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UNIVERSIDADE ESTADUAL DE MONTES CLAROS CENTRO DE CIÊNCIAS HUMANAS DEPARTAMENTO DE ARTES CURSO DE LICENCIATURA EM ARTES/HABILITAÇÃO EM MÚSICA Lenilce da Silva Reis Santana “MÚSICA PARA OLHAR DO LADO DE DENTRO”: A Educação Musical e sua influência para o desenvolvimento de crianças com Transtorno do Espectro Autista Montes Claros-MG Novembro/2019 Lenilce da Silva Reis Santana “MÚSICA PARA OLHAR DO LADO DE DENTRO”: A Educação Musical e sua influência para o desenvolvimento de crianças com Transtorno do Espectro Autista Monografia apresentada ao curso de Licenciatura em Artes - Habilitação em Música da Universidade Estadual de Montes Claros como exigência para obtenção de grau de Licenciado em Artes – Habilitação em Música. Orientador (a): Ma. Maria Odília de Quadros Pimentel Montes Claros-MG Novembro/2019 Lenilce da Silva Reis Santana “MÚSICA PARA OLHAR DO LADO DE DENTRO”: A Educação Musical e sua influência para o desenvolvimento de crianças com transtorno do espectro autista Monografia apresentada ao curso de Licenciatura em Artes - Habilitação em Música da Universidade Estadual de Montes Claros como exigência para obtenção de grau de Licenciado em Artes – Habilitação em Música. Membros : _______________________________________________________ Orientador(a): Professor(a): Maria Odília de Quadros Pimentel _______________________________________________________ Professor (a): Ms Daniel Aguiar Novais ____________________________________________________ Professor(a): Esp Elizabeth Alves Meira Santos Montes Claros-MG Novembro/2019 DEDICATÓRIA Sim, milagres existem! Por isso, dedico este trabalho ao meu milagre: minha filha amada Lavínia Vitória! AGRADECIMENTOS Foram horas de sono a menos e muitas horas de choro a mais. Nunca foi fácil e nunca foi sorte! Sempre foi Deus! Ao Deus que me criou, seu fôlego de vida em mim me foi sustento. Agradeço por ter me dado força e sabedoria para concluir este trabalho. Também agradeço a Ele por ter colocado em minha vida pessoas tão especiais, que foram e são essenciais para minha vida pessoal e minhas práticas docentes e acadêmicas. O meu agradecimento: Aos meus saudosos pais, meus exemplos de integridade e resiliência; Ao meu esposo Dercy, pelo amor e apoio incondicional, por acreditar em minhas conquistas e suportar as horas de ausência de dia e, muitas noites; À minha filha, luz da minha vida, Lavínia Vitória, que por ela tento incansavelmente ser uma pessoa melhor; Aos meus irmãos, Davi e Lei, pois sei que, mesmo de longe, torceram a todo instante por mais essa conquista e, especialmente à Isma, pelo amor, por acreditar em mim e pelos gráficos da madrugada; Aos familiares e a família que a vida me deu, principalmente às TRU’s, que de forma direta e indireta me ajudaram ao longo dessa jornada; À Tia Lê por seu amor incondicional e claro, suas valorosas correções; À Mada, pelo carinho imenso e as caronas, à Cau, meu carinhoso grilo falante; Aos netos, Helena, Davi e Pedro por serem ainda tão pequeninos, suportarem a ausência da avó; À Sandra, companheira e amiga que, como um anjo de Deus, me ajudou em todos os momentos sem questionar; Aos anjos azuis, porque sem eles, esse trabalho não seria possível; À ANDA, pelo abrigo e à sua presidente, Vanda, pelo carinho e acolhimento; À psicóloga e à psicopedagoga, que gentilmente acreditaram e prontamente se propuseram a colaborar com o meu trabalho; Ao grupo PET-Artes/Música, todos os seus integrantes e aos colegas acadêmicos voluntários que tão diligentemente abraçaram a ideia do projeto para que ele acontecesse; Às minhas alunas, onde quer que estiverem, pela torcida, por entenderem a ausência e pelo amor imenso; À minha orientadora, Maria Odília, que com muita paciência, carinho e confiança me acolheu e me ajudou a concluir este trabalho; À prof.ª Maria Amélia, carinhosamente Mel, pela compreensão diária e ajuda inestimável; Ao prof. Daniel a minha gratidão com um carinho imensurável, pois suas atitudes provam que sempre há anjos em forma de professor em nossas vidas; Aos demais professores, que contribuíram com todos os ensinamentos para que hoje eu alcançasse essa graduação; Ao coordenador, Luiz, por sua prontidão e complacência em minhas dificuldades; E a todos os demais amigos, que de alguma forma contribuíram ou torceram por mais essa conquista. A todos vocês, muito obrigada! O Senhor tem poder sobre todas as coisas. Busque-O e creia nele de todo o coração (Jeremias 17:7). O Senhor é o meu Pastor e Nada me faltará! (Salmos 23:1). RESUMO O presente trabalho apresenta resultados de um projeto de pesquisa que foi desenvolvido na Associação Norte Mineira de apoio ao Autista (ANDA), na cidade de Montes Claros e teve como objetivo compreender de que maneira as atividades de educação musical podem influenciar no desenvolvimento de crianças no espectro autista inscritas no projeto “Música para olhar do lado de dentro”. O transtorno do espectro autista é um transtorno global do desenvolvimento, que se caracteriza por alterações significativas na tríade comunicação, interação social e comportamento. Partindo do pressuposto de que a música tem seu valor próprio, pois carrega em si traços de identidade cultural, social e histórica, além de importante forma de comunicação, manifestou em mim um interesse particular em desenvolver um trabalho que apontasse como a educação musical poderia contribuir com o universo autista. Para tanto, idealizei um projeto de musicalização que procura atender crianças autistas inscritas na ANDA. Ao discorrer sobre o assunto, investiguei os conceitos centrais do tema pesquisado estabelecendo as conexões dentro do estado da arte. Optei pelo método da pesquisa-ação com abordagem qualitativa. Foram quatro participantes com idades de quatro a seis anos, inseridos nas oito aulas propostas semanalmente durante o segundo semestre de 2019. Através de um instrumento de avaliação musical, foram analisados musicalmente, e tiveram acompanhamento psicopedagógico e psicológico. Os resultados quanto às habilidades musicais, apresentaram crescimento gradativo no decorrer do processo com a utilização de conceitos musicais como: ritmo, parâmetros do som, improvisação, imitação e apreciação musical. Os resultados extramusicais apontaram melhorias na comunicação, linguagem falada, interação social, expressão, coordenação motora e psicomotricidade em geral. Cada vez mais a educação musical tem sido disseminada em variados contextos, alcançando resultados favoráveis para o desenvolvimento global do ser humano. Oportunizar às crianças com TEA, um ambiente musical estimulará e motivará o aprendizado de uma nova linguagem, contribuindo para o desenvolvimento de habilidades, tais quais a socialização e a linguagem, auxiliando no crescimento sociocultural desse público. Palavras-chave: Educação Musical. Educação Musical Inclusiva. Transtorno do Espectro Autista. ABSTRACT The present work results from a research project that was developed at the North Mineira Association Support for Autisticpeople (ANDA), in the city of Montes Claros, whose aim was to understand how music education activities can influence in the development of children, with autistic spectrum, inscribed in the project “Music to look inside”. Autism Spectrum Disorder is a global mental disorder of development that is characterized by significant changes in the triad communication, social interaction and behavior. Assuming that music has its own value, because it carries traces of cultural, social and historical identity, as well as an important form of communication, a particular interest was expressed in me in developing a work that pointed out as musical education, could contribute to the autistic universe. To this end, I devised a musicalization project that seeks to meet autistic children inscribed in ANDA. To discuss the subject proposed in this project, I sought to understand and clarify the central concepts of the researched theme establishing the connections within the state of the art. I opted for the action research method with a qualitative approach. There were four participants from four to six years old in the eight classes weekly proposed in the second semester of 2019. Through a musical evaluation instrument, they were musically analyzed and they had psycho-pedagogical and psychological accompaniment. The regarding results of the musical skills showed gradual growth during the process of musical concept, such as rhythm, sound parameters, improvisation, imitative and musical appreciation. The extra musical results indicated improvements in communication, spoken language, social interaction, expression, motor coordination and general psychomotor skills. Increasingly music education has been disseminated in various contexts, achieving favorable results for the global development of the human being. Providing a musical environment for children with ASD may provide an opportunity for new language by stimulating musical perceptions. At the same time enabling the skills development, including socialization and language, contributing to its growth culturally and socially. Keywords: Music Education. Inclusive Music Education. Autistic Spectrum Disorder. LISTA DE ILUSTRAÇÕES CAPÍTULO I FIGURA 1 - Níveis de gravidade para o transtorno do espectro autista ........................... 