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1 SUMÁRIO 1 INTRODUÇÃO ............................................................................................ 2 2 LÍNGUA E LINGUAGEM ............................................................................. 3 3 DESENVOLVIMENTO, NEUROCIÊNCIA E ALFABETIZAÇÃO ................. 8 4 O DESENVOLVIMENTO DA LINGUAGEM; OS MECANISMOS BIOLÓGICOS DA LINGUAGEM ............................................................................... 12 4.1 A aquisição da linguagem .................................................................. 14 4.2 Compreendendo a linguagem ............................................................ 15 5 DESENVOLVIMENTO DA LINGUAGEM ORAL ....................................... 18 5.1 Habilidades metalinguísticas e o sistema de escrita alfabética .......... 19 5.2 Concepção e desenvolvimento da Linguagem das crianças .............. 20 5.3 O desenvolvimento da oralidade na perspectiva Vigotskiana vs. Piagetiana 21 6 DESENVOLVIMENTO DA LINGUAGEM ESCRITA ................................. 28 6.1 A criança e a escrita ........................................................................... 30 6.2 A aquisição da escrita no processo de Alfabetização ........................ 32 6.3 Consciência fonológica....................................................................... 34 6.4 A memória de trabalho fonológico ...................................................... 35 6.5 A aquisição no desenvolvimento da leitura ........................................ 37 7 CONSCIÊNCIA MORFOSINTÁTICA ........................................................ 38 8 A AVALIAÇÃO DAS HABILIDADES METALINGUÍSTICAS E DE LEITURA 47 9 CONSIDERAÇÕES FINAIS ...................................................................... 48 10 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ...................................................... 50 11 SUGESTÕES BIBLIOGRÁFICAS .......................................................... 51 2 1 INTRODUÇÃO Prezado aluno! O Grupo Educacional FAVENI, esclarece que o material virtual é semelhante ao da sala de aula presencial. Em uma sala de aula, é raro – quase improvável - um aluno se levantar, interromper a exposição, dirigir-se ao professor e fazer uma pergunta , para que seja esclarecida uma dúvida sobre o tema tratado. O comum é que esse aluno faça a pergunta em voz alta para todos ouvirem e todos ouvirão a resposta. No espaço virtual, é a mesma coisa. Não hesite em perguntar, as perguntas poderão ser direcionadas ao protocolo de atendimento que serão respondidas em tempo hábil. Os cursos à distância exigem do aluno tempo e organização. No caso da nossa disciplina é preciso ter um horário destinado à leitura do texto base e à execução das avaliações propostas. A vantagem é que poderá reservar o dia da semana e a hora que lhe convier para isso. A organização é o quesito indispensável, porque há uma sequência a ser seguida e prazos definidos para as atividades. Bons estudos! 3 2 LÍNGUA E LINGUAGEM Fonte:diferenca.com/fala-lingua-e-linguagem Considerando a língua como um meio de comunicação de todos os falantes do mundo, é necessário estabelecer certas considerações sobre ela, pois esta, vai muito além de ser apenas um objeto de uso dos falantes, ela é, também, um objeto de poder. Olhando à primeira vista parece difícil definirmos ou chegarmos a um conceito sobre o que seja língua. Existem vários estudos a respeito da língua, pois, trata-se de um assunto de considerável complexidade. Cabe aqui apenas estabelecer conceitos básicos que possam mostrar os modos diferentes de se conceber a língua e perceber como o gênero propaganda a concebe. Para isso, será feita uma breve retomada de alguns conceitos sobre Língua e Linguagem, para que o foco desse estudo seja melhor compreendido. Mas o que é língua? Para nós, ela não se confunde com a linguagem; é somente uma parte determinada, essencial dela, indubitavelmente. É ao mesmo tempo, um produto social da faculdade de linguagem e um conjunto de convenções necessárias, adotadas pelo corpo social para permitir o exercício dessa faculdade nos indivíduos. Tomada em seu todo, a linguagem é multiforme e heteróclita; a cavaleiro de diferentes domínios, ao mesmo 4 tempo física, fisiológica e psíquica (...). (Saussure, 1970, apud SOLTES, 2011, p. 4 e 5). Língua, segundo Saussure é um objeto de natureza concreta, o que oferece grande vantagem para seu estudo. A língua é um sistema de signos um conjunto de unidades, ocorrendo uma relação entre significante (imagem acústica) e o significado (conceito). A língua existe na coletividade sob a forma duma soma de sinais depositados em cada cérebro, mais ou menos como um dicionário cujos exemplares, todos idênticos, fossem repartidos entre os indivíduos. Trata-se, pois, de algo que está em cada um deles, embora seja comum a todos e independa da vontade dos depositários (Saussure, 1970, apud SOLTES,2011, p. 5). Logo, essa coletividade sob a forma de uma soma de sinais depositados em cada cérebro, manifesta-se em duas formas: na fala e escrita. Através da fala e da escrita é possível notar a dimensão histórica da língua, por meio do seu caráter social. A língua existe desde os primórdios, nascemos com ela já imposta, já feita e muito bem definida por seus usuários, ela é comum a todos os seres humanos e é através da língua que podemos nos comunicar com diversas pessoas, de diversos países, continentes e hemisférios. Língua e escrita são dois sistemas distintos de signos; a única razão de ser do segundo é representar o primeiro; o objetivo linguístico não se define pela combinação da palavra escrita e da palavra falada; essa última, por si só, constitui tal objeto. Mas a palavra escrita se mistura tão intimamente com a palavra falada, da qual é a imagem, que acaba por usurpar-lhe o papel principal; terminamos por dar importância à representação do signo vocal do que ao próprio signo. É como se acreditássemos que, para conhecer uma pessoa, melhor fosse contemplar-lhe a fotografia do que o rosto (Saussure 1970, apud SOLTES,2011, p. 5) Para esclarecer a idéia do que seria língua, na perspectiva estruturalista, pode se dizer que a língua é um sistema de signos que exprimem ideias, e é comparável, por isso, à escrita, ao alfabeto dos surdos-mudos, aos ritos simbólicos, às formas de polidez, aos sinais militares etc., etc. ela é apenas o principal desses sistemas. Ao contrário da língua, a linguagem, na visão estruturalista, sofre modificações; surgem ou modificam-se ano a ano, novas palavras, novas expressões. A linguagem tem um lado individual e um lado social, sendo impossível conceber um sem o outro. Na linguagem, é possível ocorrer modificações, pois a linguagem modifica-se pelo 5 constante uso da língua através de seus interlocutores que a utilizam como meio de comunicação em diversas épocas e situações. A cada instante, a linguagem implica ao mesmo tempo um sistema estabelecido e uma evolução: a cada instante, ela é uma instituição atual e um produto do passado. Parece fácil, à primeira vista, distinguir entre esses sistemas e sua história, entre aquilo que ele é e o que foi; na realidade, a relação que une ambas as coisas são tão íntimas que se faz difícil separá-las (Saussure, 1970, apud SOLTES, 2011, p. 7) É simplesmente notável a evolução da língua. Já se passaram vários anos após os estudos realizados por Saussure e surgiram muitos aspectos em relação à língua que tornam impossível dizer que a mesma permanece intacta, ou que ela é homogênea e autônoma e, diante de tantas evoluções sociais e históricas ocorridas, não pode mais ser vista apenas como um objeto de estudo isolado, sem que se considerem as suas condições de uso. Com efeito, a compreensão do fenômeno linguístico como atividade, como um dos fazeres dohomem, puxou os estudos da língua para a consideração das intenções sociocomunicativas que põem os interlocutores em interação; acendeu, além disso, o interesse pelos efeitos de sentido que os interlocutores pretendem conseguir com as palavras em suas atividades de interlocução, trouxe para a cena dos estudos mais relevantes o discurso e texto, desdobrados nas suas relações com os sujeitos atuantes, com as práticas sociais e com as diferentes propriedades que asseguram seu estatuto de macrounidade da interação verbal (ANTUNES, 2009, apud SOLTES, 2011, p. 7). Assim, a língua passa a ser vista e estudada em seus contextos de uso, o que implica dizer nas manifestações linguísticas – produção e expressão – de cada comunidade de falantes, deixando de ser vista apenas como um signo contido de significante e significado, e até mesmo um conjunto de regras gramaticais. Passa a ser uma ponte na qual nos interligamos a outras culturas, pessoas, histórias, pois está inserida na vida de todos os falantes. O que nos une a todas as outras comunidades linguísticas é a língua. O interessante de tudo isso é que a língua contém características próprias e peculiares e, sendo assim, passa a ser como todos nós, seres humanos, que acompanhamos a evolução, o caminhar da humanidade. Diante de tantas mudanças não se pode imaginar uma língua intacta, imóvel, inflexível. A língua é, assim, um grande ponto de encontro; de cada um de nós, com os nossos antepassados, com aqueles que, de qualquer forma, fizeram e fazem a nossa história. Nossa língua está embutida na trajetória de nossa memória coletiva. Daí o apego que sentimos à nossa língua, ao jeito de falar e nosso 6 grupo. Esse apego é uma forma de selarmos nossa adesão a esse grupo (ANTUNES, 2009, apud SOLTES, 2011, p. 7). Refletindo sobre a língua, é possível defini-la através de conceitos apresentados por grandes autores como Marcuschi e Bagno: a) A língua apresenta uma organização interna sistemática que pode ser estudada cientificamente, mas ela não se reduz a um conjunto de regras de boa- formação que podem ser determinadas de uma vez por todas como se fosse possível fazer cálculos de previsão infalível. As línguas naturais são dificilmente formalizáveis. b) A língua tem aspectos estáveis e instáveis, ou seja, ela é um sistema variável, indeterminado e não fixo. Portanto, a língua a apresenta sistematicidade e variação a um só tempo. c) A língua se determina por valores imanentes e transcendentes de modo que não pode ser estudada de forma autônoma, mas deve-se recorrer ao entorno e à situação nos mais variados contextos de uso. A língua é, pois, situada. d) A língua se constrói com símbolos convencionais, parcialmente motivados, não aleatórios, mas arbitrários. A língua não é um fenômeno natural nem pode ser reduzida à realidade neurofisiológica. e) A língua não pode ser tida como um simples instrumento de representação do mundo como se dele fosse um espelho, pois ela é constitutiva da realidade. É muito mais um guia do que um espelho da realidade. f) A língua é uma atividade de natureza sociocognitivas, histórica e situacionalmente desenvolvida para promover a interação humana. g) A língua se dá e se manifesta em textos orais e escritos ordenados e estabilizados em gêneros textuais para uso das situações concretas. h) A língua não é transparente, mas opaca, o que permite a variabilidade de interpretação nos textos e faz da compreensão um fenômeno especial na relação entre os seres humanos. i) Linguagem, cultura, sociedade e experiência interagem de maneira intensa e variada não se podendo postular uma visão universal para as línguas particulares. Desta forma, pode-se concluir que a língua é versátil e impossível de ser estudada isoladamente, já que se trata de uma ferramenta de comunicação e 7 interação a todos os seres falantes. Na verdade, a língua que falamos deixa ver quem somos. De certa forma ela nos apresenta aos outros. Mostra a que grupo pertencemos. É uma espécie de atestado de nossas identidades. A linguagem é realmente o nosso meio de interação social. É impossível, portanto, conceber a linguagem como independente da língua, como se afirmava nos estudos estruturalistas. Língua e linguagem caminham juntas, evoluem juntas, são indissociáveis, as duas são influenciadas pelo meio social e histórico, uma só se realiza com a outra. Linguagem, língua e cultura são, reiteramos, realidades indissociáveis. Tendo em vista que, assim como a língua, a linguagem também está perpassada por aspectos sociais, políticos, históricos entre outros, não se pode falar de sistema autônomo, fechado em si mesmo e homogêneo. Ao passar a definir língua como um fenômeno social, como uma prática de atuação interativa dependente da cultura de seus usuários, esta passa a ser entendida em seu caráter político, histórico e sociocultural. A linguagem vista, assim, em sua heterogeneidade, exerce várias funções, mas tem como papel principal, a interação social, a comunicação entre os seres humanos. Através da linguagem torna-se possível a exposição de tudo aquilo que pensamos. Considerando a linguagem como forma de ação entre homens, adentra-se nos campos da persuasão e do convencimento, porque a linguagem como meio de interação social é dotada de intencionalidade; seu fundamento está, pois, na argumentação que procura persuadir e convencer alguém a agir de determinada forma. A par disso, entende-se que a função básica da linguagem é a argumentação, uma vez que o sujeito enunciador sempre tem em vista persuadir e convencer seu interlocutor (SITYA, 1995, apud SOLTES, 2011, p. 9). Estabelece assim que a linguagem, como meio de comunicação, interação social, estabelece relações e comportamentos entre os interlocutores. Além disso, sua função básica não é só comunicar, mas persuadir e convencer, o que significa desejo de interferir na opinião dos outros, modificando suas convicções e julgamentos. A linguagem pode ser nomeada como um mecanismo da língua, o qual todos os falantes utilizam nos mais variados contextos e em seus variados gêneros e do modo como eles desejam, conforme as suas intenções. A linguagem passa a ser encarada como forma de ação, ação sobre o mundo dotada de intencionalidade, veiculadora de ideologia, caracterizando-se, portanto, pela argumentatividade (KOCH, 1996 apud SOLTES, 2011, p. 9). 