Prévia do material em texto
SUMÁRIO 1. Introdução ..................................................................... 3 2. Mecanismos de ação do bloqueio neuromuscular ................................................................ 6 3. Classificação ..............................................................10 4. Efeitos dos bloqueadores neuromusculares .18 5. Indicações para uso de fármacos bloqueadores neuromusculares .............................24 6. Interação com outros fármacos ..........................27 7. Reversão do bloqueio neuromuscular não despolarizante .....................................................29 Referências Bibliográficas ........................................32 3BLOQUEIO NEUROMUSCULAR 1. INTRODUÇÃO A placa motora é caracterizada pela junção neuromuscular de grande fi- bra nervosa mielinizada com uma fi- bra muscular esquelética, sendo que, a fibra nervosa forma um complexo de terminais nervosos ramificados que se invaginam na superfície ex- tracelular da fibra muscular. No ter- minal axonal há muitas mitocôndrias que fornecem trifosfato de adenosina (ATP), a fonte de energia que é usada para a síntese de transmissor excita- tório: a acetilcolina (ACh). O mecanismo de transmissão neuro- muscular na placa motora ocorre atra- vés da chegada de um potencial de ação no terminal nervoso motor que, por sua vez, causa um influxo de cál- cio e a liberação do neurotransmissor acetilcolina. Em seguida, a acetilcolina difunde-se através da fenda sináptica para ativar os receptores nicotínicos localizados na placa motora. O receptor nicotínico da acetilcolina medeia a neurotransmissão pós-si- náptica na junção neuromuscular e nos gânglios autônomos periféricos. Recebe essa denominação porque sua estimulação ocorre tanto pelo al- caloide nicotina quanto pelo neuro- transmissor acetilcolina. Sabe-se que o receptor nicotínico no adulto é com- posto por cinco peptídeos: dois peptí- deos α, um peptídeo β, um peptídeo α e um peptídeo α. Existem pelo menos dois tipos adicio- nais de receptores de acetilcolina que são encontrados no aparelho neu- romuscular, um deles localiza-se no terminal axônico motor pré-sináp- tico e a ativação desses receptores mobiliza uma quantidade adicional de transmissor para liberação subse- quente por meio da mobilização de grande número de vesículas de ace- tilcolina para a membrana sináptica. O segundo tipo de receptor é encon- trado nas células extrajuncionais e normalmente não está envolvido na transmissão neuromuscular. Toda- via, em certas condições, como na imobilização prolongada e queima- duras térmicas, esses receptores po- dem proliferar o suficiente a ponto de afetar a transmissão neuromuscular subsequente. SE LIGA! A proliferação de receptores de acetilcolina extrajuncionais, pode ser clinicamente relevante quando se utili- zam bloqueadores neuromusculares despolarizantes e não despolarizan- tes. Podem ocorrer relaxamento e para- lisia do músculo esquelético devido à in- terrupção da função em vários locais ao longo da via que se estende do SNC até os nervos somáticos mielinizados, ter- minais nervosos motores não mieliniza- dos, receptores nicotínicos de acetilco- lina, placa motora, membrana muscular e do próprio aparelho contrátil muscular intracelular. 4BLOQUEIO NEUROMUSCULAR A ativação de receptor nicotínico cau- sa despolarização da célula nervosa ou da membrana da placa terminal neuromuscular, devido a ligação de duas moléculas de acetilcolina aos receptores nas subunidades α-α e α-α que determina a abertura do canal. O movimento subsequente de sódio e de potássio através do canal está as- sociado a uma despolarização gradu- ada da membrana da placa motora, essa mudança de voltagem é deno- minada potencial da placa motora. Se o potencial for pequeno, a per- meabilidade e o potencial da placa motora normalizam-se, dessa forma, não há propagação de um impulso da Na+ Na+ ACh ACh Exterior Interior Figura 1. O receptor nicotínico de acetilcolina (nAChR) do adulto é uma proteína intrínseca de membrana com cinco subunidades distintas (α2, α, α e α). As extremida- des terminais N de duas subunidades cooperam para formar duas bolsas de ligação distintas para a acetil- colina (ACh). Essas bolsas ocorrem nas interfaces das subunidades α-α e α-α. Fonte: Farmacologia básica e clínica. Bertram G. Katzung ; Anthony J. 13. ed. Porto Alegre (2017) região da placa motora para o restan- te da membrana muscular. Entretan- to, se o potencial da placa motora for grande, a membrana muscular adjacente é despolarizada e ocorre propagação de um potencial de ação ao longo de toda a fibra muscular. SE LIGA! A magnitude do potencial da placa motora está diretamente relacio- nada com a quantidade de acetilcolina liberada. 5BLOQUEIO NEUROMUSCULAR Figura 2. Transmissão nicotínica na junção neuromuscular esquelética. A ACh liberada do terminal nervoso motor interage com subunidades do receptor nicotínico pentâmero para abri-lo, possibilitando que o influxo de Na+ produza um potencial excitatório pós-sináptico (PEPS). O PEPS despolariza a membrana muscular, gerando um potencial de ação e desencadeando a contração. Fonte: Farmacologia básica e clínica. Katzung. 13. ed. Porto Alegre (2017) No músculo esquelético, a despola- rização inicia um potencial de ação que se propaga através da membra- na muscular e causa contração, que é desencadeada através do processo acoplamento de excitação-contração. Após contração muscular, a acetilcoli- na continua a ativar os receptores en- quanto persistir nesse espaço. Entretanto, ela é removida rapida- mente por dois modos: a maior parte da acetilcolina é destruída pela enzi- ma local acetilcolinesterase e uma Colina Acetato Nervo motor somático Músculo esquelético Placas terminais Potencial de ação Canal fechado Canal aberto Excitação Contração PEPS Na+ pequena quantidade de acetilcolina se difunde para fora do espaço si- náptico e assim deixa de estar dis- ponível para agir sobre a membrana da fibra muscular. O tempo reduzido em que a acetilcolina se mantem no espaço sináptico é normalmente su- ficiente para excitar a fibra muscular. A rápida remoção da acetilcolina evita a reexcitação continuada do músculo, depois que a fibra muscular se recu- perou de seu potencial de ação inicial. 