20 CAPÍTULO II FIGURA 2 – Diagrama da pesquisa Ação .......................................................................... 26 CAPÍTULO III FIGURA 3 – Acolhimento .................................................................................................. 39 FIGURA 4 – Cumprimento com abraço.............................................................................. 39 FIGURA 5 – Cumprimento com as mãos ........................................................................... 39 FIGURA 6 – Cumprimento gesto de força .......................................................................... 40 FIGURA 7 – Cumprimento com beijo ................................................................................ 40 LISTA DE QUADROS, TABELAS E GRÁFICOS CAPÍTULO III GRÁFICO 01 – Hadassa – habilidade 1 .............................................................................. 50 GRÁFICO 02 – Hadassa – habilidade 2 .............................................................................. 50 GRÁFICO 03 – Hadassa – habilidade 3 .............................................................................. 51 GRÁFICO 04 – Hadassa – habilidade 4 .............................................................................. 51 GRÁFICO 05 – Hadassa – habilidade 5 .............................................................................. 52 GRÁFICO 06 – Hadassa – habilidade 6 .............................................................................. 52 GRÁFICO 07 – Hadassa – habilidade 7 .............................................................................. 53 GRÁFICO 08 – Hadassa – habilidade 8 .............................................................................. 53 GRÁFICO 09 – Hadassa – habilidade 9 .............................................................................. 53 GRÁFICO 10 – Hadassa – habilidade 10 ............................................................................ 53 GRÁFICO 11 – Príncipe Azul – habilidade 1 ..................................................................... 55 GRÁFICO 12 – Príncipe Azul – habilidade 2 ..................................................................... 55 GRÁFICO 13 – Príncipe Azul – habilidade 3 ..................................................................... 55 GRÁFICO 14 – Príncipe Azul – habilidade 4 ..................................................................... 55 GRÁFICO 15 – Príncipe Azul – habilidade 5 ..................................................................... 56 GRÁFICO 16 – Príncipe Azul – habilidade 6 ..................................................................... 56 GRÁFICO 17 – Príncipe Azul – habilidade 7 ..................................................................... 57 GRÁFICO 18 – Príncipe Azul – habilidade 8 ..................................................................... 57 GRÁFICO 19 – Príncipe Azul – habilidade 9 ..................................................................... 57 GRÁFICO 20 – Príncipe Azul – habilidade 10 ................................................................... 57 GRÁFICO 21 – Totossauro – habilidade 1 ......................................................................... 59 GRÁFICO 22 – Totossauro – habilidade 2 ......................................................................... 59 GRÁFICO 23 – Totossauro – habilidade 3 ......................................................................... 60 GRÁFICO 24 – Totossauro – habilidade 4 ......................................................................... 60 GRÁFICO 25 – Totossauro – habilidade 5 ......................................................................... 60 GRÁFICO 26 – Totossauro – habilidade 6 ......................................................................... 60 GRÁFICO 27 – Totossauro – habilidade 7 ......................................................................... 61 GRÁFICO 28 – Totossauro – habilidade 8 ......................................................................... 61 GRÁFICO 29 – Totossauro – habilidade 9 ......................................................................... 61 GRÁFICO 30 – Totossauro – habilidade 10 ....................................................................... 61 GRÁFICO 31 – J.M. – habilidade 1 .................................................................................... 62 GRÁFICO 32 – J.M. – habilidade 2 .................................................................................... 62 GRÁFICO 33 – J.M. – habilidade 3 .................................................................................... 63 GRÁFICO 34 – J.M. – habilidade 4 .................................................................................... 63 GRÁFICO 35 – J.M. – habilidade 5 .................................................................................... 63 GRÁFICO 36 – J.M. – habilidade 6 .................................................................................... 63 GRÁFICO 37 – J.M. – habilidade 7 .................................................................................... 64 GRÁFICO 38 – J.M. – habilidade 8 .................................................................................... 64 GRÁFICO 39 – J.M. – habilidade 9 .................................................................................... 64 GRÁFICO 40 – J.M. – habilidade 10 ..................................................................................64 GRÁFICO 41 – Geral – Habilidade 1 ................................................................................. 66 GRÁFICO 42 – Geral – Habilidade 2 ................................................................................. 67 GRÁFICO 43 – Geral – Habilidade 3 ................................................................................. 67 GRÁFICO 44 – Geral – Habilidade 4 ................................................................................. 68 GRÁFICO 45 – Geral – Habilidade 5 ................................................................................. 69 GRÁFICO 46 – Geral – Habilidade 6 ................................................................................. 70 GRÁFICO 47 – Geral – Habilidade 7 ................................................................................. 71 GRÁFICO 48 – Geral – Habilidade 8 ................................................................................. 71 GRÁFICO 49 – Geral – Habilidade 9 ................................................................................. 72 GRÁFICO 50 – Geral – Habilidade 10 ............................................................................... 72 LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS ABNT: Associação Brasileira de Normas Técnicas ANDA: Associação Norte Mineira de Apoio ao Autismo APA: Associação Americana de Psicologia CEPs: Comitês de Ética em Pesquisa (CEPs) CID: Classificação Internacional de Doenças CNS: Conselho Nacional de saúde DSM- 5: Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais NBR: Normas Brasileiras de Referências PET: Programa de Educação Tutorial TCLE: Termo de Consentimento Livre e Esclarecido TEA: Transtorno do Espectro Autista TDAH: Transtorno do Déficit de Atenção com Hiperatividade TGD: Transtornos Globais do desenvolvimento UNIMONTES: Universidade Estadual de Montes Claros SUMÁRIO INTRODUÇÃO ...................................................................................................................... 15 1.1 Autismo .............................................................................................................................. 18 1.1.1 Nível 1: leve (necessita de pouco suporte) ...................................................................... 21 1.1.2 Nível 2: moderado (necessitam de suporte) .................................................................... 21 1.1.3 Nível 3: severo (necessitam de maior suporte/apoio) ..................................................... 21 1.2 Educação Musical Inclusiva ............................................................................................ 22 2. CAPÍTULO 2 – PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS ........................................ 25 2.1 Tipo de pesquisa ............................................................................................................... 25 2.2 Universo da pesquisa ........................................................................................................ 27 2.3 Fases da Pesquisa-ação ..................................................................................................... 27 2.3.1 Planejamento ................................................................................................................... 28 2.3.2. Ação ................................................................................................................................ 28 2.3.3 Monitoramento ................................................................................................................ 30 2.3.4 Avaliação ......................................................................................................................... 