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Introdução ao Estudo do Direito Penal | Introdução www.cenes.com.br | 1 DISCIPLINA INTRODUAÇÃO AO ESTUDO DO DIREITO PENAL CONTEÚDO Aplicação da Lei Penal Introdução ao Estudo do Direito Penal | Introdução www.cenes.com.br | 2 A Faculdade Focus se responsabiliza pelos vícios do produto no que concerne à sua edição (apresentação a fim de possibilitar ao consumidor bem manuseá-lo e lê-lo). A instituição, nem os autores, assumem qualquer responsabilidade por eventuais danos ou perdas a pessoa ou bens, decorrentes do uso da presente obra. É proibida a reprodução total ou parcial de qualquer forma ou por qualquer meio, eletrônico ou mecânico, inclusive através de processos xerográficos, fotocópia e gravação, sem permissão por escrito do autor e do editor. 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Coliseo - Centro Cascavel - PR, 85801-050 Tel: (45) 3040-1010 www.faculdadefocus.com.br Este documento possui recursos de interatividade através da navegação por marcadores. Acesse a barra de marcadores do seu leitor de PDF e navegue de maneira RÁPIDA e DESCOMPLICADA pelo conteúdo. http://www.faculdadefocus.com.br/ mailto:secretaria.ff@faculdadeofucus.com.br. http://www.faculdadefocus.com.br/ Introdução ao Estudo do Direito Penal | Introdução www.cenes.com.br | 3 Sumário Sumário ------------------------------------------------------------------------------------------------------------- 3 1 Introdução --------------------------------------------------------------------------------------------------- 4 2 Aplicação da Lei Penal ----------------------------------------------------------------------------------- 4 2.1 Tempus regit actum ----------------------------------------------------------------------------------------------------- 6 2.2 Conflito intertemporal na aplicação da lei penal no tempo -------------------------------------------------- 8 2.2.1 Abolitio criminis -------------------------------------------------------------------------------------------------------------------- 9 2.2.2 Novatio legis in mellius --------------------------------------------------------------------------------------------------------- 11 2.2.3 Novatio legis incriminadora --------------------------------------------------------------------------------------------------- 13 2.2.4 Novatio legis in pejus ----------------------------------------------------------------------------------------------------------- 14 2.3 Lei de vigência temporária e leis excepcionais ---------------------------------------------------------------- 15 2.4 Tempo do crime -------------------------------------------------------------------------------------------------------- 16 3 Aplicação da lei penal no espaço --------------------------------------------------------------------- 18 3.1 Conceito de território ------------------------------------------------------------------------------------------------- 20 3.1.1 Território por equiparação ---------------------------------------------------------------------------------------------------- 21 4 Lugar do crime --------------------------------------------------------------------------------------------- 22 4.1 Extraterritorialidade -------------------------------------------------------------------------------------------------- 23 4.2 Extraterritorialidade incondicionada ----------------------------------------------------------------------------- 24 4.2.1 Vedação ao bis in idem --------------------------------------------------------------------------------------------------------- 25 4.3 Extraterritorialidade condicionada ------------------------------------------------------------------------------- 26 4.4 Extraterritorialidade hipercondicionada ------------------------------------------------------------------------ 27 5 Contagem de prazos ------------------------------------------------------------------------------------- 27 6 Conclusão --------------------------------------------------------------------------------------------------- 29 7 Referências Bibliográficas ------------------------------------------------------------------------------ 29 Introdução ao Estudo do Direito Penal | Introdução www.cenes.com.br | 4 1 Introdução Seguindo a máxima estabelecida pelo princípio da legalidade, não há crime sem lei anterior que o defina, ou seja, uma conduta só pode ser punida quando houver uma lei incriminadora anterior ao fato, que considere determinada ação como criminosa. Assim, presume-se que, em regra, a norma aplicável ao caso em questão é aquela vigente a época dos fatos, independentemente de qualquer inovação jurídica, pois, a lei penal não retroage no tempo, ressalvada algumas possibilidades. Desta forma, quando falamos sobre a aplicação da lei penal no tempo e no espaço, é necessário fazer alguns questionamentos: quando uma lei entra em vigor? Diante de uma inovação jurídica, qual lei se aplicará ao caso em questão? A lei penal brasileira só se aplica aos crimes cometidos em território nacional? Ao longo desta unidade, reuniremos conteúdo suficiente para sanar todas as questões que possam surgir a respeito desse assunto. 2 Aplicação da Lei Penal De acordo com o art. 1º do Código Penal não há crime sem lei anterior que o defina, nem pena sem prévia cominação legal, esse dispositivo, que possui redação idêntica ao inciso XXXIX do art. 5º da Constituição Federal, serve para expressar não só o princípio da anterioridade da lei, conforme descrito no Código Penal, mas também os princípios da legalidade e da reserva legal, os quais, em apertada síntese, determinam que as normas penais sejam tratadas apenas por meio de Lei Federal ou Estadual, em casos excepcionais. Em outras palavras, o indivíduo só poderá ser responsabilizado por uma conduta criminosa, se esta for tipificada em lei, devidamente aprovada e sancionada, respeitando o procedimento legislativo cabível. No entanto, como o direito é uma ciência social e a sociedade está em constante evolução, todos os dias surgem novas alterações legislativas. Portanto, após superar todas as fases do procedimento legislativo e o período de vacância, quando determinado, uma norma já está apta a produzir efeitos no ordenamento jurídico. Introdução ao Estudo do Direito Penal | Aplicação da Lei Penal www.cenes.com.br | 5 De acordo com o princípio da continuidade das leis, a partir do momento que uma norma entra em vigência, ela só será revogada por outra lei, exceto no caso das leis temporárias e das excepcionais, que são autorrevogáveis. Conforme destaca Cleber Masson (2020) a revogação de uma lei ocorre quando a sua vigência é retirada, em regra, por outra lei. O autor afirma ainda que, “toda e qualquer lei, por mais relevante e conhecida que seja, pode ser revogada. A atividade legislativa, como decorrência da