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Autores: Prof. Rogério Nepomuceno Kreidel Profa. Soraya da Silva Santos Colaboradores: Prof. Juliano Rodrigo Guerreiro Profa. Eliane Maria de Almeida Orsine Serviços de Farmácia e Saúde Pública Professores conteudistas: Rogério Nepomuceno Kreidel / Soraya da Silva Santos Rogério Nepomuceno Kreidel Possui graduação em Farmácia (2001) e especialização em Farmacologia (2003) pela Universidade Católica de Santos (Unisantos) e especialização em Produção e Controle de Medicamentos pela Universidade de São Paulo (USP- 2005). Mestre em Fármaco e Medicamentos pela USP (2010), especialista em Formação e Cuidado em Rede (2014) e em Apoio à Saúde da Família (2016) pela Unifesp. Professor do curso de Farmácia da UNIP desde 2009. Tem experiência em farmácia comunitária e farmácia hospitalar e atua desde 2007 no Departamento de Atenção Básica da Prefeitura Municipal de Santos como componente do Núcleo de Apoio à Saúde da Família (Nasf). Nesse período, já atuou como chefe de Unidades de Saúde da Família e, atualmente, é tutor de Farmácia no Programa de Residência Multiprofissional em Atenção Primária à Saúde (PRMAPS) e coordenador Municipal do Programa de Tabagismo do Município de Santos. Soraya da Silva Santos Doutora em Fármacos e Medicamentos pela Faculdade de Ciências Farmacêuticas da USP (2016). Mestre em Fármacos e Medicamentos (2012). Especialista em Farmácia Hospitalar e Introdução à Farmácia Clínica pelo Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da USP (2009/2010) e em Química pelas Faculdades Oswaldo Cruz (2010). Graduada em Farmácia pela Unisantos (2008). É professora titular na UNIP, desde 2013, no curso de Farmácia. Foi docente das disciplinas de Planejamento de Fármacos, Farmacognosia II e Obtenção Industrial de Fármacos da Faculdade de Ciências Farmacêuticas da USP. © Todos os direitos reservados. Nenhuma parte desta obra pode ser reproduzida ou transmitida por qualquer forma e/ou quaisquer meios (eletrônico, incluindo fotocópia e gravação) ou arquivada em qualquer sistema ou banco de dados sem permissão escrita da Universidade Paulista. Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP) K92s Kreidel, Rogério Nepomuceno. Serviços de Farmácia e Saúde Pública / Rogério Nepomuceno Kreidel, Soraya da Silva Santos. – São Paulo: Editora Sol, 2022. 148 p., il. Nota: este volume está publicado nos Cadernos de Estudos e Pesquisas da UNIP, Série Didática, ISSN 1517-9230. 1. Política. 2. Assistência. 3. Medicamentos. I. Kreidel, Rogério Nepomuceno. II. Santos, Soraya da Silva. III. Título. CDU 615.1 U514.13 – 22 Prof. Dr. João Carlos Di Genio Reitor Profa. Sandra Miessa Reitora em Exercício Profa. Dra. Marilia Ancona Lopez Vice-Reitora de Graduação Profa. Dra. Marina Ancona Lopez Soligo Vice-Reitora de Pós-Graduação e Pesquisa Profa. Dra. Claudia Meucci Andreatini Vice-Reitora de Administração Prof. Dr. Paschoal Laercio Armonia Vice-Reitor de Extensão Prof. Fábio Romeu de Carvalho Vice-Reitor de Planejamento e Finanças Profa. Melânia Dalla Torre Vice-Reitora de Unidades do Interior Unip Interativa Profa. Elisabete Brihy Prof. Marcelo Vannini Prof. Dr. Luiz Felipe Scabar Prof. Ivan Daliberto Frugoli Material Didático Comissão editorial: Profa. Dra. Christiane Mazur Doi Profa. Dra. Angélica L. Carlini Profa. Dra. Ronilda Ribeiro Apoio: Profa. Cláudia Regina Baptista Profa. Deise Alcantara Carreiro Projeto gráfico: Prof. Alexandre Ponzetto Revisão: Bruno Barros Bruna Baldez Sumário Serviços de Farmácia e Saúde Pública APRESENTAÇÃO ......................................................................................................................................................9 INTRODUÇÃO ...........................................................................................................................................................9 Unidade I 1 ASPECTOS HISTÓRICOS E LEGAIS ............................................................................................................. 11 1.1 Profissão farmacêutica no Brasil ................................................................................................... 11 1.2 Assistência farmacêutica................................................................................................................... 13 1.3 Atenção primária à saúde (APS) ..................................................................................................... 16 2 PROGRAMAS DE ASSISTÊNCIA FARMACÊUTICA NO BRASIL ......................................................... 17 2.1 Atenção básica – elenco de referência ........................................................................................ 19 2.2 Hipertensão e diabetes ....................................................................................................................... 20 2.3 Asma e rinite .......................................................................................................................................... 22 2.4 Saúde mental ......................................................................................................................................... 22 2.5 Saúde da mulher .................................................................................................................................. 23 2.6 Alimentação e nutrição ..................................................................................................................... 24 2.7 Tabagismo ................................................................................................................................................ 25 2.8 Controle das endemias ....................................................................................................................... 26 2.9 DST/aids – antirretrovirais ................................................................................................................ 26 2.10 Sangue e hemoderivados ............................................................................................................... 27 2.11 Doenças tratadas por medicamentos do componente especializado .......................... 28 2.12 Programa Farmácia Popular do Brasil ....................................................................................... 29 3 POLÍTICA NACIONAL DE MEDICAMENTOS E DE ASSISTÊNCIA FARMACÊUTICA .................... 31 3.1 Diretrizes .................................................................................................................................................. 33 3.1.1 Adoção de relação de medicamentos essenciais ....................................................................... 33 3.1.2 Regulação sanitária de medicamentos .......................................................................................... 34 3.1.3 Reorientação da assistência farmacêutica ................................................................................... 35 3.1.4 Promoção do uso racional de medicamentos ............................................................................. 36 3.1.5 Desenvolvimento científico e tecnológico ................................................................................... 39 3.1.6 Promoção da produção de medicamentos................................................................................... 40 3.1.7 Garantia da segurança, eficácia e qualidade dos medicamentos ....................................... 40 3.1.8 Desenvolvimento e capacitação de recursos humanos .......................................................... 41 3.2 Política Nacional de Assistência Farmacêutica ........................................................................ 42 3.2.1 Princípios .................................................................................................................................................... 43 3.2.2 Eixos .............................................................................................................................................................46 3.3 Política de genéricos ........................................................................................................................... 51 3.3.1 Histórico ..................................................................................................................................................... 51 3.3.2 Lei n. 9.787 de 1999 e RDC n. 16 de 2007 ................................................................................... 54 3.3.3 Intercambialidade ................................................................................................................................... 59 3.3.4 Bioequivalência/biodisponibilidade relativa ................................................................................ 60 3.3.5 Mercado de genéricos ........................................................................................................................... 61 4 JUDICIALIZAÇÃO DA ASSISTÊNCIA FARMACÊUTICA ......................................................................... 62 4.1 Aspectos gerais ...................................................................................................................................... 62 4.2 Dados da judicialização da assistência farmacêutica............................................................ 64 4.3 Farmacêuticos e a judicialização ................................................................................................... 67 Unidade II 5 CICLO DA ASSISTÊNCIA FARMACÊUTICA ............................................................................................... 73 5.1 Seleção de medicamentos ................................................................................................................ 74 5.1.1 Comissão de farmácia e terapêutica, padronização de medicamentos do município, inclusão e exclusão de medicamentos ......................................................................... 76 5.1.2 Farmacoeconomia .................................................................................................................................. 78 5.1.3 Farmacoepidemiologia aplicada ....................................................................................................... 79 5.1.4 Quais são os medicamentos disponíveis no SUS e que constituem os componentes básico, estratégico e especializado? ........................................................................ 80 5.2 Programação de medicamentos ..................................................................................................... 82 5.3 Aquisição de medicamentos ............................................................................................................ 85 5.4 Armazenamento de medicamentos .............................................................................................. 86 5.4.1 Central de abastecimento farmacêutico e atividades do armazenamento .................... 86 5.4.2 Boas práticas de armazenamento de medicamentos .............................................................. 88 5.5 Distribuição e transporte de medicamentos ............................................................................. 91 5.6 Utilização de medicamentos ........................................................................................................... 92 5.6.1 Prescrição ................................................................................................................................................... 92 5.6.2 Dispensação e uso de medicamentos ............................................................................................. 93 6 GESTÃO DA ASSISTÊNCIA FARMACÊUTICA ........................................................................................... 96 6.1 Estrutura e gestão de pessoas ......................................................................................................... 98 6.2 Acompanhamento e avaliação ....................................................................................................... 99 6.3 Indicadores para avaliação da assistência farmacêutica ...................................................100 6.4 Critérios utilizados, dados epidemiológicos e respectivos bancos de dados (DataSUS) .................................................................................................................103 7 ASPECTOS LEGAIS DA PRESCRIÇÃO DE MEDICAMENTOS POR FARMACÊUTICOS E OUTROS PROFISSIONAIS NÃO MÉDICOS .........................................................103 7.1 Protocolos de prescrição por profissionais não médicos ...................................................104 7.2 Consulta farmacêutica .....................................................................................................................105 7.3 Prescrição farmacêutica ..................................................................................................................108 8 CENTRO DE INFORMAÇÃO SOBRE MEDICAMENTOS E DESCARTE E GERENCIAMENTO DE MEDICAMENTOS ................................................................................................111 8.1 Objetivos do CIM ................................................................................................................................111 8.2 Como responder aos questionamentos sobre medicamentos? .......................................116 8.3 Documentação, acompanhamento e avaliação ....................................................................118 8.4 Descarte de medicamentos e gerenciamento de resíduos nos serviços de saúde ..118 8.4.1 Plano de gerenciamento de RSS .................................................................................................... 119 8.4.2 Grupos de RSS e as peculiaridades no tratamento desses resíduos ............................... 120 8.4.3 Atividades do gerenciamento de RSS ......................................................................................... 123 8.5 Saúde ocupacional.............................................................................................................................127 9 APRESENTAÇÃO Esta disciplina apresenta o universo da saúde pública, contemplando os diferentes serviços de farmácia existentes. Os conhecimentos adquiridos aqui serão importantes para a atuação do profissional na área farmacêutica, principalmente nas unidades do Sistema Único de Saúde (SUS), como hospitais, prontos-socorros e farmácias de Unidades da Atenção Básica, dos Centros de Apoio Psicossocial (Caps), de ambulatórios de especialidades, de alto custo, do setor de judicialização, de almoxarifados, entre outros. Deve-se ter em mente que os alunos que optarem por trabalhar na rede privada futuramente também precisarão desses conhecimentos, pois são conceitos abrangentes que dizem respeito ao trabalho do farmacêutico tanto no setor público quanto no privado. O objetivo maior desta disciplina é ajudar na formação de farmacêuticos que possam atuar na gestão e no gerenciamento de medicamentos, em especial na atenção primária no SUS, estimulando o desenvolvimento da capacidade crítica da assistência farmacêutica. Nesse processo, o aluno será estimulado a refletir sobre os pontos positivos, as limitações e possibilidades de desenvolvimento das ações farmacêuticas dentro do SUS. INTRODUÇÃO Este livro-texto abordará as noções organizacionais da gestão dos serviços farmacêuticos, mais especificamente do setor de medicamentos, bem como as regulamentações pertinentes à assistência farmacêutica no Brasil. Para atingir esses objetivos, serão abordados também temas como planejamento e avaliação dos serviços de saúde. A princípio, será estudada uma parte importante: legislação, aspectos históricos da profissão e os programas de assistência farmacêutica. Entre as regulamentações dos serviços de farmácia e saúde pública, serão tratadas: as políticas nacionais de medicamentos, de assistência farmacêutica e de genéricos. Além disso, discutiremos os aspectos relativos à judicializaçãoda assistência farmacêutica nos Serviços de Saúde Pública no Brasil. Depois, será abordada a área de gestão dos serviços de farmácia e saúde pública. Assim, estudaremos a gestão da assistência farmacêutica e seus indicadores de desempenho, além do ciclo da assistência farmacêutica, com as etapas de seleção, programação, aquisição, armazenamento, distribuição e dispensação, que são indispensáveis para o gerenciamento eficiente e a garantia de farmacoterapia segura ao paciente. Abordaremos elementos que o ajudarão a compreender os processos de compra, critérios de escolha dos medicamentos – como os componentes básico, estratégico e especializado da assistência farmacêutica –, farmacoeconomia, comissão de farmácia e terapêutica, padronização de medicamentos do município, farmacoepidemiologia, dados epidemiológicos e respectivos bancos de dados (DataSUS). Por fim, você compreenderá o funcionamento da central de abastecimento farmacêutico, as boas práticas de armazenamento, distribuição e dispensação de medicamentos. Na sequência, estudará aspectos legais relacionados ao receituário, que envolvem a sua análise e a prescrição de medicamentos 10 por profissionais não médicos. Por fim, será discutido o Centro de Informação de Medicamentos, que fornece informações técnico-científicas apropriadas e o adequado descarte de medicamentos e gerenciamento de resíduos nos serviços de saúde. Convidamos você a mergulhar no mundo da saúde pública. Não deixe de potencializar sua formação lendo e acessando as sugestões de textos, vídeos e outros materiais. Esperamos que faça bom proveito do material e se apaixone pelo SUS. Boa leitura! 11 SERVIÇOS DE FARMÁCIA E SAÚDE PÚBLICA Unidade I 1 ASPECTOS HISTÓRICOS E LEGAIS Neste tópico, veremos um pouco do histórico do desenvolvimento da profissão farmacêutica, da assistência farmacêutica (AF) e da atenção primária à saúde em nosso país. O assunto foi desenvolvido levando-se em consideração aspectos históricos, políticos e as legislações pertinentes. O tópico foi dividido em três subtópicos para melhor compreensão. 