Bourdieu, 2001, p. 148) 
 
Dessa forma, o pesquisador estará tanto mais próximo de um 
conhecimento “objetivo” quando, ao contrário de negar, assumir que o 
pensamento científico é limitado pelas suas condições sociais de produção, o 
que oferece uma possibilidade de liberdade real diante dessas determinações. 
A produção científica pressupõe uma mudança de perspectiva do 
pesquisador, a qual passa de uma atitude epistemológica guiada por crenças 
(que organizam não só o senso comum, mas também a prática científica) para 
uma postura direcionada à realização de pesquisa empírica e à observação. 
Nesse sentido, ensina Thomas Khun que: 
A observação e a experiência podem e devem restringir drasticamente a extensão 
 
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das crenças admissíveis, porque de outro modo não haveria ciência. Mas não 
podem, por si só, determinar um conjunto específico de semelhantes crenças. Um 
elemento aparentemente arbitrário, composto de acidentes pessoais e históricos, 
é sempre um ingrediente formador das crenças esposadas por uma comunidade 
científica específica numa determinada época. (Kuhn, 1998, p. 23) 
 
Bourdieu também reconhece que a sociologia como ciência objetiva só é 
possível porque existem relações sociais que independem das vontades 
individuais e que só podem ser estudadas cientificamente por meio da 
observação e da experimentação. Por isso ressalta o autor a necessidade de 
descrever as relações singulares que os sujeitos mantêm com as condições 
objetivas de sua existência. (Bourdieu et. al.1999, p. 29) 
Se é verdade que o risco de o cientista confundir “é” com o “dever ser” 
existe, a observação empírica da realidade concreta parece ser uma forte 
aliada (mais do que as grandes abstrações teóricas) para a produção de um 
conhecimento verdadeiramente voltado ao questionamento das prenoções e 
dos juízos de valor que ameaçam a prática científica, possibilitando também ao 
pesquisador uma abertura a novas questões e novos olhares sobre o objeto de 
pesquisa, cuja emergência muitas vezes só é viabilizada a partir de um contato 
mais próximo com o campo e um manejo concreto do objeto. 
Portanto, embora tanto a pesquisa empírica quanto a leitura teórica sejam 
importantes para a prática científica, uma das maneiras de evitar a influência 
dos juízos de valor e das preconcepções nos resultados da análise é olhar para 
o objeto e “deixar ele falar”, observá-lo e questioná-lo incessantemente, o que 
nos permite captar nuances e questões em princípio não percebidas, bem 
como apreender a realidade com menos viés. 
 
Leitura Complementar: 
A profissão de sociólogo. Disponível em: 
https://bibliotecadafilo.files.wordpress.com/2013/10/18-bourdieu-pierre-a-
profissao-de-sociologo-part-1.pdf 
https://bibliotecadafilo.files.wordpress.com/2013/10/18-bourdieu-pierre-a-profissao-de-sociologo-part-1.pdf
https://bibliotecadafilo.files.wordpress.com/2013/10/18-bourdieu-pierre-a-profissao-de-sociologo-part-1.pdf
 
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Saiba Mais: 
Vamos observar a ilustração a seguir e refletir sobre como podemos relacioná-
la ao conteúdo da nossa aula: 
 
 
Fonte: <http://saberciencia.tecnico.ulisboa.pt/artigos/ciencia-kit-de-ferramentas-04.php>. 
 
Podemos aferir que o fato de o conhecimento científico não ser neutro e 
imparcial não significa que ele seja meramente especulativo. Leitura, estudo, 
pesquisa empírica rigorosa e observação da realidade concreta são 
fundamentaispara o reconhecimento da legitimidade de um estudo científico! 
 
