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ARTRITE REUMATÓIDE DEFINIÇÃO Doença inflamatória crônica sistêmica caracterizada por agressões articulares autoimunes Sinovite crônica → autoanticorpos atacando a membrana sinovial (sinóvia) → gera um tecido granulomatoso → pannus ETIOFISIOPATOLOGIA Mulher, entre 35 a 55 anos Fatores de risco genéticos: polimorfismos do gene HLA- DRB1 → codificam sequência de aminoácidos denominada epítopo compartilhado Fatores de risco ambientais: tabagismo → citrulinação; microbioma intestinal e infecções periodontais; influência hormonal; obesidade e alimentos (café e carne vermelha) Fisiopatologia: Antígenos “self” passam a ser reconhecidos como antígenos “non-self” → são apresentados aos linfócitos T → estimulam linfócitos B → produção de autoanticorpos → fator reumatóide e anticorpo antipeptídeo citrulinado cíclico (anti-CCP) ● Coestimulação → linfócitos T migram para a membrana sinovial ● Produção de citocinas inflamatórias → TNF e IL-6 → formação de tecido granulomatoso de caráter invasivo (pannus) → se expande → SINOVITE Concomitante, ocorre osteoclastogênese → causa osteopenia periarticular → AR como fator de risco para osteoporose QUADRO CLÍNICO Manifestações articulares: Início insidioso → semanas a meses → com piora progressiva Dor: padrão inflamatório → piora com repouso e melhora com atividade. Padrão de acometimento articular: ● POLIARTICULAR: mais de 4 articulações acometidas ● CRÔNICA: sinovite presente há 6 semanas ou mais ● ADITIVA: as articulações acometidas acumulam-se com o passar do tempo ● SIMÉTRICA: acomete as mesmas articulações nos dois lados do corpo ● PEQUENAS E GRANDES ARTICULAÇÕES: especialmente metacarpofalangeanas, interfalangeanas proximais, punhos e joelhos Squeeze test: compressão das articulações metacarpofalangeanas e metatarsofalangeanas e o paciente refere dor Outros sintomas: Rigidez matinal prolongada (>1h de duração) + sinais de sinovite: ● Dor, edema e limitação à movimentação ● Dedos fusiformes Deformidades: Desvio ulnar (subluxação da articulação) + desvio radial do punho → mão em z ou “dedos em ventania Edema de punhos e metacarpofalanges + atrofia da musculatura interóssea → mão em corcova de camelo. Há duas deformidades que afetam as articulações interfalangeanas proximais e distais que decorrem do processo inflamatório das articulações, tendões e ligamentos: ● Dedo em pescoço de cisne: hiperextensão das interfalangeanas proximais e flexão das distais ● Dedo em botoeira: flexão das interfalangeanas proximais e hiperextensão das distais Podem surgir outras condições: síndrome do túnel do carpo, dedo em gatilho (tenossinovite estenosante dos flexores) e roturas tendíneas. Sinal da tecla: derrame articular nos joelhos → causa perda dos sulcos e aumento de volume articular. ● Sinal caracterizado pelo movimento de sobe e desce da patela após mobilização do líquido sinovial no joelho e compressões ativas. Cisto poplíteo (de Baker): acúmulo de líquido intra- articular + distensão posterior da cápsula → gera dor local e limitação de movimento. Dedo em martelo: processo inflamatório na região das metatarsofalangeanas. ● Também há: pé chato e desvio do eixo dos dedos Envolvimento do esqueleto axial: Coluna vertebral: cefaleia occipital + cervicalgia → pior complicação é a subluxação atlantoaxial → causa mielopatia por compressão medular no canal vertebral ● Sinais de alarme: diminuição da sensibilidade e força em MMSS e MMII, hiperreflexia e disfunção de esfíncteres. Quando NÃO suspeitar de AR? ● Monoartrite/oligoartrite ● Acometimento de interfalangiana distal ● Acometimento de coluna torácica, lombo-sacra e sacroilíaca ● Artrite aguda ou migratória Manifestações extra-articulares Sintomas constitucionais: fadiga, astenia, mal-estar, redução do apetite e perda de peso. Fatores de risco: FR +. anti-CCP +, tabagismo, sexo masculino, presença de HLA-DRB1*04 Manifestações cutâneas Principal: Nódulos subcutâneos → firmes, indolores, mm a cm de tamanho e surgem geralmente em áreas de atrito (cotovelos, superfície extensora dos antebraços e articulações dos dedos) Outros: dermatoses neutrofílicas (síndrome de Sweet e pioderma gangrenoso). Manifestações oculares Principal: ceratoconjuntivite seca associada à Síndrome de Sjogren Outras: episclerite e esclerite Manifestações pulmonares 50-70% dos casos de AR Nódulos reumatóides: geralmente assintomáticos. Tamanhos variáveis, localização subpleural ou septal e podem cavitar. DF com neoplasias, infecções fúngicas e TB. Síndrome de Caplan: AR + pneumoconiose (exposição ocupacional ao carvão, sílica e asbesto) → formação de múltiplos nódulos pulmonares que obstruem o fluxo aéreo. Pleurite: manifestação mais frequente. ● Unilateral, exsudato com glicose baixa e proteína e DHL altas, células gigantes multinucleadas, pH baixo, colesterol elevado. Doença intersticial pulmonar: fibrose assimétrica nas bases. Causa dispneia e tosse seca com estertores crepitantes. ● Na TC: pneumonia intersticial usual (fibrose nas bases, aspecto em faveolamento e bronquiectasias de tração) e pneumonia intersticial não específica (áreas de vidro fosco) Manifestações cardiovasculares AR é fator de risco cardiovascular → aterosclerose e doença coronariana precoce. Doenças cardiovasculares são a principal causa de morte na AR. Pericardite: manifestação mais comum. Assintomática na maioria, pode complicar para tamponamento cardíaco e pericardite constritiva. Nódulos reumatóides no miocárdio, pericárdio e valvas. Manifestações vasculíticas Púrpura palpável principalmente em MMII associada à vasculite leucocitoclástica. Arterite distal com hemorragias, isquemia e gangrena de extremiades → vasculite de pequenas artérias Manifestações neurológicas ● Polineuropatia (sensitiva ou sensitivo- motora) ● Mononeurite múltipla Manifestações hematológicas Síndrome de Felty → esplenomegalia, anemia neutropenia, trombocitopenia e AR (mnemônico SANTA) Pacientes mais velhos com AR de longa data e FR positivo Manifestações renais É incomum, envolve glomerulonefrite e vasculite. Se paciente apresentar proteinúria e síndrome nefrótica → suspeitar de amiloidose do tipo AA (ou secundária). Manifestações osteometabólicas AR é fator de risco para osteoporose!! EXAMES COMPLEMENTARES Laboratório Hemograma: anemia de doença crônica e plaquetose; leucopenia e neutropenia. PCR e VHS aumentados Fator antinúcleo (FAN) positivo em 30 a 50% dos pacientes → mas não reflete presença de autoanticorpos específicos Artrocentese: líquido sinovial ● Na AR: caráter inflamatório, com celularidade entre 2.000/mm³ a 50.000/mm³ com 20% a 75% de polimorfonucleares Autoanticorpos Fator reumatóide: representado por um uma imunoglobulina M (IgM) direcionada contra uma IgG. ● Métodos: nefelometria é mais utilizado, pois tem maior acurácia que os métodos de látex e Waaler-Rose. ● Presente em 70 a 80% dos pacientes com AR; sensibilidade de 65% a 75% e especificidade de 80 a 85%. ● A ausência de FR NÃO exclui o diagnóstico e sua presença isolada não define a doença. O que fazer se houver dúvida diagnóstica ou se o paciente tiver quadro clínico de AR, mas o FR for negativo?? SOLICITAR O ANTI-CCP!!!! Anti-CCP possui maior especificidade (95%) e sensibilidade para diagnóstico de AR. No entanto, cerca de 20% dos pacientes têm AR soronegativa → FR e anti-CCP são negativos. ● Apresentam melhor prognóstico! Exames de imagem Os primeiros sítios acometidos em mãos e punhos são as metacarpofalangeanas (principalmente 2ª e 3ª), interfalangeanas proximais e processo estiloide da ulna e, nos pés, as metatarsofalangeanas. Solicitar sempre bilateralmente!!Raio-X: exame de escolha, solicitar no diagnóstico e durante o seguimento. ● Achados iniciais: edema de partes moles (inflamação) e osteopenia periarticular (ação de citocinas e ativação dos osteoclastos). ● Posteriormente: erosões ósseas marginais, redução simétrica do espaço articular ● Quadros avançados: perda completa do espaço articular com fusão óssea (anquilose). ○ A ocorrência mais marginal ou periférica das erosões se dá porque essas