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UNIVERSIDADE ANHEMBI MORUMBI ESCOLA DE DIREITO GUILHERME SIMÕES CREDIDIO VINCULAÇÃO À TESE FIXADA EM INCIDENTE DE RESOLUÇÃO DE DEMANDAS REPETITIVAS SÃO PAULO 2022 GUILHERME SIMÕES CREDIDIO VINCULAÇÃO À TESE FIXADA EM INCIDENTE DE RESOLUÇÃO DE DEMANDAS REPETITIVAS Trabalho de Conclusão de Curso apresentado como exigência parcial para a obtenção de título de Graduação do Curso de Direito da Universidade Anhembi Morumbi. Orientador: Prof. Me. Fernando Muniz Shecaira SÃO PAULO 2022 GUILHERME SIMÕES CREDIDIO VINCULAÇÃO À TESE FIXADA EM INCIDENTE DE RESOLUÇÃO DE DEMANDAS REPETITIVAS Trabalho de Conclusão de Curso apresentado como exigência parcial para a obtenção de título de Graduação do Curso de Direito da Universidade Anhembi Morumbi. Aprovado em: UNIVERSIDADE ANHEMBI MORUMBI Prof Dr. / Me. UNIVERSIDADE ANHEMBI MORUMBI Prof Dr. / Me. UNIVERSIDADE ANHEMBI MORUMBI Prof. Dr. / Me. DEDICATÓRIA Dedico essa obra ao SENHOR que nos dá força para lutarmos e conquistarmos, apesar de todos os desafios! Também dedico a obra à minha esposa Priscila Koritar, que abdicou do convívio comigo por cinco longos anos para que eu pudesse cursar minha segunda graduação, agora em Direito. Ademais, nos últimos dois semestres, ela também tem visto minha presença nos horários livres minguar em decorrência das pesquisas e da redação desse trabalho. Meu Amor, dias melhores virão e aproveitaremos muito cada um deles! Dedico também esse trabalho à Laurinha, amor do papai, nascida durante a elaboração desse trabalho. Filha, minha ausência está acabando e logo poderemos brincar muito mais. Quero muito ver mais seu sorriso que ilumina nossa família! Dedico esse trabalho aos meus pais, que torcem pela realização de cada um dos meus sonhos. Em breve, estaremos mais juntos! AGRADECIMENTOS Ao SENHOR, Deus Criador, por nos conceder a vida e oportunidades tão maravilhosas de nos desenvolvermos. Ao meu orientador, Prof. Me. Fernando Muniz Shecaira, pela generosidade de compartilhar comigo seu conhecimento de forma tão maravilhosa. A minha esposa, Priscila, pelo amor, pelo apoio e pela compreensão nas horas de ausência. A minha filha, Laura, que me alegra a cada sorriso. Aos meus pais José Paulo e Maria Luísa por participarem da minha jornada pelo Direito e vibrarem a cada conquista. À Universidade Anhembi Morumbi que, por meio do Vestibular Top 50, me concedeu bolsa de estudos integral para a graduação em Direito. “Dê-me, Senhor, agudeza para entender, capacidade para reter, método e faculdade para aprender, sutileza para interpretar, graça e abundância para falar. Dê-me, Senhor, acerto ao começar, direção ao progredir e perfeição ao concluir.” (São Tomás de Aquino) RESUMO A presente pesquisa tem por objetivo analisar a vinculação às teses fixadas em Incidente de Resolução de Demandas Repetitivas, com vistas a compreender sua essência e suas limitações. Com esse intuito, adotará método de abordagem dialético, com procedimento comparativo e técnica de documentação indireta. Para iniciar, será estudada a litigiosidade em massa e como ela pode ser combatida pela tese jurídica vinculante fixada nesse incidente processual. Na sequência, será estudada essa vinculação nos tribunais de origem, nos tribunais superiores e na Administração Pública. Por fim, uma pesquisa empírica subsidiária investigará os contornos dessa vinculação dentre os incidentes processuais admitidos no Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo. Conclui-se que questões de direito moderam as teses fixadas nesses incidentes processuais, recursos a tribunais superiores podem permitir que essas teses tenham vinculação em âmbito nacional e a Administração Pública está vinculada à tese fixada no incidente processual quando for parte em processo judicial que a originou. Ainda ressalta o poder de influência dos litigantes habituais sobre a fixação de teses jurídicas em questões de seu interesse e o sistema recursal dos tribunais superiores como mecanismo para que a tutela dos diversos interesses no processo seja equalizada. Por último, sugere estudo futuro para verificar se há vinculação extraprocessual da Administração Pública às teses fixadas em Incidente de Resolução de Demandas Repetitivas. Palavras-Chave: Incidente de resolução de demandas repetitivas; vinculação; tribunais; administração pública; processo; litigante habitual. ABSTRACT The present research aims to analyze the link to the theses established in Incident of Resolution of Repetitive Demands, in order to understand its essence and its limitations. For this purpose, it will adopt a dialectical approach method, with a comparative procedure and indirect documentation technique. To begin with, it will be studied mass litigation and how it can be fought by the binding legal thesis established in this procedural incident. Subsequently, this binding will be studied in the courts of origin, in the superior courts and in the Public Administration. Finally, a subsidiary empirical research will investigate the contours of this binding among the procedural incidents admitted to the Court of Justice of the State of São Paulo. It is concluded that questions of law moderate the theses established in these procedural incidents, appeals to higher courts can allow these theses to be binded at the national level and the Public Administration is bound to the thesis established in the procedural incident when it is a party to the judicial process that originated it . It also emphasizes the power of influence of the repeat players on the establishment of legal theses in matters of their interest and the appeal system of the superior courts as a mechanism for the protection of the various interests in the process to be equalized. Finally, it suggests a future study to verify if there is an extra-procedural binding between the Public Administration and the theses established in the Incident of Resolution of Repetitive Demands. Keywords: Incident of Resolution of Repetitive Demands; binding; courts; public administration; process; repeat player. LISTA DE ABREVIATURAS / SIGLAS CF Constituição Federal CPC Código de Processo Civil IRDR Incidente de Resolução de Demandas Repetitivas TJSP Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo SUMÁRIO INTRODUÇÃO ...................................................................................................................... 12 CAPÍTULO 1. A LITIGIOSIDADE EM MASSA, O IRDR E A VINCULAÇÃO À TESE FIXADA NESTE INCIDENTE PROCESSUAL ...................................................... 17 1.1. O FENÔMENO DA LITIGIOSIDADE EM MASSA ............................................. 17 1.2. O INCIDENTE DE RESOLUÇÃO DE DEMANDAS REPETITIVAS ................ 22 1.3. VINCULAÇÃO À TESE FIXADA EM IRDR ........................................................ 29 CAPÍTULO 2. A VINCULAÇÃO À TESE FIXADA EM IRDR NOS TRIBUNAIS E NA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA ..................................................................................... 36 2.1. TRIBUNAIS DE ORIGEM ....................................................................................... 36 2.2. TRIBUNAIS SUPERIORES ...................................................................................... 38 2.3. ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA ................................................................................ 41 CAPÍTULO 3.PESQUISA EMPÍRICA ........................................................................... 49 3.1. ESPECIFICAÇÃO DA PESQUISA ......................................................................... 49 3.2. RESULTADOS E DISCUSSÃO ................................................................................ 51 CONCLUSÃO ......................................................................................................................... 63 REFERÊNCIAS ..................................................................................................................... 67 12 INTRODUÇÃO O fenômeno da litigiosidade em massa está presente no Poder Judiciário brasileiro, contribuindo para sua sobrecarga. Somado à baixa taxa de reposição dos servidores decorrente de concursos públicos menos frequentes que o necessário e à presença de recursos protelatórios, gera um panorama nacional de uma justiça lenta em tutelar os diversos interesses que lhes são submetidos. A demora em tutelar direitos claramente viola o princípio da celeridade processual. Diante disso, operadores do direito percebem o processo como inefetivo, visto que a velocidade de decisão é insuficiente para atender à necessidade de muitos que procuram o Judiciário. Além de lenta, a justiça brasileira também é percebida como seletiva. Isso decorre da presença de julgamentos divergentes entre si, mesmo que tratem de demandas idênticas. Por conseguinte, soma-se ao panorama nacional a violação aos princípios da isonomia e da segurança jurídica. Com o advento do Código de Processo Civil de 2015, o legislador procurou combater essa situação presente no Judiciário por meio de institutos com potencial de dinamizar e de equalizar o processo. Dentre os diversos institutos concebidos, ganha destaque a técnica de julgamento de casos repetitivos, pois atua no sentido de promover maior efetividade processual. No âmbito dessa técnica, o incidente de resolução de demandas repetitivas (IRDR) é bastante promissor, pois resolve processos individuais que versam sobre mesma questão de direito pela fixação de uma tese jurídica aplicável a eles. O IRDR adota o julgamento por amostragem para resolver demandas que tratam da mesma questão de direito. A tese que é fixada nesse incidente processual vincula processos que tramitem ou venham a tramitar perante o mesmo tribunal. Com isso, a tomada de decisão se torna mais célere e são minorados os riscos de ofensa à isonomia e à segurança jurídica. Tendo em vista a importância da vinculação à tese fixada em IRDR para tornar o processo mais célere, mais isonômico e mais seguro, o presente trabalho propõe o estudo da vinculação à tese fixada em IRDR nos tribunais e na Administração Pública. A pergunta de pesquisa que será enfrentada no trabalho é a seguinte: como Tribunais e Administração Pública podem estar vinculados às teses fixadas em Incidente de Resolução de Demandas Repetitivas? 