Buscar

1263

Prévia do material em texto

UNIVERSIDADE ESTADUAL PAULISTA “JULIO DE MESQUITA FILHO”
FACULDADE DE CIÊNCIAS AGRÁRIAS E VETERINÁRIAS
CÂMPUS DE JABOTICABAL
ESTUDO DO “GENOMIC IMPRINTING” NA PLACENTA DE
CLONES BOVINOS
 Walt Yamazaki
 Orientador: Prof. Dr. Joaquim Mansano Garcia
Tese apresentada à Faculdade de Ciências Agrárias e
Veterinárias – Unesp, Campus de Jaboticabal, como
parte das exigências para obtenção do título de Doutor
em Medicina Veterinária (Reprodução Animal).
JABOTICABAL – SÃO PAULO – BRASIL
Julho de 2006
ii
DADOS CURRICULARES DO AUTOR
WALT YAMAZAKI – nascido no município de São Paulo – SP, aos 30 dias
do mês de dezembro de 1974, concluiu o curso colegial no “Colégio Integral”, na
cidade de Campinas – SP, em dezembro de 1992. Ingressou no curso de
graduação em Medicina Veterinária na Faculdade de Ciências Agrárias e
Veterinárias – FCAV, Campus de Jaboticabal da Universidade Estadual Paulista –
UNESP, em fevereiro de 1993. Concluiu, em dezembro de 1998, o curso superior
de Medicina Veterinária; ingressou, em março de 1999, no programa de pós-
graduação, ao nível de Mestrado, sob orientação do Prof. Dr. Joaquim Mansano
Garcia, no Programa de Medicina Veterinária, Área de Concentração em
Reprodução Animal, na FCAV – UNESP de Jaboticabal, com bolsa de Mestrado
da FAPESP e concluiu, em dezembro de 2001, com a defesa da Dissertação
“Clonagem em bovinos utilizando-se células somáticas de animais adultos:
avaliação comparativa da reconstituição de citoplastos pelas técnicas de
transferência nuclear e injeção nuclear intracitoplasmática”; ingressou, em março
de 2002, no programa de pós-graduação, ao nível de Doutorado, sob orientação
do Prof. Dr. Joaquim Mansano Garcia, no Programa de Medicina Veterinária, Área
de Concentração em Reprodução Animal, na FCAV – UNESP de Jaboticabal, com
bolsa de Doutorado da FAPESP.
iii
SUMÁRIO
LISTA DE TABELAS......................................................................................... v
LISTA DE FIGURAS.......................................................................................... vi
LISTA DE ABREVIATURAS.............................................................................. viii
RESUMO........................................................................................................... x
ABSTRACT....................................................................................................... xi
I. INTRODUÇÃO............................................................................................... 01
II. OBJETIVOS ................................................................................................. 03
 2.1. Objetivos Gerais...................................................................................... 03
 2.2. Objetivos Específicos.............................................................................. 03
III. HIPÓTESES................................................................................................. 04
IV. REVISÃO DE LITERATURA........................................................................ 05
 4.1. Produção de Indivíduos Geneticamente Idênticos.................................. 05
 4.2. Histórico da Clonagem............................................................................ 05
 4.3. A Técnica de Transferência Nuclear....................................................... 08
 4.3.1. Obtenção e Maturação dos Oócitos Doadores de Citoplasma....... 09
 4.3.2. Células Doadoras de Núcleo........................................................... 10
 4.3.3. Coordenação do Ciclo Celular da Célula Doadora de Núcleo e do
Citoplasma Recipiente.................................................................... 11
 4.3.4. Enucleação Oocitária...................................................................... 13
 4.3.5. Introdução do Núcleo Doador.......................................................... 15
 4.3.6. Ativação Oocitária........................................................................... 17
 4.4. Cultivo in Vitro dos Embriões Reconstituídos.......................................... 19
 4.5. Aplicações da Clonagem por Transferência Nuclear.............................. 21
 4.6. “Genomic Imprinting”............................................................................... 22
 4.6.1. “Genomic Imprinting” e a Reprogramação Epigenética no
Desenvolvimento............................................................................ 24
 4.6.2. “Genomic Imprinting” na Gestação.................................................. 28
 4.6.3. Regulação da Expressão dos Genes “Imprinted” Igf2-H19 e Igf2r.. 29
 4.7. Reprogramação do Núcleo...................................................................... 30
 4.8. Falhas no Processo de Clonagem.......................................................... 33
 4.9. Problemas da Clonagem durante a Gestação........................................ 36
iv
V. MATERIAL E MÉTODOS.............................................................................. 41
 5.1. Produção de Gestações a Termo de Clones Bovinos Reconstituídos
por Transferência Nuclear...................................................................... 41
 5.2. Obtenção das Amostras de Placenta...................................................... 42
 5.3. Extração de RNA e Transcrição Reversa (RT-PCR)............................... 42
 5.4. Avaliação dos Genes “Imprinted” pela PCR em Tempo Real................. 42
 5.5. Análise Estatística................................................................................... 49
VI. RESULTADOS............................................................................................. 51
VII. DISCUSSÃO............................................................................................... 58
VIII. CONCLUSÕES.......................................................................................... 66
IX. REFERÊNCIAS............................................................................................ 67
v
LISTA DE TABELAS
Tabela 1: Componentes utilizados para a PCR em tempo real para
avaliação da especificidade da amplificação dos “primers” dos genes
GAPDH, Igf2, Igf2r e H19.................................................................................. 44
Tabela 2: Componentes utilizados para a PCR em tempo real para
avaliação da expressão dos genes GAPDH, Igf2, Igf2r e H19.......................... 47
Tabela 3: Eficiência média da reação, desvio padrão, limites inferior e
superior e determinação do “threshold” dos genes GAPDH, Igf2, Igf2r e
H19.................................................................................................................... 48
Tabela 4: Taxas de estabelecimento de gestação (30d), mortalidade
embrionária (30-60d), abortos (60d-nascimento), nascimentos, mortalidade
pós-nascimentos e eficiência da técnica de clonagem por transferência
nuclear para cada uma das linhas celulares utilizadas como fonte doadora
de núcleo (*)...................................................................................................... 51
Tabela 5: Dados dos clones bovinos nascidos vivos: identificação,
sobrevivência neonatal, sexo e peso ao nascimento (kg) (*)............................ 52
Tabela 6: Dados dos neonatos bovinos do grupo controle concebidos por
monta natural: identificação, sexo e peso ao nascimento (kg) (*)..................... 52
vi
LISTA DE FIGURAS
Figura 1: Curva de Dissociação para avaliação da especificidade da
amplificação dos “primers” dos genes GAPDH, Igf2, Igf2r e H19..................... 45
Figura 2: Avaliação de amplificação específica de um único produto da PCR
em tempo real dos genes GAPDH, Igf2, Igf2r e H19 (eletroforese em gel de
agarose a 1,2%)................................................................................................ 46
Figura 3: Curva padrão correspondente aos genes GAPDH,Igf2, Igf2r e
H19 em diferentes diluições.............................................................................. 47
Figura 4: Exemplo da determinação da eficiência das reações de PCR em
tempo real para o gene GAPDH, utilizando o programa LinRegPCR:
determinação dos limites superior e inferior (a), presença mínima de 4
pontos na curva de regressão (b) e alta correlação (r2) das amostras (c)........ 48
Figura 5: Expressão relativa dos genes Igf2, Igf2r e H19 nas placentas de
clones em comparação a placentas de animais de monta natural (controle).
(*, p<0,05).......................................................................................................... 53
Figura 6: Expressão relativa dos genes Igf2, Igf2r e H19 nas placentas de
clones fêmeas em comparação a placentas de animais de monta natural
(controle). (*, p<0,05)......................................................................................... 56
Figura 7: Expressão relativa dos genes Igf2, Igf2r e H19 nas placentas de
clones machos em comparação a placentas de animais de monta natural
(controle)........................................................................................................... 56
Figura 8: Expressão relativa dos genes Igf2, Igf2r e H19 nas placentas de
clones fêmeas em comparação a placentas de clones machos (controle).
(*, p<0,05).......................................................................................................... 56
Figura 9: Expressão relativa dos genes Igf2, Igf2r e H19 nas placentas de
clones vivos em comparação a placentas de animais de monta natural
(controle)........................................................................................................... 57
Figura 10: Expressão relativa dos genes Igf2, Igf2r e H19 nas placentas de
clones mortos em comparação a placentas de animais de monta natural
(controle)........................................................................................................... 57
Figura 11: Expressão relativa dos genes Igf2, Igf2r e H19 nas placentas de
clones vivos em comparação a placentas de clones mortos (controle)............ 57
vii
Figura 12: Expressão relativa dos genes Igf2, Igf2r e H19 nas placentas de
clones nascidos com peso < 40kg em comparação a placentas de animais
de monta natural (controle)............................................................................... 58
Figura 13: Expressão relativa dos genes Igf2, Igf2r e H19 nas placentas de
clones nascidos com peso > 40kg em comparação a placentas de animais
de monta natural (controle).(*, p<0,05).............................................................. 58
Figura 14: Expressão relativa dos genes Igf2, Igf2r e H19 nas placentas de
clones nascidos com peso > 40kg em comparação a placentas clones
nascidos com peso < 40kg (controle)............................................................... 58
viii
LISTA DE ABREVIATURAS
6-DMAP 6-Dimetilaminopurina
bp pares de base
BSA Albumina Sérica Bovina
cDNA DNA complementar
Ca+2 Cálcio
CIV Cultivo in Vitro
COC Complexo cumulus-oócito
CSF Fator Citostático
DNA Ácido Desoxirribonucléico
DEPC Dietilpolicarboneto
DMEM “Dulbecco’s Modified Eagle Medium”
DMRs “Differential Methylated Regions”
Dnmt DNA metiltransferases
ES Cells “Embryonic Stem Cells” (Células Tronco Embrionárias)
F Fêmea
FIV Fertilização in Vitro
FSH Hormônio Folículo Estimulante
GAPDH “Glyceraldehyde-2-phosphate dehydrogenase”
 (Glutaraldeído-2-fosfato desidrogenase)
hCG Gonadotrofina Coriônica Humana
HSOF meio SOF com tampão Hepes
IC Centro “Imprint” Intergênico
ICSI Injeção Intracitoplasmática de Espermatozóide
ID Identificação
Igf2 “Insulin-like growth factor II”
(Fator de Crescimento Semelhante à Insulina Tipo 2)
Igf2r “Insulin-like growth factor II receptor” ou “cation-
independent mannose 6-phosphate receptor”
ix
(Receptor do Fator de Crescimento Semelhante à
Insulina Tipo 2 ou Receptor Cátion-Independente
Manose-6-Fosfato)
InsP3 Inositol 1,4,5-Trifosfato
kg quilos
LH Hormônio Luteinizante
LinRegPCR Analysis of Real Time PCR Data
LOS ”Large Offspring Syndrome” (Síndrome da Cria Gigante)
M Macho
M.E. Mortalidade Embrionária
MII Metáfase II
MCI Massa Celular Interna
MIV Maturação in Vitro
morta/e Mortalidade
MPF Fator Promotor de Maturação
N2L Nitrogênio Líquido
nc/o Nascimento
PBS Solução salina com tampão fosfato
PCR Reação em Cadeira da Polimerase
PIV Produção in Vitro
RNA Ácido Ribonucléico
RT-PCR Transcrição Reversa por PCR
mRNA RNA mensageiro
SFB Soro Fetal Bovino
SOF “Synthetic Oviduct Fluid”
TCM-199 “Tissue Culture Medium 199”
TN Transferência Nuclear
UV Ultra-violeta
Xist “X-Inactivate Specific Transcript”
x
ESTUDO DO “GENOMIC IMPRINTING” NA PLACENTA DE CLONES BOVINOS
RESUMO – Embora a transferência nuclear com células somáticas tenha sido
usada com êxito para produção de animais viáveis, a eficiência desta técnica
ainda é baixa. Diversos problemas no desenvolvimento têm sido observados nos
clones, com alta mortalidade embrionária, fetal e mesmo pós-natal. A principal
causa das mortes tem sido atribuída a distúrbios placentários e fetais. Uma vez
que os genes “imprinted” são importantes para o desenvolvimento da placenta e
do feto, o objetivo deste estudo foi avaliar os padrões de expressão dos genes
Igf2, H19 e Igf2r na placenta de clones bovinos recém-nascidos, em comparação
com animais controles produzidos por monta natural. Fragmentos da placenta
foram coletados de 15 clones (6 machos e 9 fêmeas) e de 3 animais controles.