6BLOQUEIO NEUROMUSCULAR 2. MECANISMOS DE AÇÃO DO BLOQUEIO NEUROMUSCULAR O bloqueio da função da placa motora pode ser obtido por meio de dois me- canismos básicos: o primeiro bloqueio farmacológico é através do agonista fisiológico acetilcolina, que é carac- terístico dos agentes bloqueadores neuromusculares antagonistas, como os fármacos bloqueadores neuro- musculares não despolarizantes. Esses fármacos impedem o acesso do transmissor a seu receptor e, por- tanto, a despolarização. O protótipo desse subgrupo não despolarizante é a d-tubocurarina. O segundo tipo de bloqueio pode ser produzido por um excesso de um agonista despolarizante, como a acetilcolina. Esse efeito aparen- temente paradoxal da acetilcolina ocorre pela ocupação prolongada do receptor nicotínico que encerra a resposta efetora, isto é, o neurônio pós-ganglionar deixa de disparar e a célula muscular esquelética relaxa. Além disso, a presença contínua do agonista nicotínico impede a recu- peração elétrica da membrana pós- -juncional. O protótipo dos fármacos bloqueadores despolarizantes é a succinilcolina. SE LIGA! Um bloqueio despolarizan- te semelhante pode ser produzido pela própria acetilcolina, quando são alcan- çadas concentrações locais elevadas na fenda sináptica, como na intoxicação por inibidores da colinesterase, pela nicotina e por outros agonistas nicotínicos. 7BLOQUEIO NEUROMUSCULAR Acetato Colina Acetato Colina Canal fechado Canal fechado Abertura do canal bloqueada Abertura do canal normal Placa motora Placa motora Aceticolina Bloqueador não despolarizante Bloqueador despolarizante Figura 3. Parte superior:a ação do agonista normal, a acetilcolina, na abertura do canal. Parte inferior, à esquerda: mostra um bloqueador não despolarizante, impedindo a abertura do canal quando se liga ao receptor. Parte inferior, à direita: um bloqueador despolarizante, ocupando o receptor e bloqueando o canal. O fechamento normal da comporta do canal é impedido, e o bloqueador pode deslocar-se rapidamente para dentro e para fora do poro. Os bloqueadores despolarizantes podem dessensibilizar a placa motora ao ocuparem o receptor e ao causarem despolarização persis- tente. Fonte: Farmacologia básica e clínica. Katzung. 13. ed. Porto Alegre (2017) 8BLOQUEIO NEUROMUSCULAR Mecanismo não despolarizante Quando administrados em pequenas doses, os relaxantes musculares não despolarizantes atuam predominan- temente no sítio receptor nicotínico, competindo com a acetilcolina. Em doses mais altas, esses fármacos po- dem entrar no poro do canal iônico, produzindo um bloqueio motor mais intenso. Essa ação enfraquece ain- da mais a transmissão neuromuscu- lar e diminui a capacidade dos ini- bidores da acetilcolinesterase de antagonizar o efeito dos relaxantes musculares não despolarizantes. Os relaxantes não despolarizantes tam- bém podem bloquear os canais de sódio pré-juncionais, dessa forma, os relaxantes musculares interferem na mobilização da acetilcolina na termi- nação nervosa e causam desapareci- mento gradual das contrações nervo- sas evocadas. Uma consequência da natureza supe- rável do bloqueio pós-sináptico pro- duzido pelos relaxantes musculares não despolarizantes é o fato de que a estimulação tetânica libera grandes quantidades de acetilcolina, seguida de facilitação pós-tetânica transitória da força de contração. SE LIGA! Uma importante condição clí- nica desse princípio consiste na remo- ção do bloqueio residual por inibidores da colinesterase. Mecanismo despolarizante Esse mecanismo consiste de duas fa- ses: o bloqueio de fase I (despolari- zante) e o bloqueio de fase II (des- sensibilizante). Na primeira fase, o bloqueador neuromuscular reage com o receptor nicotínico para abrir o canal e causar despolarização da pla- ca motora, que, por sua vez, se pro- paga para as membranas adjacentes, causando contrações de unidades motoras musculares. Como o bloqueador não é metaboliza- do efetivamente na sinapse, as mem- branas despolarizadas permanecem despolarizadas e não responsivas aos impulsos subsequentes. Além disso, como o acoplamento excitação-con- tração exige a repolarização da placa motora e descargas repetidas para se manter a tensão muscular, ocorre então a paralisia flácida. SE LIGA! Diferentemente dos fárma- cos não despolarizantes, os inibidores de colinesterase aumentam o bloqueio de fase I e não são capazes de reverter neste período. No segunda fase, com a exposição prolongada ao bloqueador neu- romuscular, a despolarização ini- cial da placa motora diminui e a membrana torna-se repolarizada. Com a repolarização, a membrana não pode ser novamente despolari- zada com facilidade, visto que, está 9BLOQUEIO NEUROMUSCULAR dessensibilizada. O mecanismo en- volvido nessa fase de dessensibili- zação não está bem esclarecido, po- rém algumas evidências indicam que o bloqueio do canal pode tornar-se mais importante do que a ação ago- nista no receptor durante a fase II da ação bloqueadora neuromuscular. Independentemente do mecanismo envolvido, os canais comportam-se como se estivessem em um estado de fechamento prolongado. Nessa fase, as características do bloqueio são quase idênticas àquelas de um bloqueio não despolarizante, com possível reversão por inibidores da acetilcolinesterase. FLUXOGRAMA – MECANISMOS DE AÇÃO DO BLOQUEIO NEUROMUSCULAR BLOQUEIO NEUROMUSCULAR Reversão por inibidores da colinesterase Agonista competitivo da acetilcolina no receptor Interferem na mobilização da acetilcolina na terminação nervosa e causam desaparecimento gradual das contrações nervosas Excesso de agonista despolarizante Bloqueio bifásico Não despolarizante Despolarizante Bloqueio de fase I: Efeito prolongado da acetilcolina Não ocorre repolarização Paralisia flácida Bloqueio da fase II: Exposição continuada Repolarização dificultada Dessensibilização Possível reversão 10BLOQUEIO NEUROMUSCULAR 3. CLASSIFICAÇÃO Os fármacos que atuam no bloqueio neuromuscular são divididos em dois grupos de acordo com seu mecanis- mo de ação, sendo eles: os bloque- adores neuromusculares não des- polarizantes e os bloqueadores despolarizantes. Esses compostos neuromusculares são muito polares e inativos por via oral, dessa forma, precisam ser ad- ministrados por via parenteral. Eles interferem na transmissão da placa motora neuromuscular e carecem de atividade no sistema nervoso central. São utilizados principalmente como adjuvantes durante a anestesia geral para otimizar as condições cirúrgicas e facilitar a intubação endotraqueal, de modo a garantir uma ventilação adequada. Fármacos não despolarizantes SAIBA MAIS! Durante o século XVI, os exploradores europeus constataram que os nativos da Bacia Ama- zônica na América do Sul utilizavam o curare, um veneno nas flechas que produzia paralisia dos músculos esqueléticos para matar animais. O composto ativo d-tubocurarina e seus de- rivados sintéticos modernos tiveram uma importante influência na prática da anestesia e ci- rurgia, além de demonstrarem utilidade na compreensão dos mecanismos básicos