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UNIVERSIDADE ESTADUAL PAULISTA GISLENE APARECIDA DA SILVA BARBOSA A CONTRIBUIÇÃO DA SEQUÊNCIA DIDÁTICA NO DESENVOLVIMENTO DA LEITURA E DA ESCRITA NO ENSINO MÉDIO: ANÁLISE DOS MATERIAIS DIDÁTICOS “SEQUÊNCIA DIDÁTICA ARTIGO DE OPINIÃO” E “PONTOS DE VISTA” Presidente Prudente - SP 2011 GISLENE APARECIDA DA SILVA BARBOSA A CONTRIBUIÇÃO DA SEQUÊNCIA DIDÁTICA NO DESENVOLVIMENTO DA LEITURA E DA ESCRITA NO ENSINO MÉDIO: ANÁLISE DOS MATERIAIS DIDÁTICOS “SEQUÊNCIA DIDÁTICA ARTIGO DE OPINIÃO” E “PONTOS DE VISTA” Dissertação de Mestrado apresentada ao Programa de Pós-graduação em Educação da Faculdade de Ciências e Tecnologia, UNESP/Campus de Presidente Prudente, como exigência parcial para obtenção do título de Mestre em Educação. Orientador: Prof.ª Dr.ª Ana Maria Martins da Costa Santos Presidente Prudente - SP 2011 Barbosa, Gislene Aparecida da Silva. B197c A contribuição da Sequência Didática no desenvolvimento da leitura e da escrita no Ensino Médio : análise dos materiais didáticos “Sequência Didática Artigo de Opinião e “Pontos de Vista” / Gislene Aparecida da Silva Barbosa. - Presidente Prudente : [s.n], 2011 123 f. Orientador: Ana Maria Martins da Costa Santos Dissertação (mestrado) - Universidade Estadual Paulista, Faculdade de Ciências e Tecnologia Inclui bibliografia 1. Leitura e escrita. 2. Artigo de Opinião. 3. Sequência Didática. I. Santos, Ana Maria Martins da Costa. II. Universidade Estadual Paulista. Faculdade de Ciências e Tecnologia. III. Título. CDD 370 Ficha catalográfica elaborada pela Seção Técnica de Aquisição e Tratamento da Informação – Serviço Técnico de Biblioteca e Documentação - UNESP, Câmpus de Presidente Prudente. DEDICATÓRIA Aos meus pais, João Sergio Franco da Silva e Ivani de Fátima Rodrigues Silva, e ao meu marido, Lindomar Barbosa, que sempre me incentivam a aprender. AGRADECIMENTOS A Deus que me concede vida, saúde e capacidade de persistir e vencer. À minha orientadora Dr.ª Ana Maria Martins da Costa Santos, por sua confiança em meu trabalho, pela tranquilidade com que mediou todo o processo desenvolvido durante a pesquisa, pelo exemplo de elegância e humildade. À Profa. Dra. Renata Junqueira de Souza e à Profa. Rosa Maria Manzoni pelo desprendimento, apoio e exemplo de dedicação à educação brasileira e por terem participado de minha banca de defesa. À Profa. Dra Arilda Inês Miranda Ribeiro e à Profa. Dra. Maria de Lourdes Zizi Trevisan Peres pela contribuição para este trabalho, durante a banca de qualificação. Aos meus familiares, professores, amigos e desafetos, pois todos deixaram alguma marca em minha vida que me motivou sempre a seguir buscando e a superar desafios. Toda atividade escolar necessita de um planejamento com vistas a permitir o acompanhamento do aluno, observando seus avanços, indicando as paradas necessárias para esclarecer dúvidas, para retroceder no processo, de forma que o aluno se aproprie do novo saber, apoiado em conhecimentos anteriores que lhe permitam estabelecer relações, associações. O aluno aprende o que faz sentido para ele. Ana Maria Martins da Costa Santos RESUMO Esta pesquisa, vinculada ao Programa de Pós-Graduação em Educação da Faculdade de Ciências e Tecnologia de Presidente Prudente, na linha de pesquisa Infância e Educação, tem por objetivo geral investigar a qualidade de dois materiais didáticos, para ensino da leitura e da escrita do gênero textual artigo de opinião, na escola de Ensino Médio. O primeiro material é “Sequência Didática Artigo de Opinião”, o qual foi produzido para o curso Ensino Médio em Rede – oferecido aos professores pela Secretaria Estadual de Educação de São Paulo, entre os anos de 2004 e 2006. O segundo é “Pontos de Vista”, que acompanha a coleção de materiais da Olimpíada de Língua Portuguesa: Escrevendo o Futuro, a qual teve início em 2008 e está em vigor. O objetivo específico da pesquisa é investigar como estão construídas nos materiais as etapas da sequência didática, a materialização do gênero textual artigo de opinião e a abordagem de leitura e escrita. O procedimento metodológico de análise é a pesquisa documental, que utiliza as duas publicações como fonte primária e decompõe as partes dos materiais para compreender a organização e os conceitos adotados. O referencial teórico básico sustenta-se nos pressupostos bakhtinianos de gêneros discursivos e nas pesquisas desenvolvidas na Universidade de Genebra acerca do procedimento sequência didática. Os resultados mostram que os dois materiais didáticos em análise são exemplares significativos de sequências didáticas para o ensino e a aprendizagem do gênero textual artigo de opinião na escola de Ensino Médio. Contudo, não podem sozinhos ressignificar a aprendizagem dos alunos, haja vista a necessária complementação dos materiais e o papel essencial do professor no processo de mediação da aprendizagem; destacando a realização de avaliações formativas dos alunos e de intervenções construídas a partir da realidade nas salas de aula. Palavras-chave: Sequência Didática, Artigo de Opinião, Leitura, Escrita. ABSTRACT This research, linked to the Graduate Program in Education, Faculty of Science and Technology of Presidente Prudente, in the search line Childhood and Education, aims to investigate the overall the quality of two textbooks for teaching reading and writing genre op- ed in school High School. The first material is "Instructional Sequence Opinion", which was produced for the program Ensino Médio em Rede - offered to teachers by the State Board of Education of São Paulo between 2004 and 2006. The second is "Points of View," which follows the collection of materials Olympics Portuguese: Writing the Future, which began in 2008 and is in effect today. The specific objective of this research is to investigate how materials are constructed in the steps of the instructional sequence, the concept of genre and op-ed approach to reading and writing. The methodological procedure of analysis is the documentary research, which uses the two publications as a primary source and breaks down parts of the material to understand the organization and the concepts adopted. The theoretical base is underpinned by the assumptions of Bakhtinian speech genres and the research developed at the University of Geneva on the procedure instructional sequence. The results show that the two textbooks under review are outstanding examples of appropriate teaching sequences for teaching and learning op-ed genre in secondary school. However, it alone can bring new meaning to student learning, given the necessary complement of materials and the essential role of the teacher in the mediation process of learning, highlighting the formative assessments of students and interventions built from the reality in the classroom. Keywords: Instructional Sequence, Opinion, Reading, Writing. LISTA DE FIGURAS Figura 1 – Capa da “Sequência Didática Artigo de Opinião” – material integrante do Programa Ensino Médio em Rede................................................................................. 73 Figura 2 – Capa do Caderno do Professor “Pontos de Vista” – material integranteda Olimpíada de Língua Portuguesa: Escrevendo o Futuro............................................... 74 Figura 3 – Índice da “Sequência Didática Artigo de Opinião”..................................... 77 Figura 4 – Sumário de “Pontos de Vista”..................................................................... 78 Figura 5 – Atividade 1 da Oficina 2 de “Pontos de Vista”........................................... 81 Figura 6 – Atividade 3 da “Sequência Didática Artigo de Opinião”............................ 84 Figura 7 - Atividade de escrita do artigo de opinião – Oficina 5 de “Pontos de Vista”............................................................................................................................. 86 Figura 8 – Tabela para atividade com articuladores – Oficina 10 de “Pontos de Vista”............................................................................................................................. 91 Figura 9 – Roteiro para análise coletiva de texto de aluno – Oficina 13 de “Pontos de Vista”........................................................................................................................ 92 Figura 10 – Grade de correção do artigo de opinião – “Sequência Didática Artigo de Opinião”........................................................................................................................ 95 Figura 11 – Roteiro para revisão do texto pelo aluno – Oficina 15 de “Pontos de Vista”............................................................................................................................. 96 Figura 12 – Elementos que constam na estrutura de um artigo de opinião – “Sequência Didática Artigo de Opinião”...................................................................... 101 Figura 13 – Exercício para estudo dos organizadores textuais – “Sequência Didática Artigo de Opinião”.................................................................................................... 104 Figura 14 – Quadro dos elementos articuladores – Oficina 10 de “Pontos de Vista”...................................................................................................................... 105 Figura 15 – Atividade que aproxima e escola à vida – Estudo sobre questão polêmica – em “Pontos de Vista”............................................................................ 109 Figura 16 – Atividade que valoriza a participação do aluno na construção do sentido do texto – “Sequência Didática Artigo de Opinião”.................................................. 110 Figura 17 – Atividade que valoriza a interação aluno-texto – Análise de um texto de um colega – em “Pontos de Vista”.......................................................................... 110 Figura 18 – Atividade em grupo – “Sequência Didática Artigo de Opinião”............... 110 Figura 19 – Atividade em grupo – “Pontos de Vista”................................................. 111 Figura 20 – Atividade em grupo - Debate – “Pontos de Vista”................................... 111 LISTA DE QUADROS Quadro 1 - Proposta de agrupamento dos gêneros textuais, por Dolz e Schneuwly.... 52 Quadro 2 – Etapas do raciocínio argumentativo, com base nas considerações e exemplos de Bronckart.................................................................................................. 56 Quadro 3 – Esquema da Sequência Didática, elaborado por Dolz, Noverraz e Schneuwly..................................................................................................................... Quadro 4 (elaborado pela pesquisadora) – Síntese da análise das etapas da Sequência Didática nos materiais didáticos analisados................................................ Quadro 5 (elaborado pela pesquisadora) – Síntese da análise da materialidade do gênero artigo de opinião nos materiais didáticos analisados ..................................... Quadro 6 (elaborado pela pesquisadora) – Síntese da análise da abordagem de leitura e escrita presente nos materiais didáticos analisados ....................................... 66 113 115 117 LISTA DE SIGLAS ATP = Assistente Técnico Pedagógico BID = Banco Interamericano de Desenvolvimento CENP = Coordenadoria de Ensino e Normas Pedagógicas CENPEC = Centro de Estudo e Pesquisa em Educação, Cultura e Ação Comunitária CHT = Ciências Humanas e suas Tecnologias CNMT = Ciências da Natureza, Matemática e suas Tecnologias DCNEM = Diretrizes Curriculares Nacionais para o Ensino Médio DERPP = Diretoria de Ensino da Região de Presidente Prudente EMR = Ensino Médio em Rede FIS = Fundação Itaú Social IBGE = Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística INEP = Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira LCT = Linguagens, Códigos e suas Tecnologias LDBEN = Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional MEC = Ministério da Educação e Cultura OCDE = Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico OLPEF = Olimpíada de Língua Portuguesa: Escrevendo o Futuro PCOP = PUC-SP= Professora Coordenadora da Oficina Pedagógica Pontífice Universidade Católica de São Paulo SARESP = Sistema de Avaliação do Rendimento Escolar do Estado de São Paulo SEE-SP = UNESP= Secretaria de Estado da Educação de São Paulo Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho” SUMÁRIO INTRODUÇÃO............................................................................................................. 13 1. A APRENDIZAGEM DA LEITURA E DA ESCRITA......................................... 22 1.1. Escola de Ensino Médio: finalidades e resultados de aprendizagem em leitura e escrita.................................................................................................................... 22 1.2. Leitura e escrita: abordagens, histórias e práticas........................................... 33 1.2.1. Breve história da leitura..................................................................................... 38 1.2.2. Breve história da escrita..................................................................................... 41 1.2.3. Concepções de linguagem: olhares sobre a leitura e a escrita............................ 44 1.3. O que são os gêneros textuais?........................................................................... 46 1.4. O gênero textual artigo de opinião..................................................................... 53 1.4.1. A tipologia argumentativa.................................................................................. 54 1.4.2. Características do artigo de opinião................................................................... 58 1.5. A Sequência Didática – procedimento para ensino da leitura e da escrita......... 63 1.5.1. O que é a Sequência Didática?........................................................................... 65 2. DOIS MATERIAIS PARA ENSINO DA LEITURA E DA ESCRITA DO ARTIGO DE OPINIÃO: “SEQUÊNCIA DIDÁTICA ARTIGO DE OPINIÃO” E “PONTOS DE VISTA”........................................................................................ 71 2.1. Os materiais em análise...................................................................................... 71 2.2. Metodologia da análise....................................................................................... 74 2.3. Elaboração das etapas da sequência didática nos materiais “Sequência Didática Artigo de Opinião” e “Pontosde Vista”.................................................... 76 2.3.1. Em busca da apresentação da situação.............................................................. 78 2.3.2. A produção inicial nos materiais em análise...................................................... 83 2.3.3. A construção dos módulos nas publicações analisadas....................................... 87 2.3.4. Como acontece a produção final nos materiais em análise................................ 94 2.4. A materialidade do gênero textual artigo de opinião nos materiais didáticos analisados ...................................................................................................................... 98 2.5. Abordagem de ensino da leitura e da escrita nos materiais didáticos analisados....................................................................................................................... 107 CONSIDERAÇÕES FINAIS......................................................................................... 113 REFERÊNCIAS............................................................................................................. 119 ANEXOS....................................................................................................................... 123 13 INTRODUÇÃO Formada em Letras pela Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho” (UNESP), atuo como professora de Língua Portuguesa desde o ano 2000. Sempre me comprometi com o desenvolvimento da competência leitora e da competência escritora nos alunos, por acreditar que ambas são essenciais ao desenvolvimento do sujeito, à vida em sociedade e à qualificação para o mercado de trabalho. Ao longo de minha atuação docente na Educação Básica (lecionando do 6º ano do Ensino Fundamental ao Ensino Médio), constantemente encontrei em minhas salas de aula alunos que, embora alfabetizados, apresentavam muitas dificuldades em compreender o que liam e em escrever textos que ficassem coerentes. Diante disso, interessei-me ainda mais pelo estudo de como os alunos aprendem e de como ensiná-los com qualidade a ler e a escrever. Iniciei uma busca por obras teóricas acerca da aprendizagem de leitura e de escrita, por cursos de formação continuada, cuja temática estivesse voltada para a linguagem, por oportunidades de intercâmbio de experiências entre docentes de Língua Portuguesa. Movida pelo compromisso profissional e pela curiosidade, implementei em minhas aulas alguns projetos de leitura e de escrita, os quais ratificavam minha crença na importância de práticas docentes intencionais e planejadas para o desenvolvimento das competências leitora e escritora nos alunos. No ano de 2006, fui convidada pela então Dirigente Regional de Ensino, Helena Carolina Marrey Nauhardt, a trabalhar como assistente técnico-pedagógico (ATP) da disciplina de Língua Estrangeira Moderna, na Diretoria de Ensino da Região de Presidente Prudente – São Paulo (DERPP). A função desempenhada por mim consistia, basicamente, em orientar os professores da referida disciplina quanto ao trabalho em sala de aula, enfatizando os procedimentos metodológicos e avaliativos, para o desenvolvimento de habilidades nos alunos. Dois anos mais tarde, fui aprovada em um processo seletivo, organizado pela Secretaria de Estado da Educação de São Paulo (SEE-SP) e pela DERP. Desde então, passei a me responsabilizar pela formação continuada dos professores de Língua Portuguesa – Ensino Médio, por meio da função de professora coordenadora da oficina pedagógica (PCOP). Neste período, desenvolvi diversas ações formativas oriundas da SEE-SP, dentre as quais se destacavam as atividades pedagógicas voltadas ao desenvolvimento da leitura e da escrita. 14 Desempenhei esta função até o mês de julho de 2010, quando decidi regressar para meu cargo efetivo de Língua Portuguesa, na Escola Estadual Professor Arlindo Fantini, na cidade de Presidente Prudente – SP. No início do ano letivo de 2011, fui designada à Coordenação Pedagógica na Escola Estadual Comendador Tannel Abbud, na cidade referida anteriormente. A experiência de trabalhar por quatro anos na DERPP proporcionou-me conhecer quarenta e cinco escolas estaduais que compõem a região. Trabalhei com muitos professores da área de Linguagens, Códigos e suas Tecnologias, pois ministrei cursos e orientações técnicas a eles, participei também de algumas reuniões pedagógicas nas escolas, como Conselhos de Classe e Série, momentos em que surgiram reflexões sobre o ensino e a aprendizagem nas diferentes disciplinas do currículo escolar. No contexto mencionado anteriormente, por diversas vezes, ouvi o relato de professores de Língua Portuguesa muito preocupados com a seguinte situação: para eles, é expressivo o número de alunos do Ensino Médio com dificuldades em leitura e em produção textual. Os docentes, para comprovar as dificuldades dos alunos, apresentavam-me os resultados das avaliações, realizadas no cotidiano das unidades escolares, e também os resultados das avaliações externas, como as do Sistema de Avaliação do Rendimento Escolar do Estado de São Paulo (SARESP). Os alunos do Ensino Médio, de acordo com os professores, costumam demonstrar insegurança para ler e para discutir um tema de relevância social, além de nem sempre reconhecerem e usarem bem a argumentação no texto. Vale ressaltar que o resultado do SARESP 2009 1 apontou que, nas escolas estaduais, apenas 29,9 % dos 326.916 alunos da 3ª série do Ensino Médio, que realizaram a prova de Língua Portuguesa, tiveram desempenho considerado adequado ou avançado em relação ao domínio pleno de conteúdos, competências e habilidades desejáveis para a série escolar em que se encontravam. Nas escolas que compõem a DERPP, o índice de desempenho adequado ou avançado dos alunos da 3ª série do Ensino Médio foi de 34,2% diante de um total de 2911 alunos que participaram da prova. 1Resultados disponíveis no endereço eletrônico: http://saresp.fde.sp.gov.br/2009/. Consultado em 20/11/2010, às 07h45min. 15 Evidentemente, o resultado do SARESP aponta a existência de lacunas na aprendizagem dos alunos, as quais, em se tratando da disciplina Língua Portuguesa, estão relacionadas à capacidade de ler e de escrever bem. Em fevereiro de 2010, quando atuava como PCOP de Língua Portuguesa, encaminhei às escolas estaduais da região de Presidente Prudente um ofício assinado pela Dirigente Regional de Ensino, Naide Videira Braga, o qual solicitava aos docentes o levantamento de temas e conteúdos sobre os quais gostariam de receber formação continuada. Os professores de Língua Portuguesa do Ensino Médio de 33% das escolas responderam que queriam estudar mais sobre o artigo de opinião. Segundo eles, um dos principais desafios é a aprendizagem do aluno acerca da tipologia argumentativa e do gênero textual artigo de opinião, os quais são conteúdos que integram o Currículo do Estado de São Paulo (CESP, 2010) para a disciplina de Língua Portuguesa, do 9º ano do Ensino Fundamental e de todo Ensino Médio, e são, consequentemente, itens que compõem a prova anual do SARESP. Notei que essa necessidade formativa não foi apenas apontada pelos docentes de Língua Portuguesa da DERPP, mas também costuma ser alvo de programas de políticas públicas para a educação, cujo objetivo é o desenvolvimento da leitura e da escrita na Educação Básica. Um destes programas teve alcance estadual: Ensino Médio em Rede (EMR). O outro é desenvolvido em todo Brasil: Olimpíada de Língua Portuguesa Escrevendo o Futuro (OLPEF). O programa EMR 2 aconteceu de 2004 a 2006, disseminou na Rede Estadual de Ensino de São Paulo a discussão sobre o currículo no Ensino Médio e sobre a necessidade de implementação de novas abordagens docentes para ensino de leiturae de escrita na escola. Esse programa de formação continuada de educadores foi concebido e coordenado pela SEE- SP, por meio da Coordenadoria de Ensino e Normas Pedagógicas (CENP). Durante o programa, foram disponibilizados materiais didáticos para trabalho com a leitura e a escrita nas três áreas do conhecimento: Linguagens, Códigos e suas Tecnologias (LCT); Ciências da Natureza, Matemática e suas Tecnologias (CNMT); Ciências Humanas e suas Tecnologias (CHT). Esses materiais são denominados sequências didáticas 3 , pois se propõem a subsidiar o professor na construção passo-a-passo de um determinado gênero 2 Informações disponíveis em: http://www.rededosaber.sp.gov.br/portais/emrede/Home/tabid/590/language/pt- BR/Default.aspx Consultado em 20/11/2010, às 10h15min. 3 No texto, alguns conceitos-chave estão em itálico a fim de destacar a singularidade dos mesmos na construção da pesquisa. Em cada capítulo ou subitem, estarão em itálico os vocábulos referentes aos conceitos que estão em definição no momento e que se vinculam fortemente aos objetivos deste estudo. 16 textual em sala de aula. Um dos materiais oferecidos aos educadores pelo EMR é a “Sequência Didática Artigo de Opinião”, cujo foco é o desenvolvimento do gênero textual que a nomeia. A “Sequência Didática Artigo de Opinião” foi distribuída a todas as escolas da Rede Estadual de São Paulo em 2006. Cerca de 40 exemplares foram entregues a cada professor coordenador de escola de Ensino Médio, a fim de que este apresentasse o material aos professores cursistas, os quais, por sua vez, poderiam utilizar os exemplares em sala de aula com os alunos. O material passou, desta forma, a integrar o acervo da escola. Algum tempo depois, a CENP disponibilizou aos PCOP de Língua Portuguesa uma versão digital da “Sequência Didática Artigo de Opinião”, a fim de que as escolas pudessem imprimir cópias para utilização em sala de aula. O segundo programa é a OLPEF 4 , o qual é realizado pelo Ministério da Educação e Cultura (MEC) e pela Fundação Itaú Social (FIS), com coordenação técnica do Centro de Estudo e Pesquisa em Educação, Cultura e Ação Comunitária (CENPEC). A OLPEF acontece anualmente, mas com ações diversas: nos anos ímpares, existe a formação de professores; nos anos pares, há o concurso de textos dos alunos. A primeira edição da OLPEF foi em 2008. Ao desenvolver ações de formação de professores, a OLPEF tem como foco a valorização de práticas de leitura e escrita nas escolas, através da produção de diferentes gêneros textuais por alunos de Educação Básica da Rede Pública Brasileira. Os alunos de Ensino Médio, por exemplo, participam com a escrita de artigos de opinião. Para estimular o desenvolvimento de competências de escrita nos alunos, a OLPEF fornece materiais de apoio pedagógico (kit de criação de texto) para que os alunos realizem, com seus professores, oficinas de leitura e escrita, organizadas em sequências didáticas que favoreçam a aprendizagem. Espera-se que o kit pedagógico também colabore com a formação continuada do docente. No caso do gênero textual artigo de opinião, o título do material didático é “Pontos de Vista”. Enviado a todas as escolas públicas brasileiras em 2008 e em 2010, anos em que aconteceu o concurso de textos da OLPEF, “Pontos de Vista” se apresenta como uma sequência didática organizada com exemplares de artigo de opinião para leitura e com orientações de como escrever o gênero textual proposto, a fim de participar da OLPEF. Em 4 Informações disponíveis em: https://ww2.itau.com.br/itausocial/olimpiadas2010/web/site/index.htm Consultado em 20/11/2010, às 15h. 17 2008, as escolas receberam apenas o caderno de apoio ao docente, com as orientações metodológicas, sugestões de atividades e de textos. Em 2010, o caderno de apoio foi ampliado e recebeu também o acompanhamento de um kit com 10 livretos e um cd de áudio, com os textos a serem lidos ou ouvidos pelos alunos durante a realização das aulas. Além disso, no site do CENPEC 5 , o material “Pontos de Vista” está disponível para ser baixado pelos professores. Há também arquivos que disponibilizam os textos para serem impressos ou projetados para uso na sala de aula. Partindo do princípio de que a competência leitora e a competência escritora viabilizam o acesso ao conhecimento em qualquer área do saber e considerando os resultados do desempenho dos alunos de Ensino Médio nas avaliações externas e internas (já citadas neste texto), acredito que se tornem essenciais investigações acadêmicas que, articulando a teoria pedagógica à prática docente, busquem analisar e compreender os caminhos apresentados aos professores, por órgãos educativos e por políticas públicas, como alternativas aos problemas de aprendizagem da leitura e da escrita, em uma tentativa de ressignificação do trabalho docente. Cabe, portanto, confrontar os materiais, oferecidos aos docentes para sua própria formação e consequente formação de seus alunos, com os referenciais teóricos, de base bakhtiniana, que sustentam a elaboração dos próprios materiais e com demais resultados de pesquisas sobre a construção da leitura e da escrita na escola. Nos materiais “Sequência Didática Artigo de Opinião” e “Pontos de Vista”, perpassa a noção de que as sequências didáticas podem favorecer a construção dos conceitos escolares em questão, mediante o desenvolvimento de competências de leitura e de escrita. As bases teóricas das duas publicações dialogam entre si, ao valerem-se, por exemplo, de obras de Bakhtin (2003), de Schneuwly e Dolz (2004) etc. Investigar qualitativamente a estruturação dos materiais e a conceituação proposta no ensino da leitura e da escrita do gênero textual artigo de opinião, mediante uso de uma sequência didática, torna-se primordial na atualidade, visto que materiais didáticos têm chegado às escolas públicas no intuito de elevar a qualidade da aprendizagem. Foi pensando nesta necessidade de pesquisa que ingressei no Mestrado em Educação pela Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho”. Na contemporaneidade, vejo que grande parte dos materiais didáticos que circula nas escolas públicas de Ensino Médio ampara-se em pesquisas linguísticas e educacionais que 5 http://escrevendo.cenpec.org.br/ecf/ Consultado em 21/11/2010, às 07h10min. 18 apontam a importância do trabalho com os diferentes gêneros textuais em sala de aula, para que os alunos possam, de fato, se apropriarem dos gêneros orais e escritos que circulam socialmente e para que possam fazer uso dos mesmos nas distintas interações mediadas pela linguagem. Em outras palavras, percebo que há uma valorização do ensino embasado no Letramento do aluno: proposta que acentua a ideia de que o acesso aos mais variados gêneros de texto, o estudo acerca das características que aproximam ou distanciam esses gêneros e a relação íntima entre os textos e o uso social facilitam a construção de conceitos escolares e, consequentemente, formam leitores e escritores competentes e capazes de atuar significativamente nas esferas sociais (SOARES, 2002). Nas pesquisas que li, constatei que é a partir da escrita que se dá o encontro do leitor com as diversas formas de registro do conhecimento. Nessa interação texto-leitor também pode se estabelecer o compartilhar de informações, impressões, experiências entre interlocutores que registram e que leem (LIMA, 2007). Quanto maiores forem as possibilidades desse diálogo, maiores serão as possibilidades de formação de leitores e de escritores autônomos; portanto, garantir a todos os alunos o desenvolvimento de uma base comum de competências (de leitura e de escrita), que possibilite a eles a consciente participação social,a possibilidade de prosseguimento dos estudos e o acesso ao mercado de trabalho, significa atender ao princípio democrático apresentado na Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDBEN). Em busca de eficientes estratégias de ensino, atualmente, o ensino da leitura e da escrita está ancorado no uso dos gêneros textuais e das sequências didáticas, os quais propõem um fazer docente não apegado aos textos didatizados e fragmentados, mas uma prática educativa vinculada ao uso real dos textos na sociedade (ROJO, 1999). Isto significa utilizar gêneros sem afastá-los de seu suporte, sem descaracterizá-los, aproximando os alunos do uso cultural real dos textos, que circulam nos jornais, nas revistas, nos livros, nos manuais etc. Esse fazer docente implica a construção de um processo mediador, no qual um sujeito, no caso, o professor, valha-se da linguagem para interagir com outro, o aluno, que, por sua vez, utilizará tudo o que sabe e conhece a fim de construir novos conceitos (VYGOTSKY, 2008). Portanto, torna-se indispensável a socialização de bons materiais na escola para colaborarem na formação continuada do professor e na realização da tarefa mediadora que focaliza a aprendizagem do aluno. 19 Em minhas leituras também constatei que a utilização de estratégias de ensino é importante na relação educador - educando- conteúdos a aprender e a ensinar. Para que a competência leitora e a escritora sejam desenvolvidas nos alunos, segundo Bordenave e Pereira (2007, p. 127), cabe ao professor a motivação do aluno para a aprendizagem, haja vista que o “bom professor é aquele que sabe dominar os mais variados métodos para manter o interesse do aluno e atingir os sempre variáveis objetivos de ensino”. Além disso, os mesmos autores apontam que a escolha e a organização de atividades de ensino se tornam ações essenciais ao sucesso da aprendizagem; portanto, destacam, mais uma vez, a atuação docente: Para o professor moderno, entretanto, a escolha adequada das atividades de ensino é uma etapa importante de sua profissão. É nesta tarefa que se manifesta a verdadeira contribuição de seu métier. Assim como a competência profissional do engenheiro se manifesta na escolha acertada de materiais e métodos de construção, a idoneidade profissional do professor se manifesta na escolha de atividades de ensino adequadas aos objetivos educacionais, aos conteúdos de matéria e aos alunos. (BORDENAVE e PEREIRA, 2007, p. 121) Neste sentido estão as sequências didáticas, porque objetivam ajudar o aluno a dominar os gêneros de texto que mais circulam nas esferas sociais, a fim de que este seja capaz de escrever e/ou falar bem em contextos interativos. De certa forma, trata-se também de um amplo processo de leitura, no qual o indivíduo lê o mundo e interage com ele de maneira eficiente. Segundo Schneuwly e Dolz (2004), pelo uso de uma sequência didática é possível ensinar a ler e a escrever com qualidade. A sequência didática é um conjunto de atividades escolares organizadas, de maneira sistemática, em torno de um gênero textual oral ou escrito. Ela tem a finalidade de ajudar o aluno a dominar melhor um gênero de texto, permitindo-lhe, assim, escrever ou falar de uma maneira mais adequada numa dada situação comunicativa. A estrutura básica de uma sequência didática é: apresentação da situação, produção inicial, módulos (tantos quantos necessários) e produção final. Portanto, inicia-se com a exposição aos alunos de um projeto de comunicação bem definido, voltado a um gênero de texto (articulado ao uso social e a uma temática relevante). Em seguida, os alunos realizam a primeira produção; através de uma prática formativa, em que o professor medeia a desconstrução e construção do gênero proposto, trabalhando problemas de diferentes níveis, variando as atividades e exercícios, construindo repertório e refletindo acerca do uso da linguagem e da língua. Na última etapa, os alunos reveem seus próprios textos e realizam a produção final. 20 Na “Sequência Didática Artigo de Opinião” e em “Pontos de Vista” existe a intenção de construir, por meio de uma sequência didática, condições para que o professor medeie a leitura e a produção do gênero textual artigo de opinião. O gênero artigo de opinião tem como base a tipologia argumentativa, portanto o trabalho com tal gênero na escola de Ensino Médio permite ao jovem refletir sobre suas tomadas de decisão, uma vez que esse gênero requer posicionamento do autor diante de uma questão polêmica de relevância social, preparando, desta forma, o jovem para efetiva participação cidadã. A pesquisa, que aqui registro, analisa qualitativamente os recursos materiais e metodológicos oferecidos pela SEE-SP, pelo MEC, FIS e CENPEC nas sequências didáticas “Artigo de Opinião” e “Pontos de Vista”. O foco é a análise minuciosa das etapas que compõem as sequências didáticas propostas, a fim de constatar se tais sequências, da maneira como se apresentam, contribuem ou não para construção e desenvolvimento de competências de leitura e de escrita nos alunos, com base no gênero textual proposto. A metodologia que utilizo é a análise documental, cuja característica é ter documentos como fonte de coleta de dados (MARCONI e LAKATOS, 2009). Neste caso, as fontes primárias são os dois materiais didáticos: “Sequência Didática Artigo de Opinião” e “Pontos de Vista”. Nesses dois materiais existem orientações didático-pedagógicas para implementação de ações em sala de aula, as quais analiso pelo método de trabalho da pesquisa qualitativa, amparada nos referenciais teóricos que discorrem acerca de sequências didáticas, gêneros textuais, leitura e escrita, metodologias, centrados nas teorias de Schneuwly e Dolz (2004), Bakhtin (2003), Marcuschi (2008), Bronckart (2009). Optei pela análise documental em razão da necessidade de, em primeiro lugar, analisar a qualidade dos materiais que circulam na escola pública com o objetivo de subsidiar as ações docentes na formação de leitores e de escritores competentes; em segundo lugar, confrontar tais materiais com as suas fontes bibliográficas, no intuito de encontrar ou não unanimidade de conceitos e considerações sobre o ensino e a aprendizagem de leitura e de escrita na escola atual e; em terceiro lugar, constituir um referencial bibliográfico para o meio acadêmico e para pessoas interessadas no assunto tratado na pesquisa. Organizei o texto da pesquisa em dois capítulos, que se subdividem. Um está vinculado ao referencial teórico e o outro à análise dos materiais didáticos. 21 O capítulo 1, intitulado “A aprendizagem da leitura e da escrita”, é dedicado ao referencial teórico que sustenta a pesquisa. Nele apresento cinco subdivisões para tratar dos seguintes tópicos: escola de Ensino Médio; leitura e escrita; gêneros textuais; artigo de opinião; sequência didática. O capítulo 2, intitulado “Dois materiais para ensino da leitura e da escrita do artigo de opinião: „Sequência Didática Artigo de Opinião‟ e „Pontos de Vista‟”, é dedicado à análise dos documentos no que diz respeito à estrutura, objetivos, concepções e orientações didáticas destinadas aos professores e, consequentemente, aos alunos. Nesse capítulo, em primeiro lugar, apresento algumas considerações sobre os materiais em análise. Em segundo lugar, apresento a metodologia de pesquisa: análise documental. Por último, analiso a qualidade dos conteúdos e das metodologias apresentadas nas duas sequências didáticas. Por fim, registro algumas considerações sobre a análise realizada, principalmente sobre o papel do professor como mediador da aprendizagem diante da utilização de materiais didáticos. Após as considerações finais, registrei as referências utilizadas neste trabalho e anexei cópia dos materiais que foram analisados. Visto que considero a Introdução do texto como o espaço de oautor mostrar quem é, compartilhar as motivações que o conduziram à pesquisa e também apresentar o foco do trabalho em si, tomei a liberdade de redigir esta parte do texto na primeira pessoa do discurso. Essa ação intencional tem o objetivo de aproximar os enunciadores (autor e leitor) em uma conversa que não apenas contextualize autor e pesquisa, mas também familiarize autor e leitor, haja vista o compartilhar de reflexões que emergem do ato de ler. A familiarização é muito importante, já que o sentido não está pronto no texto, mas é construído nas relações de leitura. A partir do capítulo 1, utilizarei um discurso mais impessoal, porque muitas outras vozes farão parte do texto; assim, a universalização dos conceitos requer certo distanciamento meu, para que as considerações sobre a escola de Ensino Médio, sobre metodologias de ensino de leitura e escrita e outras considerações sejam o foco da discussão teórica que se encontra nas próximas páginas. 22 1. A APRENDIZAGEM DA LEITURA E DA ESCRITA 1.1 Escola de Ensino Médio: finalidades e resultados de aprendizagem em leitura e escrita No Brasil, a Educação Básica é formada por três segmentos: Educação Infantil, Ensino Fundamental e Ensino Médio. Ela é gratuita em toda rede pública e tem por finalidade desenvolver o educando, assegurar-lhe a formação comum indispensável ao exercício da cidadania e lhe fornecer meios para progredir no trabalho e em estudos posteriores. Segundo a Lei 9394/96 6 , que estabelece as Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDBEN), a Educação Infantil é a primeira etapa da Educação Básica, tem como finalidade o desenvolvimento integral da criança até cinco anos de idade (aspectos físico, psicológico, intelectual e social), complementando a ação da família e da comunidade. A Educação Infantil é oferecida em creches e pré-escolas. O Ensino Fundamental, de acordo com a LDBEN, é obrigatório, inicia-se aos seis anos de idade, tem duração de nove anos e apresenta por objetivo a formação básica do cidadão, mediante: Art.32 I - o desenvolvimento da capacidade de aprender, tendo como meios básicos o pleno domínio da leitura, da escrita e do cálculo; II - a compreensão do ambiente natural e social, do sistema político, da tecnologia, das artes e dos valores em que se fundamenta a sociedade; III - o desenvolvimento da capacidade de aprendizagem, tendo em vista a aquisição de conhecimentos e habilidades e a formação de atitudes e valores; IV - o fortalecimento dos vínculos de família, dos laços de solidariedade humana e de tolerância recíproca em que se assenta a vida social. O Ensino Médio é a última etapa da Educação Básica. Em 27 de outubro de 2009, a Lei 12.061 7 assegurou o acesso a todos os interessados ao Ensino Médio público, mediante uma emenda à LDBEN, que acrescentou a universalização do Ensino Médio gratuito e prioridade à oferta do Ensino Médio pelos Estados. O Ensino Médio, conforme a LDBEN, tem duração mínima de três anos, suas finalidades são: 6 Lei disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/L9394.htm Consultado em 25/11/2010. 7 Lei já incorporada à LDBEN e também disponível em: http://www.jusbrasil.com.br/legislacao/819815/lei- 12061-09 Consultado em 25/11/2010. 23 Art. 35 I - a consolidação e o aprofundamento dos conhecimentos adquiridos no ensino fundamental, possibilitando o prosseguimento de estudos; II - a preparação básica para o trabalho e a cidadania do educando, para continuar aprendendo, de modo a ser capaz de se adaptar com flexibilidade a novas condições de ocupação ou aperfeiçoamento posteriores; III - o aprimoramento do educando como pessoa humana, incluindo a formação ética e o desenvolvimento da autonomia intelectual e do pensamento crítico; IV - a compreensão dos fundamentos científico-tecnológicos dos processos produtivos, relacionando a teoria com a prática, no ensino de cada disciplina. O Ensino Médio tem, portanto, como primeira finalidade, a consolidação e o aprofundamento dos conhecimentos adquiridos no Ensino Fundamental. Desta forma, destacam-se o domínio pleno da leitura, da escrita e do cálculo. Essa consolidação e aprofundamento propiciam o desenvolvimento das demais finalidades do Ensino Médio, haja vista a importância da leitura, da escrita e do cálculo nas relações de trabalho, na conquista da cidadania, no processo de aprimoramento da pessoa humana e na compreensão dos diferentes fundamentos científicos e tecnológicos. Significa dizer que a leitura, a escrita e o cálculo perpassam as atividades sociais humanas, portanto, o domínio dessas habilidades não apresenta um fim em si mesmo, mas está intimamente relacionado ao desempenho do sujeito em suas ações diárias. Para que as finalidades do Ensino Médio tenham êxito, a Câmara de Educação Básica publicou a Resolução nº 3 8 , de 26/06/98, na qual instituiu as Diretrizes Curriculares Nacionais para o Ensino Médio (DCNEM). Essas diretrizes orientam para que o trabalho pedagógico nas escolas de Ensino Médio garanta uma organização curricular capaz de assegurar o desenvolvimento de competências cognitivas e sociais, tenha presente a importância das linguagens na construção de competências, adote metodologias de ensino que estimulem a aprendizagem e reconheça a relevância do desenvolvimento da afetividade do aluno: Art. 5º Para cumprir as finalidades do ensino médio previstas pela lei, as escolas organizarão seus currículos de modo a: I - ter presente que os conteúdos curriculares não são fins em si mesmos, mas meios básicos para constituir competências cognitivas ou sociais, priorizando-as sobre as informações; II - ter presente que as linguagens são indispensáveis para a constituição de conhecimentos e competências; III - adotar metodologias de ensino diversificadas, que estimulem a reconstrução do conhecimento e mobilizem o raciocínio, a experimentação, a solução de problemas e outras competências cognitivas superiores; 8 DCNEM – disponíveis em: http://portal.mec.gov.br/dmdocuments/resolucao_ceb_0398.pdf Consultado em 25/11/2010. 24 IV - reconhecer que as situações de aprendizagem provocam também sentimentos e requerem trabalhar a afetividade do aluno. Neste sentido, mais uma vez, se destacam as linguagens no processo de construção de saberes e competências nos alunos de Ensino Médio, fato que se vincula ao desenvolvimento da leitura e da escrita. Embora o cálculo também seja importante no desenvolvimento de competências, ademais de se configurar como uma linguagem específica, o foco desta pesquisa contempla a leitura e a produção de texto. Portanto, de agora em diante, não se farão presentes considerações sobre o cálculo. Visto que as disciplinas escolares são recortes das áreas do conhecimento, as DCNEM (1998) organizaram as disciplinas do Ensino Médio em três áreas para aproximar ainda mais o diálogo entre as disciplinas, favorecendo a realização da interdisciplinaridade e da contextualização: I. Área de Linguagens, Códigos e suas Tecnologias (LCT), composta pelas disciplinas: Língua Portuguesa, Língua Estrangeira Moderna, Arte, Educação Física; II. Área de Ciências da Natureza, Matemática e suas Tecnologias (CNMT), composta pelas disciplinas: Química, Física, Biologia, Matemática; III. Área de Ciências Humanas e suas Tecnologias (CHT), composta pelas disciplinas: História, Geografia, Filosofia, Sociologia. Levando em conta o objetivo desta pesquisa, a seguir estão relacionadas as competências e habilidades da área de LCT, de acordo com as DCNEM (1998): a) Compreender e usar os sistemas simbólicos das diferentes linguagens como meios de organização cognitiva da realidade pela constituição de significados, expressão, comunicação e informação.b) Confrontar opiniões e pontos de vista sobre as diferentes linguagens e suas manifestações específicas. c) Analisar, interpretar e aplicar os recursos expressivos das linguagens, relacionando textos com seus contextos, mediante a natureza, função, organização, estrutura das manifestações, de acordo com as condições de produção e recepção. d) Compreender e usar a língua portuguesa como língua materna, geradora de significação e integradora da organização do mundo e da própria identidade. e) Conhecer e usar língua(s) estrangeira(s) moderna(s) como instrumento de acesso a informações e a outras culturas e grupos sociais. f) Entender os princípios das tecnologias da comunicação e da informação, associá- las aos conhecimentos científicos, às linguagens que lhes dão suporte e aos problemas que se propõem solucionar. g) Entender a natureza das tecnologias da informação como integração de diferentes meios de comunicação, linguagens e códigos, bem como a função integradora que elas exercem na sua relação com as demais tecnologias. h) Entender o impacto das tecnologias da comunicação e da informação na sua vida, nos processos de produção, no desenvolvimento do conhecimento e na vida social. 