8 Assim, pode-se dizer que a linguagem é constituída totalmente de caráter argumentativo, pois com ela podemos estabelecer relações, opiniões, comportamentos, interagir na sociedade e atuar sobre ela. Língua e linguagem tornam-se assim uma ferramenta, as quais usamos e abusamos a nosso favor (ou não), forma de ação, ação sobre o mundo dotada de intencionalidade, veiculadora de ideologia, caracterizando-se, portanto, pela argumentatividade. Isso significa que, quando utilizamos a linguagem queremos não só expressar algo, mas, fazer algo, provocar no outro alguma reação. Nesse sentido, fica claro que todo o nosso dizer é constituído de uma intenção. 3 DESENVOLVIMENTO, NEUROCIÊNCIA E ALFABETIZAÇÃO Fonte:novaescola.org.br Neurociências parece ser a palavra da vez e está no vocabulário de todos, desde pesquisadores renomados até pessoas menos estudadas, que entram em contato com o conceito através dos meios de comunicação. A popularização do termo explica-se devido ao avanço dos estudos sobre o cérebro, propiciados pela evolução tecnológica dos instrumentos de pesquisa. Se antes da década de 1990 os estudiosos podiam estudar somente cérebros dos indivíduos mortos, a partir da década de 1990, a tecnologia de mapeamento cerebral evoluiu de maneira a possibilitar o estudo de cérebros em funcionamento, o que explica a amplitude de descobertas na área. 9 Em relação ao campo da educação, as neurociências contribuem à medida que possibilitam maior conhecimentosobre os processos biológicos envolvidos na aprendizagem e no desenvolvimento dos seres humanos. Esse conhecimento precisa ser incorporado aos programas de formação de professores e às práticas docentes. Com relação à alfabetização, são várias as contribuições que podem favorecer os processos de aprendizagem da leitura e da escrita. A escrita e a leitura, mesmo tendo relações, são processos distintos. No cérebro, as partes envolvidas na leitura são diferentes das partes envolvidas na escrita. Assim sendo, não é possível determinar uma única região cerebral como sendo a área responsável pela linguagem, uma vez que várias áreas do cérebro estão ligadas à atividade linguística. Essa, por sua vez, não se restringe às habilidades de leitura e de escrita, englobando, também, a comunicação oral, gestual e gráfica. Ao realizarem pesquisas sobre as hipóteses de escrita, estudiosos identificaram que o fracasso escolar estava associado a deficiências paralelas. Da mesma forma, o bom rendimento nas atividades acadêmicas estava acompanhado de êxito em outros domínios, tais como o esquema corporal, orientação espacial e temporal, lateralização, entre outros. Diante disso, os aspectos linguísticos e não linguísticos estão relacionados à capacidade de ler e escrever. Existiria, assim, uma maturação necessária para a aprendizagem. No entanto, os chamados exercícios de prontidão, nos quais as crianças são estimuladas a repetir bolinhas e traços que lhes permitiriam treinar sua motricidade fina, a fim de obter sucesso no traçado das letras. Parece que a maturação vai muito além da motricidade, não sendo possível treinar através de atividades maçantes e descontextualizadas. Para que a criança consiga se alfabetizar, é importante que o seu cérebro esteja maduro. Sabe-se hoje que, antes e durante o período de alfabetização, o cérebro da criança sofre importantes modificações, que permitirão que ela possa construir as bases do nosso sistema de escrita. “[...] nesta faixa etária (entre 3 e 6 anos) há um importantíssimo crescimento do córtex frontal que cria as condições neuroanatômicas (estruturas e ligações sinápticas) para a realização do mapeamento metafonológico, assim possibilitando a descoberta do princípio alfabético”. (ROSSA, 2011, apud GRANDO, 2013, p. 27). Para que essa maturação aconteça de forma saudável, é importante que a criança tenha acesso a uma boa alimentação, sono de qualidade e a estímulos que a 10 desafiem. É durante o sono que as aprendizagens se consolidam, o que é essencial para que se transformem em memórias de longa duração. Em relação à alimentação, está comprovado que problemas nutricionais nos primeiros anos de vida podem reduzir significativamente as possibilidades cognitivas das crianças. O ambiente em que a criança se desenvolve também é um importante fator para a sua aprendizagem. O homem necessita explorar o ambiente em que se encontra, interagindo com ele. Assim se dá a aprendizagem, a partir da experiência do homem com o meio. Somos seres “configurados” para experiência, todo o nosso organismo (corpo e cérebro) nos impulsiona para explorar o meio ambiente e dele extrair o que a qualidade de nossas interações permitir. Há uma constante influência dos estímulos do ambiente, e o que nosso organismo consegue fazer desses estímulos depende intrinsecamente da resposta de nosso organismo à frequência (repetição e constância) e à quantidade e qualidade dos estímulos (ROSSA, 2011, apud GRANDO, 2013, p. 27). Podemos pensar, a partir dessa informação, que a qualidade e a quantidade de estímulos recebidos pelo meio determinam a aprendizagem. No entanto, é preciso ter cuidado para que os estímulos oferecidos às crianças não sejam descontextualizados, tais como o ensino de sílabas soltas e o uso de textos artificiais, evitando os métodos sintéticos de alfabetização, nos quais imperam a visão de que a aprendizagem da leitura e da escrita é uma atividade eminentemente mecânica. Em relação à alfabetização, portanto, é necessário que as crianças recebam estímulos variados e frequentes e que esses sejam contextualizados e significativos, pois deles depende a ativação de circuitos neuronais importantes para a aprendizagem como um todo. Mesmo crianças que não tiveram a oportunidade de crescer em um ambiente rico em estímulos, ao ingressar na escola e encontrar um ambiente alfabetizador bem estruturado, podem obter sucesso nas primeiras etapas de escolarização devido a uma importantíssima propriedade do cérebro: a plasticidade cerebral. A plasticidade cerebral poderia ser definida como as adaptações que o sistema nervoso experimenta diante de mudanças em seu meio externo ou interno. A ideia de que as estruturas cerebrais, após sua formação, são imutáveis está sendo substituída pela descoberta da plasticidade cerebral. A plasticidade cerebral ocorre em todas as etapas da vida, sendo mais frequente na infância. Sendo essa como uma das mais importantes descobertas recentes: plasticidade dos neurônios para se reciclar para novas aprendizagens. Em outras palavras, diante de determinados desafios ou estímulos, o cérebro possui a capacidade de adaptar-se e modificar sua estrutura. 11 Isso acontece quando há a necessidade de regeneração por motivo de lesões cerebrais e quando se aprende algo novo. As aprendizagens constituem-se como uma forma de plasticidade, já que geram mudanças morfológicas, como o desenvolvimento de ramificações neurais, por exemplo. Um problema que pode tornar complexa a aprendizagem da escrita e da leitura é o fato de existirem várias maneiras de registrar uma mesma letra. Essas maneiras correspondem ao problema da invariância perceptiva. “[...] dezenas de imagens diferentes podem corresponder à mesma palavra, conforme esteja escrita em minúscula ou maiúscula, traçada à mão ou impressa [...]. É preciso, pois, atingir um reconhecimento invariante, apesar da grande variedade de formas de superfície que as palavras podem assumir. ” (DEHAENE, 2012, apud GRANDO, 2013, p. 28). Esse reconhecimento constitui uma etapa indispensável para a efetiva alfabetização, uma vez que é necessário realizar correspondências entre as múltiplas formas de grafar uma mesma letra. Ainda refletindo sobre o problema da invariância perceptiva, pode-se afirmar que: [...] no curso da aprendizagem da leitura, devemos aprender não somente que as letras representam os fonemas da língua, mas também que as múltiplas formas sem ligação especial entre elas podem representar uma mesma letra. Esse conhecimento abstrato resulta provavelmente da existência de detectores de letras, de neurônios capazes de recuperar a identidade das letras por detrás das formas de superfície muito diferentes (DEHAENE, 2012, apud GRANDO, 2013, p. 28). Leitores experientes reconhecem a variedade do tamanho das letras, posição das palavras e formas dos caracteres sem que essa variedade comprometa a sua leitura. Isso é possível porque diferenças muito pequenas são perceptíveis ao sistema visual, como o traço que diferencia uma letra de outra, por exemplo. O reconhecimento desses pequenos detalhes garante a identificação de palavras muito semelhantes visualmente, tais como “bela” e “bala”. A criança em fase inicial de alfabetização nem sempre reconhece e distingue essas variações. É preciso que o professor chame a atenção para as semelhanças e diferenças entre os caracteres e trabalhe com diferentes tipos de letras. Outro importante achado das neurociências aponta para a ideia de que o cérebro é recursivo, ou seja, que as aprendizagens são realizadas a partir daquilo que os indivíduos já sabem. O cérebro trabalha mobilizando saberes já existentes. Para que uma nova aprendizagem aconteça, é preciso que a informação ou o 12 conhecimento novo tenha ligação com algum conhecimento já consolidado. Para isso, o professor necessita conhecerseus alunos e fazer relações entre os conteúdos estudados. A noção de que o cérebro é recursivo, ou seja, que utiliza os conhecimentos construídos pela criança como patamar para as novas aprendizagens, já era defendida por Vigotsky. Ainda que o principal representante da teoria sociointeracionista não utilizasse a expressão “cérebro recursivo”, seu conceito de Zona de Desenvolvimento Proximal tem como premissa a ideia de que as aprendizagens acontecem a partir do conhecimento prévio da criança. Em relação à alfabetização, é preciso reconhecer que, antes de ingressar no Ensino Fundamental, as crianças interagem com a escrita nos contextos em que vivem, portanto chegam à escola com conhecimentos e hipóteses sobre a escrita. Logo o professor não pode considerar a criança uma tábula rasa, pelo contrário, deve reconhecer seus saberes através de atividades diagnósticas e valorizá-los. Assim sendo, partir do conhecimento do aluno constitui-se uma ferramenta imprescindível para a alfabetização e para a construção de aprendizagens significativas em relação aos usos da escrita e da leitura. Uma forte bandeira erguida por alguns estudiosos em educação confirma-se através dos estudos sobre o cérebro: a aprendizagem e a memória estão intimamente ligadas à emoção. O sistema límbico, responsável por controlar o comportamento emocional e motivacional, é ativado de forma positiva quando a aprendizagem está ligada a boas sensações, tais como a alegria, a descontração e o prazer, fazendo com que as aprendizagens sejam consolidadas e o sistema cerebral de recompensa seja ativado, o que gera a vontade de repetir a boa experiência. No entanto, quando a aprendizagem está ligada a sensações desagradáveis, tais como o medo e o tédio, os conhecimentos não são consolidados da mesma forma e o sistema de recompensa não é ativado, fazendo com que os sujeitos não tenham vontade de repetir a experiência. Reconhecendo o fato de que somente é aprendido o que possui algum conteúdo emocional significativo. 4 O DESENVOLVIMENTO DA LINGUAGEM; OS MECANISMOS BIOLÓGICOS DA LINGUAGEM 13 No hemisfério esquerdo do cérebro, se localiza a área conhecida como fissura de Sílvio que é responsável pelo desenvolvimento de diversas habilidades de linguagem; as áreas posteriores da fissura são responsáveis pela compreensão da linguagem e a anterior, pela linguagem expressiva. O hemisfério direito é responsável pelos aspectos emocionais da comunicação que são transmitidos através da prosódia vocal, gestos e expressões faciais, mas ambos os hemisférios contribuem para a comunicação humana normal. A linguagem é o principal meio de comunicação e devemos dominar os diversos sistemas linguísticos para sermos comunicadores eficazes. A partir de 18 meses da criança, novos fatos podem ser observados, principalmente pelo aparecimento da possibilidade de evocar e reconstruir ações passadas, por meio da linguagem, embora dependa ainda da presença de alguns objetos que permitem a evocação, da formulação de perguntas ou comentários feitos pelos adultos. A partir de 21 meses, as crianças começam a substituir vocalizações não verbais por palavras ocasionais. A maioria das crianças aprendem a linguagem auditiva oral sem treinamento formal. Sua experiência com múltiplas interações entre cuidadores e outros nos primeiros 5 anos de vida, em geral, é suficiente para capacitá-la a entender a fala dos outros e falar. Quer parecer que existe uma prontidão biológica que capacita o bebê e a criança pequena a adquirirem linguagem auditivo oral com uma velocidade surpreendente, de modo um tanto independentemente de qualquer necessidade de treinamento formal. As habilidades comunicativas de ler e escrever, contudo, são obviamente habilidades que elas devem adquirir numa situação de aprendizagem mais formal. (BOONE. 1994, apud MORGADO, 2013, p. 23). Ao final dos dois anos a linguagem torna-se mais evidente, a criança passa a representar por meio de uso de símbolos ou palavras, objetos e diversas situações. Há diferentes funções linguísticas para mostrar o quanto a linguagem transcende os limites de uma situação: 1º Linguagem simpráxia: a linguagem não se diferencia da ação direta, limitando-se a acompanhá-la: a) petições, desejos e opiniões; b) indicações e descrições; c) perguntas relativas à atividade. 2º Linguagem planificadora: antecipa e orienta a ação: a) dentro dos limites de uma situação; b) antecipatória (transcende, efetivamente, os limites de uma situação). 