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UNIVERSIDADE FEDERAL DO CEARÁ
CENTRO DE TECNOLOGIA
DEPARTAMENTO DE ENGENHARIA ELÉTRICA
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM ENGENHARIA ELÉTRICA
DOUTORADO EM ENGENHARIA ELÉTRICA
EDNARDO MOREIRA RODRIGUES
DENSIDADE DE CORRENTE DE MAXWELL NO MODELO DO CIRCUITO
ELÉTRICO GLOBAL: NOVA MODELAGEM DA ORIGEM E DA TRAJETÓRIA DAS
DESCARGAS ATMOSFÉRICAS
FORTALEZA
2019
EDNARDO MOREIRA RODRIGUES
DENSIDADE DE CORRENTE DE MAXWELL NO MODELO DO CIRCUITO ELÉTRICO
GLOBAL: NOVA MODELAGEM DA ORIGEM E DA TRAJETÓRIA DAS DESCARGAS
ATMOSFÉRICAS
Tese apresentada ao Curso de Doutorado
em Engenharia Elétrica do Programa de
Pós-Graduação em Engenharia Elétrica do
Centro de Tecnologia da Universidade Federal
do Ceará, como requisito parcial à obtenção do
título de doutor em Engenharia Elétrica. Área
de Concentração: Engenharia Elétrica
Orientador: Prof. Dr. Ricardo Silva Thé
Pontes
Coorientador: Prof. Dr. Luciano Martins
Neto
FORTALEZA
2019
Dados Internacionais de Catalogação na Publicação 
Universidade Federal do Ceará
Biblioteca Universitária
Gerada automaticamente pelo módulo Catalog, mediante os dados fornecidos pelo(a) autor(a)
R612d Rodrigues, Ednardo Moreira.
 Densidade de corrente de Maxwell no modelo do circuito elétrico global : nova modelagem da origem
e da trajetória das descargas atmosféricas / Ednardo Moreira Rodrigues. – 2019.
 126 f. : il. color.
 Tese (doutorado) – Universidade Federal do Ceará, Centro de Tecnologia, Programa de Pós-Graduação
em Engenharia Elétrica, Fortaleza, 2019.
 Orientação: Prof. Dr. Ricardo Silva ThéPontes.
 Coorientação: Prof. Dr. Luciano Martins Neto.
 1. Descargas atmosféricas. 2. Densidade de corrente de Maxwell. 3. Eletrificação de nuvens. 4. Modelo
de incidência. I. Título.
 CDD 621.3
EDNARDO MOREIRA RODRIGUES
DENSIDADE DE CORRENTE DE MAXWELL NO MODELO DO CIRCUITO ELÉTRICO
GLOBAL: NOVA MODELAGEM DA ORIGEM E DA TRAJETÓRIA DAS DESCARGAS
ATMOSFÉRICAS
Tese apresentada ao Curso de Doutorado
em Engenharia Elétrica do Programa de
Pós-Graduação em Engenharia Elétrica
do Centro de Tecnologia da Universidade
Federal do Ceará, como requisito parcial à
obtenção do título de doutor em Engenharia
Elétrica. Área de Concentração: Engenharia
Elétrica
Aprovada em: 27/02/2019
BANCA EXAMINADORA
Prof. Dr. Ricardo Silva Thé
Pontes (Orientador)
Universidade Federal do Ceará (UFC)
Prof. Dr. Luciano Martins Neto (Coorientador)
Universidade Federal de Uberlândia (UFU)
Prof. Dr. Hélio Eiji Sueta
Universiadade de São Paulo (USP)
Prof. Dr. Humberto de Andrade Carmona
Universidade Federal do Ceará (UFC)
À minha família, por sua capacidade de acreditar
em mim e investir em mim. Mãe, seu cuidado
e dedicação foi que deram, em alguns momen-
tos, a esperança para seguir. Pai, sua presença
significou segurança e certeza de que não estou
sozinho nessa caminhada.
AGRADECIMENTOS
Ao Prof. Dr. Ricardo Silva Thé Pontes por me orientar em minha tese de doutorado.
Aos Professores Dr. Tobias Rafael Fernandes Neto e Dr. Wilkley Correia, coorde-
nadores do Laboratório de Sistemas Motrizes (LAMOTRIZ) em épocas diferentes onde este
trabalho foi desenvolvido.
Ao Prof Dr. Victor Aguiar pela parceria em laboratório e pela amizade.
Aos bibliotecários da Universidade Federal do Ceará: Eliene Maria Vieira de Moura,
Francisco Edvander Pires Santos, Izabel Lima dos Santos, Juliana Soares Lima, Kalline Yasmin
Soares Feitosa pela revisão e discussão da formatação deste trabalho o qual se tornou o modelo
oficial da Universidade Federal do Ceará na plataforma LATEX.
Ao Prof. Dr. Humberto de Andrade Carmona do Curso de Física da UFC pelo
primeiro incentivo para o uso do LATEX.
Ao aluno de graduação em engenharia elétrica e amigo, Lohan Costa por me apre-
sentar a plataforma ShareLatex que depois migrou para a plataforma OverLeaf.
Aos amigos de laboratório, Felipe Bandeira, Renan Barroso e Roney Coelho, pelas
discussões sobre LATEX e Método dos Elementos Finitos.
Ao amigo, Átila Girão que incentivou minha inscrição neste programa de doutorado.
Ao meu amigo Eduardo Moreira, trabalhamos juntos em diversos projetos no LAMOTRIZ.
Ao engenheiro Alan Batista o qual tive a oportunidade de orientá-lo em grande parte
do seu curso de graduação. E ao meu atual orientando, Ramon, a ambos pela amizade forte que
construímos.
Ao Engenheiro Filipe Garcia pela amizade e pela parceria no curso de Proteção
Contra descargas Atmosféricas que lecionamos juntos. E também pela oportunidade de orientá-lo
em seu trabalho de graduação.
Ao amigo Vicente Queiroz pelos diversos conselhos e ao grande incentivo para eu
concluir o doutorado.
Ao meu pai e a minha mãe que cuidaram de mim nos momentos mais difíceis da
minha vida. Às minhas irmãs Rosângela e Elizângela por terem financiado meus estudos na
maior parte da adolescência.
Agradeço a todos os professores em especial ao professor de matemática Joacidez
pelo incentivo nesta área do conhecimento essencial para engenharia e física, ao Professor Celso
de Geografia do Colégio Joaquim Nogueira por ter me ajudado a passar no vestibular por meio
do seu projeto de pré-vestibular.
Ao Centro Nacional de Processamento de Alto Desempenho - Universidade Federal
do Ceará (CENAPAD-UFC) onde parte das simulações foram processadas.
E à Fundação Cearense de Apoio ao Desenvolvimento (Funcap) pela bolsa de
estudos.
“Se você quer ser bem sucedido, precisa ter de-
dicação total, buscar seu último limite e dar o
melhor de si.”
(Ayrton Senna)
RESUMO
As descargas atmosféricas (DAs) representam risco à vida e ao sistema elétrico. Esse fenômeno
natural provém, predominantemente, de nuvens de tempestades Cumulonimbus, que funcionam
como geradores do modelo do circuito elétrico global (MCEG). O MCEG é descrito por meio
da densidade de corrente de Maxwell. Na atmosfera, a densidade de corrente de Maxwell
possui quatro termos, dois dos quais permanecem em discussão no meio acadêmico: a densidade
de corrente de convecção e a densidade de corrente de descargas atmosféricas. O modelo da
densidade de corrente de convecção é proposto em três etapas: (i) autoionização, (ii) difusão e (iii)
precipitação. Na autoionização, estima-se a disponibilidade de cargas por meio da autoionização
da água. Na etapa ii, estabelece-se a taxa de carregamento de uma partícula de nuvem em
função da sua taxa de crescimento relacionada ao tamanho e ao estado físico da partícula de
nuvem. E na etapa iii, ocorre separação de cargas devido diferentes velocidades de precipitação
das partículas de nuvem responsável pela típica estrutura de três ou quatro polos das nuvens
de tempestades. Analiticamente, chega-se a uma densidade de corrente de convecção de 53
nA.m´2 por tempestade enquanto que o valor aceito no modelo do circuito elétrico global é
de 56 nA.m´2. Uma simulação foi realizada em três dimensões de uma nuvem de tempestade
simplificada. A variação da condutividade elétrica do ar em função da altitude foi levada em
consideração. Esta simulação dependente do tempo foi realizada com o método dos elementos
finitos utilizando o software COMSOL Multiphysics R©. A densidade de corrente no interior do
cilindro fez o potencial e o campo elétrico aumentarem com o tempo. A rigidez dielétrica do ar
de 111 kV.m´1 a 5 km de altitude foi superado em 1 min e 15 s e a diferença de potencial se
estabilizou em 230 MV, superando em 15 % o valor característico do modelo do circuito elétrico
global (MCEG) que é de 200 MV. Isso mostra que o modelo de eletrificação de nuvens proposto,
por si só, é suficiente para explicar o carregamento das nuvens de tempestade. Propô-se ainda
um modelo de trajetória das descargas atmosféricas. A trajetória das descargas atmosféricas é
importante para a elaboração de modelos de incidência utilizados em Proteção Contra Descargas
Atmosféricas (PDA). O modelo de incidência proposto é baseadono desvio do campo elétrico
devido a ionização do meio, por isso chamado de Desvio do Campo Elétrico / Electric Field
Deflection (EFD). Esse desvio é encontrado por meio do gradiente do módulo do campo elétrico.
O campo elétrico por sua vez é encontrado resolvendo-se a equação de Poisson numericamente
pelo método dos elementos finitos. Os resultados obtidos pelas simulações do modelo EFD são
coerentes com o Modelo Eletrogeométrico (MEG) para estruturas com distribuição simétrica
de potencial elétrico, tal como, uma linha de transmissão trifásica de alta tensão. Entretanto,
para uma linha de Alta Tensão e Corrente Contínua / High Voltage Direct Current (HVDC), o
modelo eletrogeométrico não leva em consideração os diferentes potenciais em cada polo desta
linha. Daí a importância de um modelo físico e não geométrico, como o EFD. Quatro níveis
de correntes (3 kA, 5 kA, 10 kA e 16 kA) de descargas atmosféricas são utilizados conforme a
Associação Brasileira de Normas Técnicas (2015) NBR 5419. A análise por EFD mostrou que o
clássico posicionamento dos cabos guarda de uma linha HVDC possuem falhas de blindagem
consideráveis principalmente no polo positivo da linha. Assim, foi proposto o deslocamento
horizontal no posicionamento dos cabos de guarda reduzindo a Largura da Falha de Blindagem
/ Shielding Feilure Width (SFW) em 50 % para descargas atmosféricas com picos de corrente
de 3 kA. Para os demais níveis de corrente, a SFW foi inferior a 1 m sendo desprezível em
comparação a altitude de origem das descargas atmosféricas de 2 a 5 km. O simples EFD se
mostrou eficiente em comparação aos modelos clássicos de incidência. Mas para deixar as
trajetórias do modelo mais parecidas com o que ocorre na natureza, foram criadas distribuições
(texturas) de permissividade elétrica no ar por meio da técnica chamada Movimento Browniano
fracional / fractional Brownian motion (fBm). Várias texturas foram criadas representando
diferentes tempestades e em cada uma, 73 descargas foram simuladas para os quatro níveis de
correntes apresentados anteriormente. O sistema captor de uma linha de transmissão trifásica foi
avaliado em dois planos transversais: (i) no plano da torre e (ii) no meio do vão. As analises no
plano da torre apontaram que o sistema captor interceptou 96,94 % das descargas atmosféricas
com picos de corrente de 2,9 kA. No meio do vão a eficiência do sistema captor diminuiu para
84,46 % para este mesmo nível de corrente.