25 i) Aplicar as tecnologias da comunicação e da informação na escola, no trabalho e em outros contextos relevantes para sua vida. As competências e habilidades a serem desenvolvidas pela área de LCT trazem consigo a ideia de compreensão, análise e entendimento, isto é, trazem a capacidade de leitura em todos seus objetivos. Além da capacidade de ler, as habilidades a serem desenvolvidas na área de LCT apontam que o sujeito deve ser capaz não só de compreender a linguagem, mas de usá-la na vida social na criação de novos significados, seja por meioda expressão corporal ou imagética, seja por meio da oralidade ou da escrita. Na sociedade grafocêntrica, a escrita assume um papel determinante porque medeia as relações sociais cotidianas como compra e venda de mercadorias e serviços, registros dos cidadãos para usufruírem dos direitos e cumprirem os deveres da cidadania etc. , ou seja, a escrita compõe o mundo do trabalho e, portanto, deve ser conhecida e manipulada pelos estudantes de Ensino Médio. O saber-escrever, em todas as suas dimensões, se desenvolve progressivamente em todos os níveis da escola obrigatória e é constituinte do êxito escolar de todos os alunos, sem falar no importante papel que desempenha na sua socialização. Aprender a produzir uma diversidade de textos, respeitando as convenções da língua e da comunicação, é uma condição para a integração na vida social e profissional (DOLZ, 2010, p. 13). Diante do exposto anteriormente, fica explícito que o Ensino Médio, embora tenha o compromisso de retomar os conhecimentos construídos durante o Ensino Fundamental, não pode se restringir a eles, pois o aprofundamento, a que se referem as DCNEM (1988), aponta a necessária complexidade dos conceitos em um ambiente escolar capaz de trabalhar pela identidade, diversidade, autonomia, articulando as disciplinas em áreas interdisciplinares com conteúdos e conceitos contextualizados. Essa finalidade do Ensino Médio é também um desafio à instituição escolar e aos docentes, porque a história do Ensino Médio no Brasil mostra que, apenas depois de 1990, este segmento da Educação Básica passou a ser visto como uma etapa na qual a formação do aluno deveria ter como “alvo principal a aquisição de conhecimentos básicos, a preparação científica e a capacidade de utilizar as diferentes tecnologias relativas às áreas de atuação”, de acordo com os Parâmetros Curriculares Nacionais para o Ensino Médio 9 (PCNEM, 2000). 9 PCNEM – Bases Legais - disponíveis em: http://portal.mec.gov.br/seb/arquivos/pdf/blegais.pdf Consultado em 26/11/2010. 26 Antes desse período, especialmente nas décadas de 60 e 70 do século XX, o processo de industrialização levou a política educacional a priorizar a formação de especialistas no Ensino Médio capazes de utilizar máquinas ou dominar processos de produção.Assim, o Ensino Médio recebeu um caráter de formação técnica e compulsória. Para que o Ensino Médio assumisse a formação geral e não apenas a específica, a sociedade brasileira teve de passar durante a década de 90 pelas mudanças provenientes das Tecnologias da Informação e Comunicação, que exigiram cidadãos capazes de aprender constantemente e não apenas habilitados a memorizar informações. Com isso, começaram a ser valorizados “o desenvolvimento de capacidades de pesquisar, buscar informações, analisá- las e selecioná-las; a capacidade de aprender, criar, formular” (PCNEM, 2000, p. 5). Apenas no ano 2000 foram publicados os PCNEM, os quais se propõem a orientar os professores na consolidação da reforma curricular do Ensino Médio, seguindo as orientações das DCNEM (1998). A necessária mudança de objetivo para o Ensino Médio e consequente alteração na metodologia de trabalho docente ficam evidentes nos PCNEM (2000), quando apontam que Não se pode mais postergar a intervenção no Ensino Médio, de modo a garantir a superação de uma escola que, ao invés de se colocar como elemento central de desenvolvimento dos cidadãos, contribui para a sua exclusão. Uma escola que pretende formar por meio da imposição de modelos, de exercícios de memorização, da fragmentação do conhecimento, da ignorância dos instrumentos mais avançados de acesso ao conhecimento e da comunicação. Ao manter uma postura tradicional e distanciada das mudanças sociais, a escola como instituição pública acabará também por se marginalizar (p.12). A mudança metodológica no Ensino Médio diz respeito, especialmente, ao desenvolvimento de aulas que dialoguem com a vida dos alunos e façam sentido a eles, ou seja, aulas que se valham da interdisciplinaridade e contextualização. Na observância da interdisciplinaridade, a escola garante que os conhecimentos mantenham um diálogo entre si, seja por meio da negação, do questionamento, da complementação etc. Diante disso, a interdisciplinaridade procura constituir nos alunos a capacidade de analisar, explicar, prever e intervir, ou seja, o ensino não se mantém apenas na descrição dos fatos, mas envolve o jovem na resolução de problemas concretos e no desenvolvimento de projetos de investigação. O princípio da contextualização está vinculado ao processo de transposição didática, em que o conhecimento é transposto da situação em que foi criado para dialogar com uma 27 experiência do aluno ou com alguma prática, a fim de que adquira significado, permitindo revisões e críticas ao cotidiano. Contudo, tais princípios de interdisciplinaridade e contextualização, que sustentam o trabalho nas áreas de LCT, CNMT e CHT, apareceram nos documentos e orientações nacionais apenas há pouco mais de uma década. De acordo com Silva (2005), estes documentos educacionais para orientação de professores nem sempre apresentam uma linguagem clara ao docente e geralmente não trazem exemplos de práticas em sala de aula. A falta de exemplificações pode gerar dúvidas e inseguranças nos docentes, haja vista o fato de grande parte dos professores, principalmente os que estão na carreira há mais de dez anos, não terem vivenciado esse “novo” Ensino Médio nem como aluno, nem como estudante de licenciatura. A formação dos docentes brasileiros de Ensino Médio, portanto, tem de ser garantida na prática, isto é, por programas de formação continuada e disponibilização de materiais e recursos didático-pedagógicos. Diante disso, a análise da qualidade dos conteúdos e metodologias dos materiais didáticos endereçados aos professores de Ensino Médiose mostra essencial, já que o Brasil vive o período de universalização do Ensino Médio. Essa universalização do Ensino Médio, embora tenha ganhado força de lei apenas em 2009, vinha mostrando sua presença alguns anos antes. De acordo com os PCNEM (2000), “de 1988 a 1997, o crescimento da demanda superou 90% das matrículas até então existentes. Em apenas um ano, de 1996 a 1997, as matrículas no Ensino Médio cresceram 11,6%” (p.6). O Censo Escolar de 2009 10 , realizado pelo Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (INEP), indica que um pouco mais de 7 milhões de alunos estavam matriculados no Ensino Médio no Brasil. Segundo dados do Censo 2010 11 , realizado pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), a população do Brasil é de 190.732.694 pessoas. Na pirâmide etária 12 , os indivíduos de 15 a 19 anos representam 9,2% da população, ou seja, aproximadamente 17 milhões de brasileiros estão na faixa etária que corresponde à idade ideal para se cursar o ensino médio (dos 15 aos 17 anos). Esses números indicam que a universalização do Ensino Médio, embora esteja ocorrendo, de fato, ainda, não se consolidou no país. Com a reforma curricular do Ensino Médio e diante do mundo globalizado, os documentos legais e orientações ao docente também adotaram as considerações do Relatório 10 Dados divulgados em: http://www.inep.gov.br/basica/censo/default.asp Acesso em 29/11/2010. 11 Dados divulgados em: http://www.ibge.com.br/censo2010/ Acesso em 29/11/2010. 12 Disponível em: http://www.ibge.com.br/censo2010/piramide_etaria/index.php Acesso em 29/11/2010. 28 para a UNESCO da Comissão Internacional sobre a Educação para o século XXI 13 , o qual foi elaborado em 1996. Neste relatório, há o argumento de que a educação a serviço da inclusão e da aprendizagem de todos, especialmente dos alunos de países em desenvolvimento, deve assumir o compromisso de desenvolver quatro competências básicas para dar ao sujeito condições de se inserir no mundo globalizado, de continuar aprendendo, de realizar ações no mundo etc. As competências essenciais estão expressas nas seguintes capacidades: aprender a conhecer; aprender a fazer; aprender a viver juntos e aprender a ser. Para poder dar resposta ao conjunto das suas missões, a educação deve organizar-se em torno de quatro aprendizagens fundamentais que, ao longo de toda a vida, serão de algum modo para cada indivíduo, os pilares do conhecimento: aprender a conhecer, isto é adquirir os instrumentos da compreensão; aprender a fazer, para poder agir sobre o meio envolvente; aprender a viver juntos, a fim de participar e cooperar com os outros em todas as atividades humanas; finalmente aprender a ser, via essencial que integra as três precedentes. É claro que estas quatro vias do saber constituem apenas uma, dado que existem entre elas múltiplos pontos de contato, de relacionamento e de permuta. Mas, em regra geral, o ensino formal orienta-se, essencialmente, se não exclusivamente, para o aprender a conhecer e, em menor escala, para o aprender a fazer. As duas outras aprendizagens dependem, a maior parte das vezes, de circunstâncias aleatórias quando não são tidas, de algum modo, como prolongamento natural das duas primeiras (DELORS et al, 1996, p. 89-90). Com isso, o trabalho no Ensino Médio no Brasil, seguindo tendências mundiais e diante do avanço das Tecnologias da Informação e Comunicação no país, passou a valorizar as competências, principalmente a capacidade de aprender sempre. O foco da educação média, portanto, não está só no conteúdo de uma ou outra disciplina curricular, mas está também no desenvolvimento de capacidades de utilização bem sucedida dos diferentes conceitos, em um contexto marcado pela ética, solidariedade, diversidade, identidade e pelo trabalho. Nas aulas de Língua Portuguesa, por exemplo, o uso de diferentes textos para leitura e escrita, neste novo olhar do Ensino Médio, apresenta uma articulação com a vida cotidiana e com o desenvolvimento da criticidade, ao debater questões sociais, ao promover espaços para o jovem avaliar a vida, elaborar projetos, relacionar os diferentes temas, procedimentos e conteúdos que circulam, não só na disciplina referida, mas também em outras disciplinas. Os conteúdos de Língua Portuguesa são vistos além dos muros da escola, isto é, ganharam intenso diálogo com as práticas sociais para que os alunos sejam capazes de perceber o quanto a vida é interdisciplinar. 13 DELORS, Jacques et al. Educação: um tesouro a descobrir. Disponível em: http://www.dominiopublico.gov.br/download/texto/ue000009.pdf Acesso em 25/11/ 2010 29 Esse modelo de organização curricular para o Ensino Médio serve de referência para a elaboração de avaliações de sistemas, as quais verificam, dentre outros aspectos, o desenvolvimento da aprendizagem dos alunos em todas as áreas. Os resultados das avaliações de sistema, geralmente, propiciam o surgimento de programas de políticas públicas para suprir uma lacuna educacional identificada, seja criando cursos de formação continuada para os professores, seja investindo em recursos pedagógicos e materiais didáticos. Nesta pesquisa são considerados os resultados de duas avaliações: SARESP e PISA 14 . A primeira é uma avaliação de sistema realizada pela SEE-SP, desde 1996, em todas as escolas estaduais. A segunda faz parte de um programa internacional de avaliação comparada, cuja finalidade é produzir indicadores sobre a efetividade dos sistemas educacionais; o Brasil participa do PISA desde 2000. Ambas as avaliações são aplicadas a alunos de Ensino Médio 15 . De acordo com o Caderno do Gestor (SÃO PAULO, 2009, vol.2), o SARESP é uma avaliação externa do sistema que parte de testes e de habilidades padronizadas. Os instrumentos são planejados originalmente como avaliações complexas de desempenho, nas quais cada aluno apresenta seu desempenho em habilidades relacionadas às aprendizagens construídas no desenvolvimento do currículo. Anualmente, são realizadas provas de Língua Portuguesa (Leitura), Redação e Matemática que são acompanhadas por provas das disciplinas de Ciências da Natureza em um ano e de Ciências Humanas em outro. Na prova de Língua Portuguesa (Leitura), os alunos são avaliados mediante a capacidade de ler gêneros não-literários e gêneros literários. Na prova de Redação, são avaliados pela capacidade de produzir um gênero textual com linguagem, finalidade e interlocutor determinados. O desempenho dos alunos é medido pela distribuição em quatro níveis de proficiência definidos a partir das expectativas de aprendizagem estabelecidas para cada ano/série e para cada componente curricular. Os níveis são: Abaixo do Básico, Básico, Adequado e Avançado. Os níveis Abaixo do Básico e Básico dizem respeito ao baixo domínio de habilidades e conteúdos dos alunos em relação à série em que estão matriculados. O nível Adequado se refere ao bom domínio das habilidades e conteúdos por parte dos alunos. O nível Avançado 14 Programa Internacional de Avaliação de Alunos. 15 As provas do SARESP são aplicadas anualmente a alunos do 3º, 5º, 7º e 9º anos do Ensino Fundamental e a alunos da 3ª série do Ensino Médio. Neste texto serão considerados apenas os resultados das provas de Ensino Médio. 30 demonstra um desenvolvimento superior ao esperado pelos alunos em relação à série em que estão. As provas do SARESP, realizadas em 2008 e 2009, tiveram seus resultados divulgados através do site oficial do sistema 16 . São apresentados a seguir os resultados das provas de Língua Portuguesa e Redação dos alunos da 3ª série do Ensino Médio das escolas estaduais. Em 2008, realizaram as provas de LínguaPortuguesa e Redação 317.734 alunos concluintes do Ensino Médio no Estado de São Paulo. Na prova de Leitura, a média das notas na escala de proficiência, para a prova de Língua Materna, foi de 272,5; sendo a seguinte distribuição nos níveis de desempenho: 32,9% dos alunos alcançaram desempenho Abaixo do Básico; 37,7% obtiveram desempenho Básico; 28,6% atingiram nível Adequado; 0,9 % nível Avançado. Analisando os resultados é possível constatar que a maior parte dos alunos que possivelmente terminou o Ensino Médio nas escolas estaduais em 2008, apresenta baixo desempenho em Leitura, tendo apenas domínio insuficiente ou parcial das habilidades, conteúdos e expectativas de aprendizagem para a série avaliada. Na prova de Redação, os alunos deveriam produzir um artigo de opinião. Os textos foram corrigidos nas unidades escolares pelos professores. Os resultados foram encaminhados a um órgão central que providenciou o agrupamento e tabulação dos dados. A distribuição percentual do Estado é a seguinte: 12,9% dos alunos ficaram no nível Abaixo do Básico; 27,8% no nível Básico; 40,4% no nível Adequado; 18,9% no nível Avançado. Os resultados da Redação estão melhores que os de Leitura, pois o desempenho insatisfatório e parcial é inferior ao desempenho considerado Adequado ou Avançado. Contudo, é importante perceber que 40,7% de resultado não adequado representam aproximadamente 127 mil alunos que não foram capazes de produzir bem um texto, quase a metade dos alunos formandos do ano referido. Em 2009, realizaram as provas de Língua Portuguesa e Redação 326.916 alunos concluintes do Ensino Médio. A média das notas na escala de proficiência, para a prova de Língua Materna, foi de 274,6; sendo a seguinte distribuição nos níveis de desempenho: 29,5% nível Abaixo do Básico; 40,6% nível Básico; 29,2% nível Adequado; 0,7% nível Avançado. Em comparação aos resultados do ano anterior, houve uma melhora no desempenho dos alunos, pois o percentual de estudantes que atingiu o nível Básico subiu de 37,7 (em 2008) para 40,6 (em 2009), porém , considerando os desempenhos inferiores ao adequado 16 http://saresp.fde.sp.gov.br/2008/index.aspx e http://saresp.fde.sp.gov.br/2009/ Consultados em 27/11/2010. 31 para a série em análise, não houve melhora significativa já que, em 2008, a soma dos níveis Abaixo do Básico e Básico representava 70,6% dos estudantes; em 2009, representa 70,2%. Na prova de Redação do SARESP 2009, a distribuição percentual do Estado foi a seguinte: 11,9% no nível Abaixo do Básico; 25,0% no nível Básico; 39,3% no nível Adequado; 23,8% no Avançado. Mais uma vez, os resultados da Redação estão melhores que os de Leitura, pois a soma do desempenho insatisfatório e parcial é 36,9%, ou seja, está inferior ao desempenho considerado Adequado ou Avançado, que somam 63,1%. De um ano para outro, houve uma melhora de 4 pontos percentuais nos resultados dos concluintes. Esse índice, embora pequeno, indica avanços na qualidade de escrita dos estudantes. Tais avanços, possivelmente, estejam vinculados ao trabalho desenvolvido nas unidades escolares para bom desempenho dos alunos no SARESP, pois isto implica o cumprimento de metas anuais e consequente pagamento de bônus salarial aos gestores, professores e funcionários. Além disso, a busca pelo desenvolvimento de estratégias e metodologias para ensino de escrita e de leitura tem aumentado em meio aos professores. Na introdução deste texto acadêmico há um exemplo disso, quando professores de Língua Portuguesa da DERPP solicitaram formação continuada para o trabalho com o artigo de opinião em sala de aula. Os resultados do SARESP, em linhas gerais, mostram que os alunos do Ensino Médio, embora estejam melhorando a cada ano, ainda apresentam muitas dificuldades na leitura e na escrita. Por isso, são necessárias tomadas de decisão em relação às políticas públicas voltadas à melhoria da educação, tais como programas de formação continuada do magistério, alterações no planejamento escolar e apoio didático-metodológico. Outra avaliação de sistema é a que acontece pelo PISA, o qual é desenvolvido e coordenado pela Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE). No Brasil, a coordenação, em parceria, é feita pelo Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (INEP). De acordo com o INEP 17 , as provas do PISA começaram a ser aplicadas em 2000, com intervalos de três anos, portanto, já aconteceram quatro edições do programa (2000; 2003; 2006 e 2009). Em cada edição, a prova focaliza uma área de conhecimento, respectivamente: Leitura, Matemática e Ciências. Portanto, a prova de 2009 voltou a enfatizar a avaliação em Leitura. As provas são aplicadas a alunos na faixa etária de 15 anos, portanto são jovens que apresentam a idade considerada ideal para cursar o Ensino Médio, levando em conta o 17 http://www.inep.gov.br/internacional/pisa/. Consultado em 30/11/2010 32 ingresso no Ensino Fundamental aos seis anos de idade e o ingresso no Ensino Médio aos quinze anos de idade. As provas do PISA são aplicadas por amostragem, selecionando, por meio eletrônico e com base no Censo Escolar, as escolas e os alunos que participarão da avaliação. Referente à avaliação de Leitura, o Relatório Nacional PISA 2000 (BRASIL, 2001), afirma que o programa se propõe a verificar como ocorre a operacionalização de esquemas cognitivos de leitura. A capacidade de ler é considerada requisito básico para que o sujeito continue a construção de seu conhecimento de maneira independente, por isso a avaliação da competência leitora se vincula ao desenvolvimento de uma escola de qualidade e vinculada às práticas sociais. Os resultados da prova, segundo o Relatório Nacional PISA 2000 (BRASIL, 2001), são organizados em três grandes categorias de leitura: 1. Identificar a informação; 2. Interpretar o que foi lido e 3. Refletir sobre a leitura. Tais categorias são subdivididas em cinco níveis de proficiência: nível 1- capacidade de localizar informações explícitas, reconhecer o tema principal ou da proposta do autor e relacionar a informação de texto de uso cotidiano com demais informações já conhecidas; nível 2 - habilidade para inferir informações, identificar a ideia central do texto e compreender relações, construindo sentido e conexões com seu conhecimento já construído; nível 3 - capacidade de localizar e reconhecer relações entre informações de um mesmo texto, integração e ordenação das partes do texto com a finalidade de identificar a ideia central, de compreender o sentido de palavras e de elaborar relações, comparações, explicações ou avaliações do texto; nível 4 – habilidade de mobilizar as competências de localização e organização de informações relacionadas, interpretar sentidos da linguagem em parte de um texto, considerar o texto como um todo, utilizar o conhecimento na formulação de hipóteses e avaliar o texto; nível 5 – capacidade de organizar as informações contidas num texto, deduzindo informação relevante, para avaliar de forma crítica e, ainda, demonstrar compreensão sistêmica e detalhada em texto de conteúdo ou forma não familiar. Em 2000, dentre os 43 países participantes do PISA, o Brasil ocupou a 39ª colocação no desempenho dos alunos, ficando a frente apenas da Macedônia, da Indonésia, da Albania e do Peru. O Relatório Nacional PISA 2000 (BRASIL, 2001) apresenta os seguintes dados quanto ao desempenho dos estudantes brasileiros: 10% ficaram abaixo do nível 1; 30% ficaram no nível 1; 35% no nível 2; 19% no nível 3; 5% ficaram no nível 4; 1% ficou no nível 5. 33 Em 2003, embora a ênfase da avaliação tenha sido Matemática, as questões referentes à prova de Leitura demonstraram que o desempenho dos alunos brasileiros erasuperior apenas aos dos alunos do México, da Indonésia e da Tunísia, em uma lista de 41 países participantes. Em 2006, a prova enfatizou Ciências, contudo, o desempenho em Leitura atribuiu ao Brasil a 49ª posição dentre 56 países participantes. Em 2009, de acordo com a OCDE 18 , o desempenho dos alunos brasileiros, embora tenha apresentado um crescimento na nota final, não apresentou grandes evoluções no desenvolvimento da capacidade de ler bem. Dos 65 países participantes, os estudantes brasileiros ocuparam a 53ª posição no ranking internacional, atrás dos estudantes da Colômbia, do México, do Uruguai e do Chile. A avaliação do PISA evidencia que os estudantes brasileiros estão carentes pelo desenvolvimento de competências e habilidades de leitura. Diante disso, a formação escolar no Ensino Médio necessita de práticas docentes que, de maneira sistematizada, desenvolvam a leitura, e também a escrita, e se aproximem do cotidiano dos cidadãos que passam pelas salas de aula. 1.2 Leitura e escrita: abordagens, histórias e práticas Para um leitor que esteja, neste momento, interagindo com este texto, o ato de ler e o de escrever podem parecer corriqueiros. Aliás, este texto não é, provavelmente, o primeiro texto a ser lido neste dia. Talvez nem as anotações que serão feitas neste texto sejam as primeiras na ordem do dia. O leitor já pode ter lido os compromissos apontados na agenda de trabalho, os recados encontrados na caixa de e-mail, a marca estampada na etiqueta ou embalagem de um produto comprado e consumido. Já pode ter escrito lembretes para ajudar a lembrar algum detalhe, pode ter emitido assinaturas em documentos ou ter digitado algum texto que tem prazo determinado para ser concluído. Sejam essas atividades mais ou menos comuns na vida dos indivíduos, uma certeza há: todos, que vivem na sociedade grafocêntrica, convivem cotidianamente com a leitura e a escrita. 18 Dados disponíveis em: http://www.oecd.org/dataoecd/54/12/46643496.pdf Consultado em 24/05/2011 às 11h30. 34 Na contemporaneidade, a presença da leitura e da escrita é tão forte nas relações sociais que o termo Letramento surgiu para designar a relação do sujeito que se envolve nas numerosas e variadas práticas sociais de leitura e escrita (SOARES, 2002, p.44). Mais do que ser capaz de decodificar elementos gráficos, o cidadão do presente século tem de ser capaz de interagir com a língua, utilizando a linguagem para o sucesso nas relações sociais, sendo capaz também de se expressar bem, ouvir o outro e utilizar o conhecimento de mundo e o da organização dos textos para compreender as distintas situações a que se expõe e interagir com elas, construindo sentidos e ressignificando a vida. Saber ler e escrever deixa, portanto, de se referir apenas ao domínio do código e passa a se referir à necessidade do desenvolvimento de um estado ou condição, no qual o indivíduo assuma a postura de interlocutor e participe ativamente das diversas práticas de leitura e escrita na sociedade. Neste sentido, Soares (2002) propõe uma distinção entre Alfabetização e Letramento, explicando que aprender simplesmente a ler e a escrever auxilia na redução dos índices de analfabetismo no Brasil, mas não garante o desenvolvimento de um sujeito capaz de promover o desenvolvimento social, cultural, econômico e político do país, porque tais ações dependem de uma compreensão dos textos (sobretudo, da vida), que pode motivar um engajamento social. É preciso, por exemplo, mais que estabelecimentos de correspondência entre grafemas e fonemas, é mister cultivar e exercer diferentes práticas sociais que utilizam a leitura e a escrita. As pessoas se alfabetizam, aprendem a ler e a escrever, mas não necessariamente incorporam a prática da leitura e da escrita, não necessariamente adquirem competência para usar a leitura e a escrita, para envolver-se com as práticas sociais de escrita: não leem livros, jornais, revistas, não sabem preencher um formulário, sentem dificuldade para escrever um simples telegrama, uma carta, não conseguem encontrar informações num catálogo telefônico, num contrato de trabalho, numa conta de luz, numa bula de remédio (SOARES, 2002, p. 45-46). Embora proponha a distinção entre Alfabetização (“ação de ensinar/aprender a ler e a escrever”, p.47) e Letramento (“estado ou condição de quem não apenas sabe ler e escrever, mas cultiva e exerce as práticas sociais que usam a escrita”, p.47), Soares (2002) defende que alfabetizar e letrar não podem se separar, pois o ideal seria “alfabetizar letrando”, isto é, garantir que a aprendizagem da leitura e a da escrita aconteçam no contexto de práticas sociais de leitura e escrita, de forma que o sujeito se tornasse, ao mesmo tempo, “alfabetizado e letrado”. 35 Se a Alfabetização e o Letramento devem acontecer juntos, principalmente nos primeiros anos de escolaridade, é certo também que chegará um momento em que o indivíduo já terá aprendido a ler e a escrever, portanto, estará alfabetizado. Por outro lado, o letramento não se mostra como uma etapa finita, haja vista a constante criação de novos textos que circulam socialmente e as diferentes necessidades de atuação social, ou seja, embora o sujeito saiba ler e escrever e tenha determinado nível de letramento, sua vivência permitirá novas aprendizagens referentes à leitura e à escrita, portanto, seu nível de letramento tende a se desenvolver ou a iniciar uma nova fase, dadas as variantes encontradas nas distintas esferas sociais. Por exemplo: um sujeito adulto que já esteja alfabetizado e tenha certo nível de letramento na área da saúde pode se deparar com uma área totalmente nova em sua vida e “iniciar” seu cultivo e exercício das práticas de leitura e de escrita na nova área, segundo diferentes contextos sociais e culturais. Em outros termos, esse sujeito pode iniciar estudos musicais na maturidade, assim, entrará em contato com novos textos, como as partituras; entrará em contato também com a linguagem musical, com os conceitos de ritmo, melodia e harmonia, terá, portanto, de aprender a ler e a escrever novos textos. Em outro caso, a não compreensão de um texto de Mecânica pode se relacionar ao baixo nível de letramento que um indivíduo tem acerca da esfera social envolvida, ou seja, mesmo alfabetizado, o sujeito pode não construir sentido em sua relação com o texto. O Letramento, assim, vincula-se ao [...] que as pessoas fazem com as habilidades de leitura e escrita, em um contexto específico, e como essas habilidades se relacionam com as necessidades, valores e práticas sociais. Em outras palavras, letramento não é pura e simplesmente um conjunto de habilidades individuais; é o conjunto de práticas sociais ligadas à leitura e à escrita em que os indivíduos se envolvem em seu contexto social. (SOARES, 2002, p.72) Minimamente, ler é saber decodificar, interpretar e compreender o que foi lido, ou seja, é um ato de construção de sentido. Escrever é construir sentido utilizando e respeitando os recursos gráficos e convenções de uma língua, produzindo uma diversidade de textos. Ler é um conjunto de habilidades e comportamentos que se estendem desde simplesmente decodificar sílabas ou palavras até ler Grande Sertão: Veredas de Guimarães Rosa... uma pessoa pode ser capaz de ler um bilhete, ou uma história em quadrinhos, e não ser capaz de ler um romance, um editorial de jornal... Assim: ler é um conjunto de habilidades, comportamentos, conhecimentos que compõem um longo e complexo continuum (SOARES, 2002, p.48) 36 Ler, mais do que um simples ato mecânico de decifração de signos gráficos, é antes de tudo um ato de raciocínio, já que se trata de saber orientar uma série de raciocínios no sentido da construção de uma interpretação da mensagem escrita apartir da informação proporcionada pelo texto e pelos conhecimentos do leitor e, ao mesmo tempo, iniciar outra série de raciocínios para controlar o progresso dessa interpretação de tal forma que se possam detectar as possíveis incompreensões produzidas durante a leitura (COLOMER, 2002, p. 31-32). Práticas de leitura mostram-se comuns nas ações humanas. No século XXI, desde atividades corriqueiras da sociedade capitalista, como pagamento de contas mensais, cujo valor se encontra registrado em boletos bancários, até manifestações pessoais de sentimentos verbalizados e escritos passam pela leitura. Também está evidente na contemporaneidade vasto material impresso ou digitalizado (presente em livrarias, bibliotecas e em recursos tecnológicos) dedicado às narrativas, aos relatos, ou seja, registros de maior volume que tendem a perpetuar uma história e torná-la conhecida por muitos. Todos os textos sejam simples ou complexos, verbais ou não-verbais, existem para atender a fins comunicativos, dentro de um contexto. O estabelecimento do sentido do texto, denominado por Koch (2001) “coerência”, constrói-se na relação autor-texto-leitor, amparada também por elementos compartilhados entre os interlocutores, como, no mínimo, o código usado na mensagem e o referente sobre o qual a mensagem se estrutura. Para Cavallo e Chartier (1998), os significados dados às leituras dependem dos sentidos legitimados pela “comunidade de interpretação” à qual o leitor pertence, isto é, os indivíduos compõem determinados grupos que compartilham “modos de utilização, de compreensão e de apropriação dos textos”; portanto, a recepção dos textos se dá de acordo com quem o lê. Para cada uma das “comunidades de interpretação” assim identificadas, a relação com o escrito efetua-se com técnicas, gestos e maneiras de ser. A leitura não é apenas uma operação intelectual abstrata: ela é uso do corpo, inscrição dentro de um espaço, relação consigo mesma ou com outros (CAVALLO e CHARTIER, 1998. p. 8). Isto significa que a leitura carrega consigo características cognitivo-sociais, portanto, embrenhadas de elementos emocionais, políticos, culturais etc. Diante disso, não é suficiente uma história da leitura que classifique os indivíduos apenas em alfabetizados e não alfabetizados, haja vista que, mesmo entre os alfabetizados, podem se manifestar diferentes abordagens leitoras. A escrita é um meio de comunicar entre pessoas através do tempo e do espaço. A escrita pode servir para, mútua e concomitantemente, orientar atenção, alinhar 37 pensamentos, coordenar ações e fazer negócios entre pessoas que não estão fisicamente co-presentes como também entre as que estão presentes. Essas realizações sociais dependem do texto para induzir significados apropriados nas mentes dos receptores, de forma que a escrita ativa mecanismos psicológicos pelos quais construímos sentidos e nos alinhamos com as comunicações de outros (BAZERMAN, 2007, p.13). Escrever é também um conjunto de habilidades e comportamentos que se estendem desde simplesmente escrever o próprio nome até escrever uma tese de doutorado. Uma pessoa pode ser capaz de escrever um bilhete, uma carta, mas não ser capaz de escrever uma argumentação defendendo um ponto de vista, escrever um ensaio sobre um determinado assunto... Assim: escrever é também um conjunto de habilidades, comportamentos, conhecimentos que compõem um longo e complexo continuum (SOARES, 2002, p. 48-49). A escrita é uma ferramenta de interação indispensável nos dias de hoje. No mundo do trabalho, por exemplo, a produção de um curriculum vitae, o preenchimento de formulários, a realização de relatórios e de provas escritas são bastante comuns. Na comunicação virtual, como a realizada pelas redes sociais, a escrita de recados, depoimentos, apontamentos é diária e gera a interação de centenas e até milhares de pessoas em apenas alguns segundos. Além de assessorar a interação humana, a escrita é um suporte externo da memória e também um facilitador da transmissão cultural. Ao observar o mundo e agir sobre ele, o ser humano constrói conhecimento, o qual será gravado em sua memória. O ato de registrar, com uso da escrita, possibilita a não perda de dados, que a memória poderia olvidar, mas ficaram gravados nos registros. Com isso, o acúmulo de conhecimento científico passa de geração em geração em uma crescente, pelo uso da escrita. Escrever também envolve movimentos do corpo, numa coordenação motora que mobiliza ações cerebrais, portanto, além de pensar sobre o que se escreve, a escrita propicia funcionamento cerebral para o próprio ato de escrever. Tal ação colabora no desenvolvimento da inteligência humana. Quando escrevemos algo, mobilizamos várias áreas do cérebro e tomamos consciência de coisas das quais somente o pensamento (linguagem interna) não dá conta. Ou seja, várias coisas se organizam entre si no ato de escrever: a própria ação (movimento) leva à estimulação de redes neuronais já existentes e à formação de novas conexões entre os neurônios. Pode haver um reforço ou aumento da rede, com fortalecimento da memória (LIMA, 2007, p.40). Reiterando o conceito de Letramento, é possível perceber que as práticas sociais de leitura e de escrita estão muito presentes no cotidiano da sociedade, por isso a importância da aprendizagem da leitura e da escrita na escola. 38 A relevância da leitura e da escrita pode ser mais bem compreendida pela observação da trajetória de ambas, evidenciando como os atos de ler e escrever foram conquistando espaço na sociedade e foram legitimando a interação humana. 1.2.1 Breve história da leitura Ao se considerar os modos como as pessoas leem, é possível encontrar, na história do Ocidente, diversidades de práticas que, de certa forma, repercutem nas atividades leitoras do atual século. A história da leitura, segundo Cavallo e Chartier (1998), pode ser estudada a partir do mundo grego e helenístico, quando foram distinguidas pelo menos duas maneiras de realizar a leitura: em voz alta (geralmente para ouvintes analfabetos) e silenciosamente (de caráter mais investigativo, esta maneira era menos divulgada e servia para satisfazer ao próprio leitor). Em Roma, também ocorreram manifestações de leitura, fortemente influenciadas pela Grécia. Também é possível estudar a leitura realizada durante a Idade Média (com forte influência religiosa), a leitura durante a Idade Moderna (marcada pelo advento da imprensa e maior divulgação de livros) e a marca tecnológica na leitura na Contemporaneidade. De acordo com os pesquisadores acima citados, na Grécia, a leitura, e particularmente o livro, serviam para a conservação do texto, ou seja, a possibilidade de ler textos (como os das epopéias, por exemplo) trazia-os novamente à memória, para que não fossem esquecidos. Outro uso da leitura em voz alta era para facilitar a compreensão, visto que a escrita contínua das palavras (sem espaço) era difícil. No período helenístico, o livro foi considerado um meio de composição, circulação e conservação das obras literárias, cujo formato padrão era o volumen ou rolo. Com isso, grandes bibliotecas públicas que representavam sinais de grandeza e de poder e não, propriamente, a difusão da leitura, foram espalhadas em várias cidades do mundo helenístico. Em Roma, a leitura, em princípio, transformou-se em um hábito exclusivo das classes privilegiadas, dando origem às bibliotecas particulares, símbolos de uma sociedade culta. Porém, na época imperial, o grande número de material escrito que circulava por Roma, como cartazes, prospectos, fichas com legendas, documentação civil e militar, contribuiu para o avanço da alfabetização e para a crescente demanda de livros no acervo de bibliotecas públicas. No século II d.C, os rolos foram substituídos por livros organizados em páginas(codex) e passaram a ser os preferidos dos escritos cristãos e seus leitores. 39 Durante a Idade Média, a prática da leitura concentrou-se no interior das igrejas, das celas, dos refeitórios, dos claustros e das escolas religiosas. Os textos lidos eram os da Bíblia ou relacionados a ela. Com o codex, na Alta Idade Média, legitimou-se a maneira silenciosa de ler, sobretudo para textos religiosos que exigiam uma leitura meditativa. Do final do século XI até o século XIV, renasceram as cidades (e com elas as escolas e a alfabetização), o livro passou a representar um instrumento de trabalho intelectual e ganhou um local definido: a escola. Neste período, os modelos de biblioteca foram remodelados, pois elas já não serviriam apenas para acumular patrimônio e conservá-lo, mas para a realização de leitura silenciosa. Também surgiu o livro em língua vulgar, escrito às vezes pelo próprio “leitor- consumidor”. Esse livro circulou especialmente entre a burguesia que, geralmente, tinha menor nível de alfabetização e desconhecia o latim. Entre a corte e a aristocracia, os livros serviam para entretenimento, devoção, simples leitura e ornamento, símbolos da vida refinada. Na Idade Moderna (séculos XVI a XIX), a prática da leitura no mundo ocidental estava vinculada às evoluções históricas, à alfabetização, à religião e ao processo de industrialização. A técnica da reprodução de textos e a da produção de livros, inovadas por Gutenberg, permitiu que cada leitor tivesse acesso a um número maior de livros. Além disso, a grande revolução da leitura aconteceu pelo modelo escolástico da escrita, no qual o livro se transformou em um instrumento do saber. A leitura silenciosa dinamizou-se e se aproximou mais do leitor, assim surgiu o "leitor extensivo": capaz de consumir numerosos impressos, diferentes e efêmeros, lendo com rapidez e sob um olhar crítico. A difusão do livro foi rápida e possibilitou a criação de novos gêneros, como o romance, narrativa capaz de envolver o leitor e fazê-lo identificar-se na história contada. Na Contemporaneidade, vive-se a terceira revolução da leitura: ler na tela. Esta foi antecedida pela revolução do rolo e pela do codex. A transmissão eletrônica dos textos e as maneiras de lê-los modificam a noção de suporte (jornal, revista, livro) e de materialidade das obras (quebra do elo físico); portanto, constroem uma nova lógica de realização da prática leitora, inclusive ao unir em um mesmo indivíduo a possibilidade de escrever, editar e distribuir o texto em tempo curto ou simultâneo. A terceira revolução deu novas possibilidades ao leitor: 40 Com o texto eletrônico acontece algo diferente. Não somente o leitor pode submeter os textos a múltiplas operações (ele pode indexá-los, anotá-los, copiá-los, deslocá- los, recompô-los etc.), como pode, ainda mais, tornar-se o co-autor. A diferença, imediatamente visível, no livro impresso entre a escrita e a leitura, entre o autor do texto e o leitor do livro, desaparece em proveito de uma realidade diferente: o leitor, diante da tela, torna-se um dos atores de uma escrita a varias mãos ou, pelo menos, encontra-se em uma posição de constituir um texto novo a partir de fragmentos livremente recortados e reunidos (CAVALLO e CHARTIER, 1998. p. 31). Embora o texto impresso ainda seja frequente nas práticas sociais de leitura, é inegável que o texto virtual deixa mais explícita a possibilidade de construção de novos textos, pois o leitor, ao receber um texto eletrônico, tem maior flexibilidade para recriá-lo e recompô-lo, caso julgue necessário. Além disso, pode divulgar o novo texto a muitas pessoas, em diferentes espaços, de forma rápida e menos onerosa, disseminando a leitura. O leitor de textos eletrônicos pode subverter a tradicional relação com a escrita, ao aproximar o ler ao escrever, concebendo a ideia de que a ação da leitura não é só um momento interpretativo, mas também uma oportunidade de criação de novas leituras. Na sociedade ocidental, desde a Antiguidade Clássica, a leitura e o livro estão relacionados a formas de poder. Na Grécia, os indivíduos alfabetizados eram capazes de realizar leituras em voz alta para instruir os demais e conservar determinadas histórias. Assim, para Chartier (1996), estabeleceu-se, ainda que de maneira não tão evidente, uma hierarquia, na qual os alfabetizados tinham acesso aos registros que a sociedade legitimava e valorizava. De certa forma, eram arautos de modelos sociais e formadores de opinião. Em Roma, possuir bibliotecas particulares era privilégio dos ricos, portanto, a leitura e os livros eram tomados como símbolo de domínio e nobreza, condições não alcançadas por escravos, por exemplo. Durante a Idade Média, a leitura e posse de livros, como em Roma, representavam status, mas também sabedoria e possibilidade de contato com textos considerados sagrados, como os livros da Bíblia. Portanto, ser leitor, principalmente durante a Alta Idade Média, era sinônimo de instrução, poder social e privilégios, geralmente garantidos a determinados segmentos do clero. Depois do século XVI, com a invenção da imprensa, os livros ficaram mais abundantes, contudo, mesmo diante da criação e publicação de novos gêneros narrativos, pouco foi o acesso da população trabalhadora a tais escritos. Na Alemanha e na França, por exemplo, segundo Cavallo e Chartier (1998), os romances foram lidos por membros de classes aristocratas e mulheres da elite, que passavam longas tardes em contato com histórias folhetinescas. 41 Na atualidade, a era digital reestrutura a relação leitor-texto, conferindo ao leitor a possibilidade de atuação também como co-produtor ou produtor de textos, a partir do que leu e/ou recriou. Este espaço de ação para o leitor acaba por ser mais democrático, à medida que minimiza a distância entre especialistas e leigos, por exemplo. É um poder de criação de leitura compartilhado com o povo e mediado pela escola, que foi instituída como espaço para a alfabetização e para a formação do leitor. Fica evidente que a leitura é uma atividade legitimada socialmente, sobre a qual se estruturam relações de poder e possibilidades de inserção social. O acesso ao mundo do conhecimento e à produção cultural, especialmente depois do Renascimento, dá-se, em maior parte, pela leitura. 1.2.2 Breve história da escrita Apesar de a fala ter surgido há cerca de 200 mil anos, a escrita só foi criada há aproximadamente 5 mil anos. O ato de escrever, portanto, é novo, comparado à capacidade humana de comunicação pela oralidade. As paredes de algumas cavernas na Europa apresentam registros de imagens que datam de 25 mil anos. Na África, há registros que datam de 32 mil anos. Hoje, tais registros são chamados de protolinguagem. A escrita foi inventada na região da Suméria, na Mesopotâmia (Oriente Médio), em plaquetas de barro que serviam para registrar a contabilidade dos sumérios: sacos de grãos, cabeças de gado etc. Essa primeira escrita (cuneiforme) foi se familiarizando a outras línguas e povos. Outros sistemas de escrita surgiram no Egito e na China. Registros escritos na pedra, no barro e no papiro. Histórias dos afazeres e dos homens começaram a se perpetuar. Com a invenção do alfabeto, diminuiu a necessidade de conhecer um grande número de signos e caracteres, portanto, a escrita ficou mais regular e mais facilmente socializável entre os membros das comunidades. A escrita foi alastrando-se, até que, mil anos antes de Cristo, aconteceu uma verdadeira revolução: a invenção do alfabeto. O fato não foi inesperado, mas decorreu de uma longa trajetória, cuja maior responsabilidade foi dos fenícios (...) Com o alfabeto, podemos escrever tudo utilizando menos de trinta signos (AGUIAR, 2004, p.63) 42 De acordo com Lima (2007), depois da criaçãoda escrita, o desenvolvimento cultural da humanidade se acelerou, chegando à invenção da imprensa no século XV. Desde então, a escrita, associada à reprodução rápida promovida pela imprensa, acentuou ainda mais o desenvolvimento das ciências e das técnicas artísticas, que culminaram na invenção de equipamentos, na produção literária e no desenvolvimento tecnológico. Hoje, os indivíduos possuem aparelhos portáteis, como computadores e celulares, capazes de registrar a escrita e enviá-la, pela Internet, a outras pessoas conectadas em qualquer lugar do mundo. Existem também enciclopédias virtuais que são alimentadas pelos usuários diariamente, ou seja, além de estarem constantemente atualizadas, elas permitem, pela escrita, uma interação global de pessoas de todos os segmentos das distintas sociedades e culturas, todas construindo e transmitindo conhecimentos. Registros acerca da importância da escrita apontam que os currículos iniciais nas escolas do antigo Egito, da Suméria, da Grécia tinham a escrita como um eixo, além da matemática e das artes. A leitura era ensinada a todos que chegavam à escola, “mas o ato de escrever, propriamente dito, ficava reservado às classes sociais economicamente favorecidas” (LIMA, 2007, p.21). O domínio da capacidade de escrever passou a ser visto como artigo de luxo e de poder, uma virtude a ser desenvolvida nos nobres. Gradativamente, a escrita da História foi se sobrepondo à memória, ao ponto de os materiais com a palavra escrita terem mais valor social que a oralidade, ou seja, o documento escrito passou a ter destaque em detrimento da memória coletiva. Como os poucos dominadores da escrita geralmente eram os ricos, a escrita da História passou a ser feita sob o ponto de vista do dominador. De acordo com Aguiar (2004, p. 65), gradualmente, as sociedades foram “dividindo-se em cultas e incultas, segundo o critério de conhecimento ou não do código linguístico escrito. Aos poucos, os elementos alfabetizados foram exercendo domínio sobre os analfabetos”. A capacidade de escrever passou a representar uma forma de poder social e de prestígio. No Brasil, no século XVI, os jesuítas ao implantarem, onde houvesse uma igreja, escolas de ler e escrever restringiam o ensino da escrita ao domínio do alfabeto e à ênfase em um procedimento de codificação e elaboração de textos simples. Mesmo os filhos dos mais ricos, que estudavam por mais tempo, aperfeiçoavam a escrita dentro de áreas restritas, ligadas à religião ou a algum curso superior realizado na Europa. 