14 3º Linguagem narrativa: a) ligada a uma situação presente; b) não ligada a uma situação presente (transcende efetivamente, os limites de uma situação). Assim a linguagem se torna representativa, desvinculando-se da ação; durante toda a infância a criança vai adquirindo essa capacidade; progressivamente passa a reconstituir fatos acontecidos e a antecipar os fatos não ocorridos. Fonte: pensaraeducacao.com.br 4.1 A aquisição da linguagem No desenvolvimento global da criança, a linguagem é muito importante. Estudos recentes evidenciaram que a linguagem está contida em uma capacidade comunicativa e cognitiva mais ampla e se desenvolve até os três anos de idade. Se por um lado, a linguagem constrói conceitos, por outro, condiciona a construção dos próprios conceitos. A linguagem é um meio de comunicação que proporciona conhecimentos para construir uma representação do mundo, com a mediação do adulto. A emergência da linguagem verbal, de um agir comunicacional, vai regular a atividade da criança pelo estabelecimento, por parte dos parceiros, de um acordo sobre os objetivos e as formas de ação, que podem ser então 15 planejadas e avaliadas, tornando-se mais complexos. A aquisição de um sistema lingüístico dá forma ao pensamento e reorganiza as funções psicológicas da criança, sua atenção, memória e imaginação. (VYGOTSKY, 1934, apud OLIVEIRA, 2008, p.129). O choro, o sorriso, as vocalizações são os primeiros sinais comunicativos das crianças; é quando elas entram no mundo de relações com a verbalização. Pesquisa realizada em creche sobre a comunicação não verbal evidenciou na criança, o aparecimento precoce de uma mímica de chamamento e a presença de estruturas coerentes constituídas por comportamentos comunicativos. O desenvolvimento da linguagem apoia-se em forte motivação para se comunicar verbalmente com outra pessoa, motivação parcialmente inata, mas enriquecida durante o primeiro ano de vida nas experiências interpessoais com a mãe, pai, irmãos e outros educadores. (OLIVEIRA, 2008, apud MORGADO, 2013, p. 25) A relação entre criança e adultos se constitui a partir de muitos sinais, os quais a criança irá buscar para atrair a atenção. Aos 3-4 meses a criança se comunica com o olhar, 5-6 meses, com vocalização, através do contato adulto-criança, que permanecerá também nos meses posteriores, com olhar, sorriso e contato, objetivando a comunicação. Aos 9-10 meses a introdução da linguagem ocorre com as sinalizações, com o uso de sinais gestuais e vocais, não só nos pedidos, mas também nas tentativas de dividir com o adulto eventos interessantes. Inicia- se as primeiras palavras para a comunicação. Diversos autores já sugeriram a existência de uma ligação entre o desenvolvimento gestual e o aparecimento da linguagem, analisando as relações em crianças de 9 a 13 meses, através de dois modelos: a) substituição das primeiras formas de comunicação por comportam comportamentos posteriores b) a expansão do repertório comunicativo da criança que, graças a frequentes usos dos sinais mais simples e primitivos, conseguirem utilizar os mais elaborados. 4.2 Compreendendo a linguagem A aquisição da linguagem depende de um aparato neurobiológico e social, ou seja, de um bom desenvolvimento de todas as estruturas cerebrais, de um parto sem intercorrências e da interação socialda criança desde sua concepção. Em outras palavras, apesar de longas discussões sobre o fato de a linguagem ser inata ou 16 aprendida, hoje a maior parte dos estudiosos concorda que há uma interação entre o que a criança traz, em termos biológicos, e o que vai adquirindo no meio em que ela vive. Na aquisição e no desenvolvimento da linguagem oral deve-se considerar dois aspectos: a linguagem e a cognição e a linguagem e a comunicação: Linguagem e cognição: pensa-se bastante por meio da linguagem depois que desenvolvemos esta habilidade. A memória, a atenção e a percepção podem ter ganhos qualitativos com ela. Ela também ajuda na regulação do comportamento. Na infância, podemos observar o desenvolvimento da linguagem como apoio à cognição a partir dos dois anos, em média, principalmente por meio da forma como a criança brinca. Linguagem e comunicação: temos a intenção comunicativa, e podemos nos comunicar de diversas formas diferentes, através de gestos, do olhar, de desenhos, da fala, entre outros. A estrutura da linguagem nos permite lançar mão de recursos mais sofisticados, a fim de aprimorar nossas possibilidades da comunicação. (MOUSINHO, 2008, apud MORGADO, 2013, p. 26) As habilidades de linguagem podem ser descritas em termos de forma, de conteúdo e de uso. A forma inclui a produção dos sons da fala, como se emite o fonema e também a estrutura da frase; o conteúdo, os significados, que podem estar na palavra, na frase ou no discurso mais amplo - nível semântico e o uso referem-se ao uso social da língua. Mais que emitir sons, estruturar uma frase e saber o significado tem que se adequar tudo ao contexto em que está sendo pregado - nível pragmático. É a interação entre forma, conteúdo e uso, que constitui a linguagem normal. A pragmática da linguagem é a linguagem em uso - o que as pessoas fazem com as palavras e como elas adaptam o que dizem às necessidades de diferentes ouvintes e situações. A linguagem é adaptada para diferentes situações, durante as conversas, deve haver um revezamento de falas por parte de cada falante e de cada ouvinte. A compreensão é o reconhecimento de palavras, orações e locuções, associado à capacidade de evocar os objetos, atos e relações que as palavras, locuções e orações representam. (OLIVEIRA, 2008 apud Zorzi. 2004, p. 31). O desenvolvimento da capacidade de perceber e produzir sons da fala é o precursor mais direto da linguagem. Os bebês logo discriminam sons são sensíveis a entonações, passam seletivamente a reagir a sons próprios de sua língua materna, enquanto esquecem os outros. Tal desenvolvimento vai se enriquecer com a formação da capacidade tanto de categorização de objetos, que será a base da denominação e da referência, como de imitação e memória, 17 necessárias para reproduzir padrões vocais e gestuais. Este trabalho formativo se prolongará por toda a vida, especialmente por meio da educação escolar e garantirá a aquisição, reprodução e transformação das significações sociais culturalmente construídos. As crianças ouvem a língua que é falada ao seu redor e organizam o que ouvem. Com um ano e dez meses as crianças são capazes de responder cumprimentos, seu nome, dar respostas motoras simples, utilizando objetos do seu meio. Com dois anos de idade, a linguagem oral já é adquirida e as crianças são capazes de entender e construir linguagens mais longas, de acordo com o seu cotidiano. Elas começam a usar as regras da gramática, unindo dois as três palavras de forma sequencial para serem entendida pelo ouvinte. Aos três anos começam as perguntas que são reformuladas quando recebem as respostas. O tipo de resposta que a criança irá produzir dependerá de seu grau de desenvolvimento: quanto mais baixo for o nível de desenvolvimento, mais limitadas serão as capacidades de respostas da criança, especialmente do ponto de vista da confiabilidade. O nível de desenvolvimento influi também no tipo de tarefa que será utilizado. Distintas tarefas significam distintas exigências para a criança. (ZORZI, 2004, apud MORGADO, 2013, p.28) As respostas dadas pelas crianças vão indicar o seu grau de desenvolvimento linguístico. Nas conversações naturais, as respostas podem ser: um olhar, pegar, dar, mover-se na direção, indicando que compreendeu a pergunta. [...] O conhecimento que a criança tem da linguagem (competência linguística) começa a aparecer pelo uso real da linguagem (desempenho linguístico). Embora muitos sustentem que a criança já está revelando competência e desempenho em linguagem, (por exemplo, seguindo instruções faladas) durante muitos meses antes da chegada das primeiras palavras, tal evento em geral é anunciado pelos linguistas (os que estudam a natureza e a estrutura da linguagem) como verdadeiro início do período linguístico do desenvolvimento. (BOONE, apud MORGADO, 2013, p.28) Antes de aprender a falar as crianças comunicam-se através de expressões faciais e gestos, isso é interpretado pelos que estão ao seu redor como uma forma de comunicação, e que logo se transformará em vocalizações verbais. 18 5 DESENVOLVIMENTO DA LINGUAGEM ORAL Fonte: https:play.fisher-price.com Para compreender a aprendizagem do sistema alfabético, é preciso saber com exatidão o que é o alfabeto, como ele se tornou apto a representar a linguagem no nível dos fonemas, que capacidades são necessárias para aprender esta relação e como a representação alfabética pode ser modulada por convenções ortográficas. Aprender o alfabeto é também aprender um código de fala; portanto, para aprender a ler é crucial aprender o código alfabético e automatizar o processo de conversão grafofonológica. Para que haja compreensão do princípio alfabético da correspondência grafofonêmica, a criança necessita entender que as letras correspondem a segmentos sonoros sem significados. A linguagem escrita tem, assim, estreita relação com a oral. A criança que aprende a ler necessita resolver o problema de segmentação, isto é, descobrir que os elementos da fala contínua correspondem aos elementos discretos da escrita alfabética. Estes elementos discretos, os fonemas, existem na fala, mas em nível abstrato e estão aglutinados e integrados em uma corrente contínua de som, existindo como unidades separadas somente na mente do falante. Todos os falantes de uma língua percebem a cadeia da fala como um continuum (Esta palavra é diretamente derivada do latim continuum, que pode ser 19 traduzido literalmente como "contínuo".), não existindo, nas pistas acústicas, limites contrastivos entre as palavras e entre suas partes, os morfemas, sílabas ou, o que é mais importante num sistema alfabético, os fonemas. Assim, na aprendizagem dos princípios de um sistema alfabético, é necessário refazer a percepção que o indivíduo tem da cadeia de fala como um continuum. Para isso, é necessário que a criança desenvolva suas capacidades metalinguísticas, ou seja, que ela passe a refletir sobre sua linguagem. Esta reflexão envolve a atenção aos aspectos da linguagem (níveis fonológico, morfológico e sintático) e não apenas ao seu conteúdo (nível semântico). A capacidade metalinguística, em seu nível fonológico, faz com que a criança reflita sobre o sistema sonoro da língua, tendo consciência de frases, palavras, sílabas e fonemas como unidades menores. As habilidades linguísticas e cognitivas básicas, necessárias para que a aprendizagem possa ocorrer, são numerosas e complexas, assim sendo, um conjunto de competências e habilidades anteriores torna-se fundamental no processo de alfabetização, contribuindo para auxiliar a criança nesta nova aquisição. 5.1 Habilidades metalinguísticas e o sistema de escrita alfabética A habilidade metalinguística refere-se à capacidade de pensar a própria língua; que incluem as habilidades metalinguísticas sintática, semântica e fonológica. Os processoscognitivos envolvidos na leitura e na escrita estão relacionados ao processamento fonológico, incluindo memória e consciência fonológica. Estudo prévio constatou a existência de forte relação entre as habilidades de processamento fonológico, mais especificamente a consciência fonológica e a habilidade de leitura de palavras, com os resultados indicando o papel relevante da consciência fonológica no desempenho da leitura, particularmente na decodificação de palavras. Existe consenso entre os pesquisadores de que a habilidade fonológica é importante para a aquisição da leitura e que a maioria dos indivíduos com atraso em leitura, dislexia ou distúrbio de aprendizagem apresentam alterações nessas habilidades. A hipótese do déficit fonológico tem sido sustentada por vários trabalhos, que têm identificado atrasos quanto à sensibilidade à rima, à aliteração e à segmentação fonêmica durante o desenvolvimento da leitura. 20 5.2 Concepção e desenvolvimento da Linguagem das crianças As crianças desde que nascem dispõem de uma inteligência própria que orienta suas ações no mundo, inteligência esta que vai se modificando a partir das interações estabelecidas com o outro. Este que dá significados as suas expressões, gestos, sons, fazendo com que tenham uma participação ativa no mundo. A partir dessa interação e do diálogo com outras pessoas, a criança desenvolve uma inteligência denominada verbal, essa inteligência é guiada pela linguagem agindo sobre as ideias. A criança começa a comparar, classificar, inferir, deduzir etc., criando modalidades de memória e imaginação indicando situações de desejo e objetos do mundo externo, as crianças utilizam palavras que especifica características próprias, servindo de instrumento para o diálogo e para o pensamento discursivo. A interação da criança desde o nascimento, quando ela se comunica, dialoga com a mãe transforma-se interiormente possibilitando uma nova forma de pensar. As crianças são frequentemente colocadas em um mundo de diálogos, e a maneira como se dirigem a outras pessoas é seguindo uma estrutura de diálogos já vivenciados. Muito cedo, os bebês emitem sons articulados que lhes dão prazer e que revelam seu esforço para comunicar-se com os outros. Os adultos e crianças mais velhas interpretam essa linguagem peculiar, dando sentido a comunicação dos bebês. A construção da linguagem oral implica, portanto, na verbalização e na negociação de sentidos estabelecidos entre pessoas que buscam comunicar-se. Ao falar com os bebês, os adultos, principalmente, tendem a usar uma linguagem simples, breve e repetitiva, que facilita o desenvolvimento da linguagem e da comunicação (BRASIL, 1998, apud SANTOS 2015, P.115). A criança pequena tem dificuldades de separar o seu papel do papel de uma pessoa na qual esteja interagindo. Por exemplo, ela põe o dedo na tomada elétrica doméstica e diz não! Em tom repreensivo balança a cabeça para os lados. Podemos observar que nessa situação a criança está exercendo os dois papeis o da criança curiosa e o do adulto repreendendo-lhe. A criança com suas experiências e vivencias aprende a olhar de diferentes maneiras as situações ocorridas no cotidiano, e o outro tem papel significativo indicando certas ações e a criança deverá considera-las. Ao observarmos a interação da criança com o adulto na etapa da Educação Infantil, temos um exemplo de que a criança já aponta diferenciações de papeis colocando-se no lugar do outro. O seu pensamento torna-se mais complexo à medida que ela interage com seu meio, ampliando seus recursos de linguagem e de 21 coordenação de suas ações com as de seus parceiros. A criança vai construindo significados atribuído a uma situação sendo assim registrado, e ela vai adquirindo experiências gradativamente, por exemplo, um cheiro que esteja relacionado à comida, ou quando o cuidador se direciona a criança com a mamadeira ela coloca-se de pé no berço. Após várias experiências em diversas situações, de interação com outras pessoas as crianças vão tornando-se capazes de distanciar-se da realidade e criar símbolos para substituir outras realidades, por exemplo, utilizar uma boneca como se fosse um bebê. Tais aquisições possibilitam a criança, novas formas de trabalhar com símbolos, até que pode usar signos para representar o objeto ou a situação. O processo de construção de símbolo está intrinsicamente associado à aquisição da linguagem e o jogo de representações de situações. 