envolvidos na transmissão neuromuscular. Quando administrados os relaxantes musculares não despolarizantes atu- am predominantemente no sítio do re- ceptor nicotínico de acetilcolina. Esses fármacos se ligam a uma ou as duas subunidades alfa dos receptores ni- cotínicos pós-sinápticos e competem com a acetilcolina pelo receptor, o re- sultado desse mecanismo depende da concentração e da afinidade de cada um ao receptor. Sabe-se que a ligação é reversível e ocorre uma associação e dissociação repetidamente. Como em qualquer ação antago- nista, o bloqueador possui afinida- de pelo receptor nicotínico, mas não desencadeia uma atividade intrínse- ca, impedindo, assim, a abertura do canal nicotínico, a troca iônica, surgi- mento do potencial de placa motora e a consequente contração muscular, causando um relaxamento muscular. SE LIGA! O bloqueio se inicia quando 70-80% dos receptores estão ocupados e para que se torne completa é necessá- rio que seja ocupado mais de 90% dos receptores. Os bloqueadores não despolarizantes podem ser divididos pela sua estrutu- ra química e pelo seu tempo de ação. 11BLOQUEIO NEUROMUSCULAR Em relação a composição química podem ser derivados de isoquinolina ou de esteroides, sendo chamados de benzilisoquinolínicos e de ami- noesteróides respectivamente. So- bre o tempo de ação podem ser clas- sificados em fármacos de ação curta, intermediária ou longa. Esses bloqueadores são bastante io- nizados, não atravessam facilmente as membranas celulares e não estão ligados com força aos tecidos peri- féricos. Por conseguinte, seu volume de distribuição é apenas um pouco maior do que o volume sanguíneo. A duração do bloqueio neuromus- cular produzido por relaxantes não despolarizantes está correlacionada com a meia-vida de eliminação. Os fármacos excretados pelos rins normalmente apresentam meias-vi- das mais longas, resultando em maior duração (> 35 minutos), entretanto os fármacos eliminados pelo fígado ten- dem a apresentar meias-vidas e ação mais curtas. SE LIGA! A taxa de desaparecimento do agente bloqueador neuromuscular não despolarizante do sangue carac- teriza-se por uma rápida fase inicial de distribuição seguida de uma fase de eli- minação mais lenta. FÁRMACO PROPRIEDADES FARMACOLÓGICAS TEMPO APROXI- MADO DE AÇÃO (MINUTOS) DOSAGEM INICIAL (MG/KG) VIAS DE ELIMINAÇÃO Derivados da Isoquinolina Atracúrio Duração intermediária; competitivo 1,5 0,5 Degradação de Hofmann; hidrólise pelasesterases plas- máticas; eliminação renal Cisatracúrio Duração intermediária; competitivo 1,5 0,1-0,4 Degradação de Hofmann e eliminação renal Tubocurarina Duração longa; competitivo >50 0,6 Eliminação renal e hepática Derivados de esteroides Pancurônio Duração longa; competitivo >35 0,08-0,1 Eliminação renal e hepática Rocurônio Duração intermediária; competitivo 20-35 0,6-1,2 Eliminação hepática Vecurônio Duração intermediária; competitivo 20-35 0,1 Eliminação renal e hepática Outros agentes Succinilcolina Duração ultracurta; despolarizante <8 0,5-1 Hidrólise pelas colinesterases plasmáticas Tabela 1. Propriedades farmacocinéticas e farmacodinâmicas dos fármacos bloqueadores neuromusculares. Farmaco- logia básica e clínica. Bertram G. Katzung ; Anthony J. 13. ed. Porto Alegre (2017) 12BLOQUEIO NEUROMUSCULAR CONCEITO! A eliminação pela via de Hofmann consiste na degradação es- pontânea não enzimática em pH e tem- peraturas normais. A reação de Hofmann é independente de qualquer órgão ou sistema o que torna mais seguro o uso de fármacos com essa via de eliminação em doentes sofrendo de falências renais ou hepáticas. Compostos Benzilisoquinolínicos Essas drogas consistem de dois grupa- mentos amônios quaternários ligados entre si por uma cadeia de grupos metil. São mais suscetíveis à hidrólise no plas- ma e tem como característica causar a liberação de histamina, tem como exemplos a tubocurarina, o atracúrio, o cisatracúrio e o mivacúrio. Entre os compostos benzilisoquinolíni- cos de ação longa, temos a tubocura- rina, que foi o primeiro bloqueador usa- do na prática clínica. Possui esse nome porque é obtida do extrato da planta chamada curare, que era utilizada por povos indígenas para a caça. Apresen- ta efeitos colaterais como hipotensão e taquicardia, devido à liberação acentu- ada de histamina. O bloqueio ganglio- nar pode ocorrer na administração de grandes doses. A excreção é principal- mente através na urina, mas também pode ocorrer na bile. Os seus efeitos são prolongados nos casos de insufi- ciência renal. Em geral, seu uso foi su- plantado por agentes com melhor perfil de efeitos colaterais e pode não está mais disponível em alguns países. SE LIGA! Para intubação, a dose reco- mendada de tubocurarina é de 0,5 a 0,6 mg/kg; se a traqueia já está intubada, a dose inicial é de 0,2 a 0,4 mg/kg. Já o atracúrio possui tempo de ação intermediário e não é mais ampla- mente usado na clínica atual. Além de seu metabolismo hepático, o atra- cúrio é inativado por uma forma de degradação espontânea, conhecida como eliminação de Hofmann. Sen- do que, seus principais produtos de degradação são a laudanosina e um ácido quaternário relacionado, ambos sem qualquer propriedade bloquea- dora neuromuscular. Em relação a laudanosina, sua meta- bolização hepática é lenta e apresenta meia-vida de eliminação mais longa. Atravessa com facilidade a barreira hematencefálica e em concentrações sanguíneas elevadas, pode causar convulsões e aumento na necessidade de anestésico volátil. Durante a anes- tesia cirúrgica, os níveis sanguíneos de laudanosina normalmente variam de 0,2 a 1 mcg/mL, entretanto, com infu- sões prolongadas de atracúrio na UTI, os níveis sanguíneos de laudanosina podem ultrapassar 5 mcg/mL. O uso desse fármaco ocasiona liberação de histamina e não causa efeitos cardio- vasculares diretos. Embora se assemelhe ao atracúrio, o cisatracúrio depende menos da inativação hepática, produz menos 13BLOQUEIO NEUROMUSCULAR laudanosina e tem menos tendência a liberar histamina. Dentro de uma perspectiva clínica, o cisatracúrio apresenta todas as vantagens do atracúrio, com menos efeitos colate- rais. É constituído por 15% do com- posto precursor e é quatro vezes mais potente, com maior duração de ação. Por conseguinte, o fármaco substituiu, em grande parte, o atracú- rio na prática clínica. Por fim, temos o mivacúrio que é uma droga de curta ação, aproximada- mente 15 minutos, o que o torna po- tencialmente útil para intubação em situações eletivas e para manutenção do relaxamento muscular em proce- dimentos curtos (15 a 45 minutos). É associado a liberação histaminérgica causando hipotensão significativa em doses maiores que 0,2mg/kg. SE