Palavras-chave: Descargas atmosféricas. Densidade de corrente de Maxwell. Eletrificação de
nuvens. Modelo de incidência.
ABSTRACT
Lightning present risks to human and animal life and to power grids. This natural phenomenon
stems, mostly, from Cumulonimbus storm clouds, which function as generators in the global
electric circuit model (GECM). The GECM is described by means of Maxwell’s current density.
In the atmosphere, Maxwell’s current density has four terms, two of which are still subject of
discussion in academia: the convection current density and the lightning current density. The
convection current density model is proposed in three stages: (i) auto-ionization, (ii) diffusion
and (iii) precipitation. At auto-ionization, the availability of charges is estimated through the
water auto-ionization. At step ii, the rate of charging of a cloud particle is established as a
function of its growing rate related to its size and physical state. At stage iii, a separation of
charges occur due to different precipitation rates of the cloud particles responsible for the typical
three or four-pole structure in storm clouds. Analytically, convection current densities of 53
nA.m´2 can be reached in a storm, while the value accepted by the global electric circuit model
is 56 nA.m´2. A simulation was carried out in three dimensions of a simplified storm cloud.
The variation of the electric conductivity of air in function of the altitude was taken into account.
This time-domain simulation was carried out through a Finite Element Method modeling using
COMSOL Multiphysics R©software. The air current density inside of the cylinder makes the
potential and electric field increase with time. The air’s dielectric strength of 111 kV.m´1 at a
5 km height was overcome in 1 min and 15 s, and the difference of potential stabilized at 230
MV, exceeding the GECM’s value of 200 MV in 15 %. These results indicate that the cloud’s
electrification model proposed provides an adequate description of the storm cloud’s charging
process. In this work it is also proposed a model for the lightning trajectory, which is important
for the elaboration of lightning incidence models for . The proposed incidence model is based on
the deflection of the electric field due to the ionization of the medium, and is therefore named
EFD. This deflection can be found through a numerical solution to Poisson’s equation using
Finite Element Method.
The results obtained through EFD simulations are similar to MEG for structures with symmetric
distribution of electric potential, such as a high- voltage three-phase transmission line. However,
for a HVDC line, the electrogeometric model does not take into account the different potentials
at each pole of this line. That explains the importance of a physical model, like EFD, and not
simply geometrical. Four lightning current levels (3 kA, 5 kA, 10 kA e 16 kA) are used according
to Associação Brasileira de Normas Técnicas (2015) NBR 5419.
The EFD analysis showed that the classic positioning of the arrestor cables on a HVDC line
present considerable shielding failure, especially on the positive pole, as 90 % of cloud-ground
lightning are of negative polarity.
Thus, a horizontal shifting of the arrestor cables was proposed, reducing SFW in 50 % for
lightning with current peak of 3 kA. For the other current levels, SFW was under 1 m, which can
be negligible in comparison to the altitude between 2 to 5 km at which lightning originate. The
simple EFD proved itself efficient in comparison to classical incidence models.
In order to make the trajectories generated by the model closer to the real phenomenon, however,
distributions (textures) of electric permittivity of air were created by means of the fBm technique.
Many textures were created to represent different storms and, at each one, 73 lightning were
simulated for the four current levels previously presented. The air-termination system for a
three-phase transmission line was assessed in two transverse planes: (i) the tower plane and (ii)
in the middle of the span region. The analysis for the tower plane indicate that the air-termination
system intercepted 96.94 % of lightning with current peak of 2.9 kA. In the span region the
efficiency of the air-termination dropped to 84.46 % for this same current level.
Keywords: Lightning. Maxwell’s Current Density. Cloud Electrification. Indicence Model.
LISTA DE FIGURAS
Figura 1 – Diagrama das componentes do vetor densidade de Maxwell na atmosfera . . 29
Figura 2 – Diagrama do Modelo do Circuito Elétrico Global . . . . . . . . . . . . . . 31
Figura 3 – Representação de um modelo indutivo colisional. (a) antes da colisão, (b)
após a colisão. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 35
Figura 4 – Representação do modelo não-indutivo colisional . . . . . . . . . . . . . . 36
Figura 5 – Estrutura tripolar de uma nuvem de tempestade . . . . . . . . . . . . . . . 37
Figura 6 – Estrutura quadripolar de uma nuvem de tempestade . . . . . . . . . . . . . 38
Figura 7 – Fator de ionização da água em função da temperatura . . . . . . . . . . . . 42
Figura 8 – Média absoluta de carga sobre partículas de nuvens em função dos seus
diâmetros. Triângulos referem-se dados obtidos em tempestades e círculos
denotam dados provenientes de nuvens quentes . . . . . . . . . . . . . . . 44
Figura 9 – Carga máxima por auto-ionização para as temperaturas no topo de tempestade
(´70 ˝C), na temperatura de inversão (´15 ˝C)e à temperatura ambiente
(25 ˝C) em comparação a dados experimentais apresentados na literatura
(PRUPPACHER et al., 1998) em função dos diâmetros dos hidrometeoros . 45
Figura 10 – Ilustração de uma gota de água com íons OH– em seu interior e íons H+ ao
seu redor . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 47
Figura 11 – Curva de Kelvin. A Supersaturação é a razão da pressão de saturação por
psp8q. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 49
Figura 12 – Ilustração da corrente gerada pelo gradiente de pressão entre duas gotículas
de tamanhos diferentes. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 50
Figura 13 – Ilustração da corrente gerada pelo gradiente de pressão entre uma gotícula e
um cristal de gelo. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 51
Figura 14 – Gráfico da pressão de saturação da água líquida e do gelo em função da
temperatura. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 52
Figura 15 – Gráfico da velocidade terminal dos hidrometeoros nas fases líquida (repre-
sentada pela curva com marcadores circulares) e sólida (representada por
asteriscos). . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 59
Figura 16 – Ilustração da polaridade em nuvens de tempestade prevista pelo modelo. . . 60
Figura 17 – Geometria utilizada na simulação de tempestade ideal. (a) Detalhe do duto
de corrente de carregamento da tempestade. (b) Domínio de simulação de
256 kmˆ256 kmˆ50 km . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 63
Figura 18 – Ângulo de proteção correspondente à classe do SPDA. . . . . . . . . . . . . 67
Figura 19 – Modelo Eletrogeométrico aplicado à uma linha de transmissão trifásica com
um cabo guarda. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 68
Figura 20 – Projeto do subsistema de captação conforme o método da esferas rolantes. . 69
Figura 21 – Simulação das trajetórias de descargas atmosféricas de acordo com o Modelo
de Progressão do Líder para diferentes condições orográficas de uma linha
de transmissão de 420 kV . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 71
Figura 22 – Líder positivo. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 72
Figura 23 – Diagrama da evolução de uma descarga atmosférica segundo o modelo EFD.