Tema 3: Vigilância Epistemológica 
Um importante conceito que nos ajuda a compreender qual a objetividade 
possível nas ciências sociais e qual postura o pesquisador pode ter mais 
concretamente para ser rigoroso e científico em suas práticas de pesquisa é o 
de vigilância epistemológica. O termo foi cunhado por Gaston Bachelard (1989) 
e é utilizado por Pierre Bourdieu (1999), para quem é a vigilância no trabalho 
científico que permite distinguir, nas ciências humanas, a opinião de senso 
 
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comum e o discurso científico. 
A necessidade de submeter constantemente a prática científica à 
polêmica da razão epistemológica está ligada a um processo de vigilância do 
trabalho científico, com o qual se deve ter cuidado no desenvolvimento da 
pesquisa. 
A vigilância epistemológica é uma vigilância de si próprio no 
desenvolvimento do trabalho científico e constitui uma arma eficaz para romper 
com as opiniões primeiras, impressões mais aparentes e as prenoções sobre o 
objeto de pesquisa, não a deixando contaminar-se pelas noções preconcebidas 
das quais o pesquisador dispõe sobre o objeto. 
De acordo com Gaston Bachelard (1989), embora o interesse seja 
fundamental ao conhecimento, é necessário controlar a subjetividade a fim de 
passar de um conhecimento imediato a um mediato, pois as primeiras 
impressões são enganosas, porque parciais. 
É necessário, nesse sentido, desenvolver um pensamento contraintuitivo, 
porque a intuição provavelmente será uma projeção, e o que orienta no 
primeiro recorte da pesquisa é certamente um ponto de vista orientado e 
enraizado, e não neutro. 
Por isso, o autor propõe que se recuse a primeira simpatia/antipatia que 
se tem pelo tema na pesquisa acadêmica e se questione as primeiras 
sensações, contrariando os pensamentos nascidos da primeira observação, 
pois toda objetividade, quando constatada, contraria o primeiro contato com o 
objeto. Como explica Bachelard: 
De facto, a objetividade científica só é possível se abstrairmos primeiro do objecto 
imediato, se recusarmos a sedução da primeira escolha, se travarmos e 
contrariarmos os pensamentos nascidos da primeira observação. Toda 
objectividade, devidamente verificada, desmente o primeiro contato com o objecto. 
Deve em primeiro lugar criticar tudo: a sensação, o senso comum, até a prática 
mais vulgar, a etimologia, enfim, pois o verbo, que é feito para cantar e encantar, 
raras vezes corresponde ao pensamento. Em lugar de se extasiar, o pensamento 
objectivo deve ironizar. Sem esta vigilância hostil, nunca atingiremos uma atitude 
verdadeiramente objectiva. (Bachelard, 1989, p. 8) 
 
Em relação ao conhecimento científico, para Bachelard (1989, p. 9), as 
 
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impressões primitivas, as adesões simpáticas, os devaneios, seduções e as 
divagações ociosas são perigosos e, “quando, num conhecimento, a soma das 
convicções pessoais ultrapassa a soma dos conhecimentos que se podem 
explicar, ensinar, provar, torna-se indispensável uma psicanálise”. (Bachelard, 
1898, p. 83) 
Para fazer uma “psicanálise do conhecimento objetivo”, é necessário 
descortinar a influência dos valores inconscientes que estão na base do 
conhecimento empírico: 
Trata-se, com efeito, de descortinar a influência dos valores inconscientes na 
própria base do conhecimento empírico e científico. Precisamos, pois, de mostrar 
a luz recíproca que passa constantemente dos conhecimentos objectivos e sociais 
para os conhecimentos subjectivos e pessoais, e vice-versa. (Bachelard, 1989, p. 
16). 
 
Mais que isso, faz-se necessário elucidar a relação entre os 
conhecimentos subjetivos e pessoais e os conhecimentos objetivos e sociais, já 
que os primeiros estão na base de um conhecimento “menos verdadeiro”. 
 
Leitura Complementar: 
A psicanálise do fogo. Disponível em: 
http://pt.scribd.com/doc/130947832/BACHELARD-Gaston-A-Psicanalise-do-
Fogo#scribd 
 
A profissão de sociólogo: preliminares epistemológicas. Disponível em 
https://bibliotecadafilo.files.wordpress.com/2013/10/18-bourdieu-pierre-a-
profissao-de-sociologo-part-1.pdf 
 
