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UNIVERSIDADE ESTADUAL PAULISTA “JULIO DE MESQUITA FILHO” FACULDADE DE CIÊNCIAS AGRÁRIAS E VETERINÁRIAS CÂMPUS DE JABOTICABAL ESTUDO DO “GENOMIC IMPRINTING” NA PLACENTA DE CLONES BOVINOS Walt Yamazaki Orientador: Prof. Dr. Joaquim Mansano Garcia Tese apresentada à Faculdade de Ciências Agrárias e Veterinárias – Unesp, Campus de Jaboticabal, como parte das exigências para obtenção do título de Doutor em Medicina Veterinária (Reprodução Animal). JABOTICABAL – SÃO PAULO – BRASIL Julho de 2006 ii DADOS CURRICULARES DO AUTOR WALT YAMAZAKI – nascido no município de São Paulo – SP, aos 30 dias do mês de dezembro de 1974, concluiu o curso colegial no “Colégio Integral”, na cidade de Campinas – SP, em dezembro de 1992. Ingressou no curso de graduação em Medicina Veterinária na Faculdade de Ciências Agrárias e Veterinárias – FCAV, Campus de Jaboticabal da Universidade Estadual Paulista – UNESP, em fevereiro de 1993. Concluiu, em dezembro de 1998, o curso superior de Medicina Veterinária; ingressou, em março de 1999, no programa de pós- graduação, ao nível de Mestrado, sob orientação do Prof. Dr. Joaquim Mansano Garcia, no Programa de Medicina Veterinária, Área de Concentração em Reprodução Animal, na FCAV – UNESP de Jaboticabal, com bolsa de Mestrado da FAPESP e concluiu, em dezembro de 2001, com a defesa da Dissertação “Clonagem em bovinos utilizando-se células somáticas de animais adultos: avaliação comparativa da reconstituição de citoplastos pelas técnicas de transferência nuclear e injeção nuclear intracitoplasmática”; ingressou, em março de 2002, no programa de pós-graduação, ao nível de Doutorado, sob orientação do Prof. Dr. Joaquim Mansano Garcia, no Programa de Medicina Veterinária, Área de Concentração em Reprodução Animal, na FCAV – UNESP de Jaboticabal, com bolsa de Doutorado da FAPESP. iii SUMÁRIO LISTA DE TABELAS......................................................................................... v LISTA DE FIGURAS.......................................................................................... vi LISTA DE ABREVIATURAS.............................................................................. viii RESUMO........................................................................................................... x ABSTRACT....................................................................................................... xi I. INTRODUÇÃO............................................................................................... 01 II. OBJETIVOS ................................................................................................. 03 2.1. Objetivos Gerais...................................................................................... 03 2.2. Objetivos Específicos.............................................................................. 03 III. HIPÓTESES................................................................................................. 04 IV. REVISÃO DE LITERATURA........................................................................ 05 4.1. Produção de Indivíduos Geneticamente Idênticos.................................. 05 4.2. Histórico da Clonagem............................................................................ 05 4.3. A Técnica de Transferência Nuclear....................................................... 08 4.3.1. Obtenção e Maturação dos Oócitos Doadores de Citoplasma....... 09 4.3.2. Células Doadoras de Núcleo........................................................... 10 4.3.3. Coordenação do Ciclo Celular da Célula Doadora de Núcleo e do Citoplasma Recipiente.................................................................... 11 4.3.4. Enucleação Oocitária...................................................................... 13 4.3.5. Introdução do Núcleo Doador.......................................................... 15 4.3.6. Ativação Oocitária........................................................................... 17 4.4. Cultivo in Vitro dos Embriões Reconstituídos.......................................... 19 4.5. Aplicações da Clonagem por Transferência Nuclear.............................. 21 4.6. “Genomic Imprinting”............................................................................... 22 4.6.1. “Genomic Imprinting” e a Reprogramação Epigenética no Desenvolvimento............................................................................ 24 4.6.2. “Genomic Imprinting” na Gestação.................................................. 28 4.6.3. Regulação da Expressão dos Genes “Imprinted” Igf2-H19 e Igf2r.. 29 4.7. Reprogramação do Núcleo...................................................................... 30 4.8. Falhas no Processo de Clonagem.......................................................... 33 4.9. Problemas da Clonagem durante a Gestação........................................ 36 iv V. MATERIAL E MÉTODOS.............................................................................. 41 5.1. Produção de Gestações a Termo de Clones Bovinos Reconstituídos por Transferência Nuclear...................................................................... 41 5.2. Obtenção das Amostras de Placenta...................................................... 42 5.3. Extração de RNA e Transcrição Reversa (RT-PCR)............................... 42 5.4. Avaliação dos Genes “Imprinted” pela PCR em Tempo Real................. 42 5.5. Análise Estatística................................................................................... 49 VI. RESULTADOS............................................................................................. 51 VII. DISCUSSÃO............................................................................................... 58 VIII. CONCLUSÕES.......................................................................................... 66 IX. REFERÊNCIAS............................................................................................ 67 v LISTA DE TABELAS Tabela 1: Componentes utilizados para a PCR em tempo real para avaliação da especificidade da amplificação dos “primers” dos genes GAPDH, Igf2, Igf2r e H19.................................................................................. 44 Tabela 2: Componentes utilizados para a PCR em tempo real para avaliação da expressão dos genes GAPDH, Igf2, Igf2r e H19.......................... 47 Tabela 3: Eficiência média da reação, desvio padrão, limites inferior e superior e determinação do “threshold” dos genes GAPDH, Igf2, Igf2r e H19.................................................................................................................... 48 Tabela 4: Taxas de estabelecimento de gestação (30d), mortalidade embrionária (30-60d), abortos (60d-nascimento), nascimentos, mortalidade pós-nascimentos e eficiência da técnica de clonagem por transferência nuclear para cada uma das linhas celulares utilizadas como fonte doadora de núcleo (*)...................................................................................................... 51 Tabela 5: Dados dos clones bovinos nascidos vivos: identificação, sobrevivência neonatal, sexo e peso ao nascimento (kg) (*)............................ 52 Tabela 6: Dados dos neonatos bovinos do grupo controle concebidos por monta natural: identificação, sexo e peso ao nascimento (kg) (*)..................... 52 vi LISTA DE FIGURAS Figura 1: Curva de Dissociação para avaliação da especificidade da amplificação dos “primers” dos genes GAPDH, Igf2, Igf2r e H19..................... 45 Figura 2: Avaliação de amplificação específica de um único produto da PCR em tempo real dos genes GAPDH, Igf2, Igf2r e H19 (eletroforese em gel de agarose a 1,2%)................................................................................................ 46 Figura 3: Curva padrão correspondente aos genes GAPDH,Igf2, Igf2r e H19 em diferentes diluições.............................................................................. 47 Figura 4: Exemplo da determinação da eficiência das reações de PCR em tempo real para o gene GAPDH, utilizando o programa LinRegPCR: determinação dos limites superior e inferior (a), presença mínima de 4 pontos na curva de regressão (b) e alta correlação (r2) das amostras (c)........ 48 Figura 5: Expressão relativa dos genes Igf2, Igf2r e H19 nas placentas de clones em comparação a placentas de animais de monta natural (controle). (*, p<0,05).......................................................................................................... 53 Figura 6: Expressão relativa dos genes Igf2, Igf2r e H19 nas placentas de clones fêmeas em comparação a placentas de animais de monta natural (controle). (*, p<0,05)......................................................................................... 56 Figura 7: Expressão relativa dos genes Igf2, Igf2r e H19 nas placentas de clones machos em comparação a placentas de animais de monta natural (controle)........................................................................................................... 56 Figura 8: Expressão relativa dos genes Igf2, Igf2r e H19 nas placentas de clones fêmeas em comparação a placentas de clones machos (controle). (*, p<0,05).......................................................................................................... 56 Figura 9: Expressão relativa dos genes Igf2, Igf2r e H19 nas placentas de clones vivos em comparação a placentas de animais de monta natural (controle)........................................................................................................... 57 Figura 10: Expressão relativa dos genes Igf2, Igf2r e H19 nas placentas de clones mortos em comparação a placentas de animais de monta natural (controle)........................................................................................................... 