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PASSAGENS George McGovern (1922-2012), conservador que se tornou herói dos liberais e dedicou a vida ao combate à pobreza Carlos Eduardo Uns da Silva Em 1972, George McGovern sofreu a mais arrasadora derrota da história das eleições presi- denciais americanas para um homem, Richard Nixon, que, menos de dois anos depois, seria for- çado a renunciar ao cargo porque, se não o fizesse, sofreria sem dúvida o impeachment pelo Con- gresso do país. Só em duas das 51 unidades da Federação (Massachusetts e Distrito de Columbia), McGo- vem recebeu mais votos do que Nixon. Ele ficou com pouco mais de um terço do total em todos os estados. Mas sua campanha, sem dúvida fadada ao fracasso no ambiente de alta polarização ideológi- ca reinante na época em uma sociedade de maioria claramente conservadora, foi responsável pela entrada no jogo político-partidário de milhares de jovens que não viam seus interesses represen- tados desde o assassinato de Robert Francis Kennedy em 1968 e estavam à margem do sistema. Entre os rapazes e moças até então desiludidos que resolveram de novo se engajar na política estavam o futuro senador e pré-candidato à Presidência Gary Hart, o futuro presidente Bill Clin- ton e a então Hillary Rodhan, que mais tarde se tornaria primeira-dama, senadora, secretária de Estado, pré-candidata à Presidência e, quem sabe?, presidente. A plataforma da campanha de McGovern seria considerada radical ainda hoje, o que dirá 40 anos atrás. Dela, constavam: plano de seguro-saúde universal, cortes radicais no orçamento de defesa, anistia para todos os que haviam se recusado a servir às Forças Armadas durante a Guerra do Vietnã, desemprego zero e renda suplementar do Estado para retirar todos os americanos da pobreza. De certo modo, ele desempenhou para o seu partido, o Democrata, papel semelhante ao de Barry Goldwater para o Republicano, que em 1964, perdeu para Lyndon Johnson em proporções semelhantes às de McGovern em 1972. Ambos galvanizaram as bases de seus partidos com um discurso mais radical do que o da média, mas demonstraram que para voltarem a vencer eleições para a Casa Branca, eles teriam de moderá-lo em direção ao centro. Foi assim que Nixon ganhou em 1968 e Jimmy Carter em 1976. Carlos Eduardo Uns da Silva é o editor desta revista. 233 VOL2! N" 3 JAN!FEV!MAR 2013 PASSAGENS Mais curioso do ponto de vista humano, é que McGovern não tinha nada de radical em per- sonalidade ou estilo. Nada mais distante do comportamento de seus apoiadores hippies e revo- lucionários do que a maneira como ele agia na política ou na vida pessoal. Nascido e criado no interior do pacato e conservador estado de Dakota do Sul, McGovern era cristão devoto, totalmente contrário à legalização do aborto ou das drogas, teve apenas uma mulher, sua namorada desde os tempos de faculdade, sempre foi um moderado na sua atuação legislativa e na retórica política. Talvez o único valor que o aproximava dos liberais e esquerdistas que foram a base de sua campanha presidencial, era o do combate apaixonado contra a pobreza e contra os desníveis sociais. Neste sentido, ele foi radical. Mas, embora McGovern não fosse pacifista por princípio, como os que lhe deram apoio (ele foi herói na Segunda Guerra Mundial, quando serviu à Força Aérea), não via propósito na par- ticipação dos EUA nos combates do Vietnã e, por isso, se opôs a ela quase solitariamente no Congresso, quando senador, por muitos anos. Tirar as tropas americanas do Vietnã com a maior rapidez possível era um dos pontos centrais de seu programa, e isso o fez tão popular entre jovens e liberais. McGovern passou quatro anos na Câmara e dez no Senado antes de se candidatar à Presidên- cia. Não foi um legislador produtivo. Mas deixou sua marca na estrutura de organização interna do Partido Democrata. Após a traumática convenção nacional de Chicago, em 1968, ele liderou um movimento que alterou por completo as regras para a escolha do candidato à Presidência, tornando-as muito mais abertas à participação dos eleitores comuns, por meio das primárias, e menos sujeita às decisões dos caciques em salas fechadas como havia sido a norma até então. Além da atuação no Senado, onde ao lado de William Fulbright, outro conservador