13 As hipóteses de pesquisa que nortearão o estudo são apresentadas no elenco a seguir: 1) a vinculação às teses fixadas em IRDR nos Tribunais de origem pode ser moderada pelas questões de direito; 2) o julgamento de recurso especial e extraordinário que verse sobre a tese fixada em IRDR possibilita a vinculação no âmbito nacional; e 3) a Administração Pública não está vinculada às teses fixadas em IRDR. A proposição da primeira hipótese está amparada no artigo 985 do Código de Processo Civil, assim como em doutrinas essenciais no tema do incidente de resolução de demandas repetitivas. A hipótese permite investigar os requisitos para vinculação nos Tribunais de origem, com vistas a esclarecer como se dá o mecanismo geral de vinculação. Convém asseverar que todas as demais hipóteses estão relacionadas a mecanismos diferenciados da vinculação que é explicitada no próprio Código de Processo Civil (CPC). A segunda hipótese encontra fundamento na doutrina que aborda o interesse recursal na esfera do IRDR, mais especificamente aquela doutrina que defende o uso de recursos aos Tribunais Superiores como estratégia para que a tese fixada em IRDR repercuta em âmbito nacional. A última hipótese é suportada por doutrina que trava o debate da vinculação da Administração Pública às teses fixadas em precedentes e, em especial, àquelas fixadas em IRDR. É importante notar que o tema dos precedentes judiciais na Administração Pública é bem recorrente nos trabalhos realizados em âmbito de pós-graduação strictu sensu. Congregando estas quatro hipóteses, esta pesquisa visa a traçar um panorama da vinculação às teses fixadas em IRDR. Busca-se oferecer ao operador de Direito um mapa de posições doutrinárias pacíficas para que o operador do direito se guie quando se deparar com o IRDR em âmbito judicial e extrajudicial. Considerando a pergunta de pesquisa e as hipóteses, o trabalho apresenta seus objetivos segregados em objetivos geral e específicos. Enquanto o objetivo geral define uma meta para a pesquisa como um todo, os objetivos específicos buscam atender às questões mais particulares da pesquisa. O objetivo geral do estudo é analisar o fenômeno da vinculação às teses fixadas em Incidente de Resolução de Demandas Repetitivas, com vistas a compreender sua essência e suas limitações. Os objetivos específicos do trabalho suportam diretamente o objetivo geral e subsidiarão a resposta ao problema de pesquisa. Sendo assim, os objetivos específicos almejam elucidar a vinculação às teses fixadas em IRDR nas diversas instituições em que o operador de Direito possa atuar profissionalmente. Por conseguinte, para responder ao 14 questionamento central, o estudo apresenta os seguintes objetivos específicos: 1) examinar a vinculação à tese fixada em IRDR nos Tribunais de origem, bem como suas limitações; 2) compreender o mecanismo de abstrativização da tese fixada em IRDR por meio de julgamento de recursos especial ou extraordinário que verse sobre ela, bem como sua consequente vinculação nacional; e 3) analisar a possibilidade de vinculação da Administração Pública às teses fixadas em IRDR e mecanismos possíveis para assegurar maior estabilidade às decisões administrativas a elas relacionadas. Para desenvolver o trabalho proposto, será adotada metodologia composta do método de abordagem, dos métodos de procedimento e das técnicas de pesquisa. Será adotado o método de abordagem dialético, que é aquele em que há uma pretensão de verdade (tese), uma proposição que nega a tese (antítese) e uma nova proposição que resulta do confronto entre tese e antítese (síntese). A opção pelo método de abordagem dialético é bastante conveniente para uma pesquisa na área de Direito, visto que se trata de uma ciência que confronta opiniões fundamentadas em argumentação consistente com o intuito de conhecer melhor um fenômeno (no caso em estudo, busca-se conhecer melhor um instituto). Em decorrência de ser um incidente processual relativamente novo e muitas serem as posições doutrinárias acerca do IRDR, a dialética é cara ao seu estudo, por ofertar ferramental para consolidar o conhecimento ao seu respeito. Foi escolhido o método de procedimento comparativo, que considera semelhanças e diferenças acerca de um fenômeno para contribuir para sua melhor compreensão. Por meio desse método, é possível obter maior amplitude e generalização acerca do fenômeno estudado. O método comparativo se mostra promissor por permitir a produção de um mapa de posições doutrinárias pacíficas que guie o operador de Direito quando se deparar com o IRDR tanto em âmbito judicial quanto extrajudicial. Ademais, esta pesquisa opta por ser conservadora nas sínteses a serem extraídas do cotejamento entre pontos de vista de renomados doutrinadores, pois, assim, oferecerá ao operador de Direito uma rota segura para navegar com celeridade e segurança jurídica nos maresdeste incidente processual. A pesquisa será desenvolvida com técnica de documentação indireta, abrangendo pesquisa documental e bibliográfica. Assim, o estudo proposto adota uma linha de pesquisa majoritariamente qualitativa, teórica e descritiva. Contudo, é proposta a aplicação de pesquisa empírica subsidiária para compreender a questão da vinculação à tese fixada em IRDR no Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, 15 considerado o maior tribunal do mundo em volume de processos. Com a pesquisa empírica, objetiva-se compreender se as teses fixadas em IRDR têm vinculado decisões nos tribunais e na Administração Pública. Almeja-se compreender o caráter prático do fenômeno estudado por meio do método dialético. O tema estudado apresenta potencial de relevante contribuição para o estudo do Direito, mais particularmente para o campo do Direito Processual Civil, uma vez que discute como instâncias decisórias nos âmbitos judicial e administrativo podem sofrer vinculação às teses fixadas em Incidente de Resolução de Demandas Repetitivas. O incidente em análise foi introduzido no Código de Processo Civil de 2015 e sua aplicação merece mais discussão científica, razão pela qual este estudo abraça esta temática. O incidente processual analisado tem o objetivo de propiciar que demandas repetitivas que sejam embasadas tão-somente em questões de direito que possam se valer de tese fixada em julgamento em abstrato para solução dos casos concretos, ocorrendo o fenômeno da vinculação que é central neste estudo. Sua aplicação é, dessa maneira, promissora para minimizar a duração do processo, em clara celebração ao princípio da celeridade processual. Ademais, teses claras contribuem para reduzir a instabilidade jurídica. É, portanto, a questão da vinculação à tese fixada em IRDR primordial para o sucesso da aplicação deste incidente processual nos tribunais. De forma semelhante, os atos administrativos devem estar calcados no princípio da legalidade para que não sejam anulados. Diante deste imperativo, primeiramente é pertinente compreender se a Administração Pública estaria vinculada às teses fixadas em IRDR. Em caso negativo, diante da fixação de uma tese em IRDR que verse sobre questão de direito coincidente com razões de direito de um ato administrativo, é fundamental vislumbrar quais posturas poderiam ser adotadas pela Administração Pública para garantir maior contribuição entre os Poderes Judiciário e Executivo visando ao interesse público. A pesquisa se justifica, portanto, pelo preenchimento de lacuna de conhecimento sobre a vinculação dos Tribunais e da Administração Pública às teses fixadas em incidente processual razoavelmente novo no ordenamento jurídico brasileiro. Espera-se que a adoção do método dialético, por trazer à baila as contradições entre posições doutrinárias do tema da pesquisa, possa contribuir para a construção de um mapa de pontos pacíficos que guie o operador do direito à segurança jurídica e à celeridade processual. Por fim, o trabalho será estruturado em três capítulos. O primeiro capítulo discute o fenômeno da litigiosidade em massa, o IRDR como ferramenta para combatê-lo e a descrição da vinculação à tese fixada nesse incidente processual. O segundo capítulo trata da vinculação 16 à tese fixada em IRDR nos tribunais de origem, nos tribunais superiores e na Administração Pública. O terceiro capítulo desenvolve uma pesquisa empírica para compreender a vinculação à tese fixada em IRDR nos tribunais e na Administração Pública. 17 CAPÍTULO 1. A LITIGIOSIDADE EM MASSA, O IRDR E A VINCULAÇÃO À TESE FIXADA NESTE INCIDENTE PROCESSUAL É bastante produtivo que um estudo que almeja analisar o fenômeno da vinculação à tese fixada em IRDR parta da compreensão do cenário em que surgiu este incidente processual, passando pela sua própria especificação e, então, adentrando na especificação da vinculação, com sua essência e suas condições de contorno. Considerando que será empregado método de abordagem dialético e método de procedimento comparativo, o estudo procurará apresentar posições doutrinárias positivas (teses) que serão negadas por outras posições doutrinárias (antíteses) e buscará confrontá-las para a obtenção de sínteses. 