43 A escrita, no país, não era acessível a todos. As mulheres do período colonial, por exemplo, de acordo com Ribeiro (2002), não estudavam, portanto, não aprendiam a escrever, pois eram consideradas inferiores. A escrita era uma ferramenta para uso do poder patriarcal. Até meados do século XX, a escrita era pouco acessível não só às mulheres, mas também à grande massa populacional brasileira, formada de analfabetos. Tal situação, segundo Romanelli (1987), levou o presidente Getúlio Vargas a liderar uma Campanha pela Alfabetização. Na década de 80, do século XX, a escrita ainda era um foco de políticas públicas para a Educação no país; assim, o processo de redemocratização da escola pública brasileira ampliou o número de vagas, para que todas as crianças em idade escolar pudessem aprender a ler e a escrever. Avanços aconteceram com relação ao domínio da escrita e da leitura. Hoje, a maioria da população brasileira em idade escolar está na escola. O número de analfabetos diminuiu significativamente. Com relação aos jovens de Ensino Médio, o percentual de analfabetos com idade entre 15 e 19 anos, em 2007, era de 8,03% no país, segundo informações contidas no guia do professor – Ensino Médio – “Vamos contar! Censo 2010 nas escolas” 19 – uma publicação elaborada pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE, 2010, p.37). É considerada analfabeta a pessoa que declara não saber ler e escrever um bilhete simples em Língua Portuguesa ou aquela que afirma ter aprendido a ler e a escrever, mas depois esqueceu, sendo capaz de, no momento, só assinar o nome próprio. Diante disso, a escrita não pode ser considerada realmente próxima da maior parte dos brasileiros, haja vista a diversidade de possibilidades de escrita que não pode ser restringida à produção de um simples bilhete. Significa dizer que o ato de escrever (assim como o de ler) ainda carece do desenvolvimento de níveis de letramento, já que, no cotidiano, o sujeito estará imerso em uma sociedade grafocêntrica que tem suas interações legitimadas pela escrita. 19 IBGE, 2010. Vamos contar! Censo 2010 nas escolas – Guia do Professor – Ensino Médio. Disponível em: http://www.ibge.gov.br/vamoscontar/guias_flipbook/guia_ensino_medio.pdf Consultado em 22/01/2011 às 16h48 min. 44 1.2.3 Concepções de linguagem: olhares sobre a leitura e a escrita A leitura e a escrita foram desenvolvidas pelos seres humanos graças à função simbólica. Os humanos são capazes de lidar com representações que substituem a realidade, libertando-se do espaço e do tempo presente, fazendo relações mentais mesmo na ausência de objetos, imaginando, planejando, intencionando algo. Posso pensar em um gato que não está presente no local em que estou, imaginar um gato sobre uma poltrona que no momento está vazia, pretender ter um gato em minha casa a partir da próxima semana. Essas possibilidades de operação mental não constituem uma relação direta com o mundo real fisicamente presente; a relação é mediada pelos signos internalizados que representam os elementos do mundo, libertando o homem da necessidade de interação concreta com os objetos de seu pensamento (OLIVEIRA, 2008, p. 35). A função simbólica e a necessidade de comunicação colaboraram para que a humanidade desenvolvesse a linguagem e, posteriormente, a língua. A linguagem pode ser considerada como o meio mais importante no desenvolvimento e formação dos processos cognitivos e da consciência do homem. Estudos acerca da linguagem ao longo da História descrevem três principais concepções de linguagem, as quais têm profunda relação com as abordagens de ensino de leitura e escrita, assumidas em cada período dos estudos linguísticos e da educação: 1ª) Linguagem como expressão ou representação do mundo e do pensamento; 2ª) Linguagem como instrumento de comunicação; 3ª) Linguagem como forma ou processo de interação (TRAVAGLIA, 1996). A concepção de linguagem como expressão do pensamento interpreta a linguagem como expressão ou representação do mundo. Nesta concepção, o ser humano representa o mundo pela linguagem e esta é um espelho do pensamento humano. Assim, quem não se expressa bem é porque não pensa bem, uma vez que a linguagem é vista como uma mera tradução da mente. De acordo com essa concepção, para que uma comunicação seja bem sucedida, basta que o sujeito, se valendo da linguagem, organize bem o pensamento e conheça as normas gramaticais padronizadas para o ato de escrever e falar bem. Essa primeira concepção de linguagem influencia concepções de leitura e escrita, porque se a boa comunicação depende do próprio sujeito, de seu pensamento e das regras gramaticais, o ato de ler e o de escrever, consequentemente, também dependeriam desta capacidade de “espelhar” o mundo e do conhecimento das regras gramaticais. 45 A segunda concepção é a da linguagem como instrumento de comunicação, na qual a língua é vista como um código (conjuntos de signos que se combinam por regras) sendo capaz de transmitir uma mensagem ou informação. Esse código deve ser dominado por todos os falantes para que a comunicação possa ser efetivada. Nessa concepção, a ênfase está na mensagem, que, por sua vez, é formada pelo código (língua), portanto, não é osujeito que cria a comunicação, ele apenas escolhe, em um sistema já pronto, que código usar. Koch (2002, p.14), ao fazer uma leitura crítica dessa concepção, afirma que, nestes moldes, o indivíduo é visto como um “assujeitado pelo sistema, caracterizado por uma espécie de não-consciência”. A abordagem de ensino de leitura e de escrita, orientadas pela linguagem como instrumento de comunicação, tendem a centrar-se no sistema da língua, na sua estrutura e seu funcionamento, não privilegiando a atuação específica de cada falante, nem a influência de elementos históricos ou sociais. Nessa concepção, ensinar a ler e a escrever passa por exercícios de leitura e composição das frases, preenchimento de lacunas com o verbo no tempo e modo adequados, estudo dos sinais de pontuação, concordância entre o sujeito e o predicado da frase, estudo dos elementos fonéticos. A terceira concepção é da linguagem como forma ou processo de interação, ou seja, como uma atividade entre sujeitos. Esta concepção rompe com a ideia do monólogo, pois a „inter-ação‟ pressupõe o diálogo entre sujeitos que ocupam o espaço de interlocutores. Tampouco essa concepção prioriza apenas o código linguístico e suas regras, pois o enfoque está nos usuários da língua que interagem não só com base em regras linguísticas internalizadas, mas também inseridos em um contexto histórico e social. “O indivíduo, ao fazer uso da língua, não apenas exterioriza o seu pensamento, não somente transmite informações; na verdade, mais do que isso, realiza ações, age, atua, orientado por determinada finalidade, sobre o outro” (CURADO, 2004, p.19). A linguagem, nessa concepção, é compreendida como lugar de interação, os interlocutores são sujeitos que falam e ouvem de determinados lugares sociais, levando ao desenvolvimento de vínculos, compromissos, reações, comportamentos. A linguagem como forma ou processo de interação ultrapassa as visões redutoras das concepções expostas anteriormente. De acordo com Koch (2002), na linguagem como forma ou processo de interação, o sujeito é entendido como uma entidade psicossocial, pois é social, histórico e ideologicamente situado. Assim, o texto passa a ser o lugar de interação entre os sujeitos, portanto, o sentido 46 não está dado e pronto, mas em constante construção na relação sujeito-texto e texto-sujeito, ambas as relações vinculadas ao contexto de produção textual. Diante disso, a leitura e a escrita passam a ser compreendidas pelos usos sociais que os sujeitos fazem da língua; portanto o ato de ler ultrapassa a decodificação para construir entre o leitor e o texto um sentido novo que estará marcado pelas vivências, pela história e pelas ideologias existentes em cada um. O ato de escrever não é apenas uma aplicação de fórmulas e regras, mas é pensado dentro de cada circunstância mediada pela linguagem, ou seja, recebem destaque perguntas sobre o que será escrito, para quem, por quê, como etc. O presente texto de pesquisa adota, portanto, a terceira concepção de linguagem como diretriz para a análise dos materiais didáticos propostos e para a construção de referencial teórico. Tal escolha se justifica pela necessidade de compreender a leitura e a escrita como ações humanas complexas imersas em práticas sociais que, utilizando a função mediadora da linguagem, significam e ressignificam o mundo, as ideologias e a própria existência humana. Diante da importância da linguagem na construção do próprio homem, fica evidente a pertinência de interações sociais que privilegiem a reflexão sobre os mais variados aspectos sociolinguísticos. A escola é o local propício a tais interações, as quais são mediadas pela figura docente. No ensino da língua materna, o objeto que sustenta o trabalho docente com a leitura e a escrita, compreendidas como ações efetivas de interlocução, é o gênero discursivo, forma que assume toda comunicação humana, oral e escrita. 1.3 O que são os gêneros textuais? É sabido que a interação entre os interlocutores acontece por meio da linguagem, a qual proporcionou o desenvolvimento da língua e, posteriormente, das ações de leitura e escrita. Os sujeitos leem e escrevem diferentes textos. Para Marcuschi (2008), o texto é o único material linguístico observável, por isso ele é um fenômeno linguístico, que vai além da frase e constitui uma unidade de sentido. A construção do sentido só se efetiva no vínculo que o texto estabelece com o mundo no qual ele surge e funciona, por isso o texto pode dizer muito mais do que está explícito na extensão da frase e do que apontam análises dos níveis morfossintáticos. O texto pode ser tido como um tecido estruturado, uma entidade significativa, uma entidade de comunicação e um artefato sociohistórico. De certo modo, pode-se 47 afirmar que o texto é uma (re)construção do mundo e não uma simples refração ou reflexo. Como Bakhtin dizia da linguagem que ela refrata o mundo na medida em que o reordena e reconstrói (MARCUSCHI, 2008, p.72). Ainda com base em Marcuschi (2008), é possível afirmar que os interlocutores, quando dizem algo (momento da enunciação), estão criando um discurso. Quando esse discurso entra no plano da esquematização, ele se configura e passa a ser texto. O condicionamento da atividade enunciativa, ou seja, a transformação do discurso em texto configurado com unidades, sequências textuais, encadeamento textual, cria grupos materializados de organização textual, portanto, surgem os gêneros textuais. Os estudiosos da língua (como Bakhtin, 2003) que a veem em seus aspectos discursivos e enunciativos, ou seja, consideram-na uma atividade social, histórica e cognitiva, afirmam que a comunicação verbal acontece por algum gênero textual, sem o qual a mesma seria impossível. Visto que são instrumentos de comunicação indispensáveis, todos os indivíduos usam gêneros para interagir. Quanto mais domínio o indivíduo tem acerca do maior número possível de gêneros textuais, maiores serão suas possibilidades comunicativas e seu potencial para construção dos mais variados conceitos. Os gêneros (do latim generi) são, na verdade, famílias de textos, ou seja, textos orais ou escritos que, por apresentarem elementos semelhantes sob o ponto de vista da organização do discurso, tendem a pertencer a uma mesma esfera social e, portanto, formam um agrupamento. Cada família de texto dá origem a um gênero textual. Provavelmente, a noção de gênero foi tratada pela primeira vez na obra de Bakhtin (2003), sob a classificação de gênero do discurso. Tal noção, segundo esse autor, pode ser assim resumida: cada esfera social elabora tipos relativamente estáveis de enunciados: os gêneros. A escolha de um gênero se determina pela esfera, pelas necessidades da temática, pelo conjunto dos participantes e pela vontade enunciativa ou intenção do locutor. Todo gênero é caracterizado por três elementos: conteúdo temático; construção composicional e estilo. O conteúdo temático de um gênero refere-se ao predomínio de um conteúdo, tema ou assunto. Em uma crônica predominam temas cotidianos, em um poema predomina a expressão de sentimento do eu-lírico, em uma ata de reunião de condomínio, predominam as decisões tomadas pelo grupo. A construção composicional diz respeito à forma de organização do gênero, à distribuição das informações, ao uso de elementos não verbais como cores, gráficos, imagens 48 etc. Em uma carta, por exemplo, a composição do gênero apresenta, pelo menos, data, saudação, corpo da carta, despedida e assinatura. O estilo é o modo como o assunto é tratado no gênero. Refere-se a uma forma padronizada de uso do discurso. O estilo está relacionado às escolhas e usos da linguagem, tanto referente a aspectos lexicais, quanto sintáticos e morfológicos, segundo a intencionalidade e relativa estabilidade de cada gênero de texto. Em um artigo deopinião, costuma prevalecer a formalidade; na piada predomina a informalidade e polissemia; em ofícios das ordens militares, há uso de expressões típicas da esfera e tratamento aos indivíduos segundo seus títulos ou patentes. Além do estilo do gênero, há também certa possibilidade de uso da língua de acordo com a preferência do autor do texto, principalmente, em modalidades de textos literários; assim, o estilo pode também carregar certo grau de individualidade do produtor do texto. Subjaz a essas considerações o fato de que, nas escolhas que realiza, o autor imprime a sua marca individual, mas não pode ignorar a relativa estabilidade dos gêneros textuais, o que não o caracteriza como um sujeito totalmente livre, que tudo pode dizer em descaso às regulações sociais, nem como um sujeito totalmente submisso, que nada pode dizer, sem fugir às prescrições sociais (Koch, 2006, p.110). Para Bakhtin (2003), os gêneros podem ser classificados em gêneros primários e gêneros secundários. Os primários (ou livres) são os que se constituíram em circunstâncias de uma comunicação verbal espontânea, como a relação imediata da criança com o mundo. Os secundários aparecem em circunstâncias de uma comunicação cultural, mais complexa e relativamente mais evoluída, principalmente relacionada à escrita nas esferas artística, científica, sociopolítica. Os gêneros secundários nascem de reelaborações feitas a partir dos gêneros primários. Os gêneros discursivos secundários (complexos – romances, dramas, pesquisas científicas de toda espécie, os grandes gêneros publicísticos etc.) surgem nas condições de um convívio cultural mais complexo e relativamente muito desenvolvido e organizado (...). No processo de sua formação eles incorporam e reelaboram diversos gêneros primários (simples), que se formaram nas condições da comunicação discursiva imediata (BAKHTIN, 2003, p. 263). Estudiosos como Marcuschi (2008) nomeiam o gênero do discurso como gênero textual, sem prejuízo de sentido entre as duas possibilidades de nomenclatura. Para o referido autor, o gênero textual é um nome que se dá às diferentes formas de linguagem que circulam socialmente, sejam mais informais ou formais. O romance é um gênero, o artigo de opinião é 49 outro gênero, uma receita culinária é um gênero, assim como também são gêneros as seguintes formas textuais escritas ou orais estáveis, histórica e socialmente situadas: cartão de aniversário, lista telefônica, piada, telefonema, aula expositiva, reunião de pais e mestres, consulta médica, notícia jornalística etc. Eles são a língua em uso social, são instrumentos de comunicação. Koch (2006) destaca que o número de gêneros textuais existentes não está contabilizado, tampouco todos os gêneros estão classificados, porque eles existem em grande quantidade e, como prática sociocomunicativa, podem ser alterados e resultarem em outros gêneros. Com o avanço da tecnologia da informação e comunicação, por exemplo, surgiu o e- mail, uma variação dinâmica da carta. A compreensão do conceito bakhtiniano de gênero do discurso (ou gênero textual) acarreta o necessário discernimento entre este e mais dois conceitos, a saber: domínios discursivos e tipos textuais. O domínio discursivo, no sentido bakhtiniano, refere-se a uma esfera ou campo de atividade humana. Significa dizer que a produção de textos não é aleatória no mundo, mas cada ramo de atividade social cria, modifica e interage com determinados gêneros discursivos. É um espaço que dá origem a gêneros variados, porém marcados institucionalmente e capazes de instaurar relações de poder. Exemplos dos chamados domínios ou instâncias discursivas são: o discurso escolar, o discurso religioso, o discurso jurídico etc. Cada domínio discursivo produz gêneros mediante necessidades e atividades socioculturais. O número de gêneros em cada instância não é rígido, tampouco são estanques os gêneros, pois as inovações, inclusive tecnológicas, oportunizam a criação de novos gêneros textuais. Outro conceito importante é o de tipologia textual. Segundo Marcuschi (2008, p.154), tipo textual é “uma espécie de construção teórica definida pela natureza linguística de sua composição – aspectos lexicais, sintáticos, tempos verbais, relações lógicas, estilo.” O tipo apresenta-se muito mais como sequência linguística do que como texto materializado. Tipos são modos textuais que abarcam um número limitado de categorias conhecidas: narração, argumentação, exposição, descrição, injunção. Os tipos ou tipologias são segmentos constitutivos de um gênero textual, isto é, “formas específicas de semiotização ou de colocação em discurso [...] formas dependentes do leque dos recursos morfossintáticos de uma língua e, por isso, em número necessariamente limitado” (BRONCKART, 2009, p. 138). 50 Todo gênero, de acordo com Bronckart (2009), utiliza um ou mais tipos para se constituir. O tipo textual é um “construto teórico” definido por elementos linguísticos, enquanto o gênero é uma realização linguística concreta, manifesta na prática social. Segundo Bronckart (2009), a tipologia narrativa, por exemplo, é caracterizada pela situação inicial + complicação + resolução, formando uma sequência temporal organizada por um narrador, que se sustenta em verbos de ação no pretérito, e relacionando personagens em uma intriga com tempo e espaço. Diante das conceituações expostas anteriormente, é oportuno que se construa um exemplo para distinção entre tipo e gênero textual: As conhecidas histórias Chapeuzinho Vermelho (Irmãos Grimm) e Dom Casmurro (Machado de Assis) podem ser consideradas como exemplos da manifestação da sequência narrativa, haja vista em ambas existirem os elementos que constituem a tipologia e que foram mencionados anteriormente, como: situação inicial, complicação, resolução. Uma leitura das obras citadas, enquanto realização linguística concreta, revela que embora ambas apresentem narratividade, são distintas quanto à forma composicional, ao estilo e à temática. Chapeuzinho Vermelho é um texto breve, com linguagem formal e simples, sem grandes espaços descritivos, cujo enredo narra o malfadado encontro, e suas consequências, entre a protagonista e um lobo feroz. O texto apresenta um fundo moralizante e é, comumente, associado à literatura infantil. A segunda obra, de autoria de Machado de Assis, é uma narrativa longa, com vários núcleos semi-autônomos que se encadeiam e entram em resolução mesmo antes do fim geral da narrativa. A obra apresenta os conflitos psicológicos da vida do narrador Bento, mostra relações no círculo de amizade e vivências no ambiente familiar e social. Dom Casmurro é caracterizada por um tom introspectivo, de linguagem requintada que conduz o leitor à incerteza de um suposto adultério feminino. Embora as duas obras pertençam à esfera literária, sob o ponto de vista do discurso construído em ambas, a primeira pertence à família dos contos, enquanto a segunda pertence à família dos romances. São, portanto, gêneros diferentes, ainda que se valham da tipologia narrativa como “construto teórico” alicerçante da realização textual concreta. Quando a escola focaliza apenas a aprendizagem sobre as tipologias textuais, não está oferecendo condições para que os alunos desenvolvam habilidades de leitura e escrita capazes de lidar com a materialização linguística dos gêneros. O destaque apenas para as tipologias 51 enfatiza elementos linguísticos, mas não garante envolvimento do estudante com a reflexão acerca dos usos sociais dos textos. Dolz e Schneuwly (2004), embora reconheçam a contribuição das tipologias textuais na elaboração dos diferentes gêneros, apontam que, sob o ponto de vista da aplicação didática, o trabalho escolar exclusivo nas tipologias sofre de duas limitações: a. Seu objeto não é o texto, e ainda menos o gênero doqual todo texto é um exemplar, mas operações de linguagem constitutivas do texto, tais como a ancoragem enunciativa e a escolha de um modo de apresentação ou de tipos de sequencialidades; b. Por isso mesmo, a análise se exerce sobre subconjuntos particulares de unidades linguísticas que formam configurações, traduzindo as operações de linguagem postuladas. As tipologias não podem, por si sós, fornecer uma base suficientemente ampla para elaborarmos progressões, que ficariam forçosamente parciais, tocando somente em certos aspectos do funcionamento da linguagem (DOLZ e SCHNEUWLY, 2004, p. 58). O domínio discursivo, a tipologia textual e o gênero textual caminham juntos na construção de atividades escolares que ultrapassem o meramente linguístico e alcancem a complexidade dos usos da língua nas interações sociais. Considerar o domínio discursivo é o ponto de partida para a seleção de gêneros a serem trabalhados, os quais serão constituídos por tipologias. Os pesquisadores Dolz e Schneuwly (2004), utilizando os conceitos de domínio discursivo, tipologia e gênero textual, elaboraram uma proposta de agrupamento dos gêneros com a finalidade de subsidiar as ações legadas ao ensino na escola. O quadro 1 (p.52) a seguir, elaborado pelos autores mencionados anteriormente, ilustra a organização de cinco agrupamentos, seguindo o número de tipologias textuais. O quadro está dividido em duas colunas. Na primeira, estão os domínios discursivos, os aspectos linguísticos e as capacidades de linguagem dominante. Na segunda coluna, estão exemplos de gêneros textuais orais e escritos que se constituem, predominantemente, da tipologia em questão. 52 Domínios sociais de comunicação Aspectos tipológicos Capacidade de linguagem dominante Exemplos de gêneros orais e escritos Cultura literária ficcional NARRAR Mimeses da ação através da criação de intriga no domínio do verossímil Conto maravilhoso Conto de fadas Fábula Lenda Narrativa de aventura Narrativa de ficção científica Narrativa de enigma Narrativa mítica Sketch ou história engraçada Biografia romanceada Romance Romance histórico Novela fantástica Conto Crônica literária Adivinha Piada Documentação e memorização das ações humanas RELATAR Representação pelo discurso de experiências vividas, situadas no tempo Relato de experiência vivida Relato de viagem Diário íntimo Testemunho Anedota ou caso Autobiografia Curriculum Vitae ... Notícia Reportagem Crônica social Crônica esportiva ... Histórico Relato histórico Ensaio ou perfil biográfico Biografia Discussão de problemas sociais controversos ARGUMENTAR Sustentação, refutação e negociação de tomadas de posição Textos de opinião Diálogo argumentativo Carta de leitor Carta de reclamação Carta de solicitação Deliberação informal Debate regrado Assembleia Discurso de defesa (advocacia) Discurso de acusação (advocacia) Resenha crítica Artigos de opinião ou assinados Editorial Ensaio Transmissão e construção de saberes EXPOR Apresentação textual de diferentes formas dos saberes Texto expositivo (em livro didático) Exposição oral Seminário Conferência Comunicação oral Palestra Entrevista de especialista Verbete Artigo enciclopédico Texto explicativo Tomada de notas Resumo de textos expositivos e explicativos 53 Resenha Relatório científico Relatório oral de experiência Instruções e prescrições DESCREVER AÇÕES Regulação mútua de comportamentos Instruções de montagem Receita Regulamento Regras de jogo Instruções de uso Comandos diversos Textos prescritivos Quadro 1 - Proposta de agrupamento dos gêneros textuais, por Dolz e Schneuwly (2004, p. 60-61) O conceito de gênero textual atrela-se ao de Letramento. Para que o sujeito seja capaz de agir com sucesso nas diferentes situações decorrentes da cultura letrada, é importante que ele conheça as especificidades de cada texto (oral ou escrito) no que se refere não só à estrutura, mas também aos usos que estão legitimados socialmente e às possibilidades de construção de sentidos que se pretenda com vistas ao interlocutor de destino. Neste sentido, é importante que a escola trabalhe com situações reais da prática social, fazendo refletir sobre os gêneros, mobilizando esquemas mentais no ato de ler e de escrever em situações reais ou que simulem bem a realidade da vida. 1.4 O gênero textual artigo de opinião O artigo de opinião é um gênero de texto de grande relevância nas práticas sociais. Presente em jornais, revistas, sites na Internet etc., o artigo de opinião mostra os argumentos que determinado interlocutor tem acerca de uma questão social controversa, com vistas ao convencimento de outros, em defesa de uma tese. Sua importância se atrela à discussão de questões polêmicas que afetam um grande número de pessoas e à mobilização de argumentos que visam envolver a coletividade em pensamentos e atitudes que alterem ou mantenham a realidade social. O artigo de opinião é um gênero de discurso em que se busca convencer o outro de uma determinada ideia, influenciá-lo, transformar os seus valores por meio de um processo de argumentação a favor de uma determinada posição assumida pelo produtor e de refutação de possíveis opiniões divergentes. É um processo que prevê uma operação constante de sustentação das afirmações realizadas, por meio da apresentação de dados consistentes, que possam convencer o interlocutor (BRÄKLING, 2006, p. 226). 54 O artigo de opinião é um gênero secundário, no qual predomina a tipologia argumentativa; por isso, demanda mobilização de estruturas complexas de pensamento e de linguagem. Schneuwly (2004), sustentado em Vygotsky, destaca que os gêneros secundários (embora se „reconstruam‟ a partir dos primários) não são espontâneos, requerem dominância de relações formais, mediadas, em especial, pela leitura e pela escrita. Com isso, os gêneros secundários, mais complexos, como o artigo de opinião, devem ser aprendidos na escola. 1.4.1 A tipologia argumentativa O ato de argumentar é uma tentativa de convencer o outro apresentando razões, evidências e um raciocínio coerente. De acordo com Koch (2011), a interação entre os sujeitos, por intermédio da língua, acontece, especialmente, pela argumentação. Como ser dotado de razão e vontade, o homem, constantemente, avalia, julga, critica, isto é, forma juízos de valor. Por outro lado, por meio do discurso – ação verbal dotada de intencionalidade – tenta influir sobre o comportamento do outro ou fazer com que compartilhe determinadas opiniões. É por esta razão que se pode afirmar que o ato de argumentar, isto é, de orientar o discurso no sentido de determinadas conclusões, constitui o ato linguístico fundamental (KOCH, 2011, p.17). A argumentação surge em contextos de controvérsia, portanto a construção de argumentos convive com o confronto de diferentes vozes no discurso. Sempre existem possibilidades de defender ou de contrariar uma causa em discussão, por isso os indivíduos, movidos por suas convicções e interesses, produzem argumentos, que sejam considerados capazes de evidenciar ou padronizar uma ideia. Ainda com base em Koch (2011), em todo ato de interlocução, os sujeitos desejam defender concepções sobre o mundo e a vida. Com isso, todo texto teria uma base argumentativa, já que a linguagem não é neutra. No entanto, existem alguns textos que apresentam, de forma mais explícita, o objetivo de defender ideias e convencer o interlocutor. Tais textos utilizam a tipologia argumentativa. Dolz e Schneuwly (2004) apontam que a tipologia argumentativa tem como capacidades de linguagem dominantes a sustentação, a refutação e a negociação. A sustentação consisteno emprego de dados capazes de apoiarem as afirmações, ou seja, a demonstração de evidências de que o dito é verdadeiro. A refutação implica a desconstrução de um argumento difundido socialmente. Este processo dá origem a um novo argumento, conhecido como contra-argumento. Refutar consiste em, a princípio, apresentar argumentos 55 contrários à opinião do autor do texto, para depois contestar estes argumentos, propondo justificativas e novos argumentos, que defendam uma nova tese. A negociação acontece quando primeiro é apresentado o ponto de vista do outro, como se ele pudesse ser aceito; mas, aos poucos, esse ponto de vista será enfraquecido, amenizando o poder dos argumentos apresentados pelo outro e acrescentando novas circunstâncias que alterarão gradativamente a primeira tese. A tipologia argumentativa, assim como as demais tipologias, apresenta-se como esquematizações que só são empiricamente observáveis nos textos. Contudo, existe, segundo Bronckart (2009, p. 225), “a possibilidade de fornecer, a posteriori, por abstração- generalização, modelos cognitivos, que formalizam ou tornam explícito o conjunto das operações de raciocínio que [as esquematizações] parecem mobilizar”. De acordo com o mesmo autor, as operações cognitivas, mobilizadas pela tipologia argumentativa, implicam o desenvolvimento de três procedimentos: raciocínio argumentativo; sequência argumentativa e utilização de recursos linguísticos. O primeiro procedimento é o desenvolvimento do raciocínio argumentativo. É preciso aprender a pensar em uma tese sobre um tema; acrescentar dados novos, que serão responsáveis por um processo de inferência, o qual resultará em uma conclusão ou nova tese. Durante o processo de inferência, pode aparecer o apoio ou o freio, manifestos, respectivamente, por suportes ou restrições. Esse movimento argumentativo pode ser exemplificado no quadro 2 (p.56) a seguir, construído para esta pesquisa, a partir de considerações e exemplos de Bronckart (2009, p.226): 56 Quadro 2 – Etapas do raciocínio argumentativo, com base nas considerações e exemplos de Bronckart (2009, p.226) O processo de inferência implica a possibilidade de reconhecimento do “não explícito” no contexto de interlocução. Significa dizer que a construção do sentido se dará na relação entre os interlocutores por meio do texto; portanto, os dados novos despertarão no leitor/receptor pensamentos e leituras de um “não dito”, os quais podem ou não contribuir para o fortalecimento e aceitação da conclusão. Quando o raciocínio argumentativo se semiotiza no segmento textual, manifesta-se, a princípio, o segundo procedimento de construção da tipologia argumentativa: a sequência argumentativa. Esta composta por quatro fases: “premissa, argumentos; contra-argumentos e conclusão” (BRONCKART, 2009, p. 227). A fase de premissas ou dos dados é o momento em que se propõe uma constatação de partida, ou seja, existe a apresentação de uma ideia que o autor do texto deseja aceitar ou rejeitar. Já a fase de apresentação de argumentos consiste na mostra de elementos que orientam para uma conclusão provável, apoiada em regras gerais, exemplos, citações etc. É o momento da apresentação dos argumentos que sustentam a premissa lançada anteriormente. 1ª Etapa - Existência de uma tese a respeito de um tema. Exemplo: Os seres humanos são inteligentes. 2ª Etapa - Sobre o pano de fundo dessa tese anterior são propostos dados novos. Exemplo: Os seres humanos fazem guerra. 3ª Etapa - Os dados novos são objeto de um processo de inferência. Exemplo: As guerras são uma idiotice. 4ª Etapa - A inferência orienta para uma conclusão ou nova tese. Exemplo: Os seres humanos não são tão inteligentes. No processo de inferência, o movimento argumentativo pode ser apoiado por algumas justificativas ou suportes. Exemplo: As guerras trazem morte e desolação. Ou pode ser moderado/freado por restrições. Exemplo: Algumas guerras contribuíram para o estabelecimento de liberdades individuais. 57 A fase de apresentação de contra-argumentos opera uma restrição que pode apoiar ou refutar os lugares-comuns, os exemplos etc. É a apresentação da ideia do autor do texto, provando, com evidências, se os argumentos e a premissa anteriores são relevantes ou não. A fase de conclusão mostra o efeito dos argumentos e contra-argumentos, consiste na apresentação de uma relação entre a ideia inicial e a ideia final, com intuito de mostrar a relevância da última. Toda conclusão, para ser adequada, deve zelar pela relevância, suficiência e aceitabilidade, ou seja, pensar se o que se diz para argumentar é realmente importante, tem força para garantir o ponto de vista adotado e é capaz de ser adotado pela sociedade ou indivíduo a quem o texto se destina. A sequência argumentativa é um plano convencional que comporta as fases (ou pacotes de enunciados) que são delimitadas, identificáveis e se sucedem em uma ordem requerida pelo produtor do texto diante de seu destinatário. Ela garante o movimento argumentativo, partindo de uma tese para se chegar à outra (conclusão). No processo de semiotização do texto, também aparece o terceiro procedimento da configuração da tipologia argumentativa: a utilização de recursos linguísticos. Tal utilização se evidencia materialmente pelas marcas linguísticas que acompanham a tipologia. Para Schneuwly (2004), a tipologia é um regulador psíquico poderoso, já que o interlocutor pode fazer uma escolha dentro de um conjunto possível e manifestar esta escolha no nível linguístico. Os recursos linguísticos comumente utilizados na tipologia argumentativa são os do domínio do discurso teórico. Bronckart (2009, p. 172 e 193) menciona exemplos de formas verbais da primeira pessoa do plural 20 (“podemos”); verbos preferencialmente no tempo presente, pretérito perfeito ou futuro do indicativo (“visa, é, fala, foi”); organizadores lógico- argumentativos (“mas, de fato, às vezes, com efeito, primeiro”); modalizações lógicas (“de modo geral, é evidentemente difícil, talvez, pode fazer”); retomadas anafóricas sob a forma de referenciação dêitica intratextual (“esse mistério, essa criação, esse trabalho”); densidade sintagmática elevada (“variações biológicas do desenvolvimento da inteligência em sua formação”), baixa densidade verbal (uso restrito de dêiticos pessoais, espaciais e temporais). 20 Bronckart (2009, p. 172) destaca que, no discurso teórico, o uso de formas de primeira pessoa do plural se remete aos polos de interação verbal em geral, ao caráter dialógico do discurso; portanto, tais formas indicadoras de plural não se referem aos protagonistas concretos da interação em curso. O discurso, portanto, segue autônomo, ou seja, desprendido do efeito singular das marcas de pessoa. 58 Koch (2011, p.101) acrescenta que muitos elementos linguísticos podem ser usados na tipologia argumentativa, pois o que interessa é a “orientação discursiva” que eles assumem, na condição de “ser argumento para” defender uma ideia. Enfim, a tipologia argumentativa caracteriza-se pela mobilização de raciocínio, sequência e recursos linguísticos que sustentam a construção de argumentos capazes de defender uma posição diante de uma questão social controversa. O gênero textual artigo de opinião pode apresentar em sua organização não apenas uma tipologia, haja vista as possibilidades de, em um mesmo texto, o sujeito expor, relatar, descrever etc. Contudo, a natureza do artigo de opinião só se sustenta na utilização predominante de argumentos para refutar, negociar ou sustentar uma tese. A tipologia argumentativa é, portanto, predominante noartigo de opinião. 1.4.2 Características do artigo de opinião Estudar as características de um gênero textual é um ato ousado, porque, embora existam certas estabilidades no gênero, os interlocutores são capazes de promover alterações nos textos. Em outros termos, é importante considerar a natureza híbrida dos gêneros que podem se alterar mediante às novas significações construídas socialmente. Além disso, nenhum texto é altamente consolidado a ponto de manter intactas suas características diante do dinamismo e dialogicidade da linguagem. As considerações acerca do gênero artigo de opinião registradas nesta pesquisa não pretendem esgotar as possibilidades de compreensão do gênero, tampouco ambicionam contemplar todas as minúcias sociais e linguísticas passíveis de existir nesse gênero. As reflexões teóricas sustentadas neste estudo tomam como parâmetro os fenômenos recorrentes e, de certo modo, comuns a uma série de exemplares do gênero em análise. O artigo de opinião é um gênero de texto criado pela esfera jornalística. A função dessa esfera está associada à formação de opinião, divulgação de informações, intencionado influenciar pensamentos, fortalecendo ou modificando comportamentos sociais. De acordo com o Dicionário de Gêneros Textuais (2009), o artigo de opinião é um gênero que aparece em jornais, revistas, meios eletrônicos de divulgação de informações e formação de ideias; ele apresenta uma estrutura sustentada no movimento argumentativo do convencimento (defendendo, justificando ou desqualificando posições): 59 Num jornal, numa revista ou num periódico, ou na TV e no webjornalismo, trata-se de um texto de opinião [...], trazendo a interpretação do autor sobre um fato noticiado ou tema variado (político, cultural, científico etc) [...]. A estrutura composicional deste texto varia bastante [...], mas sempre desenvolve, explícita ou implicitamente, uma opinião sobre o assunto, com um fecho conclusivo, a partir da exposição das ideias ou da argumentação/refutação construídas. Em suma, a partir de uma questão polêmica e num tom/estilo de convencimento, o articulista (jornalista ou pessoa entendida no tema) tem como objetivo apresentar seu ponto de vista sobre o assunto, usando o poder da argumentação (COSTA, 2009, p.36). O autor de um artigo de opinião é, geralmente, um jornalista que domina o assunto em discussão. No entanto, indivíduos de diferentes áreas profissionais podem escrever artigos de opinião, desde que estejam razoavelmente engajados ao assunto e/ou pertençam a instituições atreladas ao tema discutido. Por exemplo: um professor pode escrever sobre educação, um psicólogo pode escrever sobre relações afetivas, um representante de uma empresa financeira pode escrever sobre economia etc. Diante disso, o autor do artigo de opinião não será identificado apenas por seu nome, mas também por seu papel social, o que pode lhe conferir legitimidade para falar sobre o assunto e funcionar também como uma estratégia argumentativa, já que leitor, ao saber da formação e atuação do produtor do artigo, pode vê-lo como um especialista ou bem conhecedor do assunto; portanto, alguém que tem conhecimento para argumentar. De acordo com Rodrigues (2005), os interlocutores do artigo de opinião são, geralmente, leitores das classes A, B ou C. Isto se deve ao fato de os artigos de opinião circularem em publicações que demandam, a princípio, a existência de sujeitos letrados que se interessam por problemas sociais. O local de publicação ou suporte 21 dos artigos de opinião é, geralmente, os jornais, as revistas, ou sites na internet. Para Rodrigues (2005), o leitor deve levar em conta a influência do suporte na elaboração do posicionamento defendido no artigo de opinião. Cada suporte é mais que um espaço físico ou virtual, visto que está vinculado a uma empresa que carrega e defende ideologias. Portanto, o jornal, revista ou site desempenham um papel de leitor/autor interposto entre o produtor do texto e os leitores da publicação. Ademais do contexto de produção, outro passo importante para a compreensão do gênero é o estudo de sua organização, ou seja, dos elementos que integram e materializam a existência e sustentação das ideias, conceitos, fatos a serem socializados nas comunidades linguísticas. 21 Segundo Marcuschi (2008, p. 174), o suporte de um gênero é “um locus físico ou virtual com formato específico que serve de base ou ambiente de fixação do gênero materializado como texto. [...] é uma superfície física em formato específico que suporta, fixa e mostra um texto”. 60 A organização de um texto pode ser representada como um folhado textual constituído por três camadas superpostas: “a infra-estrutura do texto, os mecanismos de textualização e os mecanismos enunciativos” (Bronckart, 2009, p. 119). Esta distinção de caráter hierárquico, segundo o autor mencionado anteriormente, responde a uma “necessidade metodológica de desvendar a trama complexa da organização textual”. A primeira camada do folhado textual (nível mais profundo) é a da infra-estrutura do texto. Essa camada é constituída pelo plano geral do texto, pelos tipos de discurso que comporta, pelas modalidades de articulação entre os tipos de discurso e pelas sequências que aparecem. A partir das considerações de Bronckart (2009), é possível compreender que, no artigo de opinião, o plano geral do texto se refere à organização do conjunto do conteúdo temático, visível no processo de leitura e passível de ser codificado em resumo. Trata-se, portanto, da maneira como o tema é apresentado no texto, como o assunto é organizado em uma lógica. É o movimento de condução dos argumentos para a defesa da conclusão acerca de uma questão polêmica determinada. O discurso predominante no artigo de opinião é o discurso teórico. Segundo Bronckart (2009), esse tipo de discurso é composto pelas seguintes características: texto autônomo (não traz marcas de pessoalidade); baixa densidade verbal; predomínio de uso de verbos no presente e futuro para expor fatos, ideias, argumentos; zelo pela objetividade. Podem acontecer, no entanto, articulações entre tipos de discurso no artigo de opinião. No uso de argumentos de autoridade, por exemplo, podem ser citadas falas de uma pessoa; com isso poderão ser mobilizados segmentos de discurso direto, com uso de travessões, verbos de dizer. Assim, estará presente também o discurso narrativo. A sequência ou modo de planificação que aparece no artigo de opinião é a sequência argumentativa (exposta anteriormente neste texto): premissa; argumentos, contra-argumentos e conclusão. A segunda camada do folhado textual (nível intermediário) é a dos mecanismos de textualização. Essa camada cria séries isotópicas que trabalham para o estabelecimento da coerência temática, ligada à linearidade do texto. Os mecanismos de textualização estão organizados em: conexão, coesão nominal e coesão verbal. Para Bronckart (2009), a conexão faz a articulação interna do texto, obedecendo uma hierarquia de níveis. É construída pelos mecanismos que articulam a progressão temática: os organizadores textuais. No artigo de opinião, os organizadores textuais estão relacionados ao 61 processo de argumentação e desenvolvimento das fases da sequência argumentativa, alguns deles são: é sabido que, em primeiro lugar; em segundo lugar; por último; não só, mas também; tanto ... quanto ...; entretanto; enfim; em suma; portanto; pois; embora; mas; apesar de etc. A coesão nominal acontece, especialmente, pelo uso de pronomes e sintagmas nominais que servem para introduzir um tema, assegurar a retomada ou a substituição de um elemento no desenvolvimento do texto. A coesão trabalha para a construção do sentido/coerência do texto. No artigo de opinião, devido à predominânciado discurso teórico, além de sintagmas nominais, são utilizados os pronomes relativos e demonstrativos (anáforas). Exemplos: esta situação; tal circunstância; isto; cuja; pelo qual etc. Ainda com base no referido autor, é possível dizer que a coesão nominal também acontece por apagamentos ou elipses. Exemplo: Os agrotóxicos poluem o meio ambiente. Ø Devem, portanto, ser proibidos. (Ø corresponde à elipse do sintagma „os agrotóxicos‟). A coesão verbal garante a organização hierárquica dos processos argumentativos, ela é realizada pelos tempos verbais (em relação com os advérbios e organizadores textuais). No artigo de opinião, prevalecem, por conta do discurso teórico, os tempos presente e futuro; portanto, cria-se uma relação entre o que existe (questão polêmica e dados que compõem os argumentos) e o que pode acontecer caso a conclusão seja aceita pelo leitor. Quanto ao uso da coesão verbal no artigo de opinião, Bräkling (2006, p. 227) acrescenta: “o uso do presente do indicativo – ou do subjuntivo – na apresentação da questão, dos argumentos e dos contra-argumentos; a possibilidade de uso do pretérito em uma explicação ou apresentação de dados.” Tal autora destaca a possibilidade de uso do pretérito, visto que alguns argumentos podem se valer de elementos históricos, para os quais são necessárias retomadas, que permitam comparar o passado ao que se apresenta em debate social no presente. Bronckart (2009) afirma que a última camada do folhado textual é a dos mecanismos enunciativos. Esse nível trabalha para o esclarecimento dos posicionamentos enunciativos e traduzem as diversas avaliações, julgamentos, opiniões sobre alguns aspectos do conteúdo temático. Fazem parte dos mecanismos enunciativos as vozes e as modalizações. Todo texto apresenta polifonia (vozes) à medida que retoma discursos, ideias, conceitos tratados previamente por outros autores. Para Bronckart (2009, p. 326) “as vozes podem ser definidas como as entidades que assumem (ou às quais são atribuídas) a responsabilidade do que é enunciado”. O artigo de opinião, dada a predominância da tipologia 62 argumentativa, é um texto construído em meio a diferentes vozes sociais, as quais poderão alicerçar argumentos sustentadores da conclusão ou serão alvo de desconstrução e criação de contra-argumentos. A primeira voz a se manifestar é a do autor do artigo de opinião, visto que ele se posiciona em face de uma questão polêmica. Tal posicionamento, contudo, não costuma ser marcado em primeira pessoa do singular, haja vista a construção de um discurso teórico, autônomo, portanto, essa voz é classificada como neutra 22 , embora assuma diretamente a responsabilidade do dizer. Com base em ideias bronckartianas, é possível perceber que, em muitos casos, a instância de enunciação põe em cena outras vozes: as vozes de terceiros, as quais aparecem para legitimar a postura adotada pelo autor, exemplo: “Segundo x; pesquisadores apontam que etc”. Em outros casos, as vozes estarão implícitas no artigo de opinião, isto é, não podem ser traduzidas por marcas linguísticas específicas, já que o autor do texto não indicou a presença de terceiros, tratando o conceito como algo universal e já socializado entre seus pares. As modalizações, segundo Bronckart (2009, p.132), são responsáveis pela avaliação sobre algum aspecto do conteúdo temático. Elas julgam “o valor de verdade de uma proposição, apresentando o que pode ser certo, possível, improvável” (modalização lógica); “avaliam o enunciado em razão dos valores sociais, mostrando o que é permitido, necessário, proibido” (modalização deôntica); “traduzem um julgamento mais subjetivo, evidenciando os fatos como bons, maus, estranhos” (modalização apreciativa); “introduzem julgamentos sobre a responsabilidade de um agente responsável por algum processo, evidenciando as relações entre o poder-fazer, o querer-fazer e o dever-fazer” (modalização pragmática). No artigo de opinião, as modalizações ficam evidentes nos argumentos e na conclusão, mas podem percorrer todo texto. De acordo com a intencionalidade do autor do texto, serão escolhidas as modalizações. Os movimentos argumentativos de sustentar, refutar ou negociar uma tese demandarão usos específicos das modalizações. Para este estudo, é possível elaborar os seguintes exemplos do uso de modalizações (na sustentação da tese de que o Brasil deve aprovar a liberação da maconha): Certamente a liberação da maconha trará benefícios como... (modalização lógica); É desejável que as mudanças sociais sejam manifestas nas leis 22 Para Bronckart (2009), quando o autor emite sua voz em primeira pessoa, há um deslocamento do tipo de discurso, ou seja, deixa de ser um discurso teórico/autônomo e passa a ser um discurso interativo/implicado. Levando em conta o artigo de opinião, essa circunstância implicada costuma acontecer quando o produtor do texto é especialista renomado na área em discussão, ao ponto de usar a marca de 1ª pessoa do singular como um recurso de autoridade ou com o intuito de se aproximar do leitor e envolvê-lo como em uma conversa. 