1.1 Profissão farmacêutica no Brasil Desde a colonização portuguesa, nosso país não dispunha de boticários (farmacêuticos) diplomados, pois Portugal não os liberava. A primeira faculdade de farmácia do Brasil foi criada em 1832. Nessa época, o farmacêutico preparava os medicamentos de forma artesanal e tinha bom vínculo com os pacientes. Na década de 1930 e 1940, foram feitas descobertas de substâncias terapêuticas importantes, além de ter sido um momento da história em que as primeira e segunda guerras mundiais impulsionaram o conhecimento científico. Nesse período, a indústria farmacêutica começa a ganhar muita força, e a produção artesanal começa a ser substituída pelas especialidades farmacêuticas (medicamentos industrializados). Saiba mais O histórico da profissão farmacêutica no Brasil pode ser mais bem compreendido na seguinte leitura: ANGONESI, D.; SEVALHO, G. Atenção farmacêutica: fundamentação conceitual e crítica para um modelo brasileiro. Ciência & Saúde Coletiva, v. 15, supl. 3, p. 3603-3614, 2010. Disponível em: https://bit.ly/3G2I3dn. Acesso em: 19 out. 2021. Com o domínio da indústria farmacêutica, as substâncias sintéticas ganharam mais espaço. Os medicamentos agora chegavam prontos nos estabelecimentos, diminuindo a importância das farmácias de manipulação. Nesse contexto, foram criadas as drogarias, com total apoio e incentivo da indústria. Junto a isso, nossa sociedade começa a vivenciar uma era marcada pelo estímulo aos bens de consumo. Como consequência, as farmácias, que eram estabelecimentos de saúde, passam a ter uma lógica de funcionamento muito mais comercial. 12 Unidade I Desse modo, os farmacêuticos começam a perder um pouco da sua função e importância, pois, nas drogarias, o medicamento já chega pronto e com bula, contendo todas as informações de uso. Adicionalmente, em 1930, a legislação possibilitava que as drogarias funcionassem sem profissional habilitado, pois não havia profissionais suficientes para tantos estabelecimentos. A indústria farmacêutica tinha poucas vagas para oferecer a esses profissionais. Essa mudança faz com que os farmacêuticos busquem vagas em outros setores, como na área de análises clínicas (ANGONESI; SEVALHO, 2010). A Lei n. 5.991 de 1973 (BRASIL, 1973) torna obrigatória a presença de responsável técnico. Porém, os farmacêuticos preferem áreas com maior reconhecimento, e as drogarias passam a contratá-los apenas para “assinar” a responsabilidade técnica. Observação “Assinar responsabilidade técnica” significa que o farmacêutico apenas empresta seu nome para o estabelecimento, sem de fato atuar no cotidiano. Esse ato é ilegal e vai contra o disposto no artigo 14 do Código de Ética Farmacêutica pela Resolução n. 596 de 2014 (CONSELHO FEDERAL DE FARMÁCIA, 2014). Art.14 – É proibido ao farmacêutico: V – deixar de prestar assistência técnica efetiva ao estabelecimento com o qual mantém vínculo profissional, ou permitir a utilização do seu nome por qualquer estabelecimento ou instituição onde não exerça pessoal e efetivamente sua função. Nessa época, vários profissionais aceitaram essa condição, e a profissão passou por um longo período de descrédito. Saiba mais Você já tinha ouvido falar sobre a prática de “assinar” a responsabilidade técnica? Leia o artigo de opinião de um farmacêutico sobre o tema, tente descobrir se esse tipo de atuação ainda é comum e faça uma reflexão sobre o assunto: ROSA, I. A prostituição da farmácia: profissionais vendem o nome e o diploma a oitocentos reais. ICTQ, jan. 2020. Disponível em: https://bit.ly/3lXfuWD. Acesso em: 24 abr. 2021. 13 SERVIÇOS DE FARMÁCIA E SAÚDE PÚBLICA Com o passar dos anos, a fiscalização dos Conselhos Regionais de Farmácia (CRF) se intensifica, e essa prática profissional começa a diminuir. Nesse processo, surge a farmácia clínica, em que o profissional farmacêutico começa a participar ativamente do tratamento do paciente, atuando no uso racional de medicamentos, analisando as prescrições, identificando reações adversas e inefetividade terapêutica e ainda fazendo intervenções farmacêuticas junto aos profissionais médicos. Todas essas ações podem ser realizadas em diferentes tipos de estabelecimentos, como farmácias comunitárias (drogarias), unidades de saúde da família, farmácias de manipulação, hospital, entre outros. A Resolução n. 586, de 29 de agosto de 2013 (CONSELHO FEDERAL DE FARMÁCIA, 2013), permite ao farmacêutico prescrever medicamentos não tarjados que não exijam prescrição médica, como polivitamínicos, antiácidos, antidiarreicos, antissépticos, alguns antialérgicos, antimicóticos, analgésicos, entre outros. Em 2014, é publicada a Lei n. 13.021 (BRASIL, 2014a), elevando a farmácia a um nível de estabelecimento de saúde e aumentando a autonomia técnica do farmacêutico. Você pode visualizar essa sequência de eventos na figura a seguir. 1832: criação da primeira faculdade de farmácia Décadas de 1930 e 1940: descoberta de substâncias terapêuticas importantes e início da industrialização 1973: obrigatoriedade do farmacêutico nas farmácias → passam a “assinar” a responsabilidade técnica 1930: a legislação permitia drogarias sem farmacêutico 2013: farmacêutico pode prescrever medicamentos não tarjados que não exijam prescrição médica 2014: as farmácias são elevadas ao nível de estabelecimento de saúde e a autonomia técnica do farmacêutico é aumentada Figura 1 – Sequência de eventos que contribuíram para o desenvolvimento da profissão farmacêutica no Brasil 1.2 Assistência farmacêutica O Brasil sempre teve uma população desassistida de serviços de saúde e com baixo acesso a medicamentos, desde os tempos de colônia até a criação do SUS em 1990. Em 1977, com a instituição do Inamps, somente os trabalhadores formais passam a ter acesso aos serviços de saúde. Quem não 14 Unidade I trabalhava não tinha direito. No fimdos anos 1980, ocorreu o movimento de reforma sanitária e, em 1988, a criação da Constituição Federal, que de certa maneira serviu como essência para a criação do Sistema Único de Saúde (SUS). Observação O movimento de reforma sanitária é o nome que se usa para um conjunto de ideias e mudanças na área da saúde, encabeçado por profissionais, políticos e representantes da sociedade civil. Esse movimento teve seu ponto mais alto na 8ª Conferência Nacional de Saúde (1986), em que foram discutidos novos modelos de saúde para o Brasil. Em 1978, ocorreu a Conferência Internacional de Saúde de Alma-Ata, que foi um marco para a evolução da AF ao redor do planeta. Nela, os países foram encorajados a criar os elencos de medicamentos essenciais e políticas de importação, produção, distribuição e venda de medicamentos. O objetivo era garantir abastecimento interno a preços baixos. Também foi incentivado que os países tomassem medidas para o uso racional de medicamentos. Saiba mais Para entender melhor a evolução da AF no Brasil, leia os seguintes textos: KORNIS, G. E. M.; BRAGA, M. H.; ZAIRE, C. E. F. Os marcos legais das políticas de medicamentos no Brasil contemporâneo (1990-2006). Rev. APS, v. 11, n. 1, p. 85-99, jan.-mar. 2008. Disponível em: https://bit.ly/3jnzYGr. Acesso em: 20 out. 2021. ALMEIDA, C. C.; ANDRADE, K. V. F. Assistência farmacêutica no sistema único de saúde. Rev. Saúde. Com., v. 10, n. 1, p. 80-86, 2014. Disponível em: https://bit.ly/3jlelqc. Acesso em: 20 out. 2021. A abertura da Central de Medicamentos (Ceme), em 1971, é considerada o início da AF em nosso país. Nos seus 26 anos de existência, o elenco de medicamentos essenciais foi atualizado apenas quatro vezes. Suas funções de promover a pesquisa e regular o mercado também não foram efetivas. Outro problema observado foi que, nesse sistema de compras centralizadas, ocorreu grande perda de medicamentos por validade e dificuldades de transporte (ALMEIDA; ANDRADE, 2014). Observação O objetivo da Central de Medicamentos (Ceme) era comprar e distribuir medicamentos para que a população pudesse ter mais acesso. 15 SERVIÇOS DE FARMÁCIA E SAÚDE PÚBLICA Outro marco importante da AF ocorre em 1988, quando foi realizado o 1º Encontro Nacional de assistência farmacêutica e Política de Medicamentos, que ocorreu dentro da Ceme e foi discutido o mercado farmacêutico da época e as possíveis melhorias futuras. A Ceme foi extinta em 1997, e, em 1998, é criada a Política Nacional de Medicamentos (PNM), que descentralizou a gestão da AF. Como consequência, as esferas municipais e estaduais passam a ter responsabilidade, por exemplo, na compra e distribuição dos medicamentos. Em 1999, é criada a Anvisa, que é uma agência reguladora em regime de autarquia, que faz o controle sanitário de medicamentos, alimentos, serviços de saúde etc. A Anvisa vem para substituir a Secretaria Nacional de Vigilância Sanitária, que tinha enormes dificuldades em cumprir seu papel. Logo em seguida (1999), é publicada a lei dos genéricos, que é um marco dentro da AF brasileira. Por fim, é aprovada a Política Nacional da assistência farmacêutica (PNAF) em 2004. Essa política foi criada com a intenção de incentivar a promoção, proteção e recuperação da saúde, tentando assegurar os princípios do SUS (KORNIS; BRAGA; ZAIRE, 2008). Na figura seguinte, é apontada a sequência de eventos que contribuíram para a ampliação da AF no Brasil. 1971: criação da Ceme 1978: Conferência de Alma-Ata 1988: 1º Encontro Nacional de Assistência Farmacêutica 1998: Política Nacional de Medicamentos Anos 1980: movimento de reforma sanitária 1990: criação do SUS 1999: criação da Anvisa e da lei dos genéricos 2004: publicação da Política Nacional de Assistência Farmacêutica Figura 2 – Sequência de eventos que contribuíram para a qualificação da assistência farmacêutica no Brasil 16 Unidade I 1.3 Atenção primária à saúde (APS) O conceito de APS surgiu em 1920 na Inglaterra e tentava mudar aquela visão de saúde curativa que sempre existiu. A ideia era mudar o modelo de saúde inglês pela criação de centros de saúde primários, com médicos generalistas que atendiam nesses centros e por meio de visitas domiciliares. O objetivo era cuidar das famílias por meio de um novo modelo de prevenção de aparecimento de doenças e promoção da saúde. Observação Os termos atenção primária à saúde e atenção básica possuem o mesmo significado. Exemplo de aplicação Você já foi aconselhado por algum profissional de saúde a fazer atividades físicas, a alimentar-se melhor, a parar de fumar, a beber menos? Você já viu algum grupo de atividade física, caminhada ou sobre nutrição nas unidades de saúde? Esses são exemplos de ações de promoção de saúde. Faça uma pesquisa e descubra se as unidades de saúde próximas a sua casa oferecem essas possibilidades aos pacientes. A já citada Conferência Internacional de Saúde de Alma-Ata, em 1978, enfatizou que os países adotassem uma APS com essa visão de promoção da saúde. Anteriormente, na década de 1940, o Brasil também havia sido influenciado por modelos americanos que dispunham de assistência domiciliar e serviços preventivos. Porém, só na década de 1980, a APS começou a ganhar um novo formato, por conta do movimento de reforma sanitária e criação do SUS (ARAÚJO et al., 2008). Saiba mais O seguinte artigo aborda os aspectos históricos da assistência farmacêutica no Brasil: ARAÚJO, A. L. A. et al. Perfil da assistência farmacêutica na atenção primária do Sistema Único de Saúde. Ciência & Saúde Coletiva, v. 13, p. 611-617, 2008. Disponível em: https://bit.ly/3plSVgs. Acesso em: 20 out. 2021. Na década de 1990, a APS tornou-se responsabilidade dos municípios e, em 1994, foi criado o formato de Unidade de Saúde da Família (USF), com as suas equipes mínimas (médico de família, enfermeiro, técnicos de enfermagem, odontólogo e agentes comunitários de saúde). Em 2006, foi publicada, pela 17 SERVIÇOS DE FARMÁCIA E SAÚDE PÚBLICA primeira vez, a Política Nacional de Atenção Básica (PNAB), atualizada em 2011 e 2017 com a Portaria n. 2.436 (BRASIL, 2017d). A PNAB surgiu para reorganizar a atenção básica, reconhecendo o modelo de USF como o ideal. Década de 1940: influência americana 1978: Conferência de Alma-Ata Década de 1990: APS passa a ser de responsabilidade dos municípios Década de 1980: influência do movimento de reforma sanitária 1994: criação do modelo de USF 2006: criação da PNAB Figura 3 – Sequência de eventos que contribuíram para o desenvolvimento da atenção primária à saúde no Brasil Agora que você entendeu o contexto histórico do desenvolvimento da profissão farmacêutica no Brasil, AF e atenção primária à saúde, podemos estudar os programas de assistência farmacêutica. 2 PROGRAMAS DE ASSISTÊNCIA FARMACÊUTICA NO BRASIL O acesso aos medicamentos é um direito de todos os cidadãos brasileiros pela Constituição Federal e pelo SUS. Apesar disso, apenas em 1998, com a publicação da Política Nacional de Medicamentos (PNM), é que se começa a desenhar a Política Nacional de Assistência Farmacêutica (PNAF), que foi publicada em 2004. Tanto os mais pobres quanto os mais ricos se beneficiam dessa política, pois alguns medicamentos têm alto valor monetário, o que dificultaria a aquisição deles por qualquer pessoa. Assim, surgem os programas de AF, que são uma forma de organizar os medicamentos em diferentes categorias para facilitar a compra e o controle. Cada programa tinha regras próprias de funcionamento e financiamento, ou seja, o dinheiro vinha do Ministério da Saúde e era endereçado a cada programa. Após 2007, embora os programas continuassem ativos, o financiamento passou a ser feito por blocos (componente básico, estratégico e especializado), como pode ser visualizado no quadro a seguir. Como exemplo, o Ministério da Saúde passou a enviar um valor único para que estados e municípios pudessem comprar os medicamentos usados nos programas de saúde da mulher, saúdemental, hipertensão e diabetes etc. (VIEIRA, 2010). 18 Unidade I Em 2017, publicou-se a Portaria n. 3.992/2017 (BRASIL, 2017e), alterando o repasse de recursos aos serviços e ações em saúde em dois grupos: o de custeio das ações e serviços de saúde e o de investimento na rede de saúde. Então, o financiamento da AF passou a ficar dentro do grupo “custeio das ações e serviços de saúde”. Quadro 1 – Programas de assistência farmacêutica Componente Programas de assistência farmacêutica Básico — Atenção básica (elenco de referência) — Hipertensão e diabetes (insulina humana e insumos para insulinodependentes) — Asma e rinite — Saúde mental — Saúde da mulher (contraceptivos e correlatos) — Alimentação e nutrição Estratégico — Controle das endemias (tuberculose, hanseníase, entre outras) — DST/aids (antirretrovirais) — Sangue e hemoderivados — Imunobiológicos — Tabagismo Especializado — Artrite reumatoide, Alzheimer, asma, Parkinson, esclerose múltipla, epilepsia, glaucoma, hepatite, lúpus e outras Fonte: Vieira (2010). Saiba mais Os seguintes artigos abordam um pouco do histórico dos programas de assistência farmacêutica: VIEIRA, F. S. Assistência farmacêutica no sistema público de saúde no Brasil. Rev. Panam. Salud Pública, v. 27, n. 2, p. 149-156, 2010. Disponível em: https://bit.ly/3ppmUUO. Acesso em: 20 out. 2021. AUREA, A. P. et al. Programas de assistência farmacêutica do governo federal: estrutura atual, evolução dos gastos com medicamentos e primeiras evidências de sua eficiência, 2005-2008. Brasília: Ipea, [s.d.]. Disponível em: https://bit.ly/2XtObtF. Acesso em: 20 out. 2021. Em novembro de 2019, a Portaria n. 2.979 institui o Programa Previne Brasil (BRASIL, 2019b), que não é específico da AF, pois é um novo formato de financiamento da atenção primária à saúde como um todo. Assim, a verba é repassada da esfera federal às estaduais e municipais, considerando-se as características locais, conforme a figura seguinte. 19 SERVIÇOS DE FARMÁCIA E SAÚDE PÚBLICA Definem os sete indicadores de pagamento de desempenho e a forma de aferi-los: — Proporção de gestantes com pelo menos 6 (seis) consultas pré-natal realizadas até a 20ª semana de gestação — Proporção de gestantes com realização de exames para sífilis e HIV — Proporção de gestantes com atendimento odontológico realizado — Cobertura de exame citopatológico — Cobertura vacinal de poliomielite inativada e de pentavalente — Percentual de pessoas hipertensas com pressão arterial aferida em cada semestre — Percentual de diabéticos com solicitação de hemoglobina glicada Repasse de verba aos estados e municípios baseado nos seguintes critérios: — População cadastrada nas unidades de saúde da família e tradicionais — Vulnerabilidade socioeconômica — Perfil demográfico por faixa etária — Pagamento por desempenho Portaria n. 3.222/2019 e Nota Técnica n. 5/2020 Portaria n. 2.979/2019 institui Programa Previne Brasil Figura 4 – Programa Previne Brasil É importante você entender que a verba repassada pelo Programa Previne Brasil pode e deve ser usada para a compra de medicamentos do componente básico da AF. Nos tópicos seguintes, você entenderá melhor a importância de cada programa de AF. 2.1 Atenção básica – elenco de referência Esse programa foi gerado em 1997, com uma lista de apenas quarenta medicamentos, para os municípios mais necessitados do país. Seu nome era Programa Farmácia Básica e, nessa época, o Ministério da Saúde ainda centralizava a compra da maioria dos medicamentos e os distribuía aos municípios (COSENDEY et al., 2000). Em 1999, com a evolução da descentralização do nosso sistema de saúde, o programa passou a se chamar Incentivo à assistência farmacêutica Básica. Atualmente, chama-se assistência farmacêutica na Atenção Básica à Saúde e tem como base a relação nacional de medicamentos essenciais (Rename), anexos I e IV. Esses dois anexos possuem medicamentos para tratar as patologias mais comuns e para serem usados dentro dos programas da atenção básica. São financiados pelas três esferas de governo, porém a responsabilidade de compra é dos municípios, conforme Portaria de Consolidação GM/MS n. 6 de 2017 (BRASIL, 2017c). 20 Unidade I Tabela 1 – Parte do anexo I da Rename Denominação genérica Concentração/composição Forma farmacêutica Acetato de betametasona + fosfato dissódico de betametasona 3 mg/mL + 3 mg/mL Suspensão injetável Acetato de hidrocortisona 10 mg/g (1%) Creme Acetato de medroxiprogesterona 50 mg/mL Suspensão injetável 150 mg/mL Suspensão injetável 10 mg Comprimidos Fonte: Brasil (2020e). 2.2 Hipertensão e diabetes Esse programa nasce em 2002 com a Portaria GM/MS n. 371 (BRASIL, 2002) com o intuito de diminuir a morbimortalidade por patologia cardiovascular causada por hipertensão e diabetes. Mais especificamente para o diabetes, são publicadas a Lei n. 11.347 de 2006 (BRASIL, 2006c) e Portaria GM/MS n. 2.583 de 2007 (BRASIL, 2007a), que definem medicamentos e insumos a serem disponibilizados pelo SUS. Quadro 2 – Medicamentos e insumos disponibilizados pelo SUS para os diabéticos Medicamentos Insumos – Glibenclamida 5 mg comprimido – Seringas com agulha acoplada para aplicação de insulina – Cloridrato de metformina 500 mg e 850 mg comprimido – Tiras reagentes de medida de glicemia capilar – Glicazida 80 mg comprimido – Lancetas para punção digital – Insulina humana NPH - suspensão injetável 100 UI/ml – Insulina humana regular - suspensão injetável 100 UI/ml Fonte: Brasil (2020e). Com o passar dos anos, os municípios foram adicionando outros medicamentos a essa listagem, conforme necessidade, como a glimepirida. Os medicamentos para diabetes, administrados por via oral, como os comprimidos de glibenclamida, glimepirida, glicazida e metformina, fazem parte do componente básico da AF. Dessa forma, os municípios são responsáveis por realizar a compra deles. O mesmo se aplica aos medicamentos para tratamento de hipertensão, como o atenolol, propranolol, hidroclorotiazida, carvedilol, losartana, nifedipino, entre outros. Já as insulinas humana NPH e regular são adquiridas e distribuídas pelo Ministério da Saúde. As tiras reagentes, lancetas para a realização de glicemia capilar e seringas para aplicação de insulina são do componente básico e, dessa forma, os municípios têm a responsabilidade de compra. 