57 Figura 11: Expressão relativa dos genes Igf2, Igf2r e H19 nas placentas de clones vivos em comparação a placentas de clones mortos (controle)............ 57 vii Figura 12: Expressão relativa dos genes Igf2, Igf2r e H19 nas placentas de clones nascidos com peso < 40kg em comparação a placentas de animais de monta natural (controle)............................................................................... 58 Figura 13: Expressão relativa dos genes Igf2, Igf2r e H19 nas placentas de clones nascidos com peso > 40kg em comparação a placentas de animais de monta natural (controle).(*, p<0,05).............................................................. 58 Figura 14: Expressão relativa dos genes Igf2, Igf2r e H19 nas placentas de clones nascidos com peso > 40kg em comparação a placentas clones nascidos com peso < 40kg (controle)............................................................... 58 viii LISTA DE ABREVIATURAS 6-DMAP 6-Dimetilaminopurina bp pares de base BSA Albumina Sérica Bovina cDNA DNA complementar Ca+2 Cálcio CIV Cultivo in Vitro COC Complexo cumulus-oócito CSF Fator Citostático DNA Ácido Desoxirribonucléico DEPC Dietilpolicarboneto DMEM “Dulbecco’s Modified Eagle Medium” DMRs “Differential Methylated Regions” Dnmt DNA metiltransferases ES Cells “Embryonic Stem Cells” (Células Tronco Embrionárias) F Fêmea FIV Fertilização in Vitro FSH Hormônio Folículo Estimulante GAPDH “Glyceraldehyde-2-phosphate dehydrogenase” (Glutaraldeído-2-fosfato desidrogenase) hCG Gonadotrofina Coriônica Humana HSOF meio SOF com tampão Hepes IC Centro “Imprint” Intergênico ICSI Injeção Intracitoplasmática de Espermatozóide ID Identificação Igf2 “Insulin-like growth factor II” (Fator de Crescimento Semelhante à Insulina Tipo 2) Igf2r “Insulin-like growth factor II receptor” ou “cation- independent mannose 6-phosphate receptor” ix (Receptor do Fator de Crescimento Semelhante à Insulina Tipo 2 ou Receptor Cátion-Independente Manose-6-Fosfato) InsP3 Inositol 1,4,5-Trifosfato kg quilos LH Hormônio Luteinizante LinRegPCR Analysis of Real Time PCR Data LOS ”Large Offspring Syndrome” (Síndrome da Cria Gigante) M Macho M.E. Mortalidade Embrionária MII Metáfase II MCI Massa Celular Interna MIV Maturação in Vitro morta/e Mortalidade MPF Fator Promotor de Maturação N2L Nitrogênio Líquido nc/o Nascimento PBS Solução salina com tampão fosfato PCR Reação em Cadeira da Polimerase PIV Produção in Vitro RNA Ácido Ribonucléico RT-PCR Transcrição Reversa por PCR mRNA RNA mensageiro SFB Soro Fetal Bovino SOF “Synthetic Oviduct Fluid” TCM-199 “Tissue Culture Medium 199” TN Transferência Nuclear UV Ultra-violeta Xist “X-Inactivate Specific Transcript” x ESTUDO DO “GENOMIC IMPRINTING” NA PLACENTA DE CLONES BOVINOS RESUMO – Embora a transferência nuclear com células somáticas tenha sido usada com êxito para produção de animais viáveis, a eficiência desta técnica ainda é baixa. Diversos problemas no desenvolvimento têm sido observados nos clones, com alta mortalidade embrionária, fetal e mesmo pós-natal. A principal causa das mortes tem sido atribuída a distúrbios placentários e fetais. Uma vez que os genes “imprinted” são importantes para o desenvolvimento da placenta e do feto, o objetivo deste estudo foi avaliar os padrões de expressão dos genes Igf2, H19 e Igf2r na placenta de clones bovinos recém-nascidos, em comparação com animais controles produzidos por monta natural. Fragmentos da placenta foram coletados de 15 clones (6 machos e 9 fêmeas) e de 3 animais controles. Após a extração de RNA e RT-PCR, a amplificação dos transcritos dos genes Igf2, Igf2r, H19 e GAPDH (controle endógeno) foi realizado em PCR em tempo real. A placenta dos clones apresentou diminuição da expressão relativa dos genes H19 (41,5%) e Igf2 (42,9%) em comparação ao grupo controle. A placenta de clones fêmeas apresentou diminuição de 72,6% dos transcritos de H19 quando comparados a clones machos. Não houve diferença significativa entre clones vivos e mortos. Na placenta de clones pesando mais que 40kg, uma diminuição da expressão relativa do H19 (40,1%) e Igf2 (36,3%) foi observada, em comparação ao grupo controle. Nossos resultados indicam que, mesmo em clones recém- nascidos, uma reprogramação nuclear incompleta é observada na placenta dos clones. Alterações no padrão de expressão dos genes “imprinted” H19 e Igf2 podem provocar distúrbios na placenta e no desenvolvimento do feto, o que pode contribuir para a mortalidade pós-natal. Uma diminuição da regulação do gene H19 na placenta de clones fêmeas, sugere que o processo de reprogramação em alguns genes pode ser influenciado pelo sexo. palavras-chave: clonagem, bovino, genes “imprinted”, transferência nuclear xi STUDY OF “GENOMIC IMPRINTING” IN THE PLACENTA OF BOVINE CLONES ABSTRACT - Although somatic cell nuclear transfer has been successfully used to produce viable offspring, the efficiency of this technique remains low. Several developmental problems have been observed in clones, with high embryonic, fetal and even postnatal mortality. The main cause of deaths has been attributed to placental and fetal disturbs. As imprinted genes are important in the placenta and fetal development, the aim of this study was to evaluate the expression patterns of Igf2, H19 and Igf2r genes in the placenta of newborn bovine clones, in comparison with control animals produced by natural mating. Fragments from the placenta were collected from 15 cloned animals (6 males and 9 females) and from 3 control animals. After RNA extraction and RT-PCR, the amplification of the transcripts of Igf2, Igf2r, H19 and GAPDH genes (endogen control) were performed by real-time PCR. Placenta of cloned animals presented a decrease in relative expression of H19 (41.5%) and Igf2 (42.9%) genes in comparison with the control group. Placenta of female clones presented a decrease of 72.6% in the frequency of H19 transcripts when compared with males. Nosignificant differences were observed between live and dead newborn clones. In the placenta of cloned animals weighing over 40kg, a decrease in relative expression of H19 (40.1%) and Igf2 (36.3%) was observed, in comparison with the control groups. Our results indicate that even in newborn cloned animals, an incomplete nuclear reprogramming is observed in the placenta of the clones. Alterations in the expression patterns of imprinted genes H19 and Igf2 may cause disturbs in the placenta and in fetal development, which may contribute to the postnatal mortality. Downregulation of H19 gene in the placenta of female clones, in comparison to males, suggests that the process of reprogramming in some genes could be influenced by the sex. keywords: cloning, bovine, imprinted genes, nuclear transfer 1 I. INTRODUÇÃO Nos mamíferos domésticos, o aumento dos índices produtivos bem como a maior disseminação de material genético superior nos rebanhos tem sido alvo de intensos estudos e investimentos, o que tem permitido um grande avanço e desenvolvimento de diversas biotecnologias ligadas à reprodução animal. Desde o relato do nascimento da ovelha Dolly (WILMUT et al., 1997), a clonagem passou a ser uma das biotécnicas mais discutidas e estudadas, com um crescente interesse tanto da comunidade científica como da indústria, uma vez que fora demonstrado ser possível a produção de cópias genômicas a partir de células obtidas de um animal adulto. Este grande interesse no desenvolvimento desta biotecnologia, denominada de transferência nuclear, pode ser explicado devido às suas potenciais aplicações, como a produção e multiplicação de animais geneticamente idênticos e superiores, a preservação de espécies ameaçadas de extinção e a produção de órgãos e tecidos para xenotransplantes (clonagem terapêutica). Além disso, uma vez que as células doadoras podem ser mantidas em cultivo celular, a clonagem possibilitou um grande avanço na produção de animais transgênicos, já que as células podem ser modificadas geneticamente ainda durante o processo de cultivo celular, antes da utilização destas células para reconstituição. Embora a clonagem seja uma realidade, com vários animais clonados a partir desta técnica em diferentes espécies, verifica-se ainda uma baixa eficiência quanto à capacidade de desenvolvimento in vitro dos embriões reconstituídos e obtenção de gestações de clones a termo, com altos índices de mortalidade embrionária, fetal, peri e pós-natal. Dentre os diversos fatores que podem estar contribuindo para estes baixos resultados envolvendo a clonagem, tem-se atentado para questões ligadas à reprogramação do núcleo, especialmente ao “genomic imprinting”. Os genes “imprinted” são caracterizados por apresentarem expressão de apenas um dos alelos parentais em estádios específicos do desenvolvimento. Uma vez que os genes “imprinted” são importantes no 2 desenvolvimento fetal e placentário, como o Igf2, Igf2r e H19, aliado ao fato de que vários distúrbios placentários têm reflexo direto na taxa de sobrevivência fetal e neonatal, torna-se importante investigar qual o comportamento destes genes não apenas nos clones bovinos, mas também em sua placenta. Embora os distúrbios placentários e fetais tenham sido bem caracterizados em bovinos, ainda há uma carência de informações sobre a regulação e os padrões de expressão destes genes “imprinted” nesta espécie. 3 II. OBJETIVOS 2.1. Objetivos Gerais Avaliar o padrão transcripcional de genes “imprinted” na placenta de neonatos bovinos clonados com células somáticas em comparação a placenta de neonatos produzidos por monta natural (grupo controle). 