soberania popular, é irrenunciável”. No mais, para seguirmos adiante com nosso estudo,é necessário fazermos alguns apontamentos a respeito do período de vacância da norma. Em alguns casos, a Lei publicada tem a sua eficácia contida e só começa a produzir efeitos depois de superar o período de vacância – lapso temporal entre a promulgação da norma e sua vigência – que será definido pelo legislador no momento de publicação da referida lei. Contudo, caso o legislador se mantenha omisso quando a vigência da norma, se entra em vigor a partir da data de publicação ou se deve aguardar o período de vacância, utiliza-se a referência colocada no artigo 1º da Lei de Introdução às Normas de Direito Brasileiro (LINDB). Art. 1º Salvo disposição contrária, a lei começa a vigorar em todo o país quarenta e cinco dias depois de oficialmente publicada. Não obstante, atualmente o período de vacância ou no termo em latim vacatio legis como também é conhecido, não é utilizado com frequência. Geralmente, o legislador já faz constar no texto legislativo que determinada lei “entra em vigor na data de sua Uma lei só pode ser revogada por outra Lei, jamais por costumes, por mais consagrados que sejam, ou por eventuais decisões judiciais, nem mesmo aquelas oriundas do Supremo Tribunal Federal, pois, a declaração de inconstitucionalidade atinge apenas a eficácia da norma contrária aos mandamentos constitucionais, sem revogá-la. A revogação da norma trata-se de uma atribuição exclusiva do Poder Legislativo (MASSON, 2020). Introdução ao Estudo do Direito Penal | Aplicação da Lei Penal www.cenes.com.br | 6 publicação”, conferindo eficácia ao regramento desde logo. 2.1 Tempus regit actum O princípio do tempus regit actum (o tempo rege o ato) determina que, em regra, a lei aplicável ao fato criminoso é aquela vigente a época da realização da conduta. Essa máxima decorre do princípio da legalidade, de modo que nenhuma conduta será caracterizada como criminosa senão através de lei. De acordo com Bitencourt (2020) o princípio do tempus regit actum defende que “a lei aplicável à repressão da prática do crime é a lei vigente ao tempo de sua execução. Essa é uma garantia do cidadão: além da segurança jurídica, garante-se-lhe que não será surpreendido por leis ad hoc, criminalizando condutas, inclusive a posteriori, que até então não eram tipificadas como crime”. Contudo, embora a regra seja a aplicação da lei vigente a época dos fatos, seguindo os princípios do tempus regit actum e da irretroatividade, expresso no art. 5º, inciso XL da Constituição Federal – a lei penal não retroagirá, salvo para beneficiar o réu –, é possível que a lei penal se movimente no tempo, fenômeno chamado de extra- atividade da lei penal, do qual decorrem duas subespécies, a retroatividade e a ultra- atividade da norma. A retroatividade ocorre quando a lei penal é aplicada a fato cometidos antes de sua vigência, porém, o efeito da retroatividade, como veremos melhor no decorrer desta unidade, só será empregado quando a nova lei for mais benéfica do que a anterior, é a chamada novatio legis in mellius. Por outro lado, o efeito da ultra-atividade da lei ocorre quando a lei penal é aplicada ao fato mesmo após sua revogação, geralmente ocorre quando a nova lei é mais severa e não pode retroagir para alcançar os fatos pretéritos a sua vigência. Neste sentido, Bitencourt (2020) afirma que ambos os efeitos, tanto a retroatividade quanto a ultra-atividade da lei penal, ocorrem da seguinte forma: “quando a lei revogada for mais benéfica, ela terá ultratividade, aplicando-se ao fato cometido Introdução ao Estudo do Direito Penal | Aplicação da Lei Penal www.cenes.com.br | 7 durante sua vigência; no entanto, se a lei revogadora for a mais benigna, esta será aplicada retroativamente”. EXEMPLO ULTRA-ATIVIDADE DA LEI PENAL Mévio matou Caio no dia 15 de janeiro de 2008 e foi preso em flagrante na cena do crime, o processo foi instaurado e segue tramitando na justiça. Dois anos após a prática do crime, uma nova lei é promulgada e aumenta a pena do crime de homicídio de 6 a 20 anos para 10 a 30 anos. Em 2015, Mévio será julgado e, com base no princípio do tempus regit actum e na ultra-atividade da lei penal, será considerada para a prolação da sentença a lei vigente a época dos fatos, pois, em que pese estar revogada, a lei vigente não pode retroagir para alcançar fatos pretéritos, uma vez que representaria prejuízo ao réu. EXEMPLO RETROATIVIDADE DA LEI PENAL Considere a mesma situação apresentada acima, Mévio pratica o crime de homicídio durante a vigência da Lei A, que considera para o crime a pena de reclusão de 6 a 20 anos. Porém, em 2010, a Lei B é publicada revogando a antiga lei e reduzindo a pena do homicídio de 6 a 20 anos para 4 a 10 anos. Durante o julgamento de Mévio, em 2015, será considerada a Lei B, com base no princípio da retroatividade da lei penal, pois, como se mostra mais benéfica ao réu, a lei poderá retroagir e alcançar fatos pretéritos a sua promulgação. Introdução ao Estudo do Direito Penal | Aplicação da Lei Penal www.cenes.com.br | 8 Assim, de acordo com Bitencourt (2020) os princípios da retroatividade e da ultra- atividade, “consagrados pela Constituição, que configurarem lei penal mais benigna, aplicam-se às normas de Direito Penal material, tais como nas hipóteses de reconhecimento de causas extintivas da punibilidade, tipificação de novas condutas, cominação de penas, alteração de regimes de cumprimento de penas, ou a qualquer norma penal que, de qualquer modo, agrave a situação jurídico-penal do indiciado, réu ou condenado, conforme já reconheceu o próprio Supremo Tribunal Federal”. 2.2 Conflito intertemporal na aplicação da lei penal no tempo Considerando a volubilidade da sociedade e, consequentemente, das normas do direito penal, diante da promulgação e da revogação de diversas normas, é possível que ocorra algumas situações de atrito, são os chamados conflitos intertemporais da norma penal no tempo. Nas palavras de Cleber Masson (2020) quando uma nova lei é promulgada revogando a antiga, é inevitável que ocorram conflitos, até pela divergência no conteúdo de uma para outra, afinal, a revogação não faria sentido se fossem idênticas. Assim, diante de eventual conflito, defende o autor que, “a regra geral é a da prevalência da lei se encontrava em vigor quando da prática do fato, vale dizer, aplica-se a lei vigente quando da prática da conduta (tempus regit actum). Dessa forma, resguarda-se a reserva legal, bem como a anterioridade da lei penal, em cumprimento às diretrizes do texto constitucional”. Introdução ao Estudo do Direito Penal | Aplicação da Lei Penal www.cenes.com.br | 9 Todavia, podemos verificar algumas exceções quanto ao princípio do tempus regit actum, conforme vimos acima, com a aplicação da extra-atividade da lei penal no tempo, através de quatro