(a) Líder descendente. (b) Circuito equivalente a um passo da descarga
atmosférica. Composição vetorial do campo elétrico. (d) Líder ascendente. . 73
Figura 24 – Seção transversal de um prédio e uma casa. . . . . . . . . . . . . . . . . . . 77
Figura 25 – Seção transversal (a) de uma linha de transmissão de 500 kV e (b) de uma torre. 78
Figura 26 – Desenho em três dimensões de uma Torre de transmissão de 500 kV. . . . . 79
Figura 27 – (a) Domínio contendo um segmento de uma linha HVDC com uma torre
estaida. Coordenadas x, y e z são dados em metros (b) Dimensões em metros
da torre estaiada analisada. G e G’ são os cabo de guarda . . . . . . . . . . 80
Figura 28 – Análise de incidência de descargas atmosféricas pelo modelo eletrogeomé-
trico no meio do vão de uma linha HVDC. (a) Ip “ 2,9 kA, (b) 5,4 kA, (c)10,1
kA and (d) 15,7 kA . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 81
Figura 29 – Seção tranversal de um linha HVDC no meio do vão. G e G’ indicam as
posições do cabos guarda. N e P denotam as posições dos polos negativos e
positivos respectivamente. (a) Topologia clássica, (b) Topologia proposta. O
cabo guarda G foi deslocado 5 m no sentido crescente do x e o cabo G1 foi
deslocado 9 m na mesma direção e sentido. . . . . . . . . . . . . . . . . . . 82
Figura 30 – Texturas ou superfícies alto-affine (self-affine) da permissividade relativa do
ar em função das coordenadas (x,y). Essas superfícies foram geradas por fBm
para (a) H “ 0; (b) H “ 0.5 e (c) H “ 1. A resolução dos pontos é de 512 ˆ
512 cobrindo uma área de 250 m ˆ 250 m . . . . . . . . . . . . . . . . . . 84
Figura 31 – Incidência de descargas atmosférica sobre uma típica torre de transmissão de
500 kV. As trajetórias foram traçadas com o modelo proposto EFD/fBm . . 86
Figura 32 – Gráfico do percentual de descargas nuvem-solo em função do expoente de
Hurst . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 87
Figura 33 – Gráfico do percentual de descargas nuvem-solo em função do expoente de
Hurst . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 87
Figura 34 – Gráfico da regressão logarítmica da Carga liquida de hidrometeoros em
função dos diâmetros das partículas de nuvens ou hidrometeoros para nuvens
de tempestades (triângulos) e nuvens quentes (círculos). . . . . . . . . . . . 90
Figura 35 – Gráfico do potencial elétrico em função do tempo nos polos de cargas princi-
pais de uma típica nuvem de tempestade. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 93
Figura 36 – Gráfico do potencial elétrico (MV ) nos polos de cargas principais na nuvem
de tempestade simulada ao atingir a estabilidade. . . . . . . . . . . . . . . . 93
Figura 37 – Gráfico da componente vertical do campo elétrico em função do tempo na
nuvem de tempestade simulada. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 94
Figura 38 – Gráfico do módulo de campo elétrico e linhas de campo elétrico após a
saturação. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 95
Figura 39 – Gráfico da componente vertical e das linhas de densidade de corrente elétrica
na nuvem de tempestade simulada. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 96
Figura 40 – Gráfico da densidade de corrente ao longo da altitude para: corrente externa
(linha tracejada), corrente induzida (linha pontilhada) e corrente resultante
(linha sólida). . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 96
Figura 41 – Gráfico da componente vertical (a) do campo elétrico e (b) da densidade de
corrente de deslocamento ao nível do solo (linha sólida) e a 1 km de altitude
(linha tracejada). . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 97
Figura 42 – Trajetórias estimadas para descargas atmosféricas sobre estruturas civis. (a)
sem PDA, (b) com PDA projetado pela técnica das esferas rolantes. (c)
Possível falha da técnica das esferas rolantes. . . . . . . . . . . . . . . . . . 100
Figura 43 – Estimativa das trajetórias das descargas atmosféricas sobre linhas de trans-
missão. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 102
Figura 44 – Estimativa das trajetórias das Descargas Atmosféricas sobre uma torre. . . . 104
Figura 45 – Análise tridimensional de incidência de descargas atmosféricas pelo método
EFD (linhas em ciano) em uma linha de transmissão trifásica para λ “ 50 m:
(a) Vista de Perfil e (b) vista lateral e (c) vista frontal . . . . . . . . . . . . . 105
Figura 46 – Potencial Elétrico em uma linha de transmissão HVDC . . . . . . . . . . . 106
Figura 47 – Campo elétrico em uma linha de transmissão HVDC . . . . . . . . . . . . . 106
Figura 48 – Análise tridimensional de incidência de descargas atmosféricas pelo método
EFD em uma linha de transmissão HVDC. As linhas em ciano indicam as
trajetórias das descargas atmosféricas para λ “ 50 m . . . . . . . . . . . . 107
Figura 49 – Análise tridimensional de incidência de descargas atmosféricas pelo método
EFD em uma linha de transmissão HVDC (linhas em ciano) para λ “ 50 m:
(a) vista lateral e (b) Vista de Perfil . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 108
Figura 50 – Incidência de descargas atmosféricas no plano da torre pelo modelo EFD. (a)
Ip “ 3 kA, (b) 5 kA, (c)10 kA and (d) 16 kA . . . . . . . . . . . . . . . . . 109
Figura 51 – Incidência de descargas atmosféricas no meio do vão pelo modelo EFD. (a)
Ip “ 3 kA, (b) 3 kA, (c)10 kA and (d) 16 kA . . . . . . . . . . . . . . . . . 110
Figura 52 – Incidência de descargas atmosféricas pelo modelo EFD no meio do vão com
as modificações propostas. (a) Ip “ 3 kA,(b) 3 kA, (c)10 kA and (d) 16 kA 111
Figura 53 – Comparação entre o modelo proposto EFD-fBm com o modelo eletrogeomé-
trico para descargas atmosféricas com corrente de picos de (a) Ip “ 3 kA, (b)
3 kA, (c)10 kA and (d) 16 kA . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 112
Figura 54 – Elemento finito triangular . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 125
LISTA DE TABELAS
Tabela 1 – Mobilidades de Íons em Solução Aquosa a 25 ˝C . . . . . . . . . . . . . . 46
Tabela 2 – Corrente de pico e raio de atração por nível de proteção . . . . . . . . . . . 81
Tabela 3 – Distribuição de incidência de descargas atmosféricas no plano da torre da
linha de transmissão trifásica . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 112
Tabela 4 – Distribuição de incidência de descargas atmosféricas no meio do vão da linha
de transmissão trifásica . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 113
Tabela 5 – Eficiências toleráveis e estimadas por EFD-fBm da PDA por níveis de prote-
ção sobre a linha de transmissão trifásica . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 114
LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS
EFD Desvio do Campo Elétrico / Electric Field Deflection
HVDC Alta Tensão e Corrente Contínua / High Voltage Direct Current
SFW Largura da Falha de Blindagem / Shielding Feilure Width
fBm Movimento Browniano fracional / fractional Brownian motion
DAs Descargas Atmosféricas
ELAT Grupo de Eletricidade Atmosférica
INPE Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais
MCEG modelo do circuito elétrico global
MEG Modelo Eletrogeométrico
MPL Modelo da Progressão do Líder
PDA Proteção Contra Descargas Atmosféricas
SPDA Sistema de Proteção contra Descargas Atmosféricas
TER Técnica das Esferas Rolantes
TI temperatura de inversão
LISTA DE SÍMBOLOS
Abt Área total da superfície terrestre em regiões de bom tempo
ac,i Eixo maior de um hidrometeoro
bc,i Eixo menor de um hidrometeoro
Ba+ Íon bário
C Capacitância
Cl– Íon Cloro
D Diâmetro
Dv Coeficiente de difusão das moléculas de vapor d’água
Ebreakeven Rigidez dielétrica
e Carga elétrica elementar
~E Vetor campo elétrico
f px,y,zq Função do espaço vetorial
~g Vetor aceleração da gravidade
H Expoente de Hurst
H+ Próton
H2O Óxido de hidrogênio, monóxido de dihidrogênio ou água
H3O+ Hidrônio
i Corrente elétrica
ic Corrente elétrica no capacitor equivalente de uma tempestade
in Corrente elétrica de uma tempestade de índice n
iC Corrente elétrica de convecção de partículas
iE Corrente elétrica de condução
~g Vetor aceleração da gravidade
~J Vetor densidade de corrente
~JC Vetor densidade de corrente de convecção
~JD Vetor densidade de corrente de deslocamento
~JE Vetor densidade de corrente de condução
~JL Vetor densidade de corrente de descargas atmosféricas
~JM Vetor densidade de corrente de Maxwell
K+ Íon potássio
k Fator de ionização
ka Coeficiente de condutividade térmica do ar úmido
ke Constante de equilíbrio
kw Constante de autoprotólise da água ou constante de ionização da água
k0 Fator de ionização conhecido à temperatura ambiente
L Calor latente
Li+ Íon Lítio
Lv Calor latente de vaporização
Ls Calor latente de sublimação
mp Massa de uma partícula de nuvem
np Concentração de partículas de nuvens
N Número total de partículas
NA Número de Avogadro
Nc Número de íons líquido em um hidrometeoro
Nmax Número máximo de íons disponíveis por auto-ionização
Na+ Íon sódio
Nmax Número máximo de íons disponíveis por auto-ionização
NO3 – Íon nitrato
OH– Hidróxido
p pressão
q Carga elétrica
qH3O` Carga elétrica devido a hidrônios
q̄ Carga elétrica média
qi Carga elétrica de um íon qualquer.
|q|max Módulo da carga máxima disponível por auto-ionização da água
qOH´ Carga elétrica devido a hidróxidos
Qp Carga elétrica total de uma partícula de nuvem
ps Pressão de saturação do vapor d’água sobre uma gota ou gotícula
psp8q Pressão de saturação de uma superfície plana
pv Pressão parcial do vapor d’água
pv,s,i Pressão de saturação do vapor sobre a água líquida
pv,I,i Pressão de saturação do vapor sobre o gelo
r Raio de curvatura
rC Raio de curvatura da Terra
~rt Raio vetor posição no tempo t
RA Resistência equivalente da atmosfera abaixo da ionosfera
Rv Constante de gás para o vapor d’água
Rg Constante dos gases ideais
Rinf Resistência ôhmica da atmosfera inferior à base da nuvem de tempestade
Rionosfera Resistência equivalente da ionosfera
Rsup Resistência ôhmica do ar superior à uma tempestade
Rterra Resistência ôhmica da terra
R Range ou capacidade de armazenamento
S Desvio padrão
SO4 – Íon Sulfato
T Temperatura
T0 Temperatura ambiente
t tempo
~ui Vetor unitário na direção de um gradiente de pressão sobre a superfície de
uma partícula
~vr Vetor velocidade relativa entre gotas de chuva de partículas de gelo
V Volume
Vp Volume de uma partícula de nuvem
Vc Diferença de potencial entre a base e o patamar de uma nuvem
Vatm Tensão entre a ionosfera e o solo
~v Vetor velocidade
z Altitude
∆G˝r Diferença de energia livre padrão de formação
∆H˝f Variação de entalpia de formação
∆H˝r Variação de entalpia da reação ou calor padrão da reação
ε Permissividade elétrica do meio
ε0 Permissividade elétrica do vácuo
εar Permissividade elétrica do ar
εr,ar Permissividade elétrica relativa do ar
µ Viscosidade
η Concentração de íons no meio
ρ Densidade absoluta
ρL Conteúdo de água líquida
ρV Conteúdo de vapor d’água
ρG Conteúdo de gelo
σ Tensão superficial
σ f Variabilidade de uma função
σA Condutividade elétrica na região de bom tempo
σar Condutividade elétrica do ar
σ̂d Vetor ortonormal densidade superficial de carga de partículas doadoras de
cargas
σL Condutividade elétrica de um canal ionizado de uma descarga atmosférica
σT Condutividade elétrica interna à tempestade
φi Função de inversão de carga sobre um hidrometeoro
χi Capacitância de um hidrometeoro
SUMÁRIO
1 INTRODUÇÃO . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 24
2 MODELO DO CIRCUITO ELÉTRICO GLOBAL . . . . . . . . . . . . 28
2.1 Densidade de Corrente de Maxwell . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 28
2.2 Circuito Equivalente . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 30
3 CARREGAMENTO ELÉTRICO DAS NUVENS . . . . . . . . . . . . . 33
3.1 Condições de Eletrificação de Nuvens . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 33
3.2 Modelos Clássicos de Eletrificação de Nuvens . . . . . . . . . . . . . . . 34
3.2.1 Modelo Indutivo . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 34
3.2.2 Modelos Não-Indutivos . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 35
4 O MODELO PROPOSTO DE CARREGAMENTO ELÉTRICO DAS
NUVENS . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 39
4.1 Autoionização da Água . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 39
4.1.1 Autoionização da Água em CNTP . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 40
4.1.2 Autoionização da Água em Função da Temperatura . . . . . . . . . . . . 41
4.1.3 Carga Elétrica Máxima Disponível por Autoionização . . . . . . . . . . . 42
4.2 Separação de Cargas por Difusão . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 46
4.3 Pressão de Saturação . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 47
4.3.1 Relação carga-massa . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 53
4.3.1.1 Lei de Potência da cargas . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 54
4.3.2 Função de Inversão de Polaridade . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 55
4.3.3 Carregamento por taxa de crescimento . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 56
4.4 Separação de Cargas por precipitação . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 58
4.5 Modelo de uma típica nuvem de tempestade . . . . . . . . . . . . . . . . 61
4.6 Reação Proposta da Descarga Atmosférica . . . . . . . . . . . . . . . . . 64
5 MÉTODOS DE PROTEÇÃO CONTRA DESCARGAS ATMOSFÉRI-
CAS . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 66
5.1 Modelos de Incidência de DescargasAtmosféricas . . . . . . . . . . . . . 66
5.1.1 Método do Ângulo de Proteção . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 66
5.1.2 Modelo Eletrogeométrico . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 67
5.1.3 Técnica das Esferas Rolantes . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 69
5.1.4 Modelo de Progressão do Líder . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 70
5.2 Um Novo Modelo de Incidência de Descargas Atmosféricas . . . . . . . 71
5.2.1 Aproximação Eletrostática . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 75
5.2.2 Validação do Modelo Proposto . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 76
5.3 Aplicação do modelo EFD em linhas HVDC . . . . . . . . . . . . . . . . 79
5.4 EFD com fBm . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 82
6 RESULTADOS . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 89
6.1 Simulação Eletrodinâmica de Tempestade . . . . . . . . . . . . . . . . . 90
6.2 Simulação de Incidência das Descargas Atmosféricas . . . . . . . . . . . 98
6.2.1 Análise em linha HVDC . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 105
6.2.2 Análise por EFD-fBm . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 110
7 CONCLUSÕES . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 116
REFERÊNCIAS . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 119
APÊNDICES . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 123
APÊNDICE A – Método dos Elementos Finitos . . . . . . . . . . . . . . . 124
24
1 INTRODUÇÃO
Desde a Idade Antiga, as civilizações tem observado as Descargas Atmosféricas
(DAs) e procurado explicar sua natureza através de divindades. Na mitologia grega, o raio era
designado a Zeus; para os romanos, era Júpter; para a civilização nórdica, Thor; para a cultura
chinesa, Tten-Mu; inca, Ilyapa; asteca, Tlaloc; maia, Chacs; hindu, Indra; para a religião católica,
Santa Bárbara e para o candoblé, Xangô.
