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e-Book- Unidade I 001

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CONSELHO TUTELAR
Objetivos:
UNIDADE 
1
1.1 Introdução
 O Conselho Tutelar é o órgão público municipal com previsão no Estatuto 
da Criança e Adolescente - ECA, no art. 131 e seguintes, além de outros vários 
dispositivos, que compõe o Sistema de Garantia de Direitos da Criança e do 
Adolescente, que tem para o desempenho de seu relevantíssimo mister as 
características de ser permanente, autônomo, não jurisdicional, encarregado pela 
sociedade de zelar pelo cumprimento dos direitos da criança e do adolescente. 
 Enquanto permanente, se entende a imprescindibilidade do órgão, além de 
compreender também o funcionamento continuado e ininterrupto (art. 134 ECA), não 
havendo possibilidade de dissolução de suas atividades. Mas, caso ocorra, deverão 
ser tomadas providências administrativas e judiciais para seu restabelecimento, além 
da apuração de responsabilidade do gestor público que tenha dado causa. Trata-se 
•	 Identificar o abuso e a violência sexual de crianças e adolescentes;
•	 Conhecer o papel da sociedade no enfretamento da violência se-
xual contra crianças e adolescentes;
•	 Conhecer o sistema de prevenção, intervenção e enfrentamento 
desta violência e seus principais desafios.
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de serviço público essencial voltado à proteção e defesa de interesse coletivo, que 
deve funcionar independentemente do porte do município (art. 132 e 135 do ECA).
 
 Pela autonomia, compreende-se não haver vinculação direta à administração 
pública municipal; subordinação à organização pública municipal (não compõe qualquer 
secretaria); ingerência no entendimento do colegiado e, portanto, no exercício de sua 
atividade, que, em muitas ocasiões, vai demandar e exigir serviços do poder público. 
 A autonomia é então uma característica, mas, sobretudo uma prerrogativa 
para a atuação independente, sempre sob amparo e nos limites legais das diretrizes, 
princípios e valores que norteiam o serviço público, pois ao mesmo tempo que é 
órgão que fiscaliza, também é fiscalizado pelo Conselho Municipal de Direitos da 
Criança e do Adolescente, Ministério Público, Justiça da Infância e pela sociedade 
de forma geral, e ainda pelos seus pares.
 Órgão não-jurisdicional, uma vez que não integra o Poder Judiciário e não exerce, 
portanto, jurisdição, atuando em âmbito administrativo. Em muitas ocasiões pode e 
deve provocar o Judiciário quando representa para instauração de procedimento de 
apuração de infração administrativa, até mesmo contra os pais (art. 194 ECA).
 A forma de composição e ingresso na função é sui generis no serviço público, 
por processo de escolha (art. 139 ECA), que entre suas etapas prevê a consulta 
pública, dando assim efetiva participação popular na definição das diretrizes do 
serviço de proteção da localidade.
 No enfrentamento da violência sexual, por todas as características acimas 
explicitadas, tem papel fundamental na garantia de direitos das crianças e 
adolescentes, por estar mais próximo à comunidade.
1.2 Das atribuições e atuação 
 O Estatuto da Criança e do Adolescente, em vários dispositivos, elenca 
atribuições do Conselho Tutelar, dando ao órgão todo um instrumental de atuação 
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que vai desde a aplicação direta de medidas de proteção à crianças e aos 
adolescentes (art. 101 ECA), como medidas aos pais e responsáveis (art. 129,do 
ECA), passando por requisição direta ao poder público por serviços e políticas 
públicas (art. 101, V ECA). Noutros momentos, exerce fiscalização de serviços 
(art. 95) ou até representa judicialmente para instauração de procedimento e para 
responsabilização (art. 191 e 194, do ECA). 
 A aplicação direta significa que, de forma autônoma, impõe medidas ao 
identificar situações de risco ou de violação (art. 98 ECA), tanto aos genitores como 
a crianças e adolescentes. O Estatuto, em regra geral, ao dispor destas medidas 
o faz pela estruturação do texto e dos incisos dos artigos 101 e 129 do ECA, uma 
ordem crescente, em escala de intensidade. 