63 do país (modalização deôntica); A demora para aprovação do projeto de lei sobre a liberação da maconha é péssima para a sociedade (modalização apreciativa); Os deputados federais e os senadores devem se comprometer mais com a sociedade, visto que podem agilizar a aprovação da lei, basta que desejem e o façam em nome do bem comum brasileiro (modalização pragmática). A marcação da modalização, segundo Bronckart (2009), é geralmente feita pelos tempos verbais do modo condicional (especialmente futuro do pretérito), pelos auxiliares de modo (exemplo: crer, pensar, gostar de etc), pelos advérbios ou locuções adverbiais (certamente, provavelmente, infelizmente etc), por orações impessoais que regem uma oração subordinada completiva (é provável que, admite-se geralmente que etc). Amparado no que foi explicitado até o momento, é possível dizer que a compreensão do gênero textual artigo de opinião se vincula ao estudo da tipologia argumentativa, do contexto de produção do gênero (esfera jornalística), do objetivo argumentativo do texto, bem como dos elementos que compõem o folhado textual: a infra-estrutura textual, os mecanismos de textualização e os enunciativos. Articulando tais conceitos ao de gênero do discurso de Bakhtin, é possível perceber que o conteúdo temático do artigo de opinião se refere a questões controversas de relevância social; a estrutura composicional está voltada à semiotização do pensamento argumentativo em sequência argumentativa e recursos linguísticos, que sustentam a tipologia argumentativa; o estilo do gênero se faz pelo predomínio do discurso teórico, uso da terceira pessoa, presença de verbos no presente (indicativo ou subjuntivo) ou no pretérito, citação de vozes, uso de operadores a serviço da articulação coesiva e modalizações para emitir avaliações nos argumentos. Dada à complexidade que envolve o artigo de opinião e também a sua relevância social, torna-se importante o desenvolvimento de práticas docentes para ensino e aprendizagem deste gênero textual na escola. 1.5 A Sequência Didática – procedimento para ensino da leitura e da escrita A realização de atividades escolares que fomentem a leitura e a escrita, incentivando as mais diversas práticas de letramento, é essencial, haja vista a possibilidade de contato com diferentes gêneros na escola, os quais registram o conhecimento construído pela humanidade e contribuem para o desenvolvimento de capacidades cognitivas. 64 O ensino de leitura, por exemplo, não é uma atividade espontânea, tampouco aleatória. Segundo Kleiman (1998), a escolha do gênero de texto a ser trabalhado e a construção da sequência das ações a serem realizadas na sala de aula precisam de intencionalidade eplanejamento, a fim de que cumpram o objetivo de desenvolver nos alunos a capacidade de entender, sintetizar o que leem e interagir socialmente com os textos. A escrita também é fruto de uma reflexão, de uma opção diante de uma situação concreta. Envolve, portanto, autocontrole e direção em função dos objetivos que a guiam. Desta forma, o uso de situações de aprendizagem e de metodologias, sistematicamente planejadas e desenvolvidas, é significativo para garantia da aprendizagem de todos os alunos. O caminho indicado por pesquisadores para o desenvolvimento de leitores e escritores competentes na escola baseia-se na sistematização das atividades de leitura e escrita. Soares (2003) afirma que este processo de sistematização ou escolarização é necessário para organizar o trabalho educativo e inevitável na escola, cuja essência sustenta-se em procedimentos formalizados e organizados em categorias. Não há como ter escola sem ter escolarização de conhecimentos, saberes, artes: o surgimento da escola está indissociavelmente ligado à constituição de “saberes escolares”, que se corporificam e se formalizam em currículos, matérias e disciplinas, programas, metodologias, tudo isso exigido pela invenção, responsável pela criação da escola, de um espaço de ensino e de um tempo de aprendizagem. (SOARES, 2003. p. 20) A sistematização de atividades de leitura e escrita na escola, de acordo com Lerner (2002, p. 33) é um desafio, visto que existe um “abismo que separa a prática escolar da prática social da leitura e da escrita”. Desde as séries iniciais, a escola trabalha com uma “versão escolar” de leitura e de escrita bem diferentes do que as crianças e adultos terão de usar na vida fora da escola. A autora aponta que, em algum momento, a transposição didática da leitura e da escrita na escola distanciou-se muito da realidade de leitura e escrita da sociedade. É evidente que a necessidade de ensinar o conhecimento leva a modificá-lo, a didatizá-lo; no entanto, com o passar do tempo, a escola criou seu jeito próprio de definir e trabalhar com leitura e escrita, assim, distanciou-se bastante do objeto original. A escola passou a fragmentar a leitura e a escrita, chegando ao ponto de distinguir entre leitura mecânica e leitura compreensiva. 65 Visto que a leitura e a escrita tornam-se objetos de ensino, é importante encontrar possibilidades de realizar a transposição didática sem desprezar o dinamismo da linguagem e a reflexão sobre os usos sociais da língua e dos textos. A transposição didática é inevitável, mas deve ser rigorosamente controlada. É inevitável porque o propósito da escola é comunicar o saber, porque a intenção de ensino faz com que o objeto não possa aparecer exatamente da mesma forma, nem ser utilizado da mesma maneira que é utilizado quando essa intenção não existe [...]. Como o objetivo final do ensino é que o aluno possa fazer funcionar o aprendido fora da escola, em situações que já não serão didáticas, será necessário manter uma vigilância epistemológica que garanta uma semelhança fundamental entre o que se ensina e o objeto ou prática social que se pretende que os alunos aprendam (LERNER, 2002, p. 35). No trabalho docente de sistematização do ensino da leitura e da escrita, torna-se essencial definir a estratégia de ensino e de aprendizagem. Evidentemente, o ato de planejar o ensino requer definição de objetivos de aprendizagem, no entanto, alcançá-los requer condições para que os alunos desenvolvam o conhecimento esperado. A importância da sistematização das atividades escolares para ensino e aprendizagem da leitura e da escrita chama a atenção para a formação de professores. Para Frade (2004), a prática docente dos professores ainda se vale muito do livro didático e dos textos apresentados por ele, obra que geralmente não apresenta sistematizações adequadas para o trabalho com leitura e escrita em sala de aula. Levando em conta que os professores participam de uma cultura letrada e realizam diversas ações diárias de escrita e de leitura, torna-se importante garantir espaços de reflexão sobre a interação pela linguagem (formação continuada) e disponibilizar materiais que auxiliem os educadores na tarefa de realizar a transposição didática adequada de leitura e escrita. Os materiais didáticos, que estão em análise nesta pesquisa, foram desenvolvidos, conforme mencionado na Introdução deste estudo, por programas de incentivo à leitura e à escrita (EMR e OLPEF). Diante disso, cabe investigar a qualidade desses materiais no intuito de saber se de fato contribuem na formação continuada dos professores e na realização da boa escolarização da leitura e da escrita na escola. 1.5.1 O que é a Sequência Didática? 66 Segundo Dolz, Noverraz e Schneuwly (2004, p.97), “uma sequência didática é um conjunto de atividades escolares organizadas, de maneira sistemática, em torno de um gênero textual oral ou escrito”. A sequência didática é um procedimento, desenvolvido por Dolz, Noverraz e Schneuwly 23 (2004), que permite planejar o ensino e a aprendizagem de um gênero textual. Ela tem a finalidade de ajudar o aluno a dominar melhor um gênero de texto, permitindo-lhe, assim, escrever, ler ou falar de uma maneira mais adequada numa dada situação comunicativa. Ela é caracterizada como estratégia de ensino, haja vista seu papel de auxiliar os alunos a progredirem quanto ao domínio e uso dos textos que circulam socialmente. Neste sentido, é utilizada na “busca de intervenções no meio escolar que favoreçam a mudança e a promoção dos alunos a uma melhor mestria dos gêneros e das situações de comunicação que lhes correspondem” (DOLZ e SCHNEUWLY, 2004, p. 53). A sequência didática decompõe as atividades comunicativas complexas, que os estudantes ainda não são capazes de produzir sozinhos, para que possam estudar, um a um, os componentes que se mostrarem como obstáculos à aprendizagem e à realização do gênero textual. A sequência didática funciona como instrumento de orientação ao trabalho docente, pois direciona a atuação do professor rumo à sistematização do ensino da leitura, da escrita, da oralidade, oferecendo etapas de organização do processo educacional. Dolz, Noverraz e Schneuwly (2004, p.98) criaram um esquema da sequência didática (quadro 3), no qual apresentam as quatro etapas que a constitui: apresentação da situação; produção inicial; módulos; produção final. Quadro 3 – Esquema da Sequência Didática, elaborado por Dolz, Noverraz e Schneuwly (2004, p.98) 23 Pesquisadores da Universidade de Genebra. 67 Segundo os autores mencionados anteriormente, a primeira etapa de uma sequência didática é a apresentação da situação. Essa fase diz respeito à exposição “aos alunos de um projeto de comunicação que será realizado verdadeiramente na produção final” (p.99). Diante deste caráter real da atividade, torna-se imprescindível a realização de duas dimensões: “apresentar um problema de comunicação bem definido” (p.99) e “preparar os conteúdos dos textos que serão produzidos” (p.100). Na primeira dimensão, propõe-se aos alunos um caminho a ser seguido no projeto de produção textual. Tal caminho diz respeito à definição do gênero oral ou escrito a ser abordado; definição do destinatário da produção; levantamento da forma que a produção assumirá (gravação em áudio, vídeo, folheto etc); definição de quem participará da produção. Na segunda dimensão, é importante que os alunos saibam com quais conteúdos vão trabalhar e a importância que estes assumem na elaboração do gênero textual em foco. Significa dizer que, neste momento, os alunos devem saber o que produzirão e como esse texto é organizado. Se for o caso de uma carta do leitor, os alunos deverão compreender bem a questão colocada e os argumentos a favore contra as diferentes posições. Para redigir um conto, eles deverão saber quais são seus elementos constitutivos: personagens, ações, lugares típicos, objetos mágicos etc. (DOLZ, NOVERRAZ e SCHNEUWLY, 2004, p.100). A segunda etapa de uma sequência didática é a produção inicial ou primeira produção. Para os autores Dolz, Noverraz e Schneuwly (2004), esse é o momento em que os alunos colocam em evidência, para si mesmos e para o professor, o que sabem sobre o gênero oral ou escrito selecionado para o trabalho pedagógico. A partir do que cada aluno produz, o professor consegue perceber as capacidades que os alunos já desenvolveram; então, pode fazer intervenções que promovam o desenvolvimento das potencialidades dos estudantes. Se a situação de comunicação é suficientemente bem definida durante a fase de apresentação da situação, todos os alunos, inclusive os mais fracos, são capazes de produzir um texto oral ou escrito que responda corretamente à situação dada, mesmo que não respeitem todas as características do gênero visado. Cada aluno consegue seguir, pelo menos parcialmente, a instrução dada [...]. É assim que se define o ponto preciso em que o professor pode intervir melhor e o caminho que o aluno tem ainda a percorrer: para nós essa é a essência da avaliação formativa (DOLZ, NOVERRAZ e SCHNEUWLY, 2004, p.101). Na primeira produção, segundo os autores, acontece “um primeiro encontro com o gênero” (p.101), portanto, a produção dos alunos pode ser simples e ter um destinatário 68 fictício, já que o objetivo dessa produção inicial é o de funcionar como reguladora da sequência didática. Para o docente, a primeira produção é também a “realização prática de uma avaliação formativa” (p.102), pois não visa à atribuição de nota, mas sim ao momento rico de obtenção de informações sobre o que cada aluno sabe. Para o estudante, o momento da primeira produção já é o “primeiro lugar da aprendizagem” (p.103), porque, o fato de produzir o texto, o leva a pensar nas dificuldades de elaboração, nas capacidades desenvolvidas em si mesmo, nos exemplares do gênero textual que ele conhece etc. A terceira etapa da sequência didática é a dos módulos. Ainda conforme sustentam Dolz, Noverraz e Schneuwly (2004), nos módulos, o professor trabalha com os problemas que apareceram na primeira produção. Tais problemas podem se referir à representação da situação de comunicação; à elaboração de conteúdos; ao planejamento do texto; à realização de texto; à utilização da linguagem etc. Para o trabalho, o docente decompõe o gênero oral ou escrito, “para abordar, um a um e separadamente, seus diversos elementos, à semelhança de certos gestos que fazemos para melhorar as capacidades de natação, nos diferentes estilos” (DOLZ, NOVERRAZ e SCHNEUWLY, 2004, p.103). O número de módulos será determinado pelas necessidades dos alunos, mediante o diagnóstico feito na primeira produção. Nos módulos, para os autores (p.104), é necessário trabalhar com problemas de níveis diferentes, tais como a representação da situação comunicativa (a fim de focalizar o destinatário, ter clareza da finalidade da produção textual, saber seu papel como interlocutor e saber a função que o gênero textual selecionado exerce socialmente); a elaboração dos conteúdos (buscar, elaborar ou criar conteúdos de acordo com a especificidade de cada gênero textual); o planejamento do texto (manter certa padronização da estrutura composicional do gênero textual em foco); a realização do texto (escolher o vocabulário adequado, usar bem os verbos, trabalhar com os argumentos etc). Os pesquisadores da Universidade de Genebra acrescentam que a variação das atividades e exercícios é também um princípio essencial na elaboração dos módulos, pois enriquece o trabalho em sala de aula e aumenta as possibilidades de os alunos aprenderem. As atividades sugeridas vão de análises e comparações de textos a elaboração de refutações e aprimoramento de uma linguagem comum, que permita, com qualidade, dialogar com diferentes textos: 69 Em cada módulo, é muito importante propor atividades as mais diversificadas possíveis, dando, assim, a cada aluno a possibilidade de ter acesso, por diferentes vias, às noções e aos instrumentos, aumentando, desse modo, suas chances de sucesso. Três grandes categorias de atividades e de exercícios podem ser distinguidas: as atividades de observação e de análise de textos – [...] podem ser realizadas a partir de um texto completo ou de uma parte de um texto, podem comparar vários textos de um mesmo gênero ou de gêneros diferentes; as tarefas simplificadas de produção de textos – [...] podem ser citadas as seguintes tarefas: reorganizar o conteúdo de uma descrição narrativa para um texto explicativo, inserir uma parte que falta num dado texto, revisar um texto em função de critérios bem definidos, elaborar refutações encadeadas ou a partir de uma resposta dada, encadear uma questão etc; a elaboração de uma linguagem comum para poder falar dos textos, comentá-los, criticá-los, melhorá-los, que ser trate de seus próprios textos ou dos de outrem. (DOLZ, NOVERRAZ e SCHNEUWLY, 2004, p.105). Nos módulos, ainda destacam os pesquisadores citados a relevância de “capitalizar as aquisições” (p.106), isto é, chamar a atenção dos alunos para um vocabulário técnico comum ao gênero de texto solicitado, o qual pode ser sintetizado em listas, lembretes ou glossários. Além disso, as partes de instrução de montagem do gênero devem permitir ao aluno fazer a revisão do próprio texto, ou seja, no caso do artigo de opinião, o aluno pode se valer de notícias relatadas em jornais ou telejornais; no entanto, ao utilizar tais informações tem de organizá-las sob a forma de argumentos e, em alguns casos, transpor da oralidade para a escrita. A quarta e última etapa da sequência didática é a produção final. Ela “dá ao aluno a possibilidade de pôr em prática as noções e os instrumentos elaborados separadamente nos módulos; também permite ao professor realizar uma avaliação somativa” (DOLZ, NOVERRAZ e SCHNEUWLY, 2004, p.106). Na produção final, ao colocar em prática o que aprendeu ao longo dos módulos, o aluno tem consciência de seu próprio processo de aprendizagem e trabalha como regulador de seu próprio comportamento no processo de revisão e reescrita do texto. A produção final é uma elaboração de texto real, portanto, o texto deve circular socialmente, conforme a escolha determinada na primeira etapa da sequência didática, quando foram apontados o destinatário e a forma que a produção assumiria. O professor, se desejar, pode utilizar a produção final como avaliação do tipo somativo, ou seja, a que se vincula ao estabelecimento de nota. Para isso, os autores recomendam a criação de uma grade de correção, na qual estejam as características e os elementos textuais trabalhados durante os módulos e necessários na elaboração ou reelaboração do texto do aluno: 70 A grade permite-lhe centrar sua intervenção em pontos essenciais, supostamente aprendidos pelos alunos ao longo da sequência. Assim, a grade serve, portanto, não só para avaliar num sentido estrito, mas também para observar as aprendizagens efetuadas e planejar a continuação do trabalho, permitindo retornos a pontos mal assimilados ((DOLZ, NOVERRAZ e SCHNEUWLY, 2004, p.107). A sequência didática é um procedimento de ensino que cria condições favoráveis ao desenvolvimento da leitura e da escrita, pois as etapas propostas durante a sequência trabalham com o movimento constante entre ler e escrever, numa perspectiva sociointeracionista da língua. Além disso, ela considera o aluno como sujeito de sua aprendizagem ao lhe dar condições de refletir sobre o que sabe e de reelaborar suas ideias e textos. A sequência também valoriza a função mediadora do professor, quando atribui a ele a responsabilidadede diagnosticar o que a turma sabe e de intervir, durante a realização dos módulos e mediante os resultados das produções iniciais e finais. Diante das necessidades formativas dos alunos de Ensino Médio, apontadas neste estudo no início do capítulo 1, a sequência didática se mostra como uma possibilidade metodológica no desenvolvimento de leitores e escritores competentes. Emana, portanto, a relevância da análise qualitativa de materiais didáticos como “Sequência Didática Artigo de Opinião” e “Pontos de Vista”, no que se refere à organização de sequências didáticas capazes de colaborar com o trabalho docente no Ensino Médio. 71 2. DOIS MATERIAIS PARA ENSINO DA LEITURA E DA ESCRITA DO ARTIGO DE OPINIÃO: “SEQUÊNCIA DIDÁTICA ARTIGO DE OPINIÃO” E “PONTOS DE VISTA” 2.1 Os materiais didáticos em análise Os materiais “Sequência Didática Artigo de Opinião” e “Pontos de Vista” são publicações didáticas oferecidas por órgãos educacionais aos professores de Ensino Médio das escolas públicas. Ambos integram programas de ações formativas para desenvolvimento da leitura e da escrita. As duas publicações objetivam orientar os professores quanto ao trabalho com o gênero textual artigo de opinião. Diante disso, expõem procedimentos, estratégias, orientações aos docentes, para que possam mediar o processo de ensino e de aprendizagem da leitura e da escrita a fim de que os estudantes possam desenvolver a capacidade de ler e de escrever o gênero de texto em questão. Ademais, definem o conceito do gênero textual artigo de opinião, pois, ao orientarem como fazer o texto, delimitam parâmetros de ação e de utilização da linguagem. “Sequência Didática Artigo de Opinião” (figura 1, p.73) é de autoria de Jacqueline Peixoto Barbosa, professora da Pontífice Universidade Católica de São Paulo (PUC–SP). O material, composto de 72 páginas, foi elaborado para o Programa EMR. De acordo com informações disponíveis no site24 do programa, o EMR foi concebido e coordenado pela SEE-SP, por meio da CENP. Aconteceu em duas fases: a primeira entre 2004 e 2005; a segunda, em 2006. Alcançou nestes períodos mais de 60.000 educadores do Ensino Médio paulista: ATP, supervisores de ensino, professores coordenadores e professores de Educação Básica nível II. Teve como objetivos a discussão sobre as especificidades do currículo no Ensino Médio; a relação entre o currículo e a proposta pedagógica de cada escola; a necessidade de integração e fortalecimento do trabalho interdisciplinar nas áreas; o desenvolvimento de competências de leitura e de escrita; o desenvolvimento de metodologias de ensino; a possibilidade de utilização de tecnologias de comunicação e interação. 24 Informações disponíveis em: http://www.rededosaber.sp.gov.br/portais/emrede/Home/tabid/590/language/pt-BR/Default.aspx Consultado em 22/10/2010, às 10h15min. 72 Por meio de convênio firmado entre a SEE-SP, o MEC e o Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID), o EMR teve a gestão da Fundação Vanzolini. Contou com o uso de ambientes de aprendizagem e de materiais de apoio especialmente desenvolvidos para o programa. Tais materiais tratavam de orientações para a discussão sobre o currículo na escola de Ensino Médio, para a elaboração de projetos interdisciplinares, para a realização de oficinas de leitura; além das sequências didáticas para o trabalho, em sala de aula, com a leitura e a escrita de determinados gêneros textuais. Ao todo, o EMR ofereceu aos educadores quatro sequências didáticas durante a segunda fase do programa, priorizando os gêneros textuais que nomeiam as publicações: “Sequência Didática Artigo de Opinião”; “Sequência Didática Anúncio Publicitário”; “Sequência Didática Ensaio e Pesquisa na Escola” e “Sequência Didática Gêneros de Divulgação Científica”. O outro material didático em análise é “Pontos de Vista” (figura 2, p.73). De autoria de Egon de Oliveira Rangel (professor da PUC-SP), Eliana Gagliard e Heloisa Amaral (Formadoras do CENPEC) , a publicação apresenta 152 páginas e está vinculada às ações da OLPEF. A OLPEF, segundo informações no site oficial 25 , é uma iniciativa do MEC e da FIS, com coordenação técnica do CENPEC, tem o objetivo de contribuir para a formação de professores e alunos, visando à melhoria do ensino e da aprendizagem da leitura e escrita nas escolas públicas brasileiras. A OLPEF foi fundamentada na metodologia, nas estratégias de atuação e na experiência das três edições do Programa Escrevendo o Futuro que, de 2002 a 2007, desenvolveu ações de formação continuada para professores do 5º e 6º anos (4ª e 5ª séries) do Ensino Fundamental da rede pública, a fim de orientar a produção de textos dos alunos. Em 2008, o Escrevendo o Futuro tornou-se a OLPEF, e, em 2010, participaram desse programa professores e alunos do 5º ano (4ª série) do Ensino Fundamental ao 3º ano do Ensino Médio. A OLPEF possui uma coleção de materiais didáticos de apoio ao professor. O objetivo da coleção é subsidiar o trabalho docente, a fim de que os estudantes possam participar de uma das quatro categorias do concurso que premia os melhores textos: categoria 1. “Poetas da escola” – sequência didática que trabalha com o gênero textual poema, voltada aos alunos do 5º e do 6º anos do Ensino Fundamental; categoria 2. “Se bem me lembro” - sequência didática 25 Informações disponíveis em: https://ww2.itau.com.br/itausocial/olimpiadas2010/web/site/index.htm Consultado em 20/11/2010, às 15h. 73 que trabalha com o gênero textual memórias literárias, voltada aos alunos do 7º e do 8º anos do Ensino Fundamental; categoria 3. “A ocasião faz o escritor” - sequência didática que trabalha com o gênero textual crônica, voltada aos alunos do 9º ano do Ensino Fundamental e 1º ano do Ensino Médio; categoria 4. “Pontos de Vista” - sequência didática que trabalha com o gênero textual artigo de opinião, voltada aos alunos do 2º e do 3º anos do Ensino Médio. Cada coleção da OLPEF é composta de caderno do professor, kit com 10 livretos de textos, cd com os textos em gravação de áudio e arquivos digitais com textos para fotocópia e projeção. Nesta pesquisa, optou-se pela análise da “Sequência Didática Artigo de Opinião” e de “Pontos de Vista” pelo fato de o gênero textual em foco ser recorrente na sociedade contemporânea, ser também indispensável ao desenvolvimento de estudantes críticos e reflexivos, constar como prioritário no currículo do Ensino Médio paulista, segundo o CESP (2010), e fazer parte de avaliações de sistema, como o SARESP. Figura 1 – Capa da “Sequência Didática Artigo de Opinião” – material integrante do Programa Ensino Médio em Rede 74 Figura 2 – Capa do Caderno do Professor “Pontos de Vista” – material integrante da Olimpíada de Língua Portuguesa: Escrevendo o Futuro 2.2. Metodologia da análise Dada a relevância do desenvolvimento da leitura e da escrita na escola (atrelada à prática social) e diante da necessidade de melhoria dos índices de desempenho dos jovens nas competências de ler e de escrever, cabe a análise dos materiais em pauta. Tal análise sustenta- se na metodologia de análise documental, cuja característica é ter documentos como fonte de coleta de dados (MARCONI e LAKATOS, 2009); neste caso, as fontes primárias são os dois materiais didáticos mencionados neste texto. Segundo Jung (2004, p. 163), a análise documental “visa formular uma base consistente de conhecimentos ao pesquisador, fornecendo a este fontes subsidiárias para importantes aplicações referenciais”. Informações contidas em fontes primárias podem ser inéditas, portanto, a análise dessas fontes é fundamental ao processo de pesquisa e à formulação de novos argumentoscientíficos. O uso da análise documental deve-se à necessidade de, em primeiro lugar, analisar a qualidade dos materiais que circulam na escola pública com o objetivo de subsidiar as ações docentes na formação de leitores e escritores competentes; em segundo lugar, de confrontar tais materiais com as suas fontes bibliográficas, no intuito de encontrar ou não unanimidade 75 de conceitos e considerações sobre o ensino e a aprendizagem de leitura e escrita na escola atual e; em terceiro lugar, constituir um referencial bibliográfico para o meio acadêmico e para pessoas interessadas no assunto tratado na pesquisa. A análise ou pesquisa documental é, de acordo com Gil (2000, p.97-98), constituída por quatro etapas: “definição dos objetivos; elaboração do plano de trabalho; coleta de dados; análise e interpretação”. Segundo o referido autor, a definição dos objetivos é, na maioria dos casos, o objetivo proposto, a descrição das características de determinado grupo, fato, ou fenômeno. Em certas pesquisas, objetiva-se ir além da simples descrição, procurando a existência de relações entre variáveis. A elaboração do plano de trabalho implica determinar com precisão os dados a serem coligidos e a maneira como tais dados serão organizados e analisados. A coleta de dados é feita naturalmente em arquivos ou outros dispositivos que contenham os dados a serem analisados. A análise e interpetação acontece diante do aporte teórico construído, analisando e interpretando o documento. Fazendo a transposição para esta pesquisa, convém destacar que a definição dos objetivos se refere à análise qualitativa dos materiais didáticos, a fim de verificar a sua pertinência no desenvolvimento de atividades de leitura e escrita do gênero textual artigo de opinião e na orientação metodológica a professores. O plano de trabalho refere-se, em primeiro lugar, à leitura minuciosa dos materiais didáticos, seguida pela leitura de referencial teórico sobre leitura, escrita, gêneros textuais, artigo de opinião, sequência didática e escola de ensino médio. Em terceiro lugar, está a elaboração escrita de referencial teórico para sustentar a análise. Depois, está a análise propriamente dita e a interpretação dos dados, concluindo acerca da qualidade dos materiais didáticos. A coleta dos dados relaciona-se ao levantamento da estrutura e conteúdos dos materiais didáticos, bem como investigações sobre a criação destes. De posse dos dados a serem analisados e com o referencial teórico construído, acontece a análise, pautada nos objetivos traçados, e a interpretação. Por último, sintetiza-se o resultado da análise e interpretação, elaborando a conclusão do trabalho. Para a análise, torna-se necessária a criação de categorias de análise de conteúdo, que trabalhem como parâmetros da ação pesquisadora. Estruturadas na forma de perguntas a serem respondidas ao longo do processo analítico, as categorias versam sobre os temas que compõem o estudo teórico e o foco da investigação: leitura, escrita, artigo de opinião, sequência didática. As questões propostas são: 76 1. Como estão elaboradas as etapas da sequência didática em cada material em análise? Elas respeitam a definição teórica acerca da apresentação da situação; produção inicial; módulos e produção final? 2. Como os dois materiais didáticos analisados organizam a materialidade do gênero textual artigo de opinião, tendo como parâmetro a proposta de Bronckart? 3. Qual abordagem de ensino da leitura e da escrita fica evidente a partir dos enunciados e das atividades propostas nos materiais didáticos? Essa abordagem é adequada ao desenvolvimento da leitura e da escrita no Ensino Médio? No desenvolvimento do estudo, a estruturação do texto segue a ordem dessas perguntas apresentadas anteriormente, sempre analisando e interpretando, em primeiro lugar, a “Sequência Didática Artigo de Opinião” e, depois, o material “Pontos de Vista”. 2.3 Elaboração das etapas da sequência didática nos materiais “Sequência Didática Artigo de Opinião” e “Pontos de Vista” A seguir, são analisadas as etapas da sequência didática dos materiais em questão. Para tanto, em primeiro momento, será apresentada a distribuição das partes ou dos capítulos que integram cada publicação didática. O material “Sequência Didática Artigo de Opinião” está dividido em duas partes. A primeira, intitulada “Material do Aluno”, oferece as atividades a serem trabalhadas com os estudantes do Ensino Médio. A segunda, intitulada “Material do Professor”, traz orientações ao docente acerca da aplicação de cada atividade, traz também considerações sobre os exercícios e as respostas às questões propostas aos alunos. No índice do “Material do Aluno”, que, no caso, é a sequência didática, existem as seguintes partes: “Carta ao leitor” e doze atividades, listadas uma a uma, conforme demonstra a figura 3 (p.77): 77 Figura 3 – Índice da “Sequência Didática Artigo de Opinião” (p.05) O outro material, “Pontos de Vista”, é subtitulado “Caderno do Professor”, pois traz a sequência didática, a ser aplicada nos alunos, em meio às orientações para o procedimento docente. O que de fato será entregue aos estudantes é a coletânea de textos, a qual está disponível no livreto que acompanha a coleção. No sumário de “Pontos de Vista”, existe a organização das partes da publicação: “Apresentação”, “Introdução ao gênero”, quinze oficinas de leitura e escrita, “Critérios de avaliação para o gênero artigo de opinião” e “Referências”, conforme demonstra a figura 4 (p.78): 78 Figura 4 – Sumário de “Pontos de Vista” (p.06-07) A organização dos dois materiais em análise, considerando o índice de cada um, não aponta o uso explícito de todos os vocábulos que designam as etapas de uma sequência didática. Em “Sequência Didática Artigo de Opinião”, aparece apenas o sintagma “produção inicial”, na atividade 3. Em “Pontos de Vista”, nenhum dos termos técnicos criados pelos pesquisadores da Universidade de Genebra é utilizado. Diante disso, o próximo passo é a busca pelas etapas, mediante análise das atividades propostas nos materiais. 2.3.1 Em busca da apresentação da situação Para os criadores do procedimento sequência didática, Dolz, Noverraz e Schneuwly (2004, p.99), a apresentação da situação é a etapa que envolve a proposta de um projeto verdadeiro de produção de texto, que apresenta o problema de comunicação e prepara os conteúdos que integrarão o texto. Neste sentido, é preciso verificar se os materiais didáticos desta análise apresentam a construção dessa primeira etapa da sequência didática. A “Carta ao leitor” (p.06-07), da “Sequência Didática Artigo de Opinião”, inicia um diálogo com o estudante, destacando a importância do ato de escrever e a relevância do artigo 79 de opinião na vida cotidiana. Por último, convida o aluno a participar do projeto de desenvolvimento da sequência didática. A “Atividade 1” e a “Atividade 2” (respectivamente: “Reconhecendo artigos de opinião” e “O conteúdo dos artigos de opinião”) consistem em diagnósticos do que pensam e sabem os alunos sobre o gênero de texto. Na “Atividade 1” (p.08-15), há cinco textos a serem lidos e classificados pelos estudantes quanto ao tipo e à finalidade. Os textos são artigo de opinião, notícia e carta de leitor. Em seguida, aparecem questões referentes aos gêneros textuais, destacando a estrutura composicional, o estilo e conteúdo de cada um, a fim de que o aluno seja capaz de distinguir alguns gêneros que circulam no jornal. Há também uma atividade em que outros cinco fragmentos de notícias ou de artigos de opinião são apresentados. O objetivo é levar os estudantes a notarem a diferença entre apresentação de fatos e construção de argumentos. Na “Atividade 2” (p.16-22), há um texto referencial sobre o porquê da argumentaçãonas situações cotidianas. Em seguida, está um exercício, com períodos textuais, no qual a argumentação deve ser encontrada pelo aluno, distinguindo tese de argumento. Ainda na “Atividade 2”, existe a explicação do que é uma questão controversa. Depois de alguns exemplos, em uma atividade, os estudantes devem escolher uma das questões controversas e criar argumentos favoráveis e contrários a uma tese. O objetivo dessa ação é mostrar ao aluno que toda questão polêmica é passível de, no mínino, dois posicionamentos. Por fim, dois artigos de opinião são oferecidos para leitura e levantamento da questão controversa e dos argumentos usados. Esta atividade reúne, na prática, todas as considerações feitas no material, até o momento. De acordo com Dolz, Noverraz e Schneuwly (2004, p.99), na etapa de apresentação da situação acontece a exposição de “um projeto comunicativo bem definido”, que será realizado verdadeiramente, para dar sentido à atividade de produção. Considerando a “Carta ao leitor” (p.06-07) e as duas primeiras unidades do material “Sequência Didática Artigo de Opinião”, é possível dizer que esta vinculação com a realidade não aparece. Embora a “Carta ao leitor” fale da importância da escrita e do artigo de opinião, não foram propostas aos estudantes razões reais para a produção de texto. Nas primeiras unidades, os exercícios motivam a pensar na argumentação, mas não explicitam ao estudante um motivo social que crie a necessidade de produzir o texto. Significa que a atividade assume, a princípio, um fim escolar, em si mesmo, e não evidencia uma circulação social do texto. 80 Além disso, faltam outros itens da apresentação do problema comunicativo: definir o destinatário da produção final, a forma que o trabalho assumirá e quem participará da produção, não estão evidentes nesta etapa do material (DOLZ, NOVERRAZ e SCHNEUWLY, 2004, p.99). A falta desses elementos citados anteriormente comprometeu também a presença de outros aspectos necessários ao ato da produção, tais como: definir o interlocutor pretendido, a forma como o texto circulará e a organização dos grupos de trabalho. Com isso, existe a possibilidade de os alunos não visualizarem sentido na atividade proposta, considerando-a, apenas, uma atividade obrigatória, criada na escola e para a escola. Para que haja a criação da situação real de produção, cabe, no caso da “Sequência Didática Artigo de Opinião”, a intervenção do professor. Este, ao perceber tal lacuna na etapa da sequência didática, teria de definir uma situação real de produção de texto, vinculada ao cotidiano dos alunos. Sem essa definição prévia, não há como “preparar os conteúdos dos textos que serão produzidos” (DOLZ, NOVERRAZ e SCHNEUWLY, 2004, p.100), porque não há como pensar na elaboração de argumentos sem a definição do que será discutido, sem estabelecimento da questão polêmica, que sustenta a criação do artigo de opinião. No material “Pontos de Vista”, a primeira interação estabelecida com o leitor acontece no item “Apresentação” (p.08-15). Destinada ao professor, a “Apresentação” orienta sobre a importância das práticas de leitura e de escrita e aponta a OLPEF como uma alternativa no combate à dificuldade de aprendizagem dos alunos, destacando a singularidade do procedimento sequência didática no processo de escolarização da leitura e da escrita. Em seguida, “Pontos de Vista” mostra, no item “Introdução ao Gênero” (p.16-21), como o artigo de opinião circula socialmente, mencionando a esfera de circulação do texto e a relevância da argumentação nas tomadas de decisão coletiva. A sequência didática, propriamente dita, começa na “Oficina 1” (p.22-33), intitulada “Argumentar é preciso”. Nela, o objetivo exposto ao docente é o de mostrar ao aluno o papel da argumentação. Primeiro, há uma notícia jornalística sobre a qual os estudantes devem conversar, respondendo questões de interpretação do texto. Depois, existe a proposta de criação de um jornal mural na escola e uma atividade para a produção de notícias. Espera-se que a turma discuta, com a orientação do professor, sobre a importância de argumentar, principalmente em situações difíceis, que envolvem problemas vividos por uma comunidade, por exemplo. Em último lugar, o professor diz que a turma participará da OLPEF 26 , portanto, escreverá um artigo de opinião para o concurso cujo tema é “O lugar onde vivo”. 26 A OLPEF garante a publicação dos textos finalistas nacionais. 81 A “Oficina 2 - O poder da argumentação” (p.34-41) objetiva mostrar o contexto de produção do artigo de opinião. Para isso, propõe a leitura de alguns artigos de opinião e a resposta a um roteiro de perguntas sobre o veículo onde cada texto foi publicado; sobre o autor do texto; o assunto principal no texto; o leitor esperado; a finalidade do texto e os argumentos usados. A figura 5 mostra essa atividade: Figura 5 – Atividade 1 da Oficina 2 de “Pontos de Vista” (p.36) Ainda, na “Oficina 2”, são apresentadas algumas noções de argumentação, propondo um debate aos alunos sobre o conceito de argumentar. Por último, a atividade de análise do contexto de produção do artigo de opinião é retomada, agora, com uso, em sala de aula, de jornais impressos. Os jornais servirão para a leitura de artigos de opinião; estes serão utilizados para busca da questão polêmica e dos argumentos. A “Oficina 3 - Informação versus opinião” (p.42-53) visa à distinção entre notícia e artigo de opinião. Para isso, estão propostos exemplares reais dos dois gêneros de texto. A primeira atividade orienta o levantamento da estrutura composicional e do contexto de produção da notícia. A segunda atividade faz o mesmo percurso, mas com o artigo de opinião; assim, fica nítida a ênfase na presença dos argumentos no segundo texto. Os dois gêneros de textos apresentados aos alunos tratam do mesmo tema: uso da internet nas eleições de 2010; 82 contudo, são estruturados de maneira diferente para atenderem à função social de cada gênero. Essa é a conclusão a que a “Oficina 3” direciona o estudante. A “Oficina 4 - Questões polêmicas” (p. 54-63) prepara os alunos para a pré-escrita de um artigo de opinião, pois, ao definir e exemplificar questões polêmicas, solicita ao grupo de estudantes que levante duas questões polêmicas atuais. Existe também a orientação para que o docente motive os alunos a pensar em questões polêmicas que envolvam a realidade da comunidade onde vivem. Depois de escolhidas as duas questões polêmicas, a atividade propõe que a turma organize debates, de forma que um grupo argumente favoravelmente a uma situação proposta e outro grupo argumente contra. Nessa atividade, há também a necessidade de um grupo de alunos que observe as ações, avalie a força dos argumentos e o respeito às normas do gênero de texto debate. Tal oficina é finalizada com uma avaliação formativa e coletiva acerca das aprendizagens construídas durante o debate. Analisando a apresentação da situação em “Pontos de Vista”, é possível encontrar todos os requisitos que compõem a primeira etapa de uma sequência didática. Em primeiro lugar, existe a situação real de produção de texto, pois o professor é orientado a explicar aos alunos o projeto de participação na OLPEF, ou seja, o texto final concorrerá na escola e, caso seja escolhido, será enviado às comissões regionais, estaduais e nacionais, no objetivo de ser premiado na categoria a que pertence o gênero textual artigo de opinião. Em segundo lugar, a apresentação de um “problema de comunicação bem definido” também se mostra. Nas oficinas descritas anteriormente, ficam explícitas ao aluno a definição do gênero textual a ser escrito,a definição de destinatário (comissões de especialistas da OLPEF) e a forma de divulgação do texto (jornal mural da escola – para os textos da turma; livro da OLPEF – para os textos finalistas nacionais). Também fica evidente que a escrita do texto é de caráter individual, porque na OLPEF cada texto tem autoria de apenas uma pessoa. Em último lugar, a “preparação dos conteúdos dos textos que serão produzidos” (DOLZ, NOVERRAZ e SCHNEUWLY, 2004, p.100) foi iniciada durante o debate (Oficina 4), pois, ao defenderem ou criticarem determinada posição, o grupo começou a perceber quais argumentos têm força na construção de uma tese e podem ser utilizados ou ampliados no texto escrito. A apresentação da situação é importante para o sucesso da aprendizagem do aluno, porque contextualiza o que deve ser feito e dá sentido à atividade escolar. Esta criação de 83 significado, além de motivar o aluno, lhe dá condições de vivenciar na escola a transposição didática, que, segundo Lerner (2002, p.33), “oportuniza ao aluno a prática social da leitura e da escrita”. De acordo com os pesquisadores da Universidade de Genebra, a realização da primeira etapa da sequência didática atrela-se ao bom desempenho do aluno, porque o orienta nas escolhas adequadas para o projeto comunicativo: A fase inicial de apresentação da situação permite, portanto, fornecer aos alunos todas as informações necessárias para que conheçam o projeto comunicativo visado e a aprendizagem de linguagem a que está relacionado. Na medida do possível, as sequências didáticas devem ser realizadas no âmbito de um projeto de classe, elaborado durante a apresentação da situação, pois este torna as atividades de aprendizagem significativas e pertinentes (DOLZ, NOVERRAZ e SCHNEUWLY, 2004, p.100) No que se refere à primeira etapa da sequência didática, o material que se mostra mais adequado aos referenciais teóricos criados por Dolz, Noverraz e Schneuwly (2004) é “Pontos de Vista”, pois garante a criação de uma situação comunicativa real, com a contextualização do aluno acerca do projeto a ser desenvolvido, com definição do problema de comunicação e preparação de conteúdos para os textos. 2.3.2 A produção inicial nos materiais em análise A produção inicial é a segunda etapa de uma sequência didática. Ela consiste em uma avaliação formativa, pois permite ao professor conhecer o que pensam seus alunos sobre determinado gênero e permite também diagnosticar as capacidades de linguagem que eles têm. Segundo Dolz, Noverraz e Schneuwly (2004, p.103), a primeira aprendizagem sobre o gênero acontece na produção inicial, porque esta etapa se “constituiu um momento de conscientização do que está em jogo e das dificuldades relativas ao objeto de aprendizagem, sobretudo se o problema comunicativo a ser resolvido ultrapassa parcialmente as capacidades de linguagem dos alunos”. A produção inicial não acontece sem contextualização, na verdade, ela vem depois da apresentação da situação, para que o aluno, antes de produzir o texto, tenha vivenciado algumas reflexões sobre o gênero de texto em questão. Existe, portanto, a intenção de que o aluno já tenha pensado em elementos do contexto de produção do gênero; tenha reconhecido a 84 questão polêmica; tenha realizado algumas leituras, que permitam o levantamento de conteúdos; tenha selecionado alguns argumentos. Contrariamente ao que se poderia pensar, a produção inicial não tem de ser completa; afinal, para muitos alunos pode ser este o primeiro contato mais próximo com o gênero textual. Importa, neste momento, para o professor, a “definição do que é preciso trabalhar a fim de desenvolver as capacidades de linguagem dos alunos que, apropriando-se dos instrumentos de linguagem próprios ao gênero, estarão mais preparados para realizar a produção final” (DOLZ, NOVERRAZ e SCHNEUWLY, 2004, p.102). Se necessário, de acordo com os autores citados anteriormente, a produção inicial pode ser simplificada, “ou somente dirigida à turma, ou, ainda, a um destinatário fictício” (p. 101), porque é a produção final que deve circular socialmente, como resultado das aprendizagens construídas ao longo da sequência didática. Na “Sequência Didática Artigo de Opinião”, a produção inicial está em pauta na “Atividade 3 – Produção Inicial de um Artigo de Opinião” (p.23). Há uma conversa com os alunos, no intuito de que eles escrevam um artigo de opinião, com base em uma questão polêmica definida pela turma, em um projeto interdisciplinar. Portanto, o material, neste momento, destaca a figura do docente na escolha de um tema social relevante que suscite controvérsia e sirva para a construção do texto. A seguir está a orientação (figura 6) oferecida pelo material aos alunos: Figura 6 – Atividade 3 da “Sequência Didática Artigo de Opinião” (p.23) No enunciado da atividade é possível perceber que o gênero textual está definido (artigo de opinião); a questão polêmica está sob a responsabilidade da mediação docente; o 85 local de publicação do texto foi explicitado (jornal diário de grande circulação); os leitores foram indicados (pessoas que não têm uma posição firmada sobre a questão em pauta). Embora o material não tenha explicitado aos alunos, na primeira etapa, um projeto de comunicação que seria verdadeiramente realizado na produção final, traz na produção inicial orientações pertinentes, capazes de orientar a situação comunicativa na qual o texto do aluno deve interagir. O professor assume, de acordo com o material, o papel na definição do tema e da questão polêmica do projeto interdisciplinar. Embora não esteja explícito nas orientações do material, caberia também ao docente orientar os estudantes quanto à preparação dos conteúdos que serão produzidos, uma vez que a elaboração dos argumentos depende de conhecimentos, que podem ser construídos em leituras prévias sobre o tema em discussão. Na publicação “Pontos de Vista”, a produção inicial acontece na “Oficina 5 – A polêmica no texto” (p. 64-69). A orientação ao aluno é para que escreva, individualmente, um artigo de opinião, com base na questão polêmica levantada coletivamente na “Oficina 4”. De acordo com as orientações da atividade, essa primeira escrita poderá ter local de publicação e público leitor fictícios, embora devam estar bem definidos. Existe também uma sequência de perguntas que direcionam o planejamento da escrita do texto. Elas versam sobre a questão polêmica; a tese a ser defendida; a construção dos argumentos; as etapas de introdução, desenvolvimento e conclusão do texto; o título a ser dado ao artigo de opinião. A seguir, estão as orientações constantes no material sobre o planejamento do texto (figura 7, p.86): 86 Figura 7 - Atividade de escrita do artigo de opinião – Oficina 5 de “Pontos de Vista” (p.66) Depois da elaboração do texto, o material orienta o professor a promover a troca de textos entre os alunos, com o objetivo de que contribuam uns com os outros no processo de compreensão dos textos e de avaliação da clareza e textualidade dos artigos que elaboraram. Considerando o caráter formativo da produção inicial, é possível notar que “Pontos de Vista” atende a mais uma etapa da sequência didática. O fato de contextualizar bem o aluno quanto ao texto a ser produzido, confere segurança ao estudante. Além disso, as perguntas do roteiro para construção do texto ajudam o aluno a pensar e a planejar cada parte do texto; assim, caso tenha alguma dúvida, poderá consultar pontualmente o professor. A troca de textos na sala de aula fomenta uma aprendizagem compartilhada e formativa, na qual os conhecimentos de todos os alunos ficam mais nítidos, diante do professor, que observa a turma. As duas publicações didáticas estão adequadas quanto à etapa da produção inicial, contudo a mais enriquecida e esclarecedorapara o docente é a que está registrada em “Pontos de Vista”. 