1.1. O FENÔMENO DA LITIGIOSIDADE EM MASSA De um lado, Cunha aponta que a sociedade tem experimentado uma explosão da quantidade de litígios em decorrência de relações jurídicas cada vez mais complexas, da expansão dos meios de comunicação social, de um cidadão com maior grau de consciência jurídica, da disponibilidade de novas tecnologias, da oferta crescente de novos produtos, do apelo ao consumo e, até mesmo, da profícua produção legislativa1. Por outro lado, Galanter explica as bases sociológicas da litigiosidade em massa de maneira diametralmente diversa. Para o autor, é fundamental vislumbrar esse fenômeno segundo o tamanho e as capacidades financeiras dos litigantes. Assim, existiriam litigantes eventuais e habituais, figurando os últimos em múltiplos processos quer seja no polo passivo quer seja no polo ativo2. Shecaira sumariza as vantagens processuais dos litigantes habituais como: (1) conhecimento prévio das demandas; (2) expertise e pronto acesso a especialistas em decorrência de possuírem mais recursos financeiros; (3) presença de relações informais entre seus patronos e os órgãos julgadores; (4) credibilidade como combatentes permite compromissos acerca de suas posições de negociação; (5) possibilidade de utilizar a sorte, pois pequenas perdas nos casos pouco lhes representam financeiramente; (6) influência na elaboração de regras por meio de relacionamento com deputados e por lobby; (7) preocupação dos litigantes habituais com a formação de jurisprudência que lhes seja favorável no longo prazo; (8) conhecimento da penetração das normas, com determinação daquelas mais 1 CUNHA, L. C. da. A Fazenda Pública em juízo. 17. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2020. p. 312 a 314. 2 GALANTER, M. Why the “Haves” Come out Ahead: Speculations on the Limits of Legal Change. Law & Society Review, [s. l.], v. 9, n. 1, p. 95–160, 1974. Disponível em: http://www.jstor.org/stable/3053023 p. 97. 18 utilizadas para resolver casos; e (9) conjugação de recursos à alteração normativa, permitindo os investimentos necessários à penetração das normas favoráveis aos seus interesses3. Galanter propõe que os litígios repetitivos sejam analisados pela ótica dos seus usuários e não pelos seus motivos. É bem verossímil pensar que aqueles que têm mais recursos (litigantes habituais) litigam mais4. Esse cenário tem levado a um panorama de defasagem de acesso à justiça, em que poucos usuários do sistema de justiça de fato se fazem representados no processo e em que as partes em litígio têm condições muito diferentes entre si. É, por conseguinte, um desafio a ser vencido a superação dessas dificuldades de modo que a tutela dos diversos interesses no processo seja equalizada5. Em suma, segundo a primeira linha doutrinária a litigiosidade em massa decorre da globalização e da integração econômica, tecnológica e cultural, as quais têm o condão de transformar todos os indivíduos em consumidores e usuários de serviços6. Na linha doutrinária que é consectário Galanter, o congestionamento do Poder Judiciário decorre da disponibilidade de recursos financeiros e de conhecimento dos litigantes habituais e seu interesse em influenciar as decisões no longo prazo7. Ademais, o acesso à justiça tem restado prejudicado pela baixa representatividade no processo e pelas condições díspares entre os litigantes8. Tendo em vista o confronto entre teses sociológicas representativas do fenômeno da litigiosidade em massa, é possível convergir para um ponto pacífico: o Judiciário está sobrecarregado com litígiosrepetitivos e ações precisam ser empreendidas para assegurar o devido acesso à justiça combinado com a celeridade processual. Passando a um segundo ponto, convém compreender se a realidade de massificação dos litígios ocorre somente no Brasil ou é generalizada. Neves aponta que a litigiosidade de 3 SHECAIRA, F. M. Participação nos Julgamentos de Casos Repetitivos. 166 f. 2019. - Universidade de São Paulo, [s. l.], 2019. p. 116–118. 4 GALANTER, 1974, p. 97. 5 COSTA, S. H. da; ALMEIDA, A. P. de. Acesso à Justiça e Atuação do Ministério Público na Defesa dos Interesses Sociais. Revista Direito Público, [s. l.], v. 19, p. 331–359, 2022. p. 334. 6 NEVES, A. R. das. Incidente de Resolução de Demandas Repetitivas e Paradigma Decisório: uma radiografia para concretude do acesso à justiça. 250 f. 2020. - Universidade Estadual do Norte do Paraná, [s. l.], 2020. p. 42. 7 GALANTER, 1974, p. 97. 8 COSTA; ALMEIDA, 2022, p. 334. 19 massa não seria uma exclusividade brasileira, mas sim um fenômeno geral no Estado contemporâneo9. Semelhantemente, o próprio estudo de Galanter aponta que a litigiosidade em massa ocorre também em outros países como os Estados Unidos da América. E vale ressaltar que se trata de um estudo desenvolvido em 1974, ou seja, quase há cinquenta anos atrás. Por conseguinte, é razoável considerá-lo um fenômeno de longo prazo presente em múltiplas nações, visto que ocorre em sociedades com processos de formação bastante diferentes entre si. Convém compreender, então, suas consequências. Essa litigiosidade em massa contribui para que a Justiça brasileira seja morosa e pouco eficiente, além de consumir recursos financeiros públicos escassos e de vulnerar a efetividade e economicidade do processo10. Em suma, há um Poder Judiciário sobrecarregado, levando a grandes despesas públicas concomitantemente com uma justiça ineficaz. A doutrina nomeia a situação brasileira como “Era da Perdularidade”, já que o acesso à justiça não é atingido apesar de todo o dinheiro gasto11. É, por conseguinte, a massificação dos conflitos de interesses no Estado contemporâneo um imperativo à adaptação técnica processual12. O legislador tem trazido à baila soluções como filtros recursais de admissibilidade, obrigatoriedade de procedimentos simplificados para causas de pequeno valor, agregação de litígios repetitivos e precedentes judiciais com caráter vinculante e obrigatório, os quais almejam maiores efetividade e segurança jurídica na prestação jurisdicional ao mesmo tempo em que são reduzidos os custos com a máquina pública13. O uso de alguns filtros recursais e a obrigatoriedade de procedimentos simplificados carregam consigo alguns pontos negativos. A doutrina aponta que a restrição à participação direta de indivíduos no processo e o poder vinculante de algumas decisões àqueles que sequer 9 NEVES, 2020, p. 42. 10 MAIA, H. W. O Incidente de Resolução de Demandas Repetitivas como alternativa para a redução da litigiosidade envolvendo as Fazendas Públicas Estaduais. 207 f. 2019. - Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, [s. l.], 2019. p. 119. 11 GIDI, A.; ZANETI JR., H. O processo civil brasileiro na “era da austeridade”? Efetividade, celeridade e segurança jurídica: pequenas causas, causas não contestadas e outras matérias de simplificação das decisões judiciais e dos procedimentos. Revista de Processo, [s. l.], v. 294, p. 41–76, 2019. p. 61. 12 CABRAL, A. do P. A escolha da causa-piloto nos Incidentes de Resolução de Processos Repetitivos. Revista do Processo, [s. l.], v. 231, p. 201–223, 2014. 13 GIDI; ZANETI JR., 2019, p. 61. 20 participaram do processo violariam frontalmente o devido processo legal e o contraditório14. Na sistemática hodierna, há, evidentemente, as demandas coletivas, com institutos como ação popular, a ação civil pública ou o mandado de segurança coletivo. Contudo, essas ações não têm conseguido, por si, prevenir ou reduzir a litigiosidade de massas, nem proteger adequadamente vasto conjunto de situações repetitivas. Ocorre que muitas vezes os legitimados não têm representatividade, a defesa de determinados direitos é inadmitida ou há restrição da eficácia subjetiva e territorial da coisa julgada nas ações coletivas15. Com isso, não é obtida uma prestação jurisdicional em tempo razoável e o princípio do contraditório fica ameaçado, o que é frustrante. Por conseguinte, há um panorama de solução de problemas de massa por meio de inúmeras demandas individuais repetitivas16. Não é incomum que múltiplas pessoas ingressem com demandas versando sobre uma mesma questão de direito. É, portanto, caso de reiteração de atividades, exigindo soluções mais rápidas e eficazes que aquelas adotadas tradicionalmente na condução de processos judiciais. Nesse contexto, começa a busca por tipos alternativos de solução para conflitos repetitivos17. Na tentativa de enfrentar a litigiosidade em massa, o Código de Processo Civil de 2015 oferta alguns mecanismos para assegurar maior racionalidade ao julgamento de questões de massa, respeitando os princípios da isonomia, da eficiência, da representatividade adequada, do contraditório e da participação, os quais devem pautar as condutas do Poder Judiciário18. Na reforma do sistema processual, o Código de Processo Civil, então, traz uma nova tecnologia que almeja lidar com a litigiosidade repetitiva no âmbito do Poder Judiciário19. Trata-se da técnica de julgamento de casos repetitivos, que determina a solução a ser dada a 14 FRANCISCO, J. E. Filtros ao acesso individual à justiça: estudo sobre o incidente de resolução de demandas repetitivas. 199 f. 2018. - Universidade de São Paulo, [s. l.], 2018. p. 10–13. 15 CAMBI, E.; FOGAÇA, M. V. Incidente de resolução de demandas repetitivas no novo Código de Processo Civil. Revista de Processo, [s. l.], v. 243, p. 333–362, 2015. p. 335. 16 Ibid.; CUNHA, 2020, p. 312 a 314. 17 CAMBI; FOGAÇA, 2015, p. 335. 18 TRIGUEIRO, V. G.; BORGES, J. P. R. Análise Econômica da Litigância – Pressupostos Básicos e o Código de Processo Civil de 2015. Revista Eletrônica de Direito Processual, [s. l.], v. 20, n. 2, p. 313–338, 2019. 19 SHECAIRA, 2019, p. 17. 