Após a extração de RNA e RT-PCR, a amplificação dos transcritos dos genes Igf2,
Igf2r, H19 e GAPDH (controle endógeno) foi realizado em PCR em tempo real. A
placenta dos clones apresentou diminuição da expressão relativa dos genes H19
(41,5%) e Igf2 (42,9%) em comparação ao grupo controle. A placenta de clones
fêmeas apresentou diminuição de 72,6% dos transcritos de H19 quando
comparados a clones machos. Não houve diferença significativa entre clones vivos
e mortos. Na placenta de clones pesando mais que 40kg, uma diminuição da
expressão relativa do H19 (40,1%) e Igf2 (36,3%) foi observada, em comparação
ao grupo controle. Nossos resultados indicam que, mesmo em clones recém-
nascidos, uma reprogramação nuclear incompleta é observada na placenta dos
clones. Alterações no padrão de expressão dos genes “imprinted” H19 e Igf2
podem provocar distúrbios na placenta e no desenvolvimento do feto, o que pode
contribuir para a mortalidade pós-natal. Uma diminuição da regulação do gene
H19 na placenta de clones fêmeas, sugere que o processo de reprogramação em
alguns genes pode ser influenciado pelo sexo.
palavras-chave: clonagem, bovino, genes “imprinted”, transferência nuclear
xi
STUDY OF “GENOMIC IMPRINTING” IN THE PLACENTA OF BOVINE CLONES
ABSTRACT - Although somatic cell nuclear transfer has been successfully used to
produce viable offspring, the efficiency of this technique remains low. Several
developmental problems have been observed in clones, with high embryonic, fetal
and even postnatal mortality. The main cause of deaths has been attributed to
placental and fetal disturbs. As imprinted genes are important in the placenta and
fetal development, the aim of this study was to evaluate the expression patterns of
Igf2, H19 and Igf2r genes in the placenta of newborn bovine clones, in comparison
with control animals produced by natural mating. Fragments from the placenta
were collected from 15 cloned animals (6 males and 9 females) and from 3 control
animals. After RNA extraction and RT-PCR, the amplification of the transcripts of
Igf2, Igf2r, H19 and GAPDH genes (endogen control) were performed by real-time
PCR. Placenta of cloned animals presented a decrease in relative expression of
H19 (41.5%) and Igf2 (42.9%) genes in comparison with the control group.
Placenta of female clones presented a decrease of 72.6% in the frequency of H19
transcripts when compared with males. Nosignificant differences were observed
between live and dead newborn clones. In the placenta of cloned animals weighing
over 40kg, a decrease in relative expression of H19 (40.1%) and Igf2 (36.3%) was
observed, in comparison with the control groups. Our results indicate that even in
newborn cloned animals, an incomplete nuclear reprogramming is observed in the
placenta of the clones. Alterations in the expression patterns of imprinted genes
H19 and Igf2 may cause disturbs in the placenta and in fetal development, which
may contribute to the postnatal mortality. Downregulation of H19 gene in the
placenta of female clones, in comparison to males, suggests that the process of
reprogramming in some genes could be influenced by the sex.
keywords: cloning, bovine, imprinted genes, nuclear transfer
1
I. INTRODUÇÃO
Nos mamíferos domésticos, o aumento dos índices produtivos bem como a
maior disseminação de material genético superior nos rebanhos tem sido alvo de
intensos estudos e investimentos, o que tem permitido um grande avanço e
desenvolvimento de diversas biotecnologias ligadas à reprodução animal. Desde o
relato do nascimento da ovelha Dolly (WILMUT et al., 1997), a clonagem passou a
ser uma das biotécnicas mais discutidas e estudadas, com um crescente interesse
tanto da comunidade científica como da indústria, uma vez que fora demonstrado
ser possível a produção de cópias genômicas a partir de células obtidas de um
animal adulto. Este grande interesse no desenvolvimento desta biotecnologia,
denominada de transferência nuclear, pode ser explicado devido às suas
potenciais aplicações, como a produção e multiplicação de animais geneticamente
idênticos e superiores, a preservação de espécies ameaçadas de extinção e a
produção de órgãos e tecidos para xenotransplantes (clonagem terapêutica). Além
disso, uma vez que as células doadoras podem ser mantidas em cultivo celular, a
clonagem possibilitou um grande avanço na produção de animais transgênicos, já
que as células podem ser modificadas geneticamente ainda durante o processo de
cultivo celular, antes da utilização destas células para reconstituição.
Embora a clonagem seja uma realidade, com vários animais clonados a
partir desta técnica em diferentes espécies, verifica-se ainda uma baixa eficiência
quanto à capacidade de desenvolvimento in vitro dos embriões reconstituídos e
obtenção de gestações de clones a termo, com altos índices de mortalidade
embrionária, fetal, peri e pós-natal. Dentre os diversos fatores que podem estar
contribuindo para estes baixos resultados envolvendo a clonagem, tem-se
atentado para questões ligadas à reprogramação do núcleo, especialmente ao
“genomic imprinting”. Os genes “imprinted” são caracterizados por apresentarem
expressão de apenas um dos alelos parentais em estádios específicos do
desenvolvimento. Uma vez que os genes “imprinted” são importantes no
2
desenvolvimento fetal e placentário, como o Igf2, Igf2r e H19, aliado ao fato de
que vários distúrbios placentários têm reflexo direto na taxa de sobrevivência fetal
e neonatal, torna-se importante investigar qual o comportamento destes genes
não apenas nos clones bovinos, mas também em sua placenta. Embora os
distúrbios placentários e fetais tenham sido bem caracterizados em bovinos, ainda
há uma carência de informações sobre a regulação e os padrões de expressão
destes genes “imprinted” nesta espécie.
3
II. OBJETIVOS
2.1. Objetivos Gerais
Avaliar o padrão transcripcional de genes “imprinted” na placenta de
neonatos bovinos clonados com células somáticas em comparação a placenta de
neonatos produzidos por monta natural (grupo controle).
2.2. Objetivos Específicos
Estimar a freqüência dos transcritos dos genes “imprinted” Igf2 (“imprint” do
alelo materno e expresso pelo alelo paterno), H19 e Igf2r (“imprint” do alelo
paterno e expresso pelo alelo materno) em placentônios de animais clonados e
animais controle (monta natural), que se desenvolveram a termo.
Verificar a existência de correlação entre os genes “imprinted” Igf2r, Igf2 e
H19 na placenta de clones.
Avaliar a existência de relação entre modificações dos padrões de
expressão dos genes “imprinted” Igf2r, Igf2 e H19 em placentônios de clones
bovinos e a mortalidade neonatal.
Verificar se a diferença de sexo entre os clones pode influenciar a
freqüência dos transcritos do Igf2r, Igf2 e H19 nas placentas destes animais.
Estudar se clones classificados em diferentes faixas de peso ao nascimento
podem apresentar modificação da expressão dos genes “imprinted” Igf2r, Igf2 e
H19 em suas respectivas placentas.
4
III. HIPÓTESES
1) Mesmo em clones bovinos produzidos a termo com sucesso, ocorrem
modificações na transcrição placentária dos genes “imprinted” Igf2r, Igf2 e H19;
2) Assim como descrito em clones murinos, existe uma correlação entre os
genes “imprinted” Igf2 e H19 na placenta de neonatos clones bovinos;
3) Alterações placentárias dos genes “imprinted” Igf2r, Igf2 e H19 estão
relacionadas à mortalidade neonatal;
4) O sexo do clone influencia o padrão de expressão dos genes “imprinted”
Igf2r, Igf2 e H19 na placenta;
5) Animais clonados classificados em diferentes faixas de peso apresentam
modificação placentária do padrão de expressão dos genes “imprinted” Igf2r, Igf2
e H19.
5
IV. REVISÃO DE LITERATURA
4.1. Produção de Indivíduos Geneticamente Idênticos
A palavra clone é originária do grego “klôn” e tem por significado “broto”,
sendo sinônimo de “indivíduo ou população de indivíduos proveniente da
reprodução vegetativa ou assexuada de um único indivíduo”. Inicialmente definida
para representar as técnicas assexuadas de enxertia e brotamento para a
multiplicação de plantas, a clonagem passa a ter um outro significado com o
aprimoramento das técnicas de manipulação de embriões.