LIGA! Assim como os derivados de esteroides, sua duração de ação é au- mentada em pacientes com colinestera- se plasmática atípica. FLUXOGRAMA – CLASSIFICAÇÃO DOS BLOQUEADORES NEUROMUSCULARES POR TEMPO DE AÇÃO Classificação dos bloqueadores neuromusculares por tempo de ação Ação curta Ação longa Ação intermediária Succinilcolina Mivacúrio Tubocurarina Pancurônio Atracúrio Cisatracúrio Rocurônio Vecurônio Compostos aminoesteróides Já os compostos aminoesteróides possuem pelo menos um grupamento amônio quaternário ligado a um anel esteroide. Eles tendem a não causar liberação de histamina e a sua maio- ria é metabolizada no órgão-alvo 14BLOQUEIO NEUROMUSCULAR contudo tem início de ação discreta- mente mais rápido e não causa libe- ração de histamina e é desprovido de efeitos cardiovasculares. O metabo- lismo hepático o converte em meta- bólitos ativos que são excretados na urina e na bile. O relaxante rocurônio apresenta o início de ação mais rápido entre os fármacos não despolarizantes dis- poníveis clinicamente. As condições para intubação traqueal podem ser atingidas em 60-90 segundos após uma dose de indução de 0,6mg/kg. Apresenta duração de ação interme- diária, sendo metabolizado no fígado e excretado na bile. O rocurônio exer- ce efeitos cardiovasculares mínimos e não libera histamina, contudo, tem maior incidência de reações anafi- láticas do que os demais neuroblo- queadores aminoesteróides. Em síntese, os relaxantes muscula- res esteroides de ação intermediá- ria, como o vecurônio e o rocurônio, tendem a depender mais da excre- ção biliar ou do metabolismo hepático para a sua eliminação. Esses relaxan- tes musculares são mais comumen- te utilizados na clínica do que os fár- macos à base de esteroides de ação prolongada. SE LIGA! A duração de ação desses fármacos pode estar significativamente prolongada em pacientes com compro- metimento da função hepática. antes da excreção. São exemplos de fármacos o pancurônio, vecurônio e rocurônio. Todos os relaxantes musculares es- teroides são metabolizados a seus produtos 3-hidroxi, 17-hidroxi ou 3,17-di-hidroxi no fígado. Em geral, os metabólitos 3-hidroxi apresentam 40 a 80% da potência do fármaco original. Em circunstâncias normais, os metabólitos não são formados em quantidades suficientes para produ- zir um grau significativo de bloqueio neuromuscular durante ou após a anestesia. SE LIGA! Se o composto original for ad- ministrado durante vários dias no con- texto da UTI, pode haver acúmulo do metabólito 3-hidroxi, causando paralisia prolongada, em virtude de sua meia-vi- da mais longa do que a do composto original. O pancurônio foi o primeiro bloque- ador aminoesteróides usado clini- camente e tem início de ação lento e longa duração de ação. Não causa liberação de histamina e apresenta propriedades simpatomiméticas dis- cretas, portanto causa taquicardia. É parcialmente desacetilado no fígado a um metabólito ativo e excretado inalterado na urina. Sua ação é pro- longada em pacientes com disfunção renal ou hepática. O composto vecurônio é estrutural- mente semelhante ao pancurônio, 15BLOQUEIO NEUROMUSCULAR Fármacos despolarizantes Agentes despolarizantes, atuam por um mecanismo diferente, cuja ação inicial desses fármacos é despolari- zar a membrana abrindo os canais da mesma maneira que acontece com a acetilcolina. Entretanto, eles persis- tem por mais tempo na junção neu- romuscular, principalmente porque são resistentes à acetilcolinestera- se. Os fármacos despolarizantes pro- duzem uma sequência de excitação repetitiva seguida de bloqueio da transmissão e de paralisia neuro- muscular, contudo, essa sequência é influenciadapor fatores como o anestésico usado, o tipo de músculo e a velocidade de administração do fármaco. A succinilcolina é o único fármaco bloqueador despolarizante clinica- mente útil, os efeitos neuromusculares são iguais aos da acetilcolina, exceto pelo fato de produzir um efeito mais longo na junção mioneural. A duração de ação é extremamente curta, devi- do à sua rápida hidrólise pela butirilco- linesterase e pseudocolinesterase no fígado e no plasma, respectivamente. O metabolismo pela colinesterase plasmática constitui a via predomi- nante de eliminação do composto. Como a colinesterase plasmática tem uma enorme capacidade de hidrolisar a succinilcolina, apenas uma peque- na porcentagem da dose intravenosa original alcança a junção neuromus- cular. Além disso, como existe pouca ou nenhuma colinesterase plasmática na placa motora, o bloqueio induzido pela succinilcolina termina com a sua difusão da placa motora para o líqui- do extracelular. Por conseguinte, os níveis plasmá- ticos circulantes de colinesterase influenciam a duração de ação da FÁRMACO DOSAGEM DE MANUTENÇÃO INJEÇÃO INTERMITENTE (MG/KG) INFUSÃO CONTÍNUA (ΜG/KG/MIN) Succinilcolina 0,5-1 0,04-0,07 - Tubocurarina 0,6 0,25-0,5 2-3 Atracúrio 0,5 0,08-0,1 5-10 Cisatracúrio 0,1-0,4 0,03 1-3 Mivacúrio 0,15-0,25 0,1 9-10 Pancurônio 0,08-0,1 0,01-0,015 1 Rocurônio 0,6-1,2 0,1-0,2 10-12 Vencurônio 0,1 0,01-0,015 0,8-1 Tabela 2. Dosagens dos fármacos bloqueadores neuromusculares. As bases farmacológicas da terapêutica de Good- man & Gilman (2012) 16BLOQUEIO NEUROMUSCULAR succinilcolina ao determinar a quanti- dade do fármaco que alcança a placa motora. SE LIGA! O bloqueio neuromuscular produzido pela succinilcolina pode ser prolongado em pacientes com uma va- riante genética anormal da colinesterase plasmática. O número de dibucaína é uma me- dida da capacidade do indivíduo de metabolizar a succinilcolina e pode ser utilizado para identificar pacien- tes de alto risco. Nas condições pa- dronizadas do teste, a dibucaína inibe em 80% a enzima normal e em ape- nas 20% a enzima anormal. Foram identificadas muitas variantes genéti- cas da colinesterase plasmática, em- bora as variantes relacionadas com a dibucaína sejam as mais importantes. Tendo em vista a raridade dessas va- riantes genéticas, o teste da colines- terase plasmática não constitui um procedimento clínico de rotina, mas pode estar indicado para pacientes com história familiar de deficiência da colinesterase plasmática. Outra es- tratégia razoável consiste em evitar o uso da succinilcolina em pacientes com possível história familiar de de- ficiência de colinesterase plasmática. 