A natureza elétrica do raio só foi demonstrada por volta de 1751 por meio de
experimentos desenvolvidos por Benjamin Franklin, nos Estados Unidos, e por Dalibard e Delor,
na França. Mais detalhes sobre a evolução histórica das pesquisas das Descargas Atmosféricas
podem ser encontradas em Krider (1996).
No estado da arte sobre as pesquisas relacionadas às descargas atmosféricas, destacam-
se a produção de DAs artificiais a partir de lançamento de foguetes, monitoramento do campo
elétrico pela rede Field Mill e a detecção em tempo real por estações no globo terrestre e no
espaço (RAKOV; UMAN, 2003).
Segundo Visacro (2005), as pesquisas sobre raios são eficazes na elaboração de
projetos para proteção contra as descargas atmosféricas, porém ainda existem erros que de-
vem ser corrigidos e lacunas a serem preenchidas na compreensão destes fenômenos elétricos
atmosféricos.
Uma descarga atmosférica consiste numa intensa descarga elétrica que ocorre na
atmosfera. Trata-se de um sinal impulsivo de tensão e corrente. O canal ionizado devido
a alta intensidade de corrente pode aquecer o ar a 30 000 ˝C (RAKOV; UMAN, 2003). O
aquecimento associado resulta em um intenso pulso luminoso conhecido como relâmpago e
numa rápida expansão do ar gerando uma onda sonora, o trovão. As DAs tem sua origem,
predominantemente, nas nuvens de tempestades denominadas Cumulonimbus, mas podem provir
de erupções vulcânicas e tempestades de areia (VISACRO, 2005).
As descargas atmosféricas representam risco à vida e ao sistema elétrico. Dados
levantados, no período de 2000 a 2009, pelo Grupo de Eletricidade Atmosférica (ELAT) do
Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (INPE), revelam que, em média, 132 mortes por
ano, são causadas por descargas atmosféricas (PINTO et al., 2010). Entretanto, o efeito mais
frequente do fenômeno é o dano causado ao sistema elétrico e aparelhos eletrônicos pelo distúrbio
eletromagnético de uma incidência indireta (VISACRO, 2005). Outra pesquisa realizada pelo
Grupo de Eletricidade AtmosfÉrica (2014) informa que 70% dos desligamentos na transmissão,
25
40% na distribuição de energia elétrica e 40% dos transformadores queimados, são provocados
por raios.
Destaque no uso de Corrente Contínua em Alta Tensão {High-voltage Direct Current
(HVDC), o Brasil, desempenha um papel importante no desenvolvimento desta tecnologia.
Pioneiro na utilização de tensão em ˘ 600 kV, no projeto de transmissão de uma parte da usina
de Itaipu (GRUPO DE ELETRICIDADE ATMOSFÉRICA, 2015a). A usina hidroelétrica de
Itaipu, por ser uma binacional com a participação do Brasil e do Paraguai, apresenta geração em
características diferentes de frequência conforme as exigências de cada país, sendo metade de
sua geração em 50 Hz e a outra metade em 60 Hz. A necessidade de transmitir o excedente de
energia em 50 Hz da usina, para o centro de consumo em São Paulo, cuja rede opera a 60 Hz,
motivou a escolha do sistema HVDC.
Com tecnologia inédita no Brasil, o sistema de transmissão da usina de Belo Monte,
apresenta a configuração em corrente contínua em ˘ 800 kV. O sistema de transmissão foi
dimensionado para a construção de dois bipolos em corrente contínua. O primeiro, destinado a
interligar as subestações (SE) de Xingu (PA) e Estreito (MG). Foi finalizado em 2017 entrando
em operação no dia 12 de dezembro do mesmo ano. O projeto conta ainda com um segundo
bipolo, este possuindo cerca de 2500 km interligando as subestações (SE) de Xingu (PA) e
Terminal Rio (RJ), planejado para entrar em operação em 2020. A linha de transmissão de
Belo Monte a Estreito é uma linha muito longa, com quase 2100 km e interliga duas regiões
geográficas completamente distintas em condições climáticas e ambientais. Nestas condições as
linhas ficam muito vulneráveis às descargas atmosféricas que, nesta região, possuem densidades
de descargas atmosféricas (Ng) do tipo nuvem – solo entre 5 e 6 descargas/km2/ano. No Brasil, o
Ng varia entre 0,1 e 18 descargas/km2/ano (GRUPO DE ELETRICIDADE ATMOSFÉRICA,
2015b).
O modelo eletrogeométrico é o principal modelo utilizado nos projetos de posi-
cionamento dos captores das linhas de transmissão, seja trifásica ou HVDC. Isso leva a uma
topologia simétrica de posicionamento do cabos guarda (ou cabos de blindagem). Cerca de 90 %
das descargas atmosféricas nuvem-solo são de polaridade negativa (RAKOV; UMAN, 2003).
Assim, espera-se que o polo positivo da linha HVDC seja esteja mais susceptível a incidência de
descargas atmosféricas diretas.
As DAs representam uma das componentes do MCEG proposto inicialmente por
Wilson (1920) e aprimorado por sucessores. Esse modelo encontra-se em desenvolvimento,
26
carecendo de fundamentação teórica-experimental. O Circuito Elétrico Global pode ser modelado
e mensurado através do Vetor Densidade de Corrente de Maxwell. Essa grandeza, na atmosfera,
é composta por quatro componentes: densidade de corrente de condução, densidade de corrente
de deslocamento, densidade de corrente de convecção e densidade de corrente de descargas
atmosféricas (RAKOV; UMAN, 2003).
Entre as componentes da densidade de corrente de Maxwell, a densidade de corrente
de convecção representa a maior divergência de opiniões quanto à sua natureza. Esta componente
é a responsável pelo carregamento elétrico das nuvens (Eletrificação de Nuvens) Cumulonimbus,
sendo considerados os geradores do circuito elétrico global. Os modelos teóricos de eletrificação
de nuvens tem falhado ao explicar a Temperatura de Inversão, temperatura relacionada aos
sinais de cargas das partículas de nuvens. Mais detalhes sobre a temperatura de inversão serão
mostrados na Seção 3.2.2.
Outra componente da densidade de corrente de Maxwell bastante complexa, em
termos de previsão, é a densidade de corrente das descargas atmosféricas. Existem modelos
empíricos usados na Engenharia de Proteção contra descargas atmosféricas, mas a compreensão
física da trajetória das DAs ainda não está consolidada.
Este trabalho tem como objetivogeral, propor melhorias nos modelos das descargas
atmosféricas. Novas considerações sobre o processo de eletrificação de nuvens são propostas.
Em específico, pretende-se mostrar que o processo de auto-ionização da água é capaz
de explicar a ordem de grandeza da carga elétrica das tempestades. Analisa-se como o estado
físico (sólido e líquido) e o tamanho das partículas de nuvens (gotículas, gotas, cristais de gelo
e granizo) podem influenciar a Temperatura de Inversão (TI). Propõe-se, ainda, um modelo de
carga em função do tamanho das partículas, e através da precipitação das mesmas estima-se a
componente de convecção da densidade de corrente de Maxwell.
Outro objetivo específico desse trabalho é explicar a trajetória acidentada de des-
cargas atmosféricas. Fundamentado em conceitos do eletromagnetismo, apresenta-se um novo
modelo de trajetória de DAs denominado Desvio do Campo Elétrico / Electric Field Deflection
(EFD). Nesse modelo, investiga-se como a variabilidade da permissividade relativa do ar afeta
a trajetória dos raios. Pretende-se comparar o modelo proposto com modelos clássicos de
incidência de DAs utilizados na Proteção contra Descargas Atmosféricas (PDAs). Simulações
bi e tridimensionais foram elaboradas com o uso do método dos elementos finitos. Por meio
do novo modelo apresentado, estima-se a componente das Descargas Atmosféricas no vetor
27
densidade de corrente de Maxwell. Aplica-se este modelo a uma típica linha de transmissão
HVDC e propõe-se alterações no posicionamento dos cabos guarda.
O Capítulo 2 introduz o modelo do circuito elétrico global relatado na literatura.
Apresenta-se na Seção 2.1, o Vetor Densidade de Corrente de Maxwell bem como suas qua-
tro componentes na atmosfera: densidade de corrente de condução, densidade de corrente
de deslocamento, densidade de corrente de convecção e densidade de corrente de descargas
atmosféricas.
O Capítulo 3 apresenta a componente de convecção da densidade de corrente de
Maxwell e as condições que devem ser satisfeitas por um modelo de eletrificação de nuvens
(Seção 3.1). É feita ainda, uma abordagem sobre os modelos clássicos de eletrificação e
carregamento elétrico das tempestades (Seção 3.2).