5.3 O desenvolvimento da oralidade na perspectiva Vigotskiana vs. Piagetiana A linguagem oral é o sistema pelo qual o homem comunica seus sentimentos e ideias, acontece através da fala, não é um processo inato, é uma habilidade que se constrói no âmbito social, ou seja, a criança nasce com a capacidade para desenvolvê- la, e a figura materna torna-se uma das principais fontes de colaboração nesse processo. Toda comunicação se faz na interação, é impossível pensar em palavras, linguagem, sem ser na interação com o outro. As palavras possuem seus significados, não sendo o mesmo para todas as pessoas, o sentido se dá a partir da interação do sujeito como seu interlocutor nos diferentes discursos. Tratando o desenvolvimento da oralidade na perspectiva Vigotskiana, nesta perspectiva, a relação do ser humano com o mundo é estabelecida por meio da linguagem. O contato da criança com a linguagem é através da relação com o outro. Quando a mãe trata de maneira significativa os balbucios das crianças conversando com elas, ela transmite como funciona o discurso em nossa língua, e torna a criança um sujeito falante. A aquisição da língua não é um processo apenas natural, para aprender a falar é preciso compreender a linguagem, a mediação do adulto é fundamental nesse processo, é como se fosse um ponto de referência para a compreensão da linguagem. Nesse sentido pode-se dizer que o adulto é a instância da língua constituída. Dessa forma, o papel do adulto é essencial na mediação dos 22 discursos infantis, então ao conversar, o professor encontra ali um sujeito com características próprias de pensamento o professor faz-se entender e as crianças pensam o mundo com os seus recursos com o que lhes são próprios. Na concepção sociointeracionista a interação que o indivíduo estabelece com o meio, em especial com outros indivíduos em situações sócio determinadas é essencial para a formação do pensamento e da personalidade. Quando as pessoas são questionadas sobre algo se tem a necessidade de pensar a respeito, fazemos isso através de um diálogo interior, mentalmente questionamo-nos sobre o assunto. É um processo que depende de um tipo de fala, a fala interna, originada de um pensamento, o pensamento discursivo, podendo ser notado em várias situações, por exemplo: no planejamento de uma ação, quando analisamos um conceito etc. O diálogo interior é produzido através das oportunidades que o indivíduo tem de dialogar com outras pessoas que tentam coordenar suas ideias, argumentos e significações. Dessa forma, se o indivíduo não tiver oportunidade de dialogar, ele não estará preparado para pensar. Vigotski trabalha com duas funções básicas da linguagem a primeira conhecida como Intercâmbio Social: é através dos sistemas de linguagem criados e utilizados pelo homem para comunicarem-se entre seus semelhantes. Essa função de comunicação pode ser observada no comportamento dos bebês, que mesmo não falando convencionalmente e nem compreendendo o significado das palavras se expressam através de gestos e sons suas necessidades e desejos. Para que ocorra comunicação entre os indivíduos é necessário à utilização de signos para traduzir pensamentos, ideias e vontades de forma precisa. A palavra cachorro, por exemplo, tem um significado preciso, compartilhado pelos usuários da língua portuguesa. Independente dos cachorros concretos que um indivíduo conheça, oudo medo de cachorro que alguém possa ter, a palavra cachorro denomina um certo conjunto de elementos do mundo real. (OLIVEIRA, 2003, apud SANTOS 2015, p.118) É a partir desse fenômeno que ocorre a segunda função de linguagem: pensamento generalizante essa função torna a linguagem um instrumento de pensamento é através da linguagem que ocorre a mediação entre o sujeito e o objeto do conhecimento. A relação entre o pensamento e a fala passa por várias mudanças ao longo da vida do indivíduo, mesmo sendo distintos o pensamento e a fala encontram-se originando um pensamento psicológico mais sofisticado. A aquisição da 23 linguagem é um fator marcante no desenvolvimento do homem, a linguagem, capacidade tipicamente humana faz com que as crianças se utilizem de instrumentos que as auxiliam na resolução de situações difíceis planejando soluções para seus problemas, as palavras e signos são para elas um meio de contato social com outras pessoas. Tanto nas crianças como os adultos, a função primordial da fala é o contato social, a comunicação, isto quer dizer que o desenvolvimento da linguagem é impulsionado pela necessidade de comunicação. O choro, o balbucio, são formas de expressões manifestadas pelos bebês em seus primeiros meses de vida, apesar de não indicar significado específico podem ser sinal de desconforto ou prazer, essas expressões também são uma forma do bebê estabelecer contato com as pessoas de seu meio. Vigotski, chama essa fase de estágio pré-intelectual do desenvolvimento da fala. As crianças antes de começarem a falar demonstram uma inteligência prática que é a capacidade de resolução de problemas práticos em seu ambiente, com o auxílio de algum instrumento (por exemplo, ela é capaz de subir em um banquinho para alcançar um brinquedo que está no alto) essa ação realizada pela criança não é mediada pela linguagem, o autor denomina esse estágio como pré-linguístico do pensamento. Diante disso, as possibilidades de diálogo que a criança encontra em seu meio e do significado que o adulto atribui aos seus gestos e expressões elas aprendem a utilizar a linguagem como meio de comunicação e instrumento de pensamento. Nesse momento, o pensamento e a linguagem interligam-se, o pensamento passa a ser verbal e a fala racional. Há dois níveis de desenvolvimento, sendo eles zona de desenvolvimento real e zona de desenvolvimento potencial. Zona de desenvolvimento real é determinada pelas ações das crianças sem a ajuda do outro, já a zona de desenvolvimento potencial constitui-se por ações que a criança realiza com a ajuda do outro, e que depois poderá realizar sozinha. Partindo desse pressuposto, observa-se que a aquisição da linguagem oral é um processo de apropriação que se dá através da aproximação com a fala do outro, seja ela da mãe, do pai, do professor, dos amigos ou aquelas ouvidas na televisão e no rádio, é a partir dessa interação que as crianças começam a falar ampliando assim seu vocabulário. Essa ampliação da capacidade de comunicação oral acontece gradativamente, por um processo de idas e vindas e as crianças tem ritmos próprios na conquista da 24 capacidade linguística e acontece em tempos diferentes de uma criança para a outra. Ao longo da evolução do pensamento e da fala tem início uma conexão entre ambos, que depois se modifica e se desenvolve, partindo dessa perspectiva podemos observar que na complexidade do desenvolvimento da linguagem oral cabe ao professor proporcionar ao aluno um ambiente propício a fim de estimula-lo para que ele possa se expressar em suas diversas modalidades. A representação da criança em situações imaginária permite que ela dirija seu comportamento não apenas pela percepção imediata dos objetos mais também pelo significado da situação, regras e papéis representados. Mesmo as crianças não nomeando os objetos utilizados em suas ações, pode-se perceber e identificar a partir do significado que ela atribui à situação. A criança vai construindo conhecimento a partir da relação estabelecida com o mundo, envolvendo aspectos da realidade, interagindo com outras pessoas e assim modificando sua forma de agir, pensar e sentir. Em segundo lugar, vamos tratar o desenvolvimento da oralidade na perspectiva Piagetiana. Nesse sentido, a oralidade é imprescindível na vida do ser humano, é uma habilidade construída socialmente é ensaiada pelas crianças desde os primeiros momentos de suas vidas. No primeiro ano a comunicação ocorre a partir de troca de experiências interpessoais com a família e professores. A construção da linguagem oral implica, portanto, na verbalização e na negociação de sentidos estabelecidos entre pessoas que buscam comunicar-se. As crianças desde muito cedo utilizam principalmente a oralidade para comunicar-se mesmo antes de falarem fluentemente, para diversos meios: perguntar, pedir, solicitar objetos, etc., mesmo não sabendo falar entendem os adultos conversando com elas. Podemos considerar que a fala se dá a partir da interação estabelecida pelas crianças desde que nascem, as situações cotidianas em que os adultos falam com ou perto delas fazem com que as mesmas conheçam e apropriem- se do mundo discursivo e dos contextos em que a linguagem oral é produzida. Nesse sentido a capacidade de uso da língua oral que as crianças possuem ao ingressar na escola foi adquirida no espaço privado: contextos comunicativos, informais, coloquiais, familiares. Nessa perspectiva a escola em suas práticas deve ensinar aos alunos o significado e a importância da fala, os professores devem apresentar as crianças várias formas de se comunicarem, conversando com elas e levando-as a se 25 expressarem. É importante que os adultos ao falarem com as crianças tenham cuidado com a própria fala pois são para elas modelo de falantes, falar de forma clara sem imitar o jeito que elas falam, sem infantilizações. As diversas possibilidades e situações comunicativas e expressivas irá desenvolver as capacidades linguísticas das crianças. Uma das tarefas da educação infantil é ampliar, integrar e ser continente da fala das crianças em contextos comunicativos para que ela se torne competente como falante. Isso significa que o professor deve ampliar as condições da criança de manter-se no próprio texto falado. Para tanto, deve escutar a fala da criança, deixando-se envolver por ela, ressignificando-a e resgatando-a sempre que necessário (BRASIL, 1998, apud SANTOS 2015, p.120,121). Esta ampliação do repertório linguístico da criança poderá acontecer de situações como dar recados, pedir informações, buscar algum material o professor oportuniza ao aluno fazer o uso contextualizado da linguagem, com significado e de formas comuns iniciando as conversações. O professor deve possibilitar a todos os alunos a participação em momentos de fala incentivando-os a falar. A participação das crianças nestas atividades envolvendo a oralidade possibilitará o desenvolvimento de competências como, ler e escrever. A escola deve expor os alunos a uma diversidade de usos da fala, estimulando-os a falar pois é através do exercício da fala que eles irão aperfeiçoando-se e descobrindo a função social que ela possui. Por falta de técnicas e objetivos o trabalho com a oralidade torna-se rotineiro na sala de aula, sem finalidade e conteúdo. O professor tem que criar um ambiente tranquilo a fim de estimular os alunos levando-os a comunicar suas ideias. Espontaneamente as crianças utilizam de suas relações interpessoais fazendo uso das palavras em várias circunstancias percebendo com maior facilidade a função social da linguagem desenvolvendo diferentes habilidades, construindo hábitos de relacionar-se socialmente e vencendo a timidez. Em um ambiente propício as crianças terão a possibilidade de discutir, falar, manifestar-se livremente. Um dos principais objetivos de se trabalhar a oralidadeé desenvolver nas crianças as capacidades linguísticas, falando e escutando. Embora a linguagem oral esteja presente no cotidiano das instituições de educação infantil, nem sempre é tratada como algo a ser intencionalmente trabalhado com as crianças. É muito comum que se pense que o desenvolvimento da fala é natural, portanto não exige do professor uma atenção especial. (AUGUSTO, 2011, apud SANTOS 2015, p.121). 