21 SERVIÇOS DE FARMÁCIA E SAÚDE PÚBLICA É interessante saber que, para facilitar a aplicação da insulina NPH de ação lenta, a partir de 2020, o Ministério passou a comprar e distribuir as canetas. Figura 5 – Caneta de insulina distribuída pelos municípios Fonte: Bahia (s.d.). Exemplo de aplicação Imagine a seguinte situação: um paciente passa por uma consulta médica em uma unidade de saúde da família na atenção básica e é diagnosticado com hipertensão e diabetes. O médico prescreve metformina 850 mg, insulina NPH e hidroclorotiazida 25 mg. Procure descobrir como e onde o paciente consegue retirar esses medicamentos. Esses medicamentos fazem parte de qual programa? Resgatando as informações apresentadas na figura 4, pelo Programa Previne Brasil, há dois indicadores (números 6 e 7) que têm relação direta com o programa de hipertensão e diabetes. Saiba mais A leitura da portaria a seguir permitirá que você conheça melhor o programa de hipertensão e diabetes: BRASIL. Portaria GM n. 371, de 4 de março de 2002. Instituto Programa Nacional de assistência farmacêutica para Hipertensão Arterial e Diabetes Mellitus, parte integrante do Plano Nacional de Reorganização da Atenção a Hipertensão Arterial e Diabetes Mellitus. Brasília, 2002. Disponível em: https://bit.ly/3vv5kQa. Acesso em: 20 out. 2021. 22 Unidade I 2.3 Asma e rinite Programa originado em 2004, pois asma e rinite atingem parcela significativa da população, em especial as crianças. Assim, a população passou a ter acesso a medicamentos específicos para essas doenças. A Portaria n. 2.084 de 2005 (BRASIL, 2005b) instituiu o valorde R$ 0,95 habitante por ano para gastos com medicamentos de asma e rinite. Atualmente, os municípios compram esses medicamentos conforme a necessidade, pois fazem parte do componente básico da AF. O tratamento farmacológico de asma é feito com base no grau de severidade da doença, sendo recomendado o uso dos fármacos apresentados a seguir. Quadro 3 – Fármacos usados para o tratamento de asma e rinite no Brasil Patologia Fármacos usados na terapêutica Rinite — Anti-histamínico: cetirizina — Corticoide inalatório: beclometasona e budesonida Asma — Corticoides inalatórios: beclometasona, budesonida e fluticasona — Corticoides via oral: prednisona e prednisolona — Agonistas beta-2 adrenérgicos: formoterol, fenoterol, salmeterol e salbutamol Adaptado de: Brasil (2004a). 2.4 Saúde mental Com os avanços na área de saúde mental no mundo, o Brasil teve seu movimento de reforma psiquiátrica que se iniciou em 1978. A reforma psiquiátrica foi um movimento sociopolítico que visava a mudar o modelo de assistência aos pacientes com transtornos mentais. A ideia era desinstitucionalizar pacientes internados por longos períodos em hospitais psiquiátricos, punir internações involuntárias e oferecer novas alternativas terapêuticas a esses pacientes, como tratamento em centros de apoio psicossocial (Caps) e residências terapêuticas. No período da reforma, também é publicada a Lei n. 1.077 de 1999 (BRASIL, 1999b) que estabelece a compra de medicamentos básicos para tratar pacientes com transtornos mentais nos serviços ambulatoriais. Nesse longo processo, os recursos financeiros para a área de saúde mental foram lentamente migrando dos hospitais para a atenção primária na USF e secundária no Caps, sendo consolidado pela Lei n. 10.216 de 2001 (BRASIL, 2001a). A maioria dos medicamentos usados para os transtornos mentais pertencem ao componente básico da AF, porém alguns estão no componente especializado. 23 SERVIÇOS DE FARMÁCIA E SAÚDE PÚBLICA Quadro 4 – Fármacos usados para os principais transtornos mentais no Brasil Patologia Fármacos usados na terapêutica Componente Ansiedade Diazepam, midazolam e clonazepam Básico Clobazam Especializado Depressão Cloridrato de clomipramina, fluoxetina e cloridrato de nortriptilina Básico Epilepsia Ácido valproico, carbamazepina, fenitoína e fenobarbital Básico Lamotrigina, topiramato e vigabatrina Especializado Esquizofrenia Clozapina e olanzapina Especializado Psicose Haloperidol e decanoato de haloperidol Básico Risperidona Transtorno de humor Carbonato de lítio Especializado Obs.: alguns fármacos podem ser usados para mais de uma patologia. Fonte: Brasil (2020e). 2.5 Saúde da mulher Um dos primeiros programas criados pelo Ministério da Saúde foi iniciado em 1984 com o nome de Programa de Assistência Integral à Saúde da Mulher (PAISM) e, vinte anos depois, foi publicada a Política Nacional de Atenção Integral à Saúde da Mulher (BRASIL, 2004b). Esse programa tem a lógica de organizar e facilitar as políticas públicas de anticoncepção, assim como a compra de medicamentos, dispositivos e preservativos, conforme a seguir. Quadro 5 – Fármacos e insumos usados para o Programa Saúde da Mulher Finalidade Fármacos e insumos usados na terapêutica Componente Anticoncepção Acetato de medroxiprogesterona (injetável) Básico Etinilestradiol + levonorgestrel (comprimidos) Enantato de noretisterona + valerato de estradiol (injetável) Noretisterona (comprimidos) Diafragma (vários diâmetros) Dispositivo intrauterino (DIU) plástico com cobre Preservativo feminino, preservativo masculino e gel lubrificante Estratégico Antiandrogênico (acne, excesso de pelos, puberdade precoce, câncer de próstata e terapia feminilizante) Acetato de ciproterona Especializado Anticoncepção de emergência Levonorgestrel Básico Fonte: Brasil (2020e). 24 Unidade I Apesar de pertencerem ao componente básico da AF, os anticoncepcionais de uso oral (comprimidos), os injetáveis, o DIU e o diafragma são comprados pelo Ministério da Saúde, que distribui aos estados que, por sua vez, repassam aos municípios. Os preservativos são, por legislação, classificados como estratégicos, pois, mesmo sendo insumos usados na anticoncepção, também têm função de prevenir as doenças sexualmente transmissíveis. Consequentemente, são comprados e distribuídos pelo Programa de DST/aids. Para que você entenda o tamanho da importância desse programa, visualize novamente a figura 4 e perceba que, dos sete indicadores usados no Programa Previne Brasil, que repassa verba para os municípios, quatro deles (números 1 ao 4) estão relacionados com a saúde da mulher. 2.6 Alimentação e nutrição Os primeiros anos de vida são um período de vigoroso crescimento, então é fundamental que as crianças tenham uma boa alimentação para evitar desnutrição, infecções, anemias etc. Sabe-se que o Brasil é um país desigual, e muitas famílias têm dificuldade em prover alimentação adequada a seus membros. A anemia, por exemplo, é considerada a deficiência nutricional mais prevalente em nosso país. Nesse sentido, algumas políticas públicas vêm sendo implementadas ao longo dos anos para minimizar esses problemas. O Programa Alimentação e Nutrição foi instituído a partir da Portaria GM/MS n. 710 de 1999 (BRASIL, 1999c). A importância dele para o Brasil é de dar atenção às questões relacionadas à desnutrição da população em geral, com ênfase no aporte de vitaminas e ferro, aumentando, assim, a segurança alimentar. Inicialmente, foram incluídos os municípios com população maior que 200 mil habitantes, e os insumos faziam parte do componente básico, com financiamento do Ministério da Saúde. Em 2008, os medicamentos e insumos passam a fazer parte do componente estratégico. Em 2011, é publicada a Portaria n. 2.715 (BRASIL, 2011b), que atualiza a Política Nacional de Alimentação e Nutrição. Em 2017, foi criado o sistema de micronutrientes, com três diferentes frentes: • NutriSUS – estratégia de fortificação da alimentação infantil com micronutrientes em pó (vitaminas e minerais). • Programa Nacional de Suplementação de Ferro (sulfato ferroso e ácido fólico). • Programa Nacional de Suplementação de Vitamina A (BRASIL, 2005c). Quadro 6 – Fármacos e insumos que fazem parte do Programa Alimentação e Nutrição Fármacos e insumos usados Componente Ácido fólico – comprimidos Básico Palmitato de retinol – cápsulas Estratégico Palmitato de retinol – solução oral Básico 25 SERVIÇOS DE FARMÁCIA E SAÚDE PÚBLICA Fármacos e insumos usados Componente Sulfato ferroso – solução oral e comprimidos Básico Micronutrientes (cada sachê de 1 g contém: vitamina A 400 mcg, vitamina D 5 mcg, vitamina E 5 mg, vitamina C 30 mg, vitamina B1 0,5 mg, vitamina B2 0,5 mg, vitamina B6 0,5 mg, vitamina PP 6 mg, vitamina B9 150 mcg, vitamina B12 0,9 mcg, ferro 10 mg, zinco 4,1 mg, cobre 560 mcg, selênio 17 mcg, iodo 90 mcg) Estratégico Complemento alimentar para paciente fenilcetonúrico maior de 1 ano (fórmula de aminoácidos isenta de fenilalanina) Especializado Complemento alimentar para paciente fenilcetonúrico menor de 1 ano (fórmula de aminoácidos isenta de fenilalanina) Especializado Fonte: Brasil (2020e). Na estratégia NutriSUS, o Ministério da Saúde distribui, diretamente aos municípios, sachês contendo 1 grama de pó com 15 micronutrientes. Esse pó é misturado às refeições das crianças de 6 a 48 meses. Esse suplementação pode ser feita em casa, nas escolas e creches que aderirem ao programa. 2.7 Tabagismo Em 2004, criou-se o Programa Nacional de Controle do Tabagismo pela Portaria GM/MS n. 1.035 (BRASIL, 2004c), sendo coordenado pelo Instituto Nacional do Câncer (Inca). A compra dos medicamentos é realizada pelo Ministério da Saúde e, então, eles são distribuídos para os estados, que posteriormente enviam aos seus municípios. A partir de 2008, os insumos do tabagismo passaram a integrar o componente estratégico da assistência farmacêutica (Cesaf). Os municípios, por meio de suasunidades de saúde, realizam os grupos terapêuticos, informam o estado sobre o consumo de medicamentos e dados do tratamento. Na sequência, o estado consolida e envia as informações ao Ministério da Saúde, podendo, assim, avaliar a efetividade das ações, implementar novas políticas públicas e planejar a compra dos medicamentos. Quadro 7 – Fármacos, formas farmacêuticas e dosagens usadas no Programa do Tabagismo Fármacos Forma farmacêutica e dosagem Nicotina Adesivo transdérmico 7 mg Adesivo transdérmico 14 mg Adesivo transdérmico 21 mg Goma de mascar 2 mg Pastilha 2 mg Cloridrato de bupropiona Comprimidos de liberação prolongada 150 mg Fonte: Brasil (2020e). 26 Unidade I 2.8 Controle das endemias Esse programa é destinado ao controle das endemias de alcance nacional ou regional. Entre elas temos: tracoma, malária, tuberculose, hanseníase, leishmaniose, doença de Chagas, esquistossomose, cólera, influenza, filariose, meningites, peste, entre outros. Os medicamentos contidos nesse programa são do componente estratégico, sendo comprados e distribuídos pelo Ministério da Saúde. Grande parcela desses medicamentos são produzidos pelos laboratórios oficiais do nosso país, e outros são comprados pela Organização Pan-Americana da Saúde (Opas). A seguir, encontram-se os medicamentos pertencentes ao Programa de Controle das Endemias, separados por patologia. Quadro 8 – Fármacos e insumos que fazem parte do Programa de Controle de Endemias Patologias Fármacos e insumos Cólera Azitromicina, doxiciclina, estolato de eritromicina, sais para reidratação oral, hipoclorito de sódio e solução ringer + lactato Doença de Chagas Benznidazol Esquistossomose Oxamniquina e praziquantel Filariose Dietilcarbamazina Hanseníase Clofazimina, minociclina, ofloxacino, pentoxifilina, prednisona, rifampicina e dapsona, rifampicina, dapsona e clofazimina, talidomida Influenza Fosfato de oseltamivir e zanamivir Leishmaniose Antimoniato de meglumina, anfotericina B desoxicolato, anfotericina B lipossomal e isetionato de pentamidina Malária Arteméter, arteméter + lumefantrina, artesunato, artesunato + mefloquina, cloridrato de clindamicina, cloroquina, dicloridrato de quinina, difosfato de primaquina doxiciclina, fosfato de clindamicina, sulfato de quinina Meningites Anfotericina B complexo lipídico, anfotericina B desoxicolato, anfotericina B lipossomal, fluconazol, itraconazol, rifampicina, sulfato de amicacina Peste Doxiciclina, sulfato de amicacina e sulfato de estreptomicina Tracoma Azitromicina, doxiciclina Tuberculose Ácido paraminossalicílico, capreomicina, claritromicina, clofazimina, cloridrato de moxifloxacino, cloridrato de piridoxina, etambutol, etionamida, isoniazida, levofloxacino, linezolida, ofloxacino, pirazinamida, derivado proteico purificado, prednisona e rifabutina, rifampicina + isoniazida, rifampicina + isoniazida + pirazinamida + etambutol, sulfato de amicacina, sulfato de estreptomicina e terizidona Fonte: Brasil (2020e). 2.9 DST/aids – antirretrovirais Na década de 1980, surgem os medicamentos antirretrovirais, que diminuem a multiplicação de vírus, e, a partir de 1996, o Brasil passa a distribuí-los à população pelo SUS. Esse programa foi reconhecido internacionalmente por oferecer gratuitamente o tratamento a toda população acometida pelo HIV e por diminuir a mortalidade no país. 27 SERVIÇOS DE FARMÁCIA E SAÚDE PÚBLICA Esses medicamentos são adquiridos de maneira centralizada pelo Ministério da Saúde, que tem convênio com laboratórios públicos. Quadro 9 – Fármacos e insumos do Programa DST-aids Fármacos e insumos usados – Gel lubrificante – Lamivudina – Preservativos masculino e feminino – Lopinavir + ritonavir – Darunavir – Maraviroque – Didanosina – Nevirapina – Efavirenz – Raltegravir – Enfuvirtida – Ritonavir – Estavudina – Saquinavir – Etravirina – Sulfato de abacavir – Fosamprenavir – Sulfato de atazanavir – Fumarato de tenofovir desoproxila – Talidomida – Fumarato de tenofovir desoproxila + lamivudina – Tipranavir – Fumarato de tenofovir desoproxila + lamivudina + efavirenz – Zidovudina – Zidovudina + lamivudina Obs.: diversos kits de diagnóstico de hepatites e HIV também são disponibilizados. Fonte: Brasil (2020e). 2.10 Sangue e hemoderivados Os medicamentos desse programa são usados para tratar as coagulopatias hereditárias, que ocorrem quando os indivíduos têm dificuldade de coagulação sanguínea. Esse problema de saúde ocorre pela deficiência dos fatores de coagulação, e o tratamento é feito por meio de aplicação endovenosa de soluções injetáveis contendo esses fatores. A coagulopatia não tratada leva os pacientes a apresentarem sangramentos que podem ser contínuos e excessivos. As doenças mais comuns são a hemofilia A e B, respectivamente causadas pela deficiência dos fatores de coagulação VIII e IX. Outra doença prevalente é a de Von Willebrand, causada por um defeito em uma proteína que acaba afetando o funcionamento das plaquetas. Os medicamentos usados nesse programa passaram a fazer parte do componente especializado da AF a partir de 2008. Quadro 10 – Fármacos do Programa Sangue e Hemoderivados Fármacos usados Acetato de desmopressina Ácido tranexâmico Complexo protrombínico humano (fatores de coagulação II, VII, IX, X em combinação) Complexo protrombínico parcialmente ativado (fatores de coagulação II, VII, IX, X em combinação) 28 Unidade I Fármacos usados Fator IX de coagulação Fator VII ativado recombinante Fator VIII associado a Fator de Von Willebrand para imunotolerância Fator VIII de coagulação Fator VIII recombinante (alfaoctocogue) Fator VIII para doença de Von Willebrand Fator VIII recombinante Fibrinogênio (Fator I) Fonte: Brasil (2020e). 2.11 Doenças tratadas por medicamentos do componente especializado O componente especializado era chamado de componente de medicamentos de dispensação excepcional até o ano de 2009. Você talvez conheça esse tipo de medicamento pela expressão “medicamentos de alto custo”. A partir de novembro de 2009, adota-se a denominação “medicamentos do componente especializado”, que são usados para o tratamento de diversas doenças, como artrite reumatoide, Alzheimer, asma, Parkinson, esclerose múltipla, epilepsia, glaucoma, hepatite, lúpus e outras. Cada doença possui um protocolo clínico e diretriz terapêutica (PCDT) que, entre outras coisas, define o tratamento por meio de medicamentos do componente especializado (BRASIL, 2017a). O componente especializado é dividido em três grupos, com diferentes regras de responsabilidade de aquisição e financiamento para as três esferas de governo. Estudaremos esse assunto com detalhes mais adiante. Esses medicamentos são normalmente dispensados em farmácias de medicamentos especializados geridas pelo Estado. Dependendo do estado, esses medicamentos também podem ser dispensados em farmácias municipais. A dispensação se dá a partir do preenchimento do laudo de medicamento especializado (LME) e da prescrição médica, que deve estar de acordo com o PCDT da patologia a ser tratada. No momento, o componente especializado conta com 172 medicamentos com 321 apresentações diferentes. No quadro a seguir, podem ser visualizados os fármacos usados para três patologias. Observação Formas farmacêuticas são como o medicamento se apresenta fisicamente. São conhecidas por quatro distintos grupos: líquidas, sólidas, semissólidas e gasosas. São exemplos: comprimidos, soluções, pomadas, aerossois etc. As apresentações farmacêuticas têm relação com a quantidade de unidades posológicas ou conteúdo total na embalagem. Ex.: embalagens contendo um frasco conta-gotas com 20 mL; embalagens com 30, 100 e 240 comprimidos. 