30 2.4 Instrumentos de coleta de dados ..................................................................................... 30 2.5 Organização e análise dos dados ..................................................................................... 31 2.6 Comitê de ética .................................................................................................................. 31 3.1 Apresentação dos alunos participantes .......................................................................... 33 3.1.1 Hadassa ........................................................................................................................... 33 3.1.2 Príncipe azul .................................................................................................................... 35 3.1.3 Totossauro ....................................................................................................................... 36 3.1.4 J.M. .................................................................................................................................. 37 3.2 Descrição das aulas ........................................................................................................... 39 3.3 Olhar dos profissionais ..................................................................................................... 44 3.3.1 Olhar da Psicopedagogia ................................................................................................ 45 3.3.2 Olhar da Psicologia ........................................................................................................ 47 3.4 Avaliação ........................................................................................................................... 48 3.4.1 Aula em grupo ................................................................................................................. 48 3.4.2 Aula Individual ................................................................................................................ 49 3.4.3 Representação gráfica do comportamento das habilidades musicais de Hadassa durante as aulas de música .................................................................................................................... 49 3.4.4 Representação gráfica do comportamento das habilidades musicais de Príncipe Azul durante as aulas de música ...................................................................................................... 54 3.4.5 Representação gráfica do comportamento das habilidades musicais de Totossauro durante as aulas de música ...................................................................................................... 58 3.4.6 Representação gráfica do comportamento das habilidades musicais de J.M. durante as aulas de música ........................................................................................................................ 62 3.5 Comparação dos resultados individuais ......................................................................... 65 CONSIDERAÇÕES FINAIS ................................................................................................. 78 REFERÊNCIAS ..................................................................................................................... 80 APÊNDICES ........................................................................................................................... 86 APÊNDICE 1 - Roteiro de Questionário Psicólogo e Psicopedagogo ................................ 86 APÊNDICE – Termo de Autorização para uso de Informação e Imagem ...................... 87 APÊNDICE 3 - Roteiro de Questionário Pais e/ou Responsáveis ..................................... 88 ANEXOS ................................................................................................................................. 89 ANEXO 1- Instrumento de Avaliação Musical ................................................................... 89 ANEXO 2 - Formulário de Inscirção ...................................................................................90 ANEXO 3 - Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (Pais e/ou Responsaveis) ...... 95 ANEXO 4 - Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (Profissionais) ....................... 97 ANEXO 5 - Termo de Concordância da Instituição para Participação em Pesquisa ...... 99 ANEXO 6 – Planos de Aula ................................................................................................. 101 15 INTRODUÇÃO A música me acompanha desde criança. Trabalho voluntariamente aproximadamente há vinte anos com musicalização infantil e educação musical na igreja em que frequento, no entanto, nunca pensei que faria dela uma profissão. Meu coração me levou primeiro para as áreas biológicas, no entanto, um ano após eu ter formado, sofri uma lesão neurológica grave, na qual perdi a coordenação motora e muita força muscular, fazendo com que eu me despedisse, antes mesmo de começar, da profissão escolhida. Ao olhar o mercado de trabalho, minha primeira escolha foi o curso de direito, porém, um sentimento mais forte fez com que eu mudasse a opção para o curso de música no último dia de escolha. A pesquisa sempre me fascinou, e o fato de viver uma doença rara e ter vivido momentos em uma cadeira de rodas, fez com que meu olhar sublimasse mais atentamente para as pessoas com necessidades especiais. Muitas vezes, não temos chance de mostrar do que somos capazes, devido à nossa limitação. Iniciei o curso, com três anseios: levar a musicalização para a Fundação Sara e hospitais; vivenciar a musicalização com pessoas com autismo e trabalhar musicalização na faculdade, como se vê em outras universidades que possuem curso de música. Consegui alcançar meus anseios com exceção do trabalho em hospitais e isso por si só, já é uma grande vitória para mim, diante dos vários obstáculos que se apresentaram. Não sei explicar exatamente, o porquê de ter escolhido o autismo. Foi um forte sentimento, como um chamado. Para tanto, procurei a Associação Norte Mineira de Apoio ao Autismo (ANDA) e apresentei a ideia a fim de desenvolver minha pesquisa nesta instituição como trabalho de conclusão de curso. Fui atendida pela presidente da ANDA que prontamente aceitou e manifestou grande interesse pela ideia de ter um projeto como o que foi desenvolvido na Fundação Sara. Assim, no segundo semestre de 2018, idealizei um projeto para atender crianças autistas na ANDA, que foi implementado dentro do Programa de Educação Tutorial (PET), do qual sou bolsista. A proposta foi de promover o desenvolvimento das habilidades musicais dos alunos com autismo e aperfeiçoar, através da vivência musical em grupo, suas capacidades de interação social, linguagem, dentre outras competências, aplicando uma abordagem através do ensino de música, o qual sensibiliza e contribui para o desempenho musical, de forma a auxiliar a inclusão dos mesmos em espaços educacionais comuns aos alunos não autistas. 16 O transtorno do espectro autista, comumente conhecido como autismo, é um transtorno global do neurodesenvolvimento que se caracteriza por alterações significativas na tríade comunicação, interação social e comportamento. Um dos sinais mais comuns é a dificuldade de interação social, que pode estar associada a outros déficits como a comunicação verbal e não verbal, e comportamentos estereotipados. Em sua maioria, essas alterações aparecem por volta dos três anos de idade, podendo, em alguns casos, serem percebidas antes disso, provocando diversas dificuldades adaptativas. Apesar de ainda não ser possível estabelecer com clareza as causas, estudos apontam uma predominância de autismo em crianças do sexo masculino, independente da etnia, origem geográfica ou situação socioeconômica. Não existe cura, uma vez que o autismo não é uma doença, mas sim, uma condição alterada de desenvolvimento, podendo, desta forma, haver melhoras significativas mediante às estimulações sensoriais e comportamentais. Um dos fatores que contribuem significativamente para o desenvolvimento dos autistas são as experiências de aprendizagem, e a música pode exercer um papel crucial nessa experiência. Indubitavelmente, a educação musical tem sido disseminada em variados contextos, alcançando resultados favoráveis para o desenvolvimento global do ser humano. A música é uma importante ferramenta que educa, socializa, une ideais e modifica comportamentos. Partindo do pressuposto de que a música tem seu valor próprio, pois carrega em si traços de identidade cultural, social e histórica, além de importante forma de comunicação, manifestou-se em mim um interesse particular em desenvolver um trabalho que apontasse como a educação musical poderia contribuir para o universo autista. Somou-se ao meu interesse a dificuldade para encontrar espaços que ofertassem educação musical à essa população tão especial e distinta. Oportunizar um ambiente musical às crianças com TEA poderá favorecer o aprendizado de uma nova linguagem, estimulando percepções musicais, ao mesmo tempo, propiciar o desenvolvimento de habilidades, entre as quais, a sociabilização e a linguagem, contribuindo para que a criança possa crescer culturalmente e socialmente. Apesar da importância que o tema ocupa no cenário educacional, faltam estudos científicos com foco em estratégias pedagógicas, que possam facilitar o manejo das atividades de educação musical com crianças que convivem com o espectro. 