21 uma questão de direito de caráter repetitivo, permitindo maior efetividade processual20. Vale destacar que a técnica permite endereçar questões de direito processual ou material, presentes em processos individuais ou coletivos, sendo possível tratar tanto de processos homogêneos (versam sobre questão de direito semelhante) quanto de processos heterogêneos (apesar de não terem o mesmo objeto litigioso, têm questões processuais comuns)21. Merece destaque, como inovação do Código de Processo Civil, o IRDR, pois, ao produzir decisão que impacte múltiplas demandas com a mesma questão de direito22, pode ser um eficaz mecanismo de resolução de litígios de massa.23. Isto porque o IRDR fixa uma tese jurídica comum a processos individuais que tratem da mesma questão de direito, impedindo decisões antagônicas entre si24. Seu escopo é claramente de tutelar direitos de maneira isonômica e efetiva, sendo um instrumento para lidar com a litigiosidade repetitiva25 ao mesmo tempo em que traz celeridade ao sistema de justiça26. Por outro lado, com a tutela de direitos individuais homogêneos por meio do IRDR, seria possível que a ação coletiva se destinasse mais àqueles casos com especial relevância social e aos direitos difusos e coletivos, tão importantes no atual modelo constitucional27. No próximo tópico será possível adentrar na especificação do IRDR em si. 20 REIS, C. M. L. R. dos. A vinculação da Administração Pública ao precedente judicial do IRDR: uma imposição da juridicidade em prol do interesse público qualitativo. Revista do Processo, [s. l.], v. 282/2018, n. Ago/2018, p. 353–380, 2018. p. 354. 21 DIDIER JR., F.; ZANETI JR., H. Ações coletivas e o incidentede julgamento de casos repetitivos – espécies de processo coletivo no Direito brasileiro: aproximações e distinções. Revista do Processo, [s. l.], v. 256, p. 209–218, 2016. p. 212. 22 MAIA, 2019, p. 119. 23 ABBOUD, G.; CAVALCANTI, M. de A. Inconstitucionalidades do Incidente de Resolução de Demandas Repetitivas (IRDR) e os riscos ao sistema decisório. Revista de Processo, [s. l.], v. 240/2015, n. Fev / 2015, p. 221–242, 2015. p. 223. 24 REIS, 2018, p. 355. 25 MAIA, 2019, p. 119. 26 SHECAIRA, 2019, p. 110. 27 JEAN, O. H. O processo coletivo e o IRDR ante a litigiosidade repetitiva e de massa. 153 f. 2020. - Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, [s. l.], 2020. 22 1.2. O INCIDENTE DE RESOLUÇÃO DE DEMANDAS REPETITIVAS O Incidente de Resolução de Demandas Repetitivas pode ser considerado um mecanismo disponível aos Tribunais para julgar, por meio de amostragem, diversas demandas que versem sobre a mesma questão de direito (material e processual), sendo a tese fixada em IRDR dotada de efeito vinculante aos processos que tramitem ou venham a tramitar no respectivo território28. O IRDR nasceu para tornar mais célere a resolução de demandas múltiplas que dizem respeito à mesma questão de direito. Com o incidente processual, busca-se evitar decisões diferentes acerca de uma mesma questão de direito, assegurando que seja minorado o risco de ofensa à isonomia e à segurança jurídica29. Sendo assim, sua base constitucional privilegia a prestação jurisdicional em tempo razoável, ao mesmo tempo em que trata uniformemente litígios (isonomia) e dá previsibilidade e homogeneidade às decisões judiciais (segurança jurídica)30. Com esses contornos, o papel da decisão em sede de IRDR é regular questão jurídica infiltrada em casos que se repetem ou se multiplicam31. Para a análise do IRDR, é pertinente inicialmente compreender qual sistema de julgamento de casos repetitivos foi adotado pelo CPC. Foi adotado o sistema de causa-piloto em que o tribunal seleciona um caso para julgar, fixando a tese a ser seguida nos demais casos repetitivos32. Dierle Nunes e Alexandre Melo Franco Bahia apresentam esclarecimento do sistema de causa-piloto que esta pesquisa toma a liberdade de transcrever sua explicação: Na técnica de causa-piloto ou “processos teste” (Pilotverfahren ou test claims), para resolução dos litígios em massa, uma ou algumas causas são escolhidas pela similitude na sua tipicidade para serem julgadas inicialmente, e cuja solução permite 28 MEDEIROS NETO, E. M. de; DIAS, M. B.; PETRECHEN, M. M. P. Interesse recursal na esfera do Incidente de Resolução de Demandas Repetitivas. Cognitio Juris – Revista Científica Jurídica, [s. l.], v. Fevereiro, n. 33, p. 472–498, 2021. p. 483. 29 MARINONI, L. G. Incidente de resolução de demandas repetitivas: decisão de questão idêntica x precedente. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2016. p. 17. 30 MENDES, A. G. de C.; TEMER, S. O incidente de resolução de demandas repetitivas do novo Código de Processo Civil. Revista do Processo, [s. l.], v. 243, p. 283–331, 2015. 31 MARINONI, L. G. Incidente de resolução de demandas repetitivas e recursos repetitivos: entre precedente, coisa julgada sobre questão, direito subjetivo ao recurso especial e direito fundamental de participar. Revista dos Tribunais, [s. l.], v. 962, p. 131–151, 2015. p. 132 e 133. 32 CUNHA, 2020, p. 312 a 314. 23 que se resolvam rapidamente todas as demais causas paralelas. Não há cisão cognitiva33. Por conseguinte, a primeira lição a ser extraída do IRDR é que se trata de um incidente processual que requer a existência de uma causa tramitando no tribunal para que seja instaurado34. Em segundo lugar, é preciso destacar que o sistema de causa-piloto no IRDR sofre uma exceção à regra quando se desiste ou abandona o processo, pois tal conduta não impede o exame de mérito do incidente processual, nos termos do artigo 976, § 1º, do CPC. Isso é, pode haver desistência do procedimento principal para resolver a questão individual da parte, mas segue o procedimento incidental de definição da tese jurídica a ser adotada pelo tribunal nos processos pendentes e futuros35, migrando o Ministério Público de fiscal da ordem jurídica para parte do incidente36. Por conseguinte, caso haja desistência do procedimento principal, o procedimento incidental levará à fixação de tese jurídica a todos os processos que versarem sobre mesma questão de direito, exceto aquele caso concreto em que houve a desistência37. A exceção ocorre quando uma ação coletiva é escolhida como caso-piloto no julgamento do IRDR. Assim, a desistência de ação coletiva escolhida como caso-piloto no julgamento do IRDR constitui desistência ineficaz, levando a tese a ser fixada inclusive ao caso-piloto. Isso ocorre porque na ação coletiva não é admitida a opção pela exclusão, visto que tutela direitos difusos38. Por outro lado, para que determinado caso fique no âmbito de incidência da decisão em sede de IRDR, é preciso permanecer com o processo em andamento, ou propor uma demanda para que a decisão também seja aplicada ao seu caso. Em suma, a definição da questão de direito vincula todos que estiverem com processos pendentes ou que venham a ser ajuizados 39. 33 NUNES, D.; BAHIA, A. M. F. Precedentes no CPC-2015: por uma compreensão constitucionalmente adequada do seu uso no Brasil. Revista do Ministério Público do Rio de Janeiro, [s. l.], v. 57, p. 17–52, 2015. 34 CUNHA, 2020, p. 312 a 314. 35 Ibid., p. 314 a 316.; DIDIER JR.; ZANETI JR., 2016, p. 212 e 213. 36 DIDIER JR.; ZANETI JR., 2016, p. 214. 37 REIS, 2018, p. 355. 38 DIDIER JR.; ZANETI JR., 2016, p. 214. 39 Ibid., p. 212 e 213. 24 Pontuados os aspectos acerca do sistema de julgamento de casos repetitivos presente no IRDR e seus desdobramentos, passa-se à compreensão do incidente processual em si. Trata-se de um incidente processual que tem por requisitos de admissibilidade simultâneos a repetição de processos pendentes no tribunal que tenham controvérsia sobre questão unicamente de direito e que possam oferecer risco de ofensa à isonomia e à segurança jurídica. Por conseguinte, o IRDR é cabível às chamadas pretensões isomórficas, que são aquelas pretensões de direito material que possuem elementos de fato ou de direito comuns40. Seu procedimento judicial contempla as fases da admissibilidade e da fixação da tese, sendo a última aquela que versa efetivamente sobre o mérito41. Primeiramente, o juízo de admissibilidade do incidente deve ser feito pelo mesmo órgão colegiado competente para seu julgamento. Instaurado o IRDR em caso tramitando no tribunal (seja tribunal de justiça, seja tribunal regional federal), há transferência ao órgão colegiado do mesmo tribunal da competência para fixar tese aplicável a vários processos, assim como transferência do julgamento de, ao menos, dois casos representativos da questão de direito presente no IRDR, conforme disposto no artigo 1.036, §§ 1º e 5º, do Código de Processo Civil42. Os casos representativos da questão de direito presente no IRDR levam à seleção da causa-piloto, a qual é central para a efetividade do julgamento do incidente. Tal fato ocorre, pois a escolha de um processo inadequado para afetação ao procedimento dos repetitivos certamente levará a uma decisão do incidente que pode não ser a melhor solução da controvérsia repetitiva, com claro impacto negativo para o sistema pela multiplicação da conclusão a todos os processos pendentes e futuros43. Nesse sentido, é fundamental retomar que os litigantes habituais buscam formar jurisprudência que lhes seja favorável no longo prazo44. Assim, a disponibilidade de recursos financeiros dos litigantes habituais para participar de múltiplos processos pode distorcer a própria seleção de causa-piloto, uma vez que o interesse dos litigantes habituais poderia ser melhor representadoque o interesse dos litigantes eventuais. Assim, o IRDR poderia em 40 LOPES, A. dos S. Precedentes Judiciais e Administração Pública: Constitucionalização, Novos Paradigmas, Processo e Litigiosidade (Uma Proposta de Diálogo). 