2.2. Objetivos Específicos Estimar a freqüência dos transcritos dos genes “imprinted” Igf2 (“imprint” do alelo materno e expresso pelo alelo paterno), H19 e Igf2r (“imprint” do alelo paterno e expresso pelo alelo materno) em placentônios de animais clonados e animais controle (monta natural), que se desenvolveram a termo. Verificar a existência de correlação entre os genes “imprinted” Igf2r, Igf2 e H19 na placenta de clones. Avaliar a existência de relação entre modificações dos padrões de expressão dos genes “imprinted” Igf2r, Igf2 e H19 em placentônios de clones bovinos e a mortalidade neonatal. Verificar se a diferença de sexo entre os clones pode influenciar a freqüência dos transcritos do Igf2r, Igf2 e H19 nas placentas destes animais. Estudar se clones classificados em diferentes faixas de peso ao nascimento podem apresentar modificação da expressão dos genes “imprinted” Igf2r, Igf2 e H19 em suas respectivas placentas. 4 III. HIPÓTESES 1) Mesmo em clones bovinos produzidos a termo com sucesso, ocorrem modificações na transcrição placentária dos genes “imprinted” Igf2r, Igf2 e H19; 2) Assim como descrito em clones murinos, existe uma correlação entre os genes “imprinted” Igf2 e H19 na placenta de neonatos clones bovinos; 3) Alterações placentárias dos genes “imprinted” Igf2r, Igf2 e H19 estão relacionadas à mortalidade neonatal; 4) O sexo do clone influencia o padrão de expressão dos genes “imprinted” Igf2r, Igf2 e H19 na placenta; 5) Animais clonados classificados em diferentes faixas de peso apresentam modificação placentária do padrão de expressão dos genes “imprinted” Igf2r, Igf2 e H19. 5 IV. REVISÃO DE LITERATURA 4.1. Produção de Indivíduos Geneticamente Idênticos A palavra clone é originária do grego “klôn” e tem por significado “broto”, sendo sinônimo de “indivíduo ou população de indivíduos proveniente da reprodução vegetativa ou assexuada de um único indivíduo”. Inicialmente definida para representar as técnicas assexuadas de enxertia e brotamento para a multiplicação de plantas, a clonagem passa a ter um outro significado com o aprimoramento das técnicas de manipulação de embriões. No início da década de 80, com o objetivo de aumentar a eficiência nos programas de transferência de embriões e propiciar a rápida multiplicação de indivíduos valiosos, gêmeos monozigóticos foram produzidos através da bipartição de embriões (WILLADSEN, 1979). Estes indivíduos geneticamente idênticos foram, em essência, os primeiros clones produzidos utilizando-se técnicas artificiais de reprodução em laboratório. Entretanto, após inicial entusiasmo (WILLADSEN, 1980), dificuldades técnicas e comprometimento das taxas de prenhez limitaram sua aceitação nos meios acadêmicos, embora tenha sido ainda posteriormente aplicada em outras espécies (OZIL et al., 1982; LEIBO & RALL, 1987; LEWIS, 1994). Mesmo com aprimoramento da técnica e melhora dos índices de gestação, a simples limitação matemática de criar, no máximo, quatro indivíduos geneticamente idênticos, fizeram com que os cientistas concentrassem seus estudos em uma outra técnica, denominada de “transferência nuclear”. 4.2. Histórico da Clonagem Baseado no conceito de “equivalência nuclear”, proposto por SPEEMANN (1938) num modelo auto-denominado de “fantástico”, devido às dificuldades técnicas, foi possível obter clivagens de um citoplasma enucleado de um zigoto de 6 anfíbio contendo o núcleo de um embrião de 8 a 16 células. Amarrando um fio de cabelo de uma boneca ao redor de um zigoto, houve a constrição do citoplasma em duas metades: uma contendo núcleo e outro “enucleado”. A porção do citoplasma contendo o núcleo se dividiu até 8-16 células, quando se desfez a constrição e o núcleo deste blastômero passou então para a porção do citoplasma “enucleado”, tendo ocorrido, posteriormente, a clivagem. O questionamento de que “se o núcleo de células diferenciadas poderia retornar ao estádio funcional de zigoto após transferência manual para um óvulo fecundado enucleado”, no entanto, parecia algo impossível. BRIGGS & KING (1952), em seu clássico trabalho de investigação da totipotência nuclear, foram os pioneiros na microcirurgia e transferência de núcleo em eucariotos. Através da enucleação de um zigoto de anfíbio seguido da injeção do núcleo de uma célula embrionáriano estádio de blástula diretamente no citoplasma do óvulo fecundado, foi possível a retomada do desenvolvimento até o estádio larval de girino. A totipotência destas células embrionárias foi comprovada posteriormente com a repetição da experimentação e obtenção de anfíbios adultos (Xenopus laevis, GURDON, 1961; Rana pipiens, McKINNELL, 1962). Embora fêmeas adultas férteis tenham sido produzidas a partir da reconstituição com células da endoderme do intestino de girinos (GURDON & UEHLINGER, 1966), ainda não foi comprovada a viabilidade da técnica com células diferenciadas de anfíbios adultos (DIBERARDINO, 1987; GURDON, 1999). O nascimento dos primeiros mamíferos clonados com êxito utilizando-se células embrionárias como fonte doadora de núcleo foi descrita por ILLMENSEE & HOPPE (1981), com o nascimento de três clones de camundongos reconstituídos a partir de direta introdução do núcleo de células da massa celular interna no citoplasma de zigotos, que tiveram posteriormente removidos ambos os pró- núcleos. Entretanto, como nenhum outro grupo de cientistas conseguiu repetir tal experimento, o mesmo passou a ser questionado e dado como fraudulento, levando a comunidade científica a declarar que a clonagem por microcirurgia seria 7 biologicamente impossível (MARX, 1983; McGRATH & SOLTER, 1984b; McLAREN, 1984). Foi somente após o aperfeiçoamento da técnica, passando-se a adotar um método não invasivo de introdução do núcleo doador (fusão celular), denominado de transferência nuclear (McGRATH & SOLTER, 1983), e, principalmente, em decorrência da substituição de zigotos por oócitos em estádio de metáfase II como fonte doadora de citoplasma, que os primeiros mamíferos clonados foram produzidos (WILLADSEN, 1986) em ovinos. Seguido deste primeiro sucesso, o uso de células embrionárias no processo de reconstituição também mostrou ser viável na clonagem em outras espécies, como em bovinos (PRATHER et al., 1987), coelhos (STICE & ROBL; 1988), suínos (PRATHER et al., 1989b), e posteriormente em camundongos (KONO et al., 1991; CHEONG et al., 1993), macacos (MENG et al., 1997) e caprinos (YONG & YUQIANG, 1998). Avanços das técnicas de cultivo permitiram o estabelecimento de linhas celulares, que mais tarde, mostrar-se-iam importantes na manutenção de células doadoras de núcleo, podendo ser estocadas e guardadas mesmo após a morte do animal. A partir de células da massa celular interna mantidas em cultivo in vitro por quatro semanas, foi possível a obtenção de clones viáveis por transferência nuclear (SIMS & FIRST, 1994). Posteriormente, com o estabelecimento de linhas celulares a partir do disco embrionário de embriões de 9 dias e induzidas à quiescência por privação de soro do meio de cultura por um período de 3 a 4 dias antes da reconstituição, gestações a termo foram produzidas (CAMPBELL et al., 1996a). Com base nestes resultados e observações, WILMUT e colaboradores (1997) provocaram uma das maiores revoluções da ciência contemporânea recente: utilizando linhas celulares estabelecidas de células da glândula mamária de uma ovelha de 6 anos de idade, sincronizadas em fase G0-G1 do ciclo celular pela privação de soro, foi possível, muito mais do que responder ao questionamento de SPPEMANN (1938), demonstrar a viabilidade da clonagem de indivíduos adultos para todo o mundo. 8 Desde então, a clonagem utilizando-se células somáticas adultas diferenciadas já foi relatada com êxito em diversas outras espécies, como em bovinos (KATO et al., 1998), camundongos (WAKAYAMA et al., 1998), caprinos (BAGUISI et al, 1999; ZOU et al., 2001), suínos (BETTHAUSER et al., 2000; ONISHI et al., 2000; POLEJAEVA et al., 2000), gatos (SHIN et al., 2002; YIN et al., 2005), cães (LEE et al., 2005), coelhos (CHESNE et al., 2002), ratos (ZHOU et al., 2003), mulas (WOODS et al., 2003) e eqüinos (GALLI et al., 2003). 4.3. A Técnica de Transferência Nuclear A técnica de reconstituição por transferência nuclear envolve, basicamente, as seguintes etapas: obtenção das células doadoras de núcleo, obtenção oócitos doadores de citoplasto, sincronização do ciclo celular, maturação in vitro, remoção da cromatina do oócito (enucleação oocitária), introdução do núcleo doador no citoplasto, ativação do oócito reconstituído, cultivo in vitro e inovulação dos embriões. Como se trata de uma técnica relativamente complexa, com grande número de variações entre cada uma das etapas envolvidas decorrentes de diferentes metodologias empregadas pelos diversos grupos de pesquisa que tem trabalhado com a clonagem, aliado ao fato de que existem diferenças espécies- específicas, há uma ampla variação dos resultados no que diz respeito ao desenvolvimento até o estádio de blastocisto (ROBL, 1999; WELLS, 1999; WESTHUSIN et al., 2001). As variações existentes entre os métodos, células e espécies empregados na clonagem dificultam a comparação entre os diferentes resultados, o que, em muitas vezes, torna mais difícil o refinamento da técnica. Deste modo, tem-se como importante avaliar e diferenciar os efeitos da técnica com os eventos biológicos que ocorrem durante o desenvolvimento dos embriões reconstituídos, para que seja possível uma correta interpretação dos resultados. 