áreas estão em contato direto com a sinóvia e não possuem a proteção conferida pela cartilagem, tornando-se mais sujeitas à invasão pelo pannus Seta fina: osteopenia periarticular Círculo: redução simétrica do espaço articular Setas grossas: erosões ósseas marginais Ressonância magnética: método mais sensível, mas pouco utilizado. DIAGNÓSTICO Atenção: Todo paciente adulto que apresente queixas de pequenas e grandes articulações há mais de 6 semanas deve ter artrite reumatoide como hipótese diagnóstica. Critérios classificatórios para artrite reumatoide segundo o ACR (1987): 1. Rigidez matinal de, pelo menos, 1 hora até a melhora máxima. 2. Artrite de três ou mais áreas articulares(interfalangeanas proximais, metacarpofalangeanas, punhos, cotovelos, joelhos, tornozelos e metatarsofalangeanas) simultaneamente afetadas e observadas por um médico. 3. Artrite das articulações das mãos (punhos, metacarpofalangeanas e interfalangeanas). 4. Artrite simétrica (envolvimento simultâneo de áreas de ambos os lados do corpo). 5. Nódulos reumatoides (nódulos subcutâneos sobre áreas de proeminência óssea, superfícies extensoras ou em regiões justa-articulares). 6. Fator reumatoide sérico positivo. 7. Alterações radiográficas (radiografias em incidência póstero-anterior de mãos e punhos demonstrando rarefação óssea justa-articular ou erosões). Os 4 primeiros devem estar presentes por pelo menos 6 semanas e o paciente tem AR se preencher 4 dos 7 critérios. Critérios classificatórios para artrite reumatoide segundo o ACR/EULAR (2010) Acometimento articular (0-5) 1 grande articulação 2-10 grandes articulações 1-3 pequenas articulações 4-10 pequenas articulações > 10 articulações (pelo menos 1 pequena) Pontos 0 1 2 3 5 Sorologia (0-3) ● FR - e anti-CCP + ● FR + ou anti-CCP + em baixos títulos (< 3x o limite superior da normalidade) ● FR + ou anti-CCP + em altos títulos (> 3x o limite superior da normalidade 0 2 3 Duração dos sintomas (0-1) < 6 semanas ≥ 6 semanas 0 1 Provas de atividade inflamatória (0-1) PCR e VHS normais PCR ou VHS anormais 0 1 Para diagnóstico definitivo, é necessária pontuação maior ou igual a 6. DIAGNÓSTICO DIFERENCIAL Artrites infecciosas virais: hepatites B e C, HIV e infecção pelo parvovírus B19; arboviroses (especialmente Chikungunya). Doenças do tecido conjuntivo: lúpus eritematoso sistêmico e da síndrome de Sjögren. Artrites microcristalinas: gota e doença por deposição de pirofosfato de cálcio. Artrite psoriásica: lesões cutâneas + artralgia Em idosos: poliartrite paraneoplásica e polimialgia reumática. TRATAMENTO Principal objetivo: controlar atividade da doença → melhora sintomática, prevenção de sequelas, redução do risco cardiovascular e melhora na qualidade de vida Métricas: índices ou instrumentos para avaliar a atividade da doença. Disease Activity Score: avalia 28 articulações (DAS28) ● Número de articulações dolorosas (0 a 28) ● Número de articulações edemaciadas (0 a 28) ● Valor do PCR ou VHS (para cada um deles há uma fórmula diferente) ● Nota do paciente baseada no VAS (escala visual analógica) para avaliação global da saúde (0-10 mm) Tratamento medicamentoso As medicações são divididas em: Sintomáticas: drogas que atuam no alívio da dor. AINES e glicocorticoides. Drogas antirreumáticas modificadoras do curso da doença (DMARDs): retardam ou previnem a progressão radiológica, são drogas de ação imunomodulatória. São divididas em sintéticas e biológicas. *Inibidores da JAK (tofacitinibe) são considerados pequenas moléculas sintéticas alvo-específicas, mas, para fins de indicação no tratamento da AR e seguimento dos pacientes, devem ser encarados como um imunobiológico. Fluxograma de tratamento da SBR 1º linha de tratamento ● Monoterapia com DMARD sintético (preferencialmente MTX) OU combinação de DMARDs sintéticos (preferencialmente incluindo MTX) Se toxicidade, ausência de resposta em 3 meses ou não atingir o alvo em 6 meses: ● Troca do DMARD sintético OU combinação de DMARDs sintéticos (preferencialmente incluindo MTX) Se toxicidade, ausência