que virou ídolo dos liberais, comandou a oposição à Guerra do Vietnã, a outra área de atuação importante na carreira de McGovern foi o comando da entidade Food for Peace, que lhe foi entregue pelo presidente John Kennedy em 1961. Seu trabalho à frente dela resultou, em grande parte, no World Food Programme da ONU, talvez o seu principal legado ao mundo. Em 1998, Bill Clinton o nomeou como embaixador dos EUA junto à Organização das Nações Unidas para Agricultura e Alimentação, cargo que exerceu por quatro anos, período em que se destacou na elaboração de programas de alimentação escolar em países pobres. Em 2002, ele e o senador Bob Dole, do Partido Republicano, lideraram uma campanha nos EUA que resultou na criação de um programa pelo qual o país se comprometeu a apoiar esforços da ONU nesse sentido dali em diante. Ele e Dole ganharam juntos em 2008 o Prêmio Mundial da Alimentação. George Stanley McGovern nasceu em 1922, na pequena cidade agrícola de Avon, Dakota do Sul, filho de um pastor metodista. Voluntariou-se para a Força Aérea dos EUA no dia seguinte ao ataque japonês a Pearl Harbor, em 1941. Após a guerra, voltou para universidade, doutorou-se em História e se tornou professor em Dakota do Sul. Ingressou no Partido Democrata em 1952, movido pela campanha de Adlai Stevenson à Presidência, que o atraiu por fazer constar em seu programa a luta contra a pobreza. Tornou-se presidente do partido em seu estado, elegeu-se deputado em 1956 e senador em 1962. Resolveu disputar a candidatura democrata em 1972 como completo azarão: ela parecia des- tinada a seu colega Ed Muskie, senador por Maine. Mas Muskie viu seus, planos desabarem na primeira eleição primária, de New Hampshire, quando, ao responder à alegações de que sua mulher era alcóolatra, chorou em público e frente às câmeras e, por isso, ficou marcado como uma pessoa frágil, incapaz de exercer a Presidência bem. Sem Muskie no páreo, McGovern teve de enfrentar o ex-vice-presidente Hubert Humphrey, que havia sido derrotado por Nixon em 1968 e era considerado inviável por isso e pela herança da conturbada convenção de Chicago, e o então governador de Alabama George Wallace, que 234 POLíTICA EXTERNA GEORGE MCGOVERN (1922-2012) estava muito à direita da maioria do partido, com seu discurso ainda segregacionista num país que lutava para implantar os direitos civis para todos. A convenção em Miami não foi pacífica, e a vitória de McGovern sobre Humphrey e Walla- ce foi apertada, prenúncio do que viria na campanha final contra Nixon, que, apesar de ter sido sempre considerado como franco favorito para ganhar a reeleição, lançou mão dos recursos mais escusos para minar ainda mais a já debilitada campanha de McGovern, inclusive a invasão de seu escritório central, localizado no edifício Watergate em Washington, para roubar docu- mentos que pudessem comprometê-Io. Nada que pudesse ter sido achado em Watergate comprometeria tanto a campanha de McGovern como a maneira desastrada com que ele lidou com a revelação, verdadeira, de que seu companheiro de chapa, senador Thomas Eagleton, havia sido tratado nos anos 1960 contra depressão com terapia de eletrochoque, fato que, para muitos, o tornava inepto para o cargo. McGovern primeiro disse que ficaria "mil por cento" ao lado de Eagleton, mas poucos dias depois o substituiu na chapa por Sargent Shriver, cunhado de John e Robert Kennedy. O candi- dato, anos depois, reconheceu que este foi um dos principais erros que levaram sua campanha à humilhante derrota em novembro. McGovern permaneceu no Senado até 1980, quando perdeu a quarta reeleição. Após a nova derrota, abandonou a vida pública e se dedicou a organizações não governamentais de comba- te à pobreza. Seus dois filhos, ambos alcóolatras, tiveram morte trágica em 1994 e em 2011.Ele escreveu um livro sobre seus dramas familiares, que incluíam o fato de sua mulher sofrer de depressão. Ela, Eleanor, morreu em 2004. Poucos meses antes de morrer, McGovern publicou uma espécie de testamento político, no qual reafirmou sua crença na necessidade de combater a pobreza e os desníveis de renda na sociedade americana. O livro teve alguma repercussão na campanha do presidente Barack Obama pela reeleição. Novembro de 2012 235 VOL2! N" 3 JAN/FEV/MAR 2013