29 SERVIÇOS DE FARMÁCIA E SAÚDE PÚBLICA A seguir, você pode observar os medicamentos do componente especializado usados para tratar três patologias. Quadro 11 – Fármacos do componente especializado usados por patologia Patologias Fármacos usados Doença de Parkinson Amantadina 100 mg,bromocriptina 2,5 mg, clozapina 100 mg, clozapina 25 mg, entacapona 200 mg, pramipexol 0,125 mg, pramipexol 0,25 mg, pramipexol 1 mg, rasagilina 1 mg, selegilina 10 mg, selegilina 5 mg Doença de Alzheimer Donepezila 10 mg, donepezila 5 mg, galantamina 16 mg, galantamina 24 mg, galantamina 8 mg, memantina 10 mg, rivastigmina 1,5 mg, rivastigmina 18 mg adesivo transdérmico, rivastigmina 2,0 mg/ml solução oral, rivastigmina 3 mg, rivastigmina 4,5 mg, rivastigmina 6 mg, rivastigmina 9 mg adesivo transdérmico Epilepsia Clobazam 10 mg e 20 mg, etossuximida 50 mg/ml, gabapentina 300 mg e 400 mg, lamotrigina 25 mg, 50 mg e 100 mg, levetiracetam 250 mg e 750 mg, 100 mg/ml, primidona 100 mg e 250 mg, topiramato 25 mg, 50 mg e 100 mg, vigabatrina 500 mg 2.12 Programa Farmácia Popular do Brasil Esse programa é uma parte do componente básico da AF e foi criado em 2004 para oferecer à população uma outra opção de acesso aos medicamentos classificados como essenciais. Dessa forma, o programa cumpre uma das diretrizes da PNAF, que ainda será discutida neste livro-texto. No início do programa, eram oferecidos 112 itens entre medicamentos e preservativos masculinos. Os medicamentos eram fornecidos pela Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) que, por meio de parcerias com os municípios e estados, mantinha unidades específicas do programa (BRASIL, 2004d). A partir de 2006, o programa foi expandido, aproveitando-se as farmácias/drogarias da iniciativa privada, que passaram a ser credenciadas para dispensar os insumos e medicamentos. Nessa época, eram oferecidos medicamentos para hipertensão e diabetes até 90% mais baratos. Esse modelo de inclusão dos estabelecimentos da rede privada recebeu o nome “Aqui Tem Farmácia Popular” (BRASIL, 2018). Em 2007, os anticoncepcionais são incluídos a lista e, em 2010, são incluídas a insulina regular (diabetes) e a sinvastatina (colesterol). Ainda no mesmo ano, passam a fazer parte do elenco medicamentos para glaucoma, doença de Parkinson, osteoporose, asma, rinite e fraldas geriátricas. Em 2011, os medicamentos para hipertensão e diabetes passam a ser dispensados ao paciente sem custo algum, e a campanha foi chamada de “Saúde não tem Preço”. Também em 2011, entram para a lista três medicamentos para asma, que passam a ser dispensados sem custo aos pacientes. As farmácias/drogarias devem se cadastrar no programa e, assim, podem dispensar medicamentos para, por exemplo, influenza A (H1N1), colesterol, osteoporose, doença de Parkinson, rinite, glaucoma, hipertensão, diabetes, além de anticoncepcionais e fraldas geriátricas. 30 Unidade I Saiba mais Para saber mais sobre o Programa Farmácia Popular do Brasil, leia: BRASIL. Ministério da Saúde. Programa Farmácia Popular. Brasília, 2004. Disponível em: https://bit.ly/2Z5qoAX. Acesso em: 20 out. 2021. O Ministério da Saúde ressarce as farmácias/drogarias credenciadas. Alguns dos medicamentos têm seu valor ressarcido integralmente, pois o paciente leva o medicamento a custo zero. Com outros itens, o valor é ressarcido parcialmente, pois o paciente paga uma parte do valor (sistema de copagamento). Os valores de venda desses medicamentos e insumos por copagamento acabam sendo até 90% menores que os valores praticados no mercado comum. Perceba que, por esse motivo, o acesso a esses medicamentos e insumos fica facilitado. Outro aspecto interessante do programa é que o governo é, pelo menos em parte, poupado de comprar, distribuir e dispensar esses medicamentos. Assim, os custos são reduzidos. Quadro 12 – Medicamentos e insumos que fazem parte do “Aqui Tem Farmácia Popular” Patologia/indicação Fármacos/insumos Sistema de pagamento Anticoncepção Acetato de medroxiprogesterona, etinilestradiol + levonorgestrel, noretisterona e valerato de estradiol + enantato de noretisterona Copagamento Asma Sulfato de salbutamol, dipropionato de beclometasona e brometo de ipratrópio Gratuito Diabetes Glibenclamida, metformina de liberação imediata e prolongada, insulina humana de ação lenta e regular Gratuito Dislipidemia Sinvastatina Copagamento Doença de Parkinson Carbidopa + levodopa, cloridrato de benserazida + levodopa Copagamento Glaucoma Maleato de timolol Copagamento Hipertensão Atenolol, captopril, cloridrato de propranolol, hidroclorotiazida, losartana potássica, maleato de enalapril Gratuito Osteoporose Alendronato de sódio Copagamento Rinite Budesonida e dipropionato de beclometasona Copagamento Legenda: gratuito – o medicamento é dispensado gratuitamente ao paciente; copagamento – o paciente paga uma parte pequena do valor e o Ministério da Saúde ressarce a farmácia/drogaria com o restante do valor. Fonte: Brasil (2018). 31 SERVIÇOS DE FARMÁCIA E SAÚDE PÚBLICA 3 POLÍTICA NACIONAL DE MEDICAMENTOS E DE ASSISTÊNCIA FARMACÊUTICA Antes de entrar no assunto propriamente dito, deve-se diferenciar os conceitos de assistência farmacêutica e atenção farmacêutica, pois estudantes e profissionais normalmente os confundem. Veja as diferenças: A assistência farmacêutica trata de um conjunto de ações voltadas à promoção, proteção e recuperação da saúde, tanto individual como coletiva, tendo o medicamento como insumo essencial e visando o acesso e ao seu uso racional. Este conjunto envolve a pesquisa, o desenvolvimento e a produção de medicamentos e insumos, bem como a sua seleção, programação, aquisição, distribuição, dispensação, garantia da qualidade dos produtos e serviços, acompanhamento e avaliação de sua utilização, na perspectiva da obtenção de resultados concretos e da melhoria da qualidade de vida da população (BRASIL, 2004e, p. 1). Um dos conceitos mais aceitos de atenção farmacêutica é dado por Hepler e Strand (1990), que a definem como uma prática farmacêutica, onde ocorre um atendimento ao paciente, com objetivo de resolver problemas da farmacoterapia. Percebe a diferença? O conceito de AF é muito mais amplo e se inicia desde a pesquisa dos medicamentos e vai até o uso pelo paciente. Já a atenção farmacêutica se refere ao atendimento direto do paciente pelo farmacêutico. Feita essa diferenciação, pode-se adentrar na Política Nacional de Medicamentos (PNM). Mas, talvez, você esteja se perguntado qual a importância dessa legislação. Por que ela foi publicada? Surgiu em que contexto? A PNM foi instituída a partir da Portaria n. 3.916/GM de 1998 (BRASIL, 1998a), oito anos após a regulamentação do SUS. Saiba mais Acesse a portaria mais importante sobre o assunto: BRASIL. Portaria n. 3.916, de 30 de outubro de 1998. Aprova a Política Nacional de Medicamentos. Brasília, 1998a. Disponível em: https://bit.ly/3B1SxWy. Acesso em: 20 out. 2021. Anteriormente a esse período, o Brasil vinha acumulando um aumento expressivo no número de procedimentos em saúde e observava-se o fenômeno de envelhecimento populacional, gerando 32 Unidade I ampliação na demanda por medicamentos. Com esse aumento da idade populacional, acabou-se criando uma mudança no perfil epidemiológico, ou seja, o crescimento no número de pessoas com doenças mais características de países desenvolvidos, como hipertensão e diabetes (doenças crônico-degenerativas). Observação O SUS foi criado pela Lei n. 8.080 de 1990 (BRASIL, 1990). Por conta dessas mudanças, a parcela da população que não tinha acesso aos medicamentos aumentou. Para piorar a situação, observava-se grande desarticulação da AF nos serviços de saúde, que acabava gerando prescrição de muitos medicamentos não padronizados, ou seja, que estavam fora da Rename. Seguindo o mesmo raciocínio, os serviços de saúde apresentavam irregularidade no abastecimento dos produtos farmacêuticos, resultando em ineficácia no tratamento de muitos pacientes. Nas décadas que antecedem a instituição dessa portaria, o Brasil já era um dos maiores consumidores de medicamentos do mundo, sendo comum em nossa sociedade seu uso irracional. Nosso país continua, ainda hoje, como um grande consumidor, com grande número de farmácias e uma infinidadede produtos e suas apresentações farmacêuticas. Exemplo de aplicação Agora que você conheceu um pouco das dificuldades brasileiras antes da publicação da Política Nacional de Medicamentos, faça a seguinte reflexão: pela sua observação cotidiana dos serviços de saúde, a situação atual é diferente? Considerando todos esses problemas, entende-se a razão da publicação da PNM. O objetivo dessa portaria é de garantir a produção de medicamentos com qualidade, tratamento farmacológico seguro e eficaz, além de incentivar o uso racional e gerar acesso da população aos medicamentos chamados de essenciais. Também é importante que você saiba que toda essa política tem como base as diretrizes e princípios do SUS, como descrito a seguir. Quadro 13 – Princípios e diretrizes do SUS Princípios Diretrizes Universalidade Descentralização Integralidade Hierarquização Equidade Participação comunitária Fonte: Brasil (1998a). 33 SERVIÇOS DE FARMÁCIA E SAÚDE PÚBLICA De todos os princípios e diretrizes, destaca-se a universalidade, que assegura o direito à saúde a todos os cidadãos, e o acesso sem discriminação ao conjunto das ações e serviços de saúde ofertados pelo SUS. Desse modo, perceba que a universalidade vem de encontro com um dos principais objetivos da PNM, que é garantir o acesso da população aos medicamentos essenciais. Provavelmente em algum momento da vida, você foi até uma unidade de saúde de família ou unidade básica de saúde tradicional para retirar medicamentos para hipertensão, diabetes, dor, inflamação, infecção, entre outros. Caso não tenha tido essa experiência, com certeza algum conhecido ou familiar teve. Nessas situações, os medicamentos não são pagos, pois o financiamento do SUS garante verba para a compra desses medicamentos, e a PNM viabiliza maior acesso a eles. 3.1 Diretrizes Para o sucesso dessa política, ela foi organizada e desenvolvida por diretrizes da Política Nacional de Medicamentos, são elas: • Adoção de relação de medicamentos essenciais. • Regulamentação sanitária de medicamentos. • Reorientação da assistência farmacêutica. • Promoção do uso racional de medicamentos. • Desenvolvimento científico e tecnológico. • Promoção da produção de medicamentos. • Garantia da segurança, eficácia e qualidade dos medicamentos. • Desenvolvimento e capacitação de recursos humanos (BRASIL, 1998a). Dessa forma, percebe-se que é uma política ampla que acaba envolvendo as três esferas de governo (federal, estadual e municipal). Os próximos tópicos explicam a importância das oito diretrizes. 3.1.1 Adoção de relação de medicamentos essenciais Você já parou para se perguntar qual a importância de se adotar uma relação de medicamentos essenciais? Imagine se o seu município não tivesse uma lista de medicamentos padronizados. Como os gestores organizariam a compra? Como os médicos fariam para prescrever os medicamentos? Prescreveriam apenas com base nas preferências pessoais? Perceba que a adoção de uma lista padrão de medicamentos é importante para a organização da gestão e dos serviços farmacêuticos. 34 Unidade I Saiba mais Conheça mais sobre a Rename: BRASIL. Relação nacional de medicamentos essenciais – Rename. Ministério da Saúde, nov. 2020. Disponível em: https://bit.ly/3vATSms. Acesso em: 21 out. 2021. BRASIL. Rename 2020. Brasília, 2019. Disponível em: https://bit.ly/3joIt4c. Acesso em: 21 out. 2021. Nesse contexto, o Ministério da Saúde tem a responsabilidade de adotar e manter atualizada a Rename, que são os considerados básicos e essenciais para tratar as principais patologias que acometem a população brasileira. A Rename também é importante, pois serve de base para a definição das listas de padronização dos estados e dos municípios: Relação estadual de medicamentos essenciais (Resme) e a Relação Municipal de medicamentos essenciais (Remume). Além disso, a Rename tem o papel fundamental de direcionar a produção farmacêutica e o desenvolvimento tecnológico. Exemplo de aplicação Imagine, por exemplo, se existisse um medicamento comprovadamente eficaz para o tratamento da fase inicial da infecção por covid-19. Faça uma reflexão sobre as questões: entraria na Rename? Se não estivesse sob proteção de patente, o Brasil investiria na sua produção e em pesquisa para desenvolver melhores formulações? 3.1.2 Regulação sanitária de medicamentos Nessa outra diretriz da PNM, a atenção maior se dá ao gestor federal, que deve se atentar ao procedimento de registro de medicamentos, à autorização de funcionamento das empresas e estabelecimentos, além da tomada de medidas de restrição e retirada de produtos do mercado por conta de desvios de qualidade e por aparecimento de reações adversas graves, por exemplo. Todas essas medidas são importantes para assegurar a qualidade dos medicamentos e consequentemente a saúde da população. Você já deve ter notado que os medicamentos possuem, na caixa, o registro do Ministério da Saúde. Veja o exemplo da rosuvastatina cálcica de 10 mg do fabricante Sandoz na figura a seguir. 35 SERVIÇOS DE FARMÁCIA E SAÚDE PÚBLICA Registrado, importado e embalado por: ________ Endereço: ____________ Reg. MS 1.0047.0499.002-2 Farm. Resp.: __________ Figura 6 – Registro do Ministério da Saúde na caixa da rosuvastatina cálcica 10 mg comprimidos da Sandoz Outro exemplo prático que pode ser citado sobre o alcance da diretriz de regulação sanitária ocorreu quando a Anvisa determinou a suspensão da importação de lotes do medicamento Casodex® (bicalutamida) 50 mg, usado para tratamento de câncer de próstata. Essa suspensão foi adotada após realização de inspeção para averiguar as boas práticas de fabricação (BPF), ocasião em que provavelmente foram encontradas irregularidades (CONSELHO REGIONAL DE FARMÁCIA-RJ, 2018). Após a publicação da PNM, algumas ações de vigilância sanitária que antes eram de reponsabilidade da esfera federal passaram a ser descentralizadas, e os estados e municípios começaram a ter um papel mais participativo. Quando ficamos sabendo que a vigilância sanitária foi até uma farmácia fazer uma inspeção, essa ação foi desempenhada pelo serviço do município, ou seja, por fiscais das seções de vigilância sanitária locais (Sevisa). Saiba mais Para saber um pouco mais sobre a Política Nacional de Medicamentos, leia o capítulo 17 do seguinte livro: GOMES, M. J. V. M.; REIS, A. M. M. Ciências farmacêuticas – uma abordagem em farmácia hospitalar. São Paulo: Atheneu, 2011. 3.1.3 Reorientação da assistência farmacêutica Agora que você entendeu o conteúdo de regulação sanitária de medicamentos, podemos comentar sobre outra importante diretriz. A reorientação da AF tenta criar condições para que nossos serviços farmacêuticos não se limitem apenas à compra e distribuição de medicamentos. Imagine um sistema de saúde em que não se dá importância para o uso racional de medicamentos. Isso seria muito prejudicial à saúde da população. A reorientação da AF é tarefa dos três entes (federal, estadual e municipal) e está baseada em quatro fundamentos: 36 Unidade I • Descentralização da gestão. • Promoção do uso racional de medicamentos. • Otimização e eficácia do sistema de distribuição do setor público. • Desenvolvimento de iniciativas que possibilitem a redução no preço dos produtos. Talvez você esteja se perguntando o significado da descentralização da gestão. A esfera federal historicamente teve um papel mais ativo na execução das ações da AF. O fundamento da descentralização nada mais é que transferir parte da responsabilidade de compra e gestão de medicamentos e outras iniciativas da AF. Isso não significa que a esfera federal não tenha mais responsabilidades na aquisição de medicamentos. Em alguns casos específicos, como a compra de medicamentos para a cessação do tabagismo, a esfera federal é a responsável. Lembrete Note que o SUS e a Política Nacional de Medicamentos possuem a mesma diretriz: descentralização. De maneira geral, a esfera federal transfere a responsabilidadeda compra de medicamentos essenciais aos estados e municípios. Por que será que a esfera federal transferiu essa responsabilidade? Na realidade, essa é uma estratégia interessante, pois as pessoas moram nos municípios, então ninguém conhece melhor as condições de moradia e saúde dos cidadãos como o gestor local. Desse modo, os municípios podem fazer uma análise epidemiológica para conhecer quais as doenças mais comuns e, assim, definir quais medicamentos estarão na Remume. A partir disso, pode-se programar as compras e a distribuição. Logo após o fundamento da descentralização, temos a promoção do uso racional de medicamentos que será discutido adiante. O outro fundamento se chama otimização e eficácia do sistema de distribuição no setor público, que significa criar condições que facilitem a aquisição, o armazenamento e a distribuição de medicamentos pelas três esferas de governo. Para finalizar, temos o desenvolvimento de iniciativas que possibilitem a redução no preço dos produtos. Você consegue pensar em algum exemplo de iniciativa prática governamental que reduz o preço dos medicamentos nas farmácias? Provavelmente lembrou do programa Farmácia Popular do Brasil, no qual o paciente compra alguns medicamentos por preços mais baixos ou totalmente gratuito (BRASIL, 2018). 3.1.4 Promoção do uso racional de medicamentos Para se compreender a importância da quarta diretriz da PNM, deve-se considerar que o Brasil é um dos maiores consumidores de medicamentos do mundo. Para se ter uma ideia, a empresa IQVIA publicou um relatório, em 2019, apontando o Brasil como o sexto maior mercado farmacêutico do mundo (ICQT, 2019). 37 SERVIÇOS DE FARMÁCIA E SAÚDE PÚBLICA Saiba mais Na publicação da ICQT a seguir, você pode encontrar outras informações interessantes sobre o mercado farmacêutico brasileiro: RIBEIRO, W. Brasil é o 6° mercado farmacêutico do mundo. ICTQ, [s.d.]. Disponível em: https://bit.ly/3B1M7H5. Acesso em: 21 out. 2021. Para você entender melhor o significado de uso racional de medicamentos (URM), veja a definição a seguir: “o uso racional de medicamentos parte do princípio de que os pacientes recebam medicamentos apropriados as suas necessidades clínicas, em doses adequadas a suas particularidades individuais, por período de tempo necessário e com baixo custo para eles e sua comunidade” (WORLD HEALTH ORGANIZATION, 1987). Então, considerando que o paciente deve receber o medicamento apropriado, os médicos e os profissionais dispensadores devem ter treinamento constante para minimizar erros de prescrição e dispensação. Outra ação importante que deve ocorrer é o processo educativo da população em relação a automedicação, armazenamento, descarte e interrupção do tratamento pelo aparecimento de reações adversas. Uma forma de se fazer educação em saúde sobre esses temas com os usuários dos serviços é por meio de atividades em grupo. A atenção básica, com suas unidades de saúde da família e unidades tradicionais, vem desempenhando esse papel. Esses grupos normalmente têm a presença de um farmacêutico lotado na unidade ou no Núcleo Ampliado de Saúde da Família (Nasf) (BRASIL, 2014b; BRASIL, 2017f). Saiba mais Os links a seguir trazem material sobre o funcionamento do Nasf e o trabalho do farmacêutico nessas equipes: BRASIL. Núcleo de apoio à saúde da família: ferramentas para a gestão e para o trabalho cotidiano. Brasília, 2014. Disponível em: https://bit.ly/2ZkWOrn. Acesso em: 21 out. 2021. BRASIL. Práticas farmacêuticas no núcleo ampliado de saúde da família e atenção básica. Brasília, 2017. Disponível em: https://bit.ly/2Z6wy3E. Acesso em: 28 mar. 2021. 