87 2.3.3 A construção dos módulos nas publicações analisadas Dolz, Noverraz e Schneuwly (2004, p. 103) afirmam que “nos módulos, trata-se de trabalhar os problemas que apareceram na primeira produção e de dar aos alunos os instrumentos necessários para superá-los”. Para os autores, podem ser criados dois ou mais módulos, nos quais a atividade de produzir um texto seja decomposta, para que cada elemento integrante do gênero seja abordado separadamente, segundo as necessidades dos alunos, para depois se unir na produção final (última etapa). Durante a realização dos módulos, é importante garantir, conforme já mencionado no referencial teórico desta pesquisa, o trabalho com problemas de níveis diferentes, a variação das atividades e exercícios e a capitalização das aquisições dos alunos. Na “Sequência Didática Artigo de Opinião”, os módulos acontecem da “Atividade 4” até a “Atividade 9”. A “Atividade 4 – O contexto de produção do artigo de opinião” (p.23-26) objetiva levar o aluno a compreender que todo texto é construído em um contexto. Para tanto, apresenta a definição de contexto e apresenta os elementos do contexto: autor do texto, papel social do autor do texto; interlocutores, representação social dos interlocutores; finalidade/objetivo do texto; circulação do texto. Em seguida, há um artigo de opinião para que o estudante o leia e encontre todos os elementos do contexto de produção. A “Atividade 5 – As várias vozes que circulam num artigo de opinião” (p.26-30) intenciona levar o estudante a perceber que a construção de um artigo de opinião acontece pelo uso de outras vozes, além da voz do leitor e do autor. Existe o objetivo de mostrar que muitos argumentos, usados em artigos de opinião, se constroem pelo uso de citações diretas ou indiretas, paráfrases ou paródias das vozes de outras pessoas. A atividade consiste na leitura de um artigo de opinião, levantamento das vozes que nele aparecem e análise da intencionalidade no uso das vozes, para a construção dos argumentos e defesa da tese. A “Atividade 6 – Organizadores textuais” (p.31-35) almeja que os estudantes compreendam as relações de sentido que os organizadores textuais ajudam estabelecer; por isso, são apresentadas conjunções e expressões que desempenham a função de relacionar orações. Os exercícios consistem na comparação entre períodos, nos quais a construção do sentido se vincula à função desempenhada pelos conectivos textuais; ou na análise de trechos de artigos de opinião, destacando em ambos as noções de hierarquização dos argumentos e as relações de oposição, causa e efeito, conclusão etc. 88 Voltada à apresentação e à construção de diferentes argumentos está a “Atividade 7 – Tipos de Argumento” (p.36-38). Com exercícios de reconhecimento da tese defendida em diferentes trechos, espera-se que o estudante consiga compreender as possibilidades de argumentação. Além disso, existe um texto explicativo, classificando os tipos de argumento. A “Atividade 7” termina com a sugestão de leitura de diferentes trechos opinativos, para localização e classificação dos argumentos; e com a proposta de escrita de um pequeno texto argumentativo, diante de uma questão polêmica proposta pelo material. Calcada na possibilidade de os argumentos defenderem, refutarem ou negociarem uma tese, está a “Atividade 8 – Movimento argumentativo” (p.39-41). Solicitações de comparação entre trechos de textos existem, na intenção de que o aluno perceba o uso dos argumentos a serviço da ideia que se deseja socializar com os leitores. No final da “Atividade 8”, há orientação para escrita de um trecho argumentativo, acerca da tese defendida pelo estudante no momento da produção inicial. A “Atividade 9 – Explorando a estrutura de um artigo de opinião” (p.41-44) espera que o aluno perceba as partes e os elementos que compõem um artigo de opinião, a fim de orientá-lo no reconhecimento e na elaboração de textos organizados e coerentes. São retomados os conceitos de contexto de produção, construção de argumentos, função dos argumentos, partes de um texto argumentativo. Os exercícios pedem a leitura de dois artigos de opinião, a partir dos quais acontecerá o reconhecimento da estrutura textual e a hierarquização dos argumentos. Levando em conta o objetivo de decomposição do gênero textual em módulos e a importância de “trabalhar com problemas de níveis diferentes” 27 (DOLZ, NOVERRAZ e SCHNEUWLY, 2004, p.104), a “Sequência Didática Artigo de Opinião” destaca cinco características do artigo de opinião: contexto de produção; vozes; organizadores textuais; construção da argumentação/tipos de argumento; estrutura do texto. A “Atividade 4” ajuda o aluno a construir uma imagem do destinatário, da finalidade visada, da sua posição como autor e do gênero textual em pauta; portanto atua no contexto de produção - nível da representação da situação comunicativa. A “Atividade 5” colabora na construção da capacidade do aluno de distinguir vozes nos textos e de utilizá-las para compor argumentos. A “Atividade 6” oferece vários exercícios 27 Conforme referencial teórico indicado nesta pesquisa, no capítulo 1, os pesquisadores de Genebra indicam 4 níveis necessários ao trabalho com o gênero: representação da situação de comunicação; elaboração dos conteúdos; planejamento do texto; realização do texto (DOLZ, NOVERRAZ e SCHNEUWLY, 2004, p.104) 89 para o aluno aprender a relacionar ideias, escolher bons argumentos e hierarquizá-los – nível de elaboração dos conteúdos. Na “Atividade 8”, o aluno aprende a realizar o texto, escolhendo os meios de linguagem mais adequados, estruturando ideias e introduzindo argumentos – nível de realização do texto. Na “Atividade 9”, o aluno aprende a planejar e estruturar o texto de acordo com as finalidades e características estruturais do gênero - nível do planejamento do texto. No que tange à variação das atividades e exercícios 28 , em “Sequência Didática Artigo de Opinião” existem: atividades de observação e análise de textos (em todas as “Atividades” dos módulos); tarefas simplificadas de produção de texto (“Atividades 5, 7 e 8”); elaboração de linguagem comum, referente à caracterização do gênero artigo de opinião (em todas as “Atividades”). No material citado, a “Atividade 9” possibilita a ação de “capitalizar as aquisições” dos alunos, porque chama a atenção deles para um vocabulário técnico comum ao gênero de texto solicitado, o qual é sintetizado em uma lista disponível na publicação: Esse vocabulário técnico e as regras elaboradas durante as sequências são registrados numa lista que resume tudo o que foi adquirido nos módulos. Essa lista pode ser construída ao longo do trabalho ou elaborada num momento de síntese, antes da produção final; ela pode ser redigida pelos alunos ou proposta pelo professor (DOLZ, NOVERRAZ e SCHNEUWLY, 2004, p.106) Diante do exposto, “Sequência Didática Artigo de Opinião” apresenta adequadamente a construção dos módulos. Agora, são analisados os módulos em “Pontos de Vista”, os quais se estendem da “Oficina 6” à “Oficina 13”. A “Oficina 6 - Por dentro do artigo” (p.70-79) apresenta as principais características de um artigo de opinião. Com base em um texto, espera-se que os alunos encontrem a introdução, desenvolvimento e conclusão do artigo de opinião em pauta. Para o professor, são apontadas estratégias para antes da leitura do texto, durante a leitura e depois da leitura. O momento antes da leitura focaliza a discussão sobre o contexto de produção do artigo de opinião e sobre o título do texto. Para o durante a leitura, a ênfase está na identificação dos argumentos utilizados; para o depois da leitura, há perguntas sobre o trabalho dos argumentos,28 Segundo Dolz, Noverraz e Schneuwly (2004, p.105), a variação das atividades e exercícios acontece por meio de atividades de observação e de análise de textos; tarefas simplificadas de produção de texto e elaboração de linguagem comum. 90 a construção da tese e a presença da questão polêmica. Ainda no depois da leitura está a atividade de pesquisa sugerida ao aluno: encontrar outros artigos de opinião em jornais, revistas ou internet, a fim de realizar outras leituras e verificar a estruturação do texto. A “Oficina 7 – O esquema argumentativo” (p.80-87) apresenta uma atividade de desenvolvimento da percepção do aluno quanto à construção da introdução, do desenvolvimento e da conclusão no artigo de opinião. Para isso, há o oferecimento de amparo teórico ao professor sobre o movimento argumentativo. Espera-se que o aluno seja orientado a perceber, com base em um texto, como os argumentos se constroem e que intencionalidades eles carregam. A “Oficina 8 – Questão, posição e argumentos” (p.88-97) orienta sobre a construção de argumentos com base em uma questão polêmica. Partindo de uma notícia, a atividade propõe a análise de um artigo de opinião, que nasceu da notícia divulgada. Espera-se que os alunos encontrem a questão polêmica e que sejam capazes de identificar os argumentos e a tese no texto. Em seguida, há a proposta de construção de contra-argumentos, na tentativa de desconstruir a tese defendida no texto lido. A “Oficina 9 – Sustentação de uma tese” (p.98-107) objetiva mostrar ao estudante que a construção de uma tese está vinculada ao uso de argumentos adequados. Assim, traz ao aluno um quadro de tipos de argumentos e orienta o professor a desenvolver atividades de análise de uso de argumentos em trechos de textos e atividades de escrita. A “Oficina 10 – Como articular” (p.108-113) tem o objetivo de orientar os alunos sobre o uso adequado de conectivos para a construção dos argumentos e da sequência lógica do texto. A primeira atividade é um jogo de construção de texto curto a partir de fichas fornecidas ao professor pelo material – no estilo de quebra-cabeça (conforme figura 8, p. 91). O jogo não tem ganhador, organizados em grupo, todos socializam suas produções com os colegas e fazem as adequações necessárias em seus textos. A segunda atividade é a escrita de um pequeno texto com articuladores, a partir do os grupos de alunos se posicionem diante de uma questão polêmica sugerida pelo material. 91 Figura 8 – Tabela para atividade com articuladores – Oficina 10 de “Pontos de Vista” (p.112) A “Oficina 11 – Vozes presentes no artigo de opinião” (p.114-125) trabalha com a identificação das vozes, que interagem em um artigo e sustentam o processo argumentativo. A atividade proposta aos alunos é a leitura de um artigo de opinião, o reconhecimento das vozes, nele utilizadas, e da intencionalidade de seus usos. A “Oficina 12 – Pesquisar para escrever” (p.126-129) retoma o projeto de comunicação definido na primeira etapa da sequência didática e propõe a alimentação dos conteúdos que farão parte da produção final. A primeira atividade retoma as questões polêmicas delimitadas no grupo durante a “Oficina 4”, a fim de que a classe se organize e realize pesquisas sobre os aspectos relacionados à controvérsia em questão. A recomendação do material é que a pesquisa seja realizada em grupo e tenha como fontes: jornais, revistas, livros e sites confiáveis na internet. Após a pesquisa, espera-se que o professor oriente os 92 alunos a elaborarem uma síntese das informações levantadas e a socializarem a síntese com toda a classe. A última oficina que integra a etapa dos módulos em “Pontos de Vista” é a “Oficina 13 – Aprendendo na prática” (p.130-139). Nela, o objetivo é a reescrita coletiva de um texto produzido por um aluno. Em princípio, orienta-se o professor a escolher um texto (de um aluno da turma ou o que está disponível no material) e a providenciar cópias para os alunos. Depois, a realizar a leitura do texto com a turma, perguntando sobre a adequação do título, sobre a clareza da questão polêmica, sobre a presença de vozes no texto, a construção dos argumentos e a utilização dos articuladores, conforme orientações do material didático (figura 9): Figura 9 – Roteiro para análise coletiva de texto de aluno – Oficina 13 de “Pontos de Vista” (p.133) Após a conversa sobre o texto, espera-se que os alunos, organizados em grupos, reformulem o texto ou que cada grupo refaça parte do texto. A versão final, com as intervenções docentes, deve ser registrada na lousa. É indicado ao professor que reflita com a turma sobre as alterações ocorridas entre as duas versões do texto. “Pontos de Vista”, no que se refere ao trabalho com problemas de diferentes níveis, desenvolve a representação da situação de comunicação, na “Oficina 6”, porque o aluno aprende a fazer uma imagem exata do destinatário, da finalidade visada pelo texto, da sua posição como autor. A ênfase no contexto de produção assegura a presença do nível mencionado. O nível da elaboração do conteúdo se manifesta nas “Oficinas 7, 8, 9, 10 e 11”. Nelas, o aluno aprende a elaborar, buscar ou criar conteúdos; portanto, tem de distinguir, de 93 acordo com o gênero, a necessidade de ser criativo ou de buscar sistematicamente informações relacionadas ao assunto. Respectivamente, as oficinas oferecem o estudo sobre o movimento argumentativo; a construção de contra-argumentos; a sustentação de uma tese; o uso dos articuladores e a presença das vozes. O nível do planejamento do texto se manifesta na “Oficina 13”, quando a proposta de reescrita coletiva de um texto produzido por um aluno, desencadeia nos estudantes a capacidade de aprender a realizar o texto, escolhendo a linguagem adequada, construindo as ideias e organizando os argumentos. Quanto à variação das atividades e exercícios, há observação e análise de textos (“Oficinas 6, 7, 8, 9, 11, 12, 13”); há tarefas simplificadas de produção de texto (“Oficinas 8, 9, 10, 12, 13”) e elaboração de uma linguagem comum, com as aprendizagens sobre o gênero artigo de opinião (todas as “Oficinas”). A “Oficina 12”, ao retomar com os alunos o projeto comunicativo, aponta a necessidade de uma revisão dos objetivos e das aprendizagens construídas até o momento. Diante disso, oportuniza a “capitalização das aquisições”, fazendo com que os alunos coloquem em prática tudo o que sabem e que utilizem esse conhecimento na produção final. “Pontos de Vista”, portanto, apresenta, adequadamente, a etapa dos módulos da sequência didática. Em linhas gerais, as duas publicações em análise estruturam seus módulos destacando o estudo sobre questão polêmica, contexto de produção do artigo de opinião, argumentos, vozes que aparecem no artigo de opinião, conectivos textuais, estrutura do artigo de opinião. Essa proximidade, quanto aos temas discutidos, mostra que as concepções teóricas de ambos os materiais são bastante próximas e coerentes com o referencial teórico de sustentação do procedimento sequência didática. Ainda que os módulos das duas publicações estejam adequados, eles não representam, por si mesmos, a solução dos problemas de aprendizagem das turmas de alunos. A etapa de construção dos módulos nasce depois de feita a produção inicial, ou seja, é decorrente das necessidades de aprendizagem apontadas na avaliação formativa. Ter um material com módulos prontos não isenta o professor de sua função mediadora. 94 2.3.4 Como acontece a produção final nos materiais em análise A última etapa do procedimento sequência didática é a produção final. Ela é mais um espaço para avaliação da aprendizagem, tanto de forma somativa (professor avalia aluno) quanto formativa (professor avalia o ensino; aluno autoavalia sua aprendizagem). Na escritaou reescrita individual do texto, o aluno tem a oportunidade de sistematizar tudo o que aprendeu, mediante a realização de um texto de relevância social, que será divulgado verdadeiramente para um leitor previamente estabelecido; portanto, o caráter real da situação enriquece e legitima a atividade de leitura e escrita na escola. A sequência é finalizada com uma produção final que dá ao aluno a possibilidade de pôr em prática as noções e os instrumentos elaborados separadamente nos módulos. Essa produção permite, também, ao professor realizar uma avaliação somativa. Durante a produção final, é no pólo do aluno que o documento de síntese ganha sua maior importância: - indica-lhe os objetivos a serem atingidos e dá-lhe, portanto, um controle sobre seu próprio processo de aprendizagem (O que aprendi? O que resta a fazer?); - serve de instrumento para regular e controlar seu próprio comportamento de produtor de textos, durante a revisão e a re-escrita; - permite-lhe avaliar os progressos realizados no domínio trabalhado (DOLZ, NOVERRAZ e SCHNEUWLY, 2004, p. 106-107). Na “Sequência Didática Artigo de Opinião”, a produção final aparece nas três últimas atividades propostas. Na “Atividade 10 – Devolução dos primeiros artigos produzidos” (p.45), os alunos recebem de volta o texto que produziram na “Atividade 3” (etapa de produção inicial). Há orientações para que revejam o texto e anotem considerações sobre o que fariam de diferente, depois de terem estudado sobre o gênero textual nos módulos. Na “Atividade 11 – Aprofundando a discussão sobre o tema escolhido” (p.45), os alunos são orientados a pesquisar diferentes informações sobre o tema em debate no projeto interdisciplinar. Assim, espera-se que preencham um quadro, disponível no material, com argumentos favoráveis e contrários à posição defendida e construam argumentos mais fortes para sustentar seus ideais. Na “Atividade 12 – Reescrita do artigo de opinião” (p.46), espera-se que os alunos reescrevam seus textos, acrescentando o conhecimento construído durante as demais etapas da sequência didática. Com intuito de orientá-los, há uma grade de avaliação (figura 10, p.95) do gênero textual, a qual permite verificar a adequação de cada item no texto reescrito. Para o 95 professor, a grade pode ser usada também como critério de correção e estabelecimento de nota. Figura 10 – Grade de correção do artigo de opinião – “Sequência Didática Artigo de Opinião” (p.46) As atividades finais do material em análise estão coerentes com o conceito de produção final, porque possibilitam ao aluno o processo reflexivo sobre a primeira versão do texto, oferecem uma grade de correção para que o aluno revise a produção final e seja sujeito de sua própria aprendizagem. Além disso, em “Sequência Didática Artigo de Opinião”, a atuação do professor é valorizada na interação a ser construída em sala de aula, apontando ao aluno caminhos de reflexão sobre a escrita do texto. 96 Em “Pontos de Vista”, a última etapa da sequência didática (produção final) acontece na “Oficina 14” e na “Oficina 15”. A “Oficina 14 – Enfim, o artigo” (p.140-143) solicita ao aluno que escreva, individualmente, a versão final do artigo de opinião. Antes de os alunos escreverem ou reescreverem seus textos, o material recomenda ao professor que faça uma revisão com a turma de tudo o que foi estudado nos módulos. Depois, os alunos escrevem e entregam o texto ao professor, que dará uma devolutiva, indicando se alguma alteração deve ser feita. A “Oficina 15 – Revisão final” (p.144-149) consiste na apresentação aos alunos de um roteiro de revisão de texto, consiste também na revisão feita pelo estudante e na publicação dos textos em local onde possam ser lidos por várias pessoas (além de enviar o texto escolhido pelo grupo para as comissões de análise da OLPEF). Pelo uso do roteiro de revisão, o aluno avalia o próprio texto e solicita ajuda ao professor, caso isso seja necessário (figura 11): Figura 11 – Roteiro para revisão do texto pelo aluno – Oficina 15 de “Pontos de Vista” (p.147) No material “Pontos de Vista”, a produção final é bem elaborada e está de acordo com os referenciais teóricos criados pelos pesquisadores da Universidade de Genebra. Existe a orientação para que os estudantes revejam os textos feitos na primeira produção, ou escrevam um novo texto. Todas as atividades desenvolvidas nos módulos são apontadas no roteiro, que ajuda o aluno a fazer sozinho a própria revisão do texto. Portanto, o material incentiva a 97 autonomia. O professor é valorizado como mediador da aprendizagem, por isso tem a função de acompanhar o desenvolvimento dos alunos e de orientar nas questões que ainda gerem insegurança para o estudante. O fato de o material incentivar a divulgação real do texto, seja no mural da escola ou em outro local escolhido pela turma, dá sentido à atividade e assegura o que Soares (2003) menciona como a boa escolarização das atividades de leitura e de escrita na escola. Tanto esta autora, quanto Lerner (2002) acreditam na importância de definir boas estratégias de ensino e de aprendizagem, para que os alunos aprendam e para que as atividades escolares não tenham um fim apenas em si mesmas, desprovidas de significação na vida. A última pesquisadora declara: Como o objetivo final do ensino é que o aluno possa fazer funcionar o aprendido fora da escola, em situações que já não serão didáticas, será necessário manter uma vigilância epistemológica que garanta uma semelhança fundamental entre o que se ensina e o objeto ou prática social que se pretende que os alunos aprendam (LERNER, 2002, p. 35). As duas publicações didáticas analisadas atendem às etapas da sequência didática, contudo, uma delas é mais completa. “Sequência Didática Artigo de Opinião” não constrói uma boa apresentação da situação para o estudante, pois a definição do projeto comunicativo não se mostra nas primeiras atividades do material, embora as outras etapas estejam adequadas. “Pontos de Vista”, por outro lado, apresenta todas as etapas e garante boa variação de atividades e estratégias nos exercícios dos módulos, variando as atividades interativas com a presença de jogos, debates, escrita de pequenos textos, pesquisas na internet, construção de jornal mural. “Sequência Didática Artigo de Opinião” não restringe o desenvolvimento de nenhuma das atividades mencionadas; porém, as orientações aos alunos e aos professores apresentam atividades mais centradas na leitura e resolução de exercícios do próprio material. A variação das atividades é um fator interessante como estratégia de envolvimento do aluno do Ensino Médio com o projeto. Além disso, as DCNEM (1998) orientam que o trabalho com os alunos desse segmento educacional seja contextualizado. Portanto, ao serem utilizados recursos disponíveis em jornais, revistas e sites confiáveis, o ensino e a aprendizagem ficam mais completos e significativos. 98 2.4 A materialidade do gênero textual artigo de opinião nos materiais didáticos analisados Como os dois materiais em análise são sequências didáticas para o desenvolvimento de artigo de opinião, torna-se importante analisar como o conceito do gênero foi neles construído. De acordo com o referencial teórico construído no capítulo 1 desta pesquisa, o artigo de opinião é um gênero de texto cuja finalidade é convencer o outro de uma determinada ideia (BRÄKLING, 2006). Nele, predomina a tipologia argumentativa, visto que o convencimento se efetua pelo uso de argumentos e contra-argumentos. Pela análise feita das etapas das sequências didáticas nos materiais didáticos, é possível verificar, principalmente nos módulos, as características do artigo de opinião que as publicações destacam. Pode-se afirmar que, em ambas, a definição do gênero textual se constróienquanto as atividades e oficinas de leitura e produção de texto vão se apresentando aos estudantes. Resgatando os pressupostos bakhtinianos de que os gêneros textuais são criados em determinados “domínios discursivos” e apresentam “forma composicional, conteúdo temático e estilo” (BAKHTIN, 2003, p.262), para a análise do conceito trazido pelas publicações didáticas, é relevante verificar qual o contexto de produção atribuído ao artigo de opinião; como a construção do texto é definida; como os assuntos ou temas são relacionados ao artigo de opinião; como o discurso é utilizado para o tratamento do assunto no texto. Visto que a forma composicional, o conteúdo temático e o estilo se referem à semiotização das ideias em texto, para a análise realizada nesta pesquisa, serão evocados os dizeres do pesquisador Bronckart (2009), o qual, com base em pressupostos bakhtinianos, desenvolveu um conceito de estudo do texto pela identificação do folhado textual: “a infra- estrutura do texto, os mecanismos de textualização e os mecanismos enunciativos” (p.119). Quando o folhado textual é analisado, evidenciam-se a forma que o texto assume; a maneira como os conteúdos e os assuntos são apresentados; e como o discurso é empregado. Em primeiro lugar, é verificado o contexto de produção apresentado nas publicações. Na “Sequência Didática Artigo de Opinião”, o contexto de produção é trabalhado na “Atividade 4”. De acordo com o material, “o produtor de um artigo de opinião é um especialista no assunto (ou, no mínimo, alguém que estuda algum aspecto da questão em discussão) ou um representante de determinada instituição social que, de alguma forma, tem 99 algo a dizer sobre a questão” (p.23); os leitores são definidos como “pessoas que, frequentemente, leem determinado jornal ou revista e estão, de alguma forma, interessadas na questão polêmica” (p.24); o local de circulação apresentado é “jornais e revistas impressos ou on-line” (p.24); o objetivo definido para o artigo de opinião é o de “influenciar o pensamento dos destinatários, isto é, construir ou transformar a posição desses destinatários sobre uma questão controversa de interesse social” (p.24). Em “Pontos de Vista”, o contexto de produção do artigo aparece, na “Oficina 2”, da seguinte maneira: Os artigos de opinião costumam circular em veículos tipicamente jornalísticos e de grande penetração popular: jornais impressos, revistas, sites de notícias. Geralmente são escritos por especialistas num determinado assunto, pessoas publicamente reconhecidas por suas posições, autoridade. Abordam assuntos ou acontecimentos polêmicos atuais, recentemente noticiados e de interesse público. Dirigem-se a um leitor que o jornal considera como potencialmente envolvido no debate. Tem como finalidade defender uma opinião ou tese, a qual é apresentada com base em argumentos (p.37). Portanto, há referência à produção do texto na esfera jornalística; à autoria do texto por um especialista no tema em debate; ao leitor interessado em debates; ao objetivo do texto de discutir questões polêmicas e de convencer o interlocutor a adotar uma ideia. Ainda em “Pontos de Vista”, existe, antes do início dos módulos, o item “Introdução ao gênero” (p.16-21), com orientações ao professor. Neste espaço, as considerações apresentadas na “Oficina 2” aos alunos estão antecipadas ao docente. Provavelmente, essa ação visa contextualizar o professor e o repertoriar acerca do gênero de texto com o qual trabalhará; fato que pode colaborar na qualidade da mediação da aprendizagem. Durante o desenvolvimento dos módulos, a “Oficina 6” (p.70-79) traz, na atividade do momento antes da leitura, uma atividade de “passar os olhos” em um artigo de opinião, para reconhecer o contexto de produção. Para isso, aparecem as seguintes perguntas orientadoras: “Quem é o autor? Como vem apresentado no rodapé?/ Por que a redação do jornal o apresenta dessa forma? [...]” (p.73). Em ambos os materiais, o contexto de produção levantado vai ao encontro das definições de Rodrigues (2005), que também destaca a criação do texto na esfera jornalística; os interlocutores como sujeitos letrados, que se interessam por problemas sociais; os jornais as revistas ou sites, como locais de publicação do artigo. 100 A definição apresentada pelas sequências didáticas analisadas também dialoga com as considerações de Bräkling (2006), para quem a utilização de argumentos consolida a finalidade do artigo de opinião de convencer o outro. Diante do exposto anteriormente, cabe dizer que as duas publicações, quanto ao contexto de produção, estão em harmonia como os referencias teóricos utilizados nesta pesquisa. Em segundo lugar, é verificado como são construídos, nos materiais didáticos, os elementos integrantes do folhado textual. As considerações 29 seguem a seguinte ordem: infra- estrutura do texto; mecanismos de textualização e mecanismos enunciativos. A infra-estrutura, segundo Bronckart (2009, p.120), é constituída “pelo plano mais geral do texto, pelos tipos de discurso que comporta, pelas modalidades de articulação entre esses tipos de discurso e pelas sequências que nele eventualmente aparecem”. Com base nessas considerações do autor, é possível compreender que, no artigo de opinião, o plano geral do texto se refere à “organização do conjunto do conteúdo temático, visível no processo de leitura e passível de ser codificado em resumo”. Trata-se, portanto, da maneira como o tema é apresentado no texto, como o assunto é organizado em uma lógica. É o movimento de condução dos argumentos para a defesa da conclusão acerca de uma questão polêmica determinada. Na “Sequência Didática Artigo de Opinião”, a “Atividade 9” (p.41-44) propõe aos alunos o estudo da organização do texto, mostrando, por meio de uma definição, como costumam ser distribuídos, no corpo do texto, as informações e argumentos que sustentam o conteúdo temático (conforme figura 12, p.101). 29 Para esta análise serão utilizados os referenciais teóricos disponíveis neste texto, no capítulo1, ao passo que se fizerem necessários à análise proposta. 101 Figura 12 – Elementos que constam na estrutura de um artigo de opinião – “Sequência Didática Artigo de Opinião” (p.41) Além da exposição mencionada, há uma atividade de leitura de um artigo de opinião e reconhecimento dos elementos estruturais no texto. Com isso, o material colabora para que o estudante compreenda a sequência lógica, que rege o movimento argumentativo. Fica latente que não basta ter boas ideias, é preciso organizá-las em um conjunto, capaz de ser reconhecido pelo interlocutor pretendido. No outro material didático em análise, a preocupação com o plano geral do texto se manifesta na “Oficina 6” (p.70-79) e na “Oficina 7” (p.80-87). Na primeira, existe a orientação para que o professor, no momento da leitura de um artigo de opinião constante no material, realize pausas e conversas com os alunos, para que estes percebam a condução das ideias no texto e a organização dos argumentos. Na segunda oficina mencionada, uma atividade de leitura solicita o reconhecimento dos elementos que compõem a introdução, o desenvolvimento e a conclusão do texto. Nela, o objetivo é que os estudantes notem como as ideias devem fluir organizadas para o convencimento do outro. Nos dois materiais, portanto, existem atividades, nos módulos, que orientam os alunos na compreensão da configuração geral de um artigo de opinião, enfatizando a estruturação calcada na construção de ideias argumentativas. Outro elemento da infra-estrutura do texto, segundo Bronckart (2009) é o discurso. No artigo de opinião, predomina o discurso teórico. Segundo o referido autor, esse tipo de discurso apresenta algumas características, como: texto autônomo (não traz marcasde pessoalidade); predomínio de uso de verbos no presente e futuro para expor fatos, ideias, argumentos; zelo pela objetividade. 102 O estudo do tipo de discurso predominante no artigo de opinião não está evidente nas duas publicações didáticas. Em nenhuma delas há menção direta a uso de formas verbais ou a outros elementos linguísticos, que podem demarcar a presença de um tipo de discurso. Nesse sentido, a existência do outro componente da infra-estrutura do texto, articulações entre tipos de discurso, também fica prejudicada, não podendo, portanto, ser analisada. O último elemento da infra-estrutura textual é a sequência ou modo de planificação. A que predomina no artigo de opinião é a sequência argumentativa, a qual, nos dizeres de Bronckart (2009, p.227), contém: “premissa; argumentos, contra-argumentos e conclusão”. Nos materiais em análise, não aparece em sua superfície o sintagma “sequência argumentativa”; ainda que várias atividades e leituras orientem os estudantes na observação e na realização do ato de argumentar. Quando os materiais trazem estas propostas, estão trabalhando, de certa forma, com a sequência argumentativa. Em “Sequência Didática Artigo de Opinião”, os alunos entram em contato prático com este movimento argumentativo, especialmente, na “Atividade 8” (p.39-41). Ao analisarem textos, destacam a tese inicial; os argumentos, que sustentam a tese inicial; os contra- argumentos, que contrariam a tese inicial; e a conclusão, que é uma nova tese. Portanto, a teorização sobre a sequência argumentativa está, de certa forma, contida nos enunciados das atividades, por exemplo: “Qual é a tese defendida pelo autor? Em vez de explicitar a tese que defende o autor escolhe começar criticando uma tese contrária a dele. Você considera essa uma estratégia eficaz de argumentação” (p.40). Em “Pontos de Vista”, o processo de estudo da argumentação ganha força na “Oficina 8” (p.88-97), quando há uma atividade de comparar uma notícia a um artigo de opinião, seguida de levantamento da tese, dos argumentos e da conclusão. Assim, existe a intencionalidade de levar o aluno a compreender a estratégia argumentativa. Em uma das orientações do material ao professor, as etapas da argumentação ficam evidentes, pelo uso de vocábulos como: questão polêmica, tese, conclusão, argumentos. Exemplo: “Proponha aos alunos que leiam atentamente o artigo assinado por Gustavo Barreto, identificando: a questão polêmica; a tese que o articulista defenda a respeito dessa questão; se a conclusão se apresenta de forma categórica ou com modalizador; os argumentos utilizados por ele; os reforços (suportes) a estes argumentos” (p.92). Quando as duas publicações em análise orientam os alunos para a produção de texto, mencionam a estrutura a ser seguida na composição textual: introdução, desenvolvimento e 103 conclusão. Com isso, estão reafirmando a presença da argumentação, evidente pelo uso de argumentos no item “desenvolvimento”. Ainda sobre a sequência argumentativa, ambos os materiais oferecem aos estudantes uma lista de tipos de argumentos; com isso, orientam na elaboração da noção de argumentação. “Sequência Didática Artigo de Opinião” propõe, na “Atividade 7” (p.36-38), exercícios de utilização dos diferentes argumentos. Exemplo: “Considerando os diferentes tipos de argumento, releia os trechos do exercício 1 e classifique os argumentos que lá aparecem” (p.37). “Pontos de vista” oferece aos alunos um quadro com exemplificações de uso de argumentos. Vinculado ao quadro, há uma atividade, cuja orientação ao professor é “escolha uma das situações e peça aos alunos que formulem uma opinião; discutam e definam que tipo de argumento seria mais adequado para sustentar a tese; elaborem pelo menos três argumentos de diferentes tipos” (p. 106). Quanto ao nível de infra-estrutura textual, as sequências didáticas em análise apresentam propostas explícitas de reflexões aos alunos sobre o plano geral do texto. As considerações sobre a sequência predominante no artigo de opinião ficam por conta da aprendizagem dos estudantes acerca do processo argumentativo. Não são evidentes as atividades sobre o tipo de discurso predominante e sobre as articulações entre tipos de discurso. Essa inexistência de orientações específicas pode comprometer a qualidade da aprendizagem e a mediação docente, visto que a presença dos discursos e a presença da relação entre eles estão diretamente ligadas à semiotização das ideias nos argumentos. De acordo com Bronckart (2009, p.122), a segunda camada do folhado textual é a dos mecanismos de textualização, que ajudam no estabelecimento da coerência temática, ligada à linearidade do texto, e estão organizados em: “conexão, coesão nominal e coesão verbal”. Segundo o mesmo autor, a conexão é construída pelos mecanismos que articulam a progressão temática: os organizadores textuais. Alguns exemplos são: entretanto; enfim; em suma; portanto; pois; embora; mas; apesar de etc. O estudo da conexão acontece na “Atividade 6” (p.31-35) de “Sequência Didática Artigo de Opinião”, quando os articuladores textuais são requeridos em exercícios de construção de argumentos e de observação do sentido das orações. Exemplo: “Leia as frases abaixo, prestando atenção nas palavras em destaque [...]. Gosto de dar carona, pois isso pode ser perigoso./ Gosto de dar carona, mas isso pode ser perigoso./ Qual das duas frases poderia ter sido dita por uma pessoa que gosta de aventura [...]?” (p.31) 104 Outro exercício que trabalha com os articuladores é o de número 3 (p.31), da “Atividade 6”. Nele, os alunos são orientados a ler alguns períodos e depois separá-los de acordo com a função desempenhada por cada organizador textual (conforme figura 13). Figura 13 – Exercício para estudo dos organizadores textuais – “Sequência Didática Artigo de Opinião” (p.31) No material da OLPEF, a conexão é vista pelos alunos durante o desenvolvimento da “Oficina 10” (p.108-113). Para o reconhecimento da função dos articuladores, existe um jogo de elaboração textual com fichas recortadas, compostas por ideias, que precisam ser completadas por outras e articuladas pelo uso de um conectivo. Em seguida, os articuladores são estudados na elaboração de um breve texto escrito pelos estudantes. Para isso, há um quadro no material que apresenta a relação entre o articulador e seu uso (conforme figura 14, p.105). 105 Figura 14 – Quadro dos elementos articuladores – Oficina 10 de “Pontos de Vista” (p.113) Os dois outros elementos da segunda camada do folhado textual são, de acordo com Bronckart (2009), a coesão nominal e a coesão verbal. A primeira ajuda a “introduzir os temas novos” e a “assegurar sua retomada ou substituição no desenvolvimento do texto” (BRONCKART, 2009, p.124). Ela acontece, por exemplo, pelo uso de pronomes e sintagmas nominais que introduzem um tema, retomam ou substituem um elemento no desenvolvimento do texto. Pode acontecer também pelo uso de elipses. A coesão nominal trabalha para a construção da coerência do texto. Já a segunda, com base no mesmo autor, é que garante a organização temporal e hierárquica dos processos argumentativos. Ela se manifesta, por exemplo, pelo uso de tempos verbais capazes de criar as relações necessárias ao tipo de discurso presente em um texto. Contudo, nos materiais didáticos, não há atividades oferecidas aos alunos para estudo e reflexão acerca da coesão nominal e da coesão verbal. Nas atividades de estudo dos conectivos textuais, por exemplo, os trechos de textos oferecidos fazem uso de tempos verbais para a construção de tipos diferentes de argumentos, fazem uso também de pronomes para retomar ou substituir elementos. Todavia, em nenhum momento existe a intenção dos materiais de levar os alunos a refletirem sobre os processos de coesão mencionados.Retomando as condições do material para construção dos mecanismos de textualização, é possível afirmar que apenas a conexão é trabalhada pelo estudo dos articuladores textuais, porém faltam atividades, nos módulos, que direcionem o olhar do estudante para o estabelecimento de relações, promovido pela coesão nominal e verbal. 106 Para o estudo da terceira camada do folhado textual, será verificado como os mecanismos enunciativos aparecem nos materiais em análise. Bronckart (2009) afirma que o nível dos mecanismos enunciativos é formado pelo “posicionamento enunciativo e vozes” (p.131) e pelas “modalizações” (p.131). Esse nível trabalha para o esclarecimento dos posicionamentos enunciativos e traduzem as diversas avaliações sobre alguns aspectos do conteúdo temático. O estudo das vozes aparece na “Atividade 5” (p.26-30) da “Sequência Didática Artigo de Opinião”. Os alunos são orientados a ler o texto, constante no material, que usa diferentes vozes de terceiros para legitimar a ideia (voz) do autor do texto. Com essa atividade, o aluno é motivado a notar que o texto “conversa” com várias pessoas, na intenção de contrariá-las ou se valer do que dizem para ter argumentos mais fortes. Exemplo de enunciado de atividade: “Com quem o autor do texto “conversa” no primeiro parágrafo?/ A conversa assume uma perspectiva de concordância ou discordância?” (p.30) No outro material, é na “Oficina 11” (p.114-125) que o estudo das vozes acontece. Elas são definidas como “referências explícitas ou implícitas a informações e/ou posições de diferentes protagonistas do debate, apontados como aliados, adversários, ou, ainda, como parte do auditório” (p.116). A atividade oferecida é a leitura de um artigo de opinião, para localização das vozes e reflexão sobre as funções que elas desempenham no texto em análise pelos estudantes. Assim, o conceito de vozes é trabalhado nos dois materiais e vão ao encontro das considerações de Bronckart sobre a utilização das vozes para sustentar posicionamentos enunciativos. As modalizações compõem o último elemento dos mecanismos enunciativos. Segundo Bronckart (2009, p.132), são responsáveis pela avaliação sobre algum aspecto do conteúdo temático. Podem ser categorizadas, segundo a função em “modalizações lógicas; modalizações deônticas; modalizações apreciativas e modalizações pragmáticas”. No artigo de opinião, costumam ficar evidentes nos argumentos e na conclusão. Para Bronckart (2009), algumas marcas das modalizações são tempos verbais do modo condicional, auxiliares de modo, advérbios ou locuções adverbiais etc. Todavia, os materiais didáticos não oportunizam aos alunos o estudo sobre as modalizações, pois não há referência a eles, tampouco atividades que façam pensar sobre o processo de avaliação do conteúdo temático, promovido pelo autor de um artigo de opinião. 107 Por fim, é possível dizer que a materialidade textual do gênero artigo de opinião vai se apresentando pelas atividades de ambas publicações didáticas; pois, conforme os exercícios solicitam alguma reflexão, o estudante começa a observar o funcionamento e a organização do texto, a fim de conhecer o gênero de texto. A organização da materialidade textual se sustenta bastante na análise de exemplares do texto, oferecidos pelos dois materiais didáticos. A maioria das atividades propõe a leitura como forma de repertoriar o aluno na aprendizagem do texto. De certo modo, a leitura fica com uma função mais reduzida, já que não existem destacados momentos para o trabalho com diferentes estratégias de leitura. Os módulos, especialmente, oferecem estudos pormenorizados de elementos do contexto de produção e de partes dos elementos do folhado textual: infra-estrutura; mecanismos de textualização e mecanismos enunciativos. No que se refere aos elementos do folhado, não são oferecidas análises sobre tipo de discurso, articulações entre tipos de discurso, coesão nominal, coesão verbal e modalizações. A falta de tais atividades priva o aluno de ter a oportunidade, pelos materiais, de compreender que o gênero textual em foco se vale de certas marcas linguísticas, que sustentam a predominância do discurso teórico, a relação entre este e outros discursos, a introdução ou retomada de temas, a organização hierárquica da argumentação e as avaliações do conteúdo temático. Diante disso, os materiais carecem da intervenção do professor para complementá-los. Contudo, tal complementação nasce do diagnóstico das necessidades de aprendizagem da turma, o qual é solicitado na etapa da primeira produção. Caso os problemas apresentados nos textos tenham relação com alguns dos elementos mencionados acima, o docente pode preparar mais algum módulo para inserir o que seja necessário. É mister zelo no momento de inserção de módulos que tratem de marcas linguísticas, a fim de que as atividades focalizem o uso da língua em contextos reais. De outra maneira, pode-se romper a vinculação social do estudo dos textos e transformar a atividade em uma má escolarização, na qual se esqueça da leitura e da escrita como atividades dialógicas e se privilegie classificações gramaticais. 