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A OBRA DE LA BLACHE

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A EVOLUÇÃO DO CONHECIMENTO GEOGRÁFICO 
 
PARADIGMAS DA GEOGRAFIA TRADICIONAL: 
A OBRA DE PAUL VIDAL DE LA BLACHE 
 
Alvacy Lopes do Nascimento 
 
O processo de desdobramento da sistematização científica da Geografia, 
depois da obra de Ratzel na Alemanha, teve prosseguimento na França, com a de 
Paul Vidal de La Blache (1845-1918), entre o final do século XIX e o começo do 
século XX. Falamos em desdobramento, porque a Geografia, que, a partir daí 
passou a ser desenvolvida na França, apesar de divergências teóricas com a obra de 
Ratzel, tinha pontos em comum com esta, principalmente no fim a que se 
propunham. 
La Blache, muito conhecido entre os geógrafos como o fundador da Escola 
Francesa, era historiador, mas interessou-se tanto pela Geografia, que se tornou 
doutor nesta ciência. Lembram Ferreira & Simões (1986, p.13) que, com seu 
trabalho, a Geografia, considerada pelos franceses, até então, como auxiliar da 
História, tornou-se independente nas universidades. 
A convite do governo, ele atualizou a divisão regional da França, conforme 
a exigência da nova realidade social, econômica e política, o que demonstra o 
grande prestígio que a ciência geográfica passou a ter, no país, com sua liderança. 
Aliás, o enfoque regional viria a ser a característica marcante e muito divulgada da 
Geografia francesa, repercutindo bastante em outros países, particularmente no 
Brasil. 
Assim como não se pode entender a obra geográfica de Ratzel, sem 
contextualizá-la na realidade socioeconômica e política da Alemanha da segunda 
metade do século XIX, também não se pode entender, em maior profundidade, o 
trabalho geográfico de La Blache sem situá-lo na conjuntura histórica vivenciada 
pela França de seu tempo, até porque esses autores foram contemporâneos. 
A Alemanha e a França eram países rivais, disputavam interesses comuns 
a ambos: o controle continental da Europa. Em vista disso, houve a guerra 
franco-prussiana em 1870, resultando na vitória da Prússia (Alemanha), perdendo, 
2 
 
então, a França os territórios de Alsácia e Lorena, detentores de grande reserva 
carbonífera, de importância imprescindível, naquele momento, ao desenvolvimento 
industrial. Moreira ressalta a relação da Geografia, na França, com os interesses 
oficiais: 
A “escola francesa” nasce do clima produzido pela derrota da França 
perante a Alemanha prussiana na guerra de 1870. Surge a um só tempo 
para servir à burguesia francesa em seu afã de recuperação de perdas 
territoriais com a guerra e sua compensação com maior expansão colonial. 
Domesticamente, visa, ainda, servir de instrumento de recuperação da 
imagem de grande potência, abalada pela guerra. Observando que o 
‘professor de geografia alemão’ vencera a França para a Alemanha, o 
Estado francês expandira o ensino de Geografia (MOREIRA, 1988, p. 34). 
 
Vê-se, pois, que a Geografia francesa criou vínculos com os interesses 
políticos e econômicos oficiais, ou seja, com a ideologia estatal. Isso vai se 
manifestar, didaticamente, na geografia ensinada nas escolas francesas e nas de 
outros países, de acordo com os postulados positivistas, que apoiavam os ideais da 
burguesia na reverência ao Estado-Nação, que nós brasileiros simbolizamos tão 
bem no lema Ordem e Progresso, expresso em nossa bandeira. Para atingir esse 
objetivo, a Geografia francesa, mesmo aquela ensinada nas universidades, ainda 
muito informativa e descritiva, teve de superar essa condição e alcançar um nível 
compatível ao que foi elaborado pelos cientistas alemães. 
É oportuno assinalar que, nesse período, um geógrafo francês, Elisée 
Reclus, portanto, contemporâneo de Ratzel e de La Blache, destaca-se por ser um 
militante anarquista, ter-se posicionado contra a política oficial da França e ter 
vivido muito tempo no exílio, onde escreveu dois livros: A nova geografia mundial 
e O homem e a terra. Mas a influência de sua obra teve pouca repercussão no 
desenvolvimento da Geografia francesa, o que pode ser explicado, pelo menos em 
parte, por sua situação de confronto com os interesses políticos oficiais. La Blache, 
em situação política e ideológica inversa a de Reclus, passa a produzir uma 
geografia que atende aos propósitos imperialistas da França. Assim, em oposição à 
Escola Alemã, identificada com o naturalismo, que deu ensejo ao surgimento da 
doutrina do determinismo geográfico, La Blache procurou embasamento no 
historicismo, que deu ensejo ao surgimento da doutrina do possibilismo na 
Geografia. 
O historicismo criticava os exageros da doutrina positivista, pelo fato de ela 
3 
 