38 Unidade I O profissional farmacêutico realiza diferentes tipos de abordagens com os pacientes para poder transmitir os conhecimentos sobre uso racional de medicamentos, entre elas estão: palestras, oficinas, conversas em sala de espera, exposição de materiais educativos na recepção das unidades de saúde, entre outras. Em relação à educação em saúde para os profissionais prescritores, dispensadores e demais profissionais da unidade, o farmacêutico também promove essas discussões durante as reuniões das equipes, que normalmente ocorrem semanalmente. Exemplo de aplicação Considerando o Brasil ser um grande consumidor de medicamentos e todos os elementos discutidos na promoção do uso racional de medicamentos, faça uma reflexão. Você já praticou ou conhece alguém que tenha praticado automedicação, interrupção de tratamento pelo aparecimento de reações adversas ou por diminuição dos sintomas? Você já descartou medicamentos vencidos ou em desuso no lixo comum? Ainda sobre a diretriz da promoção do uso racional de medicamentos, a PNM prevê que se deve focar na adoção de medicamentos genéricos, legislação criada aproximadamente quatro meses após a publicação da PNM. Observação A legislação brasileira referente aos medicamentos genéricos é regulamentada pela Lei n. 9.787, de 10 de fevereiro de1999 (BRASIL, 1999a), a qual altera a Lei n. 6.360/1976. Os medicamentos genéricos são uma alternativa interessante de diminuição do custo do tratamento, beneficiando o SUS e consequentemente a população. A PNM é muito clara na ideia de que se deve privilegiar o uso de genéricos, e isso envolve o incentivo à produção nacional, à prescrição e à comercialização. Esse conjunto amplo de ações não fica sob responsabilidade apenas do governo federal, mas deve ser um esforço de vários setores, entre eles, a sociedade, corporações profissionais e as três esferas de poder. A PNM também discute brevemente a propaganda de medicamentos, orientando que ela deve estar alinhada com as leis vigentes e dentro dos padrões éticos esperados, tanto em relação aos prescritores quanto à população leiga. Destaca-se, ainda, que a farmácia deve se apresentar como um estabelecimento comercial diferenciado, seguindo a Lei n. 8.080 de 1990 (BRASIL, 1990). A presença de profissional responsável também é colocada como obrigatória. Como você deve ter percebido, na época, a ideia era que a farmácia passasse de um estabelecimento meramente comercial para um patamar de estabelecimento comercial diferenciado. Essa mudança foi pretendida, pois ainda havia um número relativamente pequeno de profissionais farmacêuticos atuando nas farmácias comunitárias. 39 SERVIÇOS DE FARMÁCIA E SAÚDE PÚBLICA Observação O termo farmácia comunitária significa estabelecimento farmacêutico que não esteja dentro de ambulatórios e hospitais, ou seja, são as nossas drogarias. Atualmente estamos mais avançados nesse quesito, porque foi publicada a Lei n. 13.021 de 2014 (BRASIL, 2014a), que eleva a farmácia a um nível de estabelecimento de saúde e aumenta a autonomia técnica do farmacêutico. Saiba mais Conheça melhor a lei que dispõe sobre o exercício e a fiscalização das atividades farmacêuticas, conferindo às farmácias o patamar de estabelecimento de saúde: BRASIL. Lei n. 13.021 de 8 de agosto de 2014. Dispõe sobre o exercício e a fiscalização das atividades farmacêuticas. Brasília, 2014. Disponível em: https://bit.ly/3AY8AF7. Acesso em: 21 out. 2021. 3.1.5 Desenvolvimento científico e tecnológico Essa quinta diretriz é parte da política que prevê que o país estimule a pesquisa na área de tecnologia farmacêutica, para que o Brasil possa desenvolver seu parque industrial. Esse estímulo à pesquisa seria mais focado nos medicamentos constantes na Rename. Também há a ideia de se apoiar as pesquisas relacionadas à descoberta de novos princípios ativos derivados de plantas, que são abundantes em nosso país dada sua biodiversidade. Observação Tecnologia farmacêutica: ciência que estuda as técnicas de produção em larga escala para obtenção de medicamentos mais eficazes, seguros e baratos. É importante destacar que, nessa diretriz, há grande preocupação com o desenvolvimento da indústria farmacêutica nacional para que se garanta o abastecimento do mercado interno, pois, naquela época, o parque industrial precisavase consolidar e expandir. Para tanto, incentiva-se a integração com instituições de pesquisa. 40 Unidade I Exemplo de aplicação Pesquise e reflita: será que essa quinta diretriz teve efeitos positivos no desenvolvimento tecnológico da indústria farmacêutica no país? O Brasil investe o suficiente em pesquisa nessa área? 3.1.6 Promoção da produção de medicamentos A maior preocupação aqui é que seja feito um esforço para melhorar a articulação entre laboratórios oficiais, nacionais e transnacionais para a produção de medicamentos da Rename. Os laboratórios oficiais são considerados essenciais por essa política, sendo classificados como patrimônio nacional, cabendo a eles se especializarem em produzir os medicamentos essenciais, que são principalmente usados na atenção básica, entre outras ações, como pode ser visualizado na figura seguinte. — Produzir medicamentos essenciais (Rename) — Monitorar preços de mercado — Capacitar profissionais Laboratórios oficiais devem Figura 7 – Ações dos laboratórios oficiais Adaptada de: Brasil (1998a). Nessa diretriz, volta-se a citar que todas as esferas de governo devem incentivar a produção de medicamentos genéricos pelos produtores nacionais, já que que esses medicamentos são de interesse estratégico para a população brasileira. O Brasil possui 21 laboratórios oficiais públicos, que produzem aproximadamente 30% dos medicamentos usados no SUS, além de soros e vacinas. Saiba mais Acesse a lista de laboratórios oficiais e aprenda um pouco mais sobre o assunto: BRASIL. Laboratórios oficiais. Ministério da Saúde, ago. 2017. Disponível em: https://bit.ly/3pkjXoC. Acesso em: 21 out. 2021. 3.1.7 Garantia da segurança, eficácia e qualidade dos medicamentos A sétima diretriz está intimamente ligada à segunda – regulamentação sanitária de medicamentos –, pois, para se assegurar segurança, eficácia e qualidade, devem ocorrer fiscalizações regulares nas indústrias 41 SERVIÇOS DE FARMÁCIA E SAÚDE PÚBLICA e serviços farmacêuticos em geral. A esfera federal tem a responsabilidade de coordenar as ações de vigilância, criando instrumentos de inspeção e sistemas de informação que facilitem as ações das três esferas de governo. A PNM também destaca, nessa diretriz, que a Rede Brasileira de Laboratórios Analítico em Saúde (Reblas) precisa ser reestruturada e reconhecida. Essa rede brasileira de laboratórios, públicos e particulares, habilitados pela Anvisa, realiza ensaios de controle de qualidade com produtos acabados e pode ser contratada pela indústria farmacêutica. Essa ação é importante para que seja dada opção aos produtores de voluntariamente provar a qualidade dos medicamentos produzidos (BRASIL, 2020d). Saiba mais O link a seguir possui mais informações sobre a Reblas: BRASIL. Rede brasileira de laboratórios analíticos em saúde – Reblas. Ministério da Saúde, 2020. Disponível em: https://bit.ly/3C3MYrX. Acesso em: 21 out. 2021. Exemplo de aplicação Para que um novo medicamento chegue de fato ao mercado farmacêutico, são necessários os testes clínicos, testes de controle de qualidade do medicamento e a parte burocrática de registro. Tente descobrir um pouco mais sobre esse assunto. 3.1.8 Desenvolvimento e capacitação de recursos humanos Os recursos humanos acabam sendo citados por quase toda a PNM, pois as pessoas são fundamentais para que toda a teoria seja colocada em prática. É necessário que elas sejam capacitadas para desenvolver as várias tarefas discutidas nesse material. Desse modo, é interessante observar que a PNM cita claramente que o componente de recursos humanos deve seguir o artigo 14 da Lei n. 8.080/90 (BRASIL, 1990), que indica que a formação e a educação continuada deve ser fruto de um esforço intersetorial, envolvendo-se os serviços de saúde e as universidades. Essa diretriz destaca que a área de vigilância sanitária deve ter uma atenção especial, pois é estratégica, e o número de profissionais capacitados atuando é pequeno. Exemplo de aplicação As prefeituras constantemente firmam contratos de cooperação com as universidades, para que as unidades de saúde recebam estagiários. Atualmente, também existem vários programas de residência médica e multiprofissional que ajudam na formação desses profissionais. O Ministério da Saúde tem 42 Unidade I feito parcerias com institutos e universidades para promover cursos específicos para profissionais que atuam no SUS, como o curso “Cuidado farmacêutico na atenção básica: aplicação do método clínico” – Ministério da Saúde/Hospital Alemão Oswaldo Cruz/Proadi-SUS. Pergunte a outros profissionais e tente descobrir mais sobre essas parcerias entre SUS e universidades, residências e cursos. 3.2 Política Nacional de Assistência Farmacêutica A Política Nacional de Assistência Farmacêutica (PNAF) (BRASIL, 2004e) nasce em 2004, em um contexto em que já havia uma Política Nacional de Medicamentos (PNM) (1998), Anvisa e lei dos genéricos (ambos em 1999). A PNAF é criada a partir das deliberações da 12ª Conferência Nacional de Saúde e da 1ª Conferência Nacional de Medicamentos e Assistência Farmacêutica. Saiba mais Leia a PNAF e compreenda melhor esse assunto: BRASIL. Resolução n. 338 de 6 de maio de 2004. Aprova a Política Nacional de Assistência Farmacêutica. Brasília, 2004. Disponível em: https://bit.ly/3b4pAPa. Acesso em: 21 out. 2021. É importante esclarecer que a PNAF é parte integrante de uma política muito maior chamada Política Nacional de Saúde. Até 2004, as ações de AF eram tratadas de forma fragmentada em outras legislações e documentos. Dessa forma, um dos pontos principais da criação da PNAF é que ela vem para consolidar as ações de AF no Brasil, com objetivo de ampliar o acesso da população aos medicamentos. Saiba mais As Conferências Nacionais de Saúde têm o objetivo de propor a construção de políticas públicas para as três esferas de governo. O site a seguir contém informações interessantes sobre o assunto: HISTÓRIA das conferências de saúde. Conselho Nacional de Saúde, 2021. Disponível em: https://bit.ly/30Okl4y. Acesso em: 23 maio 2021. A PNAF é organizada em quatro princípios e 13 eixos estratégicos. 43 SERVIÇOS DE FARMÁCIA E SAÚDE PÚBLICA 3.2.1 Princípios Os princípios da PNAF são: • Princípio I: PNAF é parte integrante da Política Nacional de Saúde, envolvendo ações voltadas à promoção, proteção e recuperação da saúde, considerando os princípios do SUS. • Princípio II: A assistência farmacêutica é uma política pública que fomenta as políticas de medicamentos, de ciência e tecnologia, de desenvolvimento industrial e de formação de recursos humanos. • Princípio III: A assistência farmacêutica trata de um conjunto de ações voltadas à promoção, proteção e recuperação da saúde, tanto em nível individual como coletivo. O medicamento é o insumo essencial, visando ao seu acesso e uso racional. Esse conjunto envolve a pesquisa, desenvolvimento, produção, seleção, programação, aquisição, distribuição, dispensação, garantia da qualidade, acompanhamento e avaliação do uso dos medicamentos. • Princípio IV: As ações de assistência farmacêutica também envolvem a atenção farmacêutica, que é a interação direta do farmacêutico com o paciente, visando a uma farmacoterapia racional e à obtenção de resultados definidos e mensuráveis. Essa interação também deve considerar as concepções dos seus sujeitos, respeitadas as suas especificidades biopsicossociais, sob a ótica da integralidade das ações de saúde (BRASIL, 2004e). O princípio I destaca que a PNAF é uma política que está dentro da Política Nacional de Saúde, que é mais abrangente. Também é importante observar que se fala em promoção, proteção e recuperação da saúde. Quando se comenta sobre AF, existe uma tendência em pensarmos no medicamento e no seu potencial curativo. Porém, a AF também diz respeito à atuação do farmacêutico em pesquisa de novos medicamentos, educação em saúde em diversos temas, como benefícios da atividade física, alimentaçãosaudável, cessação do tabagismo, práticas integrativas e complementares no SUS (Pics), saúde do homem e da mulher etc. Além desses assuntos, o uso racional de medicamentos também é rotineiramente abordado em unidades de saúde da atenção primária em saúde do SUS, por meio de grupos, atendimentos individuais e visitas domiciliares. O princípio I ainda reforça que a AF seja pautada pelos princípios do SUS: universalidade, integralidade e equidade. Isso significa que todos os brasileiros têm direito à AF, considerando o seu amplo conceito. Adicionalmente, a população deve ter acesso a todos os pontos de atenção (primário, secundário e terciário). Os pacientes devem ser tratados de acordo com suas necessidades, ou seja, quem mais precisa recebe mais atenção. O princípio II nos dá a ideia de que a AF é quem norteia a produção de novas políticas, como as de medicamentos. Na prática, foram criadas, por exemplo, as políticas de genéricos e os programas de AF já estudados. 44 Unidade I Ainda nesse mesmo princípio, a AF cria condições para o aparecimento das políticas de ciência e tecnologia e de desenvolvimento industrial. Essas políticas acabam sendo geradas, pois existe uma demanda por novas tecnologias e melhor infraestrutura industrial no parque tecnológico brasileiro para a produção dos medicamentos, principalmente os da Rename. Seguindo o mesmo raciocínio, a AF também gera políticas de formação de recursos humanos. Com a AF fortalecida, existe uma exigência maior de profissionais treinados. Um exemplo de política de formação de recursos humanos são os cursos de cuidado farmacêutico oferecidos a profissionais farmacêuticos que trabalham na atenção primária à saúde. Existem também alguns cursos de especialização latu sensu oferecidos a farmacêuticos, em que há parceria entre o SUS e universidades. Veja exemplo de cursos recentes resultantes das políticas de formação de recursos humanos: • Medicamentos na atenção primária no SUS: UNA-SUS, 2021. • Políticas de saúde e assistência farmacêutica no SUS: Fiocruz, 2020. • Assistência farmacêutica na gestão municipal: Proadi-SUS, 2020. • Cuidado farmacêutico na atenção básica: aplicação do método clínico, Proadi-SUS, 2020. O princípio III sinaliza que o farmacêutico deve ter uma visão não apenas do paciente que está atendendo, mas também pautar suas ações pensando no coletivo. Isso pode ser entendido como o farmacêutico atuando e formulando políticas de uso racional de medicamentos para a população de uma comunidade. Também pode significar o farmacêutico pesquisando, selecionando, programando, comprando e distribuindo medicamentos para a população de um município, estado ou país. Como não poderia ser diferente, o princípio III ainda destaca que o medicamento é o insumo essencial da AF, pois praticamente todas as ações giram em torno dele. Consequentemente, nesse princípio é citado o ciclo da AF (seleção, programação, aquisição, armazenamento, distribuição e dispensação), que será estudado em detalhes mais adiante. Chegamos, então, ao princípio IV, que é fundamental. Ele diz que a atenção farmacêutica faz parte da AF. A atenção farmacêutica nada mais é que a interação direta entre farmacêutico e o paciente. Já parou para refletir o que se espera de um farmacêutico praticando atenção farmacêutica? Deseja-se que o farmacêutico oriente o paciente na administração correta dos medicamentos e do possível aparecimento de reações adversas. É importante também que o profissional faça uma revisão da farmacoterapia para descobrir se aqueles medicamentos são necessários para aquele paciente e patologia tratada, se estão sendo efetivos, seguros e se o paciente está aderindo à farmacoterapia. Em outras palavras, o farmacêutico faz o acompanhamento do tratamento por meio de um atendimento individualizado, interpretando resultados de exames laboratoriais e aferindo parâmetros fisiológicos (pressão arterial e temperatura) e fisiológicos (glicemia capilar). 45 SERVIÇOS DE FARMÁCIA E SAÚDE PÚBLICA Há outro ponto importante nesse mesmo princípio, que diz respeito a como devemos enxergar o paciente. Em primeiro lugar, precisamos lembrar que o profissional farmacêutico, primariamente, é um profissional da área da saúde, então não podemos nos limitar apenas aos medicamentos, mas devemos pensar em um conceito de saúde mais amplo (bem-estar físico, social e mental), passando por renda, condições de moradia, saneamento básico, relações familiares, lazer etc. O princípio IV ainda aponta a integralidade das ações. Em outras palavras, a AF tem o papel de facilitar que o paciente tenha acesso aos serviços farmacêuticos e aos medicamentos na atenção primária, secundária e terciária. Atenção terciária Hospitais Atenção secundária Ambulatórios de especialidades, clínicas especializadas Atenção primária ou atenção básica Unidades básicas e de saúde da família Figura 8 – Os três níveis de atenção à saúde Exemplo de aplicação A seguir, é apresentada uma situação comum no cotidiano de um farmacêutico que trabalha no Nasf, que é uma equipe com diversos profissionais de nível superior que apoiam a equipe da unidade de saúde da família (BRASIL, 2014b; BRASIL, 2017f). Na reunião de equipe, o agente comunitário trouxe a situação de uma paciente hipertensa e analfabeta que não está tomando corretamente os medicamentos e pediu auxílio ao farmacêutico. Discutindo o caso, descobre-se que a paciente, há dois anos, teve um acidente vascular encefálico (AVE ou AVC), que a deixou com sequelas motoras, dificuldade de caminhar e falar. A paciente tem duas filhas adultas que trabalham fora o dia inteiro e um filho adulto que não auxilia a mãe. Moram em um barraco de madeira em uma comunidade. As condições de higiene não são as melhores. Olhando o prontuário eletrônico, percebeu-se que ela não retirou os medicamentos nos últimos dois meses. Releia os princípios da PNAF e os relacione com esse caso. 46 Unidade I A informação isolada de que a paciente não está tomando corretamente os medicamentos é suficiente para resolver o problema dela? Informações como composição familiar, renda e moradia são importantes? 