2018. - Universidade Federal do Espírito Santo, [s. l.], 2018. p. 319. 41 OLIVEIRA, V. de S. O Incidente de Resolução de Demandas Repetitivas introduzido no Direito brasileiro pelo Novo Código de Processo Civil. Revista de Informação Legislativa, [s. l.], v. 53, n. 210, p. 63–80, 2016. 42 CUNHA, 2020, p. 348 a 354. 43 CABRAL, 2014, p. 4. 44 SHECAIRA, 2019, p. 116–118. 25 maior grau conduzir a fixação de tese jurídica em questão de direito de interesse dos litigantes habituais. Isso pode significar a captura do próprio Judiciário pelo interesse privado. Diante do imperativo de selecionar uma causa-piloto representativa, são adotados parâmetros quantitativos e qualitativos. O parâmetro quantitativo está na seleção de pelo menos dois casos representativos da controvérsia. Já o parâmetro qualitativo está na escolha de processo admissível dotado de argumentação abrangente, considerado aquele com amplo contraditório, pluralidade de ideias e representatividade dos sujeitos do processo originário45. De acordo com uma primeira linha doutrinária, em todos os casos representativos de controvérsia, é fundamental a ocorrência da representatividade argumentativa e não da representatividade adequada46, essa última que prevê que o representante deve defender de forma adequada os interesses sociais para que haja a observância do devido processo legal substancial47. Assim, na ocorrência de uma ação coletiva no conjunto de demandas repetitivas, certamente é a melhor candidata a causa-piloto48. Por outro lado, há uma segunda linha doutrinária que defende a necessidade da representatividade argumentativa concomitantemente com a representatividade adequada. Com isso, é possível democratizar o acesso da população à tomada de decisão judicial, um dos objetivos do IRDR e dos recursos repetitivos. Dessa forma, os interessados têm a oportunidade de influir no teor da decisão, tornando o acesso à justiça democrático e participativo49. Com isso, aproxima-se de uma tutela que de fato equaliza os interesses das diferentes partes no litígio50. O órgão colegiado competente em cada tribunal para julgar o IRDR deverá estar indicado no seu regimento interno dentre aqueles órgãos responsáveis pela uniformização da jurisprudência do tribunal em questão – conforme previsão do artigo 978 do CPC. É recomendável que este órgão colegiado seja composto por desembargadores com competência para julgamento da matéria ventilada no incidente, pois este órgão definirá a ratio decidendi 45 CABRAL, 2014, p. 210–218. 46 TEMER, S. Incidente de resolução de demandas repetitivas. 3. ed. Salvador: Juspodivm, 2018. p. 163. 47 RICHTER, B. M. P. Representatividade adequada: uma comparação entre o modelo norte-americano da class- action e o modelo brasileiro. Revista Jurídica da Escola Superior do Ministério Público, [s. l.], v. 1, p. 187 a 212, 2012. 48 CABRAL, 2014, p. 217–220. 49 SHECAIRA, 2019, p. 113. 50 COSTA; ALMEIDA, 2022, p. 334. 26 que orientará o julgamento futuro de diversos processos51. A título de exemplo, o Regimento Interno do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo esclarece as regras de processamento e julgamento dos IRDRs. Em primeiro lugar, prevê que a aprovação de enunciado de tese jurídica fixada em IRDR será por maioria simples dos membros do respectivo órgão de julgamento (Turmas Especiais das Seções de Direito Público e de Direito Privado) e que o presidente da seção terá voto de qualidade para o desempate. Em segundo lugar, explica que, em geral, as Turmas Especiais são compostas pelos dois desembargadores mais antigos de cada Câmara ordinária da mesma Seção ou Subseção e, caso haja recusa, pelos seguintes na ordem de antiguidade, sucessivamente. Por fim, nos IRDRs processados e julgados nas Turmas Especiais, será relator desembargador que integre Câmara cuja competência seja correlata à matéria em discussão, a não ser que a matéria seja de competência comum à Segunda e à Terceira Subseções de Direito Privado ou de competência residual das três Subseções, casos em que o relator será sorteado entre desembargadores que integrem as respectivas Câmaras52. São legitimados para pedir a instauração do IRDR o juiz ou relator que presida causa com questão de direito repetitiva – por ofício – e as partes, o Ministério Público ou a Defensoria Pública – por petição. O ofício ou a petição que busque a instauração do IRDR devem ser instruídos de documentos que comprovem a necessidade de sua instauração, sendo, portanto, requerida prova documental para suportar o cabimento do incidente processual53. O cabimento do IRDR para fixação de tese é bem amplo. Pode ocorrer em questão tanto de direito material quanto processual, no processo de conhecimento ou no processo de execução, em procedimento comum ou especial. As únicas restrições que devem ser ponderadas são a efetiva repetição de processos e a pendência de causa no tribunal em que for instaurado54. O IRDR, uma vez admitido, suspende os processos que tratem da mesma questão de direito repetitiva na competência territorial do tribunal. Enquanto não for julgado o IRDR, os processos repetitivos devem ficar suspensos, havendo prazo para julgamento do incidente em até um ano55. Evidentemente, superado o prazo de julgamento, a suspensão dos processos 51 CUNHA, 2020, p. 355 a 357. 52 TJSP. Regimento Interno do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo. [S. l.: s. n.], 2013. Disponível em: https://www.tjsp.jus.br/Download/Portal/Biblioteca/Biblioteca/Legislacao/RegimentoInternoTJSP.pdf. 53 CUNHA, 2020, p. 357 a 360. 54 Ibid., p. 360. 55 MENDES; TEMER, 2015, p. 22. 27 deve cessar, a não ser que o relator decida fundamentadamente em sentido contrário, nos termos do artigo 980, parágrafo único, do CPC. Os processos podem ser suspensos nacionalmente se o STF (para matéria constitucional) ou STJ (para matéria infraconstitucional) acatarem pedido feito pelas partes, pelo Ministério Público ou Defensoria Pública para suspensão no território nacional de processos que tratem da questão objeto do incidente56. Para o pedido de suspensão nacional basta demonstrar a existência de diversos processos tratando da mesma questão de direito em mais de um estado ou região – conforme enunciado 95 do Fórum Permanente de Processualistas Civis. Com isso, busca-se garantir a segurança jurídica, pois após o julgamento do IRDR, é provável a interposição de recurso extraordinário ou especial, os quais estendem a solução a todo o território nacional. A suspensão é, então, preventiva, para que possa ser aplicada aos processos suspensos a tese firmada por um dos tribunais superiores em sede recurso extraordinário ou especial57. O procedimento concernente ao IRDR parte da suspensão dos processos. Então, o relator poderá requisitar informações a qualquer juiz ou relator de causas que versem sobre a mesma questão de direito. Continuando, o relator determina que sejam intimadas as partes do processo pendente no tribunal, as partes dos processos repetitivos suspensos (demais interessados), os amici curiae e o Ministério Público. Há oitiva dos intimados no prazo de 15 dias e o Ministério Público tem também 15 dias para se manifestar. Todos os intimados podem fazer a juntada de documentos e há diligências para esclarecimento da questão controvertida. Há a possibilidade de audiência pública de especialistas na matéria. Na sequência, o relator solicita a inclusão do IRDR na pauta de julgamento do órgão colegiado responsável pelo seu julgamento. Por fim, no julgamento do IRDR, o relator expõe a questão presente no incidente, há as sustentações orais do autor, do réu e do Ministério Público noprazo de trinta minutos e, se houver interesse, podem ocorrer sustentações orais dos demais interessados e dos amici curiae58. Havendo o julgamento do IRDR, o acórdão é proferido, sendo cabíveis embargos de declaração, recurso especial e recurso extraordinário por qualquer das partes, pelo Ministério Público, por uma das partes que teve seu processo suspenso ou por um amicus curiae – conforme os artigos 138, § 3º, e 987 do CPC. O recurso especial ou extraordinário visa a 56 OLIVEIRA, V. de S., 2016, p. 9. 57 CUNHA, 2020, p. 361 a 366.; MEDEIROS NETO; DIAS; PETRECHEN, 2021, p. 487. 58 CUNHA, 2020, p. 368 e 369. 28 defender coletividade de uma interpretação do tribunal acerca de uma questão jurídica e buscar que tribunal superior revise a interpretação definida pelo tribunal a quo que julgou o IRDR. Tratando-se de legitimidade concorrente e disjuntiva, todos os legitimados são considerados a mesma pessoa e, interposto um recurso especial ou extraordinário, não pode haver a interposição de outro, sob pena de ser caracterizada a litispendência59. Ademais, é pertinente esclarecer que os recursos extraordinário e especial têm efeito suspensivo automático e repercussão geral presumida – conforme o artigo 987, § 1º, do CPC. Ademais, a apreciação de mérito do recurso enseja a aplicação da tese jurídica adotada pelo respectivo tribunal superior em todos os processos que versem sobre idêntica questão de direito no âmbito nacional, nos termos do artigo 987, § 2º, do CPC. Verifica-se, por fim, que a vocação do IRDR é a racionalização dos julgamentos, a partir da solução de questões de direito repetitivas e que são apreciadas de maneira minuciosa por diversos magistrados, podendo levar a conclusões díspares. Enquanto há demanda extraordinária por prestação jurisdicional, o Poder Judiciário é incapaz de ofertá-la com a qualidade e no tempo esperados, sendo a ausência de uniformidade nos julgamentos um direcionador da sensação de incerteza e de insegurança60. O IRDR, tendo sido gerado da simbiose da experiência estrangeira com os antecedentes históricos da prática processual brasileira, é um instituto com alto potencial de enfrentar a crise da justiça civil gerada pela moderna sociedade dominada pela crescente litigiosidade de massa61. Para seu sucesso como incidente processual, o IRDR deve ser capaz de alcançar a litigância habitual, atingindo os grandes litigantes, que se apresentam reiteradamente em juízo, em demandas isomórficas. Tal constatação se dá porque a estabilidade de entendimentos jurisprudenciais sobre de demandas repetitivas leva à celeridade do julgamento delas, com consequente menor desembolso de recursos públicos e privados62. Diante do propósito de endereçar as demandas repetitivas para que o Judiciário possa dar solução aos problemas que a sociedade brasileira lhe apresenta, é fundamental 59 Ibid., p. 373 e 374. 