2.5 Abordagem de ensino da leitura e da escrita nos materiais didáticos analisados Quando o referencial teórico desta pesquisa foi construído, foram mencionadas, com base em Travaglia (1996) e em outros estudiosos, as três concepções de linguagem: 1ª) 108 linguagem como expressão do pensamento; 2ª) linguagem como instrumento de comunicação; 3ª) linguagem como forma ou processo de interação. Também ficou definida, neste estudo, a opção pela 3ª concepção, pelo fato de esta considerar a interação humana como produtora de significados sociolinguísticos, destacando a atuação do sujeito na construção dos sentidos, os quais nunca estão prontos e acabados, mas em constante ressignificação, pelos diferentes usos da língua e pelas diferentes relações sociais estabelecidas entre os sujeitos. A terceira concepção vai admitir a linguagem como forma ou processo de interação, isto é, como atividade, “ação interindividual”. O indivíduo, ao fazer uso da língua, não apenas exterioriza o seu pensamento, não somente transmite informações; na verdade, mais do que isso, realiza ações, age, atua, orientado por determinada finalidade, sobre o assunto. A linguagem passa a ser vista como lugar de interação, inclusive comunicativa, a partir da produção, construção de efeitos de sentido entre os falantes, em certa situação de comunicação e em um contexto específico (CURADO, 2004, p. 19) Pensando na concepção mencionada, é possível afirmar que o ensino da leitura e da escrita na escola assume uma abordagem interacionista, na qual o ato de ler e de escrever é compreendido em contextos reais e ultrapassa a mera (de)codificação da língua. Um ensino, portanto, articulado à dinamicidade da vida e capaz de desenvolver os níveis de letramento do aluno. Diante disso, convém verificar se os materiais didáticos estão construídos segundo a concepção interacional da linguagem e se oportunizam reflexões sobre os usos sociais da língua. Para isso, as atividades propostas nos materiais serão observadas quanto à contextualização social do ensino da leitura e da escrita e quanto à proposta de construção interativa dos significados nas leituras e nas produções. Uma das maneiras de evidenciar a contextualização social do ensino da leitura e da escrita é pelo estudo do contexto de produção do gênero textual; pois, ao serem discutidas questões da autoria, local de publicação, público-leitor; finalidade do texto etc, o aluno pode compreender que o gênero textual proposto na sequência didática não é restrito à escola, mas se vincula à vida real. No material do EMR, esta discussão (conforme já elucidado nos itens de análise dos módulos e do conceito do gênero) acontece na “Atividade 4” (p.23-26).No material da OLPEF, isto acontece na “Oficina 6” (p.70-79). Outra possibilidade de contextualizar socialmente o ensino da leitura e da escrita acontece pela publicação real do texto. Tanto no material do EMR, quanto no da OLPEF, a 109 etapa da produção final solicita esta publicação do artigo de opinião elaborado pelos estudantes. Assim, a produção do texto focaliza um leitor pretendido, um local real de circulação e discute uma questão social controversa. A questão social polêmica é também mais uma possibilidade de aproximação do ensino à vida; pois, definir o que é controverso na contemporaneidade, leva o mundo e diversas ideologias para a sala de aula. Em “Pontos de Vista”, a “Oficina 4” (p.54-63) traz uma atividade que proporciona aos alunos identificar questões polêmicas que afetam a comunidade onde eles vivem (conforme figura 15). Figura 15 – Atividade que aproxima e escola à vida – Estudo sobre questão polêmica – em “Pontos de Vista” (p.57) Assim, as duas publicações didáticas significam socialmente o processo de ler e escrever na escola. Para constatar a proposta de construção interativa dos significados nas leituras e nas produções, é interessante perceber, em primeiro lugar, a existência de perguntas que motivem o aluno a emitir seu parecer, a expressar o que pensa sobre o assunto, a dizer que sentidos atribui a um texto. De acordo com Koch (2002), na linguagem como forma ou processo de interação, o sujeito é social, histórico e ideologicamente situado; portanto, o texto passa a ser o lugar de interação entre os sujeitos, o sentido não está dado e pronto, mas em constante construção. Em “Sequência Didática Artigo de Opinião”, existem atividades nas quais o aluno é convidado a dizer o que pensa, para que, a partir disso, sejam construídos argumentos. A seguir está um exemplo de uma atividade de escrita com base nas considerações do estudante (figura 16, p.110): 110 Figura 16 – Atividade que valoriza a participação do aluno na construção do sentido do texto – “Sequência Didática Artigo de Opinião” (p.13) Em “Pontos de Vista”, uma atividade que destaca a interação entre o texto e o aluno é a sugestão de troca dos textos (p.68) que solicita ao estudante um diálogo com o texto de um colega (figura17), a fim de perceber se os sentidos construídos no texto estão adequados. Desta forma, os alunos (tanto o autor quanto o leitor) aprendem a interagir com o texto, em busca da construção de sentido no ato de ler e de escrever. Figura 17 – Atividade que valoriza a interação aluno-texto – Análise de um texto de um colega – em “Pontos de Vista” (p.68) Para constatar a proposta de construção interativa dos significados nas leituras e nas produções, vale também verificar se existem oportunidades de socialização de ideias aluno- aluno e aluno-professor. Se as atividades forem sempre individuais, a compreensão da linguagem como forma ou processo de interação perde valor no material. A seguir, estão alguns exemplos de atividades (figura 18 e figuras 19 e 20, p.111): Figura 18 – Atividade em grupo – “Sequência Didática Artigo de Opinião” (p.41) 111 Figura 19 – Atividade em grupo – “Pontos de Vista” (p.135) Figura 20 – Atividade em grupo - Debate – “Pontos de Vista” (p.25) Conforme representado pelas figuras 18, 19 e 20, existem, nos materiais, atividades que contemplam o processo de interação em sala de aula, mediante o uso da língua, para a construção de conhecimento em leitura e escrita. Na figura 18, está uma atividade de produção escrita (“Sequência Didática Artigo de Opinião”), na qual os alunos, organizados em grupo, utilizarão argumentos pensados coletivamente para defender uma tese. 112 Evidentemente, a definição do que escrever e de como escrever conduzirá os grupos a debates e reflexões, portanto, haverá interação. Nas figuras 19 e 20 estão atividades em grupo, orientadas pela publicação “Pontos de Vista”. Na primeira, está uma atividade de reescrita coletiva de um texto; na segunda, está a atividade de leitura em grupo. Tais situações motivam os alunos a ouvirem as considerações dos colegas; a elaborarem considerações sobre os textos, segundo o que o grupo de trabalho definiu, a buscar orientações com o professor; que, por sua vez, realiza o processo de mediação da aprendizagem. A abordagem para ensino da leitura e da escrita adotada nas publicações é compatível à concepção de linguagem como forma ou processo de interação; pois, há, em ambas, atividades que contextualizam os textos à vida, incentivam o aluno a interagir com o texto e solicitam a participação dos alunos em atividades de compreensão e criação coletiva de significados. Considerando os resultados insatisfatórios de avaliações externas de leitura e escrita dos alunos de Ensino Médio 30 , como Saresp e Pisa, o trabalho com a abordagem mencionada acima se torna essencial para que os alunos aprendam a agir socialmente, utilizando, adequadamente, segundo as condições de produção, os diferentes textos como ferramentas de interação. Além disso, a abordagem destacada, bem como os materiais didáticos em questão, leva sentido às atividades escolares, pois estreita a relação entre a sistematização das práticas educacionais e a vida real. 30 Mencionados no capitulo 1 desta pesquisa 113 CONSIDERAÇÕES FINAIS A partir da análise das publicações “Sequência Didática Artigo de Opinião” e “Pontos de Vista” é possível construir algumas considerações. Quanto ao desenvolvimento de etapas de uma sequência didática, ambos os materiais atendem ao procedimento criado pelos pesquisadores da Universidade de Genebra. Contudo, a primeira publicação mencionada não mostra, na situação inicial, um projeto comunicativo bem definido; portanto, existe a necessidade de o docente conhecer bem acerca de sequências didáticas para que complemente o material e possa, sobretudo, realizar intervenções adequadas. Nas etapas das sequências didáticas analisadas, foi possível notar que “Pontos de Vista” apresenta maior variação de atividades nos módulos; com isso, a chance de os alunos de Ensino Médio compreenderem melhor o processo de leitura e escrita se amplia. A seguir há um quadro que retoma e sintetiza os resultados da pesquisa, quanto às etapas da sequência didática, nos dois materiais didáticos analisados: Etapas da Sequência Didática “Sequência Didática Artigo de Opinião” “Pontos de Vista” Apresentação da Situação - projeto verdadeiro de produção de texto Faltam razões reais para a produção do texto – “projeto comunicativo bem definido”. Carta ao Leitor/ Atividades 1 e 2 A vinculação com a OLPEF e as orientações dadas ao professor no material asseguram a existência desta etapa. Apresentação, Introdução ao gênero, Oficinas 1-4 Produção Inicial – avaliação formativa São oferecidos aos alunos alguns elementos do contexto de produção; ao professor é direcionada a escolha da questão polêmica e do projeto interdisciplinar. Atividade 3 Os alunos são orientados à elaboração do texto inicial, com base em todos os elementos do contexto de produção e com apoio de roteiro para planejar um texto. Oficina 5 114 Módulos – estudo dos elementos que compõem o texto e que apareceram como problema na primeira produção Nível da representação da situação comunicativa (atividade 4) Nível da elaboração dos conteúdos (atividades 5, 6) Nível de realização do texto (atividade 8) Variação de atividades e exercícios (todas as atividades – ênfase em leitura e escrita) Capitalizar as aquisições (atividade 9) Nível da representação da situação comunicativa (oficina 6) Nível da elaboração dos conteúdos(oficina 7-11) Nível de realização do texto (oficina13) Variação de atividades e exercícios (todas as oficinas – destaque para diferentes estratégias) Capitalizar as aquisições (oficina 12) Produção Final – avaliação da aprendizagem, fase da reescrita do texto Devolução dos primeiros artigos (atividade 10) Pesquisa sobre o tema escolhido (atividade 11) Reescrita do artigo de opinião, com base em grade de correção/avaliação do texto (atividade 12) Revisão com a turma sobre os aspectos estudados nos módulos e devolutiva do professor sobre a reescrita dos alunos (oficina 14) Revisão do texto final pelo aluno, com base em roteiro de revisão de texto; publicação do texto (oficina 15) Quadro 4 (elaborado pela pesquisadora) – Síntese da análise das etapas da Sequência Didática nos materiais didáticos analisados Quanto à materialidade do gênero artigo de opinião, os dois materiais apresentaram os elementos do contexto de produção do gênero e parte dos elementos que organizam o texto, como: plano geral; sequência; conexão; vozes. Todos estes componentes são estudados com os alunos por meio de atividades contextualizadas de leitura e de produção de texto. Por outro lado, faltam estudos sobre outros elementos que organizam um artigo de opinião, como: tipo de discurso, articulações entre tipos de discurso, coesão nominal, coesão verbal e modalizações. Diante disso, emana, mais uma vez, a necessária intervenção docente para complementar o material, segundo a necessidade da turma de alunos. Tal falta pode comprometer a qualidade da aprendizagem dos alunos, principalmente por conta da ausência de estudo pormenorizado sobre coesão nominal, coesão verbal e 115 modalizações, haja vista a importância destes aspectos na construção do sentido do texto e no estabelecimento de relações entre as ideias. Além disso, a mediação docente intencional é requisito básico para o desenvolvimento da leitura e da escrita na escola, portanto, se os materiais didáticos visam à orientação pedagógica, não poderiam os autores privar os docentes e os alunos de atividades, nos módulos, que tratassem deste aspecto da construção textual. O quadro a seguir sintetiza os aspectos encontrados nos dois materiais didáticos quanto ao contexto de produção e aos elementos do folhado textual: Materialidade - Artigo de Opinião “Sequência Didática Artigo de Opinião” “Pontos de Vista” Contexto de Produção (Atividade 4) “o produtor de um artigo de opinião é um especialista no assunto (ou no mínimo alguém que estuda algum aspecto da questão em discussão) ou um representante de determinada instituição social que, de alguma forma tem algo a dizer sobre a questão” (p.23); os leitores são definidos como “pessoas que, frequentemente, leem determinado jornal ou revista e estão, de alguma forma, interessadas na questão polêmica” (p.24); o local de circulação apresentado é “jornais e revistas impressos ou online” (p.24); o objetivo definido para o artigo de opinião é o de “influenciar o pensamento dos destinatários, isto é, construir ou transformar a posição destes destinatários sobre uma questão controversa de interesse social” (p.24). (Oficina 2) “Os artigos de opinião costumam circular em veículos tipicamente jornalísticos e de grande penetração popular: jornais impressos, revistas, sites de notícias. Geralmente são escritos por especialistas num determinado assunto, pessoas publicamente reconhecidas por suas posições, autoridade. Abordam assuntos ou acontecimentos polêmicos atuais, recentemente noticiados e de interesse público. Dirigem-se a um leitor que o jornal considera como potencialmente envolvido no debate. Tem como finalidade defender uma opinião ou tese, a qual é apresentada com base em argumentos” (p.37). 116 Folhado Textual – Infra-estrutura do Texto Plano geral do texto – (exemplo: atividade 9) estudo da organização do texto, mostrando, por meio de uma definição, como costumam ser distribuídos, no corpo do texto, as informações e os argumentos que sustentam o conteúdo temático. Tipos de discurso – não há estudo explícito sobre este aspecto Articulação entre tipos de discurso – não há estudo explícito sobre este aspecto Sequências - (atividade 8) análise de texto: destacar a tese inicial; os argumentos, que sustentam a tese inicial; os contra-argumentos, que contrariam a tese inicial; e a conclusão, que é uma nova tese. Plano geral do texto – (oficina 6) existe orientação para que os alunos percebam a condução das ideias no texto e a organização dos argumentos. (oficina 7) há uma atividade de leitura que solicita o reconhecimento dos elementos que compõem a introdução, o desenvolvimento e a conclusão do texto. Tipos de discurso – não há estudo explícito sobre este aspecto Articulação entre tipos de discurso – não há estudo explícito sobre este aspecto Sequências - (oficina 8) atividade de comparar uma notícia a um artigo de opinião, seguida de levantamento da tese, dos argumentos e da conclusão. Folhado Textual – Mecanismos de Textualização Conexão – (atividade 6) os articuladores textuais são requeridos em exercícios de construção de argumentos e de observação do sentido das orações. Coesão nominal – não há estudo explícito sobre este aspecto Coesão verbal – não há estudo explícito sobre este aspecto Conexão – (oficina 10) reconhecimento da função dos articuladores, por meio de um jogo de elaboração textual com fichas recortadas, compostas por ideias, que precisam ser completadas por outras e articuladas pelo uso de um conectivo. Em seguida, os articuladores são estudados na elaboração de um breve texto escrito pelos estudantes. Coesão nominal – não há estudo explícito sobre este aspecto Coesão verbal – não há estudo explícito sobre este aspecto 117 Folhado Textual – Mecanismos Enunciativos Vozes – (atividade 5) Os alunos são orientados a ler o texto, constante no material, que usa diferentes vozes de terceiros para legitimar a ideia (voz) do autor do texto. Modalizações – não há estudo explícito sobre este aspecto Vozes – (oficina 11) A atividade oferecida é a leitura de um artigo de opinião, para localização das vozes e reflexão sobre as funções que elas desempenham no texto em análise pelos estudantes. Modalizações – não há estudo explícito sobre este aspecto Quadro 5 (elaborado pela pesquisadora) - Síntese da análise da materialidade do gênero artigo de opinião nos materiais didáticos analisados Quando os materiais propõem vínculos com a realidade social e incentivam a interação entre os sujeitos e os textos, ajudam o professor na condução de aulas centradas na abordagem da linguagem como forma ou processo de interação. Essa abordagem fica evidente nos enunciados de atividades, que incentivam a emissão de pareceres do aluno diante dos textos lidos e produzidos. Considerando a realidade dos resultados de leitura e de escrita dos alunos de Ensino Médio e a especificidade desse segmento educativo, a abordagem interacional da linguagem, utilizada nos dois materiais, mostra-se adequada para a relação entre a escola e vida, para o desenvolvimento das capacidades de linguagem dos estudantes, para o desenvolvimento da autonomia e de sujeitos críticos, capazes de ler e de escrever com competência. Quanto à abordagem do ensino da leitura e da escrita, tendo como referência a concepção de linguagem como forma ou processo de interação, segundo Travaglia (1996), é possível resumir no quadro seguinte os resultados encontrados nesta pesquisa: Abordagem interacional da leitura e da escrita “Sequência Didática Artigo de Opinião” “Pontos de Vista” Contextualizaçãosocial do ensino da leitura e da escrita Definição do contexto de produção (atividade 4) Publicação real do texto (atividade 12) Definição do contexto de produção (oficina 6) Publicação real do texto (oficina15) 118 Questão social polêmica (oficina 4) Proposta de construção interativa dos significados nas leituras e produções Interação leitor-texto (exemplo: atividade 1) Interação aluno-aluno, aluno- professor (exemplo: atividade 8) Interação leitor-texto (exemplo: oficina 5) Interação aluno-aluno, aluno- professor (exemplo: oficina 1) Quadro 6 (elaborado pela pesquisadora) – Síntese da análise da abordagem de leitura e escrita presente nos materiais didáticos analisados Quanto à organização dos materiais, ambos trazem orientações ao professor. Em “Sequência Didática Artigo de Opinião”, as orientações são simples e estão mais relacionadas a esclarecimentos das respostas dos exercícios oferecidos aos alunos. As orientações didáticas mais evidentes estão em “Pontos de Vista”. O material traz várias explicações de como o docente deve atuar na mediação das atividades de leitura e de escrita. O fato de as publicações serem organizadas de acordo com as etapas de uma sequência didática pode ajudar na formação do professor, pois apresenta a ele um modelo de sistematização das práticas de sala de aula. A apresentação de modelos é importante, porque ajuda a organizar o trabalho educativo, cuja essência sustenta-se em procedimentos formalizados e organizados em categorias. Por outro lado, a falta de alguns aspectos da materialização do gênero artigo de opinião, nos módulos das sequências didáticas, evidencia que os materiais didáticos analisados, embora não apresentem equívocos conceituais, são, ainda, insuficientes para garantir as práticas de sistematização da leitura e da escrita do gênero textual artigo de opinião, na escola de Ensino Médio. Conclui-se que os dois materiais didáticos em análise são exemplares significativos de sequências didáticas para o ensino e a aprendizagem do gênero textual artigo de opinião na escola de Ensino Médio. Contudo, não podem sozinhos ressignificar a aprendizagem dos alunos, haja vista a necessária complementação dos materiais e o papel essencial do professor no processo de mediação da aprendizagem; destacando a realização de avaliações formativas dos alunos e de intervenções construídas a partir da realidade nas salas de aula. 119 REFERÊNCIAS AGUIAR, V. T. Conceito de leitura. In: CECCANTINI, J. L. C. 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Seqüê nciaDi dática Ar t ig o de o pinião argumento enfoque favorável tese contrário em primeiro lugar posição contraposição informação negociação conclusão conciliação controverso mas porém contudo, todavia portanto entretanto po lêm ica consenso Seqüência D idát i ca Artigo de Opin ião Seqüê nciaDi dática Ar t ig o de o piniãoConvênio 177/2000 de 20/12/2000 entre a União, por intermédio do Ministério da Educação (mec), e o Estado de São Paulo, por intermédio da Secretaria da Educação, nos termos do Contrato de Empréstimo nº 1225/oc/br firmado entre a União e o Banco Interamericano de Desenvolvimento (bid) GOVERNO DO ESTADO DE SÃO PAULO Governador: Geraldo Alckmin SECRETARIA DE ESTADO DA EDUCAÇÃO DE SÃO PAULO Secretário da Educação: Gabriel Chalita Secretário Adjunto: Paulo Alexandre Barbosa Chefe de Gabinete: Mariléa Nunes Vianna Coordenadora de Estudos e Normas Pedagógicas: Sonia Maria Silva COORDENADORIA DE ESTUDOS E NORMAS PEDAGÓGICAS (CENP) EQUIPE TÉCNICA: Dayse Pereira da Silva Eduardo Campos Eva Margareth Dantas Luis Fábio Simões Pucci Maria Silvia Sanchez Bortolozzo Regina Aparecida Resek Santiago Regina Cândida Ellero Gualtieri Roseli Cassar Ventrella Valéria de Souza Seqüê nciaDi dática Ar t ig o de o pinião M a t e r i a l do a luno Seqüência Didática Artigo de Opinião Jacqueline P. Barbosa Com a colaboração de: Marisa V. Ferreira pesquisa de textos e elaboração de atividades Cristina Barbanti pesquisa de textos Índice Carta ao leitor ....................� 6 Atividade 1 - Reconhecendo artigos de opinião .......................................................................8 Atividade 2 - O conteúdo dos artigos de opinião: as questões polêmicas ..........16 Atividade 3 - Produção inicial de um artigo de opinião ...................................................23 Atividade 4 - O contexto de produção do artigo de opinião ........................................23 Atividade 5 - As várias vozes que circulam num artigo de opinião ..........................25 Atividade 6 - Organizadores textuais ..........................................................................................31 Atividade 7 - Tipos de argumento .................................................................................................36 Atividade 8 - Movimento argumentativo ..................................................................................39 Atividade 9 - Explorando a estrutura de um artigo de opinião ..................................41 Atividade 10 - Devolução dos primeiros artigos produzidos ...........................................45 Atividade 11 - Aprofundando a discussão sobre o tema escolhido ............................45 Atividade 12 - Reescrita de artigo de opinião ...........................................................................46 ENSINO MÉDIO EM REDE • SEQÜÊNCIA DIDÁTICA • ARTIGO DE OPINIÃO6 Caro(a) leitor(a), Antes de apresentar a você este projeto de trabalho, pensamos que seria interessante tecer algumas considerações. Vamos a elas: A propósito do ato de escrever Escrever não é uma tarefa simples. Tam- pouco um dom que apenas alguns ilumi- nados possuem. Ninguém nasce sabendo escrever, mas todos podem aprender a produzir bons textos, desde que sejam bem orientados para fazê-lo e se empenhem. No entanto, ninguém aprende a escrever de repente, como num passe de mágica; ao contrário, o aprendizado da escrita é um processo longo, que dura para além da escola. Para escrever é preciso algum domínio do conteúdo e do gênero a que pertence o texto em questão. Também é necessário considerar a situação de comu- nicação, pensar na forma geral de organi- zação do texto, na construção de períodos e na escolha de palavras adequadas. Como se isso não bastasse, há ainda as quase in- findáveis regras gramaticais e ortográficas. Tudo isso exige planejar, escrever, revisar e, por vezes, reescrever o texto mais de uma vez. Tarefa quase insana! É por isso que, em alguns momentos, sentimos certo desconforto diante de uma folha de papel em branco. Algumas vezes, você pode até saber o que quer escrever, mas se atrapa- lha na hora de organizar as idéias no pa- pel. Outras vezes, o assunto sobre o qual tem de escrever está tão distante das suas preocupações que você também não tem muito pique para a empreitada. É preciso que a gente veja algum sentido em escrever, que pode ser desde afirmar nossas idéias e posições sobre determinado tema, reivindicar algo que nos é de direi- to, criar mundos ficcionais que falem um pouco dos nossos dramas humanos, até saber que estamos meramente exercitando algum aspecto da escrita para fazer algu- mas das coisas citadas. Caso contrário, não há vontade e empenho que sobrevivam... A escrita como fonte de prazer Muitas vezes, para obtermos certo prazer na vida, é necessário algum esforço ou, no mínimo, algum trabalho. Assim acontece também com o ato de escrever. Encontrar as palavras certas, o melhor jeito de en- cadeá-las, a trama adequada de um tex- to pode ser fonte de grande satisfação. Quem é que não gosta de narrar uma boa história, argumentar solidamente, expor as idéias com clareza e desenvoltura, de forma a convencer os interlocutores a res- peito da própria opinião? Será que existe alguém que não goste de conversar sobre ENSINO MÉDIO EM REDE • SEQÜÊNCIA DIDÁTICA • ARTIGO DE OPINIÃO 7 Caro(a) leitor(a), um assunto do qual entenda bastante ou que não goste de admirar algo muito bom que tenha feito? Escrever um bom texto pode ser uma dessas coisas que, depois, podemos ficar admirando. Mas logo vem a angústia de escrever outro... Eu mesma, nesse momento, estou vivendo essa angústia: já apaguei e reescrevi esse texto um tanto de vezes... Que será que vão achar dessa carta e das atividades que estão por vir? Embora eu tenha estudado algumas teorias sobre escrita e tenha es- crito muitos textos na vida, simplesmente não sei a forma mais adequada de tentar convencer a todos de que escrever pode ser mais do que uma atividade escolar ou algo de que se precise na vida; escrever pode ser libertador!! A escrita não é só um ato de expressão de idéias, pois para escrever so- mos obrigados a organizar nossas idéias e, nesse processo, pensamos mais sobre elas, percebemos relações que não percebíamosantes, aprendemos coisas novas e, depen- dendo do tema sobre o qual escrevemos, ainda desenvolvemos nosso senso crítico. Por que trabalhar com artigos de opinião? Artigos de opinião publicados em jor- nais, revistas e sites discutem questões polêmicas que afetam um grande núme- ro de pessoas. Além de exigir o uso da argumentação, supõem a discussão de problemas que envolvem a coletividade. Compreender e produzir artigos de opi- nião, portanto, é uma forma de estar no mundo de um modo mais inteiro, menos passivo, menos alienado. As atividades que se seguem têm o obje- tivo de desenvolver sua capacidade para compreender e escrever artigos de opinião. Você vai ler vários textos desse gênero, analisá-los, “conversar” com eles, observar suas características, escrever trechos argu- mentativos e artigos de opinião, discutindo sobre muitas questões: maioridade penal, transgênicos, hip hop, cotas nas universi- dades para grupos socialmente excluídos, finalidade da escola média, comportamen- to sexual dos jovens, entre outras. Entender o ponto de vista do outro e dia- logar com ele, concordando ou discor- dando, defender as próprias opiniões de forma sólida e convincente nos torna su- jeitos da nossa própria história. Por fim, um convite Depois dessa (já longa) apresentação, cabe convidá-lo a participar desse proje- to. Gostaríamos que você o encarasse não simplesmente como mais uma tarefa es- colar, mas sim como uma oportunidade de melhorar sua competência em leitura e produção de textos escritos e discutir questões de relevância social. Esperamos que, ao final, você possa dizer que valeu a pena o esforço! Então, mãos à obra. A autora ENSINO MÉDIO EM REDE • SEQÜÊNCIA DIDÁTICA • ARTIGO DE OPINIÃO8 ATIVIDADE 1 RECONHECENDO ARTIGOS DE OPINIÃO 1. Leia os textos que se seguem procurando identificar qual é o tipo de texto em questão e qual sua finalidade ou o objetivo do autor ao escrevê-lo. Texto 1* Menor participa de 1% dos homicídios em SP Levantamento da Secretaria de Segurança surpreende tanto defensores como contrários à redução da maioridade penal Gilmar Penteado da reportagem local Estatística inédita revela que é pequena a participação de menores de 18 anos na autoria de crimes graves em São Paulo. Eles são responsáveis por cerca de 1% dos homicídios dolosos (com intenção) em todo o Estado. Eles também estão envol- vidos em 1,5% do total de roubos – maior motivo de internação na Febem – e 2,6% dos latrocínios (roubo com a morte da ví- tima). De acordo com o IBGE, essa faixa etária representa 36% da população. Os dados, calculados com base em ocor- rências em que foi possível identificar se o criminoso era menor ou não, surpreen- deram tanto defensores como contrários à redução da maioridade penal. Pesquisa feita em dezembro pelo Datafo- lha indicou que 84% da população de- fende a redução da maioridade penal. (...) “Esses números derrubam o mito da pe- riculosidade dos jovens e mostram que a redução da maioridade penal vai ter um impacto muito pequeno e ineficaz”, afirmou o sociólogo e doutor em ciência polícia Túlio Kahn, coordenador-executi- vo da CAP (Coordenadoria de Análise e Planejamento.) (...) “Essas imagens enviesadas, de que o jo- vem está envolvido com crimes graves, podem sustentar políticas públicas e leis que não atacam a raiz do problema e que podem até piorar a situação”, disse o co- ordenador. A participação dos adolescentes só ultra- passa a faixa dos 10% nos crimes de trá- fico de drogas (12,8%) e porte ilegal de arma (14,8%), segundo a CAP. (...) ENSINO MÉDIO EM REDE • SEQÜÊNCIA DIDÁTICA • ARTIGO DE OPINIÃO 9 Texto 2 Maioridade penal1 “Infelizmente, a reportagem que infor- mou sobre os dados da Secretaria de Segurança Pública de São Paulo – dan- do conta de que apenas em 1% dos as- sassinatos ocorridos no Estado há parti- cipação de jovens menores de 18 anos – foi publicada em um dia de menor lei- tura do jornal (“Menor participa de 1% dos homicídios em SP”, Cotidiano, pág. C1, 1º/1). Sua divulgação deveria ser o mais ampla possível, pois é didática. Sobretudo para aqueles que, movidos por emoções instantâneas e pela mídia televisiva dos finais de tarde, engordam as pesquisas de opinião a favor da pena de morte e da redução da maioridade penal.” Rui Marin Daher - São Paulo, SP Texto 3 O endurecimento das penas seguramente é um instrumento de inibição à criminalidade Ari Friedenbach A responsabilização do menor por seus atos infracionais tem de ser debatida com a seriedade que o tema exige. A sociedade vem expressando com clareza sua preo- cupação com a crescente violência, nota- damente nos grandes centros. Não pode- mos conceber que se pretenda educar as novas gerações sem que se transmita às crianças e aos jovens o claro conceito de limites. É inegável que reprimir é parte integran- te do processo educativo. E isso deve ocorrer no âmbito familiar, bem como no âmbito da sociedade. Evidentemente, não se pode falar em punição sem que se atue com o efetivo intuito de evitar que o cidadão, seja ele menor ou maior de 18 anos, cometa qualquer ato infracional, ou seja, há que se atuar com determinação no sentido de permitir a inclusão social de todos os brasileiros, dando-lhes, antes de tudo, o direito e as condições de fazer um efetivo planejamento familiar e pro- piciando-lhes acesso a saúde, educação e trabalho. Concomitantemente, há que se aparelhar o Estado para atuar quando es- tamos sendo impedidos de exercer nossos direitos mais essenciais: o direito à vida e o de ir e vir. Quando falo em repressão, evidentemen- te não estou querendo apoiar qualquer política favorável a negar direitos civis. Não apóio qualquer prática de tortura ou violência. No entanto, a colocação de limites à criança, ao jovem e ao adoles- cente é forma inequívoca de educá-los. O polêmico debate a respeito da maio- ridade penal não pode ser encaminhado como uma questão meramente matemá- tica. Não se trata de 18, 16 ou 14 anos. (...) Uma lei justa e verdadeira deveria exami- 1. Retirado do jornal Folha de S. Paulo de 01/01/2004. ENSINO MÉDIO EM REDE • SEQÜÊNCIA DIDÁTICA • ARTIGO DE OPINIÃO10 nar o réu como ser humano, o qual, se menor de 18 anos (especificamente para os casos de crimes hediondos, crimes que atentem contra a vida ou com sério ris- co à vida), deve ser examinado através de perícia multidisciplinar, a qual deverá atestar a real compreensão do agente agressor dos fatos por ele causados, para que então seja encaminhado para insti- tuição adequada, para cumprimento da pena (presídio-escola). Não se pode admitir que um menor que tenha cometido um crime violento possa ser recuperado e reintegrado ao conví- vio social após apenas três anos, ainda que o tratamento dispensado a ele seja exemplar. (...) Alguns problemas da Febem têm solu- ções mais simples do que pode parecer – eis que diversas questões foram pre- vistas pelo legislador ao redigir o ECA (Estatuto da Criança e do Adolescente). Muitas vezes o que falta é a correta apli- cação da lei. Está previsto no estatuto que o menor in- terno deverá ficar separado de acordo com idade, compleição física e infração/pericu- losidade. A reinserção desse menor infra- tor dependerá também de programas de colocação profissional desses jovens quan- do retornam ao convívio social. O sistema para os jovens infratores de- veria ser constituído de unidades de pequeno porte, nas quais o menor será obrigado a estudar, a fazer cursos pro- fissionalizantes, com acompanhamento efetivo de psicólogos. O menor ou maior que, ao sair de um período de reclusão, não tiver qualquer perspectiva de traba- lho e vida decente seguramente voltará a delinqüir. Com todo tipo de acesso à informação que hoje um jovem tem, seja através da televisão, de revistas, jornais, internet (hoje disponível na maioriadas escolas públicas), além do fato de a maioria dos jovens nessa faixa etária já estar traba- lhando ou de alguma forma ajudando na manutenção de sua casa, não é possível concebermos um adolescente não estar em condições de arcar com as responsa- bilidades de seus atos, seja ao votar, ao dirigir, ao agredir, ao matar etc. A aplicação de penas mais severas, seja aos menores infratores, seja aos maiores de 18 anos, diferentemente do que pre- gam os defensores do continuísmo, inibe o agente agressor e deve passar a clara mensagem de que “o crime não compen- sa”. O endurecimento das penas segura- mente é um instrumento de inibição à criminalidade. As autoridades constituídas, bem como os teóricos de plantão, necessitam de vivência do mundo real. Há que assumir uma posição responsável, pois lidar com a questão da violência apenas com olhos voltados aos fatores sociais (da maior im- portância), sem dúvida, constitui uma vi- são bastante míope. (...) Ari Friedenbach é advogado e um dos fundadores do Instituto Liana Friedenbach, criado no final de 2003, com o objetivo de prestar apoio às vítimas de violência. Ele é pai de Liana Friedenbach, que foi seqüestrada e assassinada, junto com o namorado, em novembro de 2003. Esses crimes foram cometidos por cinco pessoas, entre as quais um menor de idade. ENSINO MÉDIO EM REDE • SEQÜÊNCIA DIDÁTICA • ARTIGO DE OPINIÃO 11 Texto 4* A Suíça não precisa do ECA. Já o Brasil2... Estatuto da Criança e do Adolescente foi publicado em 13 de julho de 1990. Catorze anos depois, detratores ainda dizem que essa lei é boa para a Suíça. Muito pelo contrário: mudanças no ECA, só se for para impor penas aos governantes que o descumprem. Ariel de Castro Alves No dia 13 de julho de 1990 foi publi- cado o ECA (Estatuto da Criança e do Adolescente), Lei n° 8.069/1990. A lei es- tabelece a proteção integral às crianças e aos adolescentes brasileiros, regula- mentando o artigo 227 da Constituição Federal de 1988. A grande mudança de enfoque é que, anteriormente, no Código de Menores, vigorava a doutrina da situa- ção irregular, pela qual o menino de rua, a menina explorada sexualmente, a criança trabalhando no lixão estavam em situa- ção irregular e deveriam ser “objeto” de intervenção do Estado. Com o ECA, nessas situações acima descritas quem está irre- gular é a família, o Estado e a sociedade, que não garantiram a proteção integral. Um grande equívoco apresentado pelos detratores do ECA é afirmar que é uma lei boa para a Suíça. Resposta: muito pelo contrário, a Suíça não tem Estatuto e não precisa, já que os direitos da infância e juventude são priorizados e respeitados independentemente de lei. Países como o Brasil, que não respeitam os direitos da criança e do adolescente é que precisam de legislação específica. O ECA parte do pressuposto de que a principal função da lei é transformar a realidade, e não o con- trário, a lei se adaptar a uma realidade injusta, cruel e desigual, como defendem os que pugnam por mudanças no texto legal. O grande desafio após 14 anos do ECA está na sua implementação, e para tanto é necessária uma atuação maior do Estado, principalmente através de orçamentos públicos que priorizem a área social, a cida- dania e os direitos humanos. Atualmente, 14 milhões de crianças e adolescentes têm seus direitos negados no Brasil – isso significa que o ECA não existe para eles. Vivem em fa- mílias com renda per capita de menos de R$ 60 mensais. Esse número repre- senta 23% da população infanto-juvenil do país. Ao menos 1 milhão de crianças e adolescentes, com idade entre 7 e 14 anos, estão fora da escola, e 2 milhões e 900 mil crianças estão sujeitas ao traba- lho infantil. Esse número pode chegar a 6 milhões, segundo levantamento da OIT (Organização Internacional do Trabalho). Estima-se que mais de 1 milhão e meio de meninas estão sujeitas à exploração sexu- al. O relatório da Comissão Parlamentar Mista de Inquérito do Congresso Nacional acusa alguns políticos, empresários, poli- ciais, juízes, entre outros, como responsá- veis por redes de exploração. A mortalidade infantil no Brasil, apesar de avanços significativos, ainda é alta: são 29 mortes para cada mil nascidos vi- vos. No Japão são 3 por mil e em Cuba, 7 por mil. A violência doméstica atinge 4 2. Texto retirado de www.agenciacartamaior.com.br, 13/7/2004. ENSINO MÉDIO EM REDE • SEQÜÊNCIA DIDÁTICA • ARTIGO DE OPINIÃO12 em cada 10 crianças, segundo as entida- des que atuam na área. O Brasil é um dos cinco países do mun- do com maiores índices de homicídios de jovens entre 15 e 24 anos. O número de mortes nessa faixa é de 54 em cada gru- po de 100 mil habitantes, segundo a pes- quisa da Unesco. Com relação aos jovens privados de liberdade, 71% das unidades onde estão internados os 12.400 adoles- centes infratores do país são irregulares, conforme levantamento realizado pelo Ipea (Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada). São unidades superlotadas, onde vigoram ociosidade, violência, maus-tratos e tortura. São verdadeiros presídios, e não unidades educacionais. Essas e outras mazelas recentemente fize- ram parte de um relatório de entidades encaminhado ao Comitê Internacional da ONU (Organização das Nações Unidas), órgão responsável por acompanhar o cumprimento da Convenção Internacional dos Direitos da Criança de 1989. A conclu- são é que o Estado brasileiro não tem tra- tado sua população infanto-juvenil com a prioridade absoluta prevista na lei. (...) Tudo isso demonstra que a consolidação da democracia no Brasil passa necessaria- mente pela garantia, proteção e promo- ção dos direitos das crianças e dos adoles- centes. Mudanças no ECA, só se for para estabelecer penas para os governantes que o descumprem. Ariel de Castro Alves é advogado, conselheiro nacional do Movimento Nacional de Direitos Humanos, funda- dor da seção brasileira da Acat (Ação dos Cristãos para Abolição da Tortura), vice-presidente do Projeto Meninos e Meninas de Rua de São Bernardo do Campo, diretor do Sindicato dos Advogados de São Paulo, colaborador do Centro de Justiça Global e assessor da Comissão de Direitos Humanos da Assembléia Legislativa de São Paulo. O suplemento jovem Atitude reuniu oito adolescentes, com idade entre 15 e 17 anos, para uma discussão sobre maiorida- de penal. Todos se mostraram a favor da redução. O grupo acredita que, se um adolescente de 16 anos pode votar, também pode res- ponder por atos criminosos. Porém, con- cordam que essa medida não irá resolver todos os problemas. Eles discutiram sobre a superlotação dos presídios, o aumento do tempo da pena para jovens em con- flito com a lei e acham que os presídios adultos devem ser separados dos juvenis. Se preocupam também com que adolescen- tes com menos de 16 anos sejam recrutados por adultos para praticar crimes, mas acre- ditam que esses adolescentes teriam mais medo de cometer crimes, para não seguir o exemplo dos jovens com mais de 16 que vão presos. Além disso, eles não concordam que os pais sejam responsabilizados pelos atos dos filhos. Na opinião de Ana Luiza Santana de Carvalho, de 15 anos, melhorar a qualidade da educação no Brasil deveria ser a principal preocupação dos políticos. (Hoje em Dia, MG, p. 29, 7/12/2003) Texto 5 Adolescentes discutem maioridade penal Valeska Silva ENSINO MÉDIO EM REDE • SEQÜÊNCIA DIDÁTICA • ARTIGO DE OPINIÃO 13 2. A que gênero textual pertencem os textos que você acabou de ler? 3. Qual parece ter sido o objetivo principal do autor? Algumas possi- bilidades seriam: contar uma história para entreter alguém, relatar fato ocorrido ou resultados de pesquisa para informar o leitor, criticar ou dar opinião, defender uma posição ou opinião argumentando para ten- tar convencer alguém. 4. E você? O que pensa sobre a redução da maioridade penal?Escreva um ou dois parágrafos expondo sua posição frente a essa questão, defen- dendo-a com argumentos. 5. Os trechos abaixo foram todos retirados de jornais: alguns de notícias ou reportagens, outros de artigos de opinião. Indique quais deles foram retirados de uma notícia (ou reportagem) e quais foram retirados de um artigo de opinião: Trecho 1 Eis alguns exemplos de gêneros textuais: diálogo, interrogatório, depoimento, conto, crônica, romance policial, poesia, receita, instrução, procuração, notícia, reportagem, carta de solicitação, carta de leitor, artigo de opinião, editorial, verbete de enciclopédia etc. “(...) É inegável que ela [a internet] traz ganhos imensos de produti- vidade para as empresas e para as pessoas físicas. Diagnósticos mé- dicos podem ser feitos a distância, com o paciente em um país e o médico em outro; novos métodos de aprendizagem revolucionam a educação; e novas profissões têm sido criadas. No entanto, existe o outro lado. Já temos em nosso país várias ca- tegorias de excluídos: os da terra, os da educação, os do emprego, os da saúde e os da moradia, entre outros. Agora estamos passando a conviver com um novo tipo de ex- clusão. Trata-se da exclusão digital. Ela é tão ou mais grave que as outras, pois já se torna obstáculo para as pessoas obterem empre- gos dignos. A exclusão digital é o lado ruim da sociedade do conhecimento – esse termo vem sendo usado para designar uma nova forma de sociedade pós-capitalista, na qual o recurso econômico básico deixou de ser o capital, as maté- rias-primas e até mesmo a mão- de-obra. Nessa sociedade, o que vale para conseguir emprego é o capital intelectual (...).” Paulo Roberto Feldmann (Folha de S.Paulo, 5/2/2001) A N D R É SA R M EN TO ENSINO MÉDIO EM REDE • SEQÜÊNCIA DIDÁTICA • ARTIGO DE OPINIÃO14 “‘Todo mundo ouve hip hop hoje em dia, mas quem entende o que ele diz?’, pergunta-se Genival Oliveira Gonçalves, mais conhecido como GOG, rapper que, ao lado dos Racionais e do Câmbio Negro, foi fi gura-chave na escalada do rap brasileiro rumo às rádios comerciais na segun- da metade da década de 90. Representante da linha mais poli- tizada do gênero, GOG sabe para quem está falando. Desde 2002, ele é um dos organizadores do ci- clo de eventos Hip Hop pela Paz. Marcada por forte teor social, a edição deste ano foi encerrada neste sábado (13) com um gran- de show no Ginásio do Gama (ci- dade-satélite de Brasília). Tradicionalmente, o rap (sigla de rhythm and poetry, ritmo e poe- sia em inglês) narra o cotidiano das periferias com realismo e es- pírito contestador. O evento, no entanto, não se restringiu à músi- ca – foi pontuado por palestras e debates sobre temas como maio- ridade penal, cotas para negros, desenvolvimento sustentável e retratação da mulher no univer- so hip hop. ‘A idéia central do hip hop é denunciar, sim, mas com transformação de consciência’, diz Marjorie Bastos, militante do movimento hip hop no Rio de Janeiro e uma das palestrantes do evento. Para GOG, discussão é justamen- te o que falta para consolidar o hip hop como movimento social. (...) Marjorie, no entanto, adverte: ‘Ain- da não vejo o hip hop como um movimento. É uma cultura. Ele não está organizado nacionalmente, como o MST, por exemplo, nem tem linhas de ações ou propostas de políticas públicas, mas está se encaminhando para isso’.” Gusta vo Faleiros (Agência Carta Maior, www.agenciacartamaior.com.br) “‘Todo mundo ouve hip hop hoje em dia, mas quem entende o que ele diz?’, pergunta-se Genival Oliveira Gonçalves, mais conhecido como GOG, rapper que, ao lado dos Racionais e do Câmbio Negro, foi fi gura-chave na escalada do rap brasileiro rumo às rádios comerciais na segun- da metade da década de 90. Trecho 2 “(...) O Brasil precisa de agricultu- ra livre de transgênicos para suprir o mercado interno com alimentos saudáveis e baratos e, depois, ven- der os excedentes aos ricos mer- cados da Europa, Japão e China, que rejeitam OGMs. Eles pagam até 10% a mais para se ver livres do milho ‘frankenstein’. A soja certifi cada como não-transgênica recebe dos europeus prêmio de até 8 dólares por tonelada (...).” Flávia Londres (Revista Caros Amigos, agosto de 2001) Trecho 3 OGMs é a sigla usada para designar organismos geneticamente modifi cados M A R IA E LI SA F R A N C O /J B /A O G ENSINO MÉDIO EM REDE • SEQÜÊNCIA DIDÁTICA • ARTIGO DE OPINIÃO 15 Trecho 4 “(...) Na última safra, mais de 80% da soja plantada no Estado (RS) foi trans- gênica. Os agricultores gaúchos espe- ram a decisão do governo para saber se poderão utilizar sementes do organis- mo modificado geneticamente para a próxima safra ou não. Publicamente, já disseram que, mes- mo que sem per- missão, pretendem repetir o uso (...).” (Da sucursal de Brasí- lia, Folha de S.Paulo, 18/9/2004) “(...) Dessa forma, fica claro que não de- vemos abrir mão dos avanços tecnológicos pelo simples medo do novo, mas, adota- das as medidas de segurança apropriadas, como têm feito todas as nações onde a biotecnologia já é uma realidade, inclusi- ve o Brasil, devemos usufruir dos benefí- cios que ela nos proporciona, sob o risco de, em não o fazendo, ficarmos atrelados a uma estagnação no ciclo evolutivo (...). A adoção da biotecnologia tem oferecido aos pequenos agricultores de países como a Índia novas alter- nativas e soluções para o aumento de sua produtividade e rentabilidade, além da simplificação do manejo da lavoura, oferecendo-lhes uma melhor qualidade de vida (...).” Rick Greubel (Folha de S.Paulo, 13/2/2003) Trecho 5 6. Justifique sua resposta à questão anterior dizendo por que definiu os textos como notícias ou como artigos de opinião. 7. Identifique nos trechos de artigo de opinião qual questão está sendo discutida e qual a posição do autor frente a essa questão. 