9 4.3.1. Obtenção e Maturação dos Oócitos Doadores de Citoplasma De modo geral, têm-se utilizado no processo de reconstituição, oócitos maturados in vitro em estádio de metáfase II. Nas espécies domésticas, principalmente em bovinos, devido à disponibilidade de ovários de abatedouro, usados nos procedimentos de fertilização in vitro, o emprego deste tipo de fonte doadora de citoplasma tem sido rotina na grande maioria dos centros de pesquisa. Em animais de laboratório, oócitos maturados in vivo de boa qualidade podem ser obtidos de animais superovulados, mas no caso de grandes animais, como ovinos e suínos, torna-se um procedimento muito caro, e em bovinos e eqüinos, embora seja tecnicamente possível, é economicamente inviável. Acredita-se que oócitos maturados in vivo sejam a melhor fonte doadora de citoplasma sob o ponto de vista da qualidade, a partir de comparações de oócitos maturados in vitro ou in vivo que se desenvolveram ao estádio de blastocisto após a fertilização (DIELEMAN et al., 2002). Em contrapartida, o uso de oócitos maturados in vitro oferece algumas vantagens técnicas, além de econômicas, incluindo a possibilidade de escolher o tempo de maturação (MIYOSHI et al., 2002) e o uso de oócitos em diferentes estágios do ciclo meiótico (MIYOSHI et al., 2001). A heterogeneidade dos oócitos maturados in vitro é um ponto negativo do uso de ovários de matadouro, pois variáveis como origem dos ovários (animal, raça, condição nutricional) e estágio do ciclo estral podem ter influência sobre a competência oocitária (HAGEMANN, 1999) e, deste modo, interferir no processo de reprogramação nuclear. Problemas de implantação de blastocistos, bem como desenvolvimento fetal anormal, podem ser reflexo de uma inapropriada maturação oocitária (MOOR et al., 1998). A ocorrência de interações entre o oócito recipiente e o núcleo doador a ser reprogramado são importantes para o início do desenvolvimento embrionário de clones (FULKA Jr et al., 2001). Além disso, deve-se atentar para as condições de homoplasmia ou heteroplasmia que podem se estabelecer no novo indivíduo produzido pela clonagem, uma vez que, no oócito receptor, existem mitocôndrias (mtDNA) que podem diferir do haplótipo daqueles encontrados na célula doadora de núcleo 10 (EVANS et al., 1999; MEIRELLES et al., 1999, 2001; SMITH et al., 2000b; TAKEDA et al., 1999; HIENDLEDER et al., 1999; FERREIRA, 2002) e, como conseqüência, problemas de interação núcleo-citoplasmática podem implicar em falhas no desenvolvimento embrionário e fetal (HIENDLEDER et al., 2005; LU et al., 2005). Considerando-se que no oócito existam estoques maternos de RNAm e proteínas, bem como o ambiente citoplasmático é responsável pelo processo de reprogramação nuclear,a identificação e seleção do mais apropriado oócito doador de citoplasma certamente irá melhorar a eficiência da clonagem. 4.3.2. Células Doadoras de Núcleo Atualmente, na clonagem somática, tem-se utilizado como fonte doadora de núcleo, células obtidas de vários tecidos (OBACK & WELLS, 2002) e de animais de várias idades (fetos, recém-nascidos, jovens, idosos e até mesmo de animais mortos após um período relativamente curto). Uma ampla variedade de tipos de células já foi empregada na clonagem, como por exemplo: células da glândula mamária (WILMUT et al, 1997), leucócitos (GALLI et al., 1999), linfócitos B e T (HOCHEDLINGER & JAENISCH, 2002), condrócitos (BEYHAN et al., 2000), células do cumulus (WAKAYAMA et al., 1998; TAMASHIRO et al., 2000), da granulosa (WELLS et al., 1999; POLEJAEVA et al., 2000), do oviduto (KATO et al., 1998), de Sértoli (OGURA et al., 2000a), do fígado e uterinas (KATO et al., 2000), dentre outras (BREM & KUHHOLZER, 2002; OBACK & WELLS, 2002). Entretanto, tem-se verificado diferenças quanto às taxas de desenvolvimento dos embriões reconstituídos de acordo com a célula doadora de núcleo utilizada (KATO et al., 2000), indicando que algumas células são mais facilmente reprogramadas do que outras. As células podem ser usadas diretamente após a coleta do animal doador (GALLI et al., 1999) ou seguido de um período de cultivo celular (WILMUT et al., 1997; KUBOTA et al., 2000), bem como frescas ou após criopreservação. Na prática, diferenças entre os tipos células não seria maior do que a diferença entre população de células originárias de um mesmo tecido (KUHHOLZER et al., 2001), 11 indicando que o status da cromatina é mais importante do que a origem do tecido (GALLI et al., 2002). Sabe-se que o genoma da célula pode passar por modificações que podem interferir no êxito da técnica antes de sua utilização na reconstituição, tais como: recombinação genética (que ocorre em linfócitos B e T, o que pode explicar sua baixa eficiência como fonte doadora de núcleo; HOCHEDLINGER & JAENISCH, 2002), espontâneas mutações, alteração de ploidia (KING et al., 2006), danos genéticos promovidos por stress oxidativo e envelhecimento da cromatina. Estas modificações podem ser influenciadas pelas condições de cultivo celular bem como pelo número de passagens (RENARD et al., 2002). Uma vez que a estrutura da cromatina e as modificações epigenéticas são consideradas os principais fatores determinantes do sucesso da clonagem, parece que quanto maior o estádio de diferenciação celular de uma célula, mais difícil e complexo seria o processo de reprogramação do núcleo a um estádio embrionário de zigoto. Mas as razões para estas diferenças ainda não são conclusivas. O que se verifica na rotina, no entanto, é o uso de linhas celulares estabelecidas de fibroblastos coletados da pele, principalmente devido a sua maior praticidade, possibilidade de clonagem tanto de machos como de fêmeas, condições de cultivo celular bem conhecidas com produção de linhas primárias estáveis, homogêneas, de alta capacidade mitótica e resistentes ao processo de congelação (HEYMAN et al., 2000). 4.3.3. Coordenação do Ciclo Celular da Célula Doadora de Núcleo e do Citoplasma Recipiente A sincronização do ciclo celular entre o núcleo da célula doadora com o citoplasto do oócito receptor é importante para assegurar que seja mantida a correta ploidia após a reconstrução. Esses conceitos foram fundamentados inicialmente na clonagem utilizando-se células embrionárias como fonte doadora de núcleo, baseados no efeito que o Fator Promotor de Maturação (MPF) teria sobre o núcleo. O MPF é um complexo protéico composto por duas subunidades 12 catalíticas (proteína quinase p34cdc2, regulada por eventos de fosforilação e desfosforilação de seus sítios catalíticos, e a ciclina B1, subunidade regulatória), e na sua forma ativa, regula o processo de duplicação e divisão celular, numa cascata de eventos (quebra do envelope nuclear, condensação dos cromossomos, reorganização do citoesqueleto e alterações na morfologia da célula) que permite que a célula entre em mitose ou meiose (NURSE, 1990; MASUI, 1992). Na clonagem embrionária, onde há uma contínua duplicação do DNA dos blastômeros para as sucessivas clivagens, o fato de que a maioria das células encontra-se em fase S do ciclo celular (80%) exige um citoplasto pré-ativado (oócitos enucleados em telófase II e, portanto, com baixos níveis do MPF) para que a ploidia do embrião reconstituído seja mantida (CAMPBELL et al., 1996b), já que em oócitos em metáfase II (alta atividade do MPF), a manutenção de um núcleo diplóide só é possível com o uso de blastômeros em fase G1 do ciclo celular. A sincronização do ciclo celular do núcleo doador pode ser realizada nas fases G1, S ou G2 utilizando-se, respectivamente, as drogas afidicolina (inibidor específico da DNA polimerase α que impede a replicação do DNA e início da fase S; SAMAKÉ & SMITH, 1997b), nocodazole (inibidor da polimerização dos filamentos de tubulina e interrompe o ciclo celular em metáfase; KATO & TSUNODA, 1992; SAMAKÉ & SMITH, 1996) e 6-Dimetilaminopurina (6-DMAP; inibidor de fosforilação que inibe a formação do complexo ativo do MPF; SAMAKÉ & SMITH, 1997a). Na clonagem envolvendo a transferência nuclear de células somáticas, baseado nos experimentos que deram origem a ovelha Dolly (CAMPBELL et al., 1996a; WILMUT et al., 1997), passou-se a adotar tal protocolo como rotina: uso de citoplastos com alta atividade do MPF (enucleados em metáfase II) e células doadoras de núcleo sincronizadas em presuntivo estádio G0 do ciclo celular, mantidas em quiescência no cultivo celular por privação de soro (BAGUISI et al., 1999; WELLS et al., 1998, 1999; TANI et al., 2001; DANIELS et al., 2000, 2001). Acreditava-se que, com a quebra da vesícula germinativa e prematura exposição da cromatina do núcleo doador ao citoplasma, a reprogramação do núcleo 13 ocorreria mais cedo e que a sincronização em fase G0 facilitaria a reprogramação em decorrência de alterações na estrutura nuclear e redução da atividade transcripcional. Embora existam evidências de que a utilização de citoplastos não ativados (oócitos enucleados em metáfase II) e células doadoras sincronizadas antes da fase S proporcionam melhores taxas de desenvolvimento, corroborando com a proposição de que quanto maior o tempo de exposição do núcleo doador ao ambiente citoplasmático, melhor seria a reprogramação nuclear (TANI et al., 2001), não se pode descartar a possibilidade do uso de citoplastos com baixos níveis do MPF na clonagem, uma vez que já foi demonstrado sua viabilidade, com a produção de clones a termo, utilizando-se oócitos envelhecidos (VIGNON et al., 1998) ou pré-ativados (BAGUISI et al., 1999). A sincronização do ciclo celular em fase G0, embora seja eficiente para manutenção da ploidia, com desenvolvimento de embriões ao estádio de blastocisto e obtenção de gestações a termo, parece não ser essencial para o desenvolvimento (WILMUT et al., 1997), uma vez que, estudos posteriores utilizando-se células em fase G1, pela manutenção das linhas celulares até apresentarem-se sub-confluentes, tiveram êxito na produção de clones a termo (CIBELLI et al., 1998; KASINATHAN et al., 2001). Células sincronizadas em outras fases que não em G0-G1 também podem ser usadas na clonagem, como em fase M, com tratamento por nocodazole (WAKAYAMA et al., 1999; ONO et al., 2001; TANI et al., 2001) ou G2/M, com tratamento com colchicina (LAI et al., 2002). 