No início da década de 80, com o objetivo de aumentar a eficiência nos
programas de transferência de embriões e propiciar a rápida multiplicação de
indivíduos valiosos, gêmeos monozigóticos foram produzidos através da bipartição
de embriões (WILLADSEN, 1979). Estes indivíduos geneticamente idênticos
foram, em essência, os primeiros clones produzidos utilizando-se técnicas
artificiais de reprodução em laboratório. Entretanto, após inicial entusiasmo
(WILLADSEN, 1980), dificuldades técnicas e comprometimento das taxas de
prenhez limitaram sua aceitação nos meios acadêmicos, embora tenha sido ainda
posteriormente aplicada em outras espécies (OZIL et al., 1982; LEIBO & RALL,
1987; LEWIS, 1994). Mesmo com aprimoramento da técnica e melhora dos
índices de gestação, a simples limitação matemática de criar, no máximo, quatro
indivíduos geneticamente idênticos, fizeram com que os cientistas concentrassem
seus estudos em uma outra técnica, denominada de “transferência nuclear”.
4.2. Histórico da Clonagem
Baseado no conceito de “equivalência nuclear”, proposto por SPEEMANN
(1938) num modelo auto-denominado de “fantástico”, devido às dificuldades
técnicas, foi possível obter clivagens de um citoplasma enucleado de um zigoto de
6
anfíbio contendo o núcleo de um embrião de 8 a 16 células. Amarrando um fio de
cabelo de uma boneca ao redor de um zigoto, houve a constrição do citoplasma
em duas metades: uma contendo núcleo e outro “enucleado”. A porção do
citoplasma contendo o núcleo se dividiu até 8-16 células, quando se desfez a
constrição e o núcleo deste blastômero passou então para a porção do citoplasma
“enucleado”, tendo ocorrido, posteriormente, a clivagem. O questionamento de
que “se o núcleo de células diferenciadas poderia retornar ao estádio funcional de
zigoto após transferência manual para um óvulo fecundado enucleado”, no
entanto, parecia algo impossível.
BRIGGS & KING (1952), em seu clássico trabalho de investigação da
totipotência nuclear, foram os pioneiros na microcirurgia e transferência de núcleo
em eucariotos. Através da enucleação de um zigoto de anfíbio seguido da injeção
do núcleo de uma célula embrionáriano estádio de blástula diretamente no
citoplasma do óvulo fecundado, foi possível a retomada do desenvolvimento até o
estádio larval de girino. A totipotência destas células embrionárias foi comprovada
posteriormente com a repetição da experimentação e obtenção de anfíbios adultos
(Xenopus laevis, GURDON, 1961; Rana pipiens, McKINNELL, 1962). Embora
fêmeas adultas férteis tenham sido produzidas a partir da reconstituição com
células da endoderme do intestino de girinos (GURDON & UEHLINGER, 1966),
ainda não foi comprovada a viabilidade da técnica com células diferenciadas de
anfíbios adultos (DIBERARDINO, 1987; GURDON, 1999).
O nascimento dos primeiros mamíferos clonados com êxito utilizando-se
células embrionárias como fonte doadora de núcleo foi descrita por ILLMENSEE &
HOPPE (1981), com o nascimento de três clones de camundongos reconstituídos
a partir de direta introdução do núcleo de células da massa celular interna no
citoplasma de zigotos, que tiveram posteriormente removidos ambos os pró-
núcleos. Entretanto, como nenhum outro grupo de cientistas conseguiu repetir tal
experimento, o mesmo passou a ser questionado e dado como fraudulento,
levando a comunidade científica a declarar que a clonagem por microcirurgia seria
7
biologicamente impossível (MARX, 1983; McGRATH & SOLTER, 1984b;
McLAREN, 1984).
Foi somente após o aperfeiçoamento da técnica, passando-se a adotar um
método não invasivo de introdução do núcleo doador (fusão celular), denominado
de transferência nuclear (McGRATH & SOLTER, 1983), e, principalmente, em
decorrência da substituição de zigotos por oócitos em estádio de metáfase II como
fonte doadora de citoplasma, que os primeiros mamíferos clonados foram
produzidos (WILLADSEN, 1986) em ovinos. Seguido deste primeiro sucesso, o
uso de células embrionárias no processo de reconstituição também mostrou ser
viável na clonagem em outras espécies, como em bovinos (PRATHER et al.,
1987), coelhos (STICE & ROBL; 1988), suínos (PRATHER et al., 1989b), e
posteriormente em camundongos (KONO et al., 1991; CHEONG et al., 1993),
macacos (MENG et al., 1997) e caprinos (YONG & YUQIANG, 1998).
Avanços das técnicas de cultivo permitiram o estabelecimento de linhas
celulares, que mais tarde, mostrar-se-iam importantes na manutenção de células
doadoras de núcleo, podendo ser estocadas e guardadas mesmo após a morte do
animal. A partir de células da massa celular interna mantidas em cultivo in vitro por
quatro semanas, foi possível a obtenção de clones viáveis por transferência
nuclear (SIMS & FIRST, 1994). Posteriormente, com o estabelecimento de linhas
celulares a partir do disco embrionário de embriões de 9 dias e induzidas à
quiescência por privação de soro do meio de cultura por um período de 3 a 4 dias
antes da reconstituição, gestações a termo foram produzidas (CAMPBELL et al.,
1996a). Com base nestes resultados e observações, WILMUT e colaboradores
(1997) provocaram uma das maiores revoluções da ciência contemporânea
recente: utilizando linhas celulares estabelecidas de células da glândula mamária
de uma ovelha de 6 anos de idade, sincronizadas em fase G0-G1 do ciclo celular
pela privação de soro, foi possível, muito mais do que responder ao
questionamento de SPPEMANN (1938), demonstrar a viabilidade da clonagem de
indivíduos adultos para todo o mundo.
8
Desde então, a clonagem utilizando-se células somáticas adultas
diferenciadas já foi relatada com êxito em diversas outras espécies, como em
bovinos (KATO et al., 1998), camundongos (WAKAYAMA et al., 1998), caprinos
(BAGUISI et al, 1999; ZOU et al., 2001), suínos (BETTHAUSER et al., 2000;
ONISHI et al., 2000; POLEJAEVA et al., 2000), gatos (SHIN et al., 2002; YIN et al.,
2005), cães (LEE et al., 2005), coelhos (CHESNE et al., 2002), ratos (ZHOU et al.,
2003), mulas (WOODS et al., 2003) e eqüinos (GALLI et al., 2003).
4.3. A Técnica de Transferência Nuclear
A técnica de reconstituição por transferência nuclear envolve, basicamente,
as seguintes etapas: obtenção das células doadoras de núcleo, obtenção oócitos
doadores de citoplasto, sincronização do ciclo celular, maturação in vitro, remoção
da cromatina do oócito (enucleação oocitária), introdução do núcleo doador no
citoplasto, ativação do oócito reconstituído, cultivo in vitro e inovulação dos
embriões. Como se trata de uma técnica relativamente complexa, com grande
número de variações entre cada uma das etapas envolvidas decorrentes de
diferentes metodologias empregadas pelos diversos grupos de pesquisa que tem
trabalhado com a clonagem, aliado ao fato de que existem diferenças espécies-
específicas, há uma ampla variação dos resultados no que diz respeito ao
desenvolvimento até o estádio de blastocisto (ROBL, 1999; WELLS, 1999;
WESTHUSIN et al., 2001). As variações existentes entre os métodos, células e
espécies empregados na clonagem dificultam a comparação entre os diferentes
resultados, o que, em muitas vezes, torna mais difícil o refinamento da técnica.
Deste modo, tem-se como importante avaliar e diferenciar os efeitos da técnica
com os eventos biológicos que ocorrem durante o desenvolvimento dos embriões
reconstituídos, para que seja possível uma correta interpretação dos resultados.
9
4.3.1. Obtenção e Maturação dos Oócitos Doadores de Citoplasma
De modo geral, têm-se utilizado no processo de reconstituição, oócitos
maturados in vitro em estádio de metáfase II. Nas espécies domésticas,
principalmente em bovinos, devido à disponibilidade de ovários de abatedouro,
usados nos procedimentos de fertilização in vitro, o emprego deste tipo de fonte
doadora de citoplasma tem sido rotina na grande maioria dos centros de pesquisa.
Em animais de laboratório, oócitos maturados in vivo de boa qualidade podem ser
obtidos de animais superovulados, mas no caso de grandes animais, como ovinos
e suínos, torna-se um procedimento muito caro, e em bovinos e eqüinos, embora
seja tecnicamente possível, é economicamente inviável. Acredita-se que oócitos
maturados in vivo sejam a melhor fonte doadora de citoplasma sob o ponto de
vista da qualidade, a partir de comparações de oócitos maturados in vitro ou in
vivo que se desenvolveram ao estádio de blastocisto após a fertilização
(DIELEMAN et al., 2002). Em contrapartida, o uso de oócitos maturados in vitro
oferece algumas vantagens técnicas, além de econômicas, incluindo a
possibilidade de escolher o tempo de maturação (MIYOSHI et al., 2002) e o uso
de oócitos em diferentes estágios do ciclo meiótico (MIYOSHI et al., 2001).
A heterogeneidade dos oócitos maturados in vitro é um ponto negativo do
uso de ovários de matadouro, pois variáveis como origem dos ovários (animal,
raça, condição nutricional) e estágio do ciclo estral podem ter influência sobre a
competência oocitária (HAGEMANN, 1999) e, deste modo, interferir no processo
de reprogramação nuclear. Problemas de implantação de blastocistos, bem como
desenvolvimento fetal anormal, podem ser reflexo de uma inapropriada maturação
oocitária (MOOR et al., 1998). A ocorrência de interações entre o oócito recipiente
e o núcleo doador a ser reprogramado são importantes para o início do
desenvolvimento embrionário de clones (FULKA Jr et al., 2001).