 Tanto é assim, que os incisos I e II do art. 101 do ECA falam, inicialmente, 
em encaminhamento aos pais e em orientação, como medidas de proteção. 
Considerada a vulnerabilidade, risco, ou deterioração das relações e necessidade 
de fortalecimento dos vínculos, realizará a inclusão no serviço (art. 101, IV e art. 
129 I ECA). Poderá ainda realizar a advertência (art. 129VII ECA) ao genitor faltoso 
de seus deveres e em último, como intervenção mais severa de aplicação direta, a 
medida de acolhimento institucional, esgotadas as possibilidades de intervenção e 
em não havendo família extensa apta ao recebimento (art. 101, VII ECA).
 O estatuto é muito claro ao dizer que na aplicação das medidas preferir-se-á 
aquelas que visem o indispensável, necessário e adequado à efetiva promoção e 
que busquem fortalecimento, manutenção ou reintegração da unidade familiar, 
sempre com base nos princípios da prevalência da família, intervenção precoce-
preventiva, proporcionalidade e da intervenção mínima (art. 100, caput, e inc. 
VI, VII,VIII e X ECA), entre outros princípios.
 Porém, em determinados casos, em razão do grau de violação ou de risco, 
medidas preventivas e de manutenção na família não serão possíveis, mas em tais 
casos deverá restar muito claro e justificado a impossibilidade, do contrário, a pretexto 
de proteger, estaremos punindo novamente a vítima. Os exemplos mais notórios: 
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i) Identificado ambiente familiar com abusador sexual, se afasta a criança do 
lar quando o certo seria afastar o agressor; 
ii) A genitora que não realizou a denúncia é levada à responsabilização e tolhi-
da do contato dos filhos por não ter formalizado a denúncia de abuso, quan-
do não foi observada sua condição pessoal.
 O foco da medida não é punição, mas a preservação da integridade física, 
psicológica e sexual, por isso a intervenção deve levar em consideração se o 
risco ou violação está acontecendo no momento em que a decisão é tomada pelo 
colegiado, por isso se fala em princípio da atualidade (art. 100, VIII ECA). Falhas 
passadas podem ser averiguadas e responsabilizadas em outros procedimentos, 
como o de responsabilização administrativa ou mesmo criminal.
 O conselheiro tutelar é estratégico por sua atuação comunitária, por meio de 
orientação e apoio às crianças, e aos adolescentes, e aos genitores, pode inclusive mediar 
conflitos, orientar em direitos, evitando agravamento de uma situação ou judicialização de 
casos. Foi essa, inclusive, a intenção do estatuto: a descentralização e desjudicialização, 
sempre que possível, buscando-se a resolutividade, uma vez que não há prevalência, 
hierarquia ou sobreposição de atividades numa atuação intersetorial de rede.
 Por outro lado, é importante lembrar que o órgão de proteção não presta 
diretamente os serviços de assistência, saúde ou educação, de maneira que sua atuação 
fica comprometida sem as estruturas e equipamentos próprios de execução de políticas. 
 Sendo assim, restringe-se a atuação do conselho, quando ao identificar na 
atuação, uma situação de drogadição na família (art. 129, II ECA) e não existir na 
localidade o serviço de atendimento da dependência química, e assim reduzirá 
sobremaneira sua atuação preventiva de danos, resolutiva e de desjudicialização. 
Além dos equipamentos, é imprescindível definir também fluxos de atendimento e 
a criação de um comitê de gestão nos conselhos de direitos1.
1 Lei 13.431/17, estabelece o sistema de garantia de direitos da criança e do adolescente vítima ou 
testemunha de violência e trata da escuta especializada e depoimento especial, disponível em http://
www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2015-2018/2017/Lei/L13431.htm
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 Se precisar acionar integrantes do sistema de justiça, poderá fazê-lo como 
mais adiante se verá, mas também pode demandar, em alguns casos, diretamente 
ao poder judiciário, como quando representa em razão de irregularidade de 
entidade de atendimento (art. 191 ECA), ou mesmo na hipótese de penalidade 
administrativa (art. 194 ECA). Outra importantemedida é o requerimento ao juiz 
(art. 148, VII ECA), pela aplicação de medida de acolhimento institucional (art. 