Saiba Mais: 
O artigo a seguir publicado na Revista de Ciências Humanas de Florianópolis 
analisa a epistemologia de Bachelard e aborda, entre outros conceitos, o de 
vigilância epistemológica. 
http://pt.scribd.com/doc/130947832/BACHELARD-Gaston-A-Psicanalise-do-Fogo#scribd
http://pt.scribd.com/doc/130947832/BACHELARD-Gaston-A-Psicanalise-do-Fogo#scribd
https://bibliotecadafilo.files.wordpress.com/2013/10/18-bourdieu-pierre-a-profissao-de-sociologo-part-1.pdf
https://bibliotecadafilo.files.wordpress.com/2013/10/18-bourdieu-pierre-a-profissao-de-sociologo-part-1.pdf
 
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A epistemologia de Gaston Bachelard: uma ruptura com as filosofias do 
imobilismo. Disponível em: 
https://periodicos.ufsc.br/index.php/revistacfh/article/view/2178-
4582.2011v45n2p393 
 
Tema 4: Envolvimento e Alienação 
Norbert Elias (1998) utiliza-se das categorias “envolvimento” e 
“alienação” (no sentido de distanciamento) para pensar a relação estabelecida 
entre o pesquisador e o conhecimento por ele produzido. 
Para o autor, todos nós vivemos em um continuum entre envolvimento e 
alienação, sendo que ninguém é totalmente alienado nem totalmente envolvido 
com o objeto que pesquisa: “Não se pode dizer sobre a perspectiva de alguém, 
em qualquer sentido absoluto, que seja alienada ou envolvida (…). 
Normalmente o comportamento adulto repousa numa escala, em algum ponto 
localizado entre esses dois extremos” (ELIAS, 1998, p. 107-108). 
O autor lembra que nas ciências sociais, ao contrário das naturais, os 
“objetos” são também “sujeitos” do conhecimento e, por isso, a questão da 
objetividade se coloca nas ciências sociais diferente das naturais. Os cientistas 
sociais, enquanto membros de grupos, são afetados por paixões e visões 
partidárias e dogmáticas, suposições a priori e ideias preconcebidas (ELIAS, 
1998, p. 124). 
É necessário, para fazer ciência, ter alienação e autonomia de 
pensamento. Para Elias: 
A questão que desafia aqueles que estudam alguns aspectos dos grupos 
humanos é a de como manter seus dois papéis, de participantes e de 
pesquisadores, clara e consistentemente separados e, enquanto grupo 
profissional, estabelecer em seu trabalho a incontestável predominância do último. 
(Elias, 1998, p. 126) 
O autor reconhece que “essa tarefa é tão difícil, que muitos 
representantes das ciências sociais, atualmente, parecem considerar inevitável 
a determinação de suas pesquisas por ideais sociais e políticos preconcebidos 
e aceitos religiosamente” (Elias, 1998, p. 126). 
https://periodicos.ufsc.br/index.php/revistacfh/article/view/2178-4582.2011v45n2p393
https://periodicos.ufsc.br/index.php/revistacfh/article/view/2178-4582.2011v45n2p393
 
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Para fazer ciência, é preciso alienar-se do papel de participante e da 
visão limitada desse papel. Como afirma o autor: 
A tarefa dos cientistas sociais é pesquisar e fazer as pessoas entenderem os 
padrões que formam quando juntas, a natureza e a configuração mutante de tudo 
que as liga. Os próprios pesquisadores fazem parte desses padrões. Não podem 
evitar vivenciá-los, diretamente ou por identificação, porque deles participam; e 
quanto maiores as solicitações e as tensões a que eles e seus grupos estão 
submetidos, mais difícil lhes é realizar a operação mental que fundamenta todas 
as buscas científicas: alienar-se do papel de participante imediato e da perspectiva 
limitada que isso oferece. (Elias, 1998, p. 120-121) 
Se há uma escala entre um total envolvimento e alienação, deve-se 
progredir em relação a uma maior alienação, pois, quanto maior a alienação, 
maior a tendência para avaliações autônomas. (Elias, 1998, p. 153) 
É evidente que, para conhecer, um envolvimento mínimoinicial com o 
objeto é inevitável (esse envolvimento pode ser denominado de processo 
empático). Contudo, em um momento posterior, é necessário observar sem 
julgar, o que significa ter consciência dos juízos de valor e tencioná-los, isto é, 
questioná-los, o que implica um processo de distanciamento ou alienação 
necessário para a produção do conhecimento científico. 
Leitura Complementar: 
Resenha do livro, disponível em: 
https://www.scribd.com/fullscreen/27581814?access_key=key-
2ggq58ufetvrud5k3ziy 
 