17BLOQUEIO NEUROMUSCULAR FLUXOGRAMA – CLASSIFICAÇÃO DOS BLOQUEADORES NEUROMUSCULARES Rápida distribuição e lenta eliminação Agonista competitivo da acetilcolina no receptor Benzilisoquinolínicos Aminoesteroides Rápida depuração Bloqueio bifásico Complicações Succinilcolina De ação longa De ação intermediária De ação curta Tubocurarina Atracúrio Cisatracúrio Mivacúrio De ação intermediáriaDe ação longa Rocurônio Vecurônio Pancurônio Bloqueio de fase I: Efeito prolongado da acetilcolina Não ocorre repolarização Paralisia flácida Bloqueio da fase II: Exposição continuada, Repolarização dificultada, Dessensibilização, Possível reversão Anafilaxia, hipertermia maligna, bloqueio prolongado Ação curta Fármacos não despolarizantes Fármacos despolarizantes BLOQUEADORES NEUROMUSCULARES 18BLOQUEIO NEUROMUSCULAR 4. EFEITOS DOS BLOQUEADORES NEUROMUSCULARES Sobre a paralisia do músculo esque- lético, antes da introdução dos fárma- cos bloqueadores neuromusculares, o relaxamento profundo muscular para operações intracavitárias só podia ser obtido pela produção de níveis de anestesia volátil profundos o suficien- te para provocar efeitos depressores sobre os sistemas cardiovascular e respiratório. SE LIGA! O uso adjuvante de fármacos bloqueadores neuromusculares tornou possível a obtenção de um relaxamento muscular adequado para todos os tipos de procedimentos cirúrgicos, sem os efeitos depressores cardiorrespiratórios produzidos pela anestesia profunda. O monitoramento do efeito dos rela- xantes musculares durante a cirurgia envolve o uso de um dispositivo que produz estimulação elétrica trans- dérmica de um dos nervos periféri- cos para a mão ou para os músculos faciais, com registro das contrações produzidas. A abordagem padrão para o monitoramento dos efeitos clínicos dos relaxantes musculares durante a cirurgia utiliza a estimula- ção de nervos periféricos para de- sencadear respostas motoras, que são visualmente observadas pelo anestesiologista. FÁRMACO EFEITO SOBRE OS GÂN- GLIOS AUTÔNOMOS EFEITOS SOBRE OS RE- CEPTORES MUSCARÍNI- COS CARDÍACOS TENDÊNCIA A CAU- SAR LIBERAÇÃO DE HISTAMINA Derivados da Isoquinolina Atracúrio Nenhum Nenhum Leve Cisatracúrio Nenhum Nenhum Nenhum Tubocurarina Bloqueio fraco Nenhum Moderada Derivados de esteroides Pancurônio Nenhum Bloqueio moderado Nenhum Rocurônio Nenhum Leve Nenhum Vecurônio Nenhum Nenhum Nenhum Outros agentes Succinilcolina Estimulação Estimulação Leve Tabela 3. Efeitos dos fármacos bloqueadores neuromusculares sobre outros tecidos. Farmacologia básica e clínica. Bertram G. Katzung ; Anthony J. 13. ed. Porto Alegre (2017) 19BLOQUEIO NEUROMUSCULAR Efeitos dos fármacos não despolarizantes Durante a anestesia, a administração de tubocurarina, 0,1 a 0,4 mg/kg por via intravenosa, de início provoca fra- queza motora e em seguida os mús- culos esqueléticos tornam-se flácidos e não excitáveis à estimulação elétri- ca. Em geral, os músculos mais vo- lumosos, como os do abdome, do tronco e do diafragma, são mais re- sistentes ao bloqueio neuromuscular e recuperam-se com mais rapidez do que os músculos de menor volume, como os da face, dos pés e das mãos. O diafragma é habitualmente o último músculo a ser paralisado. Pressupon- do que a ventilação seja adequada- mente mantida, não ocorre nenhum efeito adverso com a paralisia dos músculos esqueléticos. Quando a ad- ministração de relaxantes muscula- res é interrompida, a recuperação dos músculos ocorre na sequência inver- sa, sendo o diafragma o primeiro a recuperar a função. O efeito farmacológico da tubocura- rina, em uma dose de 0,3 mg/kg in- travenosa, dura habitualmente de 45 a 60 minutos. Entretanto, evidências sutis de paralisia muscular residual detectada com monitor neuromus- cular podem persistir por mais uma hora, aumentando a probabilidade de desfechos adversos, como aspiração e diminuição do impulso hipóxico. Além da duração de ação, a proprie- dade mais importante que diferencia os relaxantes não despolarizantes é o tempo de início do efeito bloqueador, que determina a rapidez com que se pode intubar a traqueia do paciente. Entre os fármacos não despolarizan- tes atualmente disponíveis, o rocurô- nio é o que apresenta início de ação mais rápido, com cerca de 60 a 120 segundos. Sobre os efeitos cardiovasculares o vecurônio, atracúrio e o cisatra- cúrio exercem efeitos mínimos ou nenhum efeito. Os outros relaxan- tes musculares não despolarizantes, como o pancurônio, produzem efeitos cardiovasculares mediados por re- ceptores autônomos ou de histamina. A tubocurarina e, em menor grau, o atracúrio podem produzir hipoten- são em consequência da liberação sistêmica de histamina e com a ad- ministração de doses maiores, pode ocorrer bloqueio ganglionar com a tu- bocurarina. A pré-medicação com um agente anti-histamínico atenua a hi- potensão induzida pela tubocurarina. Já o pancurônio provoca aumento moderado da frequência cardíaca e aumento sutil do débito cardíaco, com pouca ou nenhuma alteração na resis- tência vascular sistêmica. Embora a taquicardia induzida pelo pancurônio seja causada principalmente por uma ação vagolítica, a liberação de nore- pinefrina das terminações nervosas 20BLOQUEIO NEUROMUSCULAR adrenérgicase o bloqueio da capta- ção neuronal da norepinefrina podem constituir mecanismos secundários. SE LIGA! O broncoespasmo pode ser produzido por bloqueadores neuromus- culares que liberam histamina, porém a inserção de um tubo endotraqueal cons- titui a causa mais comum de bronco- espasmo após a indução da anestesia geral. Efeitos dos fármacos despolarizantes Após a administração da succinilco- lina, na dose de 0,75 a 1,5 mg/kg in- travenoso, são observadas fascicula- ções musculares transitórias no tórax e no abdome em 30 segundos. Em- bora a anestesia geral e a adminis- tração prévia de uma pequena dose de relaxante muscular não despolari- zante tenha tendência a atenuá-las. Com o rápido desenvolvimento da paralisia, os músculos dos braços, do pescoço e das pernas são os primei- ros a relaxar, seguidos dos músculos respiratórios. Em consequência da rápida hidrólise da succinilcolina pela colinesterase no plasma e no fígado, a duração do bloqueio neuromuscu- lar é normalmente de menos de 10 minutos. A succinilcolina pode provocar ar- ritmias cardíacas, particularmen- te quando administrado durante a anestesia com halotano. HORA DA REVISÃO! O halotano é um anestésico que esti- mula os receptores colinérgicos autôno- mos, inclusive os receptores nicotínicos nos gânglios tanto simpáticos quanto parassimpáticos e os receptores musca- rínicos no coração, por exemplo no nodo sinusal. As respostas inotrópicas e cronotrópi- cas negativas a succinilcolina podem ser atenuadas pela administração de um agente anticolinérgico. Com gran- des doses de succinilcolina, podem ser observados efeitos inotrópicos e cronotrópicos positivos. Os efeitos diretos sobre o miocárdio, o aumento da estimulação muscarí- nica e a estimulação ganglionar con- tribuem para essa resposta de bradi- cardia. Por outro lado, a bradicardia tem sido observada repetidamente quando se administra uma segunda dose de succinilcolina em menos de 5 minutos após a dose inicial. SE LIGA! Essa bradicardia transitória pode ser evitada pela administração de tiopental, atropina, bloqueadores gan- glionares e até mesmo pelo pré-trata- mento com uma pequena dose de rela- xante muscular não despolarizante. 