101, VII ECA).
CASO HIPOTÉTICO: um conselheiro pode, ao identificar um adolescente em 
situação de exposição, realizar o encaminhamento aos pais (art. 101, I ECA), 
fazer a orientação ao jovem (art. 101,II ECA), bem como aos genitores, com 
entrega de notificação e termo de responsabilidade (art. 101, I ECA). Vendo que 
existe necessidade de maiores orientações do núcleo familiar, encaminhar ao 
CRAS (129, I ECA) ou ao CREAS, se for o caso de fortalecimento de vínculos. 
Identificada evasão escolar, ausência de matrícula na escola ou necessidade 
de saúde, provocar o serviço (art. 101 III ECA). Se houver comprometimento 
com drogadição ou saúde mental do adolescente e de genitor, provocar o 
serviço específico (art. 101 VI e 129 II, III ECA), caso exista o Centro de 
Atenção Psicossocial – CAPS, a depender do grau de especialização do 
equipamento (ex. álcool e drogas, infantil e o nível). Constatada reiteração 
da situação de exposição ligada a descumprimento dos deveres do poder 
familiar (art. 249 ECA), poderá representar para instauração de procedimento 
de responsabilização (art. 194 ECA) e medidas mais severas, se assim o 
caso indicar, como providências e solicitações junto ao Ministério Público ou 
Defensoria Pública, para colocação em família substituta, providências de 
suspensão ou perda do poder familiar, ou até providenciar pelo acolhimento 
institucional, caso não localize família extensa.
 
Decreto Presidencial n. 9603/18, que regulamenta a Lei 13.431/17, e define a criação de comitê de 
monitoramento e a definição de fluxos de atendimento, como o compartilhamento de informações e 
atuação articulada, disponível em http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2015-2018/2018/Decre-
to/D9603.htm;
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1.3 Atuação no enfrentamento à violência sexual 
 No campo da violência sexual, em muitos momentos, é o Conselho Tutelar o 
primeiro integrante do sistema de garantias de direitos a ser acionado. Por sua atuação 
comunitária, se torna um dos principais referenciais à sociedade de combate à violação 
da dignidade sexual.
 Assim como o Conselho Tutelar, temos duas ações para tomar: orientação 
familiar de comparecimento à delegacia para dar notícia crime e/ou providenciar 
a representação. Isso está no CPP (Código de processo penal) artigo 5º, quem que 
dá início à ação penal? O ofendido ou quem o represente. Então, se você recebeu 
essa informação, você irá aconselhar os pais ou responsáveis a irem até a delegacia 
para que eles iniciem o inquérito policial, além de requisitar a instauração do inquérito 
(quando eles verbalizam esse crime, eles estão requisitando a instauração do inquérito). 
 Existe um segundo mecanismo que o conselho tutelar vai usar sempre: 
mesmo que a família tenha ido ou não à delegacia, o conselheiro tutelar vai cumprir 
o artigo 136 inciso 4º que diz “encaminhar ao Ministério Público notícia de fato que 
constitua infração administrativa ou infração penal” e o estupro de vulnerável é 
uma infração penal. Então, vamos estabelecer dois casos: vamos supor que veio 
a denúncia, a mãe foi aconselhada pelo Conselho a ir à delegacia, ela foi e tudo 
vai acontecer. Ao mesmo tempo, o conselheiro reúne a informação que chegou a 
ele. Ele não investiga e não notifica o suposto violentador, então o conselheiro fará 
uma notícia de fato e vai encaminhar para o Ministério Público, mesmo que a mãe 
tenha ido à delegacia, porque assim o conselheiro cumprirá o artigo 136 inciso 
4º, chegará o momento em que o Ministério Público vai receber o Conselho, e da 
delegacia a informação a respeito daquela violação de direito. Quando a família não 
quer ir à delegacia, você vai encaminhar ao MP uma notícia de fato de uma ação 
que constitui uma infração penal (que é o estupro de vulnerável), então o promotor 
requisitará a instauração do inquérito (como está previsto no CPP artigo 5º), assim 
serão feitos todos os exames, a perícia e a investigação. 