estabelecer para as ciências humanas os mesmos métodos das ciências naturais. 
Segundo os historicistas, por causa de diferenças significativas em seu objeto, as 
ciências que tratam dos fenômenos humanos não deveriam basear-se em hipóteses 
e deduções na busca de leis gerais e sim, se voltarem para o estudo de casos únicos, 
particulares, apoiadas na indução. 
O possibilismo, refletindo a forma de entendimento historicista acerca do 
saber científico, destaca na Geografia, a visão regional, o estudo de casos únicos, 
rejeitando o determinismo geográfico e a visão mecanicista na análise das relações 
do homem com a natureza. Na perspectiva possibilista, analisa-se o processo de 
adaptação das sociedades humanas ao meio natural, explorando seus recursos 
através de um acervo de técnicas e costumes criados por elas, denominado gênero 
de vida. 
Nessa análise, trabalha-se com dados da História e da Etnografia, e o 
homem é visto como um verdadeiro agente geográfico, um transformador da 
superfície da Terra, adaptado a uma dinâmica recíproca, ou seja, em sua relação 
com a natureza, ele pode até dominá-la e transformá-la, explorando-lhe os recursos, 
mas ela exerce também influência sobre ele. Meios naturais semelhantes podem ser 
habitados por povos com características culturais diferentes, exprimindo outras 
formas de adaptação e outros níveis de desenvolvimento. 
Conforme Moreira (1988, p. 36-37) a obra geográfica de La Blache foi 
bastante influenciada pelo método de investigação sociológica de Émile 
Durkheime, no qual se aborda a teoria funcionalista. Segundo o funcionalismo, a 
base de toda e qualquer sociedade é a unidade funcional das partes harmônicas 
ligadas entre si. Cada cultura é uma configuração distinta, composta de partes 
exclusivamente relacionadas, as quais devem ser compreendidas apenas em termos 
da sua relação com o contexto configuracional mais amplo. 
Na abordagem possibilista, o objeto da Geografia são os lugares ou as 
regiões culturais ou humanizadas, resultantes de um processo histórico, através do 
qual o homem procura adaptar-se ao meio, explorando possibilidades. Nessa 
abordagem, conforme observam Ferreira & Simões: 
A região é definida como um espaço em que as características naturais e 
culturais (ou físicas e humanas) interpenetram-se de tal forma, como 
resultado de uma evolução histórica, que conferem a esse espaço 
características de homogeneidade, que o diferem de qualquer outro 
espaço contíguo” (FERREIRA & SIMÕES, 1986, p, 73). 
4 
 
Assim, segundo essa acepção, a região resultaria de uma síntese entre o 
homem e o meio. Esperava-se que, com essa forma de se analisar a região, vista 
como uma síntese decorrente da interpenetração de fenômenos físicos e fenômenos 
humanos, a Geografia superasse o perigo de se dividir em física e humana; todavia, 
isso não ocorreu. Mesmo com a grande aceitação da teoria lablachiana, a 
dicotomia foi consagrada na prática acadêmica tradicional. 
La Blache criticou bastante a obra de Ratzel, achando-a comprometida 
como ciência por suas vinculações políticas e ideológicas com o Estado alemão, 
explícitas em sua Antropogeografia, e por estar embasada numa visão naturalista do 
homem. A doutrina do possibilismo, cerne da Geografia francesa, contrapunha-se à 
do determinismo geográfico, originada das teorias de Ratzel e radicalizadapor 
alguns discípulos seus – ignorando que seu mestre falava também em mediações 
econômicas e sociais na relação do homem com a natureza –, dentre esses, os norte-
americanos Ellen Semple e Ellsworth Huntington, para os quais, nas sociedades 
humanas, tudo é explicável pelas condições naturais. Segundo Semple, a sociedade 
humana pode ser considerada um organismo que depende do meio físico. 
A teoria formulada pela Escola Francesa, centrada na visão regional-
possibilista, parecia mais lógica aos que não viam com simpatia o estudo da relação 
homem/natureza na abordagem da Escola Alemã, inserida no conceito de espaço 
vital com suas implicações agressivas, refletindo as pretensões expansionistas 
alemãs. 
É importante observar que a proposta geográfica de La Blache, apesar 
de sua articulação com o historicismo, rejeitando a visão naturalista nos 
estudos dos fenômenos humanos, não deixou de se identificar com o 
Positivismo. Isso ficou bem evidente em sua metodologia, alicerçada, como a 
de seus antecessores alemães, na observação da paisagem, supervalorizando os 
elementos e processos visíveis, concretos, reduzindo, assim, a realidade ao que 
os sentidos humanos registram. Limitação que se procura hoje superar com a 
renovação teórico-metodológica desta ciência. 
O paradigma oriundo da Geografia francesa teve grande penetração bem 
além das fronteiras de seu país, particularmente no Brasil, predominando como 
forma de se analisar o espaço, destacando a região humanizada, segundo os 
parâmetros possibilistas. Mas a influência do modelo alemão, naturalista, teve 
5 
 