conflitos intertemporais: • Abolitio Criminis • Novatio Legis Incriminadora • Novatio Legis in Mellius • Novatio Legis in Pejus Ainda, é possível classificar essas quatro possibilidades em dois grupos, o lex mitior e o lex gravior. Estão compreendidas na lex mitior – lei mais suave ou lei melhor – o abolitio criminis e a novatio legis in mellius, já no grupo lex gravior – lei mais grave – estão afixadas a novatio legis incriminadora e a novatio legis in pejus. Figura 1 – Lex mitior e lex gravior. Fonte: Núcleo Editorial Faculdade Focus 2.2.1 Abolitio criminis Traduzido do latim, abolitio criminis significa a abolição do delito, através da superveniência de uma lei penal descriminalizadora. Essa possibilidade está prevista no art. 2º do Código Penal, o qual determina que “ninguém pode punido por fato que lei posterior deixa de considerar crime, cessando em virtude dela a execução e os efeitos penais da sentença condenatória”. De acordo com Rogério Sanches (2020) “a abolitiocriminis é fenômeno verificado Introdução ao Estudo do Direito Penal | Aplicação da Lei Penal www.cenes.com.br | 10 sempre que o legislador, atento às mutações sociais (e ao princípio da intervenção mínima), resolve não mais incriminar determinada conduta, retirando do ordenamento jurídico-penal a infração que a previa, julgando que o Direito Penal não mais se faz necessário à proteção de determinado bem jurídico”. Além disso, nas palavras de Cleber Masson (2020) “a configuração do abolitio criminis reclama revogação total do preceito penal, e não somente de uma norma singular referente a um fato que, sem ela, se contém numa incriminação penal. Inclusive, de acordo com o parágrafo único do mesmo artigo, “a lei posterior, que de qualquer modo favorecer o agente, aplica-se aos fatos anteriores, ainda que decididos por sentença condenatória transitada em julgado”, ou seja, cessam os efeitos penais e da execução. Essa medida tem natureza jurídica de causa de extinção da punibilidade, nos termos do art. 107, III do Código Penal, não subsistindo nem mesmo os efeitos penais da sentença condenatória, de modo que não será considerado para fins de reincidência ou no registro de antecedentes criminais. Art. 107 - Extingue-se a punibilidade: [...] III - pela retroatividade de lei que não mais considera o fato como criminoso; No entanto, para configurar essa medida, conforme destaca Cleber Masson (2020) são necessários dois requisitos: a) revogação formal do tipo penal; e b) supressão material do fato criminoso. Isto é, não basta a mera revogação do tipo penal, o delito ora abolido deve se tornar irrelevante para o ordenamento jurídico, como ocorreu com o crime de adultério (art. 240, CP) no ano de 2005. Assim, quando presente a possibilidade do abolitio criminis, estando o processo em qualquer fase, inclusive na execução da pena, deve-se aplicar, de forma imediata, a retroatividade da norma penal que extinguiu o delito, retirando a tipicidade do fato praticado. Ademais, precisamos fazer algumas considerações a respeito da coisa julgada e sobre o pleito de eventual indenização. Embora o parágrafo único do art. 2º considere que a medida favorável retroaja e atinja fatos anteriores a sua vigência, fazendo cessar até Introdução ao Estudo do Direito Penal | Aplicação da Lei Penal www.cenes.com.br | 11 os efeitos da sentença penal condenatória transitada em julgado, os efeitos extrapenais da conduta subsistem. Assim, se da prática criminosa resultou alguma obrigação cível, como, por exemplo, se na esfera cível o indivíduo for condenado a indenizar o dano causado a vítima, ainda que a conduta praticada seja descriminalizada, a obrigação cível se mantém, isso ocorre pela independência das esferas cíveis, penais e administrativas. Neste sentido, Rogério Sanches (2020) afirma que “mesmo com a revogação do crime, subsiste, por exemplo, a obrigação de indenizar o dano causado, enquanto que os efeitos penais terão de ser extintos, retirando-se o nome do agente do rol dos culpados, não podendo a condenação ser considerada para fins de reincidência ou de antecedentes penais”. Por fim, ainda é válido destacar que, uma parcela da doutrina sustenta a impossibilidade do autor que foi beneficiado com a abolição de um tipo penal incriminador, pleitear eventual indenização sobre eventuais danos sofridos. Nas palavras de Guilherme Nucci (2019) “o fato de o Estado abolir um tipo penal incriminador, beneficiando várias pessoas acusadas ou já condenadas, não faz nascer um erro judiciário, sujeito à indenização. Cuida-se de fator externo à vontade do juiz, fruto da política criminal do legislador, razão pela qual se apaga o delito do passado do acusado, mas não tem ele direito a reparação”. Isto é, depois do indivíduo cumprir a pena que lhe cabe ou de sobrevir o trânsito em julgado da sentença penal condenatória, o abolitio criminis garante que o sujeito tenha a sua folha de antecedentes criminais inteiramente corrigida, afastando a condenação que, em tese, nunca deveria ter existido. 2.2.2 Novatio legis in mellius Diferente do que ocorre no abolitio criminis, no caso da novatio legis in mellius, o fato não deixa de existir, mas é substituído por uma norma mais favorável, assim, mesmo sem descriminalizar o fato considerado crime, a nova lei confere algum benefício ao acusado, devendo ser aplicada imediatamente ao caso concreto, ainda que se encontre na fase de execução. Introdução ao Estudo do Direito Penal | Aplicação da Lei Penal www.cenes.com.br | 12 Nas palavras de Cleber Masson (2020) o instituto se “verifica quando, ocorrendo sucessão de leis penais no tempo, o fato anterior, e o novel instrumento legislativo seja mais vantajoso ao agente, favorecendo-o de qualquer modo”. Assim, “a lex mitior — seja abolitio criminis, seja qualquer alteração in mellius — retroage e aplica-se imediatamente aos processos em andamento, aos fatos delituosos cujos processos ainda não foram iniciados e, inclusive, aos processos com decisão condenatória já transitada em julgado” (BITENCOURT, 2020). Figura 2 – Novatio legis in mellius. Fonte: Núcleo Editorial Faculdade Focus Neste aspecto é válido destacar que, embora exista a previsão no inciso XXXVI do art. 5º da Constituição Federal de que a lei não prejudicará o direito adquirido, o ato jurídico perfeito e a coisa julgada, ambas as situações – tanto o abolitio criminis quanto a novatio legis in mellius – não ferem esse princípio, pois, a máxima constitucional age em favor da garantia individual e não sobre o direito de punir do Estado. Além disso, outra questão muito debatida a respeito da novatio legis in mellius é o momento de sua aplicação, se é possível considerá-la durante o período de vacatio legis. Conforme suscita Rogério Sanches (2020) existem duas correntes no mundo jurídico que tratam sobre a possibilidade de aplicação da lei penal mais benéfica