O Capítulo 4 apresenta o modelo proposto de carregamento elétrico das tempestades.
Estima-se a carga máxima disponível pelo processo de auto-ionização da água (Seção 4.1),
apresenta-se a relação carga-massa das partículas de nuvens eletricamente carregadas (Subseção
4.3.1), define-se uma função de inversão de polaridade de cargas (Subseção 4.3.2), estima-se o
carregamento das partículas por taxa de crescimento (Subseção 4.3.3), e elabora-se um modelo
eletrodinâmico de uma tempestade fictícia que é simulada pelo métodos dos elementos finitos.
O Capítulo 5 aborda a componente das descargas atmosféricas. Inicia-se pelos
modelos de incidência de descargas atmosféricas utilizados na Engenharia de Proteção (Seção
5.1) e apresenta-se também um novo modelo de incidência de descargas atmosféricas (Seção
5.2).
O Capítulo 6 apresenta os resultados obtidos. Inicia-se com o modelo proposto
de carga em função do diâmetro das partículas de nuvens (Seção ??), depois, apresenta-se a
simulação eletrodinâmica de uma típica tempestade compilada no trabalho (Seção 6.1) e, por
último, tem-se os resultados do novo modelo de incidência de DAs sobre estruturas (prédio, casa
e linha de transmissão) comparado com outros modelos utilizados em engenharia de proteção
contra descargas atmosféricas (Seção 6.2). Também aplica-se o novo modelo de incidência de
DAs a uma linha de transmissão HVDC.
O Capítulo 7 destaca as conclusões obtidas e as perspectivas a serem alcançadas com
o trabalho. Ademais, o Apêndice A apresenta um resumo do Método do Elementos Finitos.
28
2 MODELO DO CIRCUITO ELÉTRICO GLOBAL
Além dos ciclos globais da água, oxigênio, carbono e nitrogênio existe ainda um
ciclo de cargas elétricas em escala planetária. Para descrever este fenômeno foi desenvolvido o
Modelo do Circuito Elétrico Global (MCEG). O MCEG foi inicialmente proposto por Wilson
(1920) e é fundamentado por observações experimentais onde foi constatado que o aumento na
intensidade da campo elétrico sob condições de tempestades está correlacionado ao aumento da
intensidade de campo elétrico na região de bom tempo. Essa variação do campo elétrico, por sua
vez intensifica a densidade de corrente Maxwell na atmosfera (WILSON, 1920; BLAKESLEE,
1984). Mais detalhes sobre a densidade de corrente de Maxwell serão apresentadas na Seção 2.1.
O circuito equivalente ao sistema elétrico global será apresentado na Seção 2.2.
2.1 Densidade de Corrente de Maxwell
O vetor densidade de corrente de Maxwell (~JM) associado às tempestades é definido
como a soma vetorial de quatro componentes (KRIDER; MUSSER, 1982), dado por
~JM “ ~JE ` ~JD` ~JC` ~JL, (2.1)
onde, ~JE é o vetor densidade de corrente de condução ou ôhmica, uma função da condutividade
elétrica do ar (σar) e do vetor campo elétrico resultante no meio (~E), dado por
~JE “ σar~E, (2.2)
~JD é o vetor densidade de corrente de deslocamento, uma função da permissividade elétrica do ar
(εar) e da taxa de variação do vetor campo elétrico resultante em relação ao tempo (t), definido
por
~JD ” εar
B~E
Bt
, (2.3)
~JC é o vetor densidade de corrente de convecção e ~JL representa a densidade de corrente das
descargas atmosféricas. Essas duas últimas componentes permanecem em discussão e serão
desenvolvidas neste trabalho nos Capítulos 4 e 5.
A Figura 1 ilustra como cada componente do vetor densidade de Maxwell atua numa
tempestade. O vetor densidade de corrente de convecção (~JC) é atribuído ao deslocamento de
cargas em hidrometeoros. Hidrometeoro é toda partícula derivada da água em precipitação na
29
atmosfera, tais como, gotas de chuva e granizo. O vetor densidade de corrente de condução
(~JE) se deve ao campo elétrico resultante (~E) gerado pelos centros de cargas das tempestades e
pela superfície terrestre. O vetor densidade de corrente de deslocamento ocorre quando (~JD) há
variação do campo elétrico resultante e é mais notável no interior das tempestades, mas também
pode ser observado ao nível da superfície terrestre. Quando o campo elétrico resultante é intenso
o suficiente para quebrar a rigidez dielétrica do ar, surge o vetor densidade de corrente das
descargas atmosféricas (~JL). Mais de detalhes sobre a rigidez dielétrica do ar serão discutidos na
Seção 3.1.
Figura 1 – Diagrama das componentes do vetor densidade de Maxwell na atmosfera
Fonte: o autor.
As componentes mais significantes para a densidade de corrente de Maxwell de-
pendem do estágio de evolução da nuvem (estágio inicial, estágio de maturação e estágio de
dissipação) e da localidade onde ocorre a medição (ao nível do solo ou da nuvem). Sob tem-
pestade em estágio inicial, ao nível do solo, a convecção de partículas carregadas é desprezível
(JC « 0), o módulo do campo elétrico resultante é baixo, entre 0 kV.m´1 a 12 kV.m´1, como
obtido no experimento do Centro Espacial Kennedy (Kennedy Space Center, KSC), na Flórida,
descrito por Blakeslee (1984). Nesse estágio inicial, como a intensidade do campo elétrico é
baixa, a densidade de corrente de condução também é desprezível (JE « 0) de acordo com a Equa-
ção 2.2, entretanto a intensidade do campo elétrico aumenta rapidamente, o que torna a corrente
de deslocamento significante (JD ‰ 0) com ordem de grandeza de 10´9 A.m´2 a 10´8 A.m´2
30
(BLAKESLEE, 1984). Ainda, nesse estágio inicial de uma nuvem, não há ocorrência de raios
(JL “ 0). Deste modo, essas considerações podem ser representadas por
~JM «
«
ε0
B~E
Bt
ff
E«0,z“0
. (2.4)
Já em estágio de maturação no interior das nuvens (z« 6km), a corrente de convecção
não pode ser desprezada (JC ‰ 0) pois uma das etapas de separação de cargas numa tempestade
está relacionada à precipitação (COTTON et al., 2010). Essa é uma condição que um modelo de
eletrificação de nuvens deve satisfazer.Outras condições dessa natureza serão apresentadas na
Seção 3.1.
No estágio de maturação de uma nuvem, a carga acumulada é capaz de gerar campos
elétricos intensos o suficiente para promover a densidade de corrente de condução (JE ‰ 0) e até
mesmo raios, porém até ocorrer a primeira descarga atmosférica, JL “ 0. Quanto mais intenso for
o campo elétrico resultante, maior será a perda de carga por corrente de condução. Isso faz com
que o valor absoluto do campo elétrico sature. Se o campo elétrico está próximo da saturação,
sua variação em relação ao tempo é praticamente nula assim, a corrente de deslocamento é
desprezível (JD « 0). Estas considerações podem ser representadas por
~JM « r~JC` ~JEsE“cte,zą0. (2.5)
Integrando a Equação 2.5 na área da tempestade, obtém-se a Equação 2.6, a relação
entre a corrente gerada pela convecção iC, corrente de fuga da tempestade iE e a corrente
resultante I na tempestade,
I “
ż
At
p~JC` ~JEq ‚d~A“ iC´ iE . (2.6)
onde, At é a área da seção transversal da tempestade.
De acordo com o Modelo do Circuito Elétrico Global,aceita-se que cada nuvem
de tempestade gere uma corrente iC “ 0,7 A sendo que iE “ 0,2 A é descarregado no interior
da nuvem e I “ 0,5 A alimenta o circuito elétrico global onde se integra a corrente gerada por
outras tempestades (VISACRO, 2005). O circuito equivalente ao circuito elétrico global será
apresentado na Seção 2.2.
2.2 Circuito Equivalente
Em todo o globo, ocorrem simultaneamente, cerca de 2000 tempestades associadas
em paralelo (SINGH et al., 2004). Como cada tempestade fornece cerca de 0,5 A, logo 2000
31
Figura 2 – Diagrama do Modelo do Circuito Elétrico Global
Fonte: o autor.
tempestades geram uma corrente global de, aproximadamente, 1 kA. Esta corrente flui da
tempestade para ionosfera através de uma coluna de ar com resistência entre 105 a 106 Ω
(VISACRO, 2005). Na ionosfera, a resistência é baixa, aproximadamente, 30 mΩ (VISACRO,
2005).
Na região de bom tempo, a resistência atmosférica pode ser encontrada considerando
a definição de resistência em função da condutividade de acordo com a Segunda Lei de Ohm,
expressa por
RA “
1
Abt
ż h
0
dz
σarpzq
, (2.7)
onde Abt é a área correspondente da superfície da Terra sem tempestades, ou seja, em bom tempo
e σar é condutividade elétrica da atmosférica em regiões de bom tempo.
Seguindo o sentido convencional, após percorrer a atmosfera na região de bom tempo,
a corrente passa pelo solo onde a resistência é cerca 1 mΩ e segue para a camada de ar inferior
à tempestade onde a resistência é da ordem de 104 a 105 Ω (VISACRO, 2005; RYCROFT et
al., 2000). A resistência nas camadas superior e inferior nas tempestades são maiores do que a
região de bom tempo devido a área cobertas por tempestades serem duas ordens de grandeza
menores do que a área da superfície terrestre em condições de bom tempo.
Neste capítulo, foi apresentado o Modelo do Circuito Elétrico Global bem como
seus parâmetros. Foi relatado, de acordo com a literatura, que cada tempestade funciona como
um gerador de tensão da ordem de grandeza de centenas de mega Volts ou fonte de corrente na
ordem de unidades de Amperes. Foi proposta uma modelagem de uma tempestade em função de
32
densidade de corrente de Maxwell. Simulações para verificar estas ordens de grandezas serão
apresentadas na Seção 6.1. Foi destacado que as componentes da densidade de corrente de
Maxwell que representam maior dúvida neste modelo são: a densidade de corrente de convecção,
a qual é responsável pelo carregamento elétrico das tempestades e a densidade de corrente de
descargas atmosféricas. No Capítulo 3, serão apresentadas as condições a serem satisfeitas por
um modelo de eletrificação de nuvens. O modelo proposto para a densidade de corrente de
convecção será apresentado no Capítulo 4 e o modelo para densidade de corrente de descargas
atmosféricas será apresentado no Capítulo 5.