também aceitação significativa em certos setores da pesquisa científica, tanto que, 
nas primeiras divisões regionais do país, entre o final do século XIX e a primeira 
metade do século XX, incluindo as elaboradas pelo Instituto Brasileiro de 
Geografia e Estatística (IBGE), os elementos naturais (clima, relevo, vegetação, e 
hidrografia) foram prevalecentes como referenciais. 
A Alemanha foi a grande perdedora na guerra entre escolas geográficas, 
tendo em vista o predomínio da Geografia francesa, “particularmente com respeito 
a Ratzel, que só encontrará maior ressonância entre os geógrafos americanos. O 
determinismo geográfico tombará ante o possibilismo geográfico” (MOREIRA, 
1988, p. 38). 
Em meados do século XX, transformações nos fundamentos teórico-
metodológicos da ciência em geral resultaram num movimento de autocrítica, de 
crise, particularmente das ciências humanas ou sociais, através do qual foram 
questionados os paradigmas tradicionais. 
Percebeu-se, por exemplo, que a preconizada objetividade e a neutralidade 
do conhecimento científico eram uma falácia, porquanto sempre prevaleceram, 
especificamente nas ciências humanas, determinações do poder político e 
econômico, refletidas em suas elaborações. Em Geografia, isso fica bem 
demonstrado quando se analisa, dentre outros exemplos, a posição da Escola 
Francesa em relação à política colonial do imperialismo europeu. Como vimos, a 
Geografia, já organizada e reconhecida como ciência, participou do processo de 
colonização européia da África, no século XIX, o qual atingiu também grande 
parte da Ásia. 
O Reino Unido e a França – as duas maiores potências da época – 
apossaram-se das maiores extensões de territórios coloniais. A Alemanha e a Itália, 
países tardiamente unificados, dominaram extensões menores. Os alemães, por se 
sentirem prejudicados em seus interesses mercantis e expansionistas, entraram em 
choque com as outras potências européias, daí resultando a Primeira Guerra 
Mundial. 
La Blache criticou severamente a obra de Ratzel pela sua abordagem 
política, por ser defensora explícita do expansionismo alemão e por sua visão 
naturalista da História. Realmente, o autor da Antropogeografia valeu-se de ardis 
ideológicos, tentando justificar as pretensões geopolíticas alemãs, haja vista a teoria 
6 
 
do espaço vital e a ênfase dada às influências dos fatores naturais no 
desenvolvimento dos povos. 
 
 
 A partilha da África e de grande parte da Ásia entre países 
 europeus, no século XIX. 
 
Não obstante a crítica contundente de La Blache ao trabalho do rival 
alemão, partindo, segundo ele, do princípio positivista que recomendava a 
neutralidade do discurso científico, sua obra comprometeu-se também, ainda que 
dissimuladamente, com os interesses expansionistas do Estado francês, pois, além 
de ter sido criada, na França, até uma Geografia Colonial, os gêneros de vida (uma 
das categorias integrantes da doutrina do possibilismo) são utilizados como 
justificativa para o avanço do imperialismo pelo mundo. Moraes (1993, p. 71), 
enfoca com muita lucidez esse envolvimento ideológico da Escola Francesa de 
Geografia com o expansionismo colonial: “Ao definir o progresso como fruto de 
relações entre sociedades com gêneros de vida diferentes, num processo 
enriquecedor, Vidal de La Blache abriu a possibilidade de falar da missão 
civilizadora do europeu na África. E assim legitimar a ação colonialista francesa”. 
Ratzel e La Blache envolveram-se, ideologicamente, na elaboração de suas 
propostas de Geografia, ou seja, elas se compõem, em grande parte, de 
manifestações subjetivas dos autores, o que é absolutamente compreensível, 
considerando-se que é humanamente impossível a realização de um trabalho sem 
marcas conscientes ou inconscientes do trabalhador. 
Se
ne
 &
 M
or
ei
ra
 (1
99
9)
7 
 
O processo de renovação por que vem passando o conhecimento científico, 
principalmente no âmbito das ciências humanas, superou o mito, a ilusão 
positivista de se fazer uma ciência pura, neutra, apolítica, essencialmente objetiva. 
Afinal, o homem, em quaisquer de suas realizações, reflete direta ou indiretamente, 
sua visão de mundo, suas idiossincrasias, o momento histórico que vivencia. A 
própria transformação da ciência, em nosso tempo, é decorrência dessa condição. 
 
Texto extraído de: Nascimento, Alvacy Lopes do. A evolução do 
conhecimento geográfico. Maceío: Edufal, 2003, p. 51-58. 
 
 
Referências 
 
 
FERREIRA, Conceição Coelho ; SIMÕES, Natércia Neves. A evolução do 
pensamento geográfico. Lisboa: Gradiva, 1986. 
 
 MORAES, Antônio Carlos Robert. Geografia: pequena história crítica. 12. ed. 
São Paulo: HUCITEC, 1993. 
 
 MOREIRA, Ruy. O que é geografia. 9. ed. São Paulo: Brasiliense, 1988. 
 
 SENE, Eustáquio de e MOREIRA, João Carlos. Geografia geral e do Brasil: 
espaço geográfico e globalização. São Paulo: Scipione, 1999.

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