97
 Para finalizar, a primeira ação é cuidar da vítima, requisitando atendimento 
de saúde, porque dentro de 72 horas há ações importantes que a saúde tem que 
tomar: a profilaxia da gravidez, todas a profilaxias, às quimioflaxias, profilaxia do HIV, 
da Hepatite, até do tétano, então isso é o mais importante, fazer o encaminhamento 
da criança vítima para o atendimento de saúde.
 Em resumo, a primeira observação a ser feita é a regra de idade, 0 a 14 
anos incompletos é estupro de vulnerável. Passando de 14 anos completos, se o 
adolescente não tiver nenhuma doença mental que lhe limite o discernimento para 
a prática do ato, e se não houver violência ou grave ameaça, é conflito familiar.
 Segunda informação, ao receber a denúncia, alguém da família deve ir à 
delegacia, podendo o conselheiro tutelar mandar uma notícia de fato com 
as informações para o MP. O conselheiro tutelar encaminha a vítima para os 
atendimentos, em especial de saúde e depois à psicoterapia.
Noutros casos, como a identificação de violência em serviço de saúde e 
educação, a comunicação é obrigatória ao órgão de proteção (Art. 13 e 56 ECA). 
Também serão obrigadas entidades públicas e privadas que atuem nas áreas 
de promoção e defesa da criança, e mesmo as pessoas encarregadas por razão 
de cargo, função, ofício, ministério, profissão ou ocupação, do cuidado, assistência 
ou guarda de crianças e adolescentes (art. 70-B p. único e art. 94 ECA).
Para além da apuração e proteção, também tem importante papel de 
fomento a práticas preventivas pela divulgação e treinamento da sociedade (art. 
136, XII ECA)2, ou até mesmo no assessoramento do executivo municipal na 
elaboração de peça orçamentária para plano ou programa na área da violência 
sexual ou qualquer outra (art. 136 IX ECA).
2 Abuso sexual se insere na categoria de maus tratos: “uma situação de ultrapassagem de limites, de 
direitos humanos, legais, de poder, de papéis, do nível de desenvolvimento da vítima, do que esta 
sabe e compreende, do que o abusado pode consentir, fazer e viver, de regras sociais e familiares e 
de tabus. E que as situações de abuso infringem maus tratos às vítimas” - Faleiros, E. T. S., & Cam-
pos, J. O. (2000). Repensando os conceitos de violência, abuso e exploração sexual de crianças e 
de adolescentes. Brasília: Unicef. Recuperado em setembro, 2004, disponível em http: www.cecria.
org.br/banco/violencia.htm 
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Quanto a estes últimos aspectos, temos mais uma vez a faceta da 
desjudicialização que se sobressai, pois tão importante quanto o eixo da 
responsabilização e judicialização é o eixo de proteção, prevenção, garantias de 
direitos e acesso a políticas de atendimento específicos, que precisam ser acionadas 
independente do processo judicial em curso. 
Recebida a denúncia, deverá o conselho tutelar apurá-la logo através de 
visitas, preferencialmente na localidade de violação. O contato servirá inclusive 
para identificar se é o caso de aplicação de medidas protetivas de urgência, como 
cuidados médicos ou até mesmo a colocação em família extensa, quando, por 
entender necessário o afastamento do convívio familiar, comunicará incontinenti 
o fato ao Ministério Público (art. 136, XI ECA), e, em último caso, o acolhimento 
institucional (art. 101, VII ECA). 