33
3 CARREGAMENTO ELÉTRICO DAS NUVENS
Como foi apresentado na Seção 2.1, o carregamento elétrico das tempestades ocorre
por meio da componente de convecção do vetor densidade de corrente de Maxwell. Este Capítulo
aborda o carregamento elétrico (ou eletrificação) das nuvens de tempestades Cumulonimbus com
mais detalhes. Inicia-se com as condições a serem satisfeitas por um modelo de eletrificação de
nuvens (Seção 3.1) e posteriormente aborda-se os principais modelos de carregamento elétrico
das Cumulonimbus (Seção 3.2) classificados em duas categorias: Modelos Indutivos (Subseção
3.2.1) e Modelos Não-Indutivos (Subseção 3.2.2).
3.1 Condições de Eletrificação de Nuvens
Não há consenso sobre a descrição do processo de separação de cargas nas nuvens
que dão origem aos raios. Entretanto Cotton et al. (2010) sugerem que o modelo deve satisfazer
as seguintes condições:
1. A precipitação e atividade elétrica para uma simples célula de tempestade deve durar em
média, 30 min;
2. O campo elétrico gerado pela nuvem deve superar a rigidez dielétrica do ar para produzir
relâmpagos. Em tempo bom, a rigidez dielétrica do ar é elevada, em torno de 3 MV.m´1,
entretanto em condições de tempestade este valor é reduzido drasticamente. Cotton et
al. (2010) concordam que esse valor varie de 300 kV.m ´1 a 400 kV.m´1. Fernandes
(2010) relata que este intervalo pode ser ainda mais amplo de 100 kV.m´1 a 400 kV.m´1.
Entretanto, a rigidez dielétrica do ar Ebreakevenpzq, em região de tempestade, é uma função
da altitude z (ALBRECHT, 1989), tal que,
Ebreakevenpzq “ 201,7 kV m´1 exp
ˆ
´z
8,4 km
˙
. (3.1)
Por exemplo, para a altitude de 5 km, a rigidez dielétrica do ar é cerca de 111,2 kV.m´1.
3. Na extensão de uma nuvem Cumulonimbus, a carga deve ser gerada e separada, submetida
a uma temperatura entre ´5 ˝C e ´40 ˝C confinada numa coluna de 2 km de raio.
4. A distribuição de carga deve ser, tripolar com o centro de carga negativa submetido a uma
temperatura entre ´10 ˝C e ´20 ˝C, a carga positiva se estendendo por vários quilômetros
de altitude acima do centro de carga negativa e uma pequena porção de carga positiva na
base da nuvem. Entretanto, Iribarne e Cho (1980) apud Potier et al. (2010) aceitam que
34
esta carga negativa em várias dezenas de Coulombs deve ser encontrada nas isotermas
entre as temperaturas de ´5˝C e ´10˝C.
5. Uma das etapas de separação de carga deve ocorrer pela precipitação de hidrometeoros.
Hidrometeoros são partículas de água ou gelo em precipitação na atmosfera (ROGERS;
YAU, 1989).
6. A carga separada deve ser capaz de produzir o primeiro relâmpago em aproximadamente
20 min após a detecção por radar de partículas em precipitação.
7. Outra característica que um modelo de eletrificação de nuvens deve descrever é a taxa de
descargas atmosféricas. Livingston e Krider (1978) forneceram estatísticas de descargas
atmosféricas por meio de medidas realizadas no Centro Espacial Kennedy (do inglês,
Kennedy Space Center, KSC), Flórida. Os dados foram obtidos pela rede field mill do KSC
em 22 dias com trovoadas durante os anos de 1974 e 1978. Foi constatado que a taxa de
descargas varia entre 0,3 e 9,3 min´1.
Vários modelos tentaram descrever as características apresentadas, mas não há um
modelo que satisfaça todas as condições citadas nessa seção satisfatoriamente. A Seção 3.2
apresenta os modelos clássicos de eletrificação de nuvens.
3.2 Modelos Clássicos de Eletrificação de Nuvens
A influência da precipitação no processo da separação das cargas é muito bem aceita
e foi sugerida por Elster e Geitel (1888). Porém, não há uma teoria coerente que explique a
separação de cargas no nível microfísico. Existem duas linhas de modelos que procuram explicar
a geração de carga no nível microfísico: os modelos indutivos e os modelos não-indutivos.
3.2.1 Modelo Indutivo
Os modelos indutivos supõem que o campo elétrico natural da Terra orientado para
baixo induz dipolos em grandes partículas de gelo, como o graupel ou granizo, com cargas
positivas acumuladas na região inferior e cargas negativasacumuladas na região superior como
ilustra a Figura 3(a). Um pequeno cristal de gelo inicialmente neutro em ascensão colidiria com
a face positiva do granizo. Assim, o cristal subiria com carga positiva e o granizo desceria com
carga negativa como ilustra a Figura 3(b).
O modelo indutivo possui vários problemas: uma vez que o campo elétrico da Terra
35
Figura 3 – Representação de um modelo indutivo colisional. (a) antes da colisão, (b) após a
colisão.
Fonte: adaptado de Fernandes (2010).
não muda de direção nem de sentido, o modelo não explica a distribuição tripolar das cargas
da condição (4) de Cotton et al. (2010); experimentos em laboratório mostraram que o campo
elétrico de tempo bom não é capaz de polarizar as partículas de gelo (VOLLAND, 1982), assim
sendo, as condições (5) e (6) não são satisfeitas.
3.2.2 Modelos Não-Indutivos
Vários experimentos demonstraram que o carregamento elétrico das partículas de
nuvens podem ocorrer sem um campo elétrico externo. Os modelos que explicam o processo de
separação de cargas, sem a influência de um campo elétrico externo, são chamados de modelos
não-indutivos. A seguir, o principais modelos não-indutivos serão apresentados:
Efeito Termoelétrico: A partir de um experimento realizado por Reynolds et al.
(1957), surgiram evidências de que o granizo torna-se carregado ao interagir com cristais de
gelo quando estas partículas estavam à diferentes temperaturas. Foi sugerido que íons H+
(próton), devido à sua alta mobilidade em relação à mobilidade dos íons OH– , estariam na
superfície do cristal de gelo. Portanto, os prótons seriam transferidos do cristal, com temperatura
mais alta, para o granizo, com temperatura mais baixa, durante colisões (BROOK; LATHAM,
1968). Entretanto, esse efeito não satisfaz quantitativamente a polaridade observada das nuvens
(PRUPPACHER et al., 1998).
Efeito do Potencial de Contato: Este efeito leva em consideração, além da dife-
rença de temperatura, a área de contato que delimita a carga transferida. Experimentalmente,
36
verificou-se que a carga transferida variava de 1ˆ 10´14 C a 5ˆ 10´14 C. Fletcher (1968)
mostrou que tal potencial de contato pode ser deduzido considerando que alguns dipolos estão
alinhados na superfície do gelo. Ele calculou que a densidade de equilíbrio era de 5ˆ 10´2
C.m´2. Esta densidade aplicada a área de contato entre os hidrometeoros de 1 µ m2 resulta na
carga de 5ˆ10´14 C.
Efeito de Workman-Reynolds: Verificou-se que uma gotícula contendo íons de
sais Na+ e Cl– transferiu o íons Cl– para o granizo. As moléculas de sais estáveis presentes nas
soluções não representaram qualquer efeito adicional.
Efeito da temperatura de inversão (TI): Este é o efeito menos compreendido no
processo de eletrificação das nuvens, e mesmo assim muito simulações atmosféricas. Este efeito
não se refere à diferença de temperatura entre os hidrometeoros, trata-se do sinal da carga que
será transmitida depender da temperatura. Como ilustrado na Figura 4, a altitudes acima de 6
km onde a temperatura é inferior a ´15 ˝C, após a interação, os cristais de gelo sobem com
carga positiva e o granizo desce com carga negativa. Se a interação ocorrer a altitude abaixo de
6 km onde a temperatura supera ´15 ˝C, o cristal de gelo sobe com carga negativa e o granizo
desce com carga positiva. O valor da temperatura de inversão pode variar com a pressão de
supersaturação (PINTO JUNIOR; PINTO, 2000) mas normalmente está próxima de ´15 ˝C.
Figura 4 – Representação do modelo não-indutivo colisional
Fonte: adaptado de Fernandes (2010)
37
Devido ao efeito da temperatura de inversão, a estrutura resultante em tempestades é
tripolar como ilustra a Figura 5 adaptada de Rakov e Uman (2003). Na base da nuvem, a cerca
de 2 km de altitude, existe uma sucinta camada de carga positiva (10 C). As cargas negativas
começam a aparecer ligeiramente acima dessa camada muito fina. Por isso nos modelos de
trajetória de raios, considera-se que a descarga atmosférica se inicie na base da nuvem. Entretanto,
o centro de carga negativa de ´40 C encontra-se a cerca de 5 km de altitude. A 10 km de altitude
encontra-se o centro de carga positiva com cerca de `40 C
Figura 5 – Estrutura tripolar de uma nuvem de tempestade
Fonte: adaptado de Rakov e Uman (2003).
O efeito da temperatura de inversão é empírico e carece de fundamentação teórica.
Esse modelo explica a estrutura tripolar das nuvens, mas não descreve bem a ocorrência de
estruturas quadripolares, como representada na Figura 6 adaptada de Potier et al. (2010). A
configuração quadripolar ou tetrapolar é uma característica das tempestades além da exigida pela
condição (4) descrita na Seção 3.1 para um modelo de carregamento elétrico de tempestades.
Todavia, um bom modelo deve explicar essa estrutura em quatro ou mais polos também. De
acordo com a Figura 6, a camada positiva de blindagem na base da nuvem é constituída de
cargas positivas minoritárias, ou seja, em quantidades pequenas. Acima da camada positiva de
blindagem, encontra-se a camada principal de cargas negativas. A cerca de 2 a 3 km acima da
camada de carga negativa principal está a camada de carga positiva principal. E no ápice da
38
nuvem, está a camada negativa de blindagem. Entretanto, esta representação é simplificada, pois
sabe-se que outras configurações podem ocorrer (PINTO JUNIOR; PINTO, 2000).
Figura 6 – Estrutura quadripolar de uma nuvem de tempestade
Fonte: adaptado de Potier et al. (2010).
Neste capítulo, foram mostradas, as condições a serem satisfeitas por um Modelo
de Eletrificação de Nuvens. Foi enfatizado que as primeiras descargas atmosféricas ocorrem,
aproximadamente, 20 min após a detecção da precipitação. Foi destacado, ainda, que o campo
elétrico gerado pela tempestade deve atingir valores entre 100 kV.m´1 e 400 kV.m´1 para
quebrar a rigidez dielétrica do ar. Esses valores são menores do que a rigidez dielétrica do
ar em condições de bom tempo (3 MV.m´1). Foram apresentados os modelos clássicos de
eletrificação de nuvens classificados em duas categorias: indutivos e não-indutivos. Estes
modelos são fundamentados em colisões de hidrometeoros, portanto, um modelo não-colisional
que explicasse a ordem de grandeza das cargas encontradas em hidrometeoros seria inovador.