26 É importante entender a diversidade de possibilidades a serem trabalhadas com as crianças, no desenvolvimento oral delas, compreendendo como elas aprendem a se comunicar A linguagem oral é um dos aspectos fundamentais de nossa vida, pois é por meio dela que nos socializamos, construímos conhecimentos, organizamos nossos pensamentos e experiências, ingressamos no mundo. Assim, ela amplia nossas possibilidades de inserção e de participação nas diversas práticas sociais. (CHAER, 2012, apud SANTOS 2015, p. 122). Portanto, deve-se reconhecer que a fala é básica na vida e essencial para o ser humano. É essencial ensinar as crianças a utilizarem corretamente a linguagem em instâncias públicas fazendo com que o uso da mesma se torne cada vez mais competente. O Referencial Curricular Nacional para a Educação Infantil afirma que: O desenvolvimento da capacidade de expressão oral do aluno depende consideravelmente de a escola construir-se num ambiente que respeite e acolha a vez e a voz, a diferença e a diversidades. Mas, sobretudo, depende de a escola ensinar-lhe os usos da língua adequados a diferentes situações comunicativas. (BRASIL, 1998, apud SANTOS 2015, p. 122) Será que as práticas educativas valorizam o ensino da oralidade fazendo com que as crianças desenvolvam suas capacidades de expressões orais? O trabalho com a oralidade em sala de aula é de extrema importância, a fala é essencial na vida do indivíduo, deve-se considerar que o desenvolvimento oral se dá a partir das vivências envolvendo o uso das práticas linguísticas, os professores de educação infantil devem planejar e em suas ações pedagógicas conter atividades cotidianas envolvendo a fala, e a reflexão sobre a língua. Dessa forma, por meio da expressão oral as crianças ampliam seus universos de comunicação, expressando opiniões e ideias, sentimentos e emoções, argumentam, comunicando-se com maior facilidade. Partindo do exposto a oralidade é uma habilidade imprescindível para o convívio social em diversas práticas, o professor deve considerar a oralidade como fator essencial fazendo com que os alunos se tornem sujeitos falantes, participantes da sociedade. Observando a curiosidade que os pais e os adultos têm sobre o que fazer com as crianças ou o que realizar junto com elas quando elas ainda não sabem falar, é como se a fala fosse a única forma de interação entre o adulto e a criança. Os pais questionam frequentemente sobre o desenvolvimento da fala de seus filhos: “Quando 27 é que ela vai começar a falar? ”, “Posso contar histórias para ele mesmo ele não sabendo falar? ”, “Mesmo ele não falando entende o que eu falo? ”. São perguntas que trazem uma equivocada hipótese de que a fala se dará naturalmente. Assim, os diversos barulhos e sons que os bebês escutam, ou quando observam alguém chamando outra pessoa pelo nome ou nomeando coisas e objetos, trazem para eles de forma significativa o papel dos sons e da oralidade em suas vidas e no mundo, contribuindo para o desenvolvimento da linguagem oral, onde poderão interagir com outras pessoas e também a composição de um vasto repertorio sonoro. O desenvolvimento oral das crianças ao contrário de que muitos pensam não ocorre naturalmente, mas sim na relação que ela estabelece com o adulto e também com outras crianças. Se imaginar um berçário com um grupo de crianças de 3 meses, se a educadora não promover o desenvolvimento dessas crianças com exercícios motores, massageando-as, elas não terão a oportunidade de virar-se, engatinhar, sentar-se, caminhar etc. Com a linguagem oral ocorre da mesma maneira, se os adultos não estimularem esse processo conversando com elas, elogiando-os, questionando-os intencionalmente sobre coisas de interesse delas, elas serão privadas de modelos de conversas de falantes e falas que são linguagens significativas na interação não apenas no ambiente escolar mas no mundo. Quando a criança está na faixa de dois anos a três anos e meio o professor pode mediar o início de um diálogo fazendo com que elas utilizem a linguagem oral de forma significativa. A situação remete-nos a observar o significado da oralidade na vida das crianças e elas acabam descobrindo que nem sempre a linguagem, a conversa é a solução para os problemas e sim um recurso valioso, podendo pensar em uma possibilidade para a resolução. Crianças com até dois anos e meio de idade utilizam-se muito de gestos e também do próprio corpo para apontarem ou fazerem entender o que desejam, essas gesticulações substituem a utilização da voz privando o desenvolvimento da linguagem. Talvez não seja uma dificuldade de falar mais sim uma acomodação, um jogo de manipulação, ou ela não está sendo estimulada oralmente, para que possa perceber o sentido da utilização da linguagem. O adulto deve observar a si mesmo, avaliando a sua interlocução, pois serve como modelo de falante para a criança. O trabalho com a oralidade assume um importante papel no processo educativo. O 28 processo educativo torna-se eficaz quando propiciam situações que os alunos possam desenvolver e explorar suas capacidades comunicativas e sociais. O professor deverá criar situações, promover atividades como conversas, discussões, poesia, dramatizações, fantoches, leitura de histórias, entrevistas, musicas, reconto de histórias, trava- língua, debates, exposições orais, de forma a possibilitar que a criança se torne mais comunicativa e tenha uma interação maior com o grupo. (CHAER, 2012, apud SANTOS 2015, p. 124) O ambiente também deve propiciar o desenvolvimento oral das crianças fazendo com que elas se comuniquem. O trabalho com a linguagem deve acontecer através de atividades significativas. 6 DESENVOLVIMENTO DA LINGUAGEM ESCRITA Fonte: ceert.org.br Dentre os sistemas de comunicação desenvolvidos pelos seres humanos, temos a escrita, que é uma notação da língua falada por meio e signos gráficos. A escrita da humanidade (alfabética ou não) utilizou símbolos que foram evoluindo com o passar do tempo. De objetos com valores simbólicos, desenhos representando fatos da natureza até a escrita alfabética, o trajeto foi muito longo. Historicamente, parece que o primeiro uso da escrita surgiu da necessidade de se controlar quantidades (rebanho ou colheita), isso feito através de impressões em argila ou talhos em cajados. 29 Supomos que a necessidade de superar as limitações próprias da intercomunicação oral e a necessidade de transformar a comunicação duradoura no tempo e no espaço foram os fatores, dentre vários, que levaram à invenção dos sistemas de escrita. Entretanto, o mais importante desses fatores foi a leitura. Ela deve ter dado origem à escrita e impulsionado o seu desenvolvimento. A necessidade de explicar a mensagem contida nos desenhos gerou o primeiro ato de leitura. E foi a partir daí que o desenho deixou de ser uma simples figura gráfica para se tomar uma representação da linguagem. Desde então, com o propósito de facilitar a leitura, os sistemas de escrita foram evoluindo. O uso de símbolos, que expressavam um fato do mundo exterior, pode ser considerado como a mais antiga manifestação de escrita, produzida com a intenção de leitura. Atualmente, nas sociedades letradas, as crianças desde os primeiros meses, estão em permanente contato com a linguagem escrita. É por meio desse contato diversificado em seu ambiente social que as crianças descobrem o aspecto funcional da comunicação escrita,desenvolvendo interesse e curiosidade por essa linguagem. Sabe-se que para aprender a escrever a criança terá de lidar com dois processos de aprendizagem paralelos: o da natureza do sistema de escrita da língua — o que a escrita representa e como — e o das características da linguagem que se usa para escrever. A aprendizagem da linguagem escrita está intrinsecamente associada ao contato com textos diversos, para que as crianças possam constituir sua capacidade de ler, e às práticas de escrita, para que possam desenvolver a capacidade de escrever autonomamente. Sabe-se, também, que as hipóteses elaboradas pelas crianças em seu processo de construção de conhecimento não são idênticas em uma mesma faixa etária, porque dependem do grau de letramento de seu ambiente social, ou seja, da importância que tem a escrita no meio em que vivem e das práticas sociais de leitura e escrita que podem presenciar e participar. No processo de construção dessa aprendizagem as crianças cometem erros. Os erros, nessa perspectiva, não são vistos como faltas ou, equívocos, eles são esperados, pois se referem a um momento evolutivo no processo de aprendizagem das crianças. Eles têm um importante papel no processo de ensino, porque informam o adulto sobre o modo próprio de as crianças pensarem naquele momento. E escrever, mesmo com esses erros, permite às crianças avançarem, uma 30 vez que só escrevendo é possível enfrentar certas contradições tão presentes e tão frequentes na nossa língua. Vygotsky enfatizou o papel fundamental do professor ou mediador na condução do desenvolvimento da criança. Segundo ele, é por essa mediação que a criança é capaz de transformar a atividade externa em atividade interna e, portanto, em compreensão, ou seja, a linguagem escrita, só fará sentido para a criança, na medida em que os cuidados forem internalizados, transferidos do plano social (interacional) para o plano individual (interno). “Quando os adultos ajudam as crianças a realizarem coisas que são incapazes de conseguirem sozinhas, estão estimulando o desenvolvimento do conhecimento e da aptidão... a partir dessa perspectiva, que coloca a instrução no cerne do desenvolvimento, o potencial de aprendizagem de uma criança é revelado e, de fato, freqüentemente concretizado em interações com pessoas mais instruídas”. (Wood, 1998, apud YOTUI, 2009, p. 27). 6.1 A criança e a escrita A criança não aprende a escrita, complexo sistema de signos, através de atividades mecânicas e externas aprendidas apenas na escola. O seu domínio da escrita resulta de um longo processo de desenvolvimento de funções comportamentais complexas, no qual participa e atua e que leva para a sala de aula. Da mesma forma que, a criança já elaborou uma concepção acerca da escrita muito antes de receber instrução formal escolar. Desse modo, não é preciso ser pesquisador para notar que a escrita é uma atividade que atrai a atenção da criança desde muito cedo. Esse precoce interesse pelo lápis e papel fez com que, aos dois ou três anos de idade, ela queira manuseá-los, especialmente, se ver alguém, por perto, fazendo o mesmo. Se lhe der material, sem dúvida alguma, ela rabiscará descontinuamente e, se questionada, dirá que está escrevendo. “Essas primeiras manifestações gráficas como precursores da escrita. Na verdade, para esse autor tanto esses rabiscos como brincadeiras de faz de conta e os desenhos “devem ser vistos como momentos diferentes de um processo essencialmente unificado de desenvolvimento da linguagem escrita” (VYGOTSKY, 1984, apud YOTUI, 2009, p. 28). O gesto é o signo visual inicial que contém a futura escrita da criança, ou seja, o reconhecimento e a utilização do gesto como valor simbólico são um marco precursor para a compreensão dos signos escritos. Os objetos utilizados nos jogos e 31 brincadeiras de faz-de-conta das crianças adquirem vários significados de acordo com o gesto representativo. Por exemplo, os gestos da criança transformam um pedaço de pau em cavalinho, uma trouxa em bebê, tornando-se um signo e dando um significado ao objeto. E as crianças, com certa frequência dramatizam através de gestos e expressões orais aquilo que tencionavam mostrar nos desenhos. Assim, os primeiros rabiscos e desenhos são vistos como gestos, ou seja, eles constituem um suplemento e essa representação gestual. A criança faz uma linha curva fechada semelhante a um círculo e diz que desenhou uma lata cilíndrica. Ela representa o essencial, nesse caso, a forma circular. Por outro lado, quando a representação pede conceitos complexos e abstratos, ela faz simplesmente uma indicação e o seu lápis se encarrega de fixam o gesto indicativo. Esse sistema particular de linguagem, implícito no desenho e nas brincadeiras simbólicas de faz de conta que as crianças interpretam no seu dia a dia, deve contribuir para a sua percepção da escrita, uma vez que, a convivência com esse tipo de linguagem poderá levá-la a entender, mais facilmente, talvez, o simbolismo da linguagem escrita. Sabemos que, ao manusear o lápis e o papel nesse percurso, além de desenhar, a criança, muitas vezes, produz linhas sinuosas continuas ou uma série de círculos pequenos ou linhas verticais que imitam a escrita do adulto. Abordada sobre tal atividade, afirmará ser essa a sua escrita, dando-lhe até uma interpretação. É certo, porém, que nessa brincadeira de faz de conta, ela deixa para a imaginação do leitor a tarefa de encontrar para os seus rabiscos uma relação com aquilo que pretendeu representar. E, sem dúvida, o seu conceito simbólico de sinal escrito se desenvolve, na medida em que percebe a escrita como uma disposição gráfica representativa de uma palavra, uma idéia ou mensagem. O estímulo para o desenvolvimento desse conceito ocorre em ambientes onde a criança tem a oportunidade de presenciar atos de escrita ou de leitura, ou seja, pessoas lendo e escrevendo para ela ou à sua volta. Entretanto, isso não quer dizer que ele só é desenvolvido por crianças que recebam esse estímulo, uma vez que, em nossa sociedade, é muito grande a carga de anúncios e propagandas através de jornais, revistas, televisão e outdoors que levam a criança a reconhecer e ligar o sinal gráfico ao objeto representado. É fácil notar que, ao aprender o sistema alfabético, a criança tende, em vários momentos, a representar os sons da fala. Isso decorre de seu desconhecimento das 32 convenções ortográficas que regulamentam o uso alfabético dos símbolos. No entanto, no transcorrer desse processo de construção, acreditamos que, para a criança, a escrita passa a ser mais complexa do que uma simples transcrição da fala. O nosso corpo possui um número relativamente grande de dados que evidenciam isso. Nele, além de representações gráficas baseadas, provavelmente, na percepção da pronúncia de unidades da linguagem oral, é possível identificar a presença de elementos que pressupõem a incorporação de modelos convencionais escritos. É possível notar que a criança não adquire a escrita passivamente. Esta resulta de um longo processo de desenvolvimento de funções comportamentais complexas do qual a criança participa. Sem dúvida, as diferenças de personalidade e de classe social devem ser levadas em conta, por fazerem com que uma criança aborde escrita diferentemente de outra. Entretanto, acredita-se que todas as crianças têm condições de propor a sua própria ortografia para as palavras ou mensagens que tencionam escrever, desde que, vivam em ambientes onde a escrita seja usada significativamente e, elas sejam encorajadas a participar dessa atividade. Desse modo, sua confiança e iniciativa serão estimuladas e elas acabarão, finalmente, expressando-se através da escrita, embora muitas vezes, a sua maneira. 