4.3.4. Enucleação Oocitária Para que o núcleo doador possa iniciar seu desenvolvimento no citoplasto, é necessário a prévia remoção do DNA dos oócitos. Este processo, denominado de “enucleação oocitária”, tem-se mantido ao longo dos anos, consistindo basicamente de uma microcirurgia com auxílio de micropipetas acopladas a microinjetores e micromanipuladores em meio contendo inibidores do citoesqueleto (citocalasina B ou D), pré-incubação com umcorante de DNA 14 (Hoechst 33342), com a aspiração, para o interior de uma micropipeta, do primeiro corpúsculo polar e parte adjacente do citoplasma do oócito em metáfase II. A confirmação da enucleação se faz através da exposição do material aspirado à luz ultra-violeta (UV), permitindo a visualização da cromatina. Ao contrário da enucleação de oócitos de camundongos, espécie onde não é necessário o uso de corantes de DNA (WAKAYAMA et al., 1998), tal procedimento é adotado especialmente em bovinos e suínos, em decorrência da presença de maior quantidade de lipídeos no oócito, que dificultam a visualização da placa metafásica. A irradiação de UV diretamente do oócito pode ser efetiva na destruição dos cromossomos em metáfase, não havendo a necessidade de removê-la, como descrito em anfíbios. No entanto, em mamíferos, procedimentos semelhantes podem provocar danos às organelas citoplasmáticas e à membrana plasmática, prejudicando a competência oocitária (SMITH, 1993; BRADSHAW et al., 1995; LEAL et al., 1999). A bissecção dos oócitos (WILLADSEN, 1986) não se mostrou eficaz, pois há grande comprometimento do volume de citoplasma, com reflexos na capacidade de desenvolvimento (ZAKHARTCHENKO et al., 1997) e qualidade dos embriões reconstituídos (WESTHUSIN et al., 1996). Recentemente, utilizando-se a bissecção de oócitos, uma nova técnica de enucleação foi proposta sem o auxílio de micromanipuladores, denominada de “Handmade Cloning” (BOOTH et al., 2001; VAJTA et al., 2001, 2003): fusão de duas metades de oócitos bipartidos sem a placa metafásica juntamente com a célula doadora de núcleo, utilizando-se fitohemaglutinina. Um método alternativo à enucleação de oócitos em metáfase II e o uso de corante de DNA, seria utilizar oócitos em telófase II, removendo-se o segundo corpúsculo polar em processo de extrusão (BORDIGNON & SMITH, 1998). Menor quantidade de citoplasma seria removida do oócito bem como se evitaria o uso de corantes de DNA. Inicialmente desenvolvida para solucionar os problemas de sincronização dos blastômeros na clonagem embrionária, a enucleação em telófase II já foi utilizada com sucesso na clonagem somática (BAGUISI et al., 15 1999). No entanto, citoplastos pré-ativados possuem níveis baixos de MPF, o que poderia prejudicar o processo de reprogramação nuclear (TANI et al., 2001). Oócitos de mamíferos podem também ser enucleados por ultra- centrifugação, com remoção da placa metafásica após seu deslocamento para a periferia do oócito (TATHAM et al., 1995). A enucleação química pode também ser empregada utilizando-se etoposide, agente inibidor da enzima DNA- topoisomerase II, que atua impedindo a separação das cromátides, sendo a cromatina removida juntamente com o segundo corpúsculo polar após ativação oocitária (FULKA Jr & MOOR, 1993; ELSHEIKH et al., 1997, 1998; KÁRNÍKOVÁ et al., 1998). Outro agente químico, a demecolcine (despolimerizador de microtúbulos), já foi usado para induzir a completa enucleação em oócitos pré- ativados em camundongos (BAGUISI & OVERSTROM, 2000) e parcial enucleação em coelhos (YIN et al., 2002a), suínos (YIN et al., 2002a) e bovinos (RUSSELL et al., 2005), induzindo-se a protusão de membrana contendo toda cromatina condensada, com subseqüente remoção mecânica. Utilizando-se a demecolcine, clones viáveis já foram produzidos em camundongos, na enucleação química completa (BAGUISI & OVERSTROM, 2000; GASPARRINI et al., 2003), e em suínos, na enucleação química parcial (YIN et al., 2002b; KAWAKAMI et al., 2003). 4.3.5. Introdução do Núcleo Doador A introdução do núcleo doador no interior do citoplasto pode ser realizada de duas maneiras: através de fusão celular ou por injeção nuclear intracitoplasmática (YAMAZAKI, 2001). Na reconstituição por fusão celular, após a transferência da célula doadora de núcleo para o espaço perivitelíneo do oócito enucleado, deve ocorrer a fusão entre ambas as membranas citoplasmáticas, permitindo que o núcleo, juntamente com o citoplasma da célula, seja introduzido no citoplasma do oócito. Neste sentido, é importante a manutenção da integridade e viabilidade das membranas, e que estas estejam em íntimo contato. Embora a fusão celular possa ser realizada por outros métodos (vírus Sendai, 16 polietilenoglicol e lisolecitina; EGLITIS, 1980; SPLINDE, 1981; McGRATH & SOLTER, 1983, 1984a), a eletrofusão tem sido a técnica mais rotineiramente usada na clonagem animal, com exceção dos camundongos. Pulsos elétricos de corrente direta promovem desestabilização temporária das membranas citoplasmáticas da célula doadora e do citoplasto em sua região de contato, induzindo a formação de poros nas membranas, que se reorganizam posteriormente já fundidas (ZIMMERMANN & VIENKEN, 1982; SMITH, 1992). Uma vez que, na fusão celular, juntamente com o núcleo doador é introduzido todo o citoplasma da célula, incluindo todas as organelas, proteínas, RNAs e mitocôndrias, deve-se atentar para os efeitos que esta nova condição de interação núcleo-citoplasmas possa exercer sobre o potencial de desenvolvimento do embrião reconstituído (SMITH & ALCIVAR, 1993; MEIRELLES & SMITH, 1998; NAGAO et al., 1998; YAMAZAKI et al., 1999; FERREIRA, 2002). Sob este ponto de vista de interação núcleo-citoplasmática, a injeção nuclear intracitoplasmática seria mais vantajosa, pois é introduzido apenas o núcleo no interior do citoplasto. Para tanto, o núcleo é isolado com ruptura da membrana citoplasmática da célula doadora, e introduzido diretamente no interior do citoplasma do oócito enucleado, em procedimento semelhante à injeção intracitoplasmática de espermatozóide – ICSI (PALERMO et al., 1995). Os primeiros camundongos clonados a partir de células somáticas foram produzidos utilizando-se esta técnica (WAKAYAMA et al. 1998), além dos primeiros clones machos (WAKAYAMA & YANAGIMACHI, 1999), bem como produzido por células tronco embrionárias (WAKAYAMA et al., 1999). O uso de um sistema piezoelétrico facilita o processo de isolamento do núcleo e a injeção intracitoplasmática (WAKAYAMA et al. 1998; GALLI et al., 1999; ONISHI et al., 2000), embora não seja essencial (ZHOU et al., 2000; LOI et al., 2001). Em bovinos, a direta comparação entre as técnicas demonstrou menor taxa de desenvolvimento a blastocistos com o uso da injeção nuclear intracitoplasmática (YAMAZAKI, 2001; GALLI et al., 2002), mas com mesmo potencial de desenvolvimento a termo (GALLI et al., 2002). 17 Recentemente, uma terceira técnica foi relatada não envolvendo prolongada manipulação dos oócitos (fusão) ou células doadoras (isolamento do núcleo doador). Nas duas técnicas anteriores, a eficiência da clonagem pode ser afetada negativamente devido a baixos índices de fusão celular bem como a danos nucleares provocados no momento do isolamento do núcleo. A direta injeção citoplasmática de toda célula doadora de núcleo intacta mostrou-se viável na produção de clones em suínos, demonstrando que, ao contrário do que acreditava-se anteriormente, o ambiente citoplasmático é capaz de promover a dissolução da membrana citoplasmática da célula doadora, permitindo que o núcleo passe para o interior do citoplasto (LEE et al., 2003). 4.3.6. Ativação Oocitária Na maioria dos mamíferos, oócitos são ovulados e mantidos em metáfase II até a fertilização. Durante o processo de maturação, ocorre uma específica reorganização e redistribuição das organelas citoplasmáticas, com uma série de alterações morfofisiológicas complexas de moléculas sinalizadoras para assegurar que o desenvolvimento embrionário prossiga após a fecundação (MIYAZAKI et al., 1993; CARROLL, 2001). Com a fecundação, os oócitos retomam a meiose e iniciam o desenvolvimento em decorrência de uma cascata de eventos celulares, num processo denominado de ativação oocitária. Elevações transitórias e periódicas do Ca+2 livre intracelular, permitem que o oócito saia do bloqueio da meiose em decorrência da inativação do MPF e do fator citostático (CSF) (LORCAet al., 1991, 1993; COLLAS et al., 1993), com exocitose de grânulos corticais, descondensação do núcleo espermático, recrutamento de mRNA materno, formação dos pró-núcleos e início da síntese de DNA. Na clonagem, os atuais protocolos de ativação oocitária estão geralmente fundamentados na indução da ativação partenogenética do oócito em metáfase e nos dados do subseqüente desenvolvimento embrionário (FISSORE et al., 1999). Diversas combinações de agentes indutores de ativação já foram testadas na produção de partonotos em bovinos (MÉO, 2002, 2005; MÉO et al., 2004, 2005) e 18 subsequentemente avaliados na clonagem (YAMAZAKI, 2001; YAMAZAKI et al., 2005). Ativações ineficientes ou não-fisiológicas podem levar a falhas do desenvolvimento mesmo após a implantação, tornando-se importante avaliar qual o efeito da adoção destes métodos de ativação partogenética na clonagem, no que diz respeito à manutenção da competência oocitária na reprogramação nuclear. Diversos agentes de ativação têm sido empregados na clonagem, sendo os principais: • pulsos elétricos de corrente direta de alta voltagem e curta duração: promovem aumento do Ca+2 intracelular através da abertura temporária de poros na membrana plasmática do oócito, permitindo trocas de íons e macromoléculas, com entrada de Ca+2 extracelular (ZIMMERMANN & VIENKEN, 1982); • ionóforos de Ca+2 A23187 ou ionomicina: aumentam o influxo de Ca+2 do meio extracelular bem como mobiliza Ca+2 dos estoques citoplasmáticos intracelulares (KLINE & KLINE, 1992; NAKADA & MIZUNO, 1998); • etanol (7%): promovem uma rápida potencialização da liberação de Ca+2 mediado pela estimulação da formação de inositol 1,4,5-trifosfato (InsP3) na membrana plasmática (ILYIN & PARKER, 1992). No entanto, a exposição a soluções diluídas de etanol podem promover danos ao citoesqueleto (O’NEILL et al., 1989) com aumento da taxa de aneuploidia em partenotos (KAUFMAN, 1982; O’NEILL & KAUFMAN, 1989); • injeção intracelular de CaCl2 no citoplasma: induz a exocitose de grânulos corticais e declínio da atividade da histona quinase H1 (MACHATY et al., 1996); • cicloheximide e puromicina: inibidores de síntese protéica que atuariam em conjunto (ativação combinada) no processo de ativação do oócito prevenindo a produção da ciclina B1, componente do MPF, fazendo com que este permaneça inativo (PRESICE & YANG, 1994; NUSSBAUM & PRATHER, 1995; TANAKA & KANAGAWA, 1997); 19 • 6-Dimetilaminopurina (6-DMAP): inibidor de fosforilação de proteínas, atua inativando a c-mos e a MAP kinase, reduzindo as atividades do MPF e do CSF (VERLHAC et al., 1993, 1994). No entanto, pode aumentar a incidência de poliploidia e mixoploidia por inibir, inespecificamente, a fosforilação de proteínas kinases necessárias para a formação dos microtúbulos (De La FUENTE & KING, 1998); • estrôncio: induz repetitivos aumentos da concentração de Ca+2 livre intracelular (KLINE & KLINE, 1992) de modo semelhante ao que ocorre na ativação dos oócitos após a fertilização (BOS-MIKICH et al., 1997). Rotineiramente usado na clonagem em camundongos (KISHIKAWA et al., 1999; WAKAYAMA & YANAGIMACHI, 1999, 2000; WAKAYAMA et al., 1998, 1999, 2000, 2001; OGURA et al., 2000a, 2000b; AMANO et al., 2001; ONO et al., 2001; ZHOU et al., 2001), mostrou ser viável na clonagem em bovinos (YAMAZAKI et al., 2005). 