Foi comentado ainda que um bom modelo deve explicar as estruturas tripolar ou quadripolar de
cargas nas tempestades. O efeito conhecido capaz de explicar a estrutura tripolar das tempestades
é o efeito da temperatura de inversão que ocorre a cerca de ´15 ˝C. Entretanto esse efeito não
explica estrutura quadripolar das tempestades e é empírico carecendo de fundamentação teórica.
No Capítulo 4, será apresentado o modelo proposto de carregamento elétrico das nuvens, capaz
de explicar o efeito da temperatura de inversão e a estrutura quadripolar das tempestades.
39
4 O MODELO PROPOSTO DE CARREGAMENTO ELÉTRICO DAS NUVENS
Este Capítulo apresenta o Modelo de Eletrificação de Nuvens proposto fundamentado,
essencialmente, na autoionização das moléculas de H2O dos hidrometeoros, partículas de nuvens
em suspensão na atmosfera. A autoionização da água será abordada na Seção 4.1 onde descreve-
se a origem dos íons. Posteriormente, descreve-se o processo de separação de cargas por difusão
na Seção 4.2. O deslocamento da carga de um hidrometeoro para outro é explicado por gradiente
de pressão na Seção 4.3. E finalmente, a etapa de separação de cargas por precipitação é abordada
na Seção 4.4.
4.1 Autoionização da Água
A água é uma substância anfiprótica, ou seja, pode agir como um ácido (doador de
prótons) ou como uma base (receptora de prótons). Em seu estado líquido, ela pode auto-ionizar-
se. A ionização da água ocorre pela dissociação de moléculas de H2O (ATKINS; JONES, 2001)
representada por
2H2Oplq ÝÝáâÝÝ H3O`paqq`OH´paqq. (4.1)
onde, duas moléculas de água (H2O) em estado líquido podem dissociar-se em um íon hidrônio
(H3O+) em solução aquosa e em um íon hidróxido (OH– ) emsolução aquosa. Este fenômeno
também é conhecido por autoprotólise. Na Equação 4.1, as setas em sentidos opostos indicam
que a reação ocorre nos dois sentidos ao atingir o equilíbrio químico.
Na condição de equilíbrio, a proporção entre produtos e reagentes é determinada
pela constante de equilíbrio (ke) desta reação, definida por
ke ”
rH3O`srOH´s
rH2Os2
(4.2)
Rearranjando a Equação 4.2, obtem-se a constante de autoprotólise ou constante de
ionização da água definida como
kw ” kerH2Os2 “ rH3O`srOH´s. (4.3)
Onde rH3O`s, rOH´s e rH2Os representam as concentrações de hidrônio, hidróxido e moléculas
de água. A constante de ionização da água também é uma constante de equilíbrio. Isto significa
que se a concentração de hidrônios diminuir, a concentração de hidróxidos deve aumentar para
manter o mesmo valor de kw. Semelhantemente, se a concentração de hidrônios aumentar, a
concentração de hidróxido deve diminuir (ATKINS; JONES, 2001).
40
4.1.1 Autoionização da Água em CNTP
Nas condições normais de pressão e temperatura, ou seja, para T0 “ 25 ˝C “
298,16 K e p0 “ 1 atm “ 1013 kPa, as concentrações de H3O` e OH´ em água pura são
conhecidas experimentalmente como sendo aproximadamente iguais a 10´7 mol.L´1 (ATKINS;
JONES, 2001), assim,
kw “ p10´7 mol.L´1q.p10´7 mol.L´1q “ 10´14 mol2.L´2. (4.4)
O valor de kw, também, pode ser obtido a partir de conceitos termodinâmicos e está
relacionado à energia livre padrão da reação ∆G˝r (ATKINS; JONES, 2001) por
∆G˝r “´RgT lnk, (4.5)
onde Rg “ 8,3145 J.K´1.mol´1 é a constante dos gases ideais, T é a temperatura na escala
absoluta e k é a constante de ionização de uma substância qualquer (para água, k “ kw).
Explicitamente, a constante de ionização pode ser calculada por.
k “ exp
ˆ
´
∆G˝r
RgT
˙
, (4.6)
onde, ∆G˝r é igual a diferença de energia livre padrão de formação dos produtos menos a energia
livre padrão de formação dos reagentes, ou seja,
∆G˝r “ ∆G
˝
f pH2O
`,aqq`∆G˝f pOH
´,aqq´2∆G˝f pH2O, lqq. (4.7)
Os valores de energia livre padrão de formação adotados na Equação 4.7 são experi-
mentais, tal que, ∆G˝f pH2O
`,aqq “ ´237,13 kJ.mol´1, ∆G˝f pOH
´,aqq “ ´157,24 kJ.mol´1 e
∆G˝f pH2O, lq “ ´237,13 kJ.mol
´1 (LIDE, 2004). Substituindo esses valores em 4.7, obtém-se
∆G˝r “ 79,89kJ.mol
´1. (4.8)
Substituindo o resultado da Equação 4.8 em 4.6, a temperatura ambiente, obtém-se
k “ exp
ˆ
´
79,89kJ.mol´1
8,3145J.K´1.mol´1ˆ298,16K
˙
e (4.9)
k « 10´14 mol2.L´2 “ kw ” k0. (4.10)
Este valor de 10´14 mol2.L´2 coincide com o valor experimental de kw para a
temperatura ambiente de 25 ˝C. Neste trabalho, k será denominado fator de ionização. O fator de
ionização a temperatura ambiente foi definido como k0. A dependência de k com a temperatura
será abordada com mais detalhes na Subseção 4.1.2.
41
4.1.2 Autoionização da Água em Função da Temperatura
A Equação 4.6 fornece o fator de ionização da água para uma dada temperatura,
se a variação de energia livre padrão da reação for conhecida para esta mesma temperatura.
Entretanto, como a entalpia praticamente não varia, é mais prático calcular k para qualquer
temperatura em função do fator de ionização conhecido à temperatura ambiente através da
Equação de van’t Hoft (ATKINS; JONES, 2001), expressa por
k “ kpT q “ k0.exp
„
∆H˝r
Rg
ˆ
1
T0
´
1
T
˙
, (4.11)
onde k0 é o fator de ionização conhecido à temperatura ambiente T0 “ 25˝C “ 298,16K e k é o
fator de ionização à uma temperatura T . ∆H˝r é a variação de entalpia da reação ou calor padrão
da reação, que é igual a soma das variações de entalpia de formação dos produtos, menos a soma
das variações de entalpia dos reagentes conforme,
∆H˝r “ ∆H
˝
f pH3O
`,aqq`∆H˝f pOH
´,aqq´2∆H˝f pH2O, lqq. (4.12)
As variações de entalpia são experimentais, tal que, ∆H˝f pH3O
`,aqq “ ´285,83 kJ.mol´1,
∆H˝f pOH
´,aqq´229,99 kJ.mol´1 e ∆H˝f pH2O, lqq “ ´285,83kJ.mol
´1 (LIDE, 2004). Substi-
tuindo esses valores em 4.12, obtém-se
∆H˝r “ 55,84 kJ.mol
´1. (4.13)
Substituindo, os resultados da Equação 4.13 em 4.11 chega-se à
kpT q “ 10´14 mol.L´1.exp
„
6716 K
ˆ
1
298,15 K
´
1
T
˙
. (4.14)
O gráfico do fator de ionização em função da temperatura, de acordo com a Equação
4.14, está ilustrado na Figura 7. Percebe-se que o fator de ionização aumenta com o aumento da
temperatura.
Observa-se na Figura 7, que o fator de ionização k cai de 10´14 à 25 ˝Cp298.1 Kq
para 10´18 à ´60 ˝C. Isto significa que k pode sofrer alterações em até quatro ordens de
grandezas considerando ´60 ˝C como sendo a temperatura das nuvens mais frias.
42
Figura 7 – Fator de ionização da água em função da temperatura
−60 −50 −40 −30 −20 −10 0 10 20
10
−17
10
−16
10
−15
10
−14
Temperatura (°C)
P
ro
p
o
rç
ã
o
 d
e
 I
o
n
iz
a
ç
ã
o
 l
o
g
(k
)
Fonte: o autor.
4.1.3 Carga Elétrica Máxima Disponível por Autoionização
Admitindo que a solução está inicialmente neutra, as concentrações de hidrônios e
hidróxidos são iguais, e pode-se reescrever a Equação 4.3 na forma
rH3O`s “ rOH´s “ k
1
2 . (4.15)
As concentrações de íons estão em unidades de mol.L´1, e para obter o número de
íons Nmax, deve-se multiplicar a concentração pelo volume V da solução em m3, por 103, para
converter a unidade de volume para litro e pelo o número de Avogadro NA “ 6,022ˆ1023, ou
seja,
Nmax “
a
kpT qˆV ˆ103ˆNA. (4.16)
Cada íon hidrônio possui um próton em excesso com carga elementar positiva `e e
cada hidróxido possui um elétron em excesso com carga elementar negativa ´e, deste modo as
cargas atribuídas ao íons positivos e negativos são respectivamente obtidas pelas Equações 4.17
e 4.18.
qH3O` “`eˆNmax “`eˆ10
3NAV k
1
2 , (4.17)
43
qOH´ “´eˆNmax “´eˆ10
3NAV k
1
2 . (4.18)
Admitindo que as soluções são gotas ou gotículas esféricas, os seus volumes podem
ser escritos em termos dos raios de curvaturas r ou dos seus diâmetros D, ou seja,
V “
4
3
πr3 “
1
6
πD3, (4.19)
Como a solução está inicialmente neutra, o módulo de carga positiva devido aos íons hidrônios é
igual ao módulo de carga negativa devido aos íons hidróxidos, ou seja,
|q|max ” |q|H3O` “ |q|OH´, (4.20)
O módulo destas duas cargas foi definido como sendo a carga máxima disponível por autoioniza-
ção da água |q|max.
Combinando as Equações 4.17, 4.18, 4.19 e 4.20 obtém-se
|q|max “ e
1
6
103πNAk
1
2 D3, (4.21)
onde |q|max é o módulo da carga máxima disponível por autoionização, e“ 1,6022ˆ10´19 C é
a carga elementar e D é o diâmetro do hidrometeoro.