Além disso, deve-se atentar para as condições de homoplasmia ou
heteroplasmia que podem se estabelecer no novo indivíduo produzido pela
clonagem, uma vez que, no oócito receptor, existem mitocôndrias (mtDNA) que
podem diferir do haplótipo daqueles encontrados na célula doadora de núcleo
10
(EVANS et al., 1999; MEIRELLES et al., 1999, 2001; SMITH et al., 2000b;
TAKEDA et al., 1999; HIENDLEDER et al., 1999; FERREIRA, 2002) e, como
conseqüência, problemas de interação núcleo-citoplasmática podem implicar em
falhas no desenvolvimento embrionário e fetal (HIENDLEDER et al., 2005; LU et
al., 2005).
Considerando-se que no oócito existam estoques maternos de RNAm e
proteínas, bem como o ambiente citoplasmático é responsável pelo processo de
reprogramação nuclear,a identificação e seleção do mais apropriado oócito
doador de citoplasma certamente irá melhorar a eficiência da clonagem.
4.3.2. Células Doadoras de Núcleo
Atualmente, na clonagem somática, tem-se utilizado como fonte doadora de
núcleo, células obtidas de vários tecidos (OBACK & WELLS, 2002) e de animais
de várias idades (fetos, recém-nascidos, jovens, idosos e até mesmo de animais
mortos após um período relativamente curto). Uma ampla variedade de tipos de
células já foi empregada na clonagem, como por exemplo: células da glândula
mamária (WILMUT et al, 1997), leucócitos (GALLI et al., 1999), linfócitos B e T
(HOCHEDLINGER & JAENISCH, 2002), condrócitos (BEYHAN et al., 2000),
células do cumulus (WAKAYAMA et al., 1998; TAMASHIRO et al., 2000), da
granulosa (WELLS et al., 1999; POLEJAEVA et al., 2000), do oviduto (KATO et al.,
1998), de Sértoli (OGURA et al., 2000a), do fígado e uterinas (KATO et al., 2000),
dentre outras (BREM & KUHHOLZER, 2002; OBACK & WELLS, 2002). Entretanto,
tem-se verificado diferenças quanto às taxas de desenvolvimento dos embriões
reconstituídos de acordo com a célula doadora de núcleo utilizada (KATO et al.,
2000), indicando que algumas células são mais facilmente reprogramadas do que
outras. As células podem ser usadas diretamente após a coleta do animal doador
(GALLI et al., 1999) ou seguido de um período de cultivo celular (WILMUT et al.,
1997; KUBOTA et al., 2000), bem como frescas ou após criopreservação. Na
prática, diferenças entre os tipos células não seria maior do que a diferença entre
população de células originárias de um mesmo tecido (KUHHOLZER et al., 2001),
11
indicando que o status da cromatina é mais importante do que a origem do tecido
(GALLI et al., 2002). Sabe-se que o genoma da célula pode passar por
modificações que podem interferir no êxito da técnica antes de sua utilização na
reconstituição, tais como: recombinação genética (que ocorre em linfócitos B e T,
o que pode explicar sua baixa eficiência como fonte doadora de núcleo;
HOCHEDLINGER & JAENISCH, 2002), espontâneas mutações, alteração de
ploidia (KING et al., 2006), danos genéticos promovidos por stress oxidativo e
envelhecimento da cromatina. Estas modificações podem ser influenciadas pelas
condições de cultivo celular bem como pelo número de passagens (RENARD et
al., 2002).
Uma vez que a estrutura da cromatina e as modificações epigenéticas são
consideradas os principais fatores determinantes do sucesso da clonagem, parece
que quanto maior o estádio de diferenciação celular de uma célula, mais difícil e
complexo seria o processo de reprogramação do núcleo a um estádio embrionário
de zigoto. Mas as razões para estas diferenças ainda não são conclusivas.
O que se verifica na rotina, no entanto, é o uso de linhas celulares
estabelecidas de fibroblastos coletados da pele, principalmente devido a sua maior
praticidade, possibilidade de clonagem tanto de machos como de fêmeas,
condições de cultivo celular bem conhecidas com produção de linhas primárias
estáveis, homogêneas, de alta capacidade mitótica e resistentes ao processo de
congelação (HEYMAN et al., 2000).
4.3.3. Coordenação do Ciclo Celular da Célula Doadora de Núcleo e do
Citoplasma Recipiente
A sincronização do ciclo celular entre o núcleo da célula doadora com o
citoplasto do oócito receptor é importante para assegurar que seja mantida a
correta ploidia após a reconstrução. Esses conceitos foram fundamentados
inicialmente na clonagem utilizando-se células embrionárias como fonte doadora
de núcleo, baseados no efeito que o Fator Promotor de Maturação (MPF) teria
sobre o núcleo. O MPF é um complexo protéico composto por duas subunidades
12
catalíticas (proteína quinase p34cdc2, regulada por eventos de fosforilação e
desfosforilação de seus sítios catalíticos, e a ciclina B1, subunidade regulatória), e
na sua forma ativa, regula o processo de duplicação e divisão celular, numa
cascata de eventos (quebra do envelope nuclear, condensação dos cromossomos,
reorganização do citoesqueleto e alterações na morfologia da célula) que permite
que a célula entre em mitose ou meiose (NURSE, 1990; MASUI, 1992).
Na clonagem embrionária, onde há uma contínua duplicação do DNA dos
blastômeros para as sucessivas clivagens, o fato de que a maioria das células
encontra-se em fase S do ciclo celular (80%) exige um citoplasto pré-ativado
(oócitos enucleados em telófase II e, portanto, com baixos níveis do MPF) para
que a ploidia do embrião reconstituído seja mantida (CAMPBELL et al., 1996b), já
que em oócitos em metáfase II (alta atividade do MPF), a manutenção de um
núcleo diplóide só é possível com o uso de blastômeros em fase G1 do ciclo
celular. A sincronização do ciclo celular do núcleo doador pode ser realizada nas
fases G1, S ou G2 utilizando-se, respectivamente, as drogas afidicolina (inibidor
específico da DNA polimerase α que impede a replicação do DNA e início da fase
S; SAMAKÉ & SMITH, 1997b), nocodazole (inibidor da polimerização dos
filamentos de tubulina e interrompe o ciclo celular em metáfase; KATO &
TSUNODA, 1992; SAMAKÉ & SMITH, 1996) e 6-Dimetilaminopurina (6-DMAP;
inibidor de fosforilação que inibe a formação do complexo ativo do MPF; SAMAKÉ
& SMITH, 1997a).
Na clonagem envolvendo a transferência nuclear de células somáticas,
baseado nos experimentos que deram origem a ovelha Dolly (CAMPBELL et al.,
1996a; WILMUT et al., 1997), passou-se a adotar tal protocolo como rotina: uso de
citoplastos com alta atividade do MPF (enucleados em metáfase II) e células
doadoras de núcleo sincronizadas em presuntivo estádio G0 do ciclo celular,
mantidas em quiescência no cultivo celular por privação de soro (BAGUISI et al.,
1999; WELLS et al., 1998, 1999; TANI et al., 2001; DANIELS et al., 2000, 2001).
Acreditava-se que, com a quebra da vesícula germinativa e prematura exposição
da cromatina do núcleo doador ao citoplasma, a reprogramação do núcleo
13
ocorreria mais cedo e que a sincronização em fase G0 facilitaria a reprogramação
em decorrência de alterações na estrutura nuclear e redução da atividade
transcripcional.
Embora existam evidências de que a utilização de citoplastos não ativados
(oócitos enucleados em metáfase II) e células doadoras sincronizadas antes da
fase S proporcionam melhores taxas de desenvolvimento, corroborando com a
proposição de que quanto maior o tempo de exposição do núcleo doador ao
ambiente citoplasmático, melhor seria a reprogramação nuclear (TANI et al.,
2001), não se pode descartar a possibilidade do uso de citoplastos com baixos
níveis do MPF na clonagem, uma vez que já foi demonstrado sua viabilidade, com
a produção de clones a termo, utilizando-se oócitos envelhecidos (VIGNON et al.,
1998) ou pré-ativados (BAGUISI et al., 1999).
A sincronização do ciclo celular em fase G0, embora seja eficiente para
manutenção da ploidia, com desenvolvimento de embriões ao estádio de
blastocisto e obtenção de gestações a termo, parece não ser essencial para o
desenvolvimento (WILMUT et al., 1997), uma vez que, estudos posteriores
utilizando-se células em fase G1, pela manutenção das linhas celulares até
apresentarem-se sub-confluentes, tiveram êxito na produção de clones a termo
(CIBELLI et al., 1998; KASINATHAN et al., 2001). Células sincronizadas em outras
fases que não em G0-G1 também podem ser usadas na clonagem, como em fase
M, com tratamento por nocodazole (WAKAYAMA et al., 1999; ONO et al., 2001;
TANI et al., 2001) ou G2/M, com tratamento com colchicina (LAI et al., 2002).
4.3.4. Enucleação Oocitária
Para que o núcleo doador possa iniciar seu desenvolvimento no citoplasto,
é necessário a prévia remoção do DNA dos oócitos. Este processo, denominado
de “enucleação oocitária”, tem-se mantido ao longo dos anos, consistindo
basicamente de uma microcirurgia com auxílio de micropipetas acopladas a
microinjetores e micromanipuladores em meio contendo inibidores do
citoesqueleto (citocalasina B ou D), pré-incubação com umcorante de DNA
14
(Hoechst 33342), com a aspiração, para o interior de uma micropipeta, do primeiro
corpúsculo polar e parte adjacente do citoplasma do oócito em metáfase II. A
confirmação da enucleação se faz através da exposição do material aspirado à luz
ultra-violeta (UV), permitindo a visualização da cromatina. Ao contrário da
enucleação de oócitos de camundongos, espécie onde não é necessário o uso de
corantes de DNA (WAKAYAMA et al., 1998), tal procedimento é adotado
especialmente em bovinos e suínos, em decorrência da presença de maior
quantidade de lipídeos no oócito, que dificultam a visualização da placa
metafásica. A irradiação de UV diretamente do oócito pode ser efetiva na
destruição dos cromossomos em metáfase, não havendo a necessidade de
removê-la, como descrito em anfíbios. No entanto, em mamíferos, procedimentos
semelhantes podem provocar danos às organelas citoplasmáticas e à membrana
plasmática, prejudicando a competência oocitária (SMITH, 1993; BRADSHAW et
al., 1995; LEAL et al., 1999).