3.2.2 Eixos Os 13 eixos estratégicos da PNAF são: • A garantia de acesso e equidade às ações de saúde inclui, necessariamente, a assistência farmacêutica. • Manutenção de serviços de assistência farmacêutica na rede pública de saúde, nos diferentes níveis de atenção, considerando a necessária articulação e a observância das prioridades regionais definidas nas instâncias gestoras do SUS. • Qualificação dos serviços de assistência farmacêutica existentes, em articulação com os gestores estaduais e municipais nos diferentes níveis de atenção. • Descentralização das ações, com definição das responsabilidades das diferentes instâncias gestoras, de forma pactuada e visando à superação da fragmentação em programas desarticulados. • Desenvolvimento, valorização, formação, fixação e capacitação de recursos humanos. • Modernização e ampliar a capacidade instalada e de produção dos laboratórios farmacêuticos oficiais, visando ao suprimento do SUS e ao cumprimento de seu papel como referências de custo e qualidade da produção de medicamentos, incluindo-se a produção de fitoterápicos. • Utilização da Rename, atualizada periodicamente, como instrumento racionalizador das ações no âmbito da assistência farmacêutica. • Pactuação de ações intersetoriais que visem à internalização e ao desenvolvimento de tecnologias que atendam as necessidades de produtos e serviços do SUS nos diferentes níveis de atenção. • Implementação de forma intersetorial e, em particular, com o Ministério da Ciência e Tecnologia de uma política pública de desenvolvimento científico e tecnológico, envolvendo os centros de pesquisa e as universidades brasileiras, com o objetivo do desenvolvimento de inovações tecnológicas que atendam os interesses nacionais e as necessidades e prioridades do SUS. • Definição e pactuação de ações intersetoriaisque visem à utilização das plantas medicinais e medicamentos fitoterápicos no processo de atenção à saúde, com respeito aos conhecimentos tradicionais incorporados, com embasamento científico, com adoção de políticas de geração de emprego e renda, com qualificação e fixação de produtores, envolvimento dos trabalhadores em saúde no processo de incorporação dessa opção terapêutica e baseado no incentivo à produção nacional, com a utilização da biodiversidade existente no país. 47 SERVIÇOS DE FARMÁCIA E SAÚDE PÚBLICA • Construção de uma política de vigilância sanitária que garanta o acesso da população a serviços e produtos seguros, eficazes e com qualidade. • Estabelecimento de mecanismos adequados para a regulação e monitoração do mercado de insumos e produtos estratégicos para a saúde, incluindo os medicamentos. • Promoção do uso racional de medicamentos por intermédio de ações que disciplinem a prescrição, a dispensação e o consumo. Esses 13 eixos foram escritos para aprofundar o conteúdo dos quatro princípios já estudados. Por exemplo, no eixo I fica definido que a AF está necessariamente incluída na garantia de acesso da população aos serviços de saúde, inclusive medicamentos, ou seja, a AF é fundamental ao funcionamento do nosso sistema de saúde. O item II sinaliza que a AF deve estar presente nos distintos níveis de atenção à saúde. No item III se afirma que os serviços de AF existentes devem ser constantemente qualificados, com envolvimento também das esferas municipais e estaduais. Portanto, esse papel é das três esferas de governo. Investir em cursos, como os citados anteriormente, é uma forma de qualificar os serviços farmacêuticos. O quarto eixo simplesmente define que, assim como o SUS, criado em 1988, a AF deve ter sua ação descentralizada. Isso significa que a responsabilidade pela AF não é somente do governo federal, mas também de estados e municípios. Outro aspecto importante citado é que essa definição de responsabilidades deve ser pactuada entre as três esferas, e, assim, evita-se a criação e funcionamento de programas que não conversam entre si. Um exemplo de integração entre os serviços de AF das três esferas é o tratamento de esquistossomose. O tratamento é feito com praziquantel 600 mg comprimidos ou oxamniquina 50 mg/mL suspensão oral, que são do componente estratégico, sendo comprados pelo governo federal. Posteriormente esses medicamentos são enviados aos estados, que distribuem aos municípios. Os serviços de vigilância sanitária dos municípios recebem as notificações das unidades de saúde e liberam os medicamentos para o tratamento dos pacientes. As informações colhidas nas notificações são enviadas aos estados, que repassam ao governo federal. Dessa forma, o Ministério da Saúde organiza os dados de todos os estados e pode programar as compras de medicamentos e possíveis mudanças nas políticas públicas de enfrentamento à esquistossomose. Esse fluxo de informação e de envio de medicamentos ilustra a integração da AF das três esferas de governo. 48 Unidade I Exemplo de aplicação Como exemplo de AF descentralizada, podemos pensar nos seguintes exemplos: • Os farmacêuticos concursados pela Anvisa são de responsabilidade do governo Federal (Ministério da Saúde). Os farmacêuticos que trabalham em hospitais estaduais (ex.: Hospital das Clínicas de São Paulo) são contratados pelo estado, e os farmacêuticos que trabalham nas unidades da atenção primária à saúde são de responsabilidade dos municípios. • O mesmo raciocínio se aplica à compra de medicamentos. Como estudado em programas de AF no Brasil, por exemplo, os medicamentos do programa de tabagismo (componente estratégico) são comprados e distribuídos pelo governo federal. Já uma boa parte dos medicamentos do componente especializado são de responsabilidade dos governos estaduais, e a maioria dos medicamentos do componente básico são de responsabilidade dos municípios. Cada esfera de governo também é responsável pela organização interna dos serviços de AF. O item V refere-se aos recursos humanos. Na criação da PNAF, esse item torna-se fundamental, pois para se ter uma AF fortalecida no país, existe a necessidade de farmacêuticos em número suficiente, capacitados, valorizados e fixados nos postos de trabalho. Imagine se você fosse um farmacêutico de um determinado município e tivesse baixa remuneração, sobrecarregado por falta de colegas de trabalho e com pouca possibilidade de reciclagem profissional. Nessas condições, provavelmente você estaria desmotivado e a AF do município estaria fragilizada. Se as condições fossem inversas (boas condições de trabalho), você provavelmente estaria realizado, e a chance de fixação nesse posto de trabalho seria maior. A fixação é importante, pois esses cargos exigem conhecimento técnico das características locais (ex.: município e comunidade), além de ser importante conhecer os pacientes para facilitar o acompanhamento do tratamento ao longo do tempo. Exemplo de aplicação Observe o mercado de trabalho, converse com colegas farmacêuticos e perceba a diferença de rotatividade de profissionais farmacêuticos de diferentes áreas de trabalho, como as drogarias, farmácias de manipulação, hospitais públicos e privados, atenção primária à saúde etc. Reflita sobre essa questão da fixação do farmacêutico nos postos de trabalho contida no princípio V. O eixo VI está relacionado à modernização e produção dos laboratórios farmacêuticos oficiais. A PNAF aposta no fortalecimento desses laboratórios para produção dos medicamentos da Rename, da forma mais eficiente e barata possível, para atender as demandas do SUS. O eixo VII, já discutido na PNM, traz a ideia de que a AF deve ser pautada a partir da Rename, que, por sua vez, deve ser constantemente atualizada. 49 SERVIÇOS DE FARMÁCIA E SAÚDE PÚBLICA Saiba mais Nos links a seguir, você encontra mais informações sobre a Rename e o Formulário Terapêutico Nacional (FTN): BRASIL. Formulário terapêutico nacional 2010 – Rename 2010. Brasília: Ministério da Saúde, 2010. Disponível em: https://bit.ly/3vQq6Kw. Acesso em: 25 out. 2021. O FTN contém as monografias de todos os medicamentos da Rename, contendo as indicações, doses, posologias, reações adversas etc. Você pode fazer o download do aplicativo (MedSUS) para o seu celular nos seguintes links: MEDSUS. Google Play, [s.d.]. Disponível em: https://cutt.ly/MROrFfE. Acesso em: 25 out. 2021. MEDSUS. Apple Store, [s.d.]. Disponível em: https://cutt.ly/zROr9v3. Acesso em: 25 out. 2021. Os eixos VIII e IX definem que as três esferas de governo, de forma conjunta, devem adotar as tecnologias existentes para atender as necessidades de produção de medicamentos e serviços do SUS nos três níveis de atenção. Ainda define que o Ministério de Ciência e Tecnologia deve apoiar o desenvolvimento científico e tecnológico junto a universidades e centros de pesquisa. Um exemplo prático ocorre quando a universidade desenvolve algum método ou tecnologia que possa ajudar na melhoria da formulação de um medicamento. Nesse caso, tanto o Ministério quanto as três esferas devem estar atentas para a incorporação dessas novidades no SUS. O eixo X fala sobre a utilização de plantas medicinais e fitoterápicos como ferramenta terapêutica, respeitando-se o embasamento científico e incentivando a produção e geração de emprego e renda. Também é ressaltado que o Brasil deve se valer da sua biodiversidade. O Brasil teve uma série de acontecimentos históricos, desde a criação do SUS, que aos poucos foram sedimentando as políticas de práticas complementares e de fitoterapia. 50 Unidade I Saiba mais Conheça a Portaria n. 971 de 2006, que aprova a Política Nacional de Práticas Integrativas e Complementares (PNPIC) no SUS, o decreto que aprova a Política Nacional de Plantas Medicinais e Fitoterápicos e a portaria que regulamenta a Farmácia Viva: BRASIL. Portaria n. 971, de 3 de maio de 2006. Aprova a Política Nacional de Práticas Integrativase Complementares (PNPIC) no Sistema Único de Saúde (SUS). Brasília, 2006. Disponível em: https://cutt.ly/pROtO45. Acesso em: 25 out. 2021. BRASIL. Decreto n. 5.813, de 22 de junho de 2006. Aprova a Política Nacional de Plantas Medicinais e Fitoterápico. Brasília, 2006. Disponível em: https://cutt.ly/gROtBYe. Acesso em: 25 out. 2021. BRASIL. Portaria n. 886, de 20 de abril de 2010. Institui a farmácia viva no âmbito do Sistema Único de Saúde (SUS). Brasília, 2010. Disponível em: https://cutt.ly/VROul1g. Acesso em: 25 out. 2021. O eixo XI fortalece a política de vigilância sanitária do país, que engloba a fiscalização dos produtores de matérias-primas, medicamentos, distribuidoras, drogarias, farmácias de manipulação e ações de farmacovigilância. Observação A farmacovigilância está relacionada à identificação de reações adversas, desvios de qualidade e inefetividade terapêutica dos medicamentos. Essas ações visam a garantir que a população tenha acesso a medicamentos seguros e eficazes. O eixo XII define a necessidade de que o mercado farmacêutico seja monitorado. Esse monitoramento é feito em relação ao preço de venda dos medicamentos, para que se evite a prática de valores abusivos. O Brasil, assim como muitos países no mundo, controla a precificação há 50 anos. A Lei n. 10.742/2003 (BRASIL, 2003) define as regras usadas atualmente. No sentido de colocar em prática esse modelo de monitoramento, criou-se a Câmara de Regulação do Mercado de Medicamentos (CMED), que acompanha os preços do mercado, autoriza reajustes de preço e fiscaliza se as indústrias publicam os preços de seus produtos. 51 SERVIÇOS DE FARMÁCIA E SAÚDE PÚBLICA Pela legislação, o consumidor tem o direito de saber qual o preço máximo ao consumidor (PMC) estabelecido para cada medicamento, sendo as farmácias e drogarias obrigadas a manter lista de preços atualizadas aos clientes. Essas listas podem ser da própria CMED ou de revistas especializadas. Além da CMED, a Anvisa também monitora os preços publicados nessas revistas. Tabela 2 – Modelo de apresentação da lista 2021 de preços da Câmara de Regulação do Mercado de Medicamentos (CMED) Medicamento (laboratório) Apresentação ICMS 0% ICMS 18% Princípio ativo: acebrofilina PF PMC PF PMC Lisomuc (farmacêutico Elofar) 10 MG / ML XPE CT FR PET AMB X 120 ML + COP 25,23 34,88 30,77 42,54 Lisomuc (farmacêutico Elofar) 10 MG / ML XPE CT FR VD AMB X 100 ML + COP 21,03 29,07 25,65 35,46 Preço de fábrica (PF – preço para laboratórios e distribuidores); preço máximo ao consumidor (PMC – preço para farmácias e drogarias). Cada estado da federação pratica seu ICMS. Adaptada de: Anvisa (2021). O último eixo (XIII) aborda a importância de se promover o uso racional de medicamentos, atuando com prescritores, dispensadores e população. Leia novamente a quarta diretriz da PNM para recordar o assunto. Lembrete O uso racional de medicamentos parte do princípio de que os pacientes recebam medicamentos apropriados às suas necessidades clínicas, em doses adequadas a suas particularidades individuais, por período de tempo necessário e com baixo custo para eles e para sua comunidade (WORLD HEALTH ORGANIZATION, 1987). 3.3 Política de genéricos 3.3.1 Histórico No Brasil, desde 1945 não se reconhecia a patente de produtos. Hasenclever (2004) destaca que, por isso, muitas empresas passaram a desenvolver medicamentos similares de produtos patenteados registrados em outros países. Esse é o motivo pelo qual o Brasil sempre teve um mercado repleto de similares. 52 Unidade I Segundo Araújo et al. (2010), a criação do medicamento genérico vem de um processo histórico que se inicia na década de 1970. Essas discussões deram origem ao Decreto 793 de 1993, que resultou na obrigatoriedade do uso da denominação comum brasileira (DCB) ou nome genérico em todos os medicamentos. O uso da DCB é uma estratégia de regulação dos preços. Notem que se passaram seis anos entre a obrigatoriedade da DCB e a efetiva criação dos medicamentos genéricos (1993-1999). Isso ocorreu porque as empresas do mercado brasileiro já tinham muitos produtos similares registrados no mercado. Dessa forma, elas não investiriam no registro de genéricos antes do vencimento dos registros de seus produtos similares (MALHEIROS et al., 2021). Os preços dos medicamentos genéricos são bem menores que o dos medicamentos de referência. Pela Resolução CMED n. 2 de 2004 (CÂMARA DE REGULAÇÃO DO MERCADO DE MEDICAMENTOS, 2004), os genéricos devem ser no mínimo 35% mais baratos que o medicamento referência correspondente. Observou-se que, depois de 3 anos do lançamento do primeiro medicamento genérico, o preço era aproximadamente 40% menor. Se considerarmos apenas os medicamentos para o tratamento de doenças crônicas, como a hipertensão, diabetes, gota, colesterol etc., a redução de custo chegava a 65%. Você já se perguntou por que o genérico é mais barato? Isso ocorre, pois o medicamento genérico é desenvolvido a partir de uma molécula já existente. Então, o laboratório não tem gastos no desenvolvimento de uma nova substância e nem com pesquisa clínica. O outro motivo é que os laboratórios gastam menos dinheiro com propaganda, pois não há um nome comercial para justificar grandes campanhas publicitárias. Outro aspecto importante desse assunto é a valorização dos medicamentos pela população. Nos primeiros 1 ano e 6 meses dos genéricos em nosso país, o crescimento mensal das vendas foi próximo de 15%. O Brasil registrou um aumento nas vendas de 249,42% de 6/2000 a 8/2001. Havia 1124 medicamentos genéricos registrados no ano de 2004, que davam conta de 60% das prescrições. Esses números mostram o sucesso do medicamento genérico no Brasil. Enquanto a participação dos genéricos aumentava, houve pequeno decréscimo nas vendas dos medicamentos referência e forte diminuição na dos similares. O desenvolvimento do mercado de genéricos aqui no Brasil foi bastante rápido, quando se compara com outros países que demoraram algumas décadas para atingir patamar parecido. Esse resultado decorre principalmente da constante atualização das legislações, que foram adequando esse mercado à realidade brasileira, garantindo medicamentos seguros e eficazes. 53 SERVIÇOS DE FARMÁCIA E SAÚDE PÚBLICA Saiba mais Leia os artigos a seguir para entender o histórico e o impacto da criação dos genéricos no Brasil: ARAÚJO, L. U. et al. Medicamentos genéricos no Brasil: panorama histórico e legislação. Rev. Panam. Salud Pública, v. 28, n. 6, p. 480-492, 2010. Disponível em: https://cutt.ly/KROsspQ. Acesso em: 25 out. 2021. HASENCLAVER, L. O mercado de medicamentos genéricos no Brasil. Brasília, 2004. Disponível em: https://cutt.ly/gROdrKW. Acesso em: 25 out. 2021. MALHEIROS, L. R. et al. Panorama atual das políticas de medicamentos genéricos no Brasil: revisão bibliográfica. Brazilian Applied Science Review, Curitiba, v. 5, n. 3, p. 1342-1354, maio/jun. 2021. Disponível em: https://cutt.ly/tROdg7i. Acesso em: 25 out. 2021. É interessante saber que os medicamentos genéricos careciam de identidade visual para facilitar sua identificação na época de sua criação. Como consequência, criou-se a RDC n. 47 de 2001 (BRASIL, 2001b), que aprovou a inserção da tarja amarela com a letra “G” maiúscula, com a inscrição “Medicamento genérico” e “Medicamento genérico Lei n. 9787, de 1999”. Figura 9 – Caixa de medicamento genérico adequada à RDC n. 47 de 2001 Fonte: Brasil (2020b). Apesar da política de genéricos no Brasil ser de suma importância, a população, de maneira geral, continua tendo acesso limitado ao uso de medicamentos. Mesmo com essa questão que ainda devemos enfrentar, nossa sociedade passou a ter a opção de comprar medicamentos mais baratos, com segurança e eficácia comprovadas. 54 Unidade I 3.3.2 Lei n. 9.787 de 1999 e RDC n. 16 de 2007 Em 1999, é criada a Lei n. 9.787 (BRASIL, 1999a), que estabelece o medicamento genérico no Brasil, a qual altera a Lei n. 6360/1976. A lei dosgenéricos é publicada logo após a criação da PNM em 1998 e da Anvisa em 1999. Essa política é um marco na história da farmácia no Brasil, pois efetivamente amplia o acesso aos medicamentos e incentiva a inovação tecnológica por parte dos centros de pesquisa e indústria farmacêutica. Para entender o que é um medicamento genérico, precisamos definir o que é um medicamento referência e similar. Leia as definições a seguir, retiradas das Leis n. 9.787 de 1999 e n. 13.235 de 2015 (BRASIL, 1999a; BRASIL, 2015a). Medicamento similar – aquele que contém o mesmo ou os mesmos princípios ativos, que apresenta a mesma concentração, forma farmacêutica, via de administração, posologia e indicação terapêutica e que é equivalente ao medicamento registrado no órgão federal responsável pela vigilância sanitária, podendo diferir somente em características relativas ao tamanho e forma do produto, prazo de validade, embalagem, rotulagem, excipientes e veículos, comprovada a sua eficácia, segurança e qualidade, devendo sempre ser identificado por nome comercial ou marca (BRASIL, 2015a). Medicamento genérico – medicamento similar a um produto de referência ou inovador, que se pretende ser com este intercambiável, geralmente produzido após a expiração ou renúncia da proteção patentária ou de outros direitos de exclusividade, comprovada a sua eficácia, segurança e qualidade, e designado pela DCB ou, na sua ausência, pela DCI” (BRASIL, 1999a). Medicamento de referência – produto inovador registrado no órgão federal responsável pela vigilância sanitária e comercializado no País, cuja eficácia, segurança e qualidade foram comprovadas cientificamente junto ao órgão federal competente, por ocasião do registro (BRASIL, 1999a). Os medicamentos similares, genéricos e de referência são considerados equivalentes farmacêuticos, pois têm o mesmo princípio ativo, na mesma concentração e forma farmacêutica. O genérico nada mais é que um medicamento similar ao de referência, sendo considerado intercambiável por apresentarem a mesma biodisponibilidade (bioequivalentes). É importante esclarecer que o genérico não é uma cópia idêntica ao de referência, pois ele pode diferir quanto à cor, tamanho e excipientes. Observação Medicamentos intercambiáveis: medicamentos que podem ser trocados, pois são equivalentes terapêuticos. 