21BLOQUEIO NEUROMUSCULAR Efeitos colaterais dos fármacos despolarizantes Hipercalemia Os pacientes com queimaduras, le- são nervosa ou doença neuromus- cular, traumatismo cranioencefáli- co fechado e outros traumatismos podem apresentar proliferação dos receptores de acetilcolina extrajun- cionais. Durante a administração do fármaco, ocorre liberação de potássio dos músculos, provavelmente devi- do a fasciculações. Se a proliferação dos receptores extrajuncionais for grande o suficiente, uma quantidade suficiente de potássio pode ser libe- rada, resultando em parada cardíaca. FLUXOGRAMA – EFEITOS COLATERAIS DO BLOQUEIO DESPOLARIZANTE EFEITOS COLATERAIS DO BLOQUEIO DESPOLARIZANTE Elevação da pressão intraocular e da pressão intragástrica Bradicardias Mialgia Bloqueio da fase II e bloqueio prolongado Hipercalemia AnafilaxiaHipertemia maligna Sabe-se que o potássio sérico médio aumenta em 0,5mmol/l após a admi- nistração de succinilcolina. O risco máximo de hipercalemia em pacientes queimados ocorre do 9º ao 60º dia pós-queimadura. Dessa for- ma, a utilização de succinilcolina nos primeiros 2 a 3 dias após queimadu- ras graves é considerado seguro. SE LIGA! Pacientes com hipercalemia pré-existente estão sob risco de arrit- mias cardíacas e morte. 22BLOQUEIO NEUROMUSCULAR Elevação da pressão intraocular A administração de succinilcolina pode estar associada ao rápido início de aumento da pressão intraocular (< 60 segundos), que alcança um máxi- mo dentro de 2 a 4 minutos, com de- clínio depois de cinco minutos. O me- canismo pode envolver a contração tônica das miofibrilas ou a dilatação transitória dos vasos sanguíneos co- roidais oculares, devido ao risco teó- rico de extravasamento de conteúdo vítreo em pacientes com lesão ocular penetrante. Apesar da elevação da pressão intraocular, o uso do fárma- co para operações oftalmológicas não está contraindicado, a não ser que a câmara anterior esteja aberta devido a traumatismo. Bloqueio de fase II Pode ocorrer após grandes ou repe- tidas doses de succinilcolina. Nes- se bloqueio, à contração do bloqueio despolarizante (fase II), a placa termi- nal repolariza-se e teoricamente es- taria outra vez responsiva à acetilco- lina entretanto, o receptor pode sofrer alterações transitórias que o tornam insensível ao neurotransmissor, e por isso, o bloqueio também é chamado de dessensibilzaçao. Esse bloqueio pode ocorrer também em casos de pseudocolinesterases atípicas. Anafilaxia A succinilcolina é o maior respon- sável pelas reações anafiláticas aos bloqueadores neuromuscula- res, totalizando cerca de 50% dos casos. Os sinais e sintomas de uma reação alérgica anafilática iniciam-se, em geral entre segundos até 20 a 30 minutos após a administração venosa da droga. Quanto mais precoce o co- meço da reação alérgica, mais grave é o caso. Bloqueio prolongado devido a atividade reduzida da colinesterase plasmática Pode ser atribuído a causas congê- nitas ou adquiridas. Entre as causas adquiridas temos a síntese enzimá- tica diminuída, que pode ocorrer na presença de doença hepática, car- cinomatose, gestação ou jejum pro- longado, insuficiência cardíaca, in- suficiência renal e queimaduras. A coadministração de determinadas drogas como etomidato, anestésicos locais do tipo éster, metotrexate, re- mifentanil e esmolol pode resultar em redução da atividade da colinesterase plasmática. As causas hereditárias ocorrem devi- do à produção de colinesterase plas- mática atípica. A duração do bloqueio varia de 30 minutos (heterozigotos para o gene atípico) a várias horas (homozigotos para o gene silencioso). 23BLOQUEIO NEUROMUSCULAR HORA DA REVISÃO! A estrutura da enzima colinesterase é determinada geneticamente por um gene no cromossomo 3, que é descrito como o gene normal (94% da população é homozigota). Existem três variantes desse gene que são denominadas va- riante atípica, variante silenciosa e gene resistente a fluoretos. Indivíduos com esses genes variantes têm colinestera- se plasmática atípica, e apresentam blo- queio neuromuscular prolongado após administração do succinilcolina. Hipertermia Maligna É um dos problemas mais importan- te associado ao uso de succinilcolina. Caracterizada por uma complicação rara, mas que pode ser fatal e é de- sencadeada pela administração do fármaco em pacientes suscetíveis, principalmente precedida pelo uso de uma agente inalatório. Os sinais clínicos incluem contraturas, rigi- dez e produção de calor pela mus- culatura esquelética resultando em grave hipertermia (aumentos de até 1ºC/5min), aceleração do metabolis- mo muscular, acidose metabólica e taquicardia. A suscetibilidade a hipertermia malig- na, que é desenvolvida por um traço autossômico dominante, está asso- ciada a certas miopatias congênitas como a doença do núcleo central. Na maioria dos casos, contudo, não há sinais clínicos visíveis na ausência da intervenção anestésica. SE LIGA! Pacientes com história familiar de hipertermia maligna e os que apre- sentam contratura do músculo masseter quando se utiliza o medicamento suc- cinilcolina têm maior chance de desen- volver o quadro. Nestes dois casos, se o paciente realmente necessitar de uma anestesia, a monitorização de tempera- tura deve ser precisa e o uso do fármaco evitado. O tratamento para esse quadro inclui administração intravenosa de dan- troleno, que bloqueia a liberação de cálcio do retículo sarcoplasmático do músculo liso. O rápido resfriamento, inalação de O2 a 100% e o controle da acidose devem ser considerados tratamentos auxiliares na hiperter- mia maligna. A redução das taxas de fatalidade da hipertermia maligna se relaciona com a conscientização dos anestesistas desta condição e daefi- cácia do dantroleno. Elevação da pressão intragástrica Em pacientes com massa muscular muito desenvolvida, as fasciculações associadas ao succinilcolina podem causar aumento da pressão intra- gástrica, aumentando o risco de re- gurgitação e aspiração do conteúdo gástrico. 