antes de efetivamente entrar em vigência. Introdução ao Estudo do Direito Penal | Aplicação da Lei Penal www.cenes.com.br | 13 A primeira corrente, defendida por Alberto Silva Franco e por Cezar Roberto Bitencourt afirma que, embora seja importante o período de vacatio legis, o seu fundamento primordial está relacionado com a ideia de todos conhecerem a lei antes dela efetivamente entrar em vigência, é para que todos possam se preparar e se acostumar com o novo regramento para prestar-lhe obediência. Então, não faria sentido postergar a aplicação dos benefícios trazidos pela nova lei aos casos pretéritos, se isso ocorrerá mais cedo ou mais tarde. Neste sentido, Bitencourt (2020) afirma que, “no momento em que é publicado um novo texto legal, este passa a existir no mundo jurídico, representa o novo pensamento do legislador sobre o tema de que se ocupa, produto, evidentemente, de novas valorações sociais. Assim, não sendo possível ignorar a existência do novo diploma legal, bem como as transformações que ele representa no ordenamento jurídico-penal, a sua imediata eficácia é inegável, e não pode ser obstaculizada a sua aplicação retroativa quando configurar lei penal mais benéfica, mesmo que ainda se encontre em vacatio legis”. Por outro lado, a segunda corrente acolhida Guilherme Nucci, Damásio de Jesus e por Paulo Queiroz defende a perspectiva de que, durante o período de vacatio legis a lei não possui eficácia alguma, muito pelo contrário, antes de estar vigente a nova lei é uma mera expectativa de direito. Portanto, ainda a vacatio legis sirva como um período de adaptação e, que posteriormente, a lei será aplicada definitivamente no ordenamento jurídico, durante o lapso temporal a nova lei, embora mais benéfica, não é válida e obviamente não pode ser aplicada. Esse é o posicionamento que prevalece na doutrina. 2.2.3 Novatio legis incriminadora Na novatio legis incriminadoraum fato que antes não era considerado ilegal, é tipificado no ordenamento jurídico, logo, se tem uma nova lei que, de qualquer forma, “piora” a situação do acusado, evidentemente, não será aplicada. De acordo com Bitencourt (2020) “a novatio legis incriminadora é irretroativa e não pode ser aplicada a fatos praticados antes de sua vigência, segundo o velho aforisma nullum crimen sine praevia lege, hoje erigido a dogma constitucional (art. 5º XXXIX da CF)”. Introdução ao Estudo do Direito Penal | Aplicação da Lei Penal www.cenes.com.br | 14 Nas palavras de Rogério Sanches (2020) a nova lei que, de qualquer modo, prejudica o réu (lex gravior) será sempre irretroativa, devendo ser aplicada a lei vigente no tempo do crime, seguindo o princípio do tempus regit actum, da anterioridade da lei penal e da legalidade. Isto é, não é possível que o indivíduo seja responsabilizado uma conduta atípica, ainda que venha a ser considerada criminosa posteriormente. 2.2.4 Novatio legis in pejus Como última possibilidade de lei mais grave temos a novatio legis in pejus que, diferente da novatio legis incriminadora não tipifica uma situação considerada anteriormente irrelevante, ela confere um tratamento mais rigoroso às condutas já classificadas como infrações penais. Nas palavras de Guilherme Nucci (2019) “há hipóteses em que o legislador, sem abolir a figura delituosa, mas com a aparência de tê-lo feito, apenas transfere a outro tipo incriminador a mesma conduta, por vezes aumentando a pena. Sem dúvida, em alguns casos, não se trata de uma singela transferência, porém há alguma modificação na descrição do preceito primário”. Assim, toda vez que uma lei penal é revogada por uma nova lei que prejudique o sujeito de qualquer forma, aplica-se a lei vigente a época dos fatos, através da ultratividade da lei. Como destaca Cleber Masson (2020) esse efeito é aplicado “quando o crime foi praticado durante a vigência de uma lei, posteriormente revogada por outra prejudicial ao agente. Subsistem, no caso, os efeitos da lei anterior, mais favorável. Isso porque, como já abordado, a lei penal mais grave jamais retroagirá”. Contudo, ainda que a regra seja a aplicação da norma mais favorável ao acusado, ainda que na fase de execução, não é isso que ocorre nos crimes continuados e permanentes, de acordo com a súmula 711 do Supremo Tribunal Federal “a lei penal mais grave aplica-se ao crime continuado ou ao crime permanente, se a sua vigência é anterior à cessação da continuidade ou da permanência”. Neste ponto, precisamos relembrar alguns conceitos básicos a respeito dos crimes Introdução ao Estudo do Direito Penal | Aplicação da Lei Penal www.cenes.com.br | 15 cuja consumação se protrai no tempo. O crime continuado, encontra previsão no art. 71 do Código Penal e ocorre quando o agente, mediante mais de uma ação ou omissão, prática dois ou mais crimes da mesma espécie e, pelas condições de tempo, lugar, maneira de execução e outras semelhantes, devem os subsequentes ser havidos como continuação do primeiro (ex.: a caixa da farmácia furta dinheiro do caixa toda sexta-feira ao final do expediente). Já, o crime permanente é aquele cuja consumação se prolonga no tempo (ex.: crime de sequestro). Portanto, nessas hipóteses, em que o crime se mantém ativo, ainda que a conduta se inicie durante a vigência de lei mais branda, esta não aproveitará o fenômeno da ultratividade da lei penal, uma vez que a conduta só foi efetivamente consumada durante a vigência de norma mais grave. 2.3 Lei de vigência temporária e leis excepcionais Em regra, depois que uma lei é publicada ela segue o princípio da continuidade das normas, se mantendo vigente até que outra lei a revogue. Contudo, essa máxima não se aplica a leis excepcionais e as leis com vigência temporária, que permanecem em vigência apenas por um período, elas nascem para um fim específico, com uma espécie de data de validade, depois disso “expiram”. Em consonância, Bitencourt (2020) salienta que, “as leis excepcionais e temporárias são leis que vigem por período predeterminado, pois nascem com a finalidade de regular circunstâncias transitórias especiais que, em situação normal, seriam desnecessárias”. Assim, é possível definir a lei temporária, também conhecida como temporária em sentido estrito, como a norma instituída por um prazo determinado, ou seja, é a lei que tipifica uma conduta como criminosa, apenas por um período, ela traz em seu texto legal o início e o fim de sua vigência. Por outro lado, a lei excepcional é aquela editada em função de algum um evento transitório – ex.: estado de calamidade pública – e perdura apenas enquanto durar o estado que deu origem a lei (CUNHA, 2020). As leis temporárias e as excepcionais encontram previsão no art. 3º do Código Penal, o qual determina que, “a lei excepcional ou temporária, embora decorrido o período de sua duração ou cessadas as circunstâncias que a determinaram, aplica-se ao fato Introdução