6.2 A aquisição da escrita no processo de Alfabetização A importância de se pensar a alfabetização, passapela necessidade de conhecer como ocorre a aquisição da linguagem escrita. Sabemos que o conhecimento e as experiências que a criança possui em relação linguagem escrita iniciam-se antes de seu ingresso na escola. Desde muito cedo, a escrita é uma atividade que a atrai, toda criança gosta de manusear lápis e papel, brincar de escrever e imitar o adulto. Assim, em seu processo de construção de conhecimento, a aquisição da escrita desempenha um papel importante no curso do desenvolvimento infantil. A aquisição da escrita se constitui num processo de mediação. É na relação com o outro, que a criança percebe a utilidade e o significado da mesma. Esse significado consiste no objetivo da escrita de dizer alguma coisa para alguém ou simplesmente ser uma forma do autor expressar seus pensamentos. Desse modo, o outro desempenha papel preponderante na construção da linguagem escrita, no 33 sentido de que essa aquisição acontece no curso de interações discursivas significativas, interativas entre os homens, como um processo sócio histórico. “... cada pessoa que entra em contato com uma criança é um professor que incessantemente lhe descreve o mundo, até o momento em que a criança é capaz de perceber o mundo tal como foi descrito”. (Castañeda, 1972, apud YOTUI, 2009, p. 32) Assim, de acordo com essa visão — que considera o contexto social e a mediação pelo outro — o processo de alfabetização não acontece de forma mecânica e inicia-se antes mesmo da escolarização. A criança passa por um processo natural de evolução da escrita. Pode-se concluir que a criança não aprende esse complexo sistema de signos, através das atividades mecânicas executadas pela escola, como se sua relação e convivência com a linguagem escrita, iniciasse apenas após o seu ingresso na vida escolar. Após ingressarem no processo formal de alfabetização, não conseguem adquirir e dominar esse processo. Essa incapacidade em compreender a linguagem ensinada pela escola, faz com que essas crianças fracassem no período de alfabetização e, depois de anos de referência nas series iniciais, são rotuladas de deficientes, como já abordamos anteriormente, sendo encaminhadas para um psicólogo e a seguir para uma escola ou classe especial, cuja, atenção é possibilitar um maior atendimento em relação aos seus distúrbios de aprendizagem. A questão do fracasso escolar sempre esteve estreitamente ligada ao processo de Ensino Especial. Esse fato ocorre, uma vez que, a escola não consegue entender porque algumas crianças não conseguem adquirir o processo da linguagem escrita e, apressadamente rotula-se como portadoras de algum tipo de deficiência, eximindo-se da responsabilidade de possibilitar a essas crianças, o sucesso na aquisição da linguagem escrita. Dessa forma, o que a escola busca na verdade, é um tipo de educação ideal, onde a aprendizagem ocorre de maneira uniforme e harmoniosa, e que vem a ser uma utopia, todavia as práticas escolares, insistem em transformar em realidade, fechando os olhos para os altos e alarmantes índices de evasão e repetência. Outro aspecto dessa questão é que, o fracasso escolar, bem como a teoria dos distúrbios de aprendizagem, sempre esteve ligado às crianças das classes populares. Esta situação sempre ocorreu, uma vez que, o fracasso escolar tornou-se um grave problema educacional, após uma pretensa democratização do ensino, que aumentou 34 consideravelmente o número de vagas nas escolas, dando espaço para o ingresso escolar de crianças provenientes da classe operária. Assim, com o ingresso das camadas populares a uma instituição que não foi criada para atender aos seus interesses, a criança dessa classe tende a fracassar, em um ensino que não valoriza a sua língua e nem o seu contexto social. Na verdade, o que sempre ocorreu é que, a escola nunca esteve preparada para ministrar um ensino que atenda as diferenças existentes na sociedade capitalista. O ensino que a escola insiste em oferecer, apesar do grande índice de fracasso escolar, e um ensino baseado na homogeneização, onde todos aprendem o mesmo conteúdo, através do mesmo processo. 6.3 Consciência fonológica A consciência fonológica é uma parte integrante da consciência metalinguística, está relacionada à habilidade de refletir e manipular os segmentos da fala, abrangendo, além da capacidade de reflexão (consultar e comparar), a capacidade de operar com rimas, aliteração, sílabas e fonemas (contar, segmentar, unir, adicionar, suprimir, substituir e transpor). A consciência linguística não emerge repentinamente, desenvolve-se em um contínuo de etapas evolutivas sucessivas, não necessariamente lineares. Resulta do desenvolvimento e do amadurecimento biológico em constantes trocas com o meio ou contexto, e é favorecida pelas complexas tarefas linguísticas a que é submetido, inclusive o aprendizado da leitura. A sensibilidade fonológica é considerada como um contínuo que vai de uma sensibilidade superficial de unidades fonológicas maiores para uma sensibilidade profunda de pequenas unidades fonológicas. Esta definição inclui habilidades fonológicas que envolvem manipulação e julgamentos de qualquer unidade da estrutura de palavra. A sensibilidade fonológica é considerada, ainda, como uma habilidade única que assume formas diferentes durante seu curso de desenvolvimento. Em fases anteriores, a sensibilidade fonológica é manifestada pela detecção de unidades fonológicas maiores, tais como palavras, sílabas, aliteração e rimas. Em fases posteriores, é manifestada pela manipulação de fonemas. 35 A correlação entre a consciência fonológica e o desempenho em atividades de leitura e de escrita foi descrita em diversos estudos que veem uma relação de reciprocidade entre estas habilidades. Os autores destes estudos explicam que os estágios iniciais da consciência fonológica contribuem para o estabelecimento dos estágios iniciais do processo de leitura e estes, por sua vez, contribuem para o desenvolvimento de habilidades fonológicas mais complexas. Desta forma, enquanto a consciência de alguns segmentos sonoros (suprafonêmicos) parecem se desenvolver naturalmente, a consciência fonêmica parece exigir experiência específica em atividades que possibilitam a identificação da correspondência entre os elementos fonêmicos da fala e os elementos grafêmicos da escrita. Esse processo de associação grafema-fonema exige um desenvolvimento de análise e síntese de fonemas. Para se chegar à descoberta do fonema, é necessário adquirir e desenvolver a consciência fonológica, competência metalinguística, que possibilita o acesso consciente ao nível fonológico da fala e a manipulação cognitiva das representações neste nível; o contato com a linguagem escrita possibilita o desenvolvimento desta capacidade, assim como esse desenvolvimento auxilia nos níveis mais avançados de leitura e escrita. Muitos autores têm defendido que o déficit fonológico é um dos fatores que pode explicar os problemas de leitura no distúrbio de aprendizagem. Para esses pesquisadores, as crianças com esse diagnóstico apresentam dificuldades no uso da rota sublexical para a leitura, ou seja, no uso do mecanismo de conversão grafema-fonema em atividades que exigem habilidades fonológicas, como na leitura de palavras inventadas ou na categorização de palavras quanto aos sons. Em trabalho de intervenção com escolares disléxicos, foi comprovado que a abordagem interventiva no processamento fonológico tem influência direta na melhora da habilidade de leitura. 6.4 A memória de trabalho fonológico A memória é definida como a capacidade de fixar, conservar e reproduzir, sob a forma de lembranças, impressões e sensações obtidas ou vividas pelo indivíduo anteriormente. Por meio desta capacidade, é possível adquirir, reter e recuperar informações de forma consciente ou inconsciente, quando necessário.Diferentes conceitos são atribuídos à memória, de acordo com a sua função, com o tempo de 36 duração e com seu conteúdo. A memória é composta de múltiplos sistemas independentes que funcionam de forma cooperativa, que variam de acordo com a dimensão temporal de armazenamento da informação, a capacidade de armazenamento e a natureza da informação processada. Os sistemas de memória são compostos de memória de curto prazo (conceito ampliado para um modelo denominado memória de trabalho) e memória de longo prazo, sendo esta subdividida em dois sistemas, memória explícita ou declarativa (acesso consciente de fatos e lembranças de experiências passadas) e memória implícita ou não-declarativa (memória inconsciente de memórias para habilidades motoras, perceptivas e aprendizado de regras). A relação entre memória, consciência fonológica e linguagem escrita são bastante expressivas. A consciência fonológica evolui de uma atividade inconsciente e desprovida de atenção para uma reflexão intencional e com atenção dirigida. Esta evolução parte do desenvolvimento conjunto inter-relacionado do aspecto cognitivo e da linguagem por meio da construção de memórias lexicais e fonológicas, havendo também outros mecanismos do processamento e da organização da linguagem, como a memória fonológica e o acesso ao léxico mental, que atuam de forma subjacente ao desenvolvimento da consciência fonológica. A memória de trabalho está entre as habilidades cognitivas envolvidas no processo de alfabetização e de aprendizagem. A codificação fonológica na memória de trabalho é útil na decodificação de palavras novas, principalmente das longas, que são decodificadas pedaço por pedaço. O desempenho de crianças com problemas de aprendizagem é afetado em situações nas quais são obrigadas a usar um código fonológico de forma mais explícita, como na leitura e escrita que, além da habilidade de segmentar fonemas, requer memória fonológica para manter palavras na memória enquanto seus fonemas são segmentados e postos em sequência, com isso, a memória de trabalho é fundamental para a aprendizagem da correspondência grafema-fonema. A memória fonológica de curta duração ou loop articulatório não é muito eficiente nos indivíduos com transtornos de aprendizagem. A memória fonológica de curta duração retém a informação verbal em bases temporárias, sendo que essa retenção é aumentada pela representação de palavras na memória fonológica de longa duração. O sistema fonológico dessas crianças atua de forma a tentar reconstruir e recuperar a palavra na memória de longa duração, mas não o faz de 37 forma eficiente devido à pobre qualidade das representações de longa duração, pois ocorrem problemas no processamento auditivo. Uma característica importante do indivíduo com dislexia, além do baixo desempenho em consciência fonológica e em memória fonológica, é a dificuldade de acesso à informação fonológica estocada na memória de longa duração. Uma das possíveis causas para isso é a dificuldade na percepção da fala no nível dos fonemas, que pode interferir no processo de manipulação das informações. A categorização dos sons da fala ocorre de forma menos eficiente nos disléxicos quando comparados aos bons leitores. Uma razão para o estudo da memória na infância é sua utilidade na educação. Métodos educacionais efetivos dependem do conhecimento do professor da capacidade das crianças em aprender e lembrar da informação. Também é importante saber que funções de memória reduzidas podem prejudicar o aprendizado e levar a diferentes perfis de transtornos de aprendizagem. Portanto, a avaliação das habilidades de memória é um método crucial para o entendimento do perfil do transtorno de aprendizagem e a identificação de métodos efetivos de sua reabilitação. 6.5 A aquisição no desenvolvimento da leitura O envolvimento das habilidades expostas no processo de desenvolvimento da linguagem escrita fica claro ao se analisarem os estágios em que este processo se realiza, visto que a leitura envolve uma variedade de processos que se inicia na identificação visual das letras e vai até a compreensão do conteúdo e do contexto da palavra escrita. A maior parte dos modelos psicolinguísticos de leitura descreve pelo menos três níveis envolvidos nessa atividade: análise ortográfica das formas visuais das palavras; processo fonológico associado com os sons da língua; e análise semântica do significado das palavras e frases. As teorias que estudam os processos cognitivos envolvidos na aquisição da leitura e escrita, mediante a abordagem do processamento da informação, dividem esse processo em estágios ou fases. O desenvolvimento da leitura e escrita pode ser dividido em três etapas: logográfica, alfabética e ortográfica. Logográfico: envolve um sistema elementar de reconhecimento da palavra, sendo referido como léxico logográfico. Este tem a função de reconhecer palavras que pertencem ao vocabulário de visão, podendo 38 basear-se em características parciais, como letras, grupos de letras, posição das letras e comprimento das palavras, dando acesso direto à memória semântica. Alfabético: A criança inicia a aquisição do conhecimento do princípio alfabético, desenvolvendo a capacidade de decodificar palavras novas e escrever palavras simples por meio do processo de associação fonema- grafema, ou seja, fazendo a correspondência letra-som para o reconhecimento de palavras, o que requer a consciência dos sons que compõem a fala. Primeiro ocorre a aquisição das regras mais simples, depois das regras contextuais. Há a formação de um léxico alfabético, utilizado inicialmente para a identificação de grafemas individuais, com o acesso ao significado ocorrendo pela rota fonológica. Ortográfico: neste estágio ocorre uma evolução do léxico alfabético para o léxico ortográfico, caracterizando-se pelo uso de sequências de letras e padrões de ortografia para o reconhecimento visual das palavras. São estabelecidas as relações entre os grafemas, possibilitando a escrita de palavras irregulares. O estabelecimento de um léxico ortográfico para a produção da escrita está na dependência de um léxico ortográfico bem desenvolvido na leitura. A verdadeira leitura produtiva, habilidade para ler palavras novas e desconhecidas, vem somente com o aumento do conhecimento de como a ortografia se relaciona com a fonologia, o que requer atenção às sequências de letras e fonemas associadas a essas letras. O domínio do princípio alfabético é necessário para conseguir identificar a grande maioria das palavras conhecidas, sendo indispensável para a identificação de palavras novas. A decodificação fonológica permite que uma palavra não-familiar seja reconhecida e, assim, vão se desenvolvendo as representações ortográficas das palavras. 