17 Ao apresentar tal argumentação, pretendo lançar luzes sobre o objeto deste estudo, justificando a sua relevância no cenário atual dos profissionais que trabalham continuamente pela educação musical, buscando investigar e analisar as particularidades de possíveis estratégias pedagógicas, além de averiguar prioritariamente, como a educação musical pode contribuir e favorecer ao desenvolvimento da comunicação, linguagem e interação social de crianças com TEA. Acredito que os resultados do trabalho contribuirão significativamente para as discussões e possibilidades de integrar cada vez mais o educador musical no cenário do espectro. Portanto, propus como objetivo geral a busca da compreensão de que maneira as atividades de educação musical poderiam influenciar no desenvolvimento de crianças no espectro autista do projeto “Música para olhar do lado dentro” desenvolvido na Associação Norte Mineira de Apoio ao Autismo (ANDA), em Montes Claros/MG. Para isso, defini os seguintes objetivos específicos: identificar o perfil dos sujeitos do estudo quanto ao grau de autismo, suas habilidades e dificuldades de linguagem e socialização; avaliar o desenvolvimento musical dos sujeitos no decorrer da pesquisa e verificar se as crianças apresentaram alterações em seu desenvolvimento durante processo de educação musical. Ao cumprir tais objetivos identifiquei os conceitos sobre autismo e educação musical inclusiva. Neste estudo utilizei a abordagem de pesquisa ação. No primeiro capítulo, discuto os conceitos da literatura sobre autismo e apresento a revisão de literatura contendo o estado da arte sobre o referido tema e sobre o tema da educação inclusiva. No segundo capítulo, faço a descrição da metodologia utilizada na pesquisa em todas as suas etapas. No terceiro capítulo, descrevo os resultados atingidos nesta pesquisa e apresento o perfil dos alunos participantes assim como a análise dos dados obtidos, a fim de responder o problema de pesquisa: de que maneira as atividades de educação musical poderiam influenciar no desenvolvimento de crianças no espectro autista do projeto “Música para olhar do lado dentro” desenvolvido na Associação Norte Mineira de Apoio ao Autismo (ANDA), em Montes Claros/MG? 18 1. CAPÍTULO 1 – O TRANSTORNO DO ESPECTRO AUTISTA Neste primeiro capítulo discuto e apresento a revisão de literatura e esclareço os conceitos centrais do tema pesquisado estabelecendo as conexõesdentro do estado da arte. 1.1 Autismo O termo autismo, conhecido atualmente como Espectro Autista (TEA), foi utilizado pela primeira vez por Bleuler em 1911, para classificar perdas de contato com a realidade associadas às dificuldades de comunicação transitórias ou não. Os primeiros estudos envolvendo autismo, foram realizados pelo psiquiatra infantil, austríaco, radicado nos Estados Unidos da América - Leo Kanner - em 1943. Ele descreveu clinicamente onze crianças, as quais consultou e observou dificuldades de interação social, escrevendo o artigo: "Os transtornos autistas do contato afetivo" (1943) (GADIA, TUCHMAN e ROTTA, 2004; DONVAN e ZUCKER, 2017; GRANDIN E PANEK, 2018). O psiquiatra e pesquisador austríaco Hans Asperger utilizou o termo autismo em sua tese de doutorado como sendo uma “psicopatia autista da infância”, em 1944, no entanto seu trabalho só foi conhecido nos anos 1970, quando Lorna Wing, fez a tradução para o inglês, tornando-se conhecida a forma de autismo de alto desempenho, chamada de Síndrome de Asperger (PENDEZA E SOUZA, 2015; DONVAN e ZUCKER, 2017; SANTOS, 2018). Segundo Pendezza e Souza (2015), “Wing (1981) também é conhecida pela sua pesquisa sobre o autismo em um olhar psicanalítico, tendo criado a Tríade de Wing, que postula as dificuldades que a criança autista tem nas áreas de imaginação, socialização e de comunicação”. E foi Wing quem observou que o autismo era mais incidente em meninos e quando era identificado em meninas, o grau era mais acentuado e severo (PENDEZA E SOUZA, 2015). Contudo, segundo Grandin e Panek (2018, p.23) “autismo só foi formalizado como diagnóstico, no DSM - III, em 1980 e a Síndrome de Asperger, no DSM - IV, em 1994”. Para Klin (2006), a Síndrome de Asperger (SA) caracteriza-se por prejuízos na interação social, bem como interesses e comportamentos limitados, como ocorre no autismo, mas seu curso de desenvolvimento precoce está marcado por uma falta de qualquer retardo clinicamente significativo na linguagem falada ou na percepção da linguagem, no desenvolvimento cognitivo, nas habilidades de autocuidado e na curiosidade sobre o ambiente. Interesses circunscritos intensos que ocupam totalmente o foco da atenção 19 e tendência a falar em monólogo, assim como incoordenação motora, são típicos da condição, mas não são necessários para o diagnóstico (KLIN, 2006). O transtorno do espectro autista, consiste em uma alteração grave do neurodesenvolvimento que pode apresentar as essenciais características: prejuízo persistente na comunicação social recíproca e na interação social, padrões restritos e repetitivos de comportamento, interesses ou atividades, sintomas estes que estão presentes desde o início da infância e limitam ou prejudicam o cotidiano do indivíduo. (DSM- 5 - APA, 2014). O Manual fornecido pela Organização Mundial de Saúde (OMS): Classificação Internacional das Doenças (CID), é o manual utilizado oficialmente no Brasil. As doenças são caracterizadas em códigos numéricos, seguidos de letras para padronizar a identificação das doenças. Em sua décima edição, CID -10, apresenta o autismo infantil (F84,0): a) um desenvolvimento anormal ou alterado, manifestado antes da idade de três anos, e b) apresentando uma perturbação característica do funcionamento em cada um dos três domínios seguintes: interações sociais, comunicação, comportamento focalizado e repetitivo. Além disso, o transtorno se acompanha comumente de numerosas outras manifestações inespecíficas, por exemplo, fobias, perturbações do sono ou da alimentação, crises de birra ou agressividade (autoagressividade) (CID - 10, 2008, p. 367). A partir de 1994, o autismo passa a constar no DSM – IV, como parte dos Transtornos Globais do desenvolvimento (TGD), que caracteriza um espectro de síndromes com características semelhantes, com prejuízos severos no desenvolvimento da criança (ASNIS e ELIAS, 2019). A criança no espectro autista pode ter atraso na linguagem e muitas vezes quando falam, não utilizam a usual forma de comunicação e não buscam o contato visual para se expressarem (PADILHA, 2008; GATTINO, 2009). Ainda não se sabe os motivos, mas a expressividade do autismo no sexo masculino se apresenta na proporção de dois a três homens para uma mulher, e os primeiros sinais geralmente são notados em torno dos três anos de vida. O indivíduo pode apresentar as características desde o nascimento, com particularidades peculiares, que vão desde a falta do contato visual até o comprometimento da comunicação, interação social e maneirismos (PADILHA, 2008; GATTINO, 2009). Embora não se conheçam as origens do transtorno, já se sabe que elas são multicausais, porém, ainda não é possível especificar exatamente tais causas, e hoje considera-se como os principais, os fatores genéticos e ambientais. Ainda não existem exames laboratoriais que possam determinar o diagnóstico, que é feito através de instrumentos sistemáticos, avalição clínica e história pregressa. Os instrumentos mais comuns para a 20 avaliação são: a Classificação Internacional de Doenças (CID) da Organização Mundial de Saúde, atualmente CID-10, e o Manual Diagnóstico e Estatístico dos Transtornos Mentais (DSM), atualmente DSM-5 (PADILHA, 2008, p. 19). o transtorno do espectro autista engloba transtornos antes chamados de autismo infantil precoce, autismo infantil, autismo de Kanner, autismo de alto funcionamento, autismo atípico, transtorno global do desenvolvimento sem outra especificação, transtorno desintegrativo da infância e transtorno de Asperger (DSM- 5, 2014). Segundo o DSM-5, para classificar um indivíduo no espectro, as características essenciais são prejuízos persistentes na comunicação social recíproca, e na interação social, além de apresentar padrões restritos e repetitivos de comportamento, interesses ou atividades. O manual ainda destaca que estes sintomas estão presentes desde o início da infância e limitam ou prejudicam o funcionamento diário. O estágio e a idade em que o prejuízo funcional fica evidente variam de acordo com as características do indivíduo e seu ambiente (DSM-5, 2014). Com base na análise do manual, é possível avaliar as habilidades de cada pessoa com TEA, o que envolve a especificação de problemas de deficiência intelectual e linguagem. E a partir desses quesitos o manual classifica os transtornos do espectro autista em grau ou nível: grave, moderado e leve, como apresenta a figura 1 (DSM-5, 2014). Figura 1 - Níveis de gravidade para o transtorno do espectro autista. Fonte: DSM-5 (2014) 21 De acordo com o site Neuro Conecta1, cuja cofundadora é a Dra. Fabiele Russo, que estuda o espectro há dez anos, os níveis de autismo podem ser assim diferenciados: 1.1.1 Nível 1: leve (necessita de pouco suporte) Havendo um suporte, as pessoas com nível leve podem ter dificuldades para se comunicar, mas não é um limitante para as interações sociais. Os problemas de organização e planejamento impedem a independência. 