A atuação requer cautela, pois, não raro, o violador passa a hostilizar não 
só a vítima, mas qualquer um que busque a elucidação, e em situações que possam 
resultar em risco, o conselheiro tutelar poderá solicitar apoio policial. Sugere-se 
que a abordagem seja realizada com dois conselheiros3. Cumpre esclarecer que 
impedir ou embaraçar a ação do Conselho Tutelar se constitui em crime, 
previsto no art. 236 do ECA, com pena prevista em seis meses a dois anos, já o 
descumprimento de determinação do órgão constitui-se em infração administrativa 
(art. 249 ECA).
Importante esclarecer que a averiguação de uma denúncia de abuso 
sempre será com o enfoque na preservação da criança e do adolescentevítima da 
violação, portanto, com objetivo de proteção e não a investigação do caso para fins 
de responsabilização do agressor, papel que caberá à autoridade policial, muito 
embora documentos produzidos pelo órgão de proteção, como relatórios de visitas, 
ofícios e petições, possam ser utilizados como meios de provas que auxiliem na 
investigação ou no processo judicial.
3 Guia prático do Conselho Tutelar, do Ministério Público do Estado de Goiás - http://www.mpdft.
mp.br/portal/pdf/unidades/promotorias/pdij/Conselhos/guia_conselheirotutelar11.pdf
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Além de apuração, o acompanhamento do caso (art. 101, II ECA) é outra 
medida de extrema relevância. Serve para constatar o cumprimento das medidas 
protetivas aplicadas pelo próprio conselho, como também para identificar, por 
exemplo, que a vítima se encontra em risco por aproximação do agressor, ou 
que uma ordem judicial de afastamento perimetral (art. 130 ECA) não vem sendo 
cumprida.
 ATENÇÃO!
Saber manejar a Metodologia de Atendimento Social de Casos é fundamental para o trabalho do 
Conselho Tutelar: receber, estudar, encaminhar e acompanhar casos.
O Conselho Tutelar também pode provocar integrantes do sistema 
de justiça4, quando entender necessário o afastamento do convívio familiar, 
oportunidade em que comunicará incontinenti o fato ao Ministério Público (art. 
136p. único ECA), prestando-lhe informações sobre os motivos de tal entendimento 
e as providências tomadas. Pode também representar ao Ministério Público para 
efeito das ações de perda ou suspensão do poder familiar, após esgotadas as 
possibilidades de manutenção da criança ou do adolescente junto à família natural 
(art. 136, XI ECA). 
Nas duas hipóteses também poderá acionar a Defensoria Pública, para que 
ingresse em favor de um interessado5, por pedidos de afastamento perimetral 
(art. 130 ECA), guarda (art. 33 e art.129 VIII ECA), tutela (art. 36 ECA), adoção (art. 
39 ECA), ou mesmo com ação de suspensão ou perda do poder familiar (art. 129, 
X ECA). 
4 Compõem o sistema de Justiça a Defensoria Pública, o Ministério Público e o próprio Poder Judi-
ciário.
5 Exemplos: Tio, Irmão, Avô, Padrinho ou pessoa que a vítima tenha vínculos de afinidade e afetivi-
dade.
100
CASO HIPOTÉTICO: o conselho tutelar foi notificado pela escola da sua área de 
cobertura sobre a ocorrência de violência sexual contra uma menina (art. 55 ECA), 
oportunidade em que se buscará informações do contexto e teor da revelação com 
o professor e assim evitar repetição de questionamentos e consequentemente a 
revitimização da vítima e da família. Ao realizar a apuração, com a visita ao domicílio, 
caso tenha de perguntar, atento a abordagem, buscará informações indispensáveis 
nos limites de sua função precípua, que é de resguardar a criança (art. 7º da Lei 
n. 13.431/2017). Na visita, identificou que a criança ainda possuía sinais físicos da 
violência e sua roupa íntima ficara com vestígios de sangue. Percebeu-se tratar 
de violência extrafamiliar, proveniente de um vizinho que ainda rondava a família, 
buscando intimidar e assim preservar a impunidade. Já a genitora, além do temor, 
ao saber da situação, teria entrado em profunda depressão, sendo que ambas as 
situações a impediam de sair de casa.