4.4. Cultivo in Vitro dos Embriões Reconstituídos Após a reconstituição embrionária e ativação, tem-se adotado, basicamente, as mesmas condições de cultivo de embriões produzidos in vitro (PIV). O método de cultivo in vitro bem como o estádio de desenvolvimento no qual os embriões reconstituídos são transferidos para receptoras é variável de acordo com a espécie. Embora comparações entre embriões produzidos in vitro e in vivo mostrem que existem diferenças significativas na morfologia dos embriões, com reflexo nas taxas de prenhezes (FARIN et al., 2001), o cultivo in vitro ainda se faz necessário devido às dificuldades técnicas e econômicas da implantação prematura no oviduto. Mesmo sendo viável a produção de clones de suínos após imediata transferência de embriões reconstituídos recém-fundidos para o oviduto (POLEJAEVA et al. 2000), evitando-se assim, as possíveis influências negativas que os sistemas de cultivo possam exercer sobre o potencial de desenvolvimento, 20 o alto custo inviabiliza esta tentativa, sendo os embriões geralmente mantidos em cultivo in vitro até atingirem o estádio de blastocisto. Apenas uma proporção dos embriões reconstituídos atinge o estádio de blastocisto, e esta taxa é geralmente inferior em comparação a embriões PIV (YAMAZAKI, 2001). Em bovinos, as taxas de desenvolvimento dos embriões reconstituídos ainda durante o período de cultivo in vitro tem-se mostrado bastante variáveis, desde inferiores a 5% até maiores que 65% de produção de blastocisto (WESTHUSIN et al., 2001). Esta ampla variação de resultados é reflexo dos diversos sistemas de cultivo in vitro atualmente existentes, bem como das múltiplas variações que a técnica de clonagem pode apresentar em suas diversas etapas para a reconstituição do embrião. Deste modo, é necessário uma análise mais ampla e geral frente aos resultados da clonagem, para que seja possível distinguir o que poderia ser um efeito da técnica e o que seria realmente um evento biológico. Sabe-se que o metabolismo embrionário de embriões PIV pode ser alterado de acordo com as condições de cultivo empregadas, como: temperatura, pH, osmolaridade, atmosfera, co-cultivo, fonte protéica e energética (THOMPSON et al., 1990; THOMPSON, 1996, 2000; BAVISTER, 2000; KRUIP et al., 2000; FARIN et al., 2001), refletindo-se em problemas durante a gestação, como hidroalantóide, mortalidade embrionária precoce, mortalidade neonatal, aumento do peso ao nascimento bem como má-formações fetais (KRUIP & DEN DAAS, 1997; HASLER, 2000; JACOBSEN et al., 2000; VAN WAGTENDONK-DE LEEUW et al., 2000; FARIN et al., 2006). Isto mostra que, embora tenha havido significativo avanço nas pesquisas em embriões em estádio de pré-implantação bem como sobre as condições de cultivo utilizadas, problemas ainda ocorrem, principalmente de ordem gênica, com reflexos principalmente no estabelecimento de gestações e produção de animais a termo. Considerando-se que a reprogramação nuclear é um fenômeno complexo que tem seu início neste período do desenvolvimento embrionário, aliado aos problemas ainda persistentes da PIV, embriões clones 21 reconstituídos devem ser muito mais susceptíveis a alterações gênicas, que podem ser agravadas frente às condições de cultivo atualmente utilizadas. 4.5. Aplicações da Clonagem por Transferência Nuclear Do ponto de vista científico, o sucesso da clonagem por transferência nuclear utilizando-se células somáticas como fonte doadora de núcleo tem contribuído com a ciência básica, no que diz respeito a melhor compreensão e elucidação dos mecanismos genéticos e epigenéticos envolvidos na embriogênese, bem como a complexa interação envolvendo a remodelação da cromatina, metilação do DNA e expressão gênica durante o desenvolvimento embrionário e fetal. Além disso, novos desafios no estudo da reprogramação das células surgiram com o advento da clonagem somática, e estes conhecimentos gerados com estas investigações podem ter importantes implicações no processo de diferenciação celular, e transplante de órgãos e tecidos, importante ferramenta na clonagem terapêutica e os xenotrasplantes (KIND & COLMAN, 1999; LANZA et al., 1999; CAMPBELL, 2002; NIEMAMAN et al., 2003). A clonagem pode ser usada comercialmente em rebanhos para produzir cópias de animais de alto mérito genético, como vacas leiteiras de alta produção ou touros com boa composição de carcaça (GALLI et al., 1999; PATERSON et al., 2003; FABER et al., 2004). Além disso, esta biotecnologia tem sido usada na tentativa de preservação de espécies ameaçadas de extinção (WELLS et al., 1998; CORLEY-SMITH & BRANDHORST, 1999; WHITE etal., 1999; LOI et al., 2001). No entanto, a grande aplicação da clonagem está aliada à modificação do núcleo doador para produção de animais transgênicos (CIBELLI et al., 1998; CHAN, 1999; PIEDRAHITA, 2000; POLEJAEVA & CAMPBELL, 2000), através da modificação genética dos núcleos doadores, visando à produção de proteínas específicas no sangue e no leite (BRINK et al., 2000), maior eficiência na produção de carne e leite (PIEDRAHITA, 2000), produção de modelos animais para estudo de doenças (KENT & LEWIS, 1998, PATERSON et al., 2003). 22 4.6. “Genomic Imprinting” O “genomic imprinting” é caracterizado por uma expressão gênica diferencial dos alelos parentais, determinada por modificações epigenéticas da transcrição gênica sem que ocorram alterações na seqüência do DNA. O “genomic imprinting” diferencia-se da genética clássica Mendeliana uma vez que regiões de cromossomos homólogos não apresentam equivalência funcional. Embora tanto o alelo materno como o alelo paterno estejam presentes, um estará funcionalmente ativo enquanto que o outro silenciado ou inativo. Diversas teorias foram sugeridas para explicar a ocorrência do “genomic imprinting”. Uma das hipóteses mais aceitas é a chamada teoria do conflito, também conhecida como “batalha dos sexos” (MOORE & HAIF, 1991; HURST & McVEAN, 1997, 1998). Esta teoria baseia-se no interesse tanto do macho como da fêmea em obter o número máximo de proles viáveis a fim de que fossem mantidos seus genes na população. Quando a reprodução é poligâmica, o macho teria o interesse em assegurar o máximo crescimento de sua prole, e assim recrutaria o máximo de recursos da fêmea quanto possível visando beneficiar a progênie, para que a mesma fosse maior e mais forte, aumentando as chances de sobrevivência no ambiente, mesmo que isso ocorresse em detrimento da fêmea pela utilização de mais nutrientes maternos. Em contrapartida, a fêmea deve limitar o crescimento embrionário e fetal para que a mesma esteja apta a reproduzir-se novamente, com outro macho. Isto necessitaria dividir seus recursos em diferentes gestações. As fêmeas que conseguissem restringir o crescimento fetal e produzir maior número de proles com a limitação de recursos conseguiriam, a longo prazo, ter mais êxito em suas vidas reprodutivas. Além da teoria do conflito, um “modelo de desenvolvimento” sugere que o “genomic imprinting” ocorreria em resposta à pressão ambiental, induzindo a rápidas mudanças de expressão ou inativação dos alelos parentais de acordo com a necessidade (BEAUDET & JIANG, 2002). Existe ainda o conceito de “ovário bomba relógio”, o qual propõe que o “genomic imprinting” protegeria a fêmea de patologias 23 ovarianas, limitando a partenogênese e prevenindo a formação de tumores malignos do trofoblasto (VARMUZA & MANN, 1994). A assimetria funcional dos genomas parentais foi descoberta em experimentos realizados na década de 80 utilizando a transferência pró-nuclear em camundongos para a produção de embriões ginogenéticos ou androgenéticos, possuindo apenas cromossomos maternos ou paternos, respectivamente. Embora fossem diplóides, falhas e mortalidade no desenvolvimento embrionário e no estabelecimento de gestações foram verificadas em ambos os casos. No entanto, diferenças marcantes foram descobertas: os ginogenéticos morreram antes da metade da gestação, com poucos dias da implantação, com retardo de crescimento devido a falhas no desenvolvimento dos tecidos extra-embrionários, enquanto que os androgenéticos apresentaram um potencial de desenvolvimento muito mais restrito, com melhor formação dos componentes extra-embrionários (McGRATH & SOLTER, 1984a; SURANI et al., 1984, 1986; SOLTER, 1988). A partir das evidências verificadas nestes experimentos, com a aparente contribuição materna para o desenvolvimento fetal e paterna para o desenvolvimento das estruturas extra-embrionárias, surgiu a proposta de que um específico “imprinting” do genoma paterno e materno ocorreria durante o desenvolvimento do oócito e do espermatozóide, sendo