1.1.2 Nível 2: moderado (necessitam de suporte) As características são semelhantes ao grau severo, mas com menor intensidade com relação aos transtornos de comunicação e deficiência de linguagem. 1.1.3 Nível 3: severo (necessitam de maior suporte/apoio) Os indivíduos classificados neste nível, apresentam um déficit considerado grave nas habilidades de comunicação verbais e não verbais, não conseguindo se comunicar sem contar com suporte. Isso provoca dificuldade nas interações sociais e cognição reduzida. Os autistas em grau severo possuem um perfil inflexível de comportamento e tendem ao isolamento social, caso não sejam estimulados. Não apenas a música, mas o ensino das artes, permite à criança, liberdade de expressão e criatividade, possibilitando outras linguagens e descobertas.Para Gainza (1998, p. 44) “[...] o objetivo específico da educação musical consiste em colocar o homem em contato com o seu ambiente musical e sonoro, descobrir e ampliar meios de expressão musical, e em suma, musicalizá-lo de uma forma mais ampla”. A arte proporciona mais facilidade de inventar, criar e reinventar o que a rodeia, aumentando a capacidade de raciocínio da criança e a ajudando a solucionar suas próprias dificuldades (BERTOLUCHI, 2011). É importante que a criança tenha contato com a música e que esta surja na sua vida de uma forma organizada e recorrente, possibilitando a criação e a ampliação das suas conexões cerebrais, mediadas de experiências significativas com a música. Deste modo, enquanto a criança procura captar o som musical, vai estruturando ao mesmo tempo a sua 1 Disponível em: https://neuro-conecta.com.br/graus-de-autismo-importante-saber/. Acesso em: 20 de abril de 2019. https://neuro-conecta.com.br/graus-de-autismo-importante-saber/ 22 própria cognição. O momento destinado para descobertas, como o reconhecimento dos sons, as combinações rítmicas e melódicas, são para a criança um momento de enorme prazer e satisfação. 1.2 Educação Musical Inclusiva A Declaração de Salamanca, apresentada na Conferência Mundial sobre Educação Especial, em Salamanca, na Espanha, em 1994, é apontada como um dos documentos mais importantes no que tange à inclusão social. Apesar disso, há certa relutância na sociedade em consolidar uma educação inclusiva, que dê acessibilidade a todos com igualdade e equidade (DROGOMIRECKI, 2010). Partindo do pressuposto que a música é uma habilidade que pode ser desenvolvida em diversos contextos e idades, ela pode favorecer este processo de inclusão, além de possibilitar um novo conhecimento e espaço para quem necessita de um atendimento diferenciado (GAINZA, 1998). Sobre a construção de conhecimentos, Louro (2006, p.33) enfatiza que: [...] todos têm capacidade de aprendê-la. Com isso, queremos dizer que todos, incluindo os alunos com necessidades educacionais especiais, são capazes de construir conhecimentos e habilidades específicas referentes à arte musical, sejam eles teóricos ou prático-instrumentais. Damos ênfase a essa questão por haver, ainda, quem defenda que para esses alunos, a música serviria, apenas, como terapia, como instrumento de reabilitação, recreação ou socialização. Não negamos o potencial terapêutico da música, pois “a educação musical, realizada por profissionais informados e conscientes de seu papel, educa e reabilita a todo momento, uma vez que afeta o indivíduo em seus aspectos principais: físico, mental, emocional e social” (LOURO, 2006, p.33). O TEA é um tema atual com leis como a lei promulgada, (Lei Berenice Piana - Lei nº 12.764/2012, de 27 de dezembro de 2012), a qual institui a política nacional de proteção dos direitos a pessoas com Transtorno do Espectro Autista, lhes conferindo direitos específicos de tratamento, ainda se encontram poucas informações na literatura sobre processos e condução pedagógica com crianças autistas (BRASIL, 2012). Encontramos 22 artigos que fazem menção ao autismo e educação musical, desde 2005. Segundo, Pendeza e Souza (2015) uma hipótese dessa escassez, pode ser a dispersão de temas quanto aos autores. As autoras supracitadas refutam ainda que, apesar de contarmos com a primeira publicação em pesquisa brasileira na área da Educação Especial em 1971, a consolidação de produção científica na área só ocorre na década de 80. Segundo elas, a 23 Educação Inclusiva é temporalmente mais recente em termos de produção de pesquisas quando comparadas a outras áreas, dentre elas, a Educação Musical, afirmando que: [...] tal fator deve ser considerado para que se compreendam algumas das fragilidades mencionadas nos parágrafos anteriores, e para que continuemos incentivando e nos qualificando para desenvolver pesquisas nessa área de conhecimento humano (PENDEZA e SOUZA, 2015). Estudos como de Rodrigues (2009); Lourenço (2011); Rodrigues e DeFreitas Júnior (2013); Silva (2012); Afonso (2013), Barbosa (2013), Oliveira (2014, 2015) e Oliveira Rezende e Parizzi (2013) Oliveira, Parizzi e Peixoto (2015), enfatizam a importância de atividades musicais para também contribuir e favorecer o desenvolvimento da interação social e ampliar a comunicação e linguagem em pessoas que vivem no espectro, além de alcançar ganhos significativos no desenvolvimento musical, como reitera Afonso (2013): [...] a música pode contribuir para diminuir estes comprometimentos no autista possibilitando o desenvolvimento de potenciais e restabelecendo funções para que ele possa alcançar uma melhor integração intra e/ou interpessoal e, em consequência uma melhor qualidade de vida (AFONSO, 2013, p. 1396). Para que as atividades possam ocorrer de forma satisfatória, é importante que o educador musical planeje bem as suas aulas e tenha estratégias e várias abordagens para um mesmo tempo. Ademais, deve-se respeitar o limite e as diferenças de cada criança, pois cada uma reage de forma única. Logo, o grande desafio do professor é tornar a educação musical significativa para cada criança, pois ele não encontrará respostas prontas, mas será necessária uma boa parceria com a família e a equipe multidisciplinar, para que essa educação musical possa acontecer efetivamente (LOURO, 2006). Conhecer bem o aluno e o seu diagnóstico irão favorecer o desenrolar das atividades propostas. O educador musical deve sempre se lembrar que o objetivo primário da Educação Musical Especial é estimular e desenvolver habilidades musicais acessíveis ao aluno que possui limitações motoras e/ou mentais. Segundo Louro (2006), a criança pode ainda alcançar benefícios em outras habilidades e ter efeitos tão benéficos quanto os efeitos da terapia, mas não pode ser considerada como processo terapêutico, já que os objetivos pedagógicos são diferentes dos reabilitacionais. Como refutado por Drogomirecki (2010), a educação musical é uma forma de proporcionar à criança novas possibilidades, na tentativa de incorporar elementos novos ao seu cotidiano e à sua formação, e essa deve ser sempre a ideia ao se direcionar para o educando, sendo ele portador de necessidade especial ou não. O que diferencia um educando 24 do outro são as abordagens que devem ser adequadas a cada contexto encontrado. No capítulo seguinte apresentaremos a metodologia da pesquisa, ou seja, sua abordagem, sua estratégia e a metodologia utilizada para a análise dos dados. 25 2. CAPÍTULO 2 – PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS Neste segundo capítulo faço a descrição do processo metodológico escolhido e aplicado na pesquisa em todas as suas etapas. 2.1 Tipo de pesquisa A pesquisa científica consiste numa transformação de informações, tratando-se de um trabalho metódico, seguindo preceitos e regras pré-determinadas, que tem como objetivo proporcionar respostas aos problemas que são propostos (GIL, 2008). A partir do objeto deste estudo que busca investigar como a música pode influenciar no desenvolvimento de crianças com TEA, optei pelo método da pesquisa-ação com abordagem qualitativa. Segundo Gil (2008), a pesquisa-ação tem procedimentos analíticos que são de natureza qualitativa. Não há fórmulas ou receitas pré-definidas que orientem o pesquisador. Esta análise depende muito da capacidade e estilo de cada pesquisador, tendo em vista sempre o elemento humano como peça fundamental. A pesquisa com abordagem qualitativa se substancia em aproximar o cotidiano da realidade, respondendo indagações muito específicas. O que permite articular a teoria e prática no desenvolvimento do estudo (ANDRADE), 2011). Para Minayo (2013, p.21):[...] ela se preocupa, nas ciências sociais, com um nível de realidade que não pode ser quantificado [...] ela trabalha com o universo de significados, motivos, aspirações, crenças, valores, atitudes, o que responde a um espaço mais profundo das relações, dos processos e dos fenômenos que não podem ser reduzidos à operacionalização de variáveis (MINAYO, 2013, p. 21). Andrade (2011, p. 65) reitera que “essa abordagem permite que o pesquisador esteja diretamente relacionado com o problema da pesquisa, o que lhe permite verificar sua complexidade, especificações e diferenças que porventura possam se manifestar”. Para Costa, Politano e Pereira (2014), a pesquisa-ação gera uma oportunidade para o pesquisador não apenas identificar um problema, como também propor e implementar soluções práticas e imediatas. E para isso, Tripp (2005) ressalta que a pesquisa-ação exige do pesquisador, disciplina para que possa obter qualidade nos resultados: A pesquisa-ação é uma forma de investigação-ação que utiliza técnicas de pesquisa consagradas para informar a ação que se decide tomar para melhorar a prática. Principalmente uma estratégia para o desenvolvimento de professores e pesquisadores de modo que eles possam utilizar suas pesquisas para aprimorar seu ensino” (TRIPP, 2005). 