A bissecção dos oócitos (WILLADSEN, 1986) não se mostrou eficaz, pois
há grande comprometimento do volume de citoplasma, com reflexos na
capacidade de desenvolvimento (ZAKHARTCHENKO et al., 1997) e qualidade dos
embriões reconstituídos (WESTHUSIN et al., 1996). Recentemente, utilizando-se
a bissecção de oócitos, uma nova técnica de enucleação foi proposta sem o
auxílio de micromanipuladores, denominada de “Handmade Cloning” (BOOTH et
al., 2001; VAJTA et al., 2001, 2003): fusão de duas metades de oócitos bipartidos
sem a placa metafásica juntamente com a célula doadora de núcleo, utilizando-se
fitohemaglutinina.
Um método alternativo à enucleação de oócitos em metáfase II e o uso de
corante de DNA, seria utilizar oócitos em telófase II, removendo-se o segundo
corpúsculo polar em processo de extrusão (BORDIGNON & SMITH, 1998). Menor
quantidade de citoplasma seria removida do oócito bem como se evitaria o uso de
corantes de DNA. Inicialmente desenvolvida para solucionar os problemas de
sincronização dos blastômeros na clonagem embrionária, a enucleação em
telófase II já foi utilizada com sucesso na clonagem somática (BAGUISI et al.,
15
1999). No entanto, citoplastos pré-ativados possuem níveis baixos de MPF, o que
poderia prejudicar o processo de reprogramação nuclear (TANI et al., 2001).
Oócitos de mamíferos podem também ser enucleados por ultra-
centrifugação, com remoção da placa metafásica após seu deslocamento para a
periferia do oócito (TATHAM et al., 1995). A enucleação química pode também ser
empregada utilizando-se etoposide, agente inibidor da enzima DNA-
topoisomerase II, que atua impedindo a separação das cromátides, sendo a
cromatina removida juntamente com o segundo corpúsculo polar após ativação
oocitária (FULKA Jr & MOOR, 1993; ELSHEIKH et al., 1997, 1998; KÁRNÍKOVÁ
et al., 1998). Outro agente químico, a demecolcine (despolimerizador de
microtúbulos), já foi usado para induzir a completa enucleação em oócitos pré-
ativados em camundongos (BAGUISI & OVERSTROM, 2000) e parcial
enucleação em coelhos (YIN et al., 2002a), suínos (YIN et al., 2002a) e bovinos
(RUSSELL et al., 2005), induzindo-se a protusão de membrana contendo toda
cromatina condensada, com subseqüente remoção mecânica. Utilizando-se a
demecolcine, clones viáveis já foram produzidos em camundongos, na enucleação
química completa (BAGUISI & OVERSTROM, 2000; GASPARRINI et al., 2003), e
em suínos, na enucleação química parcial (YIN et al., 2002b; KAWAKAMI et al.,
2003).
4.3.5. Introdução do Núcleo Doador
A introdução do núcleo doador no interior do citoplasto pode ser realizada
de duas maneiras: através de fusão celular ou por injeção nuclear
intracitoplasmática (YAMAZAKI, 2001). Na reconstituição por fusão celular, após a
transferência da célula doadora de núcleo para o espaço perivitelíneo do oócito
enucleado, deve ocorrer a fusão entre ambas as membranas citoplasmáticas,
permitindo que o núcleo, juntamente com o citoplasma da célula, seja introduzido
no citoplasma do oócito. Neste sentido, é importante a manutenção da integridade
e viabilidade das membranas, e que estas estejam em íntimo contato. Embora a
fusão celular possa ser realizada por outros métodos (vírus Sendai,
16
polietilenoglicol e lisolecitina; EGLITIS, 1980; SPLINDE, 1981; McGRATH &
SOLTER, 1983, 1984a), a eletrofusão tem sido a técnica mais rotineiramente
usada na clonagem animal, com exceção dos camundongos. Pulsos elétricos de
corrente direta promovem desestabilização temporária das membranas
citoplasmáticas da célula doadora e do citoplasto em sua região de contato,
induzindo a formação de poros nas membranas, que se reorganizam
posteriormente já fundidas (ZIMMERMANN & VIENKEN, 1982; SMITH, 1992).
Uma vez que, na fusão celular, juntamente com o núcleo doador é
introduzido todo o citoplasma da célula, incluindo todas as organelas, proteínas,
RNAs e mitocôndrias, deve-se atentar para os efeitos que esta nova condição de
interação núcleo-citoplasmas possa exercer sobre o potencial de desenvolvimento
do embrião reconstituído (SMITH & ALCIVAR, 1993; MEIRELLES & SMITH, 1998;
NAGAO et al., 1998; YAMAZAKI et al., 1999; FERREIRA, 2002).
Sob este ponto de vista de interação núcleo-citoplasmática, a injeção
nuclear intracitoplasmática seria mais vantajosa, pois é introduzido apenas o
núcleo no interior do citoplasto. Para tanto, o núcleo é isolado com ruptura da
membrana citoplasmática da célula doadora, e introduzido diretamente no interior
do citoplasma do oócito enucleado, em procedimento semelhante à injeção
intracitoplasmática de espermatozóide – ICSI (PALERMO et al., 1995). Os
primeiros camundongos clonados a partir de células somáticas foram produzidos
utilizando-se esta técnica (WAKAYAMA et al. 1998), além dos primeiros clones
machos (WAKAYAMA & YANAGIMACHI, 1999), bem como produzido por células
tronco embrionárias (WAKAYAMA et al., 1999). O uso de um sistema piezoelétrico
facilita o processo de isolamento do núcleo e a injeção intracitoplasmática
(WAKAYAMA et al. 1998; GALLI et al., 1999; ONISHI et al., 2000), embora não
seja essencial (ZHOU et al., 2000; LOI et al., 2001). Em bovinos, a direta
comparação entre as técnicas demonstrou menor taxa de desenvolvimento a
blastocistos com o uso da injeção nuclear intracitoplasmática (YAMAZAKI, 2001;
GALLI et al., 2002), mas com mesmo potencial de desenvolvimento a termo
(GALLI et al., 2002).
17
Recentemente, uma terceira técnica foi relatada não envolvendo
prolongada manipulação dos oócitos (fusão) ou células doadoras (isolamento do
núcleo doador). Nas duas técnicas anteriores, a eficiência da clonagem pode ser
afetada negativamente devido a baixos índices de fusão celular bem como a
danos nucleares provocados no momento do isolamento do núcleo. A direta
injeção citoplasmática de toda célula doadora de núcleo intacta mostrou-se viável
na produção de clones em suínos, demonstrando que, ao contrário do que
acreditava-se anteriormente, o ambiente citoplasmático é capaz de promover a
dissolução da membrana citoplasmática da célula doadora, permitindo que o
núcleo passe para o interior do citoplasto (LEE et al., 2003).
4.3.6. Ativação Oocitária
Na maioria dos mamíferos, oócitos são ovulados e mantidos em metáfase II
até a fertilização. Durante o processo de maturação, ocorre uma específica
reorganização e redistribuição das organelas citoplasmáticas, com uma série de
alterações morfofisiológicas complexas de moléculas sinalizadoras para assegurar
que o desenvolvimento embrionário prossiga após a fecundação (MIYAZAKI et al.,
1993; CARROLL, 2001). Com a fecundação, os oócitos retomam a meiose e
iniciam o desenvolvimento em decorrência de uma cascata de eventos celulares,
num processo denominado de ativação oocitária. Elevações transitórias e
periódicas do Ca+2 livre intracelular, permitem que o oócito saia do bloqueio da
meiose em decorrência da inativação do MPF e do fator citostático (CSF) (LORCAet al., 1991, 1993; COLLAS et al., 1993), com exocitose de grânulos corticais,
descondensação do núcleo espermático, recrutamento de mRNA materno,
formação dos pró-núcleos e início da síntese de DNA.
Na clonagem, os atuais protocolos de ativação oocitária estão geralmente
fundamentados na indução da ativação partenogenética do oócito em metáfase e
nos dados do subseqüente desenvolvimento embrionário (FISSORE et al., 1999).
Diversas combinações de agentes indutores de ativação já foram testadas na
produção de partonotos em bovinos (MÉO, 2002, 2005; MÉO et al., 2004, 2005) e
18
subsequentemente avaliados na clonagem (YAMAZAKI, 2001; YAMAZAKI et al.,
2005). Ativações ineficientes ou não-fisiológicas podem levar a falhas do
desenvolvimento mesmo após a implantação, tornando-se importante avaliar qual
o efeito da adoção destes métodos de ativação partogenética na clonagem, no
que diz respeito à manutenção da competência oocitária na reprogramação
nuclear.
Diversos agentes de ativação têm sido empregados na clonagem, sendo os
principais:
• pulsos elétricos de corrente direta de alta voltagem e curta duração:
promovem aumento do Ca+2 intracelular através da abertura temporária de
poros na membrana plasmática do oócito, permitindo trocas de íons e
macromoléculas, com entrada de Ca+2 extracelular (ZIMMERMANN &
VIENKEN, 1982);
• ionóforos de Ca+2 A23187 ou ionomicina: aumentam o influxo de Ca+2 do
meio extracelular bem como mobiliza Ca+2 dos estoques citoplasmáticos
intracelulares (KLINE & KLINE, 1992; NAKADA & MIZUNO, 1998);
• etanol (7%): promovem uma rápida potencialização da liberação de Ca+2
mediado pela estimulação da formação de inositol 1,4,5-trifosfato (InsP3) na
membrana plasmática (ILYIN & PARKER, 1992). No entanto, a exposição a
soluções diluídas de etanol podem promover danos ao citoesqueleto
(O’NEILL et al., 1989) com aumento da taxa de aneuploidia em partenotos
(KAUFMAN, 1982; O’NEILL & KAUFMAN, 1989);
• injeção intracelular de CaCl2 no citoplasma: induz a exocitose de grânulos
corticais e declínio da atividade da histona quinase H1 (MACHATY et al.,
1996);
• cicloheximide e puromicina: inibidores de síntese protéica que atuariam em
conjunto (ativação combinada) no processo de ativação do oócito
prevenindo a produção da ciclina B1, componente do MPF, fazendo com
que este permaneça inativo (PRESICE & YANG, 1994; NUSSBAUM &
PRATHER, 1995; TANAKA & KANAGAWA, 1997);
19
• 6-Dimetilaminopurina (6-DMAP): inibidor de fosforilação de proteínas, atua
inativando a c-mos e a MAP kinase, reduzindo as atividades do MPF e do
CSF (VERLHAC et al., 1993, 1994). No entanto, pode aumentar a
incidência de poliploidia e mixoploidia por inibir, inespecificamente, a
fosforilação de proteínas kinases necessárias para a formação dos
microtúbulos (De La FUENTE & KING, 1998);
• estrôncio: induz repetitivos aumentos da concentração de Ca+2 livre
intracelular (KLINE & KLINE, 1992) de modo semelhante ao que ocorre na
ativação dos oócitos após a fertilização (BOS-MIKICH et al., 1997).