Possíveis providências 
i) Requerer atendimento de saúde em equipamento especializado para aten-
dimento de tal natureza, e caso não exista, na unidade hospitalar, de que 
deve possuir atendimento emergencial, integral e multidisciplinar, visando ao 
controle e ao tratamento dos agravos físicos (profiláticos) e psicológicos (lei 
12.845/2013, art. 1º e 3º); 
ii) Providências para submeter a pessoa violada a exame de corpo de delito, 
em auxílio a elucidação, bem como instauração de procedimento de investi-
gação policial, e demostrando a necessidade ou periculosidade do agressor, 
o delegado poderá representar pela prisão preventiva, bem como o Ministé-
rio Público; 
iii) Serviço de atendimento em saúde mental à genitora, no CAPS;
iv) Serviço de apoio e promoção da família, do CRAS ou de fortalecimento de 
vínculos no CREAS;
v) Em paralelo, comunicar o Ministério Público ou a Defensoria Pública para 
pedido de afastamento perimetral do vizinho (art. 130 ECA). Lembrando que 
sempre a prioridade é afastar o agressor do ambiente e não tirar a criança da 
101
convivência familiar, salvo demonstrada a impossibilidade de permanência, 
hipótese em que poderão ser acionados o Ministério Público (art. 136 p. 
único), ou Defensoria Pública, em favor de um interessado. Em último 
caso, ou de urgência eminente, o acolhimento.
É importante o acompanhamento do conselho para saber se as medidas 
protetivas estão sendo efetivadas, inclusive sobre eventual reaproximação do 
agressor. Caso requisite outros serviços, buscará compartilhar informações com 
o integrante da rede e assim evitar abordagens repetitivas e revitimizadoras.6 
O caso hipotético em análise, nos leva à reflexão de casos de subnotificação 
e dos motivos que muitas vezes levam famílias a não levar o caso ao conhecimento 
das autoridades competentes, seja por medo, ameaças, descrença, dependência 
econômica e outras medidas que precisam ser analisadas no caso concreto, em 
vez de julgamentos precipitados sobre a ausência da notificação.
A responsabilização do agressor é muito importante, tão importante quanto 
garantir a proteção e atendimento integrado à vítima. Com efeito, tão efetivas 
quanto às medidas judiciais deveriam ser as providências administrativas, com 
a devida resolutividade e atendimento das demandas por intersetorialidade e 
integração das políticas. 
Inclusive, a integração operacional entre as instituições e atores da rede de 
proteção é uma das vertentes mais relevantes, seja na política de prevenção (art. 
70-A, II ECA), como na aplicação de medidas que precisam ser agilizadas para que 
cumpram sua finalidade (art. 88, VI ECA).
1.4 Os desafios na atuação dos conselhos tutelares 
Em que pese todo arcabouço de prerrogativas de atuação do Conselho Tutelar, 
os desafios impostos são grandes obstáculos que impactam diretamente na atividade 
diária, mas sobretudo para a concretização dos direitos de crianças e adolescentes.
6 Decreto 9603/18, art. 9º, II, d, que trata do compartilhamento de informações.
102
O primeiro eixo é o interno, dada a grande precariedade estrutural da 
grande maioria dos conselhos tutelares pelo país. As reclamações vão desde as 
estruturas prediais, passando por equipamentos e até carros para transporte. A 
formação continuada (art. 134, p.único ECA) também é outro grande desafio que 
pende de efetivação, além das violações às prerrogativas de atuação.
No segundo eixo, o externo, em função das dificuldades dos serviços 
públicos de assistência, saúde e educação. O comprometimento da saúde pública, 
falta de vagas em creches, de equipamento de tratamento à drogadição, são 
apenas lgumas das lacunas que reverberam na atuação dos conselheiros. O órgão 
de proteção sozinho não resolve as violações sem a retaguarda de serviços.