24BLOQUEIO NEUROMUSCULAR SE LIGA! Essa complicação tende a ocorrer em pacientes com esvaziamento gástrico tardio, por exemplo pacientes com diabetes, lesão traumática, disfun- ção esofágica e obesidade mórbida. Dor muscular As mialgias constituem uma queixa pós-operatória comum em pacientes com massa muscular muito desen- volvida, bem como naqueles que re- cebem grandes doses (> 1,5 mg/kg) de succinilcolina. É difícil estabelecer a verdadeira incidência das mialgias relacionadas com fasciculações mus- culares, devido a fatores que pro- duzem confusão, inclusive a técnica anestésica, o tipo de cirurgia e o po- sicionamento do paciente durante a operação. Todavia, foi relatado que a incidência de mialgias varia de menos de 1 a 20%. Ocorrem com mais frequência em pacientes am- bulatoriais do que em acamados. Acredita-se que a dor seja secundária às contrações dessincronizadas das fibras musculares adjacentes imedia- tamente antes do início da paralisia. Estratégias como pré-curarização existem para reduzir a sua incidência, porém nenhuma estratégia é comple- tamente preventiva. 5. INDICAÇÕES PARA USO DE FÁRMACOS BLOQUEADORES NEUROMUSCULARES FLUXOGRAMA – INDICAÇÕES PARA O BLOQUEIO NEUROMUSCULAR INDICAÇÕES PARA O BLOQUEIO NEUROMUSCULAR Relaxamento cirúrgico Otimizar ventilação Intubação orotraquealTratamento de convulsões Farmacologia básica e clínica. Bertram G. Katzung ; Anthony J. 13. ed. Porto Alegre (2017) 25BLOQUEIO NEUROMUSCULAR Relaxamento cirúrgico O principal uso clínico dos fárma- cos bloqueadores neuromuscula- res é como adjuvante da anestesia cirúrgica para produzir relaxamento dos músculos esqueléticos, principal- mente da parede abdominal e facilitar as manipulações cirúrgicas. Conside- rando-se que o relaxamento muscu- lar não é mais dependente da profun- didade da anestesia geral, um nível muito mais superficial de anestesia é suficiente. Assim, o risco de depres- são respiratória e cardiovascular é re- duzido, e a recuperação pós-anesté- sica é abreviada. Apesar dessas considerações, os bloqueadores neuromusculares não podem ser usados como substitutos de uma anestesia de profundidade inadequada. Caso contrário, o pa- ciente pode desenvolver respostas reflexas aos estímulos dolorosos e re- cuperar a consciência. O relaxamen- to muscular também é útil em vários procedimentos ortopédicos, como a correção de luxações e o alinhamento de fraturas. Intubação traqueal Em geral se utilizam bloqueadores neuromusculares de ação curta para facilitar a intubação endotraqueal e a laringoscopia, broncoscopia e eso- fagoscopia em associação com um anestésico geral. A colocação de um tubo endotraqueal assegura uma via respiratória adequada e minimiza o risco de aspiração pulmonar durante a anestesia geral. Figura 4. Intubação endotraqueal. Fonte: https://www.abc.med.br/p/exames-e-procedimentos 26BLOQUEIO NEUROMUSCULAR Controle da ventilação Em pacientes em estado crítico que apresentam insuficiência ventilatória de várias causas, como no bronco- espasmo grave, pneumonia, doença obstrutiva crônica das vias respira- tórias, pode ser necessário controlar a ventilação para proporcionar uma SAIBA MAIS! Tendo em vista a abordagem definitiva da via aérea para minimizar o esforço respiratório e a exposição do COVID-19, na intubação orotraqueal é preconizada o bloqueio neuromuscular com rocurônio 1,2mg/kg ou succinilcolina 1mg/kg. troca gasosa adequada e impedir a ocorrência de atelectasia. Na UTI, os fármacos bloqueadores neuromus- culares são frequentemente adminis- trados para reduzir a resistência da parede torácica, diminuir a utilização de oxigênio e melhorar a sincronia da ventilação mecânica. Tratamento das convulsões Em certas ocasiões, são utilizados fármacos bloqueadores neuromuscu- lares para atenuar as manifestações periféricas motoras das convulsões associadas ao estado de mal epi- léptico, à toxicidade dos anestésicos locais ou à eletroconvulsoterapia. Embora essa abordagem seja efe- tiva na eliminação das manifesta- ções musculares das crises convul- sivas, não tem nenhum efeito sobre os processos centrais, visto que os fármacos bloqueadores neuromus- culares não atravessam a barreira hematencefálica. 27BLOQUEIO NEUROMUSCULAR 6. INTERAÇÃO COM OUTROS FÁRMACOS SE LIGA! Entre os anestésicos gerais, os anestésicos inalatórios aumentam os efeitos dos relaxantes musculares na seguinte ordem: isoflurano (maior), se- voflurano, desflurano, halotano e óxido nitroso. FLUXOGRAMA – INTERAÇÃO COM OUTROS FÁRMACOS Farmacologia básica e clínica. Bertram G. Katzung ; Anthony J. 13. ed. Porto Alegre (2017) Anestésicos inalatórios potencializam o bloqueio neuromuscular produzido por bloqueadores não despolarizantes de modo dose-dependente INTERAÇÃO COM OUTROS FÁRMACOS Muitos antibióticos causam depressão da liberação induzida de acetilcolina Em grandes doses, podem bloquear a transmissão neuromuscular Efeito despolarizante da succinilcolina pode ser antagonizado pela administração de uma pequena dose de bloqueador não despolarizante Anestésicos Antibióticos Agentes locais Outros bloqueadores neuromusculares Anestésicos Os anestésicos inalatórios potencia- lizam o bloqueio neuromuscular pro- duzido por relaxantes musculares não despolarizantes de modo depen- dente da dose. 28BLOQUEIO NEUROMUSCULAR Os fatores mais importantes envolvi- dos nessa interação são depressão do sistema nervoso em locais proximais à junção neuromuscular, aumento do fluxo sanguíneo muscular, diminuição da sensibilidade da membrana pós- -juncional à despolarização. Uma rara interação da succinilcolina com anes- tésicos voláteis resulta em hiperter- mia maligna, uma condição causada pela liberação anormal de cálcio das reservas no músculo esquelético. Antibióticos Inúmeros relatos descreveram um aumento do bloqueio neuromuscular por antibióticos. Foi constatado que muitos dos antibióticos causam depressão da liberação induzida de acetilcolina, semelhante àque- la produzida pela administração de magnésio. O mecanismo desse efei- to pré-juncional parece consistir no bloqueio de canais de cálcio do tipo P específicos na terminação nervosa motora. Anestésicos locais e agentes antiarrítmicos Quando administrados em pequenas doses, os anestésicos locais podem deprimir a potencialização pós-te- tânica por meio de um efeito neural pré-juncional. Em grandes doses, os anestésicos locais podem bloque- ar a transmissão neuromuscular. Quando administrados em doses mais altas, os anestésicos locais blo- queiam as contrações musculares induzidas pela acetilcolina em decor- rência do bloqueio dos canais iônicos dos receptores nicotínicos. Experi- mentalmente, é possível demonstrar efeitos semelhantes com o uso de agentes antiarrítmicos bloqueadores dos canais de sódio, como a quinidina. SE LIGA! Nas doses usadas para arrit- mias cardíacas, essa interação tem pou- co ou nenhum significado clínico. Doses mais elevadas de bupivacaína têm sido associadas a arritmias