7 CONSCIÊNCIA MORFOSINTÁTICA O termo consciência morfossintática é de emprego recente na literatura. O interesse despertado a partir da década de 1970 pela compreensão do desenvolvimento das habilidades metalinguísticas da criança e da relação de tais 39 habilidades com a aquisição da língua escrita gerou de forma independente um conjunto de investigações inicialmente sobre a consciência sintática e posteriormente sobre a consciência morfológica. A consciência sintática implica a reflexão sobre a estrutura sintática da língua e o controle deliberado de sua aplicação. Mais especificamente, diz respeito à reflexão e controle intencional sobre os processos formais relativos à organização das palavras para produção e compreensão de frases. O desenvolvimento da consciência sintática na criança tem sido investigado focalizando-se a sensibilidade da criança às incorreções relacionadas à ordenação dos vocábulos nas frases (bola joga João) ou à concordância nominal e verbal em frases onde há o emprego inapropriado ou ausência de certos morfemasem determinadas palavras (As meninas brinca). Por sua vez, a consciência morfológica diz respeito à reflexão e manipulação intencional da estrutura morfológica da língua. Desta feita, ocupa-se da formação das palavras, suas flexões, suas funções e relações nas frases. A investigação sobre o desenvolvimento da consciência morfológica tem incidido sobre a sensibilidade da criança aos processos de derivação lexical (morfologia derivacional) ou às flexões das palavras variáveis (morfologia flexional). No caso da morfologia derivacional, investiga-se a habilidade da criança em lidar com a formação de palavras pelo acréscimo de prefixos ou sufixos a um radical ou ainda com a decomposição de palavras derivadas gerando palavras primitivas. Em se tratando da morfologia flexional é estudada a sensibilidade da criança às flexões de gênero e de número dos nomes e às flexões de modo-tempo e número-pessoa dos verbos. A partir da descrição acima sobre a maneira como o desenvolvimento da consciência morfológica e da consciência sintática tem sido estudado, depreende-se que a morfologia e a sintaxe não se afiguram como níveis independentes de organização da linguagem. Consequentemente, é possível supor que sua aquisição pela criança ocorra de forma interdependente. Para a compreensão e emprego das desinências nominais e verbais aplicam-se tanto conhecimentos de natureza morfológica como sintática. De maneira similar, no caso da morfologia derivacional, os sufixos apresentam propriedades gramaticais quando modificam a categoria gramatical da palavra primitiva a qual são apostos (azeite – nome; azeitar – verbo). As diversas classes gramaticais pelas quais as palavras se distribuem bem como a própria distribuição das palavras nestas classes são estabelecidas com o 40 apoio da sintaxe. Por exemplo, a palavra azul é categorizada como um substantivo na frase “O azul do céu é lindo”, ao passo que na frase “O céu azul é lindo” é tido como um adjetivo. Do ponto de vista cognitivo, há evidências de que a aquisição dos conhecimentos morfológicos e sintáticos ocorra de maneira. A denominação mais ampla de consciência gramatical tem sido utilizada para expressar esta interdependência. Entretanto, este não parece ser o termo mais acurado para designar a interdependência do desenvolvimento das consciências morfológica e sintática na criança uma vez que o termo gramatical incluiria também o conhecimento fonológico. Desta forma, a expressão consciência morfossintática seria mais apropriada para designar a reflexão e manipulação intencional dos fatos morfológicos da língua advindos das relações presentes no enunciado (sintaxe), assim como dos aspectos sintáticos da língua em suas implicações morfológicas. Pelas razões acima mencionadas. A mensuração da consciência morfossintática a hipótese relativa à existência de um nexo causal entre consciência morfossintática e a escrita foi inicialmente examinada levando-se em conta à sensibilidade da criança às flexões em tarefas atualmente consideradas clássicas. Tais tarefas incluíam as habilidades em julgar, repetir, corrigir e localizar as agramaticalidades das frases. A tarefa de julgamento de frases resume-se em apresentar uma lista de frases em que são incluídas sentenças inaceitáveis gramaticalmente, pedindo-se à criança que julgue a aceitabilidade de cada frase. As sentenças inaceitáveis gramaticalmente incluíam, por exemplo, o emprego inapropriado ou ausência de certos morfemas em determinados vocábulos (As meninas estuda). No entanto, a tarefa de julgamento não constitui uma medida apropriada da consciência morfossintática uma vez que o sucesso no julgamento dos itens gramaticalmente incorretos pode decorrer apenas da detecção da dissonância global dos enunciados sem reconhecimento de fato da agramaticalidade inclusa nas frases. Tentativas ulteriores de avaliar o uso intencional do conhecimento morfossintático valendo-se ainda da tarefa de julgamento da agramaticalidade de frases foram feitas através do pedido de correção das frases julgadas incorretas ou da explicação do porquê de tal julgamento. Na tarefa de correção pede-se à criança que corrija frases com incorreções. O emprego desta tarefa por si mesma ou após a apresentação da tarefa de julgamento não permitiria ainda diferenciar o processamento lingüístico ordinário do uso de 41 habilidades metacognitivas pela criança. Dada a tendência natural à normalização de frases inadequadas, seria possível que as correções realizadas fossem feitas sem que de fato a criança estivesse refletindo sobre o erro, mas valendo-se apenas dos conhecimentos tácitos que qualquer falante possui sobre sua própria língua. Por outro lado, requerer da criança a explicação do julgamento realizado também não traria maior confiabilidade à tarefa de julgamento. Se por um lado, a verbalização da razão pela qual algumas frases foram rejeitadas expressa a manipulação intencional que a criança possa fazer dos seus conhecimentos linguísticos, o seu reverso nem sempre é válido. Não é pelo fato da criança não justificar suas ações que se possa legitimamente inferir que ela não esteja agindo de maneira intencional. É possível que a criança possa manipular intencionalmente o conhecimento gramatical que possui e ao mesmo tempo encontre dificuldades em expressar verbalmente a operação realizada por ela. De mais a mais, a verbalização acerca da natureza da agramaticalidade presente na frase é facilitada pelo domínio de vocabulário gramatical adequado que permita sua designação, o que estaria fortemente associado ao nível de escolaridade da criança. Dada a tendência natural de se normalizar sentenças inadequadas, alguns pesquisadores Bowey, Ryan & Ledger, viram na repetição de sentenças inaceitáveis a possibilidade de se examinar o controle intencional da atividade linguística da criança. Na tarefa de repetição, a criança deve reproduzir a sentença ouvida sem qualquer alteração, mesmo que esta sentença seja inaceitável do ponto de vista gramatical. Entretanto, tarefas de repetição não constituem isoladamente medidas fidedignas de consciência morfossintática já que seria possível que as crianças estivessem repetindo as frases que, apesar de suas incorreções, tenham podido entender melhor seu conteúdo, ou aquelas cujas palavras lhes fossem familiares. A tarefa de se pedir à criança a localização do erro nas frases (tarefas de localização) também não pode ser tomada como uma medida efetiva da habilidade morfossintática na criança. No caso da tarefa de localização, não é possível afirmar que o desempenho da criança se deve ao uso de habilidades metalinguísticas já que violações morfossintáticas implicam também violações de ordem semântica, o que traria como consequência o estranhamento do enunciado e, portanto, a localização imediata do erro. 42 Tentativas recentes de investigação da consciência morfossintática na criança abandonaram o uso das tarefas clássicas descritas acima em favor de tarefas que permitissem à própria criança a produção dos aspectos morfossintáticos estudados. Tais tarefas são designadas na literatura como tarefas de produção. Algumas das tarefas de produção constituem variações mais elaboradas do ponto de vista linguístico da tarefa de completamento empregada nas investigações conduzidas já na década de 1970. Na tarefa de completamento a criança deve enunciar palavras que completam de forma apropriada uma frase ou mesmo uma história; em alguns casos, deve completar o morfema final de uma palavra inserida em uma frase. Em sua forma original, a apresentação do contexto deveria ser tal que levasse a criança a enunciar exatamente a palavra requerida pelo pesquisador. Desta forma, não se pode determinar se o sucesso da criança seria devido a sua habilidade metalinguística ou se seria por influência do próprio contexto.No último caso, a escolha da criança estaria sendo guiada mais por aspectos semânticos do que propriamente por seu conhecimento morfossintático. As tarefas de completamento têm assumido diversas variantes de modo a minimizar o uso de pistas semânticas pelas crianças. Uma das maneiras de fazê-lo foi através do emprego de pseudopalavras, ou seja, uma palavra inventada que apesar de obedecer à formação fonológica da língua não faz parte de seu léxico. O uso de pseudopalavras permitiria, em princípio, isolar os aspectos estruturais e semânticos da língua. Na tarefa de morfologia produtiva são apresentadas pseudopalavras que devem ser modificadas pelo emprego de afixos ou desinências. Apesar do uso de pseudopalavras objetivar eliminar a influência da semântica no uso do conhecimento morfossintático pela criança, a tarefa não parece alcançar o seu intento. Existem pistas semânticas fornecidas pelo contexto suficientes o bastante para favorecer a modificação requerida na pseudopalavra. Assim, a opção por pseudopalavras circunscreve os aspectos morfossintáticos examinados a regularidades prototípicas o que dificilmente requereria da criança mais do que o emprego do conhecimento tácito que possua da língua. O teste de estrutura morfológica também pode ser tomado como um tipo de tarefa de completamento. O teste requer da criança para completar a frase a habilidade de decompor uma palavra derivada apresentada, pela subtração de seu sufixo, em sua forma derivada (tarefa 43 de decomposição) ou de produzir uma palavra derivada dada sua forma primitiva (tarefa de derivação), conforme mostrado no exemplo a seguir: 1. Corajoso. O policial mostrou muita _ (coragem). 2. Fama. O artista é_ (famoso) _. Neste teste, os itens são construídos de maneira que, em metade deles, a produção da palavra derivada conserve a estrutura fonológica da palavra primitiva e vice-versa (Ex.: garoto - garotada). Na outra metade, a estrutura fonológica das palavras é alterada pelas transformações requeridas pela tarefa (Ex.: fome- faminto). Independentemente do nível de escolaridade, os melhores escores das crianças no teste de estrutura morfológica ocorrem na tarefa de decomposição, mesmo para os itens em que há alteração fonológica na transformação da forma derivada em primitiva. Não causa surpresa que este tipo de tarefa possa ser facilmente resolvido pelas crianças. A resolução da tarefa é possível, por exemplo, pela remoção de parte final da palavra de maneira que surja daí uma outra palavra. O contexto da frase auxilia a criança no quanto subtrair da palavra apresentada e na enunciação da palavra primitiva. Desta forma, é pouco provável o uso de habilidades metacognitivas para o sucesso desta tarefa. De forma semelhante, acredita-se que o teste de estrutura morfológica sob forma da tarefa derivacional não permita avaliar a consciência morfossintática das crianças. O sucesso na tarefa pode ser alcançado por vias puramente semânticas. Uma vez que a palavra primitiva é mencionada para a criança, esta pode gerar um eixo paradigmático de palavras de mesmo campo semântico tendo o contexto da frase para auxiliá-la na escolha daquela que se mostra apropriada. Tudo isto pode ocorrer sem que a criança esteja manipulando de maneira intencional os elementos mórficos necessários para a passagem da palavra primitiva em derivada. O teste de estrutura morfológica parece depender muito mais da extensão do léxico da criança do que de seus conhecimentos morfossintáticos. A tarefa de completamento de sentença requer que a criança finalize uma frase com uma forma derivada, quer de uma palavra primitiva ou de uma pseudopalavra conforme exemplificado: 1.Uma mulher que faz faxina é uma (faxineira). 