Rotineiramente usado na clonagem em camundongos (KISHIKAWA et al.,
1999; WAKAYAMA & YANAGIMACHI, 1999, 2000; WAKAYAMA et al.,
1998, 1999, 2000, 2001; OGURA et al., 2000a, 2000b; AMANO et al., 2001;
ONO et al., 2001; ZHOU et al., 2001), mostrou ser viável na clonagem em
bovinos (YAMAZAKI et al., 2005).
4.4. Cultivo in Vitro dos Embriões Reconstituídos
Após a reconstituição embrionária e ativação, tem-se adotado,
basicamente, as mesmas condições de cultivo de embriões produzidos in vitro
(PIV). O método de cultivo in vitro bem como o estádio de desenvolvimento no
qual os embriões reconstituídos são transferidos para receptoras é variável de
acordo com a espécie. Embora comparações entre embriões produzidos in vitro e
in vivo mostrem que existem diferenças significativas na morfologia dos embriões,
com reflexo nas taxas de prenhezes (FARIN et al., 2001), o cultivo in vitro ainda se
faz necessário devido às dificuldades técnicas e econômicas da implantação
prematura no oviduto. Mesmo sendo viável a produção de clones de suínos após
imediata transferência de embriões reconstituídos recém-fundidos para o oviduto
(POLEJAEVA et al. 2000), evitando-se assim, as possíveis influências negativas
que os sistemas de cultivo possam exercer sobre o potencial de desenvolvimento,
20
o alto custo inviabiliza esta tentativa, sendo os embriões geralmente mantidos em
cultivo in vitro até atingirem o estádio de blastocisto.
Apenas uma proporção dos embriões reconstituídos atinge o estádio de
blastocisto, e esta taxa é geralmente inferior em comparação a embriões PIV
(YAMAZAKI, 2001). Em bovinos, as taxas de desenvolvimento dos embriões
reconstituídos ainda durante o período de cultivo in vitro tem-se mostrado bastante
variáveis, desde inferiores a 5% até maiores que 65% de produção de blastocisto
(WESTHUSIN et al., 2001). Esta ampla variação de resultados é reflexo dos
diversos sistemas de cultivo in vitro atualmente existentes, bem como das
múltiplas variações que a técnica de clonagem pode apresentar em suas diversas
etapas para a reconstituição do embrião. Deste modo, é necessário uma análise
mais ampla e geral frente aos resultados da clonagem, para que seja possível
distinguir o que poderia ser um efeito da técnica e o que seria realmente um
evento biológico.
Sabe-se que o metabolismo embrionário de embriões PIV pode ser alterado
de acordo com as condições de cultivo empregadas, como: temperatura, pH,
osmolaridade, atmosfera, co-cultivo, fonte protéica e energética (THOMPSON et
al., 1990; THOMPSON, 1996, 2000; BAVISTER, 2000; KRUIP et al., 2000; FARIN
et al., 2001), refletindo-se em problemas durante a gestação, como hidroalantóide,
mortalidade embrionária precoce, mortalidade neonatal, aumento do peso ao
nascimento bem como má-formações fetais (KRUIP & DEN DAAS, 1997;
HASLER, 2000; JACOBSEN et al., 2000; VAN WAGTENDONK-DE LEEUW et al.,
2000; FARIN et al., 2006). Isto mostra que, embora tenha havido significativo
avanço nas pesquisas em embriões em estádio de pré-implantação bem como
sobre as condições de cultivo utilizadas, problemas ainda ocorrem, principalmente
de ordem gênica, com reflexos principalmente no estabelecimento de gestações e
produção de animais a termo. Considerando-se que a reprogramação nuclear é
um fenômeno complexo que tem seu início neste período do desenvolvimento
embrionário, aliado aos problemas ainda persistentes da PIV, embriões clones
21
reconstituídos devem ser muito mais susceptíveis a alterações gênicas, que
podem ser agravadas frente às condições de cultivo atualmente utilizadas.
4.5. Aplicações da Clonagem por Transferência Nuclear
Do ponto de vista científico, o sucesso da clonagem por transferência
nuclear utilizando-se células somáticas como fonte doadora de núcleo tem
contribuído com a ciência básica, no que diz respeito a melhor compreensão e
elucidação dos mecanismos genéticos e epigenéticos envolvidos na
embriogênese, bem como a complexa interação envolvendo a remodelação da
cromatina, metilação do DNA e expressão gênica durante o desenvolvimento
embrionário e fetal. Além disso, novos desafios no estudo da reprogramação das
células surgiram com o advento da clonagem somática, e estes conhecimentos
gerados com estas investigações podem ter importantes implicações no processo
de diferenciação celular, e transplante de órgãos e tecidos, importante ferramenta
na clonagem terapêutica e os xenotrasplantes (KIND & COLMAN, 1999; LANZA et
al., 1999; CAMPBELL, 2002; NIEMAMAN et al., 2003).
A clonagem pode ser usada comercialmente em rebanhos para produzir
cópias de animais de alto mérito genético, como vacas leiteiras de alta produção
ou touros com boa composição de carcaça (GALLI et al., 1999; PATERSON et al.,
2003; FABER et al., 2004). Além disso, esta biotecnologia tem sido usada na
tentativa de preservação de espécies ameaçadas de extinção (WELLS et al.,
1998; CORLEY-SMITH & BRANDHORST, 1999; WHITE etal., 1999; LOI et al.,
2001). No entanto, a grande aplicação da clonagem está aliada à modificação do
núcleo doador para produção de animais transgênicos (CIBELLI et al., 1998;
CHAN, 1999; PIEDRAHITA, 2000; POLEJAEVA & CAMPBELL, 2000), através da
modificação genética dos núcleos doadores, visando à produção de proteínas
específicas no sangue e no leite (BRINK et al., 2000), maior eficiência na
produção de carne e leite (PIEDRAHITA, 2000), produção de modelos animais
para estudo de doenças (KENT & LEWIS, 1998, PATERSON et al., 2003).
22
4.6. “Genomic Imprinting”
O “genomic imprinting” é caracterizado por uma expressão gênica
diferencial dos alelos parentais, determinada por modificações epigenéticas da
transcrição gênica sem que ocorram alterações na seqüência do DNA. O “genomic
imprinting” diferencia-se da genética clássica Mendeliana uma vez que regiões de
cromossomos homólogos não apresentam equivalência funcional. Embora tanto o
alelo materno como o alelo paterno estejam presentes, um estará funcionalmente
ativo enquanto que o outro silenciado ou inativo.
Diversas teorias foram sugeridas para explicar a ocorrência do “genomic
imprinting”. Uma das hipóteses mais aceitas é a chamada teoria do conflito,
também conhecida como “batalha dos sexos” (MOORE & HAIF, 1991; HURST &
McVEAN, 1997, 1998). Esta teoria baseia-se no interesse tanto do macho como
da fêmea em obter o número máximo de proles viáveis a fim de que fossem
mantidos seus genes na população. Quando a reprodução é poligâmica, o macho
teria o interesse em assegurar o máximo crescimento de sua prole, e assim
recrutaria o máximo de recursos da fêmea quanto possível visando beneficiar a
progênie, para que a mesma fosse maior e mais forte, aumentando as chances de
sobrevivência no ambiente, mesmo que isso ocorresse em detrimento da fêmea
pela utilização de mais nutrientes maternos. Em contrapartida, a fêmea deve
limitar o crescimento embrionário e fetal para que a mesma esteja apta a
reproduzir-se novamente, com outro macho. Isto necessitaria dividir seus recursos
em diferentes gestações. As fêmeas que conseguissem restringir o crescimento
fetal e produzir maior número de proles com a limitação de recursos conseguiriam,
a longo prazo, ter mais êxito em suas vidas reprodutivas. Além da teoria do
conflito, um “modelo de desenvolvimento” sugere que o “genomic imprinting”
ocorreria em resposta à pressão ambiental, induzindo a rápidas mudanças de
expressão ou inativação dos alelos parentais de acordo com a necessidade
(BEAUDET & JIANG, 2002). Existe ainda o conceito de “ovário bomba relógio”, o
qual propõe que o “genomic imprinting” protegeria a fêmea de patologias
23
ovarianas, limitando a partenogênese e prevenindo a formação de tumores
malignos do trofoblasto (VARMUZA & MANN, 1994).
A assimetria funcional dos genomas parentais foi descoberta em
experimentos realizados na década de 80 utilizando a transferência pró-nuclear
em camundongos para a produção de embriões ginogenéticos ou androgenéticos,
possuindo apenas cromossomos maternos ou paternos, respectivamente. Embora
fossem diplóides, falhas e mortalidade no desenvolvimento embrionário e no
estabelecimento de gestações foram verificadas em ambos os casos. No entanto,
diferenças marcantes foram descobertas: os ginogenéticos morreram antes da
metade da gestação, com poucos dias da implantação, com retardo de
crescimento devido a falhas no desenvolvimento dos tecidos extra-embrionários,
enquanto que os androgenéticos apresentaram um potencial de desenvolvimento
muito mais restrito, com melhor formação dos componentes extra-embrionários
(McGRATH & SOLTER, 1984a; SURANI et al., 1984, 1986; SOLTER, 1988). A
partir das evidências verificadas nestes experimentos, com a aparente
contribuição materna para o desenvolvimento fetal e paterna para o
desenvolvimento das estruturas extra-embrionárias, surgiu a proposta de que um
específico “imprinting” do genoma paterno e materno ocorreria durante o
desenvolvimento do oócito e do espermatozóide, sendo necessário a contribuição
de ambos os genomas parentais após a fertilização para um desenvolvimento a
termo normal.