55 SERVIÇOS DE FARMÁCIA E SAÚDE PÚBLICA O termo biodisponibilidade refere-se à concentração de fármaco liberada pela forma farmacêutica, que fica disponível no sangue para ser distribuída pelo organismo e fazer o efeito terapêutico. O termo bioequivalência é usado quando o medicamento genérico e o de referência possuem a mesma biodisponibilidade. A Lei n. 9.787 de 1999 (BRASIL, 1999a) instituiu os medicamentos genéricos no país e alguns pontos merecem ser destacados. Por exemplo, foi definido que a vigilância sanitária do órgão federal deveria, em até noventa dias, definir regras para registro, controle de qualidade, teste de biodisponibilidade, prescrição e dispensação. Saiba mais A leitura da lei a seguir pode contribuir para a compreensão da política de genéricos: BRASIL. Lei n. 9.787, de 10 de fevereiro de 1999. Estabelece o medicamento genérico, dispõe sobre a utilização de nomes genéricos em produtos farmacêuticos e dá outras providências. Brasília, 1999. Disponível em: https://cutt.ly/PROjAnR. Acesso em: 25 out. 2021. O artigo 3 indica que as compras de medicamentos no SUS obrigatoriamente devem ser feitas pela DCB, que é o nome genérico. Da mesma forma, as prescrições médicas e odontológicas dentro do SUS devem ser feitas pela DCB. Por exemplo, dentro de uma unidade de saúde da família, o médico não pode prescrever Macrodantina® 100 mg, mas sim nitrofurantoína 100 mg, que é a DCB, ou nome genérico. Essa regra é estabelecida para que o medicamento genérico seja valorizado e o paciente tenha a possibilidade de levar o medicamento genérico ou de referência. Adicionalmente, em teoria, impede que o médico prescreva medicamentos similares que, por lei, não podem ser trocados pelo medicamento genérico. Exemplo de aplicação Imagine se um médico prescrevesse o medicamento Capobal®, que tem como princípio ativo o captopril, e o município tivesse em suas unidades de saúde o medicamento genérico. O médico prescreveu corretamente? O paciente poderia levar o captopril genérico da unidade de saúde? Em relação às compras, a ideia é que todo o processo seja feito para que se privilegie a compra dos genéricos, já que eles são mais baratos, possuem efetividade comprovada e muitas vezes são produzidos pelos nossos laboratórios oficiais. No § 2º do artigo 3º, é estabelecido que, no caso de igualdade de preço entre o medicamento genérico e um de marca, o genérico tem a preferência de compra. 56 Unidade I O § 1º define que a Anvisa deve manter lista atualizada dos medicamentos genéricos registrados no Brasil. Essa listagem deve ser organizada pela classificação farmacológica da Rename. Há, nessa lei, a afirmação de que o Ministério da Saúde é responsável por comunicar, informar e educar a população brasileira sobre o uso de genéricos. Também se determina, nessa legislação, que o Brasil deve buscar a cooperação de instituições nacionais e internacionais para que possam dar auxílio nas questões de controle de qualidade. Na época da publicação dessa lei, a indústria brasileira ainda estava em desenvolvimento e o genérico era um tipo de produto novo no mercado brasileiro. Então, achou-se prudente que outras instituições fornecessem auxílio técnico. A Lei n. 9.787 de 1999 – dos genéricos – é abrangente, precisando de regulamentação técnica com regras específicas. Nesse sentido, seis meses depois foi publicada a Resolução n. 391 de agosto de 1999, que foi atualizada por quatro RDCs, as de n. 10, 84, 135 e a 16, que está em vigor. A RDC n. 16, de 2 de março de 2007 (ANVISA, 2007), define um regulamento técnico que deve ser seguido por qualquer empresa que queira registrar um medicamento genérico no Brasil. Adicionalmente, o artigo 3º traz a informação de que somente centros autorizados pela Anvisa podem fazer os testes de equivalência e bioequivalência. A RDC n. 16 é dividida em cinco itens. O item I (visto na figura a seguir) mostra as mais importantes definições sobre o assunto, algumas delas já tratadas neste tópico, como equivalência farmacêutica, bioequivalência, medicamento referência, similar e genérico. 1. Definições utilizadas para registro de medicamentos genéricos 2. Medidas antecedentes ao registro 4. Medicamentos que não serão aceitos como genéricos 3. Documentação para registro 5. Medidas pós-registro Figura 10 – Preceitos e procedimentos técnicos para registro de medicamento genérico no Brasil O item II traz regras sobre os passos que a empresa precisa seguir antes de formalizar o pedido de registro de genérico. A empresa, em primeiro lugar, deve acessar as listas de medicamentos referência no portal da Anvisa para saber se há um medicamento de marca com a mesma substância ativa, dosagem e indicação, que servirá como comparação para o registro do genérico que se pretende registrar. 57 SERVIÇOS DE FARMÁCIA E SAÚDE PÚBLICA Saiba mais Conheça a RDC n. 16 e o site que contém as listas da Anvisa de medicamentos referência: ANVISA. Resolução - RDC n. 16, de 2 de março de 2007. Aprova o Regulamento Técnico para Medicamentos Genéricos. Brasília, 2007. Disponível em: https://cutt.ly/YROzfoM. Acesso em: 25 out. 2021. Após consulta da lista, a empresa deve solicitar licença de importação dos medicamentos referência para poder fazer os testes in vitro e in vivo. Além de apresentar a notificação de produção de lotes piloto para que a Anvisa tenha conhecimento dos lotes produzidos inicialmente para começo dos estudos. O item III define todos os documentos que devem ser apresentados para o registro dos genéricos. Entre eles estão: o recolhimento da taxa de fiscalização de vigilância sanitária, licença de funcionamentoda empresa, autorização de funcionamento da empresa, certificado de boas práticas de fabricação e controle, notificação da produção de lote piloto, certificado de responsabilidade técnica, formulários de petição (FP1 e FP2), modelo de bula, rótulo e cartucho. Também são pedidos documentos mais técnicos que mostram os resultados obtidos em testes de controle de qualidade. Quadro 14 – Documentos técnicos exigidos pela Anvisa no registro de medicamentos genéricos Documentos sobre os testes Diretrizes Estabilidade Estudo de estabilidade acelerada de um lote desenhado para determinar o prazo de validade dos medicamentos Dissolução Estudo comparativo entre o genérico e o medicamento de referência. Compara-se a velocidade na qual o fármaco se dissolve no meio de dissolução. Esse teste mostra se o fármaco se dissolverá no líquido gastrointestinal para posteriormente ser absorvido Equivalência farmacêutica Comparação feita entre o medicamento genérico e o de referência para provar que possuem o mesmo fármaco, com mesma dosagem, através dos seguintes testes: determinação de peso, dureza, friabilidade, desintegração, dissolução, pH e uniformidade de conteúdo Biofarmacotécnicos Estudo de biodisponibilidade que prova a bioequivalência entre genérico e referência Fonte: Anvisa (2007). 58 Unidade I Na sequência, temos o item IV, que são os medicamentos que não podem ser registrados como genéricos. São eles: • Soluções parenterais de pequeno volume (sppv) e soluções parenterais de grande volume (spgv) unitárias, isentas de fármacos. • Produtos biológicos, imunoterápicos, derivados do plasma e sangue humano. • Fitoterápicos. • Vitaminas. • Antisépticos de uso hospitalar. • Produtos com fins diagnósticos e contrastes radiológicos. • Produtos biotecnológicos, exceto antibióticos, fungicidas e outros, a critério da Anvisa. • Medicamentos isentos de prescrição médica, exceto antiácidos, analgésicos, anti-inflamatórios de uso tópico etc. Por que há medicamentos que não podem ser registrados como genéricos? De maneira geral, alguns medicamentos não são absorvidos, então não há como se provar a bioequivalência como, por exemplo, os contrastes. Também há alguns medicamentos, por características próprias, que dificilmente terão a bioequivalência provada. Os fitoterápicos, por exemplo, são produzidos com uma parte da planta ou extrato, tintura etc. Como as plantas são diferentes entre si, existe considerável variação de teor de princípios ativos e biodisponibilidade, dificultando a determinação de bioequivalência. O item V traz as medidas pós-registro. A empresa deve entregar à Anvisa os seguintes documentos: • comprovação da distribuição dos três primeiros lotes de fabricação (Anvisa recolhe amostras para controle de qualidade); • resultados e avaliação final do estudo de estabilidade de longa duração dos três primeiros lotes; • relatório de incidência de reações adversas e ineficácia terapêutica, entre outros. Essa RDC também determina regras para prescrição e dispensação. No SUS, os prescritores devem adotar a DCB, sinônimo de nome genérico. Os prescritores de serviços particulares podem adotar a DCB ou nome comercial. 59 SERVIÇOS DE FARMÁCIA E SAÚDE PÚBLICA Em ambos os tipos de serviço, caso o prescritor decida pela não intercambialidade do medicamento prescrito, ele deve, de próprio punho, manifestar-se na prescrição. Exemplo de aplicação Reflita sobre a seguinte situação: Um médico de um serviço privado prescreve Cipro® 500 mg (medicamento referência) e não quer que o paciente use o genérico. Ele pode fazer isso? Como deve fazer? Como o farmacêutico deve proceder? Na dispensação, o farmacêutico pode substituir o medicamento referência pelo genérico quando não houver nenhuma restrição expressa (manuscrito) por parte do prescritor. Quando o farmacêutico fizer a substituição, ele deve indicar na prescrição que fez a substituição, carimbar, assinar e datar. Se a prescrição contiver o nome genérico, o farmacêutico pode somente dispensar o medicamento referência ou o genérico. Nesse caso, não pode ser dispensado o medicamento similar. 3.3.3 Intercambialidade Entre os anos de 1999 e 2014, a única possibilidade de troca (intercambialidade) entre medicamentos era do genérico para medicamento de referência e vice-versa, como descrito anteriormente. Com a publicação da RDC n. 58 de 2014 (ANVISA, 2014b), as empresas que detinham registros de medicamentos similares foram autorizadas a registrar esses produtos como similares intercambiáveis aos medicamentos de referência, desde que feitos os testes de equivalência farmacêutica e bioequivalência nos mesmos moldes de como já era realizado com os medicamentos genéricos. Quando o similar é registrado como intercambiável, ele entra na lista de medicamentos similares e seus respectivos medicamentos de referência (ANVISA, 2014a). Essa lista deve ser consultada pelo farmacêutico no ato da dispensação, para que ele saiba se pode fazer a troca entre o medicamento referência e o similar intercambiável e vice-versa. Assim como o medicamento genérico, a troca não pode ser feita caso o médico faça alguma restrição por escrito na receita. 60 Unidade I Saiba mais Aprenda mais sobre a RDC n. 58 e acesse a lista atualizada de similares intercambiáveis: ANVISA. Resolução da diretoria colegiada - RDC n. 58, de 10 de outubro de 2014. Dispõe sobre as medidas a serem adotadas junto à Anvisa pelos titulares de registro de medicamentos para a intercambialidade de medicamentos similares com o medicamento de referência. Brasília, 2014. Disponível em: https://cutt.ly/TROn6t1. Acesso em: 15 jul. 2021. ANVISA. Lista de medicamentos similares e seus respectivos medicamentos de referência, conforme RDC 58/2014. Brasília, 2014. Disponível em: https://cutt.ly/eROmHHI. Acesso em: 25 out. 2021. Essa questão de intercambialidade pode ser mais bem compreendida a seguir. R Medicamento referência Venda sob prescrição médica G Medicamento genérico Venda sob prescrição médica S Medicamento similar (intercambiável) Venda sob prescrição médica São intercambiáveis São intercambiáveis Não são intercambiáveis Medicamentos similares não podem ser trocados por similares Figura 11 – Intercambialidade entre medicamentos de referência, genéricos e similares intercambiáveis 3.3.4 Bioequivalência/biodisponibilidade relativa Bioequivalência e biodisponibilidade relativa são expressões de mesmo sentido. Esses testes devem ser feitos em centros cadastrados na Rede Brasileira de Laboratórios em Saúde. O teste deve demonstrar que a biodisponibilidade do medicamento genérico/similar (medicamento teste) é “parecida” com a biodisponibilidade do medicamento de referência, baseado em critérios estatísticos. 61 SERVIÇOS DE FARMÁCIA E SAÚDE PÚBLICA A biodisponibilidade, na maioria dos casos, é determinada pela concentração do fármaco no sangue dos voluntários. A maior parte dos estudos feitos tem o seguinte desenho (formato): aberto (voluntários e profissionais sabem o medicamento que está sendo usado), aleatório (definido por sorteio) e cruzado (cada paciente recebe tanto o medicamento genérico quanto o de referência). O número de voluntários é calculado para que se tenha uma amostra significativa, sendo 12 o número mínimo. Quando há falta de dados estatísticos para se definir o número de voluntários, recomenda-se que se utilizem 24. Essas são algumas das principais regras dos estudos de biodisponibilidade, mas existem outras recomendações importantes que devem ser estudadas caso você queira se aprofundar no assunto. Saiba mais Conheça a Resolução RE n. 1.170, de 2006, que dita as regras para os testes de bioequivalência/biodisponibilidade relativa: ANVISA. Resolução RE n. 1.170, de 19 de abril de 2006. Determina a publicação do Guia para provas de biodisponibilidade relativa/bioequivalência de medicamentos. Brasília, 2006. Disponível em: https://cutt.ly/hROWajI. Acesso em: 25 out. 2021. 3.3.5 Mercadode genéricos Os genéricos, no Brasil, ainda são relativamente jovens quando comparados a outros países. Nos EUA, por exemplo, eles são comercializados há mais de 50 anos. A seguir, podemos observar a participação dos genéricos dentro do mercado farmacêutico. Tabela 3 – Participação dos medicamentos genéricos dentro do mercado farmacêutico em diferentes países em 2020 País (%) valor (%) unidades EUA 13 60 Alemanha 20 57 Reino Unido 36 74 Canadá 22 44 França 25 62 Espanha 28 51 Legenda: (%) valor: porcentagem do total de movimentação financeira do mercado farmacêutico; (%) unidades: porcentagem do total de unidades vendidas. Fonte: MERCADO (s.d.). 62 Unidade I Apesar do Brasil ter implantado essa política mais recentemente quando comparado a esses países, nosso mercado de genéricos corresponde a 35% do total de unidades vendidas (% unidades). O Brasil possui atualmente 93 empresas que fabricam genéricos. Ao todo, em território nacional, temos aproximadamente 3.700 registros de genéricos, resultando em um número próximo a 22 mil apresentações. No ano de 2020, o Brasil teve um faturamento da ordem de 11,5 bilhões de reais nesse setor. No período da pandemia causada por covid-19, de 3/2020 a 3/2021 (12 meses), o crescimento no número de unidades vendidas de medicamentos genéricos foi de 8,74%. A Associação Brasileira das Indústrias de Medicamentos Genéricos (PróGenéricos) divulgou alguns outros dados interessantes que podem ser vistos a seguir. dos medicamentos do Programa Farmácia Popular são genéricos dos medicamentos prescritos no Brasil são genéricos compram ou já compraram medicamentos genéricos dos medicamentos vendidos no Brasil são genéricos 85% 33% 79% 35% Figura 12 – Dados sobre o mercado brasileiro de genéricos Fonte: GENÉRICOS... (s.d.). 4 JUDICIALIZAÇÃO DA ASSISTÊNCIA FARMACÊUTICA 4.1 Aspectos gerais De acordo com Andia e Lamprea (2019), a região do mundo com maior incidência da judicialização da AF é a América Latina, com destaque para Brasil, Colômbia, Argentina e Costa Rica. A judicialização ocorre quando o paciente não encontra seu medicamento, insumo ou tratamento e busca seu direito por meio do poder judiciário. Nos planos de saúde, é comum que algumas internações e exames sejam negados. A judicialização é a última alternativa que o paciente tem para que o seu direito à saúde seja garantido, por meio do artigo 196 da nossa Constituição Federal: “a saúde é direito de todos e dever do Estado” (BRASIL, 1988). 63 SERVIÇOS DE FARMÁCIA E SAÚDE PÚBLICA A judicialização nasce de um processo histórico, ganhando força após a promulgação da Constituição de 1988. A partir do artigo 196 e da jurisprudência do Supremo Tribunal Superior (STF), o sistema jurídico brasileiro iniciou sua jornada em tentar garantir esses direitos a uma população desassistida. Observação A jurisprudência é a aplicação da lei ao caso concreto e tem o papel de uniformizar o entendimento de todos os tribunais. Além da Constituição, a Lei n. 8.080 de 1990 (BRASIL, 1990), que regulamenta o SUS, traz no artigo 6º que, em nosso sistema de saúde, deve-se executar ações como “assistência terapêutica integral, inclusive farmacêutica”. Se, por um lado, os cidadãos têm esse direito, por outro, a judicialização vem crescendo exponencialmente nas últimas décadas. Como consequência, ocorreu aumento expressivo nos gastos das três esferas de governo. Esse grande impacto no orçamento causa problemas para a saúde pública, pois fazer a gestão da saúde em um ambiente com muitos gastos extras, não programados, é complexo. Adicionalmente, muitas das ordens judiciais chegam ao poder público em caráter emergencial. Nessas condições, a compra deve ser feita de forma apressada, não havendo tempo de se fazer, por exemplo, tomada de preços, que é uma modalidade de licitação regida pela Lei n. 14.133 de 2021 (BRASIL, 2021a). Muitos dos medicamentos são de custo elevado e, com essa compra de forma emergencial, a tendência é que não se consiga bons preços. Perceba que se, por exemplo, o Ministério da Saúde tem uma verba anual programada para todos os gastos em saúde e, durante esse período, ocorre um aumento nas demandas judiciais, o resultado é que boa parte do dinheiro é direcionado às demandas judiciais. Seguindo esse raciocínio, aquela pequena parcela da população com acesso a advogados e com maior renda acaba sendo atendida, porém, esse dinheiro faz falta à outra parcela da população mais carente. Nesse sentido, Barroso (2009), atual juiz do Supremo Tribunal, afirma que o que está em análise é o direito à saúde e à vida de uns versus a de outros. Essa é uma balança de difícil equilíbrio tanto no quesito jurídico quanto moral. Segundo Silva, Almeida e Pessôa (2017), muitas decisões judiciais acabam sendo proferidas muito mais pela questão emocional do juiz do que pelas informações objetivas do caso. Isso ocorre, pois a decisão do magistrado pode efetivamente mudar a vida do paciente se ele receber o medicamento ou não. Como o medicamento tem sido encarado como um bem de consumo, a indústria farmacêutica tem o hábito de lançar muitos medicamentos novos, que em boa parte não trazem ganhos terapêuticos relevantes para o tratamento do paciente. Há também a visão de que os novos medicamentos são melhores que os antecessores, inclusive com preços mais altos. Isso acaba reforçando uma ideia errada de que o novo é o melhor, gerando aumento nas demandas judiciais. 