8. Ao longo da Atividade 1, a partir da comparação com outros tipos de texto, você foi identificando alguns artigos de opinião e reconhecendo trechos de outros artigos. Tente agora definir o que é um artigo de opinião. TA D EU V IL A N I/Z ER O H O R A /A O G B IA P A R R EI R A S/ A B R IL IM A G EN S Soja transgênica Mudas de mamão transgênico ENSINO MÉDIO EM REDE • SEQÜÊNCIA DIDÁTICA • ARTIGO DE OPINIÃO16 ATIVIDADE 2 O CONTEÚDO DOS ARTIGOS DE OPINIÃO: AS QUESTÕES POLÊMICAS Situação de Argumentação Por que e para que argumentamos? Sobre quais assuntos argumenta- mos? Observe as afirmações abaixo: • A Terra gira em torno do Sol. • A bactéria é um ser vivo. • O filme Cidade de Deus concorreu ao Oscar de melhor filme estran- geiro, mas não ganhou. • O governo federal encaminhou ao Congresso projeto de lei que esta- belece novos critérios de acesso ao ensino universitário. As duas primeiras frases afirmam verdades científicas que, levando em conta os conhecimentos científicos acumulados até os dias de hoje, po- dem ser comprovadas. Assim, não cabe contestá-las ou argumentar a fa- vor ou contra. Pode-se, no máximo, explicar o movimento de translação e por que a bactéria é um ser vivo. As duas outras frases dizem respeito a fatos ocorridos, diante dos quais também não cabe nenhum tipo de contestação – o filme concorreu e não ganhou e o governo encaminhou um projeto de lei ao Congresso. Nos quatro exemplos temos então fatos que não podem ser refutados. Entretanto, em relação aos dois últimos fatos, podemos considerar: foi injusto (ou justo) o Brasil ter perdido o Oscar. O projeto que o governo encaminhou é equivocado (ou é uma medida necessária). Diante dessas afirmações cabem contestações, refutações, opiniões diferentes. São afir- mações que não dizem respeito a fatos inquestionáveis, mas sim a opini- ões. Ora, em matérias de opinião, como cada um pode ter uma posição diferente diantedessas questões, só é possível argumentar. E argumentar é mais do que simplesmente dar opinião sobre algo – é sustentá-la com ar- gumentos, que são razões, evidências, provas, dados etc. que dão suporte à idéia defendida. Assim, para convencer alguém de que certas posições, idéias ou teses são as mais acertadas ou adequadas, argumenta-se. 1. Indique quais períodos contêm argumentação. Período 1 É preciso que o povo escolha bem em quem vai votar, dado que as mu- danças de que o Brasil tanto precisa dependem, em parte, da iniciativa desses candidatos. Galileu Galilei 1564-1642 Nicolau Copérnico 1473-1543 Uma questão é polêmica sempre na dependência do momento histórico em questão. Isso vale até para as chamadas verdades científicas. Por exemplo, como você já deve saber, antes do astrônomo polonês Nicolau Copérnico (1473-1543) e do físico, matemático e astrônomo italiano Galileu Galilei (1564-1642), acreditava-se que a Terra era o centro do universo e que o Sol girava em torno dela – e isso era inquestionável. Até que novos estudos e conhecimentos viessem B ET TM A N N /C O R B IS /S TO C K PH O TO S B ET TM A N N /C O R B IS /S TO C K PH O TO S ENSINO MÉDIO EM REDE • SEQÜÊNCIA DIDÁTICA • ARTIGO DE OPINIÃO 17 Período 2 “Não se pode definir como censura uma iniciativa que tem como obje- tivo apenas classificar a programação das emissoras de TV e dos espetá- culos públicos.” (Folha de S.Paulo, 23/9/2000) Período 3 Não há idade perfeita. Quando se tem menos de 30, tem-se mais dispo- sição e tempo, mas falta dinheiro. Quando se tem entre 30 e 50, pode-se até ter um pouco mais de dinheiro e disposição, mas falta tempo. Com mais de 50, no melhor dos casos, pode-se até ter mais dinheiro e tempo, mas não se tem mais a mesma disposição. Período 4 Reza a Constituição que todo brasileiro tem direito à educação. Infelizmente isso está muito distante da realidade vivida por nós. Um país sem educa- ção é um país sem futuro. Período 5 É imprescindível que as pessoas se conscientizem da importância de lu- tar pelos seus direitos em todas as instâncias existentes. É preciso parti- cipar da vida política do país, acompanhando os acontecimentos mais relevantes, discutindo os problemas nacionais e participando das prin- cipais decisões sempre que possível. 2. Identifique a idéia, posição ou opinião dos períodos que indicou na questão anterior e diga qual argumento foi utilizado. Uma questão controversa Toda argumentação envolve uma questão controversa ou polêmica. Uma questão controversa é aquela para a qual não há uma resposta única, isto é, frente a ela é possível assumir diferentes posicionamentos. Há questões controversas que afetam um grande número de pessoas e há algumas que são mais particulares, pois interessam apenas a um re- duzido número de pessoas. Por exemplo, tomar uma posição sobre se você deve ou não parar de estudar para cumprir os horários de um novo trabalho seria uma questão particular, e por isso dificilmente se tornaria tema de um artigo de opinião de um jornal – a menos que esse tipo de dúvida afetasse a vida de muitos jovens. Neste caso, seria possível alguém escrever um artigo discutindo essa questão, algo do tipo “Trabalho ou Escola?”. Portanto, um artigo de opinião discute questões controversas (polêmicas), que podem incidir sobre temas políticos, sociais, científicos e culturais, de interesse geral e atual, que afetem direta ou indiretamente um grande número de pessoas, e procura respondê-las. Normalmente essas questões surgem a partir de algum fato acontecido e noticiado. provar o contrário. O primeiro a afirmar que, na verdade, era a Terra que girava em torno do Sol foi Copérnico, responsável pela descrição do sistema heliocêntrico, que dá início à astronomia moderna. Em seguida, sua afirmação foi confirmada por Galileu, responsável pela fundamentação científica de teoria heliocêntrica de Copérnico e pela sistematização da mecânica como ciência. Tal idéia, no entanto, não foi bem aceita de imediato, já que ia contra certos dogmas da Igreja, e Galileu terminou sendo condenado pela Igreja, passando parte de sua vida recluso. ENSINO MÉDIO EM REDE • SEQÜÊNCIA DIDÁTICA • ARTIGO DE OPINIÃO18 Vejamos alguns exemplos de questões controversas que foram discutidas na imprensa em geral nos últimos tempos: • A principal função da escola média deve ser preparar o jovem para o mundo do trabalho? • O Brasil deve permitir a livre produção de alimentos transgênicos? • A clonagem humana deve ser permitida? • Qual a função da arte na sociedade atual? • O hip hop poderá vir a ser um MST urbano? • O aborto deve ser legalizado? • A existência de cotas nas universidades para alunos provenientes de escola pública é justa? • A falta de informação é a grande responsável pela alta incidência de gravidez na adolescência? 3. Você concorda que essas questões são realmente controversas? Escolha uma delas e prove que são realmente controversas: explicite pelo menos dois posicionamentos possíveis frente à questão escolhida, sustentando cada um deles com pelo menos um argumento. Por exemplo, diante da questão A principal função da escola média deve ser preparar o jovem para o mundo do trabalho? são possíveis dois posicionamentos: • A principal função da escola média deve ser a preparação para o mundo do trabalho, pois a maior preocupação dos jovens de hoje é saber se terão um emprego no futuro. Dessa forma, a escola estaria atendendo a uma demanda da sociedade. • A principal função da escola média não deve ser a preparação para o trabalho, mas sim a ampliação do universo cultural dos alunos, como parte indispensável de sua formação como pessoa humana e cidadão, o que também acaba se revertendo para o mundo do trabalho. A formação específica para o trabalho deve caber aos cursos técnicos e profissionalizantes. 4. Leia atentamente os trechos a seguir e identifique a questão controversa subjacente: a) “Prevenir é um grande trunfo para vencer mais algumas batalhas contra a AIDS, no entanto isso muitas vezes é ofuscado pelo desejo e esperança que cercam a busca pela cura: a pesquisa científica, a vacina, o avanço no desenvolvimento de medicamentos e a melhoria na assistência, que apresenta um caráter de maior urgência e de resultados imediatos. Assim, de maneira geral, a prevenção acaba ocupando uma posição secun- dária dentro das políticas de saúde voltadas à aids, sendo abordada em ações pontuais e isoladas e desarticuladas entre si, que não resultam em mudanças de impacto e sus- tentáveis.” Gapa São Paulo (Agência Carta Maior, 18/7/2004) b) “O que me espanta é que os jovens se queixem de que têm poucas fontes de conhe- cimento da sexualidade. Só nas últimas décadas, as escolas começaram a introduzir o ENSINO MÉDIO EM REDE • SEQÜÊNCIA DIDÁTICA • ARTIGO DE OPINIÃO 19 tema nas salas de aula, assim mesmo com ênfase na higiene corporal, tendo em vista as DSTs. A família, aos poucos, começa a derrubar tabus, exceto nas classes populares, onde a falta de conhecimento obriga os jovens a aprenderem “na rua”, como se dizia na minha geração. Hoje, “aprende-se” na televisão. Primeiro, com a exacerbação do voyeurismo, tipo Big Brother. É o bordel despejado, via eletrônica, no quarto das crianças ou na sala da casa. Sem que famílias, escolas e igrejas cuidem da educação do olhar de crianças e jovens.” Frei Betto (Revista Caros Amigos, edição 87) c) “As empresas de motoboys estavam a mil, cada motoqueiro ganhava um salário que compensava o risco, assim como também foram os lotações. Agora vai começar o cadastramento, o controle, e a verdade é que o Estado está organizado para não deixar que a elite perca poder econômico e político, estão todos preparados para boicotar qualquer tentativa de crescimento da classe tida por eles como mais bai- xa, que na real somos nós.” Ferréz (Revista Caros Amigos, edição 86) 5. Agora leia os dois artigos que se seguem procurandoidentifi car qual questão contro- versa está sendo discutida e qual é a posição dos autores frente a essa questão. ARTIGO 1* Eu amo essa cidade Marcelo Rubens Paiva Eu amo São Paulo. Nasci aqui, quando ela era ainda uma fria cidade organizada – o Centro era no centro, nos bairros as pes- soas moravam –, provinciana, de muitas casas com quintais, sua noite era do si- lêncio, quando havia mais praças do que avenidas e aos fi ns de semana não havia o que fazer. Já morei em outras cidades, até na mais linda de todas, o Rio de Janeiro. Mas sempre volto. Pior: com saudades. Como escritor, eu poderia morar em qual- quer canto bucólico do mundo, escrever diante de uma paisagem deslumbrante. Mas, e se o computador der pau, quem conserta? E se der fome à noite, quem entrega comida? E se eu quiser pesquisar algo na biblioteca, terá alguma completa por perto? E se eu quiser relaxar e ver um fi lme de arte, terá algum cinema na re- gião? E se eu quiser me inspirar e assistir a uma peça do Antunes? E se eu quiser voar e participar do teatro-ritual de Zé Celso? E se eu quiser dançar um determinado es- tilo? E onde estarão os amigos de todas as partes do Brasil? E uma padoca aberta de madrugada, quando bater a insônia? E uma festa maluca, que começa às 2h, num galpão abandonado? E quando trou- xerem uma exposição sobre a China, ela estará por perto? E haverá uma feira de li- vros com todas as editoras representadas? Aliás, dará para eu comprar livros a qual- quer hora do dia? E se eu quiser um moji- to cubano? Ou o novo “The Strokes”? Ou uma raridade? E se eu estiver duro, terá uma peça do Mário Bortolotto custando R$ 1, ou um Shakespeare grátis no teatro do Sesi? E sebos com livros usados? 3. Artigo publicado na Folha de S. Paulo em 24/01/2004. Motoqueiros circulam entre carros na av. 23 de Maio, em São Paulo - SP. 11.04.2001. LA LO D E A LM EI D A / F O LH A IM A G EM ENSINO MÉDIO EM REDE • SEQÜÊNCIA DIDÁTICA • ARTIGO DE OPINIÃO20 E cursos grátis do Sesc? Posso ser ouvinte de uma boa universidade? Aparecer nas palestras do Instituto Moreira Salles? Quem decide se mudar de São Paulo deve abrir mão de tudo isso. Olha o dilema: uma vez morando nela, consegue se livrar do que faz bem à alma? Há qualidade de vida nesse paradoxo. Há também estresse sem tantos serviços. É desesperador ter uma paisagem deslumbrante, mas o com- putador não ter conserto. São Paulo não tem cara. É um caleidos- cópio do caos. Por isso, fascina. Por isso, funciona. Das marginais, vê-se a cidade se acotovelar no sentido da cordilheira da avenida Paulista. Sobre ela, a indefinida cor da poluição. (...) São Paulo é o mundo entre seus rios. Não existe nada igual. É única e essencial. Nas calçadas, não se estranha um negro de mãos dadas com uma loira, um japonês gordo jogando dominó com um cego, um português rindo da piada de um italiano, um índio executivo de terno e gravata falando ao celular, um árabe beijando um judeu, punks lésbicas bebendo cer- veja, um camelô lendo Dostoievski, hare krishnas paquerando patricinhas no fa- rol, um anão carregando um trombone, um malabarista cuspindo fogo, desem- pregados vendendo canetas coreanas. São Paulo é sua gente. Em muitos bairros, ainda se diz afetuo- samente “bom dia” às manhãs. Um café com leite se chama “média”. O pão é cro- cante e feito na hora. O sol nem nasceu. Gente voltando da balada é servida no mesmo balcão que gente indo ao traba- lho. E um pastel de feira não faz mal a ninguém. São Paulo mudou muito nas últimas déca- das. São Paulo sempre muda muito. Ficou melhor e pior. Ela ganhou a violência ur- bana. A desigualdade nunca foi tamanha. E, para um deficiente, está sempre atra- sada em relação a outras cidades, suas calçadas são difíceis, o transporte público não é adaptado. Mas ela ganhou a Mostra de Cinema, festivais de jazz, um número enorme de casas noturnas, restaurantes e livrarias. A cada ano, teatros e cinemas são inaugurados. Institutos culturais tam- bém. E quase sempre há acesso para os deficientes. A cidade está na rota das grandes exposi- ções. Pina Bausch nunca deixa de se apre- sentar por aqui. E já vieram Nirvana, U2, até Stevie Wonder. Alguns tocam de graça no Ibirapuera domingo de manhã. Aos 15 anos, assisti a Miles Davis no Municipal. E ao balé Sagração da Primavera do Bolshoi. Vi Ray Charles também. Até conversei com ele no saguão do Hotel Transamérica. Conversei também com Kurt Cobain no sa- guão do Maksoud. Bem, entre os passari- nhos do campo, o barulho do mar, as cigar- ras cantando, prefiro o mundo. Marcelo Rubens Paiva, 44, jornalista e escritor, é articulista da Folha. É autor de, entre outras obras, Malu de Bicicleta (Objetiva), Feliz Ano Velho (Arx) e Blecaute (Siciliano). M IG U EL B O Y A Y A N /E D IT O R A A B R IL Museu de Arte Moderna de São Paulo (MASP), 04.09.1990 ENSINO MÉDIO EM REDE • SEQÜÊNCIA DIDÁTICA • ARTIGO DE OPINIÃO 21 Parece até um título fácil, mas na realida- de não. Bom... é sim, para quem mora em determinado lugar de São Paulo. Pode-se dizer que a cidade é subdividida em duas, e isso é claro, central e periférica, a parte difícil é dizer quem cerca quem. Que os moradores da periferia (como eu, tá ligado?) vão ao centro para pres- tar serviço não é nenhuma novidade, mas e a diversão? E desfrutar a cidade? Aí são outros quinhentos, ou melhor, são outros 450. Poderia citar milhões de motivos para não gostar da cidade, poderia divagar por mil fitas, mas a cidade é mãe, terra de arra- nha-céus, pátria dos desabrigados, lar de Germano Mathias, e sempre será assim. São Paulo continuará iludindo com sua leve manta, e se andarmos à noite por ela não veremos somente boates, bares, casas de relaxamento, ruas nobres que parecem as de Londres, comércios luxu- osos que nos fazem ir para Tóquio, lojas que nos levam ao passado e a pôr um pé no futuro. Mas se olharmos com detalhe veremos crianças, filhos de seus não tão ilustres moradores, acompanhados da fa- mosa “senhora do chapelão”, a fome, em quase toda esquina. “Mas passa fome quem quer em São Paulo”, já dizia o sábio professor a sua turma de alunos escolhidos pelo siste- ma financeiro de algum colégio tipo o Salesiano. É quente. Quem não quiser que venda chiclete, balinha, Bob Esponja, afi- nal não é igual para todos a entrega do troféu de cidadão honorário. Vem maranhense, vem pernambucano, vem baiano, mas daqui direto para o al- bergue, ou quem sabe para a periferia. (São Paulo é a segunda Bahia e o segun- do Rio em termos de baianos e cariocas.) Não há vagas, mas há espaço para todos, desde que cada um esteja no seu devido lugar, certo, manos? Esse é só um lado da cidade? Pode ser, sangue bom, mas é o lado que eu co- nheço, com que convivo, de onde vejo somente as costas do Borba Gato, segu- rando seu fuzil, deixando claro que es- tamos sendo vigiados, o lado que me dá a lágrima, que reparte a dor da perda, o lado de quem não tem lado, de quem nunca é retratado, dá até rima, seu carro tem ar-condicionado, aqui na perifa só muleque descalço. Venham todos ver nesse aniversário o rapa da prefeitura tomar a barraca da- quela dona Maria que era empregada e perdeu o emprego porque o filho saiu no Cidade Alerta. Venham festejar com o vizinho que saiu da cadeia há dois dias e ainda não sabe como irá fazer para co- ARTIGO 2* Sobreviver em São Paulo4 Ferréz 4. Artigo publicado na Folha de S. Paulo em 24/01/2004. Favela Aba, na zona sul de São Paulo. 03.03.2004 A N D R É SA R M EN TO ENSINO MÉDIO EM REDE • SEQÜÊNCIA DIDÁTICA • ARTIGO DE OPINIÃO22 mer e se vestir, vem que tem vaga para você, aqui é SP. A terra onde matar periférico causa silên- cio e frustração, e matar do outro lado da ponte causa indignação, passeatas, mu- dança na legislação. E todos falampra caramba, montam tese, mas passa um dia aqui para ver se sobra orgulho dos textos mentirosos, dos verbos bem colocados, das frases bem montadas, que emocionam, que chocam e que no fi- nal são tudo um monte de mentiras, por- que a São Paulo ao seu redor é de concre- to e a nossa é de lama. A sua é: Moema, Morumbi, Jardim Paulista, Pinheiros, Itaim Bibi e Alto de Pinheiros. A nos- sa é: Jardim Ângela, Iguatemi, Lajeado, São Rafael, Parelheiros, Marsilac, Cidade Tiradentes, Capão Redondo. Palavrão aqui na comunidade é “desem- prego”, aqui é Sampa também, mas do marketing estamos além, fora da festa, fora da comemoração. Na área da barragem, onde vivem ín- dios tupis-guaranis, ninguém está saben- do da festa. Em Campo Limpo, Grajaú e Brasilândia não vi ninguém encher de ro- sas nem ninguém restaurar, não vieram ao menos canalizar o córrego, no fim do dia não teve show, não teve visita de nin- guém do poder público, mas vi um me- nino de 7 anos na ponte esperando a es- perança, só não sei por quanto tempo. A única coisa que representa o governo por aqui é a polícia, então todos já imaginam como ele é representado. Tá certo! São Paulo é nossa também, afi- nal, cuidamos do dinheiro, lavamos, vi- giamos, passamos, limpamos, digitamos, afogamos mágoas em pequenos bares, vivemos em pequenos casulos, comemos o pouco de ração que sobrou do outro dia e ainda dizemos amém, Sampa city, você é meu berço, pois não nascemos com nenhum de verdade. Construímos e não moramos, fritamos e não comemos, assistimos, mas não vivemos, passamos vontade, mas passamos adiante. O quê? Ah! A parte boa da cidade? Bom, acho que vou passar essa, vou deixar para alguém que viva nela, pois o termo aqui para nós é sobrevivência, mas com certe- za deve ter muita coisa boa nela, Sampa é bem grande, né? E tem muita diversidade cultural, assim como social. Somos somente um reflexo de tudo isso, os catadores de materiais recicláveis, os balconistas, os motoristas, os flanelinhas, as empregadas domésticas, os vendedores ambulantes, os vigilantes, os meninos da Febem, os 118 mil presos de todo o Estado e mais uma porrada de gente que te saú- da e deseja mais consciência e considera- ção nesse aniversário, São Paulo. Ferréz é o nome literário de Reginaldo Ferreira da Silva, 28, autor de Capão Pecado (Labortexto, 2000), romance sobre o cotidiano violento do bairro do Capão Redondo, na periferia de São Paulo, onde vive o escritor, e de Manual Prático do Ódio (Objetiva, 2003). • Qual é a questão controversa que está sendo discutida pelos dois artigos? • Qual é a posição do autor do texto 1? Cite pelo menos dois argumentos utilizados pelo autor para defendê-la. • Qual é a posição do autor do texto 2? Cite pelo menos dois argumentos utilizados pelo autor para defendê-la. • Que contrastes podem ser estabelecidos entre os textos 1 e 2? Levante alguma hi- pótese que possa explicar a divergência de posições existente entre eles. ENSINO MÉDIO EM REDE • SEQÜÊNCIA DIDÁTICA • ARTIGO DE OPINIÃO 23 ATIVIDADE 3 PRODUÇÃO INICIAL DE UM ARTIGO DE OPINIÃO Agora você vai produzir uma primeira versão do seu artigo de opinião sobre a questão polêmica ligada ao tema que já vem estudando em sala de aula, como parte de um pro- jeto interdisciplinar de trabalho. O tema que você escolheu dá margem a várias ques- tões polêmicas, para as quais muitas opiniões diferentes são possíveis. Imagine que seu artigo será publicado em um jornal diário de grande circulação, cujos leitores não têm necessariamente uma posição firmada sobre a questão em pauta. Lembre-se: • Defenda sua posição, sustentando-a com argumentos. • Seu texto deverá ter, aproximadamente, 30 linhas. • Deixe uma margem direita (em torno de 5 centímetros) para anotações futuras. • Consulte dicionários e gramáticas, se tiver dúvidas sobre o emprego da língua. • Caprichar na letra é fundamental; outras pessoas têm de conseguir ler o seu texto. ATIVIDADE 4 O CONTEXTO DE PRODUÇÃO DO ARTIGO DE OPINIÃO Todo texto que a gente escreve ou lê possui um contexto. Os textos não existem “no vazio”, mas em um determinado contexto de produção: eles sempre são escritos por alguém, para alguém, com certa intenção, em determinado tempo e lugar, divulgados em certo veículo etc., e todos esses elementos interferem no sentido dos textos. Ao es- crever, é fundamental levar em conta esses aspectos (e também na leitura, para que seja possível compreender mais efetivamente o que se leu). O contexto de produção dos artigos de opinião pode ser descrito da seguinte maneira: O produtor do artigo de opinião5 Geralmente, o produtor de um artigo de opinião é um especialista no assunto (ou no mínimo alguém que estuda aspectos da questão em discussão) ou um representante de determinada instituição social (como sindicatos, governo, universidades, ONGs etc.) que, de alguma forma, tem algo a dizer sobre a questão. Em função disso, o autor busca construir uma imagem de si mesmo para seus leitores como alguém que tem conhe- 5. Descrição do contexto de produção do artigo de opinião adaptado de material produzido sob a coordenação da professora Anna Rachel Machado para o PLEPI – Seqüência Didática Artigo de Opinião –, desenvolvido na Universidade de Mogi das Cruzes entre 1998 e 2000. ENSINO MÉDIO EM REDE • SEQÜÊNCIA DIDÁTICA • ARTIGO DE OPINIÃO24 cimento sobre o tema tratado, segue a lógica, a razão, possui argumentos sólidos para sustentar sua posição. Os leitores do artigo de opinião São pessoas que freqüentemente lêem determinado jornal ou revista e estão de alguma forma interessadas na questão polêmica, seja porque as afeta diretamente, seja porque se interessam pela discussão dos assuntos em pauta na sociedade. Em nosso país, em que a leitura é praticada por poucos, pode-se dizer que os leitores de artigos de opinião fazem parte de uma “elite” sociocultural. Circulação Um artigo de opinião circula em jornais e revistas impressos ou on-line (na internet). Objetivo(s) Influenciar o pensamento dos destinatários (os leitores), isto é, construir ou transfor- mar (inverter, reforçar, enfraquecer) a posição desses destinatários sobre uma questão controversa de interesse social e, eventualmente, mudar o comportamento deles. Em suma, o artigo de opinião, apesar de escrito, pode ser visto como um diálogo com o pensamento do outro, para transformar suas opiniões e/ou atitudes. 1. Leia o texto a seguir, procurando identificar os elementos do contexto de produção: ARTIGO 1* O desafio de reconhecer novas formas de participação Patrícia Lânes O(a) jovem participa da vida política do país? A resposta é quase sempre a mes- ma: não, é alienado(a). O que se verifica na prática não é bem isso. Grupos de hip hop, dança, teatro e música, formados por jovens, pipocam nas favelas e periferias do Brasil. Isso não significa participar politica- mente? É preciso compreender que parti- cipação política vai além do exercício do voto. Existem muitas maneiras, como se organizar em grupos nas escolas, comuni- dades e espaços de trabalho para tentar intervir nas decisões que estão sendo to- madas e mudar o rumo da história (seja da sua comunidade ou do seu país). No caso dos(as) jovens não é diferente. A diferença está em como a sociedade vê a juventude e o que espera dela. O mito da juventude alienada não é tão recente e toma como referência uma maneira de participação referenciada na juventude das décadas de 1960 e 1970, que protago- nizou as manifestações contra a opressão política. No Brasil, grupos de jovens estive- ram ligados à resistência ao governo mili- tar por meio de núcleos teatrais, partidos e movimentos políticos clandestinos, che- gando até à luta armada. Foram também jovens transgressores(as) dessa época que protagonizaram o rico cenário musical, 6. Artigo publicado no Jornal da Cidadania, ano 9, n° 122, abril/maio de 2004. ENSINO MÉDIO EM REDE• SEQÜÊNCIA DIDÁTICA • ARTIGO DE OPINIÃO 25 gerando movimentos cuja expressão mais conhecida até hoje é a Tropicália. Esse mo- vimento de resistência foi essencial para que fosse possível, já na década de 1980, a reabertura para a democracia. A idéia do jovem revolucionário ficou. Mas o mundo mudou nas últimas déca- das. Uma então nascente cultura do con- sumo se consolidou. As utopias, antes claras e definidas, ficaram cada vez mais nebulosas. Mas continuou se cobrando dos(as) jovens que fossem revolucioná- rios, como se fosse da natureza da juven- tude transformar para melhor. Os(as) jovens estão se organizando talvez menos nos partidos, mas em grupos cultu- rais locais, movimentos globais, redes ou ligados às organizações de cidadania ativa. Depois de reconhecer o novo, é preciso criar, no campo da política tradicional, formas de inserir esses e essas jovens ávidos por parti- cipação em um espaço mais democrático e menos refratário à condição juvenil. A discriminação de geração é um ponto complexo da participação jovem. Se jun- to de seus semelhantes é fácil dizer o que se pensa, na presença da pessoa adulta pode não ser tão simples. Mais ainda quando nem sempre a palavra é o meio pelo qual os (as) jovens se sentem mais à vontade para expressar sua opinião. Para desfazer esses e outros nós, grupos de jovens vêm se articulando Brasil afora, tentando aproximar essas práticas locais e muitas vezes pouco institucionalizadas do campo da política formal. A estratégia de formação de redes por jo- vens não é nova. Os movimentos interna- cionais antiglobalização, por exemplo (em sua maioria protagonizados por jovens militantes), começaram se articulando em rede pela internet. No Brasil, redes como a do Nordeste, a de Belo Horizonte e a do Rio de Janeiro (Rede Jovens em Movimento) estão começando a pautar questões mais amplas que dizem respeito aos (às) jovens moradores(as) desses lugares, articulando diferenças em nome dos direitos da juven- tude e da luta por políticas públicas mais inclusivas. A idéia parece estar frutifican- do. Durante o 1º Fórum Social Brasileiro, em novembro de 2003, essas três redes e outros jovens se reuniram e deram o pon- tapé inicial para a criação de uma rede na- cional da juventude, que deve realizar seu primeiro grande encontro ainda este ano. Patrícia Lânes é especialista em sociologia urbana, mestranda em sociologia, pesquisadora do Ibase, representando-o na Rede Jovens em Movimento. Jovens contra a guerra no Iraque ocupam o Monumento às Bandeiras, em São Paulo 18.02.2003 A N D R É SA R M EN TO ENSINO MÉDIO EM REDE • SEQÜÊNCIA DIDÁTICA • ARTIGO DE OPINIÃO26 2. Agora indique cada um dos elementos do contexto de produção do texto que leu, fazendo um quadro semelhante ao que se segue: CONTEXTO DE PRODUÇÃO a) Autor do texto Papel social b) Interlocutores Representação social c) Finalidade/Objetivo d) Circulação ATIVIDADE 5 AS VÁRIAS VOZES QUE CIRCULAM NUM ARTIGO DE OPINIÃO Geralmente, um texto escrito não traz só a voz de quem escreve, mas outras vozes que também “falam pela boca” do autor. Ele costuma “conversar” com pessoas que pensam de uma determinada forma, concordando com elas ou discordando delas. Assim, para compreendermos de fato um texto, é preciso prestar atenção a essas “conversas” (que muitas vezes nos remetem a outros textos) e, mais do que isso, ir também conversan- do com o texto à medida que o lemos. Será que eu concordo ou discordo do autor? Totalmente ou em parte? Há um ângulo da questão que o autor não está considerando? Ler assim é ler criticamente, não de forma passiva, “engolindo” tudo o que o autor diz, mas refletindo sobre as coisas e dialogando com o texto. E por que isso é importante? Por várias razões, entre elas para que não sejamos tão manipulados pela mídia em geral e para que possamos exercer nossos direitos mais plenamente. 1. Leia agora o próximo artigo* procurando perceber, além dos leitores em geral, com quem o autor do texto “conversa”. Vá você também tentando “conversar” com o texto, concordando ou discordando dele. ENSINO MÉDIO EM REDE • SEQÜÊNCIA DIDÁTICA • ARTIGO DE OPINIÃO 27 Hip Hop em legítima defesa7 Preto Ghóez O recente episódio envolvendo o suposto escritor Marcelo Mirisola e o Hip Hop nos leva a um raciocínio simples. Toda a vida temos ouvi- do de todos os segmentos artístico-culturais que nós os “meninos do Hip Hop” precisaríamos ampliar nosso campo de visão, precisaríamos descobrir que a Arte vai bem mais além do que nosso Hip Hop. A maio- ria deles nos recomenda livros, nos recomenda filmes, nos recomenda discos, nos recomenda a Arte e a Cultura por eles reconhecida como sentimento maior que o nosso simples Hip Hop. Olham pra nós com os olhos bondosos de quem vê uma criança pouco civilizada. E o desejo deles (como foi um dia o mesmo desejo dos padres para com os índios) é nos elevar enquanto seres humanos. Bom pra nós ter tanta gente pre- ocupada com nossas vidas, nossas caminhadas. Nos dão afagos como um treinador de cães, ou de um outro bicho qualquer. E curiosamente no sentido inverso do que nos dizem, sobre a favela e suas armas, eles escrevem livros, eles fazem filmes, eles estréiam peças, eles cantam mú- sicas e gravam discos esmiuçando a favela como que numa autópsia, talvez alguns deles até procurem ceps diferentes e batendo no peito rasguem as gargantas pra em uníssono bradar aos quatro cantos que também eles são favela! Aliás ser favela tá na moda, a favela é a bola da vez e nos olhos da pequena-burguesia os cifrões denunciam seus sentimentos mais mesquinhos. Por entre eles já caminham vencidos e tristes... a droga que consomem já não faz o efeito esperado, precisam de doses cada vez maiores. O dedo viaja nos pequenos botões do controle remoto e eu mudo de canal só um pouco, só pra sacar o que rola no mundo lá fora. A cena é a mesma alguém inventou outra coreografia, descobriu outra mulher Poeta e rapper maranhense, vocalista do grupo Clã Nordestino, Preto Ghóez era um dos líderes do Movimento Hip Hop Organizado do Brasil (MHHOB), uma das organizações nacionais do setor. Foi interno da Febem, onde desenvolveu seu trabalho musical, e a partir daí ajudou a organizar o movimento hip hop nas regiões Norte e Nordeste. Morreu em um acidente de carro em setembro de 2004, com 31 anos. Sobre sua morte, Gilberto Gil, ministro da Cultura, afirmou: “É uma imensa perda. Como artista, líder e articulador talentoso do hip hop, Ghóez deixou um trabalho sedimentado, voltado para a construção de políticas para a juventude brasileira. Ele era uma inteligência a serviço dessa revolução silenciosa que os grupos culturais promovem hoje nas centenas de periferias do país”. (Retirado de http://www. amazonia.com.br/portao/ reportagens/detalhe. hasp?canal=1&cod=4021) 7. Retirado de http://www.realhiphop.com.br/materias/materia_pretoghoez-miri.htm Grafiteiros no túnel que liga as avenidas Dr. Arnaldo e Paulista, em São Paulo 05.07.2003 A N D R É SA R M EN TO ENSINO MÉDIO EM REDE • SEQÜÊNCIA DIDÁTICA • ARTIGO DE OPINIÃO28 escultural, juntou tudo isso numa frase de duplo sentido e gravou um disco que venderá milhões, custe o que custar todos querem isso, custe o que custar todos buscam o seu hit. A menina antes anônima, logo estará estampando as capas das revistas masculinas e pendurada na banca de revistas da esquina de sua quebrada chamará atenção como uma peça de carne exposta no açougue próximo. Ela sorri satisfeita navegando entre os drinques da elite e logo alguém descobrirá que ela vai bem mais além do que um simples corpo, então você poderá se emocionar quando o programa de tv numa tarde de Domingo contar a história da vida dela com uma trilha sonora que nos tome nos braços de nossas próprias tristezas entre um e outro depoimento de familiares e amigos. Ela merece estar alisó ela sabe o preço que pagou pra estar ali. Esse lugar que é o ali que todos buscam envolve dinheiro, fama e uma sé- rie de sentimentos outros diferentes de carícia. Melhor voltar ao assunto que estávamos discutindo. Então, tenho con- versado com o Marcelo Mirisola no limite de minha educação pra tentar entender melhor o universo paralelo que ele criou pra si. (...) À qualquer custo, de qualquer jeito, seja como for, ele precisa estar sur- fando na crista da onda, ele quer ser cult. Quando crescer ele quer ser o Ferréz, ter a mesma atenção. É que segundo ele tem tanto escritor bom por aí e justamente quem ganha mais atenção é o Ferréz. Tanto cara genial sem conseguir publicar e o Ferréz consegue publicar dois livros. Falando assim ele me lembra um menino fazendo beicinho, querendo 31/3 – Marcelo Mirisola escreve a coluna “A vez dos ruminantes”, na qual ataca o Rap. “A impressão que tenho quando ouço Rap é exatamente a seguinte: ‘Vai passando tudo, não reaja, isso é um... Rap!’ Ou seja, algo impositivo... onde não cabe qualquer tipo de reação. Feito um assalto à mão armada”. 20/5 – Marcelo Mirisola publica a coluna “Caro Pinduca”. Escreve: “Ademir, ou Pinduca, continua refém dos manos do hip hop. Não fisicamente como eu, que tive de dar uma sumida por conta de uns telefonemas sinistros que recebi. Mas espiritualmente (o que é pior), talvez por boa vontade e receio de não corresponder às imposições de sua confessada origem humilde”. 21/5 – O poeta Ademir Assunção escreve em seu blog o texto “Deixa pra lá, mano”, no qual diz: “Ainda bem que a vida me deu uma dose de serenidade. Melhor ignorar as agressões, nesse momento, e deixar a coisa esfriar. Peixes coloridos saltam no aquário da sala. Daltônicos não enxergam o vermelho dos peixes. Malucos experientes sabem quando o bagulho é sério”. 28/5 – Na coluna “Para encerrar o assunto”, Marcelo Mirisola escreve: “... os manos do hip hop me elegeram inimigo número um do ‘movimento’. O que me deixa muito envaidecido, diga-se de passagem. O motivo? Uma bobagem, não entenderam o que eu escrevi (nem o Pinduca, advogado deles). Cito de memória: ‘Não basta ser assaltado por esses manos e agüentar a cara feia deles, ainda tenho que ouvir o barulho que fazem e chamar de música?” 31/5 – O poeta Ademir Assunção publica na AOL o artigo “Marcelo Mirisola de novo. Haja saco!”, em resposta ao escritor Marcelo Mirisola: “Ele [Marcelo Mirisola] confunde hip hop com rap, não sabe distinguir MV Bill de Mano Brown, não faz idéia do que seja o PCC, nunca pisou no Jardim Ângela ou em qualquer periferia (...) ele prefere a realidade de sua torre-quitinete. Não gosta de se misturar, de megulhar o focinho na realidade para conhecer sua complexidade...” (retirado de http://forum.aol.com.br/foro. php?id top=1&id cat=39&id subcat=74&id foro=2455) O escritor Marcelo Mirisola e o poeta Ademir Assunção, o Pinduca, se estranharam por causa dos manos do hip hop. A briga dos dois acontece na web e tem as páginas da AOL como um dos espaços de troca de farpas. Entenda a polêmica e depois dê sua opinião: Marcelo Mirisola, escritor, é autor dos romances Bangalô, O Herói Devolvido e O Azul do Filho Morto (Editora 34). Escreve quinzenalmente uma coluna no AOL Notícias. Em seus textos costuma criar polêmica com vários setores da sociedade e grupos culturais. Parte da polêmica retratada no artigo de Preto Ghóez aparece resumida abaixo: ENSINO MÉDIO EM REDE • SEQÜÊNCIA DIDÁTICA • ARTIGO DE OPINIÃO 29 atenção. Pra isso ele chora, esperneia, xinga, e cada vez mais traquina, tipo menino levado. Suas brincadeirinhas de mau gosto atravessaram a sua vida inteira. E carente de atenção, já que ninguém parece notar a sua genialidade, ele segue aprontando das suas como quem diz: “gen- te eu tô aqui será que ninguém me nota?” Ele diz que é subversivo, que escreve pra detonar o stablishment. Mirisola afirma que o Rap não é música, pois ele detesta rimas. Perguntado sobre alguém na música brasileira que ele admira, responde que o Edvaldo Santana é bom (nisso nós concordamos [...]) mas, já que ele detesta ri- mas leio vários trechos do novo cd do Edvaldo onde a rima prevalece e ele muda de assunto. Em seguida leio Jesus Chorou dos Racionais e ele diz que é ruim, considera a letra fraca, e não enxerga isso como música. Pergunto então se isso tudo que ele faz não é simplesmente pra cha- mar atenção sobre a sua obra, sobre a sua carreira. Ele dá várias voltas em argumentos e admite que o objetivo de qualquer um que produz arte é chamar atenção sobre a sua arte. Nesse ponto um sorriso meu enfim presencia a admissão de quem premeditou o crime... Vontade de perguntar sobre a mídia e outros acessórios, mas o fato de ele escrever no AOL já responde tudo. Ele é apenas um transgressor que escreve na AOL e detesta negros e pobres “ou qualquer meleca do gêne- ro que trate de bumbos, cama elástica, axés e afoxés”. Cultura é poder, eu já escrevi sobre isso. E cada vez mais a cultura tam- bém é uma questão de classe. Enquanto o Ferréz e o Brown estavam longe da ordem do dia eles eram bons... Agora não! Cada vez mais o Hip Hop tem crescido, e quanto mais cresce mais ódio de classe trará sobre nós. De meros consumidores nos tornamos produtores. Conseguimos vencer os obstáculos cotidianos e garantir que na periferia do País in- teiro a Cultura se faça viva como nunca antes a fizeram. E não só com o Hip Hop, mas com o Teatro, a Literatura, a Dança e por aí vai toda a be- leza da arte e da cultura. Gente como o Mirisola tem medo de que nós possamos enfim conhecer gente como o Marco Antônio e o seu belís- simo “Othelo”, ou possamos enfim ouvir o que o Teatrólogo Reinaldo Maia tem a dizer. O Mirisola não é um caso isolado, muita gente igual a ele quer nos tomar à força o direito de produzir Cultura. Mas ao final de tudo isso eu peço calma com ele, não podemos nos aborrecer diante de coisas assim. Pois pra mim as coisas que ele escreve já soam como as pegadinhas do João Kléber, que de extremo mau gos- to e desrespeito se propõem vanguarda, contestadoras e coisas legais desse tipo, mas não passarão de cópia mal feita de uma mistura triste e vazia de Charles Bukowski, Paulo Francis e Rita Cadilac. Enfim, ele virou assunto, tema. Alguém agora vai procurar seus livros, e que ele aproveite bem o seu momento. Deve ele estar contente com isso tudo pois enfim é a vez do ruminante. Marco Antonio Rodrigues compõe o núcleo diretor do Grupo Folias D’Arte, junto com Reinaldo Maia e Dagoberto Feliz. Dirigiu a peça Othelo, de William Shakespeare. É um dos pioneiros do Movimento Arte contra a Barbárie em São Paulo, que reúne grupos e personalidades do teatro paulista e cuja atuação já criou uma lei municipal de fomento ao teatro. ENSINO MÉDIO EM REDE • SEQÜÊNCIA DIDÁTICA • ARTIGO DE OPINIÃO30 2. Agora responda oralmente, com seus colegas, as questões que se seguem: a) Com quem o autor do texto “conversa” no primeiro parágrafo do texto? b) A “conversa” assume uma perspectiva de concordância ou discordância? c) Ainda no primeiro parágrafo do texto, o autor afirma que há uma contradição no discurso de determinadas pessoas ligadas aos segmentos artístico-culturais. Que contradição é essa? d) Afinal, qual é a posição do autor frente à afirmação de que é preciso haver uma ampliação do campo de visão e de manifestações culturais? Ele concorda ou dis- corda dessa idéia? (Considere para a sua resposta o que o autor diz no primeiro e no antepenúltimo parágrafo do texto.) e) No segundo parágrafo e no início do terceiro, o autor faz uma crítica à cultura televisiva. Que crítica é essa? Você concorda com ela? Justifique. f) No antepenúltimo parágrafo, o autor afirma “De mero consumidores nos torna- mos produtores (de cultura)”. O que ele quis dizer com isso? Quais interesses ele denuncia com essa afirmação? g) Ao longo de sua argumentação, na qual criticaMarcelo Mirisola, o autor cita várias pessoas ligadas à música ou ao movimento hip hop: Edvaldo Santana, Racionais- Brown, Ferréz. Você conhece o trabalho dessas pessoas? Qual sua opinião sobre o trabalho delas? h) O autor ainda cita dois teatrólogos ligados ao Movimento Arte contra a Barbárie. Como você entende o nome desse movimento? Nessa perspectiva, qual pode ser uma das funções da arte na nossa sociedade? i) De acordo com todo o artigo, você considera que o autor foi convincente nas crí- ticas que fez a Marcelo Mirisola e na sua intenção, expressa no título, de defender o hip hop? Justifique. j) Para alguns educadores, a principal finalidade da escola média deveria ser propor- cionar experiências culturais significativas para os alunos. O que você pensa sobre isso? Como isso poderia ser feito? k) Por fim, dê sua opinião: a escola deve, em nome da ampliação do universo cultural de seus alunos, trabalhar com obras clássicas da literatura, das artes plásticas e da música? Por quê? Debata essa questão com seus colegas. ENSINO MÉDIO EM REDE • SEQÜÊNCIA DIDÁTICA • ARTIGO DE OPINIÃO 31 ATIVIDADE 6 ORGANIZADORES TEXTUAIS 1. Leia as frases abaixo, prestando atenção nas palavras em destaque, que podem ser chamadas de organizadores textuais: • Gosto de dar carona, pois isso pode ser perigoso. • Gosto de dar carona, mas isso pode ser perigoso. Qual das duas frases poderia ter sido dita por uma pessoa que gosta de aventura, de emoção, enfim, uma pessoa que gosta de viver perigosamente? 2. Qual das alternativas abaixo lhe parece a mais correta? • Os organizadores textuais são palavras ou expressões que relacionam uma parte do texto com a outra, sem interferir no sentido geral do texto. • Os organizadores textuais são palavras ou expressões que relacionam uma parte do texto com a outra e têm um papel importante na definição do sentido geral do texto. 3. Leia com atenção os períodos abaixo e inclua os organizadores textuais em destaque nas colunas adequadas, de acordo com a função que desempenham em cada período, usando um quadro semelhante ao que se segue: Introduz argumento Acresce argumentos Introduz conclusão Introduz uma idéia na direçãocontrária do que é afirmado antes • Não se pode de maneira simplista afirmar que o brasileiro não gosta de ler, pois é preciso considerar que muitos deles ainda hoje não têm acesso a livros e outros tantos nem sequer sabem ler. • As músicas eram de mau gosto, o bolo estava seco, a bebida, quente. Em suma, a festa foi um fracasso. • O filme não é muito bom. A fotografia é escura demais, o roteiro está cheio de falhas de continuidade. Além disso, os atores trabalham muito mal. • A bebida alcoólica diminui a capacidade do homem de responder imediatamente aos estímulos do mundo externo. Portanto, não se deve dirigir alcoolizado. • Criar condições de desenvolvimento econômico é o melhor modo de ajudar à po- pulação carente. Entretanto, muitos governantes preferem implementar políticas assistencialistas. ENSINO MÉDIO EM REDE • SEQÜÊNCIA DIDÁTICA • ARTIGO DE OPINIÃO32 • No Egito antigo a cerveja era considerada a bebida nacional. Os egípcios acredita- vam que ela possuía propriedades curativas, especialmente contra picadas de es- corpião. A bebida também era utilizada como produto de beleza pelas mulheres, que acreditavam em seus poderes de rejuvenescimento. • “A reserva de vagas para estudante de escolas públicas não resolve a questão, como também não assegura que os beneficiados sejam os mais pobres, uma vez que não há na proposta corte por renda. Não é improvável que estudantes menos qualifica- dos de classes mais abastadas migrem para o ensino público visando beneficiar-se da cota.” (Editorial, Folha de S.Paulo, 30/5/2004) • O ambiente era bastante hostil, porém muitos animais sobreviviam lá. • O Brasil é uma nação jovem, posto que 42,1% da população tem menos de 18 anos. 4. Indique qual dos organizadores textuais abaixo são mais adequados para cada lacuna do texto8: portanto além disso também pois Texto 1 A habitação é um dos gran- des problemas dos centros urbanos. Não é preciso an- dar muito por uma cidade como São Paulo para que vejamos favelas precárias e pessoas dormindo na rua ou embaixo de pontes e viadutos. A melhor solução para esse problema é a construção de prédios populares de apartamentos, _____________________ os edifícios custam menos do que as casas e pos- sibilitam que um número maior de pessoas possa morar num mesmo terreno. _____________________, com a construção de prédios, há uma economia na instalação de redes de esgoto e de luz e os gastos podem ser divididos. É preciso considerar _____________________ que edifícios possibilitam mais segurança por um preço menor, pois os gastos podem ser divididos por todos os moradores. _____________________, ainda que alguns arquitetos defendam a construção de casas populares, a forma mais econômica de resolver o problema da moradia é a construção de prédios de apartamentos. 8. Atividade retirada de Barbosa, J. (2002). Carta de Solicitação/Reclamação, seqüência didática elaborada para o Programa PEC-Formação Universitária, SEE-SP, CENP, USP, PUC-SP, UNESP. Conjunto habitacional Santa Etelvina, Zona Leste, São Paulo, 27.07.1998 R O G ER IO M O N TE N EG R O /E D IT O R A A B R IL ENSINO MÉDIO EM REDE • SEQÜÊNCIA DIDÁTICA • ARTIGO DE OPINIÃO 33 Assim Finalmente Em segundo lugar Em primeiro lugar Texto 2 O problema da falta de moradia dos grandes centros urbanos não pode ser resolvido com a construção de mais prédios. _____________________, porque a existência de muitos prédios dificulta a dispersão dos poluentes do ar que, nas cidades grandes, já estão presentes em grandes quan- tidades. _____________________, porque um grande número de edifícios impede que os raios de sol iluminem as casas das pessoas, o que não faz bem para a saúde, além de aumentar o consumo de energia elétrica, que o país tem de economizar. _____________________, um grande número de pessoas morando em um mesmo local acarreta uma necessidade maior de transportes, o que contribui para piorar o trânsito de veículos na cidade. _____________________, o problema de habitação que as grandes cidades possuem deve ser resolvido com a construção de casas populares, e não com o aumento do número de edifícios. Vamos agora aprofundar um pouco o estudo do significado dos organizadores textuais com os quais você trabalhou. 5. Vejamos, com mais calma, o uso das expressões “mas”, “porém”, “contudo”, “todavia”, “entretanto”, “no entanto”, que são chamadas de conjunções adversativas. Essas conjun- ções introduzem idéias que vão na direção contrária do que se estava afirmando. Além disso, seu uso faz com que uma das idéias (aquela que vai no sentido pretendido pelo produtor do texto) seja destacada, ressaltada. a) Em qual das duas orações se enfatiza mais o fato de Maria ser feinha? Maria é feinha, mas é superlegal. Maria é superlegal, mas é feinha. b) Você diria que o autor da frase a seguir é a favor ou contra a pena de morte? Um assassino é alguém que cometeu um crime gravíssimo e, por isso, merece ser castigado. Mas condená-lo à pena de morte seria cometer um erro na tentativa de reparar um outro anterior. c) Escolha uma das alternativas. Os dois exemplos anteriores mostram que: • quando usamos uma conjunção do tipo “mas” a idéia que vem depois da conjunção é a que é ressaltada. • quando usamos uma conjunção do tipo “mas” a idéia que vem antes da conjunção é a que é ressaltada. ENSINO MÉDIO EM REDE • SEQÜÊNCIA DIDÁTICA • ARTIGO DE OPINIÃO34 6. Compare: Apesar da legalização da posse de terras ser uma medida necessária para a concre- tização da reforma agrária, ela está longe de ser suficiente: é preciso também que se criem condições para que essas terras se tornem produtivas e rentáveis. Embora a legalização da posse de terras seja uma medida necessária para a concre- tizaçãoda reforma agrária, ela está longe de ser suficiente: é preciso também que se criem condições para que essas terras se tornem produtivas e rentáveis. Agora reflita: a diferença na maneira de redigir traz diferença de sentido para os períodos? 