2. O contrário de coberto é (descoberto) _. A tarefa de completamento de sentença parece ser antes uma tarefa de avaliação do vocabulário da criança do que de seu conhecimento morfossintático. À 44 tarefa podem ser aplicadas ainda os mesmos comentários feitos para a tarefa de produtividade morfológica. Por fim, o teste de derivação por sufixação consiste da apresentação escrita de frases onde há uma lacuna que deverá ser completada pela escolha de uma palavra derivada a ser escolhida em meio a outras três palavras, todas palavras derivadas de um mesmo radical por derivação por sufixação. O teste compreende itens onde são utilizadas pseudopalavras. O teste difere das outras versões da tarefa de completamento por não ser uma tarefa de produção, mas de reconhecimento da forma morfossintática apropriada. O teste de derivação por sufixação, como todas as outras versões da tarefa de completamento, sofre restrições quanto ao acesso à atividade metalinguística da criança uma vez que o sucesso na tarefa pode ser conseguido por meios puramente semânticos. O bom desempenho na tarefa depende do nível de vocabulário adquirido pela criança. Especificamente, o teste de derivação por sufixação é influenciado pela habilidade de leitura da criança, bem como exige bastante da memória de trabalho no que concerne à atenção e retenção tanto das quatro alternativas apresentadas para o completamento da frase, bem como da sentença em si mesma. Encontra-se na literatura alternativas de mensuração da consciência morfossintática que rompem com o paradigma inaugurado pelas tarefas clássicas. São estas: o teste de relacionamento morfológico, a tarefas de analogia morfossintática e a tarefa de replicação. O teste de relacionamento consiste da apresentação de pares de palavras. Alguns pares de palavras consistem de uma palavra primitiva e outra derivada; outros, de palavras não relacionadas. Pede-se, então, a criança que julgue se as palavras estão ou não relacionadas, dizendo se a segunda palavra do par é derivada da primeira palavra. Há duas versões da tarefa: uma oral e outra escrita. Nas duas versões são oferecidos quatro itens de treinamento, dois em que as palavras estão relacionadas e dois em que não estão. Os itens são compostos de maneira a contemplar variações em relação à similaridade fonológica entre as formas primitivas e derivadas. Em alguns itens não há qualquer alteração pelo processo de derivação seja em relação à pronúncia ou à escrita. Em outros, há mudança na sílaba tônica ou mesmo modificação de vogais ou consoantes pela adição dos afixos: jogo-jogador; fome-faminto; porco-porção. Crianças com idade média entre 9 e 12 anos reconhecem com facilidade os pares de palavras não-relacionados. Dos pares de palavras relacionadas, os itens em 45 que as crianças mais obtêm sucesso são aqueles que contêm os sufixos mais frequentemente utilizados nos processos de derivação por sufixação. Por consequência, as palavras utilizadas nestes itens são também bastante conhecidas das crianças. Neste sentido, o desempenho das crianças no teste parece ser em grande parte influenciado pelo nível de vocabulário que a criança possui. Pares que possuem palavras infrequentes ou cujas palavras a criança não conhece o significado são os itens onde há o maior índice de erros. É provável que o sucesso obtido pelas crianças no teste esteja mais relacionado à semântica do que propriamente à manipulação intencional dos fatos morfossintáticos da língua. As crianças em seu julgamento poderiam valer-se da construção de um campo semântico, evocando palavras com significados semelhantes a partir da primeira palavra do par. Assim sendo, o significado das palavras, mais do que a sua constituição, poderia ser o critério determinante para o julgamento da criança. Na tarefa de analogia de sentenças estruturada segundo o esquema “A está para B assim como C está para D”, são apresentadas à criança duas sentenças (A e B), por exemplo, uma frase com o verbo no presente (Marcos joga futebol) e outra no pretérito perfeito (Marcos jogou futebol). Em seguida é apresentada uma terceira frase(C), com a mesma estrutura morfossintática da frase A, em nosso exemplo, uma sentença no presente (Mamãe faz um bolo), pede-se então à criança que produza uma quarta frase (D), operando a transformação observada de A para B; no exemplo, a criança produziria uma sentença similar a frase C com o verbo no passado (Mamãe fez um bolo). No exemplo acima, pretende-se avaliar o reconhecimento e produção pela criança da relação presente e passado dos verbos. Marcos joga bola. Marcos jogou bola Mamãe faz um bolo. (Mamãe fez um bolo). Um outro tipo de tarefa de analogia consiste em utilizar palavras ao invés de sentenças (tarefa de analogia de palavras). Nesta tarefa a criança deve identificar a transformação morfológica realizada em um par de palavras e realizar uma transformação similar para outra palavra formando um novo par de palavras que guarda a mesma relação morfossintática que o primeiro par. As transformações requeridas podem ser relativas à morfologia derivacional (mudança de categoria gramatical: por exemplo de nome para verbo; de nome para adjetivo) ou à morfologia flexional (Ex.: mudança nos tempos verbais). Escrita escritora; costura _ (costureira). 46 O uso de tarefas de analogia morfossintática vai requerer da criança o reconhecimento detecção da relação gramatical entre o primeiro par de palavras ou frases da tarefa e a sua aplicação intencional ao segundo par, no entanto, existem algumas restrições à tarefa. A primeira delas refere-se à exigência feita à memória de trabalho. Em segundo lugar, a tarefa depende da capacidade da criança em fazer uso do raciocínio por analogia. Desta maneira, ao usarmos estas tarefas não estaríamos medindo apenas a competência metalinguística da criança, mas também sua habilidade em fazer uso de seu conhecimento morfossintático associada à sua capacidade de raciocinar por analogia. Assim sendo, só seria possível avaliar as habilidades metalinguísticas daquelas crianças capazes de raciocinar fazendo uso de analogias, o que dependeria, por sua vez, da emergência e do desenvolvimento do pensamento multiplicativo na criança. Na tarefa de replicação pede-se à criança que inicialmente localize e corrija o erro gramatical em uma frase para em seguida reproduzir este erro em duas sentenças corretas. Por exemplo, na frase “O menina é bonito”, a criança deverá corrigir o erro, para, posteriormente, reproduzir este mesmo tipo de erro em duas outras sentenças, no caso: “Maria é corajosa” e “O rapaz anda preocupado”. O objetivo desta tarefa é o de examinar se a criança é capaz de identificar violações de natureza morfossintática e usar conscientemente seu conhecimento da gramática da língua através da reprodução intencional do erro detectado na primeira frase sem que, para isto, seja necessário requerer da criança explicação para as respostas apresentadas. O emprego da tarefa de replicação requerer bastante da memória de trabalho, especialmente quando apresentada apenas oralmente, ou seja, sem o recurso da apresentação escrita das frases. Desta forma, em sua versão oral, a eficácia da tarefa estaria intimamente relacionada ao nível de memória da criança, enquanto, em sua apresentação escrita, dependeria da habilidade de leitura que a criança possui. Autores renomados como Gaux e Gombet observaram que o tipo de item construído poderia comprometer a eficácia da tarefa de replicação. A semelhança fonológica do item a transformar com aquele da frase-modelo facilitaria a reprodução do erro pela criança. Por exemplo, o erro localizado e corrigido em “O professora é atencioso” seria reproduzido mais facilmente na frase “O cantor é famoso” do que na frase “O rapaz anda preocupado”. A semelhança entre a posição do erro na primeira 47 frase e nas frases seguintes onde este deverá ser replicado torna-se também um indício que a criança poderá recorrer a fim de alcançar um melhor desempenho na tarefa. A presença de semelhanças fonológicas e de posição entre as palavras nas frases pode auxiliar a criança a ter sucesso na tarefa sem que este resultado advenha propriamente do uso de habilidades metalinguísticas, mas sim do conhecimento tácito que a criança tenha da língua. As mesmas considerações relativas à construção de itens para a tarefa de replicação são também aplicáveis à elaboração das tarefas de analogias morfossintáticas discutidas anteriormente. 8 A AVALIAÇÃO DAS HABILIDADES METALINGUÍSTICAS E DE LEITURA Os transtornos de aprendizagem são diagnosticados quando os resultados da criança em testes padronizados e individualmente administrados de leitura, matemática ou expressão escrita estão substancialmente abaixo do esperado para sua idade, escolarização e nível de inteligência. Os problemas da aprendizagem interferem significativamente no rendimento escolar ou nas atividades da vida diária que exigem habilidade de leitura, matemática ou escrita. Para a identificação de crianças de risco para a dislexia ou para o desenvolvimento de distúrbio de leitura, foi observado que, entre os preditos considerados chave, tais como a consciência fonológica, memória de trabalho, nomeação rápida, vocabulário expressivo, repetição de não-palavras e nomeação de letras, a consciência fonológica, a nomeação de letras e nomeação automática rápida se mostraram como os mais poderosos preditores, sendo a consciência fonológica considerada o mais forte entre esses. Desta forma, as habilidades consideradas mais prejudicadas em crianças com transtornos de aprendizagem são a consciência fonológica e a memória de trabalho. Avaliar as capacidades fonológicas é uma tarefa que deve ser conduzida com cuidado, pois as tarefas utilizadas na avaliação das capacidades fonológicas devem permitir a observação e a análise do desempenho da criança nos mais diferentes níveis. É preciso lembrar, por exemplo, que a habilidade de identificar precede as de segmentar e manipular. A habilidade de segmentar as unidades, frequentemente, é mais fácil que a manipulação dessas mesmas unidades e, ainda, dentre as tarefas de 48 manipulação, algumas oferecem mais dificuldades que outras: inverter segmentos é mais fácil que subtrair segmentos. Outra variável a ser considerada em tarefas de avaliação das capacidades fonológicas é a estrutura silábica apresentada. A memória de trabalho tem um importante papel nas tarefas de consciência fonológica, porque durante a realização de uma tarefa dessa natureza é necessário que o material verbal seja mantido na memória de trabalho, a fim de haver sucesso na resolução da tarefa solicitada. Já foi observado que os escolares desenvolvem primeiro a percepção para sílabas, para depois, com o desenvolvimento da habilidade de leitura desenvolverem a percepção para os fonemas, assim como desenvolvem antes a habilidade de identificação (tanto para sílabas como para fonemas) para depois desenvolverem a habilidade de manipulação (de sílabas e depois fonemas), demonstrando o caráter de reciprocidade entre a habilidade de leitura e de processamento fonológico. Deste modo, sendo estas habilidades tão importantes para o desenvolvimento da leitura e da escrita e, sendo elas um dos aspectos alterados nas crianças que apresentam transtornos de aprendizagem, devem ser sempre avaliadas antes e após o processo interventivo. Para a identificação do distúrbio de aprendizagem, o escolar deve apresentar uma discrepância, que, na maioria das definições, é indicada como a presença de diferenças entre as aptidões e os desempenhos em atividades escolares, apresentar também as heterogeneidades que representam os múltiplos domínios em que o distúrbio de aprendizagem ocorre, incluindo as várias desordens de leitura, matemática, expressão escrita e linguagem e o componente exclusão, que reflete a orientação para que o distúrbio de aprendizagem não seja diagnosticado se a causa primáriaenvolver uma desordem sensorial, deficiência mental, distúrbio emocional, desvantagem econômica, diversidade linguística ou instrução inadequada. 9 CONSIDERAÇÕES FINAIS Sabe-se que a aprendizagem da leitura é um processo complexo que exige dos escolares o uso de componentes fonológicos, sintáticos e semânticos da linguagem, sendo necessário que utilizem a habilidade metalinguística de reflexão da linguagem 49 oral sobre a escrita. Assim como, que para a compreensão do sistema alfabético deve- se estabelecer uma relação entre as letras e os sons da fala. Desta forma, sendo os transtornos de aprendizagem presentes academicamente no comprometimento da decodificação ou identificação de palavras, como também atividades de soletrar e de expressão escrita, se refletindo na compreensão do material lido, torna-se necessário que as capacidades fonológicas sejam desenvolvidas por meio da estimulação, para assim garantir o sucesso da aprendizagem da leitura e da escrita. O treino das habilidades fonológicas pode ser iniciado desde cedo, com a estimulação inicial da linguagem oral, utilizando para isto apoio de pistas visuais como um auxiliar no processamento da informação e em seu armazenamento. Para isto pode ser realizado um trabalho de aquisição de conceitos e conhecimentos do significante e do significado, associando figuras com a linguagem oral, depois trabalhar a percepção das partes da palavra também associando com as partes das figuras, ou com objetos concretos inicialmente, seguindo a aquisição dos níveis das habilidades fonológicas. Existe ampla evidência que suporta a importância da instrução das habilidades fonológicas no desenvolvimento da competência de leitura, ainda que se tenha pouco conhecimento dos métodos mais efetivos de instrução para os leitores iniciantes e aqueles com transtornos de aprendizagem da leitura e escrita. Toda criança aprende melhor, se alfabetiza com mais facilidade quando tem contato com material impresso desde cedo, quando entende a função da escrita, e já tem familiaridade com seus sinais gráficos. Uma criança cujo meio é estimulante proporcionando contato com um grande número de livros diferentes desenvolve atitudes positivas e podem se tornar melhores leitores. A combinação de instrução de consciência fonológica com atividades emergentes de alfabetização, tais como leitura interativa de livros, pode proporcionar às crianças maior exposição à rima e aliteração, preparando-as para o estágio posterior de instrução de segmentação. Além disso, exposição a práticas de leitura é uma importante contribuição para o desenvolvimento da alfabetização á parte da consciência fonológica e habilidades de decodificação, sendo fortemente dependente de fatores ambientais. 50 10 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ANDALÓ, A. Prática de ensino em língua portuguesa: alfabetização e letramento: em busca da palavra -mundo. São Paulo: 2010. ANTUNES, I. Língua, texto e ensino: outra escola possível. São Paulo: Parábola Editorial, 2009. BAGNO, M. Língua materna: letramento, variação e ensino. 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