26 A pesquisa -ação requer um bom planejamento, implementação, apresentação dos resultados e em seguida deve-se avaliar não apenas o resultado final, como todo o processo, como podemos observar na figura 1 abaixo. Figura 2 – Diagrama da Pesquisa Ação (TRIPP, 2005) Para Tripp (2005) a pesquisa-ação se desenvolve em ciclos. Seguindo o diagrama anterior pode-se verificar duas etapas: ação e investigação. Ao redor delas circulam as demais fases dos ciclos: Planejamento, Ação, Monitoramento e Avaliação, que se entrelaçam durante todo o processo. A fase do planejamento consiste na identificação de um problema e no pensamento de como encontrar a resolução para o mesmo. Em seguida, o pesquisador busca se inteirar de conhecimento sobre o assunto e, a partir disto, planeja ações para que possa resolver o problema encontrado. As fases das ações desenvolvem atividades que procuram explicar ou responder questionamentos levantados no problema e a partir da prática, encontrar soluções reais e visíveis (TRIPP, 2005). A fase do monitoramento rastreia e verifica se os resultados encontrados estão em conformidade com o que foi proposto nos objetivos planejados. A avaliação é a última fase do ciclo, no entanto, a avaliação ocorrerá em todas as demais fases, a fim de se buscar a efetividade de cada ciclo trabalhado, e se os objetivos propostos foram alcançados em sua totalidade (TRIPP, 2005). 27 2.2 Universo da pesquisa A pesquisa foi desenvolvida na ANDA, constituída em 09 de maio de 2009. É uma entidade civil sem fins lucrativos, que tem personalidade jurídica de direito privado, sendo apartidária e apolítica, com sede à Rua Rodrigo Costa, 321, Bairro Canelas, nesta cidade de Montes Claros/MG (ANDA, 2019). A responsável pela instituição assinou o Termo de Concordância da instituição para participação em pesquisa (Anexo 5) O Universo dessa pesquisa foi constituído por quatro crianças que são assistidas pela ANDA e que fazem parte do Projeto: “Música para olhar do lado de dentro” uma das linhas de atuação do Programa de Educação Tutorial (PET) Artes/Música, do curso de licenciatura em Artes/habilitação em Música da Unimontes, vinculado à Assessoria de Projetos Especiais, da Pró-Reitoria de Ensino. As crianças participaram de aulas de música e foram acompanhadas semanalmente por profissionais da psicologia e da psicopedagogia que destacaram a evolução ou não das habilidades e competências dos participantes. Para que as crianças participassem da pesquisa, os pais consentiram e assinaram o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE) (Anexo 3). A proposta inicial foi selecionar quatro crianças, sendo uma menina e um menino de cinco anos de idade e uma menina e um menino de seis anos de idade, nos graus moderado ou leve. Contudo, não foi possível encontrar crianças que atendessem esse perfil e que os pais tivessem disponibilidade de levá-las para participar do projeto. Na proposta do projeto, já era esperado que, se caso não encontrasse crianças com o perfil planejado, ou os pais não consentissem, eu escolheria perfis mais próximos, a partir da demanda do projeto “Música para olhar do lado de dentro”. Logo, a pesquisa foi realizada com quatro crianças, sendo uma menina de 4 anos de grau moderado à severo, e três meninos, de quatro, cinco e seis anos, todos com grau leve. 2.3 Fases da Pesquisa-ação Segundo Tripp (2005), em todo o momento as fases estarão se cruzando, e apesar de serem analisadas separadamente elas não se dissociam no decorrer do processo. O que permite uma mudança ou um repensar da prática não apenas durante a avaliação final, mas a cada fase da pesquisa. Em consequência se aprende mais, já que o conhecimento gerado é 28 constantemente refletido tendo sempre a finalidade de melhorias tanto na prática quanto na investigação. 2.3.1 Planejamento O processo de planejamento teve início com a implementação do projeto “Música para olhar do lado de dentro” e da busca de informações através de pesquisa bibliográfica sobre o processo de educação musical com crianças autistas, além de pesquisas em livros e em trabalhos sobre o tema. Também analisei documentos como artigos e textos em sites e vídeos com abordagens e metodologias de ensino com crianças autistas. Enquanto aguardava a reposta do comitê de ética, entrei em contato com os profissionais prováveis de acompanhar as crianças e os acadêmicos do curso de música que se prontificaram participar do projeto voluntariamente. Enfrentei alguns desafios, mas enfim consegui uma psicóloga e uma psicopedagoga que se dispuseram a participar da pesquisa, através da avaliação das crianças que comporiam o seu universo. Trabalhei nesse ínterim, nos planos de aula, (Anexo 6), estabelecendo objetivos a serem alcançados no decorrer das aulas que me permitissem identificar as habilidades musicais das crianças participantes utilizando o instrumento para a avaliação musical proposto (Anexo 1). Os planos de aulas foram norteados a partir do trabalho da tese de Schultz (2013). Dentre os conteúdos abordados posso citar alguns: o desenvolvimento progressivo do ritmo; o reconhecimento dos parâmetros dos sons: altura, timbre, intensidade e duração; percepção auditiva e memória musical; produção e utilização de instrumentos musicais não convencionais; improvisação e criação musical e utilização do corpo como fonte de produção sonora. Paralelamente me programei e marquei reunião com os pais inscritos para explicar o processo das aulas. 2.3.2. Ação Após a apreciação e aprovação do projeto pelo comitê de ética da Unimontes, convoquei os dez pais participantes do projeto de música para uma reunião, selecionando quatro das crianças para participarem da pesquisa. Expliquei a eles como as aulas ocorreriam: teríamos aulas semanais em grupo com duração de trinta a quarenta minutos para todas as crianças inscritas e aulas individuais de cinco a dez minutos para as quatro crianças elegidas e 29 que os pais concordassem e assinassem o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido, para participar da pesquisa. Nesta reunião, os pais que permitiram a participação de seu filho, preencheram também um formulário de inscrição (Anexo 2), o termo de autorização para uso de imagem (Apêndice 2), além de um questionário inicial e final (Apêndice 3). Ficou acordado que eu aplicaria um instrumento para a avaliação musical, semanalmente, para cada criança inserida no atendimento individual e, que estas seriam acompanhadaspor um profissional da psicologia e outro da psicopedagogia, ambos voluntários da ANDA. Através de um questionário semiestruturado (Apêndice 1), esses profissionais fariam a análise de comportamento e desenvolvimento das crianças participantes. Estes profissionais também assinaram um termo de consentimento (Anexo 4). Iniciei as aulas no dia 22 de agosto de 2019. Fiz oito planejamentos de aulas semanais e uma aula de acolhimento. Os planejamentos de aulas foram baseados nas propostas dos educadores musicais, da primeira geração, tais como: Émile Jacques-Dalcroze, Carl Orff e Shinichi Suzuki e, da segunda geração, John Paynter, os quais abordam um ensino contemporâneo, que abrange metodologias possíveis e adaptáveis para qualquer contexto e para diferentes idades (MATEIRO e ILARI, 2011). A partir dessa contextualização o objetivo geral da pesquisa, e do plano pedagógico, foi identificar as habilidades musicais das crianças portadoras do espectro autista, e, promover a integração social e linguagem através da musicalização. Para os objetivos pedagógicos nos planos de aula me norteei a partir dos seguintes objetivos específicos: Apresentar os parâmetros musicais altura, timbre, intensidade e duração através de jogos e improvisações musicais; Possibilitar vivência musical através de participações livres, da exploração de instrumentos e de improvisações; Explorar a expressão e comunicação de modo socialmente adequado através de atividades musicais lúdicas; Desenvolver a psicomotricidade a partir das atividades propostas. Paralelamente ao trabalho musical, construí plano sob a perspectiva de Paulo Freire e a sua pedagogia de autonomia que apresenta elementos constitutivos da compreensão da prática docente enquanto dimensão social da formação humana (FREIRE, 1996). 