de resposta em 3 meses ou não atingir o alvo em 6 meses: 2º linha de tratamento ● Iniciar DMARD biológico OU iniciar um inibidor da JAK preferencialmente associados a um DMARD sintético (MTX, se possível) Se toxicidade, ausência de resposta em 3 meses ou não atingir o alvo em 6 meses: 3º linha de tratamento ● Trocar DMARD biológico por outro, dentre os de primeira escolha mencionados acima OU trocar DMARD biológico por anti-CD20 preferencialmente associados a um DMARD sintético (MTX, se possível) ● Se paciente estava em uso de inibidor da JAK, trocar por um DMARD biológico dentre os de primeira escolha mencionados acima OU por anti- CD20 preferencialmente associados a um DMARD sintético convencional. EM TODAS AS FASES: glicocorticoide sistêmico (prednisona ou equivalente) ou articular e/ou AINE. Sintomático: De modo geral, para controle das queixas articulares, utilizamos doses de prednisona de, no máximo, 15 mg/dia ou AINEs em dose plena, desde que respeitada sua posologia. Analgésicos são úteis no controle da dor decorrente das sequelas da doença. Tratamento com DMARDs Droga de primeira escolha: Metotrexato (MTX) ● Iniciar com doses de 7,5 mg a 12,5 mg por semana até a dose máxima de 25 mg por semana. ● Associar SEMPRE ácido fólico → 5 mg por semana ou 1 mg/dia ● Outra opção de associação: ácido folínico em doses de 2,5 mg a 5 mg semanais MTX age competindo com a enzima diidrofolato redutase, na falta do ácido fólico, os pacientes apresentarão eventos adversos, como citopenias isoladas (especialmente anemia megaloblástica) ou mesmo pancitopenia Não é errado iniciar o tratamento da AR com leflunomida ou sulfassalazina, mas essas drogas devem ser preferencialmente prescritas caso haja falha, intolerância ou toxicidade ao MTX. Já os antimaláricos, como cloroquina e hidroxicloroquina, devem ser utilizados em associação com outros DMARDs. Em pacientes com fatores de pior prognóstico: usar combinação das DMARDs. → MTX + antimalárico, MTX + leflunomida e MTX + sulfassalazina. Na falha à monoterapia ou à dupla combinação inicial: trocar DMARDs sintéticos ou iniciar “tripla terapia” → MTX + antimalárico + leflunomida, por exemplo. Antes de trocar um DMARD por considerá-lo ineficaz, deve-se utilizar essa droga em sua dose máxima preconizada. Na segunda linha, iniciar DMARDs biológicos ou inibidor da JAK → são drogas alvo-específicas. ● Inibição de citocinas inflamatórias: ○ Anti-TNF: Infliximabe, Adalimumabe, Certolizumabe, Golimumabe e Etanercept ○ Anti-IL6: Tocilizumabe ● Modulador da coestimulação de linfócitos T: Abatacept ● Inibição da sinalização celular via JAK: Tofacitinibe Na terceira linha, usar Depletor de Linfócitos B (anti- CD20): Rituximabe Independentemente do biológico ou inibidor da JAK, devemos, sempre que possível, manter um DMARD sintético convencional associado, sendo o metotrexato a droga de escolha. Remissão da doença: ● Iniciar descalonamento das drogasutilizadas sempre iniciando por aquelas de ação sintomática. ● A última droga a ter sua dose reduzida até que seja possível sua suspensão é o DMARD sintético. Tratamento não medicamentoso: ● Reavaliações a cada 3 meses. ● Cessação do tabagismo ● Reabilitação motora, → fisioterapia e terapia ocupacional Tratamento cirúrgico: Indicações cirúrgicas: ● Complicações neurológicas decorrentes da subluxação atlantoaxial ● Artroplastia e artrodese em pacientes com deformidadesseveras apresentando dor e/ou limitação funcional PROGNÓSTICO Danos articulares, incapacidade funcional e aumento de mortalidade associado ao risco cardiovascular. Outras complicações: infecções e neoplasias linfoproliferativas. Fatores de pior prognóstico: ● Início de doença em idade precoce ● Tabagismo ● Anti-CCP positivo ● FR positivo em altos títulos ● PCR e VHS persistentemente elevados ● Erosões precoces (até 2 anos de doença) ● Acometimento extra-articular ● Alta contagem de articulações edemaciadas Acometimento de grandes articulações ● HLA-DRB1 (“epítopo compartilhado”) ● Limitação funcional ● Baixo nível socioeconômico