ao Estudo do Direito Penal | Aplicação da Lei Penal www.cenes.com.br | 16 praticado durante sua vigência”. Com a leitura do dispositivo legal, é possível perceber que essas espécies legislativas mantêm em sua essência duas características que não estão presentes nas normas comuns, a autorrevogabilidade e a ultra-atividade. A autorrevogabilidade diz respeito ao lapso temporal em que a lei se mantém vigente no ordenamento jurídico, pois, ambas as espécies – lei temporária e excepcional – se mantêm ativas apenas por um tempo, sendo posteriormente revogadas de forma automática. A exemplo da Lei nº 13.284/16, a qual foi criada com o intuito de preservar o patrimônio material e imaterial das entidades organizadoras dos Jogos Olímpicos em 2016, que permaneceu vigente apenas enquanto durou o evento, sendo automaticamente revogada no dia 31 de dezembro de 2016. Além disso, é devido a segunda característica, a ultra-atividade, que as normas temporárias e excepcionais conseguem alcançar fatos ocorridos durante a sua vigência e puni-los após sua revogação. A ultra-atividade guarda relação com o papel intimidatório da esfera penal, pois, devido a vigência controlada das normas, assim que passado o período de vigência ou que cessada a situação excepcional, todos os fatos ocorridos durante a vigência seriam irrelevantes. É justamente por esse motivo que as leis temporárias e excepcionais não se confundem com o abolitio criminis, pois, este último descriminaliza certas condutas, retirando-a do ordenamento jurídico e fazendo cessar a execução e os efeitos penais da sentença condenatória. 2.4 Tempo do crime Mas, de nada adianta sabermos a respeito dos conflitos intertemporais da lei penal e não conseguir identificar quando efetivamente o crime ocorreu. No âmbito do direito penal, existem três teorias que indicam qual o tempo do crime, são elas: TEORIA DA ATIVIDADE Para a teoria da atividade, considera-se praticado o crime quando da ação ou omissão do indivíduo, pouco importando quando o momento do resultado. Introdução ao Estudo do Direito Penal | Aplicação da Lei Penal www.cenes.com.br | 17 Ex.: A, desafeto de B, efetua disparos em sua direção, B é socorrido e levado ao pronto-socorro, no entanto, em razão dos ferimentos causados pelos disparos de A, vem a óbito 10 dias depois. Para a teoria da atividade, considera-se praticado o crime no momento em que A efetuou os disparos e não 10 dias depois, quando B veio efetivamente a morrer. TEORIA DO RESULTADO Considera que o crime é praticado no momento em que ocorre sua consumação, sendo irrelevante, para essa teoria, quando a conduta é praticada. Ex.: no crime de homicídio, leva-se em consideração o momento que ocorreu a morte do indivíduo e não quando foram efetuados os disparos, por exemplo. TEORIA MISTA OU DA UBIQUIDADE A teoria mistabusca conciliar, unir as teorias da atividade e do resultado, de acordo com ela o momento do crime pode ser tanto no momento em que a conduta se realiza, quanto o momento em que ela efetivamente se consuma. Contudo, apesar das diversas possibilidades a respeito do tema, o nosso ordenamento jurídico, mais especificamente o Código Penal brasileiro, adota em seu art. 4º a teoria da atividade, ao passo que, “considera-se praticado o crime no momento da ação ou omissão, ainda que outro seja o momento do resultado”. Neste sentido, Bitencourt (2020) corrobora com o entendimento dizendo que, “adota-se, assim, a teoria da atividade, pois é nesse momento que o indivíduo exterioriza a sua vontade violando o preceito proibitivo. Isso evita o absurdo de uma conduta, praticada licitamente sob o império de uma lei, poder ser considerada crime, em razão de o resultado vir a produzir-se sob o império de outra lei incriminadora”. Assim, quando o Código Penal adota como regra a teoria da atividade, estabelece algumas situações, especialmente com relação ao princípio do tempus regit actum, com a imputabilidade ou inimputabilidade do agente infrator e com os crimes permanentes, continuados e habituais. A primeira situação, com relação a aplicação da lei penal, considera-se ao caso aquela vigente a época dos fatos, quando o sujeito manifesta a vontade de cometer o crime, praticando a ação ou omissão necessária Introdução ao Estudo do Direito Penal | Aplicação da lei penal no espaço www.cenes.com.br | 18 para materializar seu interesse, ressalvada a possibilidade de sobrevier lei posterior mais benéfica. Com relação a imputabilidade do agente, pois, se o fato é praticado enquanto o sujeito é menor de idade, ainda que a conduta venha a se consumar depois que o indivíduo é plenamente capaz (maior de 18 anos), serão aplicadas as regras atinentes aos inimputáveis, seguindo a regra do art. 26 do Código Penal. Art. 26 - É isento de pena o agente que, por doença mental ou desenvolvimento mental incompleto ou retardado, era, ao tempo da ação ou da omissão, inteiramente incapaz de entender o caráter ilícito do fato ou de determinar-se de acordo com esse entendimento. Além disso, outra situação que é alterada em virtude da teoria da atividade, é a aplicação da norma penal nos crimes permanentes e continuados, cujo a consumação se protrai no tempo. Essas condutas, conforme vimos anteriormente, não aproveitam do fenômeno da ultra-atividade da norma e, se o início da conduta ocorreu sob a vigência de lei mais branda e a sua consumação sob lei mais grave, aplica-se aquela válida a época dos fatos, ainda que prejudicial ao acusado. Ademais, em se tratando de crimes habituais, estes seguem a mesma lógica, se durante a prática delitiva houver sucessão de leis no tempo, aplica-se a conduta a nova, ainda que mais severa. Súmula 711 – STF. A lei penal mais grave aplica-se ao crime continuado ou ao crime permanente, se a sua vigência é anterior à cessação da continuidade ou da permanência. Por fim, é válido destacar que, embora a regra seja a teoria da atividade, em algumas situações excepcionais o Código Penal pode considerar outras teorias, é o caso, por exemplo, da prescrição abstrata, que segue a regra da teoria do resultado. 