64 Unidade I Outra questão importante é sobre a competência de cada esfera. A responsabilidade pelo cuidado da saúde do cidadão é do município, estado e governo federal, porém não há uma definição clara em muitos casos, gerando certa confusão. As políticas públicas de AF definem claramente a responsabilidade de cada esfera de governo na compra e gestão dos diferentes medicamentos. No entanto, o poder judiciário tem considerado em seus despachos que a compra dos medicamentos via judicial é de “responsabilidade solidária” (BRAGA; OLIVEIRA; FERREIRA, 2021). Sobre esse caso, por exemplo, em algumas situações, o município pode ter que comprar medicamentos de responsabilidade do estado ou do governo federal e vice-versa. Esse é um outro ponto que pode atrapalhar a gestão dos recursos financeiros. Saiba mais Estas duas leituras o ajudarão a entender melhor a judicialização da AF e seu impacto financeiro: STÉDILE, L. O. Há saída para a judicialização da assistência farmacêutica no Sistema Único de Saúde. Cadernos Ibero-Americanos de Direito Sanitário, v. 8, n. 4, p. 78-102, out.-dez. 2019. Disponível em: https://bit.ly/2XU7ooI. Acesso em: 27 out. 2021. INSTITUTO DE ESTUDOS SOCIOECONÔMICOS. Orçamento temático de acesso a medicamentos 2019. Brasília: Inesc, 2020. Disponível em: https://cutt.ly/MROTkJb. Acesso em: 25 out. 2021. Uma maneira de se tentar diminuir a judicialização, foi a instituição da Comissão Nacional de Incorporação de Tecnologias no Sistema Único de Saúde (Conitec), que existe desde 2011. Essa comissão assessora o Ministério da Saúde ao recomendar ou não a inclusão de medicamentos, tratamentos etc. ao SUS, em prazo máximo de 180 dias. A decisão da incorporação das tecnologias é feita com base em critérios técnicos, como eficácia, segurança e farmacoeconomia (relação entre custos e eficácia). Sendo assim, a Conitec, por meio de seus relatórios, pode qualificar as decisões judiciais e reduzir os impactos da judicialização. 4.2 Dados da judicialização da assistência farmacêutica Dentro da judicialização da saúde, o medicamento tem lugar de destaque, sendo a tecnologia mais utilizada no setor, sendo visto como um bem de consumo. Santos (2019) afirma que isso ocorre porque o medicamento faz parte da prática da medicina ocidental, porém sua garantia de acesso ainda é um desafio. A via judicial acaba se tornando uma alternativa para medicamentos indisponíveis no SUS, mas também para medicamentos que faltam nas unidades de saúde por vários motivos, mas que têm relaçãocom algum problema no ciclo da AF: seleção, programação, aquisição, armazenamento, distribuição e dispensação. 65 SERVIÇOS DE FARMÁCIA E SAÚDE PÚBLICA A União vem aumentando o investimento na compra de medicamentos ao longo dos anos. Em 2008, foram gastos R$ 9,1 bilhões, em 2013, R$ 14,9 bilhões, e, em 2019, R$ 19,8 bilhões. Como consequência, a porcentagem correspondente ao orçamento do Ministério da Saúde também aumentou de 9,9% em 2008 para 14,6% em 2019. Observe esses dados a seguir. 0, 09 9 0, 11 7 0, 12 6 0, 13 9 0, 10 4 0, 10 8 0, 13 2 0, 13 6 0, 1 0, 12 2 0, 15 8 0, 14 6 0 0% 10% 20% 30%19,8 17,417,1 19,9 16,716,4 14,9 13,213,3 10,910,3 9,1 2008 2010 2012 2014 2016 20182009 2011 2013 2015 2017 2019 5% 15% 25% 35% 5 10 15 20 25 Série 3 % correspondente ao total de gastos com medicamentos Figura 13 – Gastos do Ministério da Saúde com medicamentos, de 2008-2019, em bilhões (R$) e % correspondente ao orçamento do Ministério da Saúde Fonte: Instituto de Estudos Socioeconômicos (2020). Mesmo com esse aumento no investimento na compra de medicamentos, há um crescimento exponencial de gastos com as demandas judiciais. No início do SUS, década de 1990, as primeiras demandas estavam mais relacionadas à medicamentos para tratamento de HIV/aids. Com o passar dos anos, as demandas foram se modificando e outros medicamentos passaram a ser muito solicitados. Em seu trabalho, Santos (2019) aponta que, entre 2010 e 2015, o Governo Federal gastou R$ 2,7 bilhões com demandas judiciais. Outro dado relevante é que os gastos com as insulinas representaram 40% do total no ano de 2015. 1,3 1,35 1,05 1,43 1,3 0,95 0,02 0,025 0,036 0,04 0,056 0,075 0,07 0,059 0,075 0,066 0,61 0,49 0,34 0,22 2010 2012 2014 2016 20182011 2013 2015 2017 2019 Série 3 Gasto com judicialização Figura 14 – Gastos do Ministério da Saúde com judicialização de medicamentos, de 2010-2019, em bilhões (R$) e % do orçamento total Fonte: Instituto de Estudos Socioeconômicos (2020). 66 Unidade I Em relação ao ano de 2019, a maior parte dos gastos com judicialização foi com medicamentos do componente especializado da assistência farmacêutica (Ceaf), e aproximadamente 20% com medicamentos para infecções sexualmente transmissíveis (IST) e HIV/aids, que estão no Componente Estratégico da assistência farmacêutica (Cesaf). Olhando para o Distrito Federal, Silva, Almeida e Pessôa (2017) estudaram o gasto na judicialização de medicamentos entre setembro de 2014 e agosto de 2016. Nesse período, foram gastos R$ 43,7 milhões, sendo o fator IX recombinante, usado para tratar hemofilia B, o medicamento com maior demanda (22,53% dos gastos). Em relação às patologias, o maior número de ordens judiciais é para hemofilias (26,6%), câncer (24,9%) e doenças metabólicas (17,5%). Lopes e colaboradores (2010) fizeram um estudo com as ordens judiciais de medicamentos antineoplásicos (câncer) entre 2006 e 2007 no estado de São Paulo. Nesse período, foram gastos R$ 40 milhões em um total de 1.220 pedidos com apenas sete medicamentos (bevacizumabe, capecitabina, cetuximabe, erlotinibe, rituximabe, imatinibe e temozolomida). Nos municípios, o cenário é parecido. A Confederação Nacional dos Municípios (CNM) publicou uma pesquisa, em 2016 (ALBERT, 2016), sobre a situação dos municípios de todo o país em relação à judicialização. Dos 4.168 municípios que participaram, 49% relataram que, naquele momento, estavam respondendo a alguma ordem judicial. A pesquisa mostrou que havia 101 mil ações contra os municípios, com diferentes demandas. Os municípios também informam que usam diferentes maneiras de escapar da judicialização nas cinco regiões brasileiras. Os medicamentos responderam por 78% das ordens judiciais. Nessa pesquisa, o município com o maior número de ações do Brasil foi Piracicaba/SP, com 7.080. Dos 20 municípios com maior número de ações, dez são do estado de São Paulo. Os municípios foram perguntados sobre as dificuldades no cumprimento das ordens. O maior problema é a escassez de recursos financeiros (1.628 municípios), seguido por falta de profissionais especializados (647) e falta de estrutura adequada (518). Além dos custos diretos da judicialização com a compra de medicamentos, existem os custos indiretos com a estrutura que deve ser montada para atender as ordens judiciais. Há necessidade de farmacêuticos e profissionais administrativos para realizar as compras. Saiba mais Este estudo nos ajuda a compreender como a judicialização afeta os municípios brasileiros: ALBERT, C. E. Análise sobre a judicialização da saúde nos municípios. Revista Técnica CNM, p. 151-175, 2016. Disponível em: https://cutt.ly/BROIurL. Acesso em: 25 out. 2021. 67 SERVIÇOS DE FARMÁCIA E SAÚDE PÚBLICA 4.3 Farmacêuticos e a judicialização Considerando o que estudamos até o momento, fica claro que a judicialização da AF é causada por vários fatores, sendo um dos principais a ineficiência de políticas públicas. A judicialização pode desestruturar a organização e o orçamento público. As demandas judiciais são decididas por profissionais da área do direito, que não possuem formação técnica na área de saúde, podendo gerar erros e baixo aproveitamento dos recursos financeiros. Sendo assim, os farmacêuticos podem contribuir nessa área, principalmente na análise dos pedidos judiciais. Os farmacêuticos podem atuar nas fases pré-processuais, produzindo pareceres técnicos, com o objetivo de sanar o conflito antes da instalação do processo judicial. As áreas de atuação podem ser núcleos de conciliação, secretarias de saúde, CIM e defensoria pública. Também há possibilidade de os farmacêuticos trabalharem no Núcleo de Apoio Técnico (NAT-JUS), na fase processual. O NAT-JUS é uma equipe multidisciplinar ligada ao Poder Judiciário estadual, em que o farmacêutico fornece pareceres técnico-científicos (PTC) para ajudar o juiz de direito a tomar as decisões. A seguir, estão descritas as ações dos farmacêuticos na área de judicialização: • busca evidências científicas em fontes confiáveis; • identifica os medicamentos durante o atendimento; • orienta o paciente a acessar o medicamento na rede SUS; • orienta pacientes e prescritores sobre as justificativas que devem ser dadas para medicamentos prescritos fora de protocolos clínicos; • informa o paciente sobre modo de uso, reações adversas e interações medicamentosas; • faz pareceres técnico-científicos (PTC). O farmacêutico, com seu conhecimento técnico, atuando principalmente na fase pré-processual, pode diminuir ou qualificar as demandas. Em muitos casos, o problema pode ser resolvido apenas com a orientação de onde o paciente pode conseguir o medicamento. Exemplo de aplicação Reflita sobre alguns exemplos de solicitações de medicamentos em que o farmacêutico que trabalha na judicialização atua: • medicamentos integrantes da lista do componente especializado da assistência farmacêutica (Ceaf); • medicamentos pertencentes à Remume; • medicamentos experimentais, off label (uso que não consta em bula), sem registro na Anvisa. 68 Unidade I Resumo Nesta unidade, estudamos um pouco do histórico e do desenvolvimento da profissão farmacêutica no Brasil. A primeira faculdade de farmácia do Brasil foi criada em 1832. Nessa época, o farmacêutico preparava os medicamentos de forma artesanal e, com o advento da indústria farmacêutica, a produção artesanal começa a ser substituída pelas especialidades farmacêuticas. Os medicamentos passam a ser encarados como bens de cosumo. Em 1990, ocorre a regulamentação do SUS e, em 1998, é criada a Política Nacional de Medicamentos (PNM). Em 1999, é criada a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa). Em 1999, é instituído o medicamento genérico e, em 2004, publicada a Política Nacional de Assistência Farmacêutica (PNAF). A atenção primária em saúde (APS) começa a ganhar força no Brasil na década de 1990, com a adoção do modelo de unidade de saúde da família.Em 2006, a Política Nacional de Atenção Básica (PNAB) é criada. Você aprendeu que, durante o processo de construção dessas políticas, o Brasil vinha acumulando um aumento expressivo no número de procedimentos em saúde e observava-se o fenômeno de envelhecimento populacional, gerando aumento na demanda por medicamentos. Assim sendo, a PNM foi criada com o objetivo de garantir a produção de medicamentos com qualidade, tratamento farmacológico seguro e eficaz, além de incentivar o uso racional de medicamentos e melhorar o acesso da população àqueles chamados de essenciais. Nesse período, o Brasil começa a estruturar a AF por meio de programas (atenção básica, hipertensão e diabetes, tabagismo, DST/aids, artrite etc.), que são uma forma de organizar os medicamentos em diferentes categorias para facilitar a compra, controle e acesso. A PNAF surge em 2004, após seis anos da publicação da PNM. A PNAF é criada para consolidar as ações de AF no Brasil, com objetivo de ampliar o acesso dos medicamentos à população. Os medicamentos genéricos, criados em 1999, também vêm de um processo histórico que se inicia na década de 1970. Essa política é um marco na história da farmácia no Brasil, pois efetivamente amplia o acesso aos medicamentos e incentiva a inovação tecnológica por parte dos centros de pesquisa e indústria farmacêutica. 69 SERVIÇOS DE FARMÁCIA E SAÚDE PÚBLICA Por fim, o último assunto foi a judicialização da AF, que ocorre quando o paciente não encontra seu medicamento e busca seu direito por meio do poder judiciário. Se, por um lado, os cidadãos têm esse direito, por outro, a judicialização vem crescendo exponencialmente nas últimas décadas. Como consequência, ocorreu aumento expressivo nos gastos das três esferas de governo. Exercícios Questão 1. A partir da publicação da Lei dos Genéricos, os testes de bioequivalência passaram a ser exigidos de forma rotineira no Brasil, como requisito para o registro desse tipo de medicamentos e para que seja permitida a intercambialidade com o medicamento referência. Sobre esse tema, avalie as afirmativas. I – A possibilidade da intercambialidade entre medicamento genérico e medicamento referência foi instituída no Brasil por meio de alteração da Lei n. 6.360/76. II – O registro de medicamentos genéricos junto às autoridades sanitárias no Brasil passou a ter regras definidas por meio da Lei n. 9.787, de 1999, publicada antes da criação da Anvisa. III – A comparação entre as biodisponibilidades de dois produtos é necessária para a avaliação da bioequivalência entre eles. É correto o que se afirma em: A) I, apenas. B) II, apenas. C) I e III, apenas. D) II e III, apenas. E) I, II e III. Resposta correta: alternativa C. 70 Unidade I Análise das afirmativas I – Afirmativa correta. Justificativa: a Lei dos Genéricos, que institui a intercambialidade entre genérico e referência, é uma alteração da Lei n. 6.360/76. II – Afirmativa incorreta. Justificativa: o registro de medicamentos genéricos junto às autoridades sanitárias no Brasil passou a ter regras definidas por meio da Lei n. 9.787, de 10 de fevereiro de 1999 (“Altera a Lei n. 6.360, de 23 de setembro de 1976, que dispõe sobre a vigilância sanitária, estabelece o medicamento genérico, dispõe sobre a utilização de nomes genéricos em produtos farmacêuticos e dá outras providências”). Entretanto, a Lei dos Genéricos é posterior à publicação da lei que criou a Anvisa, a Lei n. 9782, de 26 de janeiro de 1999 (“Define o Sistema Nacional de Vigilância Sanitária, cria a Agência Nacional de Vigilância Sanitária, e dá outras providências”). III – Afirmativa correta. Justificativa: isso está contido na definição de bioequivalência, prevista na Lei dos Genéricos: “consiste na demonstração de equivalência farmacêutica entre produtos apresentados sob a mesma forma farmacêutica, contendo idêntica composição qualitativa e quantitativa de princípio(s) ativo(s), e que tenham comparável biodisponibilidade, quando estudados sob um mesmo desenho experimental”. Questão 2. A Portaria n. 3.916, de 30 de outubro de 1998, aprovou a Política Nacional de Medicamentos (PNM), que tem como base os princípios e as diretrizes do SUS e o propósito de garantir a segurança, a eficácia e a qualidade dos medicamentos disponibilizados à população. Sobre esse tema, avalie as afirmativas. I – A assistência farmacêutica, definida como a relação entre o farmacêutico e o paciente, é uma das diretrizes prioritárias da PNM. II – A promoção do uso racional de medicamentos, visando à redução do consumo de produtos desnecessários e ineficazes, é uma das diretrizes prioritárias da PNM. III – A revisão permanente da Rename, relação de todos os medicamentos comercializados no país, é uma das diretrizes prioritárias da PNM. 71 SERVIÇOS DE FARMÁCIA E SAÚDE PÚBLICA É correto o que se afirma em: A) I, apenas. B) II, apenas. C) I e III, apenas. D) II e III, apenas. E) I, II e III. Resposta correta: alternativa B. Análise das afirmativas I – Afirmativa incorreta. Justificativa: embora seja uma das diretrizes prioritárias da PNM (item 4 da Portaria n. 3.916/98), a assistência farmacêutica não é definida dessa forma. Conforme a PNM, a assistência farmacêutica é o: [...] grupo de atividades relacionadas com o medicamento, destinadas a apoiar as ações de saúde demandadas por uma comunidade. Envolve o abastecimento de medicamentos em todas e em cada uma de suas etapas constitutivas, a conservação e controle de qualidade, a segurança e a eficácia Terapêutica dos medicamentos, o acompanhamento e a avaliação da utilização, a obtenção e a difusão de informação sobre medicamentos e a educação permanente dos profissionais de saúde, do paciente e da comunidade para assegurar o uso racional de medicamentos. A relação entre o farmacêutico e o paciente faz parte do conceito de atenção farmacêutica. Conforme a RDC n. 67/2007, a atenção farmacêutica: [...] é um modelo de prática farmacêutica, desenvolvida no contexto da assistência farmacêutica. Compreende atitudes, valores éticos, comportamentos, habilidades, compromissos e co-responsabilidades na prevenção de doenças, promoção e recuperação da saúde, de forma integrada à equipe de saúde. É a interação direta do farmacêutico com o usuário, visando uma farmacoterapia racional e a obtenção de resultados definidos e mensuráveis, voltados para a melhoria da qualidade de vida. Esta interação também deve envolver as concepções dos seus sujeitos, respeitadas as suas especificidades bio-psico-sociais, sob a ótica da integralidade das ações de saúde. II – Afirmativa correta. Justificativa: a promoção do uso racional de medicamentos está prevista no item 4 da Portaria n. 3.916/98, como uma das diretrizes prioritárias da PNM. Conforme essa norma, o uso racional de medicamentos é: 72 Unidade I [...] o processo que compreende a prescrição apropriada; a disponibilidade oportuna e a preços acessíveis; a dispensação em condições adequadas; e o consumo nas doses indicadas, nos intervalos definidos e no período de tempo indicado de medicamentos eficazes, seguros e de qualidade. III – Afirmativa incorreta. Justificativa: a revisão permanente da Rename está prevista no item 4 da Portaria n. 3.916/98, como uma das diretrizes prioritárias da PNM. Entretanto, a Rename não é a relação de todos os medicamentos comercializados no país, mas sim a relação nacional de medicamentos essenciais. Segundo a PNM: [...] integram o elenco dos medicamentos essenciais aqueles produtos considerados básicos e indispensáveis para atender a maioria dos problemas de saúde da população. Esses produtos devem estar continuamente disponíveis aos segmentos da sociedade que deles necessitem, nas formas farmacêuticas apropriadas, e compõem uma relação nacional de referência que servirá de base para o direcionamento da produção farmacêutica e para o desenvolvimento científico e tecnológico, bem como para a definição de listas de medicamentos essenciaisnos âmbitos estadual e municipal, que deverão ser estabelecidas com o apoio do gestor federal e segundo a situação epidemiológica respectiva.