30 2.3.3 Monitoramento O monitoramento foi feito através de questionários realizados com os profissionais que acompanharam as crianças. Estes instrumentos foram aplicados no início, no meio e no fim do processo. As aulas, tanto individuais quanto em grupo, foram avaliadas quanto ao objetivo proposto. As crianças também eram avaliadas pelo instrumento de avaliação musical (formulário), baseado no instrumento utilizado por Santos (2018) em sua tese de doutorado (Anexo 1). Adotei essa ficha para ser um instrumento auxiliar de observação nas aulas de música com o objetivo de coletar dados a respeito das habilidades musicais dos sujeitos e usufruirmos de uma visão geral de sua musicalidade (perfil musical). Todas as crianças tiveram as fichas preenchidas durante as aulas. Este instrumento apresenta dez habilidades musicais e uma escala de frequência com estimativa de intensidade que vai do 0 (não), 1 (pouco) ao 2 (muito/sim) (SANTOS, 2018) 2.3.4 Avaliação A avaliação dos planos de aula e das crianças foi contínua. Diante dos resultados obtidos, delineava como prosseguir na aula seguinte. Foi necessário mudar algumas vezes, principalmente quando o resultado não alcançava o objetivo proposto. As informações fornecidas pelos profissionais da psicologia e psicopedagogia também me direcionaram e contribuíram para alcançar a proposta da pesquisa-ação e os objetivos da pesquisa. 2.4 Instrumentos de coleta de dados Por se tratar de uma pesquisa descritiva, optei por utilizar como instrumentos de coleta de dados o questionário, o formulário e uma ficha para avaliação musical. Para Andrade (2009, p. 41) “instrumentos de pesquisa são os meios através dos quais se aplicam as técnicas selecionadas [...] evidentemente, os instrumentos de uma pesquisa são exclusivos dela, pois atendem às necessidades daquele caso particular”. Segundo Prodanov e Freitas (2013) a cada pesquisa que se pretende realizar, procede-se a construção dos instrumentos adequados. 31 Para os autores supracitados, questionário é um instrumento de coleta de dados, constituído por uma série ordenada de perguntas, que devem ser respondidas por escrito e sem a presença do entrevistador. Já, o formulário é um dos instrumentos essenciais para a investigação social, cujo sistema de coleta de dados consiste em obter informações diretamente do entrevistado. As aulas foram registradas através de fotografia e vídeos, sendo que este material foi utilizado para compor a análise e avaliação das aulas. 2.5 Organização e análise dos dados A pesquisa bibliográfica e documental sobre a educação musical no universo autístico, me deu embasamento para discorrer e discutir os resultados analisados. A partir das respostas no questionário preenchido pelos pais no início do processo, fiz um relato do perfil das crianças em estudo. Estratifiquei e analisei os dados obtidos a partir das informações fornecidas pelo instrumento de avaliação musical e estes foram compilados em tabelas e gráficos. A avaliação prévia dos profissionais direcionou quanto aos planejamentos das aulas e favoreceu à compreensão para elaborar estratégias de ensino e avaliar como estas poderiam refletir no aprendizado e desenvolvimento das crianças. A avalição musical individual e em grupo, foram cruzadas com os dados obtidos nos questionários. Os dados coletados através do instrumento de avaliação musical foram representados em gráficos, de tal forma que é possível visualizar a evolução do comportamento musical das habilidades propostas para cada criança. Segundo Santos (2018) “essa ficha foi elaborada de forma que as habilidades musicais estivessem dispostas em ordem crescente em termos de complexidade” (SANTOS, 2008, p.81). 2.6 Comitê de ética A ética é um dos valores mais importantes do ser humano, está relacionada com sua educação e como este direciona o seu caráter. No tocante a pesquisa, existem comitês que direcionam e resguardam o pesquisador e o sujeito pesquisado. A resolução CNS 196/96 se fundamenta nos principais documentos internacionais sobre pesquisas que envolvem seres humanos, visando assegurar os direitos e deveres que dizem respeito aos participantes da pesquisa, à comunidade científica e ao Estado. 32 Os Comitês de Ética em Pesquisa (CEPs) são definidos como “colegiados interdisciplinares e independentes, com "munus público2", de caráter consultivo, deliberativo e educativo, criados para defender os interesses dos participantes da pesquisa em sua integridade e dignidade e para contribuir no desenvolvimento da pesquisa dentro de padrões éticos”. De acordo com Pessini (1996): Toda pesquisa envolvendo seres humanos deve ser realizada de acordo com três princípios éticos básicos: Respeito pelos seres humanos, considerando que as pessoas são capazes de deliberar sobre suas decisões e têm capacidade de autodeterminação. Assim deve-se proporcionar segurança contra prejuízos ou abusos à todas as pessoas dependentes ou vulneráveis; Beneficência, que se refere à obrigação ética de maximizar os benefícios e minimizar os prejuízos; e a Justiça, que se refere à obrigação ética de tratar cada pessoa de acordo com o que se considera moralmente correto e apropriado. Esses três princípios, que na teoria possuem igual força moral, devem guiar a preparação responsável de protocolos de pesquisa (PESSINI, 1996) Após a pesquisa ter sido aceita pela instituição foi encaminhada ao comitê de ética para apreciação e obteve aprovação sob o parecer nº. 3.513.843. No capítulo seguinte apresentaremos os resultados alcançados, analisados e contextualizados a partir da ideia aspirada. 2 A palavra múnus tem origem latim e significa dever, obrigação, etc. O múnus público é uma obrigação imposta por lei, em atendimento ao poder público, que beneficia a coletividade e não pode ser recusado, exceto nos casos previstos em lei. Disponível em: https://www.tjdft.jus.br/institucional/imprensa/campanhas-e-produtos/direito-facil/edicao-semanal/munus-publico 33 3. CAPÍTULO 3 – RESULTADOS E DISCUSSÃO Neste terceiro capítulo apresento e discuto os resultados culminantes desta pesquisa. Os nomes dos participantes da pesquisa são codinomes escolhidos pelos pais, nos casos das crianças e pelos profissionais, para resguardar eticamente a identidade de cada participante. Discorro primeiramente sobre o perfil das crianças participantes, e a descrição das aulas individuais e em grupo. Posteriormente, segue a avaliação dos profissionais que me acompanharam no decorrer da pesquisa precedendo a avaliação musical de cada uma das crianças participantes da pesquisa e o cruzamento dos dados expostos. 3.1 Apresentação dos alunos participantes Aqui apresento os dados obtidos a partir do questionário de inscrição e identificação dos sujeitos da pesquisa, que permite conhecer o perfil de cada criança e o resultado dos questionários aplicados aos pais das crianças participantes. Este teve por objetivo verificar qual a percepção dos mesmos a respeito do impacto que as ações produzidas tiveram sobre seus filhos. 3.1.1 Hadassa Hadassa tem quatro anos e seis meses, foi diagnosticada aos três anos com o transtorno, no grau moderado a severo. Apesar das poucas palavras, sabe muito bem o que quer e se comunica com gestos, quando algum assunto lhe interessa ou quando quer compartilhar algo. A família tem o hábito de ouvir música e por isso ela ouve, desde a gestação, música erudita, gospel, forró e infantil. Ela possui uma aguçada sensibilidade ao ouvir música, canta, dança e se emociona, como ocorreram algumas vezes durante as aulas em grupo. Gosta de cantar durante o banho, atividades escolares, brincadeiras e quando assiste vídeos. Diariamente ouve música gospel ou infantil durante duas a três horas. Nunca estudou música e tem preferência pelos instrumentos violão, bateria e flauta. Vive com os pais, sendo que ambos são responsáveis por sua educação, e possui uma irmã menor. Em contato com outras crianças, não tem dificuldade para interagir, e, 34 apesar de fazer contato visual, não o mantém. Exterioriza um comportamento agitado, mas não agressivo, e se dispersa rápido e facilmente. Apresenta a estereotipia3 de balançar as mãos quando se desorganiza, faz birra se a rotina é quebrada, ou quando se sente ameaçada, estressada ou ainda quando exposta à ambientes estranhos. Para lidar com a birra, seus pais têm o hábito de conversar suavemente até que ela se acalme, ignoram a birra ou ainda utilizam brinquedos e brincadeiras para desviar a atenção do estresse. Hadassa gosta de alimentos frios e de inventar suas brincadeiras. Números, cores e texturas são as suas preferências. Tem uma boa adaptação na escola, onde tem uma professora de apoio. Gosta da escola e já sabe ler e escrever, no entanto, tem dificuldade de aprendizagem. É independente, e o que dá conta, faz sozinha, como calçar sapatos e tênis, subir escadas, levantar os pés do chão ao pular. A criança, tem seus próprios métodos de fuga e suas estratégias são: gosta de escolher os mesmos brinquedos; muda de atividade com frequência, sem concluí-la; prefere rotinas; não gosta de ficar em filas e gosta de cair; cheira objetos e ouve músicas em alta intensidade como se não prestasse atenção na ação. Atualmente é acompanhada por psicólogo e fonoaudiólogo. Em relação à comunicação, a mãe afirma que: “a criança possui uma fala com boa dicção, porém não a utiliza funcionalmente, não estabelece