3 Aplicação da lei penal no espaço A aplicação da lei penal no espaço é limitada por dois conceitos básicos, o da territorialidade e o da extraterritorialidade. O primeiro é limitado pelo art. 5º do Introdução ao Estudo do Direito Penal | Aplicação da lei penal no espaço www.cenes.com.br | 19 Código Penal, o qual determina que, “aplica-se a lei brasileira, sem prejuízo de convenções, tratados e regras de direito internacional, ao crime cometido no território nacional”. Já o conceito de extraterritorialidade vem expresso no art. 7 do Código Penal e, está relacionado com a possibilidade de aplicação das leis brasileiras a determinadas condutas, ainda que praticadas fora do território nacional. De acordo com Guilherme Nucci (2019) “territorialidade significa a aplicação das leis brasileiras aos delitos cometidos dentro do território nacional. Essa é uma regra geral que advém do conceito de soberania, ou seja, a cada Estado cabe decidir e aplicar as leis pertinentes aos acontecimentos dentro do seu território”. Bitencourt (2020) vai além, dizendo que “pelo princípio da territorialidade, aplica-se a lei penal brasileira aos fatos puníveis praticados no território nacional, independentemente da nacionalidade do agente, da vítima ou do bem jurídico lesado”. Assim, de forma suscinta, é possível dizer que, para os efeitos de aplicação da lei brasileira, considera-se território nacional todo espaço terrestre, aéreo, marítimo ou fluvial onde o País exerce sua soberania. Contudo, essa premissa, como inúmeras outras no direito, não é absoluta e, em que pese o Direito Penal adotar o princípio da territorialidade como regra, existem algumas exceções para as quais não se aplica a lei brasileira. E, por esse motivo, vamos nos referir a máxima como o princípio da territorialidade mitigada, ou princípio da territorialidade temperada, porque flexibiliza a aplicação normativa e a soberania. Ocorrerá a flexibilização da aplicação da lei penal brasileira, nos termos do art. 5º, quando o Brasil for o signatário de alguma convenção, tratado ou quando houver alguma regra de direito internacional. Assim, nestes casos, quando sobrevir uma situação excepcional, a lei brasileira não será aplicada ao caso concreto. Ademais, existem algumas hipóteses de imunidade quanto a aplicação a lei penal brasileira, como, por exemplo, na hipótese do diplomata e do cônsul. Veja bem, como o Brasil é signatário da Convenção de Viena, acordou em não exercer soberania sobre os diplomatas de outros países, tampouco ter exercida a soberania destes sobre os nossos diplomatas quando em missão. Introdução ao Estudo do Direito Penal | Aplicação da lei penal no espaço www.cenes.com.br | 20 Além disso, de acordo com o nosso ordenamento penal pátrio, quando se tem um diplomata em missão, a imunidade, que é absoluta uma relação a ele, se estende aos seus familiares também, ou seja, se um diplomata comete algum crime contra o nosso ordenamento, ele não será responsabilizado pela lei brasileira. Quanto ao cônsul, ele tem uma imunidade relativa, isto é, não é para todo crime por ele cometido em território nacional que deixaremos de exercer soberania. Ele só não será punido quando cometer crimes que estejam atrelados a sua atividade consular, ou a sua seara administrativa, dado que, nesses casos, deverá responder perante o seu Estado acreditante. Muito bem, antes de movermos adiante, gostaria de esclarecer o conceito de território dentro do contexto do Direito Penal. 3.1 Conceito de território Seguindo o conceito de territorialidade, é possível afirmar que o território nacional corresponde à parte terrestre, aérea e marítima equivalente a doze milhas além-mar ou fluvial onde o País exerce sua soberania. Assim, se o crime ocorreu no Brasil, não importa a nacionalidade de quem o cometeu, não importa de quem é o bem jurídico, se é de outro país ou não, a soberania nacional poderá ser exercida. Nas palavras de Régis Prado e Bitencourt (1995) “o território nacional – efetivo ou real – compreende: a superfície terrestre (solo e subsolo), as águas territoriais (fluviais, lacustres e marítimas) e o espaço aéreo correspondente. Entendese, ainda, como sendo território nacional – por extensão ou flutuante – as embarcações e as aeronaves, Introdução ao Estudo do Direito Penal | Aplicação da lei penal no espaço www.cenes.com.br | 21 por força de uma ficção jurídica”. No mesmo sentido, Rogério Sanches (2020) afirma que, “entende-se por território nacional a soma do espaço físico (ou geográfico) com o espaçojurídico (espaço físico por ficção, por equiparação, por extensão ou território flutuante)”. Desta forma, “por território físico entende-se o espaço terrestre, marítimo ou aéreo, sujeito à soberania do Estado (solo, rios, lagos, mares interiores, baías, faixa do mar exterior ao longo da costa – 12 milhas marítimas de largura, medidas a partir da linha de baixa-mar do litoral continente e insular – e espaço aéreo correspondente”. Assim, digamos, por exemplo, que dois aviões privados se choquem no espaço aéreo nacional, aplicar-se- á ao caso a lei brasileira, devido ao princípio da soberania e da territorialidade. 3.1.1 Território por equiparação Além disso, existem situações em que se falará em territórios por equiparação (art. 5º, §1º). São situações que envolvem elementos considerados “pedaços” do nosso território, como as aeronaves e embarcações brasileiras de natureza pública ou à serviço do governo. A estas, independentemente de onde se encontrem, será aplicada a lei penal brasileira. Art. 5º [...] § 1º - Para os efeitos penais, consideram-se como extensão do território nacional as embarcações e aeronaves brasileiras, de natureza pública ou a serviço do governo brasileiro onde quer que se encontrem, bem como as aeronaves e as embarcações brasileiras, mercantes ou de propriedade privada, que se achem, respectivamente, no espaço aéreo correspondente ou em alto-mar. Alguns cuidados são necessários quanto a esse tema: se houver uma aeronave privada, por exemplo, que esteja sobrevoando o nosso espaço aéreo, é óbvio que ela também responderá pela lei brasileira. Digamos, ainda, que ocorra um crime dentro de uma aeronave estrangeira, por exemplo, ao sobrevoar nosso espaço aéreo, o crime será julgado, pelo princípio da territorialidade, pela lei brasileira, mesmo tendo ocorrido dentro de uma aeronave estrangeira. Introdução ao Estudo do Direito Penal | Lugar do crime www.cenes.com.br | 22 Existem vários princípios que regem a questão da territorialidade e o exercício da soberania. Portanto, embora estes outros princípios sejam também observados no que diz respeito à aplicação da lei penal brasileira, em regra, fundamentamo-nos na máxima apresentada pelo art. 5º. No mais, é válido destacar uma particularidade a respeito das embaixadas. Já tem algum tempo que essas instalações não são mais consideradas extensões dos territórios do País que representam, ressalvada apenas a inviolabilidade do domicílio. Isso quer dizer que a embaixada norte-americana em território brasileiro, por exemplo, é do território brasileiro, portanto, se acontecer algum crime dentro dela, será plicada a lei brasileira. É óbvio que se houver alguma convenção em sentido contrário ou se o crime envolver o próprio diplomata, estará afastada a aplicação da lei penal brasileira. 