cardíacas, inde- pendentemente do relaxante muscular administrado. Outros fármacos bloqueadores neuromusculares O efeito despolarizante da succi- nilcolina na placa motora pode ser antagonizado pela administração de uma pequena dose de bloquea- dor não despolarizante. Para evitar as fasciculações associadas à admi- nistração do fármaco, pode-se utilizar uma pequena dose não paralisante de um fármaco não despolarizante antes da succinilcolina. Embora reduza as fasciculações e as mialgias pós-ope- ratórias, essa dose pode aumentar a quantidade de succinilcolina neces- sária ao relaxamento em 50 a 90%, eproduzir uma sensação de fraqueza no paciente consciente. Por conse- guinte, a “pré-curarização” antes da 29BLOQUEIO NEUROMUSCULAR administração de succinilcolina dei- xou de ser amplamente praticada. Efeitos da doença e do envelhecimento sobre a resposta neuromuscular Várias doenças podem diminuir ou aumentar o bloqueio neuromuscular produzido por relaxantes musculares não despolarizantes. A miastenia gra- vis aumenta o bloqueio neuromuscu- lar produzido por esses fármacos. SE LIGA! A idade avançada está asso- ciada a uma duração de ação prolonga- da dos relaxantes não despolarizantes em consequência da depuração dimi- nuída dos fármacos pelo fígado e pelos rins. Em consequência, a dose dos fár- macos bloqueadores neuromusculares deve ser reduzida em pacientes idosos (> 70 anos). Por outro lado, os pacientes com queimaduras graves e aqueles com doença do neurônio motor supe- rior mostram-se resistentes aos relaxantes musculares não despo- larizantes. Essa dessensibilização provavelmente é causada pela pro- liferação de receptores extrajuncio- nais, que resulta na necessidade de um aumento da dose do relaxante não despolarizante para bloqueio de um número suficiente de receptores. 7. REVERSÃO DO BLOQUEIO NEUROMUSCULAR NÃO DESPOLARIZANTE Os inibidores da colinesterase an- tagonizam efetivamente o bloqueio neuromuscular causado por agen- tes não despolarizantes. A neostig- mina e piridostigmina antagonizam o bloqueio neuromuscular não despo- larizante, visto que aumentam a dis- ponibilidade de acetilcolina na placa motora, principalmente pela inibição da acetilcolinesterase. Esses inibi- dores da colinesterase também au- mentam, em menor grau, a liberação do transmissor do terminal nervoso motor. Em contrapartida, o edrofônio an- tagoniza o bloqueio neuromuscular exclusivamente ao inibir a ativida- de da acetilcolinesterase. O edrofô- nio apresenta um início de ação mais rápido, porém pode ser menos efetivo do que a neostigmina na reversão dos efeitos dos bloqueadores não despo- larizantes na presença de bloqueio neuromuscular de grau profundo. Essas diferenças são importantes para determinar a recuperação do bloqueio residual, isto é, o bloqueio neuromuscular que permanece após o término da cirurgia e a transfe- rência do paciente para a sala de recuperação. 30BLOQUEIO NEUROMUSCULAR SE LIGA! O bloqueio residual pode re- sultar em hipoventilação, levando à hi- póxia e até mesmo à apneia, sobretudo se o paciente tiver recebido medicações depressoras centrais durante o período inicial de recuperação. O sugamadex é um novo agente de reversão aprovado na Europa. En- contra-se ainda em fase 3 nos en- saios clínicos e ainda não teve seu uso aprovado em alguns países. Sua aprovação foi adiada devido a preo- cupações quanto à possibilidade do fármaco de induzir coagulopatia e re- ações de hipersensibilidade. Por meio de sua ligação ao rocurônio plasmá- tico, o sugamadex diminui a concen- tração plasmática de rocurônio livre e estabelece um gradiente de concen- tração para a difusão do rocurônio da junção neuromuscular de volta à cir- culação, em que se liga rapida- mente ao sugamadex livre. O sugamadex liga-se a outros bloqueadores neuromuscu- lares esteroides, como o ve- curônio e o pancurônio, po- rém em menor grau, e pode reverter os seus efeitos. En- saios clínicos que estudaram a segurança e a eficácia do suga- madex empregaram doses de 0,5 a 16 mg/kg. Esses ensaios não relataram qualquer diferen- ça na prevalência de efeitos ad- versos do sugamadex, placebo e neostigmina. Atualmente, são reco- mendadas três faixas posológicas: 2 mg/kg para reverter o bloqueio neu- romuscular superficial, 4 mg/kg para reverter o bloqueio profundo e 1 mg/ kg para reversão imediata após a ad- ministração de rocurônio. O complexo sugamadex-rocurônio geralmente é excretado de modo inalterado na urina em 24 horas em pacientes com função renal normal. Nos pacientes com insuficiência re- nal, a eliminação urinária completa pode exigir muito mais tempo. Toda- via, devido à forte formação do com- plexo com o rocurônio, não foi obser- vado qualquer sinal de recorrência do bloqueio neuromuscular no decorrer de até 48 horas após a sua adminis- tração a tais pacientes. 31BLOQUEIO NEUROMUSCULAR FLUXOGRAMA – BLOQUEIO NEUROMUSCULAR Antagonismo não- despolarizante Agonismo despolarizante Não despolarizantes Rápida distribuição e lenta eliminação Despolarizantes Complicações Rápida depuração Ação curta Ação intermediária Ação longa Intubação orotraqueal Anestésicos Bloqueio da acetilcolina Mecanismos de ação Bloqueio de fase I: Efeito prolongado da acetilcolina Lenta metabolização Não ocorre repolarização Paralisia flácida Bloqueio de fase II: Exposição continuada Repolarização dificultada Dessensibilização Possível reversão Agonista competitivo da acetilcolina no receptor Benzilisoquinolínicos Aminoesteroides Atracúrio Mivacúrio Cisatracúrio Pancurônio Rocurônio Vecurônio Bloqueio bifásico Pelo mecanismo Succinilcolina Anafilaxia Hipertemia maligna Bloqueio prolongado Bradiarritmia Classificação Pelo tempo de duração Atracúrio Cisatracúrio Rocurônio Vecurônio Mivacúrio Succinilcolina Pancurônio Indicações Interação com outros fármacos Relaxamento cirúrgico Otimizar ventilação Antibióticos Agentes antiarrítmicos Tratamento de convulsões Outros bloqueadores neuromusculares BLOQUEIO NEUROMUSCULAR Tubocurarina 32BLOQUEIO NEUROMUSCULAR REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS Farmacologia básica e clínica. Bertram G. Katzung ; Anthony J. 13. ed.. Porto Alegre (2017) Tratado de fisiologia médica. HALL, John Edward; GUYTON, Arthur C. Guyton & Hall. 13. ed. Rio de Janeiro. (2017) Semiologia Médica - Celmo Celeno Porto - 7ª Edição. 2013 As bases farmacológicas da terapêutica de Goodman & Gilman. Laurence L. Brunton, Bruce A. Chabner, Björn C. Knollmann. 12. Ed. Porto AlegrE. (2012) ALENCAR, Ananda Ferreira Fialho et al. Adversidades do bloqueio e da reversão neuromus- cular. Rev Med Minas Gerais, v. 26, n. Supl 1, p. S22-S33, 2016. 33BLOQUEIO NEUROMUSCULAR