Terceiro eixo, o de interação, ante a desarticulação, superposição de tarefas, 
por vezes até a repetição de tarefas por autores que atuam em ilhas herméticas, 
sem fluxo e integração. Por vezes, os integrantes da rede sequer se conhecem 
pessoalmente, ou quando o fazem, não são raros os desentendimentos que refletem 
em afastamento das instituições. A ausência de interação, ou a deterioração daquela 
que já existiu, limita as comunicações a ofícios, burocracia que atrasa a resposta e 
medidas efetivas de proteção.
PARA REFLETIR:
Para a eficácia da ação em rede são necessários alguns 
requisitos que se constroem no processo: horizontalidade dos 
setores; representação de diversas instituições por intermédio 
de seus líderes; corresponsabilidade de trabalho; divisão de 
recursos e informações; autonomia das instituições parceiras 
para decidir, planejar, executar ações que visem à coletividade; 
capacidade de incorporar novas parcerias e permitir a saídade instituições ou pessoas; e sustentabilidade. Estes aspectos 
por si sós não garantem um movimento exitoso, mas são 
ao mesmo tempo pré-requisitos e parâmetros de ação. Os 
problemas que mais prejudicam o trabalho em rede são: 
103
disparidade de compreensão; divergências políticas; vaidades 
pessoais; conflitos de papéis entre as entidades participantes; 
rotatividade dos profissionais que atuam nas instituições 
parceiras; diferentes ritmos de trabalho; e incompatibilidade 
de quadros referenciais de vida”7
1.5 Conclusão
O fenômeno da violência sexual contra crianças e adolescentes impõe 
enormes desafios ao Sistema de Garantia de Direitos. Neste contexto, o Conselho 
Tutelar tem papel de destaque, por se tratar de equipamento próximo à comunidade, 
que, inclusive, é quem escolhe dentre os seus, aquele que exercerá tão importante 
função. Para o desempenho de seu objetivo, o Conselho Tutelar foi dotado de várias 
prerrogativas, entre elas a autonomia do poder público, além de instrumentos, como 
medidas de proteção e poder de requisição, para uma efetivação de direitos. 
Por outro lado, a precarização de sua estrutura e ausência de formação 
continuada dos conselheiros são obstáculos à plenitude da atuação, enquanto 
que a fragilidade das políticas públicas de saúde, educação e assistência, aliada 
à ausência de integração ente os atores de sistema de garantia de direitos são 
condições externas que restringem o alcance de atuação. 
Por fim, o fomento à proteção social de nossas crianças e adolescentes é 
uma importante bandeira, inclusive para que a sociedade compreenda o papel do 
Conselho Tutelar, que muitas vezes tem sua atuação incompreendida, isso aliado 
à mudança de mentalidade exclusivamente repressora ao agressor, uma vez que é 
mais importante garantir a proteção, recuperação e acompanhamento da vítima da 
violência, preservando seu desenvolvimento saudável. 
7 PAULA, Lívia de. SUAS e Conselho Tutelar: para que serve a crítica? Diponível em: https://psico-
logianosuas.com/2017/07/03/suas-e-conselho-tutelar-para-que-serve-a-critica/
104
RESUMO 
Nesta Unidade, abordamos aspectos do Conselho Tutelar, bem como 
tratamos de sua atuação, mais especificamente voltada para o enfrentamento da 
violência sexual contra crianças e adolescentes, seja na defesa individual, mas 
também pensando no fomento à política de proteção, além de atuação estratégica 
junto à comunidade para a prevenção de casos. 
REFERÊNCIAS
CF. Constituição da República Federativa do Brasil. Disponível em: http://www.
planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm. Acesso em: 15 set. 2020.
ECA. Estatuto da Criança e do Adolescente. Disponível em: http://www.planalto.
gov.br/ccivil_03/leis/l8069.htm. Acesso em: 15 set. 2020.
NJAINE, Kathie; ASSIS, Simone Gonçalves de; MINAYO, Maria Cecília de Souza; 
GOMES, Romeu. Redes de Prevenção à Violência: da utopia à ação. Ciência & 
Saúde Coletiva. Rio de Janeiro, v.11, n.2, 2007. Disponível em: https://www.arca.
fiocruz.br/handle/icict/215. Acesso em: 15 set. 2020.

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