4 Lugar do crime Excepcionando a regra que vimos a pouco, o art. 6º trata sobre a temática dos crimes cometidos a distância, ou seja, aquelas condutas que têm início em um território e terminam em outro ou vice-versa, lembrando que o começo e o fim vão acontecer dentro do território nacional. Para essas condutas, contrariando a regra da teoria da atividade, será considerado no lugar do crime a teoria da ubiquidade, também conhecida como teoria mista. Conforme destaca Rogério Sanches (2020) “da mesma forma que uma infração penal pode se fracionar em tempos diversos, é possível que ela se desenvolva em lugares diversos, percorrendo, inclusive, territórios de dois ou mais países igualmente soberanos”. Neste sentido, Bitencourt (2020) afirma que, “com a doutrina mista evita- se o inconveniente dos conflitos negativos de jurisdição (o Estado em que ocorreu o resultado adota a teoria da ação e vice-versa) e soluciona-se a questão do crime a distância, em que a ação e o resultado realizam-se em lugares diversos”. Introdução ao Estudo do Direito Penal | Lugar do crime www.cenes.com.br | 23 Assim, para que o sujeito infrator seja punido com a lei brasileira, por obvio, deve ter tocado o solo nacional, seja na ação ou omissão ou no resultado da conduta. Digamos, por exemplo, que o sujeito A que está na fronteira Brasil e Paraguai atira no sujeito B que está do lado de lá da fronteira, A poderá ser processado tanto pela lei do Brasil como pela lei do Paraguai, pois, para a aplicação da lei brasileira, é indiferente o local em que se praticou a ação ou onde ela se consumou. 4.1 Extraterritorialidade Superadas nossas considerações a respeito do princípio da territorialidade e do local do crime. Falamos agora, sobre os fatos típicos que ocorrem fora do nosso território nacional, mas, que ainda assim, são submetidos ao ordenamento jurídico brasileiro. A esse fenômeno damos o nome de extraterritorialidade da lei penal e, ela pode ser classificada em três situações distintas, as quais abordaremos na sequência: extraterritorialidade incondicionada; extraterritorialidade condicionada; extraterritorialidade hipercondicionada. LUGAR DO CRIME Art. 6º. "Considera-se praticado o crime no lugar em que ocorreu a ação ou omissão, no todo ou em parte, em como onde se produziu ou deveria produzir-se o resultado". • É importante que você se lembre que a teoria adotada quanto ao lugar do crime é a teoria da ubiquidade, ou seja, ela determina que será a jurisdição brasileira a competente para o processamento e julgamento do crime. Atente-se que, apesar de ser a justiça brsileira competente poderá deixar de ser aplicada caso haja convenções, tratados e regras de Direito Internacional Teoria mista ou da ubiquidade Introdução ao Estudo do Direito Penal | Lugar do crime www.cenes.com.br | 24 4.2 Extraterritorialidade incondicionada A extraterritorialidade incondicionada, como seu próprio nome já diz, não exige nenhuma condição, o mero cometimento do crime em território estrangeiro autoriza a aplicação da lei nacional. Essa possibilidade está prevista no art. 7º, inciso I do Código Penal, ao passo que as condutas típicas estão relacionadas nas alíneas do referido inciso. Desta forma, como podemos observar na letra da lei, nos casos dos crimes previstos no inciso I, o agente deverá ser punido pela lei brasileira, ainda que tenha sido absolvido ou condenado no estrangeiro, dado que a extraterritorialidade incondicionada não exige que seja necessário cumprir qualquer condição para que o sujeito seja processado. Art. 7º - Ficam sujeitos à lei brasileira, embora cometidos no estrangeiro: I - os crimes: a) contra a vida ou a liberdade do Presidente da República; b) contra o patrimônio ou a fé pública da União, do Distrito Federal, de Estado, de Território, de Município, de empresa pública, sociedade de economia mista, autarquia ou fundação instituída pelo Poder Público; c) contra a administração pública, por quem está a seu serviço; d) de genocídio, quando o agente for brasileiro ou domiciliado no Brasil. Um exemplo dessa hipótese é quando ocorre um crime contra a vida ou a liberdade do presidente da República. Imagine que um chinês, por exemplo, tenha atentado Introdução ao Estudo do Direito Penal | Lugar do crime www.cenes.com.br | 25 contra a vida do Presidente durante uma visita a Alemanha. Neste caso, embora o crime tenha sido praticado em território estrangeiro, será aplicada a lei brasileira, desconsiderando-se a lei do País em que ocorreu o atentado ou do agente infrator, independente se condenado ou absolvido por lei estrangeira. Especialmente, quando se tratar do Presidente da República, este será sempre considerado uma extensão do território nacional, onde quer que esteja. 4.2.1 Vedação ao bis in idem Na extraterritorialidade incondicionada, quando o sujeito é condenado em solo estrangeiro, dispõe o art. 8º do Código Penal, em atenção a vedação ao princípio do bis in idem que, “a pena cumprida no estrangeiro atenuaa pena imposta no Brasil pelo mesmo crime, quando diversas, ou nela é computada, quando idênticas”. Isto é, se no caso do exemplo mencionado acima, que o chinês atentou contra a vida do Presidente da República durante uma visita a Alemanha, supondo que o sujeito infrator tenha sido condenado no local em que cometeu o crime a uma pena de reclusão de 6 anos e, depois de cumprido o período, vem a ser condenado no Brasil a 10 anos de reclusão, a pena cumprida na Alemanha atenuará a pena brasileira, restando para o indivíduo cumprir apenas 4 anos da pena. Pena Idênticas Abate a pena cumprida no exterior. Diversas Pena a ser cumprida no Brasil deve ser atenuada considerando a pena cumprida no estrangeiro. Introdução ao Estudo do Direito Penal | Lugar do crime www.cenes.com.br | 26 Da mesma forma que, se o indivíduo for sentenciado na Alemanha a uma pena de 15 anos de reclusão e, depois de cumpri-la, vem para o Brasil, onde é sentenciado a mais 10 anos de reclusão. Em observância a vedação ao princípio do bis in idem, o sujeito não será punido no Brasil, pois, conforme dispõe o 8º, quando as penas são diversas, devem ser atenuadas, e quando idênticas, computadas. 4.3 Extraterritorialidade condicionada Diferente da possibilidade anterior, na hipótese de extraterritorialidade condicionada é necessário que se cumulem as cinco situações previstas no inciso II, § 2º, do art. 7º, para que a lei brasileira seja aplicada ao caso. Assim, para a aplicação da lei brasileira, nos casos definidos em lei, depende do concurso das seguintes condições: ✓ entrar o agente no território nacional; ✓ ser o fato punível também no país em que foi praticado; ✓ estar o crime incluído entre aqueles pelos quais a lei brasileira autoriza a extradição; ✓ não ter sido o agente absolvido no estrangeiro ou não ter aí cumprido a pena; ✓ não ter sido o agente perdoado no estrangeiro ou, por outro motivo, não estar extinta a punibilidade, segundo a lei mais favorável. Em relação aos crimes que podem ser punidos dessa forma são: → que, por tratado ou convenção, o Brasil se obrigou a reprimir; → praticados por brasileiro; Rogério Sanches Cunha (2020) cita Luiz Flávio Gomes e Antonio Molina: “Por força do princípio do ne bis in idem penal (material) ninguém pode ser condenado duas vezes pelo mesmo crime. Essa regra, entretanto, não é absoluta. É relativa. A exceção está precisamente na hipótese de extraterritorialidade da lei penal brasileira: nesse caso, pode o país onde se deu o crime condenar o agente e o Brasil também. São duas condenações pelo mesmo fato. Por força do art. 8º do CP, a pena cumprida no estrangeiro deve ser compensada na pena fixada no Brasil”. Introdução ao Estudo do Direito Penal | Contagem de prazos www.cenes.com.br | 27 → praticados em aeronaves ou embarcações brasileiras, mercantes ou de propriedade privada, quando em território estrangeiro e aí não sejam julgados. No entanto, quando estamos diante de uma situação prática, é muito difícil de se obter todas essas cinco condições exigidas em lei, para o sujeito possa ser punido nos termos do ordenamento jurídico brasileiro. Portanto, ainda que plenamente possível, na prática essa condição não é muito empregada. 