Embora a ocorrência do “genomic imprinting” tenha sido relatada em outros
grupos, como plantas angiospérmicas e alguns marsupiais (TODER et al., 1996;
KILLIAN et al., 2000; O’NEIL et al., 2000; SPIELMAN et al., 2001), com a
descrição de fenômenos regulatórios epigeneticamente semelhantes de expressão
gênica restrita a alguns genes, parece que os mecanismos de controle gênico
usados em organismos inferiores adquiriram funções adicionais em organismos
superiores ao longo da evolução filogenética, incluindo o controle do “genomic
imprinting”. Em mamíferos eutérios, os genes “imprinted” representam menos que
0,1% dos genes em todo genoma, mas possuem funções determinantes de
24
restringir e alterar a expressão de um dos alelos parentais, importantes nos
mecanismos de desenvolvimento embrionário, fetal, placentário e mesmo pós-
natal. Aproximadamente 80 genes “imprinted” já foram identificados em
camundongos e cerca de 50 em humanos, espécies onde o “genomic imprinting”
tem sido mais estudado. No entanto, nas espécies de produção, poucos genes
foram identificados, sendo necessário o aprofundamento dos estudos ligados ao
“imprinting” em animais com placentação distintas.
A regulação epigenética diferenciada da atividade gênica do DNA para os
genes “imprinted” é caracterizada por uma série de modificações complexas, que
incluem a metilação do DNA em regiões do genoma geralmente ricas em
dinucleotídeos CpG (FERGUSON-SMITH & SURANI, 2001; BIRD, 2002) e
modificações das histonas, com acetilação ou metilação (RICHARDS & ELGIN,
2002), associadas com transcritos antisenso e RNA não codificado incluindo
microRNAs (SPAHN & BARLOW, 2003). Estas modificações conferem um estádio
diferenciado nos cromossomos homólogos, afetando a interação entre o genoma e
moléculas regulatórias da atividade gênica, permitindo a ativação ou inativação de
um dos alelos parentais.
4.6.1. “Genomic Imprinting” e a Reprogramação Epigenética no
Desenvolvimento
O DNA genômico passa por significativas mudanças de metilação do DNA
durante a embriogênese, reflexo da necessidade de que alterações de controle da
expressão gênica devam ocorrer no espermatozóide, oócito e embrião para que
seja possível o posterior desenvolvimento embrionário e fetal no que diz respeito
ao estabelecimento de padrões tecido-específicos no processo de diferenciação.
Estas modificações são estádio de desenvolvimento e sexo dependentes, sendo
importantes do estabelecimento e controle dos genes “imprinted”.
A gametogênese e o estádio de zigoto da embriogênese correspondem aos
únicos momentos em que os genomas paternos e maternos apresentam-se
separados. Uma vez que os alelos “imprinted” são diferentemente marcados para
25
permitir sua expressão sexo-específica, deve ser nestes dois períodos que os
eventos de marcação dos “imprints” ocorram. Antes que do estabelecimento
destas marcações sexo-específicas nas linhas germinativas, os “imprints” são
apagados. Uma ampla demetilação de todo genoma ocorre no início do
desenvolvimento das linhas primordiais germinativas. Em camundongos, esta
demetilação completa-se aproximadamente entre os dias 10,5 a 12,5 de
desenvolvimento, momento correspondente à entrada das células primordiais
germinativas na gônada (SZABO & MANN, 1995; KATO et al., 1999; REIK &
WALTER, 2001; HAJKOVA et al., 2002; LEE et al., 2002b, SZABO et al., 2002).
Esta fase de reprogramação coincide com o momento em que as marcações
específicas de origem parentais são apagadas, que incluem a demetilação do
DNA das regiões diferencialmente metiladas (DMRs – “differential methylated
regions”), associadas com expressão gênica de alelos específicos (TUCKER et
al., 1996).
Subseqüente a este evento de demetilação, o momento de aquisição dos
“imprints” genômicos é significativamente diferente entreas duas linhas
germinativas. Nos machos, o período de restabelecimento dos “imprints” ainda
não está muito bem definido, mas evidências indicam que ocorra em gonócitos
diplóides. A metilação do H19 em murinos, por exemplo, inicia-se no estádio pré-
natal de pró-espermatogônia e é completada no estádio pós-natal de paquíteno da
meiose (UEDA et al., 2000). Entretanto, ao contrário do que se acreditava
anteriormente, em que a remetilação ocorreria ao mesmo tempo para ambos os
alelos parentais, estudos realizados com o gene H19 mostraram que o alelo
paterno sofre metilação anteriormente ao alelo materno, sugerindo-se que outros
eventos epigenéticos além da metilação do DNA devam estar presentes (DAVIS et
al., 1999, 2000).
Nas linhas germinativas das fêmeas, diversos estudos mostram que a
aquisição do “imprint” pela metilação do DNA estaria restrita à fase pós-natal de
crescimento do oócito na foliculogênese, não estando relacionada à duplicação do
DNA, uma vez que as mudanças epigenéticas ocorrem no estádio de diplóteno da
26
prófase I da meiose (CHAILLET et al., 1991; UEDA et al., 1992; BRANDEIS et al.,
1993; STOGER et al., 1993; KONO et al., 1996; OBATA et al., 1998, 2002; BAO et
al., 2000; LUCIFERO et al., 2002; OBATA & KONO, 2002). Diversos genes
“imprinted” recebem a marcação “imprint” de metilação do DNA de modo
assincrônico em diferentes estádios do desenvolvimento folicular. Os padrões de
estabelecimento das metilações nos genes “imprinted” dos espermatozóides e
oócitos depende da atividade das DNA metiltransferases (Dnmt). A correta
regulação da atividade das Dnmts, como Dnmt1, Dnmt10, Dnmt3a e Dnmt3b, no
estabelecimento do status alelo específico de expressão em DMRs (LI et al., 1993)
dos alelos parentais torna-se importante para que não haja prejuízo do potencial
de desenvolvimento embrionário e fetal.
Uma vez que o genoma dos espermatozóides e oócitos maturos
apresentam-se altamente metilados, em comparação a metilação de células
somáticas, após a fertilização, o zigoto conterá, portanto, DNA metilado localizado
em genes “imprinted” (tanto paternos como maternos) e a maior parte posicionado
em seqüências não-“imprinted”. No início do desenvolvimento, o embrião perderá
sua metilação em seqüências de DNA não-“imprinted”. Entretanto, os eventos de
demetilação do DNA não ocorrerão de modo equivalente nos genomas parentais,
uma vez que no embrião as duas linhas germinativas (alelos parentais) possuem
diferenças de reprogramação epigenética. Enquanto que o genoma paterno pró-
nuclear é demetilado rapidamente no zigoto após a fertilização num mecanismo
ativo (MAYER et al., 2000; OSWALD et al., 2000; SANTOS et al., 2002), o
genoma materno permanecerá aparentemente protegido deste processo inicial,
sendo gradualmente demetilado durante as primeiras clivagens num processo
passivo de demetilação (MONK et al., 1987; ROUGIER et al., 1998; MAYER et al.,
2000). Embora haja no espermatozóide características que afetam os níveis de
demetilação, os principais fatores que determinam o momento em que o genoma
parental torna-se demetilado são oócito-específicos (BEAUJEAN et al., 2004b).
Neste início de desenvolvimento embrionário, enquanto ocorre uma extensiva
demetilação em seqüências de DNA não-“imprinted”, os genes “imprinted” seriam
27
resistentes a esse processo de demetilação, mantendo o estado inicial dos
“imprints” estabelecidos nos gametas. As células da linhagem germinativa deste
embrião irão perder estas metilações dos genes “imprinted” durante o
desenvolvimento gonadal, enquanto que as células somáticas manterão estes
padrões de metilação durante o desenvolvimento embrionário e fetal, e a maioria
se estenderá durante a vida do novo organismo formado (embora os padrões dos
“imprints” de alguns genes sejam perdidos ou alterados em alguns tecidos, como
por exemplo, no fígado; McLAREN & MONTGOMERY, 1999). As taxas de
metilação de genes não-“imprinted” atingirão seus níveis mínimos entre os
estádios de mórula a blastocisto, quando um novo processo de metilação (“de
novo methylation”) tem início. Este segundo evento de metilação varia de acordo
com a espécie: em camundongos, coincide com a primeira diferenciação celular
no estádio de blastocisto, enquanto que em bovinos esta nova metilação tem início
entre 8 a 16 células, na ativação do genoma embrionário (REIK et al., 2001). O
estabelecimento destas duas linhagens de células no embrião resulta em outra
assimetria: as células da massa celular interna (MCI), que darão origem a todos os
tecidos do novo indivíduo, tornam-se hipermetiladas, enquanto que as células que
compõem o trofectoderma, que formarão as estruturas placentárias, apresentam
menor metilação (DEAN et al., 2001; SANTOS et al., 2002). Esta diferença reflete-
se nos tecidos somáticos (altamente metilados) e tecidos extra-embrionários da
placenta (hipometilados).
A ampla demetilação do genoma parental durante o desenvolvimento
embrionário após a fecundação, verificada em estudos realizados em
camundongos e humanos, não é representativo de todos os mamíferos. Maior
limitação do evento global de demetilação ocorre no genoma de ovinos, bovinos e
coelhos entre o estádio de zigoto e 8-células (BOURC’HIS et al. 2001a;
BEAUJEAN et al. 2004a; SHI et al. 2004). A razão pela qual em algumas espécies
exista uma necessidade de rápida demetilação do pró-núcleo masculino no
estádio de zigoto ainda é uma questão a ser respondida, mas pode estar
relacionada à ativação do genoma embrionário, à composição do genoma,
28
diferentes estratégias reprodutivas ou mesmo ligadas ao “genomic imprinting”
(YOUNG & BEAUJEAN, 2004).
4.6.2. “Genomic Imprinting” na Gestação
A placenta de mamíferos eutérios possui células derivadas de dois
indivíduos: o concepto e a mãe. Durante o desenvolvimento da placenta, células
de origem embrionária e materna formam vários tipos celulares de íntima
associação anatômica, resultando em regiões especializadas conhecidas como
interface materno-fetal. Em decorrência da interação entre células desta interface
ocorrerão as trocas entre o feto e a mãe, necessárias para a viabilidade e
crescimento fetal. Estudos dos genes “imprinted” mostram que os mesmos são
importantes no desenvolvimento fetal, placentário e mesmo comportamental, com
expressão monoalélica sendo identificada durante o desenvolvimento pré-natal
(REIK et al., 2003). Dentre os diversos genes “imprinted” já descritos, o Igf2, o H19
e o Igf2r tem sido os mais estudados em camundongos devido à importância dos
mesmos durante o desenvolvimento da gestação.