necessário a contribuição de ambos os genomas parentais após a fertilização para um desenvolvimento a termo normal. Embora a ocorrência do “genomic imprinting” tenha sido relatada em outros grupos, como plantas angiospérmicas e alguns marsupiais (TODER et al., 1996; KILLIAN et al., 2000; O’NEIL et al., 2000; SPIELMAN et al., 2001), com a descrição de fenômenos regulatórios epigeneticamente semelhantes de expressão gênica restrita a alguns genes, parece que os mecanismos de controle gênico usados em organismos inferiores adquiriram funções adicionais em organismos superiores ao longo da evolução filogenética, incluindo o controle do “genomic imprinting”. Em mamíferos eutérios, os genes “imprinted” representam menos que 0,1% dos genes em todo genoma, mas possuem funções determinantes de 24 restringir e alterar a expressão de um dos alelos parentais, importantes nos mecanismos de desenvolvimento embrionário, fetal, placentário e mesmo pós- natal. Aproximadamente 80 genes “imprinted” já foram identificados em camundongos e cerca de 50 em humanos, espécies onde o “genomic imprinting” tem sido mais estudado. No entanto, nas espécies de produção, poucos genes foram identificados, sendo necessário o aprofundamento dos estudos ligados ao “imprinting” em animais com placentação distintas. A regulação epigenética diferenciada da atividade gênica do DNA para os genes “imprinted” é caracterizada por uma série de modificações complexas, que incluem a metilação do DNA em regiões do genoma geralmente ricas em dinucleotídeos CpG (FERGUSON-SMITH & SURANI, 2001; BIRD, 2002) e modificações das histonas, com acetilação ou metilação (RICHARDS & ELGIN, 2002), associadas com transcritos antisenso e RNA não codificado incluindo microRNAs (SPAHN & BARLOW, 2003). Estas modificações conferem um estádio diferenciado nos cromossomos homólogos, afetando a interação entre o genoma e moléculas regulatórias da atividade gênica, permitindo a ativação ou inativação de um dos alelos parentais. 4.6.1. “Genomic Imprinting” e a Reprogramação Epigenética no Desenvolvimento O DNA genômico passa por significativas mudanças de metilação do DNA durante a embriogênese, reflexo da necessidade de que alterações de controle da expressão gênica devam ocorrer no espermatozóide, oócito e embrião para que seja possível o posterior desenvolvimento embrionário e fetal no que diz respeito ao estabelecimento de padrões tecido-específicos no processo de diferenciação. Estas modificações são estádio de desenvolvimento e sexo dependentes, sendo importantes do estabelecimento e controle dos genes “imprinted”. A gametogênese e o estádio de zigoto da embriogênese correspondem aos únicos momentos em que os genomas paternos e maternos apresentam-se separados. Uma vez que os alelos “imprinted” são diferentemente marcados para 25 permitir sua expressão sexo-específica, deve ser nestes dois períodos que os eventos de marcação dos “imprints” ocorram. Antes que do estabelecimento destas marcações sexo-específicas nas linhas germinativas, os “imprints” são apagados. Uma ampla demetilação de todo genoma ocorre no início do desenvolvimento das linhas primordiais germinativas. Em camundongos, esta demetilação completa-se aproximadamente entre os dias 10,5 a 12,5 de desenvolvimento, momento correspondente à entrada das células primordiais germinativas na gônada (SZABO & MANN, 1995; KATO et al., 1999; REIK & WALTER, 2001; HAJKOVA et al., 2002; LEE et al., 2002b, SZABO et al., 2002). Esta fase de reprogramação coincide com o momento em que as marcações específicas de origem parentais são apagadas, que incluem a demetilação do DNA das regiões diferencialmente metiladas (DMRs – “differential methylated regions”), associadas com expressão gênica de alelos específicos (TUCKER et al., 1996). Subseqüente a este evento de demetilação, o momento de aquisição dos “imprints” genômicos é significativamente diferente entreas duas linhas germinativas. Nos machos, o período de restabelecimento dos “imprints” ainda não está muito bem definido, mas evidências indicam que ocorra em gonócitos diplóides. A metilação do H19 em murinos, por exemplo, inicia-se no estádio pré- natal de pró-espermatogônia e é completada no estádio pós-natal de paquíteno da meiose (UEDA et al., 2000). Entretanto, ao contrário do que se acreditava anteriormente, em que a remetilação ocorreria ao mesmo tempo para ambos os alelos parentais, estudos realizados com o gene H19 mostraram que o alelo paterno sofre metilação anteriormente ao alelo materno, sugerindo-se que outros eventos epigenéticos além da metilação do DNA devam estar presentes (DAVIS et al., 1999, 2000). Nas linhas germinativas das fêmeas, diversos estudos mostram que a aquisição do “imprint” pela metilação do DNA estaria restrita à fase pós-natal de crescimento do oócito na foliculogênese, não estando relacionada à duplicação do DNA, uma vez que as mudanças epigenéticas ocorrem no estádio de diplóteno da 26 prófase I da meiose (CHAILLET et al., 1991; UEDA et al., 1992; BRANDEIS et al., 1993; STOGER et al., 1993; KONO et al., 1996; OBATA et al., 1998, 2002; BAO et al., 2000; LUCIFERO et al., 2002; OBATA & KONO, 2002). Diversos genes “imprinted” recebem a marcação “imprint” de metilação do DNA de modo assincrônico em diferentes estádios do desenvolvimento folicular. Os padrões de estabelecimento das metilações nos genes “imprinted” dos espermatozóides e oócitos depende da atividade das DNA metiltransferases (Dnmt). A correta regulação da atividade das Dnmts, como Dnmt1, Dnmt10, Dnmt3a e Dnmt3b, no estabelecimento do status alelo específico de expressão em DMRs (LI et al., 1993) dos alelos parentais torna-se importante para que não haja prejuízo do potencial de desenvolvimento embrionário e fetal. Uma vez que o genoma dos espermatozóides e oócitos maturos apresentam-se altamente metilados, em comparação a metilação de células somáticas, após a fertilização, o zigoto conterá, portanto, DNA metilado localizado em genes “imprinted” (tanto paternos como maternos) e a maior parte posicionado em seqüências não-“imprinted”. No início do desenvolvimento, o embrião perderá sua metilação em seqüências de DNA não-“imprinted”. Entretanto, os eventos de demetilação do DNA não ocorrerão de modo equivalente nos genomas parentais, uma vez que no embrião as duas linhas germinativas (alelos parentais) possuem diferenças de reprogramação epigenética. Enquanto que o genoma paterno pró- nuclear é demetilado rapidamente no zigoto após a fertilização num mecanismo ativo (MAYER et al., 2000; OSWALD et al., 2000; SANTOS et al., 2002), o genoma materno permanecerá aparentemente protegido deste processo inicial, sendo gradualmente demetilado durante as primeiras clivagens num processo passivo de demetilação (MONK et al., 1987; ROUGIER et al., 1998; MAYER et al., 2000). Embora haja no espermatozóide características que afetam os níveis de demetilação, os principais fatores que determinam o momento em que o genoma parental torna-se demetilado são oócito-específicos (BEAUJEAN et al., 2004b). Neste início de desenvolvimento embrionário, enquanto ocorre uma extensiva demetilação em seqüências de DNA não-“imprinted”, os genes “imprinted” seriam 27 resistentes a esse processo de demetilação, mantendo o estado inicial dos “imprints” estabelecidos nos gametas. As células da linhagem germinativa deste embrião irão perder estas metilações dos genes “imprinted” durante o desenvolvimento gonadal, enquanto que as células somáticas manterão estes padrões de metilação durante o desenvolvimento embrionário e fetal, e a maioria se estenderá durante a vida do novo organismo formado (embora os padrões dos “imprints” de alguns genes sejam perdidos ou alterados em alguns tecidos, como por exemplo, no fígado; McLAREN & MONTGOMERY, 1999). As taxas de metilação de genes não-“imprinted” atingirão seus níveis mínimos entre os estádios de mórula a blastocisto, quando um novo processo de metilação (“de novo methylation”) tem início. Este segundo evento de metilação varia de acordo com a espécie: em camundongos, coincide com a primeira diferenciação celular no estádio de blastocisto, enquanto que em bovinos esta nova metilação tem início entre 8 a 16 células, na ativação do genoma embrionário (REIK et al., 2001). O estabelecimento destas duas linhagens de células no embrião resulta em outra assimetria: as células da massa celular interna (MCI), que darão origem a todos os tecidos do novo indivíduo, tornam-se hipermetiladas, enquanto que as células que compõem o trofectoderma, que formarão as estruturas placentárias, apresentam menor metilação (DEAN et al., 2001; SANTOS et al., 2002). Esta diferença reflete- se nos tecidos somáticos (altamente metilados) e tecidos extra-embrionários da placenta (hipometilados). A ampla demetilação do genoma parental durante o desenvolvimento embrionário após a fecundação, verificada em estudos realizados em camundongos e humanos, não é representativo de todos os mamíferos. Maior limitação do evento global de demetilação ocorre no genoma de ovinos, bovinos e coelhos entre o estádio de zigoto e 8-células (BOURC’HIS et al. 2001a; BEAUJEAN et al. 2004a; SHI et al. 2004). A razão pela qual em algumas espécies exista uma necessidade de rápida demetilação do pró-núcleo masculino no estádio de zigoto ainda é uma questão a ser respondida, mas pode estar relacionada à ativação do genoma embrionário, à composição do genoma, 28 diferentes estratégias reprodutivas ou mesmo ligadas ao “genomic imprinting” (YOUNG & BEAUJEAN, 2004). 