60 MENDES, A. G. de C. Incidente de resolução de demandas repetitivas: sistematização, análise e interpretação do novo instituto processual. Rio de Janeiro: Forense, 2017. p. 44 e 45. 61 THEODORO JR., H. Prefácio. In: MENDES, A. G. de C. (org.). Incidente de resolução de demandas repetitivas: sistematização, análise e interpretação do novo instituto processual. Rio de Janeiro: Forense, 2017. p. 14–20. p. 14. 62 NEVES, 2020, p. 173. 29 compreender a vinculação à tese fixada em IRDR. Esse será o tema do próximo tópico. 1.3. VINCULAÇÃO À TESE FIXADA EM IRDR O estudo deseja compreender como se dá a vinculação dos Tribunais e da Administração Pública às teses fixadas em Incidente de Resolução de Demandas Repetitivas. É importante enfrentar a discussão dos contornos da vinculação de forma a especificar o fenômeno estudado. Tratando-se de uma pesquisa que adota o método dialético, serão apresentadas teses e antíteses no intuito da obtenção de sínteses. Por conseguinte, as posições doutrinárias sobre o fenômeno da vinculação serão contrapostas. Para iniciar a discussão da vinculação à tese fixada em IRDR, é importante analisar se esta tese é ou não é um precedente. Notáveis juristas divergem a respeito deste ponto, justificando a contraposição das suas ideias, com o intuito de sintetizar um caminho seguro ao operador do Direito. No lado daqueles que consideram que a tese fixada em IRDR não forma precedente, temos Luiz Guilherme Marinoni e Georges Abboud. Para Marinoni, no IRDR somente é discutida e decidida questão prejudicial à solução de casos pendentes. Por conseguinte, não pode ser considerado precedente judicial que atribui sentido ao direito, obrigando os juízes dos casos futuros. O autor chega a apontar que o incidente processual não detém legitimidade constitucional, vício que somente seria sanado com a convocação dos legitimados à tutela dos direitos individuais homogêneos para intervirem na defesa dos direitos dos litigantes cuja questão está sendo analisada63. Segundo o Marinoni, o IRDR não é julgado por cortes de precedentes, dizendo respeito ao discurso do caso concreto e não ao discurso da ordem jurídica que seria endereçado nos precedentes. Dessa feita, o IRDR seria técnica processual para solucionar uma questão presente em múltiplas ações pendentes, diferentemente do sistema de precedentes que outorgaria autoridade às rationes decidendi firmadas pelas Cortes Supremas. Por fim, o jurista esclarece que o precedente está sujeito à aplicação limitada ou extensiva e, até mesmo à revogação, enquanto a decisão proferida no IRDR pode ser revista em função de casos futuros relacionados à questão já decidida 64. Georges Abboud considera que o IRDR não gera um precedente, pois é meramente um 63 MARINONI, 2015, p. 142. 64 Ibid., p. 132 e 133. 30 mecanismo processual coletivo para uniformização e fixação de tese repetitiva. Para o jurista, tal incidente processual possibilitaria o julgamento coletivo e abstrato de questões de direito presentes nas demandas repetitivas, gerando uma tese vinculante para casos presentes e futuros. Na sua opinião, a tese fixada em IRDR não pode ser comparada a precedente porque o precedente é fonte de direito mesmo sem provisão legal, não tem estrutura textual previamente definida e não tem data oficial de nascimento 65. No lado daqueles que apontam a formação de precedente em sede de IRDR, temos Leonardo Carneiro da Cunha, Celso Hiroshi Iocohama e Flavio de Araujo, Daniel Carneiro Machado e Antonio Gidi e Hermes Zaneti Jr. Cunha aduz que no IRDR, ao tribunal julgar a causa e fixar o entendimento a ser seguido, o precedente judicial surge da ratio decidendi do julgado e deve orientar tanto os casos pendentes que ficaram sobrestados quanto os casos futuros que guardem semelhança com a hipótese decidida. Ademais, o jurista destaca o cabimento de IRDR em tribunais superiores (cortes de precedentes) e a possibilidade de distinção, tanto restritiva quanto ampliativa, para justificar o enquadramento do IRDR como precedente66. Iocohama e Araujo esclarecem que o precedente judicial não substitui a norma legislada, de alcance geral e abstrato, mas sim aporta capilaridade à resolutividade do caso concreto quando a decisão produz uma interpretação qualificada do texto legal aplicável a casos análogos. Sua função, por conseguinte, é dar integridade, estabilidade e coerência ao direito emanado pela jurisdição por meio do racional da decisão judicial presente nas suas razões de decidir67. Carneiro Machado, ao criticar o efeito vinculante do IRDR, reconhece sua inserção formal no sistema de precedentes criado pelo Código de Processo Civil de 2015. Contudo, o jurista compreende que o efeito vinculante atribuído ao julgamento do IRDR pelos tribunais de segunda instância poderia vulnerar a independência judicial, esvaziando o papel do juiz de 65 ABBOUD, G. As técnicas de padronização das decisões judiciais e a vinculação de juízes e tribunais. A(in)constitucionalidade da vinculação prevista no CPC. Revista de Processo, [s. l.], v. 314, p. 301–313, 2021. p. 305. 66 CUNHA, 2020, p. 310 e 311. 67 IOCOHAMA, C. H.; ARAUJO, F. de. Administração Pública e sua relação com os precedentes judiciais. Revista Jurídica, [s. l.], v. 02, n. 55, p. 607–642, 2019. p. 11 e 12. 31 primeiro grau68. Gidi e Zaneti Jr. apontam os acórdãos em IRDR como geradores de precedentes no Brasil. Contudo, os juristas esclarecem que os precedentes ainda possuem caráter predominantemente persuasivo, isto é, geralmente, não vinculam os demais juízes horizontal e verticalmente. São exceções à regra o julgamento de recursos repetitivos e as súmulas vinculantes que têm efeito vinculante, devendo ser obrigatoriamente observados em todos os demais casos ajuizados com a mesma questão de fato e de direito 69. Essa breve análise da doutrina acerca do enquadramento das teses fixadas em IRDR como precedentes permitiu compreender que há uma vasta dispersão de entendimentos. Considerando o intuito deste trabalho de sintetizar abordagens para orientar o operador do Direito, será adotada sempre que possível a recomendação de Georges Abboud de tratar como provimentos vinculantes tanto súmulas quanto decisões repetitivas e oriundas de controle abstrato70. Tendo sido travado o debate doutrinário sobre se o IRDR forma ou não precedente, é possível adentrar no debate doutrinário acerca dos contornos da vinculação à tese fixada em IRDR. Para endereçar a vinculação, é preciso recordar que precedente tem uma noção material – afeita à autoridade das Cortes Supremas – e uma qualitativa – relacionada às razões constantes da justificação serem necessárias e suficientes para a solução de determinada questão de direito. Dessa forma, somente o IRDR e o incidente de assunção de competência têm poder vinculante de um precedente nas Cortes de Justiça, ao passo que as Cortes Supremas independem dessas formas para gerarem precedentes. Contudo, não basta a forma para ser materialmente vinculante. É preciso que as rationes decidendi comportem a formação de um precedente71. A doutrina apresenta ainda a classificação dos provimentos vinculantes segundo três graus de vinculação, a saber precedentes normativos, precedentes normativos formalmente 68 MACHADO, D. C. A (in)compatibilidade do incidente de resolução de demandas repetitivas com o modelo constitucional de processo: a participação democrática do juiz e das partes na construção do provimento jurisdicional. 2016. - Universidade Federal de Minas Gerais, [s. l.], 2016. p. 223. 69 GIDI; ZANETI JR., 2019, p. 54. 70 ABBOUD, 2021, p. 304 e 305. 71 MITIDIERO, D. Precedentes, jurisprudência e súmulas no novo código de processo civil brasileiro. Revista de Processo, [s. l.], v. 245, p. 333–349, 2015. p. 338 e 339. 32 vinculantes e precedentes normativos formalmente vinculantes fortes72. Nos precedentes normativos é exigida argumentação racional na interpretação e na aplicação do direito, independentemente de previsão em lei formal. Já nos precedentes normativos formalmente vinculantes (de iure) há a possibilidade de impugnação por via recursal (via ordinária) das decisões que não seguirem os precedentes, sob o fundamento de sua não observância. Por fim, nos precedentes normativos formalmente vinculantes fortes (de iure), além da impugnação por via recursal ordinária, é possível a impugnação por via autônoma diretamente nos tribunais superiores. Vale destacar que nos precedentes normativos formalmente vinculantes e precedentes normativos formalmente vinculantes fortes não é possível a superação do caso-precedente pelo órgão de hierarquia inferior73. No ordenamento brasileiro é adotado o modelo de precedentes normativos e formalmente vinculantes. Há vinculação formal quando o precedente se encontre constituído e regulado por normas jurídicas, em especial por lei. Trata-se de vinculação de iure, implicando no reconhecimento dos precedentes enquanto fonte normativa primária formal, como é o caso do acórdão em IRDR – conforme artigo 927, III do Código de Processo Civil. Quando há interpretação operativa (ou glosa) ao conteúdo normativo, com reconstrução do ordenamento jurídico, conferindo-lhe coerência e integridade, há a formação de precedente pelo critério material ou substancial, ocorrendo então vinculação material74. A vinculação material ocorre em dois momentos. O primeiro é com a identificação dos fundamentos determinantes, ou seja, das circunstâncias de fato e da tese jurídica aplicada (discurso do caso). O segundo é com a demonstração de que o caso sub judice se ajusta aos fundamentos determinantes (discurso do precedente) – conforme artigo 489, § 1º, V do Código de Processo Civil75. Assim, se o julgador não identificar a ratio decidendi ao aplicar o precedente, há risco de abstratificação, trazendo decisões não fundamentadas76. Considerando a classificação dos provimentos vinculantes, é fundamental apontar que o artigo 927 do Código de Processo Civil manifesta a dimensão formal dos precedentes ao estabelecer um rol formal de precedentes normativos a ser observado por todos os juízes e 72 LOPES, 2018, p. 292–297. 