Saiba Mais: 
Sobre o autor: Norbert Elias é um importante sociólogo alemão, nascido em 
1897 e falecido em 1990. De família judaica, exilou-se na França em 1933 e 
passou grande parte da vida na Inglaterra. Escreveu importantes obras como O 
processo civilizador (1939) e Estabelecidos e outsiders (1965). 
O livro Envolvimento e alienação está disponível gratuitamente: 
http://monoskop.org/images/2/22/Elias_Norbert_Envolvimento_e_aliena%C3%
A7ao_1998.pdf 
 
https://www.scribd.com/fullscreen/27581814?access_key=key-2ggq58ufetvrud5k3ziy
https://www.scribd.com/fullscreen/27581814?access_key=key-2ggq58ufetvrud5k3ziy
http://monoskop.org/images/2/22/Elias_Norbert_Envolvimento_e_aliena%C3%A7ao_1998.pdf
http://monoskop.org/images/2/22/Elias_Norbert_Envolvimento_e_aliena%C3%A7ao_1998.pdf
 
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Síntese 
Uma das principais questões que perpassa a discussão sobre a 
produção científica, em qualquer área, é a da possibilidade de produção de um 
conhecimento objetivo, problema este que se coloca de maneira bastante 
peculiar nas ciências sociais, por ser o pesquisador ao mesmo tempo sujeito e 
objeto da realidade pesquisada. 
Vimos que, embora não se possa produzir um conhecimento 
absolutamente neutro, soberano e imparcial, há de se buscar separar sempre 
os juízos de valor da atividade científica e afastar as prenoções e as ideias 
preconcebidas sobre o objeto de estudo, colocando em xeque as primeiras 
impressões iniciais das quais dispomos e deslocando-se do terreno da crença 
para o da dúvida. 
Trazer à tona as condições e determinações sociais do processo de 
construção do conhecimento, ao contrário do que possa parecer, aproxima o 
pesquisador de um maior “objetivismo”, na medida em que o torna consciente 
das próprias limitações a que está submetido e da posição que ocupa do 
campo científico. 
Apenas a partir dessa consciência é possível avançar rumo ao 
desenvolvimento de uma sociologia crítica, que submete constantemente a 
prática científica à polêmica da razão epistemológica, levando a uma vigilância 
de si próprio e um controle maior da interferência da subjetividade no processo 
de produção do conhecimento. 
Trata-se de um processo de distanciamento/alienação que permite uma 
maior autonomia de pensamento e um tencionamento dos inevitáveis 
processos empáticos e dos juízos de valor com os dados revelados pela 
realidade concreta, acessada a partir da experiência empírica e da observação 
incessante. 
 
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Referências 
BACHELARD, G. A psicanálise do fogo. Lisboa: Litoral Edições, 1989. 
 
BOURDIEU, P. Meditações pascalianas. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 
2001. 
 
______. Coisas ditas. São Paulo: Brasiliense, 2004. 
 
BOURDIEU, P.; CHAMBOREDON, J. C. C; PASSERON, J. C. A profissão de 
sociólogo: preliminares epistemológicas. Rio de Janeiro: Vozes, 1999. 
 
DEMO, P. Introdução à metodologia da ciência. São Paulo: Atlas, 1983. 
 
DURKHEIM, É. As regras do método sociológico. São Paulo: Nacional, 
1995. 
 
ELIAS, N. Envolvimento e alienação. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 1998. 
 
KUHN, T. A estrutura das revoluções científicas. São Paulo: Perspectiva, 
1998. 
 
MARTINS, H. H. Metodologia qualitativa de pesquisa. In: Educação e 
Pesquisa, São Paulo, v. 30, n. 2, p. 289-300, maio/ago, 2004. 
 
MINAYO, M. C. O desafio do conhecimento: pesquisa qualitativa em saúde. 
São Paulo: Hucitec, 1992. 
 
TREMBLAY, M. A. Reflexões sobre uma trajetória pessoal pela diversidade dos 
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