4.6.2. “Genomic Imprinting” na Gestação A placenta de mamíferos eutérios possui células derivadas de dois indivíduos: o concepto e a mãe. Durante o desenvolvimento da placenta, células de origem embrionária e materna formam vários tipos celulares de íntima associação anatômica, resultando em regiões especializadas conhecidas como interface materno-fetal. Em decorrência da interação entre células desta interface ocorrerão as trocas entre o feto e a mãe, necessárias para a viabilidade e crescimento fetal. Estudos dos genes “imprinted” mostram que os mesmos são importantes no desenvolvimento fetal, placentário e mesmo comportamental, com expressão monoalélica sendo identificada durante o desenvolvimento pré-natal (REIK et al., 2003). Dentre os diversos genes “imprinted” já descritos, o Igf2, o H19 e o Igf2r tem sido os mais estudados em camundongos devido à importância dos mesmos durante o desenvolvimento da gestação. O gene “imprinted” Igf2 (fator de crescimento semelhante à insulina tipo 2) possui “imprint” materno e é expresso pelo alelo paterno (DINDOT et al. 2004). O Igf2 é um potente mitógeno que desempenha importante função na diferenciação celular, comportamento pós-natal, desenvolvimento do cérebro (REIK & WALTER, 2001) no crescimento fetal (De CHIARA et al., 1999; EFSTRATIADIS, 1998) e desenvolvimento da placenta (CONSTANCIA et al., 2002), e está localizado no cromossomo 29 em bovinos (GOODALL & SCHMUTZ, 2003). O Igf2 é altamente conservado, e serve como um ligante para o receptor de Ifg1 e o receptor de insulina tipo A (MURPHY & JIRTLE, 2003), atuando em uma regulação autócrina/parácrina dose dependente. Estas funções de ligação ocorrem para iniciar e propagar os sinais que induzem o crescimento e bloquear a apoptose. Além de ser o principal fator de crescimento fetal, o Igf2 expresso na placenta regularia a difusão e trocas de nutrientes com o feto, a disponibilidade de 29 glicogênio e o transporte de aminoácidos aniônicos e catiônicos (BAKER et al., 1993; LOPEZ et al., 1996; MATTHEWS et al., 1999; SIBLEY et al., 2004). Em contraste ao Igf2, o gene “imprinted” Igf2r (receptor do M6P/Igf2 – manose-6-fosfato/fator de crescimento semelhante à insulina tipo 2) possui “imprint” paterno e é expresso pelo alelo materno. A proteína do Igf2r não está envolvida na tradução desinais, mas atua seqüestrando o excesso de Igf2 (e outras proteínas), evitando sua ligação ao receptor do tipo 1, principal via de atividade (KENDREW, 1994). O Igf2r ligaria-se ao Igf2, transportando-o para o interior de lisossomos para sua degradação (MURPHY & JIRTLE, 2003; JOHN & SURANI, 2000). Desta maneira, corroborando com a teoria do conflito, o Igf2r, expresso materno, atua restringindo o crescimento fetal enquanto que o Igf2, expresso paterno, o promove, e o equilíbrio entre a expressão e disponibilidade de proteínas para estes dois genes “imprinted” é que regula o desenvolvimento embrionário e fetal (MOORE, 2001). Além disso, o Igf2r interage com VEGF promovendo a neovascularização (VOLPERT et al., 1996). Assim como detectado em outras espécies (camundongos, BARTOLOMEI & TILGHAMN, 1997; humanos, RACHMILEWITZ et al., 1992), em bovinos, o gene H19 é caracterizado por apresentar expressão do alelo materno e “imprint” do alelo paterno (ZHANG et al., 2004). O gene H19 codifica uma molécula de RNA não traduzida (VERONA et al., 2003; ZHANG et al., 2004). A conservação do gene H19 dentre diferentes grupos de mamíferos, e seu padrão similar de expressão durante o desenvolvimento em ovinos e murinos (SASAKI et al., 1995; NAIMEH et al., 2001; LEE et al., 2002b), sugere que seu RNA seria funcional (HURST & SMITH, 1999). Estudos indicam que o RNA do H19 poderia atuar na regulação da tradução de outro RNA, possivelmente o Igf2 (LI et al., 1998; RUNGE et al., 2000). 4.6.3. Regulação da Expressão dos Genes “Imprinted” Igf2-H19 e Igf2r A regulação do H19 está relacionada com a do Igf2, uma vez que ambos genes “imprinted” estão localizados no mesmo locus. A atividade recíproca “imprint” do Igf2 e do H19 é regulada por um centro “imprint” intergênico (IC) ou 30 DMR, localizado numa região de 2 a 4kb upstream do H19. Este centro “imprint” intergênico é diferencialmente metilado no alelo paterno durante a espermatogênese (THORSVALDSEN et al., 1998). O fato de que seu alelo materno não está metilado na sua região regulatória leva os promotores próximos ao H19 a permanecerem em uma conformação aberta, permitindo que o mesmo seja ativado por enhancers de cadeia longa localizados downstream (DAVIES et al., 2002). Esta mesma DMR do alelo materno não metilada contém elementos de marcação onde se ligam um fator protéico (CTFC), impedindo que os mesmos enhancers de cadeia longa localizados downstream ativem os promotores do Igf2 localizados upstream. A metilação do DNA no alelo paterno impede a ligação de CTCF a DMR localizada upstream do H19, permitindo que os enhancers downstream interajam com os promotores do gene “imprinted” Igf2 paterno (BELL & FELSENFELD, 2000; HARK et al., 2000). O gene “imprinted” Igf2r é caracterizado por apresentar uma regulação a partir de um RNA anti-senso alelo específico (REIK & WALTER, 2001). A expressão deste gene é regulada por uma DMR intrônica. No alelo paterno não metilado na DMR intrônica, a transcrição anti-senso se extende até o promotor ao Igf2, reprimindo sua transcrição (WUTZ et al., 1997). No alelo materno, a transcrição anti-senso é reprimida pela metilação intrônica da DMR, permitindo, desta maneira, a transcrição materna a partir do promotor do Igf2r. 4.7. Reprogramação do Núcleo Embora a produção de clones a partir de células de animal adulto tenha sido devidamente comprovada em diversas espécies, sua eficiência ainda é extremamente baixa, tendo já sido relatadas diversas anormalidades e problemas durante todo o desenvolvimento embrionário, fetal e mesmo pós-natal. Não se sabe exatamente se esses problemas são decorrentes da reprogramação nuclear incompleta ou da técnica propriamente dita. A clonagem por transferência nuclear envolve uma série de procedimentos técnicos complexos, que incluem o cultivo 31 das células doadoras de núcleo, sincronização do ciclo celular, maturação in vitro dos oócitos doadoras de citoplasma, enucleação oocitária, introdução do núcleo doador no citoplasto por fusão celular ou injeção nuclear intracitoplasmática, ativação do oócito reconstituído, cultivo in vitro e transferência dos embriões. Sendo a reprogramação nuclear um processo complexo e pouco compreendido, a otimização de toda a técnica torna-se importante, pois qualquer alteração em um desses procedimentos poderá influenciar negativamente a produção de embriões e animais clonados (WELLS, 1999; WESTHUSIN et al., 2001; EDWARDS et al., 2003; THIBAULT et al., 2003; CAMPBELL et al., 2005). O termo reprogramação nuclear tem sido amplamente utilizado e, em linhas gerais, indica o término de um “programa de expressão gênico somático” e início de um “programa de expressão gênico embrionário”. Tudo isto se torna mais complexo à medida que o ambiente citoplasmático está inicialmente programado para promover todas as modificações epigenéticas de genomas parentais, formados durante a gametogênese, necessárias para que o desenvolvimento embrionário prossiga. A remodelação do núcleo, após sua introdução no citoplasto, inclui uma fase de quebra do envelope nuclear com a condensação dos cromossomos (BARNES et al., 1993; COLLAS & ROBL, 1991), descondensação da cromatina após a ativação do oócito e reorganização do envelope nuclear (STICE & ROBL, 1988). A ativação de genes durante o desenvolvimento ocorre mediante a modificações epigenéticas, tais como: alteração dos padrões de metilação do genoma, modificação e troca de histonas (somáticas por isoformas embrionárias; GAO et al., 2004) e suas variantes nos nucleossomos (acetilação, metilação, fosforilação, ubiquitinação e poli-ADP ribolisação), alterações na morfologia nucleolar (CZOLOWSKA et al., 1984; KANKA et al., 1999), modificações de lâmina nuclear (PRATHER et al., 1989a, 1991) e remodelação da cromatina e de outras proteínas associadas à mesma (LATHAM, 1999; CAMPBELL et al., 2005). Na clonagem com células somáticas, espera-se que o núcleo seja reprogramado ao estádio de zigoto, ou seja, o padrão de expressão gênica de 32 uma célula adulta diferenciada deve ser modificado no citoplasto, assumindo um estado desdiferenciado, coerente com o estádio de desenvolvimento do embrião reconstituído. Como a partir da transição materno-zigótica ocorre a ativação do genoma embrionário, não dependendo mais apenas dos estoques de transcritos de RNA e proteínas do citoplasma do oócito para prosseguir seu desenvolvimento (MEIRELLES et al., 2004), é necessário que esta reprogramação nuclear ocorra rapidamente, com a ativação dos genes ocorrendo tempo-padrão de expressão semelhantes ao de um embrião produzido por fecundação normal. Para tanto, a reprogramação nuclear necessita de grandes mudanças no padrão de expressão de inúmeros genes, com reorganização da cromatina e reaquisição dos padrões de metilação adequados para um embrião, já que este padrão de metilação do espermatozóide (genoma paterno) e do oócito (genoma materno) durante a fertilização normal não é análogo àquele encontrado no núcleo de uma célula somática. Numa contextualização teórica da reprogramação nuclear, esta pode ser classificada em três níveis (RIDEOUT III et al., 2001): (i) sem reprogramação do genoma, resultando na imediata morte do embrião; (ii) parcial reprogramação nuclear, permitindo uma sobrevivência inicial dos clones, mas resultando em fenótipos anormais e/ou apresentando mortalidade em vários estádios do desenvolvimento embrionário/fetal/neonatal; (iii) completa reprogramação, com a produção de clones normais e saudáveis. O que se verifica, no entanto, é que mesmo com modificações da técnica propriamente dita e a experimentação da clonagem em diversas espécies, a baixa eficiência e os inúmeros problemas fenotípicos e genéticos dos clones sugerem que a reprogramação nuclear completa é uma exceção. Embora pesquisas tenham sido realizadas avaliando-se os efeitos nas proteínas da matrix nuclear (MOREIRA et al., 2003), componentes do envelope nuclear (KUBIAK et al., 1991),
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