73 Ibid. 74 Ibid. 75 Ibid. 76 BOMFIM, R.; BAHIA, A. G. M. F. de M. O dever de fundamentação das decisões judiciais: a relativização dos limites entre common law e civil law no CPC. Revista de Informação Legislativa, [s. l.], v. 58, n. 232, p. 213–236, 2021. 33 tribunais, sendo a dimensão material ou substancial dos precedentes manifesta quando há um dever de fundamentação analítica e adequada em relação à aplicação, afastamento ou alteração dos precedentes77. Conforme o artigo 927, III, do Código de Processo Civil, é possível pensar que o Poder Judiciário estaria vinculado à tese jurídica fixada pelo IRDR por meio de vinculação horizontal e vertical. Fica vinculado horizontalmente o próprio tribunal que apreciou o incidente processual, ao passo que fica vinculado verticalmente os juízos inferiores a ele78. Esta pesquisa aprofundará a vinculação dos tribunais em tópico específico. Abboud aponta que a atribuição de efeito vinculante ao provimento vinculante é reflexo de uma espécie de competência legislativa excepcional conferida pela legislação. Para o jurista, haveria inconstitucionalidade se a vinculação ao acórdão em IRDR irradiasse efeitos aos demais juízos, sendo um provimento vinculante somente para o Tribunal que prolatou o ato79. Transcender o âmbito de vinculação da tese fixada no incidente e atribuir ao provimento vinculante caráter geral e abstrato quando não há previsão constitucional seria celebrar o Império dos Tribunais. Ainda mais quando há legislação regularmente aprovada que disciplina uma determinada situação, retirar sua força normativa significa preferir Poder Judiciário ao Poder Legislativo, quando ambos são poderes quase soberanos e vinculados à Constituição em uma democracia constitucional80. Nesse sentido, Abboud propõe: (1) que provimentos vinculantes devam ser sempre interpretados; (2) que seja sempre facultado aos litigantes o debate acerca do provimento vinculante a ser aplicado; (3) que nenhum provimento vinculante seja usado sem que haja a devida motivação; (4) que deva ser permitido à parte demonstrar a distinção entre a questão a ser decidida em seu caso e o paradigma; e (5) que nenhum provimento possa se sobrepor à legislação federal, inclusive havendo perda de eficácia de provimento vinculante com a promulgação de nova lei federal81. Diante do cotejamento dos provimentos vinculantes com a Constituição, Abboud apresenta que a vinculação deveria ser operacionalizada nos níveis procedimental e 77 LOPES, 2018, p. 292–297. 78 REIS, 2018, p. 362. 79 ABBOUD, 2021, p. 306. 80 Ibid.; IOCOHAMA; ARAUJO, 2019, p. 11 e 12. 81 ABBOUD, 2021, p. 308 e 309. 34 argumentativo82. O nível procedimentalocorreria quando há certa regra legal ou constitucional determinando a observância obrigatória por parte do Judiciário. Neste caso, o jurista propõe que a regra legal seja compreendida como enfrentamento obrigatório e não como aplicação obrigatória do provimento vinculante. Desta feita, os fatos e os fundamentos dos casos- paradigma e atual são examinados e é possível decidir pela aplicação do provimento ou pela sua superação ou distinção83. É necessário que o caso concreto seja analisado de forma minuciosa para decidir sobre a aplicação ou não da tese jurídica84. O nível argumentativo traz a vinculação de enfrentamento pelo argumento. Isto é, o julgador está vinculado ao argumento trazido pela parte embasado em decisão. Diante do argumento, pode o julgador dar continuidade à cadeia de sentidos até então construída pela jurisprudência, ou quebrar esta cadeia, mediante motivação exaustiva para justificar a ruptura85. Em um modelo de stare decisis como o do IRDR, a justificativa para revisão de uma tese jurídica antes considerada vencedora pode ser a alteração de valores e circunstâncias sociais, derivadas da evolução da sociedade e do avanço da tecnologia, assim como uma robusta fundamentação que esclareça ser a decisão anterior baseada em equívoco. Então, vale destacar que stare decisis não é sinônimo de coisa julgada, o primeiro fornecendo somente base para decisões futuras, enquanto a coisa julgada garante decisão imutável86. Naturalmente, é possível tanto a revogação quanto a superação de um provimento vinculante – conforme os artigos 489, § 1º, VI, segunda parte, e 927, §§ 2º, 3º e 4º. Contudo, há ainda a possibilidade de distinção (ou distinguishing em inglês) que permitirá a demonstração de que um determinado caso é diferente daquele que foi já resolvido ou submetido ao incidente – com previsão no artigo 489, § 1º, VI, primeira parte87. Compreendido o mecanismo de vinculação à tese fixada em IRDR, convém ressaltar que os provimentos vinculantes não devem usurpar o locus de normas gerais e abstratas que é 82 Ibid., p. 311 e 312. 83 Ibid. 84 REIS, 2018, p. 358. 85 ABBOUD, 2021, p. 311 e 312. 86 GAIO JR., A. P. Considerações acerca da compreensão do modelo de vinculação às decisões judiciais: os precedentes no novo Código de Processo Civil Brasileiro. Revista de Processo, [s. l.], v. 257, p. 343–370, 2016. p. 355 e 356. 87 IOCOHAMA; ARAUJO, 2019, p. 11 e 12.; LOPES, 2018, p. 292–297.; MARINONI, 2015, p. 132 e 133. 35 pertinente às leis. Essa tese deve, em primeiro lugar, vincular a solução jurídica de determinados juízes e tribunais às circunstâncias fáticas do caso concreto. Por conseguinte, não se deve dar mais importância aos reflexos da decisão em casos futuros do que ao conteúdo da própria decisão88. A investigação detida da vinculação à tese fixada em IRDR revela que o intérprete está vinculado, em última análise, aos fundamentos determinantes – a saber as circunstâncias fáticas e as soluções jurídicas – presentes no provimento vinculante. O respeito ao princípio da presunção a favor do precedente revela um dever, mas é um dever cognitivo, o qual pode levar inclusive ao afastamento de um provimento vinculante inaplicável, requerendo do intérprete somente o ônus argumentativo89. O aprofundamento doutrinário da vinculação à tese fixada em IRDR celebra a hermenêutica de juízes e tribunais, requerendo os intérpretes sejam dotados de competências requintadas para que os provimentos vinculantes cumpram seu devido papel na luta contra a litigiosidade em massa. No próximo capítulo, a pesquisa almeja mergulhar na vinculação à tese fixada em IRDR nos tribunais (de origem e superiores) e na Administração Pública. 88 IOCOHAMA; ARAUJO, 2019, p. 11 e 12. 89 LOPES, 2018, p. 292–297. 36 CAPÍTULO 2. A VINCULAÇÃO À TESE FIXADA EM IRDR NOS TRIBUNAIS E NA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA O capítulo trata da vinculação à tese fixada em IRDR nos tribunais de origem, nos tribunais superiores e na Administração Pública. 2.1. TRIBUNAIS DE ORIGEM A definição de tese jurídica comum a diversas ações individuais repetitivas visa a preservar a isonomia e a segurança jurídica quando ocorre repetição de processos versando sobre a mesma questão de direito90. Em conformidade com o disposto no artigo 985, I, do CPC, uma vez julgado o IRDR, sua tese jurídica terá aplicação estendida a todos os processos individuais ou coletivos que tramitam perante a jurisdição do tribunal e dos juizados especiais do mesmo Estado ou região91. Consoante o artigo 985, II do CPC, há a aplicação da tese jurídica fixada em IRDR àqueles processos que versem sobre à questão idêntica de direito e que atualmente tramitem ou futuramente venham a tramitar (mesmo que ainda não tenham sido ajuizados) no território de competência do tribunal que tenha proferido a decisão no incidente processual92. No que concerne ao limite temporal de aplicação dessa tese, é possível considerar que ocorrerá sua aplicação até sua revisão ou seu cancelamento pelo tribunal. Portanto, a lógica do incidente é de valorizar a estabilidade das decisões, de dar previsibilidade ao sistema jurídico, de assegurar a segurança jurídica e de uniformizar a jurisprudência93. Tendo em vista que a aplicação da tese fixada em IRDR a processos futuros dá efeitos prospectivos à decisão que a fixou, é imperativo que essa decisão seja dotada de fundamentação inequívoca, fixando uma tese clara, concisa e completa. Com isso, assegura-se legitimidade e autoridade ao julgamento, mesmo quando o acórdão-paradigma projete efeitos sobre casos em que as partes processuais sequer têm oportunidade de apresentar suas razões ao tribunal94. 90 CAMBI; FOGAÇA, 2015, p. 6. 91 Ibid., p. 15 e 16.; MENDES; TEMER, 2015, p. 24 e 25. 92 CAMBI; FOGAÇA, 2015, p. 15 e 16.; OLIVEIRA, V. de S., 2016, p. 10. 93 CAMBI; FOGAÇA, 2015, p. 15 e 16. 94 OLIVEIRA, V. de S., 2016, p. 10. 