O gene “imprinted” Igf2 (fator de crescimento semelhante à insulina tipo 2)
possui “imprint” materno e é expresso pelo alelo paterno (DINDOT et al. 2004). O
Igf2 é um potente mitógeno que desempenha importante função na diferenciação
celular, comportamento pós-natal, desenvolvimento do cérebro (REIK & WALTER,
2001) no crescimento fetal (De CHIARA et al., 1999; EFSTRATIADIS, 1998) e
desenvolvimento da placenta (CONSTANCIA et al., 2002), e está localizado no
cromossomo 29 em bovinos (GOODALL & SCHMUTZ, 2003). O Igf2 é altamente
conservado, e serve como um ligante para o receptor de Ifg1 e o receptor de
insulina tipo A (MURPHY & JIRTLE, 2003), atuando em uma regulação
autócrina/parácrina dose dependente. Estas funções de ligação ocorrem para
iniciar e propagar os sinais que induzem o crescimento e bloquear a apoptose.
Além de ser o principal fator de crescimento fetal, o Igf2 expresso na placenta
regularia a difusão e trocas de nutrientes com o feto, a disponibilidade de
29
glicogênio e o transporte de aminoácidos aniônicos e catiônicos (BAKER et al.,
1993; LOPEZ et al., 1996; MATTHEWS et al., 1999; SIBLEY et al., 2004).
Em contraste ao Igf2, o gene “imprinted” Igf2r (receptor do M6P/Igf2 –
manose-6-fosfato/fator de crescimento semelhante à insulina tipo 2) possui
“imprint” paterno e é expresso pelo alelo materno. A proteína do Igf2r não está
envolvida na tradução desinais, mas atua seqüestrando o excesso de Igf2 (e
outras proteínas), evitando sua ligação ao receptor do tipo 1, principal via de
atividade (KENDREW, 1994). O Igf2r ligaria-se ao Igf2, transportando-o para o
interior de lisossomos para sua degradação (MURPHY & JIRTLE, 2003; JOHN &
SURANI, 2000). Desta maneira, corroborando com a teoria do conflito, o Igf2r,
expresso materno, atua restringindo o crescimento fetal enquanto que o Igf2,
expresso paterno, o promove, e o equilíbrio entre a expressão e disponibilidade de
proteínas para estes dois genes “imprinted” é que regula o desenvolvimento
embrionário e fetal (MOORE, 2001). Além disso, o Igf2r interage com VEGF
promovendo a neovascularização (VOLPERT et al., 1996).
Assim como detectado em outras espécies (camundongos, BARTOLOMEI
& TILGHAMN, 1997; humanos, RACHMILEWITZ et al., 1992), em bovinos, o gene
H19 é caracterizado por apresentar expressão do alelo materno e “imprint” do
alelo paterno (ZHANG et al., 2004). O gene H19 codifica uma molécula de RNA
não traduzida (VERONA et al., 2003; ZHANG et al., 2004). A conservação do gene
H19 dentre diferentes grupos de mamíferos, e seu padrão similar de expressão
durante o desenvolvimento em ovinos e murinos (SASAKI et al., 1995; NAIMEH et
al., 2001; LEE et al., 2002b), sugere que seu RNA seria funcional (HURST &
SMITH, 1999). Estudos indicam que o RNA do H19 poderia atuar na regulação da
tradução de outro RNA, possivelmente o Igf2 (LI et al., 1998; RUNGE et al., 2000).
4.6.3. Regulação da Expressão dos Genes “Imprinted” Igf2-H19 e Igf2r
A regulação do H19 está relacionada com a do Igf2, uma vez que ambos
genes “imprinted” estão localizados no mesmo locus. A atividade recíproca
“imprint” do Igf2 e do H19 é regulada por um centro “imprint” intergênico (IC) ou
30
DMR, localizado numa região de 2 a 4kb upstream do H19. Este centro “imprint”
intergênico é diferencialmente metilado no alelo paterno durante a
espermatogênese (THORSVALDSEN et al., 1998). O fato de que seu alelo
materno não está metilado na sua região regulatória leva os promotores próximos
ao H19 a permanecerem em uma conformação aberta, permitindo que o mesmo
seja ativado por enhancers de cadeia longa localizados downstream (DAVIES et
al., 2002). Esta mesma DMR do alelo materno não metilada contém elementos de
marcação onde se ligam um fator protéico (CTFC), impedindo que os mesmos
enhancers de cadeia longa localizados downstream ativem os promotores do Igf2
localizados upstream. A metilação do DNA no alelo paterno impede a ligação de
CTCF a DMR localizada upstream do H19, permitindo que os enhancers
downstream interajam com os promotores do gene “imprinted” Igf2 paterno (BELL
& FELSENFELD, 2000; HARK et al., 2000).
O gene “imprinted” Igf2r é caracterizado por apresentar uma regulação a
partir de um RNA anti-senso alelo específico (REIK & WALTER, 2001). A
expressão deste gene é regulada por uma DMR intrônica. No alelo paterno não
metilado na DMR intrônica, a transcrição anti-senso se extende até o promotor ao
Igf2, reprimindo sua transcrição (WUTZ et al., 1997). No alelo materno, a
transcrição anti-senso é reprimida pela metilação intrônica da DMR, permitindo,
desta maneira, a transcrição materna a partir do promotor do Igf2r.
4.7. Reprogramação do Núcleo
Embora a produção de clones a partir de células de animal adulto tenha
sido devidamente comprovada em diversas espécies, sua eficiência ainda é
extremamente baixa, tendo já sido relatadas diversas anormalidades e problemas
durante todo o desenvolvimento embrionário, fetal e mesmo pós-natal. Não se
sabe exatamente se esses problemas são decorrentes da reprogramação nuclear
incompleta ou da técnica propriamente dita. A clonagem por transferência nuclear
envolve uma série de procedimentos técnicos complexos, que incluem o cultivo
31
das células doadoras de núcleo, sincronização do ciclo celular, maturação in vitro
dos oócitos doadoras de citoplasma, enucleação oocitária, introdução do núcleo
doador no citoplasto por fusão celular ou injeção nuclear intracitoplasmática,
ativação do oócito reconstituído, cultivo in vitro e transferência dos embriões.
Sendo a reprogramação nuclear um processo complexo e pouco compreendido, a
otimização de toda a técnica torna-se importante, pois qualquer alteração em um
desses procedimentos poderá influenciar negativamente a produção de embriões
e animais clonados (WELLS, 1999; WESTHUSIN et al., 2001; EDWARDS et al.,
2003; THIBAULT et al., 2003; CAMPBELL et al., 2005).
O termo reprogramação nuclear tem sido amplamente utilizado e, em linhas
gerais, indica o término de um “programa de expressão gênico somático” e início
de um “programa de expressão gênico embrionário”. Tudo isto se torna mais
complexo à medida que o ambiente citoplasmático está inicialmente programado
para promover todas as modificações epigenéticas de genomas parentais,
formados durante a gametogênese, necessárias para que o desenvolvimento
embrionário prossiga. A remodelação do núcleo, após sua introdução no
citoplasto, inclui uma fase de quebra do envelope nuclear com a condensação dos
cromossomos (BARNES et al., 1993; COLLAS & ROBL, 1991), descondensação
da cromatina após a ativação do oócito e reorganização do envelope nuclear
(STICE & ROBL, 1988). A ativação de genes durante o desenvolvimento ocorre
mediante a modificações epigenéticas, tais como: alteração dos padrões de
metilação do genoma, modificação e troca de histonas (somáticas por isoformas
embrionárias; GAO et al., 2004) e suas variantes nos nucleossomos (acetilação,
metilação, fosforilação, ubiquitinação e poli-ADP ribolisação), alterações na
morfologia nucleolar (CZOLOWSKA et al., 1984; KANKA et al., 1999),
modificações de lâmina nuclear (PRATHER et al., 1989a, 1991) e remodelação da
cromatina e de outras proteínas associadas à mesma (LATHAM, 1999;
CAMPBELL et al., 2005).
Na clonagem com células somáticas, espera-se que o núcleo seja
reprogramado ao estádio de zigoto, ou seja, o padrão de expressão gênica de
32
uma célula adulta diferenciada deve ser modificado no citoplasto, assumindo um
estado desdiferenciado, coerente com o estádio de desenvolvimento do embrião
reconstituído. Como a partir da transição materno-zigótica ocorre a ativação do
genoma embrionário, não dependendo mais apenas dos estoques de transcritos
de RNA e proteínas do citoplasma do oócito para prosseguir seu desenvolvimento
(MEIRELLES et al., 2004), é necessário que esta reprogramação nuclear ocorra
rapidamente, com a ativação dos genes ocorrendo tempo-padrão de expressão
semelhantes ao de um embrião produzido por fecundação normal. Para tanto, a
reprogramação nuclear necessita de grandes mudanças no padrão de expressão
de inúmeros genes, com reorganização da cromatina e reaquisição dos padrões
de metilação adequados para um embrião, já que este padrão de metilação do
espermatozóide (genoma paterno) e do oócito (genoma materno) durante a
fertilização normal não é análogo àquele encontrado no núcleo de uma célula
somática.
Numa contextualização teórica da reprogramação nuclear, esta pode ser
classificada em três níveis (RIDEOUT III et al., 2001): (i) sem reprogramação do
genoma, resultando na imediata morte do embrião; (ii) parcial reprogramação
nuclear, permitindo uma sobrevivência inicial dos clones, mas resultando em
fenótipos anormais e/ou apresentando mortalidade em vários estádios do
desenvolvimento embrionário/fetal/neonatal; (iii) completa reprogramação, com a
produção de clones normais e saudáveis. O que se verifica, no entanto, é que
mesmo com modificações da técnica propriamente dita e a experimentação da
clonagem em diversas espécies, a baixa eficiência e os inúmeros problemas
fenotípicos e genéticos dos clones sugerem que a reprogramação nuclear
completa é uma exceção.
Embora pesquisas tenham sido realizadas avaliando-se os efeitos nas
proteínas da matrix nuclear (MOREIRA et al., 2003), componentes do envelope
nuclear (KUBIAK et al., 1991),

Continue navegando