7. Leia a nota abaixo, publicada na revista Veja de 28 de abril de 1999. Identifique os organi- zadores textuais que nela aparecem e indique que função/significado têm nesse contexto. Viva o povo brasileiro O país tem fama de não cuidar da ecologia. Vide as queimadas na Amazônia. Além disso, em reciclagem de vidros o Brasil foi reprovado num ranking do Instituto Worldwatch. Assim, parece soar estranho o país bater recorde mundial em reciclagem de latas. De cada 100 latinhas de bebida, 65 voltam para a indústria. É que há 125 000 brasileiros suando na coleta de latas usadas. Esse exército de subempregados embolsou 80 milhões de dólares em 1998. É preciso considerar que nem sempre esses organizadores textuais aparecem explicita- mente nos textos. Leia o exemplo que se segue: “Nosso apelo é para que [O MST] não se desvie da lei. E nossa advertência à elite gover- nante brasileira é a de que não é mais possível conter os anseios por mudanças na eco- nomia. Sem conteúdo social, a democracia é apenas abstração jurídica, e não o regime da maioria.” Roberto Busato (Folha de S.Paulo, 4/4/2004) Ao longo do texto escrito por Roberto Busato, o autor tenta analisar conflitos ocorridos entre governo e MST, procurando levar em conta os dois lados da questão. Nesse trecho, retirado do último parágrafo do texto, o autor faz um alerta aos dois lados. Depois do Acampamento de sem-terra na fazenda São João, Teodoro Sampaio, SP, 19.04.2001 EV EL SO N D E FR EI TA S/ FO LH A IM A G EM ENSINO MÉDIO EM REDE • SEQÜÊNCIA DIDÁTICA • ARTIGO DE OPINIÃO 35 alerta ao governo em “não é mais possível conter os anseios por mudanças na economia”, o autor tece ainda a seguinte consideração: “Sem conteúdo social, a democracia é apenas abstração jurídica, e não o regime da maioria”. A relação posta entre essas duas afirma- ções pode ser vista da seguinte forma: O governo deve propor mudanças na economia (que levem em conta questões sociais) tese “dado que” ou “pois” organizador textual implícito “sem conteúdo social, a democracia é apenas abstração jurídica, e não o regime da maioria” Argumento Assim, analisando dessa forma, pode-se dizer que a segunda afirmação serve de argu- mento para a primeira. 8. Leia os dois trechos abaixo procurando exemplificar o tipo de relação entre as partes do texto, explicitando o que este implícito. Desenhe, para cada trecho, um esquema semelhante ao anterior, exemplificando essa relação. Trecho 1 “Economias como a americana e a japonesa têm poucos encargos sobre a folha de pagamentos. Nesses países, o desemprego é baixo. Na Europa, o desemprego é me- nor na Inglaterra, onde a legislação também foi flexibilizada. E é alto na França e na Alemanha, que mantêm a rigidez. Essa decisão, tomada pelo Senado brasileiro por 51 votos contra 23, é a primeira mudança efetiva na engessada legislação trabalhista que vem do governo Getúlio Vargas.” (Artigo publicado na Folha de S.Paulo de 31/1/1998, de autoria de Elcio Álvares, senador do PFL pelo Espírito Santo e líder do governo no Senado. Foi ministro da Indústria e do Comércio do governo Itamar Franco.) Trecho 2 “(...) As opiniões governamentais sugerem que, nos países de industrialização tardia em que houve desregulamentação do mercado de trabalho, as taxas de desemprego mantêm-se em níveis aceitáveis e baixos. Argentina e Espanha, países com configura- ções econômicas semelhantes à do Brasil, tornaram-se líderes mundiais da flexibilização trabalhista e do desemprego. Na Espanha, a reforma trabalhista teve início em 1984. O desemprego, em 12 anos, saltou de 18% para 24% (dados da Fundación Formación y Empleo). Na Argentina, a flexibiliza- ção dos contratos de trabalho começou em 1990 e foi até o final de 1995. O desemprego nesse período saltou de 3,6% para 21%.” (Artigo publicado na Folha de S.Paulo de 31/1/1998, de autoria de Kjeld Jakobsen, secretário de relações internacionais da Central Única dos Trabalhadores, diretor da Organização Regional Interamericana de Trabalhadores da Central Internacional de Organizações Sindicais Livres e secretário-geral da Coordenadoria de Centrais Sindicais do Cone Sul.) ENSINO MÉDIO EM REDE • SEQÜÊNCIA DIDÁTICA • ARTIGO DE OPINIÃO36 ATIVIDADE 7 TIPOS DE ARGUMENTO 1. Leia os trechos a seguir, identifique a idéia ou tese que o autor quer de- fender e indique qual argumento o autor usa para defender sua opinião. Trecho 1 “Nos países que passaram a ter a pena de morte prevista no código pe- nal – os Estados Unidos são um exemplo disso – não houve uma diminui- ção significativa do índice de criminalidade. Donde podemos concluir que a existência legal da pena de morte não inibe a criminalidade.” Trecho 2: “Toda atitude racista deve ser denunciada e combatida, posto que fere um dos princípios fundamentais da Constituição brasileira.” Trecho 3 “A redução dos impostos sobre o preço dos carros – IPI e ICMS – é uma medida que pode ajudar a combater o desemprego, pois, reduzindo o preço, as vendas tendem a crescer, o que provoca um aumento da pro- dução, o que por sua vez garante os empregos.” Trecho 4 A função principal da escola média não deve ser a preparação especia- lizada para o trabalho e, ao contrário do que se possa pensar, essa não é uma idéia recente. No século passado, Einstein já se opunha à idéia de que a escola devesse ensinar conhecimento ou técnicas específicas que uma pessoa fosse utilizar mais tarde na sua vida. Considerava que as exigências da vida são muito variadas para que a escola pudesse dar conta delas. Afirmava ser contra tratar um indivíduo como “ferra- menta morta” e considerava, portanto, que a escola deveria ter como meta formar jovens com personalidade harmoniosa, capazes de pensar e com autonomia para julgar. Como brilhante cientista que era, ante- vendo o desenvolvimento tecnológico, sustentava que, se uma pessoa dominasse o fundamental na sua área de interesse e tivesse aprendido a pensar e a trabalhar de maneira autônoma, poderia se adaptar mais facilmente ao progresso e às mudanças e encontrar seu caminho na vida profissional, ao contrário de uma pessoa que tivesse tido um trei- namento em um conhecimento especializado. Albert Einstein (1879-1955). Físico alemão, exilado nos Estados Unidos em 1933, foi ganhador do prêmio Nobel de física em 1921 por seus estudos sobre o efeito fotoelétrico. É conhecido mundialmente por desenvolver a teoria da relatividade. B ET TM A N N /C O R B IS /S TO C K PH O TO S ENSINO MÉDIO EM REDE • SEQÜÊNCIA DIDÁTICA • ARTIGO DE OPINIÃO 37 Estudiosos da argumentação propuseram diferentes classificações de argumentos. Observe alguns tipos de argumento: a) argumento de autoridade: a conclusão se sustenta pela citação de uma fonte confiável, que pode ser um especialista no assunto ou dados de instituições de pesquisa; b) argumento de princípio: a justificativa é legítima, faz apelo a princípios, o que tor- na a conclusão quase que incontestável; c) argumento por causa: a(s) justificativa(s) e a conclusão têm uma reversibilidade plausível; d) argumento por exemplificação: a justificativa remete a exemplos comparáveis ao que se pretende defender. 2. Considerando os diferentes tipos de argumento, releia os trechos do exercício 1 e classifique os argumentos que lá aparecem. 3. Escolha uma posição frente à seguinte questão: As cotas, nas universidades, para ne- gros e para alunos que cursaram a escola pública é uma medida acertada? No quadro a seguir você encontra uma série de argumentos que defendem posições sobre essa questão. • Primeiro classifique os tipos de argumento apresentados, de acordo com as definições apresentadas no exercício anterior; • Depois,assinale aqueles que são favoráveis à sua posição. ENSINO MÉDIO EM REDE • SEQÜÊNCIA DIDÁTICA • ARTIGO DE OPINIÃO38 Lista de argumentos Exemplos, como estudos feitos na UENF (Universidade Estadual do Norte Fluminense), mostram que não há diferenças significativas entre alunos cotistas e não-cotistas. Já estudos feitos na UERJ (Universidade Estadual do Rio de Janeiro) demonstram que alguns desses alunos cotistas apresentam defasagens, mas concluem que não se trata de nenhuma grande dificuldade que algumas medidas como a oferta de cursos de apoio ou melhor infra-estrutura de bibliotecas e mais laboratórios de informática não possam sanar; O jornalista Kaíke Nanne, na sua coluna na AOL, chama a atenção para o risco de que os profissionais negros sejam vistos com desconfiança e tenham seu talento e potencial contestados, já que não entraram na universidade por mérito, mas sim pelo regime de cotas; Uma das conseqüências mais preocupantes do regime de cotas é a queda da qualidade do ensino, já comprometida, dado que alunos menos preparados entrariam nas universidades, o que em alguns casos poderia obrigar os professores a nivelar suas aulas por baixo; Paulo Corbucci, pesquisador do Ipea (Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada), diz por que políticas compensatórias, como as cotas sociais, são necessárias. “As desigualdades sociais reproduzem as desigualdades educacionais (...) O círculo não é quebrado se não houver decisão política” (Folha de S. Paulo, 31/5/2004); A política de cotas para estudantes negros fere o princípio de que todos são iguais perante a lei, e, portanto, uns não podem ser menos iguais que outros. No caso do vestibular, que tem no mérito seu principal critério de seleção, a política de cotas dá vantagens para uns e não para outros; Os alunos contemplados pelo regime de cotas tendem a apresentar melhor desempenho na universidade, dedicando-se mais, dado que valorizam mais o acesso à universidade, que assume para eles um caráter de conquista. 4. Agora escreva um pequeno texto argumentativo defendendo sua opinião em relação às cotas e utilizando pelo menos três dos argumentos favoráveis à sua posição. Você também deverá considerar um argumento contrário à sua posição, para tentar refutá-lo ou enfraquecê-lo. ATENÇÃO! A forma como você encadeia as idéias é fundamental para alcançar o objetivo proposto. Lembre-se de usar os organizadores textuais ou então de garantir que as idéias estejam bem articuladas, de modo que não seja necessário explicitá-los. 1 2 3 4 5 6 ATIVIDADE 8 MOVIMENTO ARGUMENTATIVO 1. Imagine um deputado federal defendendo no Congresso Nacional a flexibilização das leis trabalhistas. Leia agora dois trechos possíveis para esse discurso: Trecho 1 “Podemos admitir que alguns trabalhadores sairão perdendo com a flexibilização das leis trabalhistas, mas a grande maioria sairá ganhan- do, pois o alto custo de manter um trabalhador em regime de CLT impede as empresas de manter e/ou ampliar seu quadro de funcioná- rios. Assim, o governo tem acertado em procurar flexibilizar essas leis, posto que, mais do que os direitos de alguns trabalhadores, o que está em jogo é o próprio emprego de outros tantos, sem o qual o princípio constitucional de garantia da dignidade da pessoa humana fica já de saída ameaçado.” Trecho 2 “Com a flexibilização das leis trabalhistas a grande maioria dos traba- lhadores sairá ganhando, pois o alto custo de manter um trabalhador em regime de CLT impede as empresas de manter e/ou ampliar seu qua- dro de funcionários. Assim, o governo tem acertado em procurar flexi- bilizar essas leis, posto que o que está em jogo é o próprio emprego da maioria da população, sem o qual o princípio constitucional de garantia da dignidade da pessoa humana fica já de saída ameaçado.” a) Que diferenças você nota nesses dois trechos? Qual dos dois trechos traz uma idéia que vai na direção contrária a que se pretende defender? b) Levando em conta que o Congresso Nacional abriga políticos de vários partidos e de várias escolas de pensamento, qual dos tre- chos você considera mais convincente na direção pretendida pelo enunciador? Justifique. ENSINO MÉDIO EM REDE • SEQÜÊNCIA DIDÁTICA • ARTIGO DE OPINIÃO 39 ENSINO MÉDIO EM REDE • SEQÜÊNCIA DIDÁTICA • ARTIGO DE OPINIÃO40 Como você deve ter percebido, o primeiro trecho inclui uma afirmação que vai na direção contrária àquela que o enunciador pretende defen- der (“Podemos admitir que alguns trabalhadores sairão perdendo com a flexibilização das leis trabalhistas”), como se o enunciador estivesse an- tecipando o que um interlocutor que defendesse uma posição diferente da sua poderia dizer. Essa inclusão da posição contrária àquela que se pretende defender na construção de um argumento é chamada por al- guns autores de negociação. 2. Agora imagine o seguinte trecho de um artigo de opinião que poderia ter sido escrito por um líder sindical para um jornal de grande circula- ção nacional: Há certas idéias que vão sendo disseminadas por determinados grupos com interesses específicos que acabam sendo aceitas como verdades por diferentes setores da sociedade. Uma delas é de que a legislação trabalhista brasileira é arcaica, inadequada para a ordem econômica atual e responsável por parte do desemprego. A tese é de que os en- cargos trabalhistas são caros e impossibilitam as empresas de contratar trabalhadores ou mesmo dificultam sua manutenção em postos de tra- balho. Dito de outra forma, o principal motivo do desemprego deixa de ser a política monetária e tributária do governo federal e o crescente processo de reestruturação produtiva das empresas e passa a ser o dé- cimo terceiro, as férias e o fundo de garantia do trabalhador. (...) a) Qual é a tese (posição) defendida pelo autor do texto? b) Em vez de explicitar a tese que defende, o autor escolhe começar criticando uma tese contrária à dele. Você considera essa uma estra- tégia eficaz de argumentação? Em toda situação ou em algum(ns) tipo(s) específico(s) de situação? Podemos dizer, então, que três movimentos básicos dão conta da “arqui- tetura” da argumentação: 1) sustentação: só se leva em conta a posição que se pretende defen- der, através do encadeamento de indício(s), prova(s), argumento(s) que corrobore(m) o que se pretende afirmar; 2) refutação: busca-se a rejeição de uma tese defendida ou de ar- gumentos apresentados que sejam contrários à opinião do autor. Nesse caso, usa-se o que chamamos de contra-argumento; 3) negociação: incorpora-se parte do ponto de vista do outro, num aparente esforço de entendimento, mas na verdade esse recurso é só uma estratégia de enfraquecimento do que se apresenta como contrário ao que se quer defender. O uso da negociação pode ser visto como uma aparente “diplomacia” no uso da linguagem, mas na verdade, na maior parte das vezes, o que a negociação visa não é exatamente um acordo entre as partes, mas sim um enfraquecimento de argumentos contrários aos defendidos pelo enunciador ou, no mínimo, uma concessão parcial que continua visando assegurar o que se pretende defender. Dessa forma, uma das construções típicas do movimento argumentativo de negociação seria a forma “ é certo que x” (ou “podemos aceitar x”), mas y..... ENSINO MÉDIO EM REDE • SEQÜÊNCIA DIDÁTICA • ARTIGO DE OPINIÃO 41 3. Em diferentes situações, o uso desses tipos de movimento pode surtir efeitos bastante diversos. Isso quer dizer que, dependendo da situação, um movimento pode se mostrar mais eficaz que outro. Pensando em diferentes contextos, indique qual dos três movi- mentos estão presentes nas afirmações que se seguem. a) Para um público que sabemos acreditar em idéias muito diferentes entre si a res- peito de um tema, utilizar esse movimento argumentativo pode trazer efeitos po- sitivos. ( ) b) Diante de um público que acreditamos saber pouco a respeito das idéias que tenta- mos defender, pode ser mais eficaz não considerarposições contrárias e centrar-se apenas nas evidências que comprovam a tese que se quer defender. Dessa forma, a utilização desse movimento pode ser uma boa estratégia, pois, ignorando outras posições possíveis, as teses “ganham” força de verdades absolutas. ( ) c) Quando acontece de uma tese contrária a que defendemos estar sendo muito afir- mada pela mídia e pelas pessoas em geral, pode ser uma boa estratégia de conven- cimento usar esse movimento. ( ) 4. Agora, reunidos em grupos, tomem (ou retomem) uma posição frente à questão controversa escolhida por vocês ao longo do desenvolvimento do projeto interdiscipli- nar. Vocês deverão construir um trecho argumentativo, que inclua a tese (posição) que procurarão defender e argumentos que justifiquem ou comprovem essa tese. No trecho que escreverão deve aparecer o movimento de refutação ou negociação. ATIVIDADE 9 EXPLORANDO A ESTRUTURA DE UM ARTIGO DE OPINIÃO São várias as formas de estruturar um artigo de opinião. Mas, em geral, todos os artigos de opinião contêm os seguintes elementos: (1) Contextualização e/ou apresentação da questão em discussão; (2) Explicitação da posição assumida; (3) Utilização de argumentos que sustentam a posição assumida; (4) Consideração de posição contrária e antecipação de possíveis argumentos contrários à posição assumida; (5) Utilização de argumentos que refutam a posição contrária; (6) Retomada da posição assumida e/ou retomada do argumento mais enfático; (7) Proposta ou possibilidades de negociação; (8) Conclusão (que pode ser a retomada da tese ou posição defendida). ENSINO MÉDIO EM REDE • SEQÜÊNCIA DIDÁTICA • ARTIGO DE OPINIÃO42 1. Esses elementos podem vir em qualquer ordem e nem todos precisam aparecer num artigo de opinião. Leia o artigo de opinião que se segue9, escrito por Jairo Bouer, e ao final de cada parte indique o número correspondente aos elementos listados acima. Considere como uma parte o texto que inicia após um parênteses e termina antes de outro parênteses. O Folhateen desta semana traz uma discussão impor- tante sobre a pílula do dia seguinte e os abusos que jo- vens casais, de todas as partes do país, têm feito desse tipo de recurso. ( ) A pílula do dia seguinte é e deveria ser encarada ape- nas como um método emergencial para tentar evitar uma gravidez indesejada. ( ) Mas, infelizmente, o que se tem visto é que muitas garotas estão usando o mé- todo de maneira indiscriminada. ( ) Conhecem a velha história de tentar achar a saída, aparentemente mais fácil, para resolver um problema? “Eu transo sem proteção e, para evitar qualquer dor de cabeça, tomo a pílula do dia seguinte logo depois!” Aposto que vocês já ouviram essa história por aí! Acontece que nem tudo é tão simples como parece! ( ) Problemas podem acontecer! Em primeiro lugar, esse método traz uma concentração de hormônios femininos bem maior do que as pílulas habituais. A idéia do método é justamente dar uma “carga” extra de hormônio para fazer o endométrio (parede do útero) crescer rapidamente e, depois, com a queda rápida desses níveis, favorecer uma descamação do útero, o que impede que um ovo fecundado se implante e se desenvolva. Para que esse mecanismo possa funcionar, é importante que a pílula seja tomada, no máximo, até 72 horas após a relação suspeita. Quanto mais cedo a pílula for tomada, maior sua eficácia. Assim, tomar logo no primeiro dia após a transa é melhor do que tomar três dias depois. Mas é sempre bom lembrar que, mesmo tomado corretamente, esse tipo de método pode não ser 100% eficaz. Existem mulheres que engravidam mes- mo tomando a pílula do dia seguinte no dia correto. ( ) Uma série de efeitos indesejáveis pode aparecer: dor de cabeça, náusea, inchaço e sen- sação de mal-estar. O maior risco do uso freqüente da pílula do dia seguinte é uma verdadeira “bagunça” no ciclo hormonal. As sucessivas “cargas extras” de hormônio podem desregular o controle do próprio organismo sobre a menstruação. A mulher fica sem saber quando é, de fato, seu período fértil. ( ) Outro erro freqüente é esquecer que a relação sexual desprotegida não traz apenas a gravidez indesejada como conseqüência, mas também o risco de DSTs e de AIDS. ( ) De fato, o casal deveria investir mesmo é no uso da camisinha e de um método anticon- cepcional regular (como a pílula anticoncepcional) e reservar a contracepção de emer- 9. Publicado no Folhateen, caderno da Folha de S.Paulo, de 30/8/2004. Adolescentes grávidas em abrigo municipal, 02.07.2003 M A R IZ IL D A C R U PP E/ A O G ENSINO MÉDIO EM REDE • SEQÜÊNCIA DIDÁTICA • ARTIGO DE OPINIÃO 43 gência apenas para as situações em que um problema acontecer (a camisinha estourar, a garota esquecer de tomar a pílula convencional etc.). E seria bom que o uso sempre fosse feito com o conhecimento e o aval do médico ginecologista. Dessa forma, a garo- ta estaria mais protegida em todos os sentidos. ( ) 2. Dê um título ao artigo que, de alguma forma, permita ao leitor antecipar o assunto e a posição do autor frente a ele. 3. Agora leia mais um artigo de Jairo Bouer: Só informação não dá conta do recado!10 Jairo Bouer Recebi na última semana um e-mail de uma leitora atenta aos textos da coluna e observadora do comportamento dos jovens da sua escola. Vale a pena ler al- guns trechos desse texto:“Apesar de tan- ta informação bem-intencionada, muitos dos comportamentos e situações de risco seguem acontecendo. Na minha escola, agora mesmo, há umas oito garotas grá- vidas, de 14 a 16 anos, e uma menina que se assumiu homossexual e é ridicularizada e excluída dos grupos”. “Sabe? Você pensa que, depois que a es- cola abriu espaço para discussão de temas que antes eram tabus, principalmente no que diz respeito a sexo, agora que você pode ligar a sua televisão, comprar uma revista, ler uma coluna de jornal e encon- trar alguém falando ou escrevendo sobre AIDS, gravidez na adolescência, precon- ceito, sexo tântrico etc., o comportamen- to não vai acontecer do mesmo jeito que acontecia antes. Engano!” “Parece que existe um fosso entre o dis- curso e a ação. E o que é pior: que o foco de tanta informação acaba sendo a in- formação por ela mesma. Eu quero dizer: ela não chega realmente às pessoas. Até porque, por mais que se tenha democrati- zado os espaços para dar informação, não se fez o mesmo com o tempo. As pessoas correm demais na ânsia de ter coisas, con- sumir, sobreviver. Com isso, vão fazendo de conta que escutam, que entenderam a mensagem, mas...” E digo mais: além da falta de tempo para prestar atenção às mensagens, muitas vezes o tal fosso entre discurso e ação se deve às complexas emoções que habitam as pessoas. Tanto sentimentos negati- vos (problemas de auto-estima, tristeza, sensação de exclusão) como sentimentos supostamente positivos (paixão, alegria, autoconfiança) podem deixar o jovem mais vulnerável e exposto ao risco. É como se a emoção fechasse os olhos da lógica e da razão. Fica a pergunta: será que não dá para juntar tudo no mesmo barco? A gente não pode viver uma emo- ção (boa ou má) e, ao mesmo tempo, se cuidar e evitar problemas? Lógico que sim! Se só a informação não basta, cabe a cada um de nós aprender a lidar com nossas emoções e a administrar a forma como a informação é usada! Jairo Bouer, 38, é médico e escreve semanalmente para o Folhateen. 9. Publicado no Folhateen, caderno da Folha de S.Paulo, de 30/8/2004. ENSINO MÉDIO EM REDE • SEQÜÊNCIA DIDÁTICA • ARTIGO DE OPINIÃO44 (...) 4. Desenhe um esquema semelhante ao que se segue, completando-o com o que falta: Questão controversa: Só informação garante um comportamento sexual seguro? Conclusão do autor: Posição defendida pela leitora citada: Posição defendida pelo autor do texto: Argumento utilizado para defender sua posição: Argumento utilizado para defender sua posição: 5. E você? Concorda quea maioria dos jovens de hoje possui informações suficien- tes sobre sexo? Concorda que só informação não basta para garantir o sexo seguro? Concorda com o argumento utilizado pelo autor para dizer que só informação não basta? Discuta com seus colegas. ENSINO MÉDIO EM REDE • SEQÜÊNCIA DIDÁTICA • ARTIGO DE OPINIÃO 45 ATIVIDADE 10 DEVOLUÇÃO DOS PRIMEIROS ARTIGOS PRODUZIDOS Finalmente você vai poder rever o artigo de opinião que escreveu no começo deste trabalho (Atividade 3), an- tes de estudar algumas das características desse tipo de texto. Por essa razão, talvez ele não esteja muito con- vincente ou apresente outras inadequações. Lembre-se, porém, de que escrever é algo que supõe uma sé- rie de retomadas do texto com o objetivo de melhorá-lo. Mesmo os escritores profissionais fazem isso. Releia seu artigo e, levando em conta o que estudou sobre esse gênero textual, coloque-se no lugar de seu professor e corrija-o, anotando os pro- blemas que ele tem e o que pode ser feito para melhorá-lo. Entregue a correção a seu professor. ATIVIDADE 11 APROFUNDANDO A DISCUSSÃO SOBRE O TEMA ESCOLHIDO Vimos que argumentar é convencer o outro e que isso supõe o uso de argumentos con- vincentes. Ora, não podemos ter argumentos convincentes sem estudar minimamente uma questão, sem obter vários tipos de informação sobre ela, sem analisá-la de vários ângulos. Por isso, você vai retomar os textos que já leu sobre o assunto, a partir das sínteses feitas por você e seus colegas. Procurem ainda outros textos que possam trazer mais informações sobre a questão escolhida e destaquem neles as informações e/ou argumentos novos que poderão utilizar. Construa com seus colegas um quadro com vários argumentos semelhante a este: QUESTÃO CONTROVERSA EM DISCUSSÃO: Argumentos favoráveis a uma posição Argumentos contrários a essa posição (explicitar qual é a posição) (explicitar qual é a posição) ENSINO MÉDIO EM REDE • SEQÜÊNCIA DIDÁTICA • ARTIGO DE OPINIÃO46 ATIVIDADE 12 REESCRITA DO ARTIGO DE OPINIÃO Reescreva o seu artigo, alterando o que achar necessário ou mesmo escrevendo um novo texto. Lembre-se de que você deve imaginar que seu artigo será publicado em um jornal de grande circulação na sua cidade, cujos leitores não têm necessariamente uma posição firmada sobre a questão em pauta ou podem ter uma posição diversa da sua. Para orientar sua produção, releia a instrução para a produção de texto da Atividade 3 e leia o quadro de avaliação abaixo. Quando terminá-lo, olhe novamente o quadro de avaliação e releia o texto, verificando em que você precisa melhorá-lo. QUADRO DE AVALIAÇÃO – GÊNERO ARTIGO DE OPINIÃO Critérios Está OK É preciso mudar 1. Adequação do título 2. Adequação ao contexto de produção de linguagem: • A questão discutida é mesmo controversa e de relevância social? • Você, enquanto autor, se colocou como alguém que discute a questão racionalmente, considerou o leitor e o veículo de publicação do texto? • Considera que conseguiu atingir seu objetivo de tentar convencer seus leitores? 3. Estrutura do texto: • Presença de uma contextualização adequada da questão discutida; • Explicitação da posição defendida frente à questão; • Uso de argumentos para defender a posição assumida; • Presença de uma conclusão adequada. 4. Argumentação: • Seleção de informações relevantes; • Emprego adequado de organizadores textuais; • Uso adequado dos movimentos argumentativos: sustentação, negociação, contra-argumentação/ refutação. 5. Marcas lingüísticas: • Emprego adequado de unidades coesivas (além dos organizadores textuais típicos da argumentação); • Adequação às normas gramaticais; • Legibilidade (aspectos da grafia, ausência de rasuras, formatação adequada do texto). Seqüê nciaDi dática Ar t ig o de o pinião Seqüê nciaDi dática Ar t ig o de o pinião Material do p ro f e s s o r Seqüência Didática Artigo de Opinião Jacqueline P. Barbosa Com a colaboração de: Marisa V. Ferreira pesquisa de textos e elaboração de atividades Cristina Barbanti pesquisa de textos Índice Carta ao leitor .................� 52 Atividade 1 - Reconhecendo artigos de opinião ....................................................................52 Atividade 2 - O conteúdo dos artigos de opinião: as questões polêmicas ..........53 Atividade 3 - Produção inicial de um artigo de opinião ...................................................56 Atividade 4 - O contexto de produção do artigo de opinião ........................................56 Atividade 5 - As várias vozes que circulam num artigo de opinião ..........................57 Atividade 6 - Organizadores textuais ..........................................................................................59 Atividade 7 - Tipos de argumento .................................................................................................63 Atividade 8 - Movimento argumentativo ..................................................................................64 Atividade 9 - Explorando a estrutura de um artigo de opinião ..................................65 Atividade 10 - Devolução dos primeiros artigos produzidos ...........................................67 Atividade 11 - Aprofundando a discussão sobre o tema escolhido ............................67 Atividade 12 - Reescrita de artigo de opinião ...........................................................................67 ENSINO MÉDIO EM REDE • SEQÜÊNCIA DIDÁTICA • ARTIGO DE OPINIÃO50 Ao longo das Vivências Educadoras 2 e 3 você teve a oportunidade de discutir os gêneros do discurso, sobretudo o con- ceito de gênero, a justificativa da eleição dos gêneros do discurso como objeto de ensino-aprendizagem e pistas a propósito de como trabalhar com os gêneros. A pre- sente seqüência didática nada mais é do que um exemplo de trabalho com o gêne- ro artigo de opinião, com a finalidade de ajudá-lo a organizar esse trabalho. Assim, as atividades aqui propostas devem ser en- caradas como exemplos; você pode e deve adaptá-las, trocando textos (por outros relativos ao tema do projeto interdiscipli- nar em desenvolvimento), acrescentando, modificando ou pulando atividades. Não é necessário que você faça nesse momen- to todas as atividades. O importante é que você mantenha o movimento metodoló- gico geral. O ponto de partida desse movimento é identificar o que o aluno já sabe e o que precisa aprender, oferecendo atividades que primam mais pela indução – situações para que o aluno possa comparar, perce- ber semelhanças e diferenças, generalizar, estabelecer relações etc. – e demandam uma réplica ativa do aluno para com os Caro(a) professor(a), textos lidos1. Depois vem a exploração dos vários elementos do gênero em questão (condições de produção, conteúdo temá- tico, forma composicional e marcas lingü- ísticas), de modo a possibilitar aos alunos a apropriação desse gênero do discurso, condição para que possam desenvolver competências leitoras e escritoras a ele pertinentes. Você também pode e deve encaminhar o trabalho de forma a que alunos com ne- cessidades de aprendizagens diferentes possam realizar percursos diferentes. Por exemplo, se um aluno apresentar difi- culdade na articulação das idéias de um texto, ele deverá fazer todas as atividades propostas para trabalho com os organiza- dores textuais (Atividade 6) e seria inte- ressante acrescentar mais algumas. Já um aluno que não apresente esse tipo de difi- culdade poderá fazer apenas um bloco de atividades relativas a esse conteúdo. A escolha pelo gênero artigo de opinião se deve sobretudo a três aspectos. Primeiro, por ser um gênero argumentativo, o que permite o desenvolvimento de capacidades argumentativas – tanto em relação à leitu- ra quanto à produção de textos. Segundo, porque os artigos de opinião discutem questões/problemas sociais relevantes e atuais, o que possibilita a concretização dos princípios de organização curricular – da contextualizaçãoe da interdisciplina- 1. Lembrar a essa respeito do texto de Rojo, disponível no CD e discutido na Vivência Educadora 2, quando trata das concepções do trabalho. ENSINO MÉDIO EM REDE • SEQÜÊNCIA DIDÁTICA • ARTIGO DE OPINIÃO 51 ridade (já que o entendimento desses pro- blemas e a proposição de soluções não ra- ras vezes demandam um enfoque de mais de uma disciplina). Terceiro, pelo fato de que a discussão desses problemas sociais relevantes proporciona ao aluno a chan- ce de desenvolver sua criticidade, ampliar sua possibilidade de participação social e vir a se interessar mais pelos problemas que envolvem a coletividade. O objetivo último é que o aluno possa pro- duzir um artigo de opinião como forma de finalizar o projeto interdisciplinar já em desenvolvimento. Embora a seqüência didática não esteja formalmente dividida em partes, é possí- vel conceber uma divisão em três partes: • A primeira (Atividades 1, 2 e 3) visa diagnosticar o que o aluno sabe sobre artigo de opinião e sobre situações de ar- gumentação, bem como sua capacidade de compreender e produzir textos desse gênero. Essa primeira parte termina com a produção de um artigo de opinião, cujo produto deve ser visto como ponto de partida para a seleção de atividades que deverão ser trabalhadas com os alunos. • A segunda visa aprofundar o estudo sobre o gênero recortando suas carac- terísticas e proporcionando situações para que os alunos possam dialogar com esses textos – contexto de produção Caro(a) professor(a), (Atividade 4), polifonia (Atividade 5), marcas lingüísticas (Atividades 6, 7 e 8) e forma de organização (Atividade 9) –, desenvolvendo sua capacidade de ar- gumentação no que diz respeito à com- preensão e produção de textos. • A terceira visa finalizar o projeto inter- disciplinar, a partir da retomada e do aprofundamento dos conteúdos rela- cionados à questão polêmica escolhida e da escrita final do artigo de opinião (Atividades 10, 11 e 12) Paralelamente às partes descritas, há um trabalho contínuo de compreensão de tex- to, seja no sentido de reconhecer questões controversas, teses/posicionamentos e ar- gumentos, seja no sentido de solicitar do aluno uma réplica ativa aos textos lidos. No final destas orientações, você encon- tra uma lista de endereços nos quais pode obter mais informações e opiniões sobre as temáticas tratadas nesta seqüência di- dática, caso haja maior interesse da classe por algum dos assuntos abordados, o que poderia até originar outros pequenos pro- jetos de trabalho. Por fim, esperamos que esta seqüência de atividades ajude no desenvolvimento do seu trabalho. Bom trabalho! A autora ENSINO MÉDIO EM REDE • SEQÜÊNCIA DIDÁTICA • ARTIGO DE OPINIÃO52 Orientações para o desenvolvimento das atividades Carta ao leitor Trata-se, na verdade, de uma sensibilização sobre atividades de produção que pode ajudar a quebrar a resistência. Explicitam-se também os motivos de escolha do gênero artigo de opinião e faz-se aos alunos um “convite” para trabalhar com esse gênero. É preciso que eles conheçam os projetos de trabalho que vão desenvolver, a finali- dade do projeto, os objetivos que se pretende atingir e o que se espera que façam, que aprendam etc. Por meio dessas explicitações, espera-se que os alunos possam se vincular mais com o trabalho e atuar de maneira mais significativa e produtiva. Tudo isso faz parte do que se costuma chamar de contrato didático. Em vez de ler a carta ou pedir que seus alunos o façam, você também pode optar por uma conversa com eles sobre o conteúdo da carta. Ou seja, você pode fazer da forma que julgar mais adequa- da para seu grupo ou sua classe – apenas insistimos que é preciso explicitar o projeto para todos os alunos. ATIVIDADE 1 RECONHECENDO ARTIGOS DE OPINIÃO O objetivo dessa atividade é aferir o que os alunos sabem sobre artigo de opinião e demais gêneros que circulam no jornal – no caso, notícia e carta de leitor. As duas primeiras questões demandam uma ativida- de de comparação. Atividades de comparação entre gêneros iguais e diferentes ajudam a perceber as características dos diferentes gêneros do discurso em questão. Possibilidades de respostas para as questões 2 e 3: Texto 1: Notícia – objetivo: relatar resultado de um levantamento feito pela Secretaria de Segurança Pública sobre participação de jovens em homicídios; Texto 2:Carta de leitor – objetivo: opinar sobre matéria publicada no jornal (uma carta de leitor sempre apresenta a opinião de um leitor sobre matéria publicada, ENSINO MÉDIO EM REDE • SEQÜÊNCIA DIDÁTICA • ARTIGO DE OPINIÃO 53 mas nem sempre essa opinião é sustentada, ou seja, nem sempre a argumentação está presente); Texto 3: Artigo de opinião – objetivo: defender a idéia de que a maioridade penal deve ser reduzida, tentando convencer o leitor disso; Texto 4: Artigo de opinião – objetivo: defender a idéia de que o ECA não deve ser mo- dificado (ou de que o ECA é adequado ao contexto brasileiro e deve ser mantido); Texto 5: Notícia – objetivo: relatar pesquisa feita com jovens sobre proposta de redução da maioridade. Na questão 4, é importante observar se os alunos conseguem deixar claro qual é a posição deles (que pode inclusive ser de meio-termo ou de indefinição) e se conseguem sustentá-la com argumentos. Já em relação às questões 5, 6 e 7, são artigos de opinião os trechos 1, 2 e 5. Espera- se que os alunos justifiquem por que são artigos de opinião, afirmando que nos tre- chos em questão o autor defende uma posição (ou opinião) sobre algo e argumenta. O trecho 1 discute a questão da exclusão digital. Uma formulação possível para uma questão controversa seria: “Quais são as vantagens e desvantagens da internet?” ou “A internet traz somente ganhos para a sociedade?” O autor considera que há ganhos in- discutíveis – cita alguns –, mas também perdas, sendo a pior delas a exclusão digital. Nos trechos 3 e 5 o que está em discussão é a produção de alimentos transgênicos. Uma formulação possível para uma questão controversa seria: “O Brasil deve conti- nuar produzindo alimentos transgênicos?” A autora do trecho 3 é contra e o do trecho 5 é a favor. Por fim, com relação à questão 8, seria interessante registrar as respostas dos alunos e compará-las com respostas futuras dadas por eles a essa mesma pergunta, que poderia ser feita novamente após a exploração das características do gênero. ATIVIDADE 2 O CONTEÚDO DOS ARTIGOS DE OPINIÃO: AS QUESTÕES POLÊMICAS Nas questões 1 e 2 somente nos períodos 1 e 3 acontecem situações de argumentação: Período 1: Tese/posição defendida: “É preciso que o povo escolha bem em quem vai votar.” Argumento: “dado que as mudanças de que o Brasil tanto precisa dependem, em parte, da iniciativa desses candidatos.” ENSINO MÉDIO EM REDE • SEQÜÊNCIA DIDÁTICA • ARTIGO DE OPINIÃO54 Período 3: Tese/posição defendida: “Não há idade perfeita.” Argumento: “Quando se tem menos de 30, tem-se mais disposição e tempo, mas falta dinheiro. Quando se tem entre 30 e 50, pode-se até ter um pouco mais de dinheiro e disposição, mas falta tempo. Com mais de 50, no melhor dos casos, pode-se até ter mais dinheiro e tempo, mas não se tem mais a mesma disposição.” Note-se que nesse caso não há a presença de uma palavra (organizador textual) que ligue o argumento à conclusão. A relação é subentendida: não há idade perfeita (pois/ posto que/já que etc.) quando se tem menos de 30 (....). Já nos outros períodos, há ape- nas a emissão de opiniões, sem nenhuma sustentação, razão pela qual não se pode falar que haja argumentação. Nos períodos 4 e 5 aparece um tipo de discurso freqüente nas propagandas políticas, em que não há argumentação, mas tão somente uma opinião não sustentada: no caso do período 5 a opinião é relativa a um encadeamento de coisas que quem pronunciou essa fala pensa (ou quer que o interlocutor pense que ele pensa) que um eleitor “ideal deveria fazer”. O mesmo acontece com o período 2, no qual só há a explicitaçãode uma opinião. A questão 3 demanda que o aluno prove que a questão escolhida é mesmo controversa. É importante observar se os alunos conseguem sustentar dois posicionamentos diver- gentes. Caso eles tenham dificuldade, peça que digam que posições são possíveis frente à questão escolhida. Escolha um dos posicionamentos e pergunte o que uma pessoa que defende uma idéia como essa poderia usar como argumento. Proceda da mesma forma com o outro posicionamento. Se você quiser dar exemplos de outras possibilidades de questões controversas, pode recorrer ao material da Vivência Educadora 1, quando do levantamento dos temas possíveis para a realização do projeto interdisciplinar (pp. 23- 26), seguido de questões polêmicas a eles relacionadas. Como resposta à questão 4 são possíveis várias formulações de questões controversas que devem ser aceitas se forem coerentes com os excertos propostos. Algumas possibilidades: a) As políticas públicas de saúde estão investindo suficientemente na prevenção à AIDS? b) A forma como as informações sobre sexo são passadas para os jovens é adequada?2 c) O Estado deve regulamentar todo tipo de atividade informal, como lotação, motoboys?3 2. Com relação a esse trecho seria interessante, se houver possibilidade, discutir com os alunos o que seria essa “educação do olhar” e o que pode significar a falta dela (construção de informações equivocadas, preconceitu- osas etc.). Isso aponta para a necessidade de abrir espaço para questionamentos e debates sobre as informações recebidas aos borbotões pela mídia, como algo importante para a formação dos jovens. 3. Aqui seria interessante também discutir os extremos da questão: por um lado, a falta total de regulamentação e as decorrências disso para a população (falta de segurança para os casos dos lotações e motoboys, falta de garantias do produto para o consumidor etc.) e para o Estado (falta de arrecadação fiscal etc.); por outro lado, o desemprego denunciado por Ferréz e pensar em soluções. ENSINO MÉDIO EM REDE • SEQÜÊNCIA DIDÁTICA • ARTIGO DE OPINIÃO 55 Já com relação à questão 5: • A questão controversa implícita seria: “É bom morar em São Paulo?” Os dois tex- tos foram escritos por ocasião do aniversário de 450 anos da cidade. • A posição do autor do texto 1 é de que é bom morar em São Paulo. Como argu- mentos ele cita, entre outras coisas, o fato de que na cidade há muitas ofertas em termos gastronômicos, culturais (esses dois a qualquer hora do dia ou da noite; em termos de cultura há até opções de eventos gratuitos) e de serviços e uma grande diversidade cultural. • A posição do autor do texto 2 é de que não é bom morar em São Paulo. Para enfati- zar sua posição ele usa até o termo “sobreviver”, em vez de “viver”. Como argumen- tos ele afirma que São Paulo é uma ilusão para grande parte da sua população, que convive com a fome, o desemprego, as desigualdades sociais, o descaso do poder público etc. • O principal contraste é a diferença de perspectivas dos autores dos textos, que pode ser explicada a partir das suas origens de classe: o primeiro deles pertence a uma elite socioeconômica e, como tal, tem acesso aos bens de serviço e culturais que a cidade oferece; já o segundo autor traz a voz da periferia, dos excluídos, que não usufruem das possibilidades que a cidade oferece. M IG U EL B O Y A Y A N /E D IT O R A A B R IL Museu de Arte Moderna de São Paulo (MASP), 04.09.1990 Favela Aba, na zona sul de São Paulo, 03.03.2004 A N D R É SA R M EN TO ENSINO MÉDIO EM REDE • SEQÜÊNCIA DIDÁTICA • ARTIGO DE OPINIÃO56 ATIVIDADE 3 PRODUÇÃO INICIAL DE UM ARTIGO DE OPINIÃO Essa atividade pede a primeira produção do artigo de opinião relativo ao tema do proje- to interdisciplinar. Não se espera que os alunos produzam textos totalmente adequados – até porque, se isso acontecer com a maioria dos alunos, o trabalho com essa seqüência didática torna-se desnecessário! As produções dos alunos devem servir de diagnóstico para o (re)planejamento dos trabalhos, direcionando ênfases, acréscimos e cortes. De qualquer maneira, é interessante que depois se comparem as duas produções (essa ini- cial e a final), para que se possa avaliar o trabalho desenvolvido e para que o aluno possa ter consciência do seu processo de aprendizagem. Procure anotar à parte suas obser- vações sobre o texto, pois na Atividade 10 o próprio aluno vai corrigir/rever/melhorar esse texto que produziu. ATIVIDADE 4 O CONTEXTO DE PRODUÇÃO DO ARTIGO DE OPINIÃO O objetivo dessa atividade é levar o aluno a refletir sobre os elementos do contexto de produção que interferem na produção de um texto, a partir do reconhecimento desses elementos em um artigo de opinião. Estar atento a eles contribui para os processos de compreensão e produção de um texto. Possibilidade de resposta para o quadro da Atividade 4 (variações são possíveis): CONTEXTO DE PRODUÇÃO a) Autor do texto Patrícia Lânes Papel social Socióloga, pesquisadora do Ibase (Instituto Brasileiro de Análises Sociais e Econômicas), membro da Rede Jovens em Movimento b) Interlocutores Leitores do Jornal da Cidadania Representação social Pessoas que se interessam pelas discussões de questões sociais e que podem pensar que o jovem de hoje não participa da vida política do país c) Finalidade/Objetivo Convencer os leitores de que o jovem de hoje, embora de maneira diferente da dos jovens das décadas de 60 e 70, participa, sim, da vida política do país. d) Circulação Internet e jornal impresso ENSINO MÉDIO EM REDE • SEQÜÊNCIA DIDÁTICA • ARTIGO DE OPINIÃO 57 ATIVIDADE 5 AS VÁRIAS VOZES QUE CIRCULAM NUM ARTIGO DE OPINIÃO Essa atividade tem como objetivo levar o aluno a perceber a multiplicidade de vozes presentes nos artigos de opinião, sem o que a compreensão fi ca prejudicada, e a importância de que a leitura de artigos seja também um diálogo do leitor com o texto, no sentido de concordar, discordar etc. Seguem respostas possíveis, entre outras, para as questões propostas: a) O autor do texto, no primeiro parágrafo, conversa com os leitores em geral, mais especialmente com Marcelo Mirisola e determinados segmentos artístico-culturais (que pregam a ampliação do horizonte cultural para os “meninos do Hip Hop”). b) A “conversa” assume uma perspectiva de discordância, que pode ser fl a- grada, por exemplo, pela ironia e pelas analogias presentes em “olham para nós com os olhos bondosos de quem vê uma criança pouco civiliza- da”, como com os índios durante a colonização, ou em “nos dão afagos como um treinador de cães”. c) A contradição apontada pelo autor do texto é que o segmento que prega a ampliação do horizonte cultural para os “meninos do Hip Hop”, desvalorizando essa cultura, é o mesmo que a toma como foco de sua produção cultural atual, não necessariamente motivado por razões de ordem artística ou política, mas sim por interesses fi nancei- ros (“os cifrões denunciam seus sentimentos mesquinhos”). d) Se no primeiro parágrafo o autor questiona essa ampliação do universo cultural, dando margem à que se pense que vai negar essa necessidade, ao longo do texto fi ca claro que tipo de cultura (de massa) ele está descartando e, no antepenúltimo pará- grafo, ele explicita a necessidade (ou a já realidade) dessa ampliação: “Conseguimos vencer os obstáculos cotidianos e garantir que na periferia do País inteiro a Cultura se faça viva como nunca antes a fi zeram. E não só com o Hip Hop, mas com o Teatro, a Literatura, a Dança e por aí vai toda a beleza da arte e da cultura. Gente como o Mirisola tem medo de que nós possamos enfi m conhecer gente como o Marco Antônio e o seu belíssimo ‘Othelo’, ou possamos enfi m ouvir o que o Teatrólogo Reinaldo Maia tem a dizer”. e) A crítica que o autor faz à TV se dá por meio de um exemplo que explicita a pobreza da produção cultural – basta juntar uma coreografi a nova, um corpo bonito e uma frase de duplo sentido e gravar um disco para que isso