37 Por conseguinte, a tese fixada em IRDR é generalizável e abstrata, sendo dotada de força vinculante, o que permite maior uniformidade e estabilidade aos provimentos judiciais. Contudo, é possível que a tese seja superada (overruling, superação ou revogação) nos termos dos artigos 986 e 927 do CPC 95. A superação da tese pode ocorrer sempre que deixar de observar proposições morais, políticas e de experiência ou a tese se revelar sem consistência sistêmica96. Dito de outra forma, a superação ocorrerá quando não houver mais congruência entre a tese e o que será julgado ou decidido97. Conforme o artigo 986 do CPC, a revisão da tese fixada em IRDR pode ocorrer de ofício ou por requerimento do Ministério Público ou da Defensoria Pública98. Contudo, a doutrina defende a possibilidade de que a revisão da tese seja requerida pelas partes, uma vez que têm óbvio interesse jurídico99. O pedido de revisão da tese deve ser fundamentado em motivos idôneos para superação de seu prévio entendimento, dentre os quais a revogação ou modificação de lei, ou a alteração de condições econômicas, políticas, culturais ou sociais que influam diretamente sobre a matéria decidida100. Visando a mitigar afrontas à segurança jurídica, bem como procurando proteger a confiança dos jurisdicionados e o princípio da isonomia, é fundamental que os tribunais esclareçam acerca da possibilidade de revisão da tese jurídica. Ademais, a ocorrência de audiências públicas e da oitiva de amicus curiae ou interessados contribui para dar legitimidade à decisão que acolha ou rejeite a revisão da tese jurídica101. Isso porque o contraditório permite o direito de influência sobre a tese jurídica102. Acolhido o pedido de revisão da tese por mudança de entendimento do tribunal, a decisão que promover sua revisão deve ser dotada de vasta fundamentação, podendo ocorrer a modulação de efeitos da nova decisão103. 95 MENDES;TEMER, 2015, p. 24 a 26. 96 LOPES, 2018, p. 287 e 288. 97 OLIVEIRA, W. L. de. Precedentes Judiciais na Administração Pública: limites e possibilidades de aplicação. 231 f. 2016. - Universidade Federal de Santa Catarina, [s. l.], 2016. p. 58. 98 CAMBI; FOGAÇA, 2015, p. 15 e 16. 99 MENDES; TEMER, 2015, p. 25 e 26. 100 Ibid. 101 Ibid. 102 REIS, 2018, p. 357. 103 MENDES; TEMER, 2015, p. 25 e 26. 38 Por fim, a força vinculante aos provimentos judiciais formados no IRDR é pressuposto obrigatório para que o incidente processual seja utilizado, trazendo segurança jurídica, racionalidade, isonomia e previsibilidade aos jurisdicionados que se busca alcançar com sua instauração104. Exatamente com o intuito de privilegiar a segurança jurídica – principalmente no que diz respeito à previsibilidade –, o artigo 987 do CPC prevê a possibilidade de recurso extraordinário e/ou especial do julgamento da tese jurídica, buscando um provimento judicial de abrangência nacional105. No próximo tópico, será estudada a vinculação nacional à tese fixada em IRDR por meio do julgamento de recursos extraordinários e/ou especiais que versem sobre o julgamento da tese jurídica. 2.2. TRIBUNAIS SUPERIORES O IRDR discute questão jurídica controvertida que se repete em inúmeras causas, gerando norma de caráter geral, abstrato e vinculante (tribunal fixa tese jurídica que será adotada em todos os processos homogêneos pendentes e futuros). Diante disso, o CPC estabeleceu um sistema em que há cabimento facilitado de recursos às cortes de uniformização da legislação federal infraconstitucional (STJ) e constitucional (STF), privilegiando a uniformização das teses jurídicas.106 Nos termos do artigo 987 do CPC, cabe recurso extraordinário ou especial do julgamento de mérito do IRDR. Dito de outra forma, na decisão que inadmita o IRDR (no juízo de admissibilidade) não são cabíveis esses recursos aos tribunais superiores, pois não há o pressuposto constitucional da “causa decidida”107. Esse pressuposto constitucional se justifica pelo impedimento de que os tribunais superiores examinem fatos e provas nos recursos extraordinário e especial – por força das súmulas n. 279 do STF e n. 7 do STJ, respectivamente108. Os legitimados para a interposição de recurso extraordinário ou especial são as partes, o Ministério Público, as partes que tiveram seus processos suspensos (conforme o enunciado 104 Ibid., p. 24 e 25. 105 MEDEIROS NETO; DIAS; PETRECHEN, 2021, p. 491. 106 MENDES; TEMER, 2015, p. 22. 107 CAMBI; FOGAÇA, 2015, p. 16 e 17.; CUNHA, 2020, p. 371–372. 108 CUNHA, 2020, p. 371. 39 94 do Fórum Permanente de Processualistas Civis) e um amicus curiae (conforme artigo 138, § 3º, do CPC)109. No § 1º do artigo 987 é apontado efeito suspensivo aos mencionados recursos, além de presunção de repercussão geral da questão constitucional endereçada em sede de recurso ao Supremo Tribunal Federal110. Convém esclarecer que a repercussão geral presumida no recurso extraordinário contra acórdão em IRDR é uma presunção legal absoluta, não sendo admitida prova em contrário. Ou seja, a alegação do recorrente de que se trata de recurso extraordinário em IRDR seria bastante para demonstrar a presença de repercussão geral.111 O efeito suspensivo atribuído aos recursos aos tribunais superiores é exceção. Nos termos do artigo 995 do CPC, em regra os recursos não são dotados de efeito suspensivo, por isso não impedem a eficácia da decisão. O recurso somente terá efeito suspensivo se houver disposição legal ou decisão judicial. O artigo 987, § 1º, do CPC é um exemplo de disposição legal. O mecanismo do artigo 987 é muito relevante para esse estudo, principalmente no que concerne ao seu § 2º que dispõe que a tese jurídica adotada pelo Supremo Tribunal Federal ou pelo Superior Tribunal de Justiça será aplicada no território nacional a todos os processos individuais ou coletivos, presentes e futuros, que versem sobre idêntica questão de direito tão logo haja a apreciação do mérito do recurso112. Diante do potencial de tornar a tese fixada em IRDR de abrangência nacional é fundamental tecer algumas considerações acerca do interesse recursal. Segundo Medeiros Neto e colaboradores, é possível compreender o interesse recursal como “o prolongamento do exercício do direito de defesa, sendo necessário evidenciar o binômio necessidade e utilidade do recurso para o fim de se obter melhora na situação jurídica do recorrente”113. À luz da lição de Medeiros Neto, resta fundamental o entendimento acerca da necessidade e da utilidade do recurso. A necessidade se materializa quando o recurso é o meio (ou a via) eficaz para que o recorrente alcance a providência judicial requerida. Já a utilidade recursal é demonstrada quando a providência judicial requerida tem a aptidão de tornar ao recorrente a situação jurídica mais favorável114. 109 Ibid. 110 MEDEIROS NETO; DIAS; PETRECHEN, 2021, p. 488.; OLIVEIRA, V. de S., 2016, p. 10. 111 CUNHA, 2020, p. 371–374. 112 CAMBI; FOGAÇA, 2015, p. 16 e 17. 113 MEDEIROS NETO; DIAS; PETRECHEN, 2021, p. 488 e 489. 114 Ibid., p. 488 a 491. 40 Tendo em vista o binômio necessidade e utilidade, o interesse recursal assiste tanto à parte vencedora quanto à parte perdedora no processo que instaurou o IRDR. Isto ocorre porque a parte vencedora pode melhorar sua situação jurídica caso seja determinada a aplicação da tese fixada em IRDR (que lhe é favorável) em todo o território nacional115. Havendo um provimento judicial de abrangência nacional, a finalidade do IRDR é cumprida, visto que a jurisprudência dos tribunais se torna mais uniforme, coerente, íntegra e estável, celebrando a efetividade jurídica processual, por meio do combate à fragmentação do sistema e à litigiosidade em massa116. Interposto os recursos extraordinário ou especial em face da decisão proferida no IRDR, o tribunal de origem deve somente intimar o recorrido para a apresentação de contrarrazões no prazo de 15 dias e remeter o processo ao respectivo tribunal superior, nos termos do artigo 1.030 do CPC. Com isso, encerram-se as medidas a serem tomadas nos tribunais de origem, visto que o exame de admissibilidade do recurso cabe ao respectivo tribunal superior (ad quem) exclusivamente117. Em celebração ao princípio da segurança jurídica, podem as partes, o Ministério Público ou Defensoria Pública requerer a suspensão de todos os processos tanto individuais quanto coletivos versando sobre mesma questão de direito da causa em IRDR que tramitem nacionalmente – conforme art. 982, §§ 3º e 4º, do CPC. O deferimento da suspensão requer somente a constatação que existem processos em mais de um estado ou mais de uma região que tratem da mesma questão de direito118. Sendo concedido o efeito suspensivo aos recursos, há o impedimento da imediata aplicação da tese jurídica nos demais casos repetitivos119. O acesso facilitado aos tribunais superiores por meio de recursos extraordinário e especial constitui um mecanismo eficaz para uniformização da tese jurídica em âmbito nacional120. Considerando a abrangência nacional desses tribunais superiores, os recursos ao STF ou ao STJ são estratégias que podem levar uma tese regional ao âmbito nacional121. 115 Ibid., p. 490 e 491. 116 Ibid. 117 CAMBI; FOGAÇA, 2015, p. 16 e 17.; MENDES; TEMER, 2015, p. 22. 118 CAMBI; FOGAÇA, 2015, p. 16 e 17. 119 MENDES; TEMER, 2015, p. 22. 120 Ibid. 121 Ibid., p. 24 e 25. 41 2.3. ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA Em primeiro lugar, é preciso retomar o conceito de Administração Pública. Di Pietro aponta que a Administração Pública pode conceituada nos sentidos subjetivo e objetivo. No sentido subjetivo, é considerada o “conjunto de órgãos, de pessoas jurídicas e de agentes aos quais a lei atribui o exercício da função administrativa do Estado''. Já no sentido subjetivo, contempla “a
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