4.4 Extraterritorialidade hipercondicionada Por fim, o parágrafo terceiro trata das hipóteses de extraterritorialidade hipercondicionada. Alguns doutrinadores trazem essa circunstância e afirmam que essa forma de extraterritorialidade é hipercondicionada porque, além de ser necessário reunir as condições previstas no §2º, ou seja, além de o sujeito ter que entrar no território, ser punível, autorizar a extradição, nem ser absolvido, para que seja possível aplicar a lei brasileira a um crime cometido por estrangeiro contra brasileiro, fora do território nacional, é necessário que se cumpram as seguintes exigências: Não foi pedida ou foi negada a extradição; Houve requisição do Ministro da Justiça. 5 Contagem de prazos Com relação a contagem de prazos, é interessante destacar algumas regras, pois, ela se difere daquela estabelecida no Código de Processo Penal, ou seja, o prazo processual é diferente do prazo material. Assim, na contagem dos prazos penais considera-se o dia de início, desprezando o do final. Diferente do que ocorre nos prazos processuais, que não se inclui o dia de início, mas sim o do vencimento. Art. 798. Todos os prazos correrão em cartório e serão contínuos e peremptórios, não se interrompendo por férias, domingo ou dia feriado. § 1º Não se computará no prazo o dia do começo, incluindo-se, porém, o do vencimento. Introdução ao Estudo do Direito Penal | Contagem de prazos www.cenes.com.br | 28 Além disso, conforme estabelece o § 3º do mesmo artigo, o prazo que terminar em domingo ou dia feriado, este será prorrogado até o próximo dia útil imediato. Da mesma forma que, no caso das intimações cumpridas na sexta-feira, o prazo processual só começa a correr na segunda-feira seguinte, nos termos da súmula 310 do STF. Súmula 310 – STF. Quando a intimação tiver lugar na sexta-feira, ou a publicação com efeito de intimação for feita nesse dia, o prazo judicial terá início na segunda-feira imediata, salvo se não houver expediente, caso em que começará no primeiro dia útil que se seguir. Conforme destaca Rogério Sanches (2020) “a diferença na contagem dos prazos foi fixada apenas e tão somente para favorecer o réu. Na contagem dos prazos processuais, não se considerando o dia de início, dá-se ao agente "um dia a mais" para lançar mão da providência processual adequada. Em contrapartida, como os prazos penais sempre correm em favor do réu, começam a ser contados um dia antes, sem possibilidade de prorrogação”. Outro aspecto relevante na contagem dos prazos penais é o calendário utilizado. Para o computo do prazo penal utiliza-se o calendário gregoriano, no qual não consideramos o prazo por número de dias, mas sim o dia anterior aquele determinado no mês correspondente. Nas palavras de Guilherme Nucci (2019), no calendário gregoriano “os meses não são contados por número de dias, mas de certo dia do mês à véspera do dia idêntico do mês seguinte, desprezando-se feriados, anos bissextos etc.”. Por exemplo, considerando que no dia 26 de março de 2020 A foi vítima de um crime de injuria praticado por B. A vítima pode ingressar com uma queixa-crime contra B, seu agressor, até o dia 25 de setembro de 2020. Com relação às penas de prisão, liberdade e multa, não lidamos com frações do dia ou de centavos. Introdução ao Estudo do Direito Penal | Conclusão www.cenes.com.br | 29 6 Conclusão Nesta unidade falamos a respeito da aplicação da lei penal, primeiramente tratamos da aplicação da lei no tempo, especialmente no que diz respeito ao princípio do tempus regit actum e dos eventuais conflitos que podem surgir, como, por exemplo, o abolitio criminis, a novatio legis in mellius, novatio legis incriminadora e a novatio legis in pejus, trazendo a ideia da retroatividade e da ultratividade da lei penal. Além disso, discorremos sobre a aplicação da lei penal no espaço, abordando o conceito de território nacional. Encerramos a unidade falando sobre o local do crime, relacionando com a possibilidade de aplicação da norma nos casos de extraterritorialidade e finalizamos com a contagem dos prazos, diferenciando os prazos penais dos processuais. 7 Referências Bibliográficas BITENCOURT, Cezar Roberto. Parte geral: coleção tratado de direito penal volume 1. 26 ed. São Paulo: Saraiva Educação, 2020. CUNHA, Rogério Sanches. Manual de direito penal: parte geral (arts. 1° ao 120). 8 ed. rev., ampl. e atual. Salvador: JusPODIVM, 2020. FERNANDES, Bernardo Gonçalves. Curso de Direito Constitucional. 12 ed. rev., atual, e ampl. Salvador: JusPodivm, 2020. LIMA, Renato Brasileiro de.Manual de processo penal: volume único. 8 ed. rev., ampl. e atual. Salvador: Ed. JusPodivm, 2020. MASSON, Cleber. Direito Penal: parte geral (arts. 1º a 120). 14 ed. Rio de Janeiro: Forense; São Paulo: Método, 2020. NUCCI. Guilherme de Souza. Curso de Direito Penal: parte geral: arts. 1º a 120 do Código Penal. 3 ed. Rio de Janeiro: Forense, 2019. PRADO, Luiz Régis. BITENCOURT. Cezar Roberto. Elementos de Direito Penal: parte especial. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1995. Introdução ao Estudo do Direito Penal | Referências Bibliográficas www.cenes.com.br | 30 Sumário 1 Introdução 2 Aplicação da Lei Penal 2.1 Tempus regit actum 2.2 Conflito intertemporal na aplicação da lei penal no tempo 2.2.1 Abolitio criminis 2.2.2 Novatio legis in mellius 2.2.3 Novatio legis incriminadora 2.2.4 Novatio legis in pejus 2.3 Lei de vigência temporária e leis excepcionais 2.4 Tempo do crime 3 Aplicação da lei penal no espaço 3.1 Conceito de território 3.1.1 Território por equiparação 4 Lugar do crime 4.1 Extraterritorialidade 4.2 Extraterritorialidade incondicionada 4.2.1 Vedação ao bis in idem 4.3 Extraterritorialidade condicionada 4.4 Extraterritorialidade hipercondicionada 5 Contagem de prazos 6 Conclusão 7 Referências Bibliográficas
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