Valores de referência da carga em função do diâmetro dos hidrometeoros podem ser
encontradas na Figura 8, reproduzida de Pruppacher et al. (1998). Os dados de carga apresentados
na Figura 8 foram compilados por Takahashi (1973) e estão em unidades de carga eletrostática
(esu, electrostatic unit of charge).
Na Figura 8, a curva pontilhada é o limite de Rayleigh, ou seja, é a carga máxima
fisicamente possível que uma gotícula de nuvem pode armazenar sem se romper (PRUPPA-
CHER et al., 1998). A ruptura ocorre na condição de instabilidade mecânica quando a tensão
eletrostática é igual a tensão superficial. A curva tracejada é outro limite, que indica a carga
máxima que um hidrometeoro pode suportar sem perdas por corrente de condução, ou seja,
quando o hidrometeoro adquire carga crítica, este gera um campo elétrico capaz de romper a
rigidez dielétrica do ar e originar descargas atmosféricas. A curva tracejada e pontilhada é um
ajuste sobre dados experimentais de cargas encontradas em nuvens de tempestade. Percebe-se
que a curva em condições de tempestade é ligeiramente inferior ao limite determinado pela
rigidez dielétrica do ar. Isso ocorre porque, em condições de tempestades, alguns hidrometeoros
adquirem cargas suficientes para iniciar uma descarga atmosférica. A curva sólida é um ajuste
44
aos dados experimentais obtidos em nuvens quentes, assim são chamadas as nuvens desprovidas
de gelo.
Figura 8 – Média absoluta de carga sobre partículas de nuvens em função dos seus diâmetros.
Triângulos referem-se dados obtidosem tempestades e círculos denotam dados prove-
nientes de nuvens quentes
10
0
10
1
10
2
10
3
10
−10
10
−8
10
−6
10
−4
10
−2
10
0
Diâmetro (µm)
C
a
rg
a
 (
e
s
u
)
 
 
8π(ε
0
γ(N/m) r(m)
3
)
1/2
0,5E
max
r(cm)
2
2r(cm)
2
5x10
−4
r(cm)
1.3
Fonte: adaptado de Pruppacher et al. (1998).
A carga máxima disponível por autoionização dada pela Equação 4.21 foi comparada
com dados apresentados na literatura (PRUPPACHER et al., 1998) na Figura 9. A linha
pontilhada representa a carga máxima por auto-ionização estimada pela Equação 4.21 para
a temperatura ambiente ao nível do mar (25 ˝C). Raramente, as temperaturas nas nuvens
ultrapassam a temperatura ambiente ao nível do mar. Em nuvens quentes, há registro de
temperaturas em torno de 19 ˝C (RODRIGUES, 2012). Deste modo, a temperatura ambiente
representa uma condição extrema para estimar o efeito da auto-ionização da água. Percebe-
se na Figura 9 que a curva pontilhada, atribuída à temperatura ambiente supera todos dados
experimentais e todas as demais curvas de carga por auto-ionização.
Outra temperatura avaliada foi a temperatura de inversão (« ´15 ˝C) descrita,
anteriormente, na Seção 3.2.2. Para essa temperatura, como se pode verificar na Figura 9 a carga
estimada pela Equação 4.21 (linha sólida) é ainda superior à todos os dados experimentais. À
´70 ˝C, temperatura rara até para nuvens de tempestades, a carga máxima disponível é superior
45
aos dados experimentais de tempestades. Isto significa que o processo de auto-ionização da água
é suficiente para suprir a demanda de carga até em nuvens de tempestades.
Figura 9 – Carga máxima por auto-ionização para as temperaturas no topo de tempestade
(´70 ˝C), na temperatura de inversão (´15 ˝C) e à temperatura ambiente (25 ˝C) em
comparação a dados experimentais apresentados na literatura (PRUPPACHER et al.,
1998) em função dos diâmetros dos hidrometeoros
10
0
10
1
10
2
10
3
10
−10
10
−8
10
−6
10
−4
10
−2
10
0
Diâmetro (µm)
C
a
rg
a
 (
e
s
u
)
 
 
Topo de tempestades (−70°C)
Temperatura de inversão (−15°C)
Temperatura ambiente (25°C)
Tempestades
Nuvens Quentes
Fonte: o autor.
A carga elétrica estimada pela Equação 4.21 foi proposta como um limite. Isto
significa que a carga encontradas nos hidrometeoros em função dos seus diâmetros devem ser
inferiores ao estimado pela Equação 4.21. Este limite indica a máxima carga que pode ser
disponibilizada pelo fenômeno da autoionização da água. Em um hidrometeoro, esta carga está
livre mesmo se tratando de íons de polos opostos OH– e H3O+ devido a energia cinética que
essas partículas possuem.
Numa solução de água, a maior fração das moléculas são neutras, mas existe uma
diminuta fração de moléculas ionizadas. A Figura 9 mostrou que, em um hidrometeoro, se
todos os seus íons provenientes da autoionização da água fossem separados, a carga líquida seria
superior às cargas encontradas em hidrometeoros de tempestades.
46
4.2 Separação de Cargas por Difusão
Na Seção 4.1, foi proposta a primeira etapa de separação das cargas nas tempestades
como sendo a autoionização da água. Nesta Seção, será discutido como o efeito da difusão iônica
pode contribuir para o processo de eletrificação de nuvens.
Quando a molécula de água dissocia-se em íons hidróxidos (OH– ) e em íons hi-
drônios (H3O+), a separação de cargas é assegurada pela diferença de mobilidade entre esses
íons. A Tabela 1 apresenta as mobilidades dos íons frequentes em solução aquosa à 25 ˝C. Em
solução aquosa, os íons de maiores mobilidades são o H3O+ e H+ com 36,30ˆ10´4 cm2s´1V´1
seguido do íon OH– com 20,50ˆ10´4 cm2s´1V´1. A mobilidade do hidrônio é alta porque, na
verdade, quem se desloca é o próton saltando rapidamente de uma molécula de água para outra.
Tabela 1 – Mobilidades de Íons em Solução Aquosa a 25 ˝C
Cátion Mobilidade (cm2s´1V´1) Ânion Mobilidade (cm2s´1V´1)
H3O+ e H+ 36,30ˆ10´4 OH– 20,50ˆ10´4
K+ 7,62ˆ10´4 SO4 – 8,27ˆ10´4
Ba+ 6,59ˆ10´4 Cl– 7,91ˆ10´4
Na+ 5,19ˆ10´4 NO3 – 7,40ˆ10´4
Li+ 4,01ˆ10´4 HCO3 – 4,61ˆ10´4
Fonte: Moore (1983)
Em solução aquosa os prótons se movem rapidamente como descreve o mecanismo
de Grotthuss de acordo com a Equação 4.22. Segundo esse mecanismo, um íon hidrônio transfere
um próton para uma molécula de água próxima, assim o hidrônio torna-se uma molécula de
água e a molécula de água torna-se hidrônio. O processo segue orientado até o próton chegar à
última molécula da extremidade na iminência de escapar do hidrometeoro. Similarmente, de
acordo com a Equação 4.23, um íon hidróxido recebe um átomo de hidrogênio de uma molécula
de água. Deste modo, um hidróxido torna-se uma molécula de água e uma molécula de água
torna-se um hidróxido.
H O
H
H` O
H
H O
H
H H O
H
H` O
H
H O
H
H H O
H
H O
H
H` O
H
H (4.22)
O
H
H O
H
H O´
H
O
H
H O´
H
H O
H
O´
H
H O
H
H O
H
(4.23)
Numa solução aquosa, como uma gotícula ou gota de nuvem, os prótons direcionam-
se por mecanismo de Grotthuss para superfície sendo os mais prováveis de escaparem dos
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mesmos enquanto os íons hidróxidos tendem a permanecer no hidrometeoro como ilustrado
na Figura 10. Isso está de acordo com o efeito termo-elétrico relatado na Seção 3.2.2 onde
foi verificado que íons H+ foram transferidos entre partículas de nuvens. A diferença de
mobilidade explica ainda o efeito de Workman-Reynold descrito na Seção 3.2.2, onde íons de
Cl– (7,91ˆ 10´4 cm2s´1V´1) foram transferidos para o granizo enquanto íons Na+ (5,19ˆ
10´4 cm2s´1V´1) permaneceram na gotas. Assim, os íons de maior mobilidade são os mais
prováveis de serem transferidos de um hidrometeoro para outro.
Figura 10 – Ilustração de uma gota de água com íons OH– em seu interior e íons H+ ao seu
redor
Fonte: o autor.
Na literatura, estima-se que o efeito da difusão de íons é insignificante para o processo
de eletrificação das nuvens (PRUPPACHER et al., 1998). Entretanto, esse efeito foi analisado
de modo limitado no qual os hidrometeoros são estáticos em massa, ou seja, não crescem
nem diminuem. O processo de difusão é fundamental para o crescimento dos hidrometeoros
e, na Seção 4.3, será mostrado como este processo pode contribuir significativamente para o
carregamento elétrico de gotas, gotículas e cristais de gelo dentro das nuvens de tempestades.
4.3 Pressão de Saturação
Nas Seções 4.1 e 4.2 foi proposto que a separação de carga nas tempestades se inicia
na autoionização da água e por difusão de íons, via Mecanismo de Grotthus. Nesta Seção,
mostra-se como a pressão de saturação na superfície de uma partícula de nuvem interfere na
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transferência de massa de uma partícula para outra e, consequentemente, carga por meio da
difusão de íons.
Como mostrado na Seção 3.1, os modelos clássicos de eletrificação de nuvens, sejam
eles indutivos ou não-indutivos, admitem que a transferência de carga ocorre durante a colisão
entre partículas de nuvens. Todavia, esta tese propõe um modelo não-colisional.
Existe um mecanismo eficiente para transferir matéria, e consequentemente, carga de
uma partícula de nuvem para outra. Este mecanismo se dá via gradiente de pressão de saturação.
A pressão de saturação de uma partícula de nuvem é a pressão de equilíbrio que torna a taxa
de agregação de moléculas igual a taxa de liberação de moléculas. Uma partícula de nuvem
tende a crescer quando a pressão parcial do vapor for maior do que a pressão de saturação dessa
partícula de nuvem. Quando duas partículas de nuvens próxima uma da outra possuem uma
diferença de pressão de saturação, a partícula de nuvem de pressão de saturação mais baixa capta
as moléculas da partícula de nuvem de pressão de saturação mais alta (AHRENS, 2011).
A pressão de saturação (ps) sobre gotículas de nuvens e gotas de chuva é uma função
do raio de curvatura (r) e da temperatura (T ) de acordo com a Equação de Kelvin (WALLACE;
HOBBS, 2006),
ps “ psp8qexp
2σ
RvρLrT
(4.24)
onde psp8q é pressão de saturação de uma superfície plana, σ é a tensão superficial

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