diálogo. Demora responder a comandos simples e ao comunicar, procura que olhe para ela e pega na boca do outro, esperando que o outro diga, o que quer, o que sente”. Quanto às dificuldades ou restrições, a mãe identifica que a criança: “possui dificuldade de interação, dificuldade de compartilhar objetos, e não tem noção de limite da força ao brincar com outra criança”. Acerca das habilidades e competências identificadas no início do projeto a mãe aponta: habilidade visual com números e canções. Sobre as modificações ou alteração de comportamento a mãe relata que observou na interação o contato visual e a melhora da fala. Sobre como a educação musical pode ser um instrumento facilitador no processo do desenvolvimento da criança, a mãe confirma que o estudo de um instrumento seria bom para facilitar a coordenação, concentração, além de acalmar as frustrações e trabalhar as emoções. Discorrendo sobre a avaliação da comunicação da filha após as aulas de música, a mãe descreve: “Hadassa está com boa dicção, fala e compreende maior quantidade de palavras”. Durante as frustrações havia agressão, relata, mas, hoje, quando acontecem 3 Segundo o DSM-5 comportamento estereotipados em movimentos intencionais e repetitivos, podendo ser estereotipias motoras simples (p. ex., abanar as mãos, estalar os dedos), uso repetitivo de objetos (p. ex., girar moedas, enfileirar objetos) e fala repetitiva (p. ex., ecolalia, repetição atrasada ou imediata de palavras ouvidas, uso de “tu”ao referir-se a si mesmo, uso estereotipado de palavras, frases ou padrões de prosódia). 35 situações semelhantes “eu canto as músicas aprendidas durante as aulas do projeto e ela tranquiliza”. Mesmo com a musicalização algumas dificuldades ainda persistem, como “dificuldades de seguir comandos, controle da agitação e restrição à alguns sons”. A mãe não especificou que sons seriam esses. A mãe identifica habilidades motoras e a compreensão do tempo de espera. Além disso, houve desenvolvimento de concentração, habilidades sociais, verbais e cognitivas. Assim, ela ressalta que a música é um instrumento facilitador no processo de desenvolvimento de sua filha, visto que, “através do contato social com outras crianças da mesma idade, houve também controles emocionais estimulados através dos sons”. A mãe de Hadassa ainda comenta que muitas das músicas utilizadas nas aulas fazem parte do dia-a-dia e deu um exemplo da música “Vamos guardar”, que facilitou a compreensão de Hadassa quanto à organização depois que brinca. Cantam a música sempre que precisam guardar algo. 3.1.2 Príncipe azul Príncipe Azul, tem quatro anos e três meses e foi diagnosticado aos três anos e seis meses com o transtorno, sendo que suas características correspondem ao grau leve e tem o Transtorno de Déficit de Atenção e Hiperatividade (TDAH) sob suspeita. É uma criança com leve timidez e com fala pouco desenvolvida. Ele apresenta ecolalia4 e ainda não pode falar uma palavra completa, mas consegue se comunicar pela língua falada, principalmente se quiser compartilhar algo. A família tem hábitos de ouvir música infantil e gospel, e ele as ouve desde os seis meses de vida, sendo o tempo dessa apreciação, menor que uma hora. Ele, não gosta de cantar, mas costuma acompanhar a música em vídeos que assiste. Nunca estudou música e até então, não tinha preferência por nenhum instrumento, porém os ruídos costumam incomodá- lo. Apesar de fazer contato visual, possui dificuldade de mantê-lo. Não tem irmãos, e pelo fato dos pais trabalharem, a convivência efetiva se faz à noite e aos finais de semana. A mãe admite que ele é disperso e nervoso, e ao quebrar a rotina ou quando expor à ambientes estranhos, ou situações novas, ele faz birra como forma de apresentar sua frustração. Para acalmá-lo, a mãe procura conversar suavemente ou utiliza brinquedos e brincadeiras para aliviar o estresse. Outras estratégias de fuga utilizadas por ele são: escolhe 4 Repetição atrasada ou imediata de palavras ouvidas (DSM-5). 36 sempre os mesmos brinquedos; muda de atividade com frequência, sem concluí-la; gosta de doces e da escola, e apesar de apresentar dificuldade de aprendizagem, é independente sobre várias ações tais quais: sobe escadas,anda sem dificuldade, joga e apara uma bola, escova os dentes e come sozinho com colher e garfo. Atualmente, está sendo acompanhado por médico neurologista e fonoaudiólogo. Para a mãe, ele é uma criança inteligente e com boa memória. Para ela, suas maiores dificuldades estão relacionadas à comunicação e expressão, o que compromete a socialização, portanto, ela acredita que a educação musical pode contribuir com esses obstáculos. Segundo a mãe do Príncipe Azul, ele melhorou consideravelmente a comunicação. “Está mais comunicativo e interagindo mais com outras crianças”, afirma ela. Os desafios que ele apresentava eram: a sensibilidade quanto aos sons agudos e à interação social, porém a mãe relata que houve modificações nessas limitações, após as aulas, ela conclui que, ele “está conseguindo socializar melhor”. Das habilidades identificadas após a musicalização, a mãe informa que o comportamento e a interação social melhoram e ele se acalma mais rápido. Para a mãe, a música pode ser um instrumento que facilitará o processo de “interação social, comportamento, atenção, e desenvolvimento da fala”. 3.1.3 Totossauro Totossauro teve o codinome sugerido pelo pai, devido à paixão da criança pelos dinossauros. Ele consegue reconhecer e caracterizar todas as espécies desse animal extinto. Ele tem cinco anos, recebeu o diagnóstico de TEA, de grau leve, aos três anos. Fala funcionalmente, gosta de se comunicar principalmente quando o assunto é de seu interesse ou quando deseja compartilhar algo. Suas limitações da língua falada se apresentam “apenas em algumas palavras que iniciam com ‘R’ ou ‘L’; é um menino “inteligente e concentrado”, afirma o pai. Em um primeiro contato ele se apresenta tímido, e tem dificuldade de interação em ambientes novos. Convive com irmãos e os pais, estes, responsáveis por sua educação. A família tem hábitos de ouvir músicas infantis e gospel no decorrer de duas a três horas, diariamente. Totossauro ouve música desde o nascimento e hoje ao ouvir reage cantando ou dançando, mas gosta mesmo é de cantar, o que sempre faz durante as brincadeiras. Nunca estudou música, mas seu instrumento de preferência é o violão. Sons 37 fortes e ruídos o incomodam. Para o pai, a música pode “melhorar a fala, a coordenação motora e a expressar o que se quer”. Os pais o consideram um menino calmo, e até o momento não apresenta estereotipias. Quando a rotina é quebrada, ou quando ele se estressa, faz birra. Para acalmá-lo, os pais conversam suavemente, agem com simplicidade e postura firme. Outras estratégias de fuga, além da birra, é escolher sempre os mesmos brinquedos e buscar a rotina. Ele gosta de estudar, assim como gosta da escola e da professora de apoio. Embora saiba escrever, ainda não sabe ler. Dentre as suas independências, apresenta uma boa coordenação motora, levanta os pés do chão ao pular, sobe escadas, sabe jogar e aparar uma bola, veste-se, escova os dentes e come sozinho, utilizando garfo e colher. Além da sensibilidade sonora, apresenta baixa disfunção sensorial quanto ao toque e textura, sendo acentuada quanto ao cheiro e sabores. Atualmente está sendo acompanhado apenas pelo fonoaudiólogo. Finalizando as nossas aulas, a mãe de Totossauro avalia que a música contribuiu para a comunicação de seu filho, uma vez que “ele canta mais e tem mais expressão”. Segundo a mãe, as dificuldades da troca de letras ‘Lh’ e ‘R’ em algumas palavras ainda persistem, e, após as aulas de música, Totossauro “está mais atento em tudo o que a gente fala com ele e canta com mais facilidade”. A mãe ainda enfatiza que a “música é um grande instrumento” que pode favorecer e contribuir para com o desenvolvimento de seu filho. 3.1.4 J.M. J.M tem seis anos e sete meses. É um menino alegre e recebeu o diagnóstico de TEA, em grau leve, aos dois anos. A família é bem interativa, e coloca música para J.M. ouvir desde o nascimento. Preferem música popular brasileira e costumam ouvir no espaço de tempo de menos de uma hora por dia. J.M., gosta de cantar e é assim que reage quando ouve música infantil ou quando está no banho. Outra forma que ele usa para se expressar é a dança. Embora já tenha estudado música na escola, aproximadamente por dois anos, não tem preferência por instrumentos. Sons com forte intensidade o irritam. J.M., busca comunicação sempre que o assunto é de seu interesse, e apresenta fala funcional, apesar de ter algumas dificuldades ao emitir algumas palavras e, segundo a mãe, “está em processo de aprendizagem da fala com as letras: ‘R’, ‘L’, ‘LH’ e ‘NH’”. Não tem iniciativa, e apesar da 38 dificuldade de comunicação social, aceita as interações; faz contato visual, porém não o mantém. A criança convive diariamente com o irmão menor e seus pais, estes são responsáveis e comprometidos com sua educação. Apresenta um comportamento disperso, o que dificulta algumas vezes a compreensão de comandos. Para a mãe a “dificuldade de concentração, coordenação motora grossa e fina” são barreiras que estão lutando para transpor. Dentre as suas habilidades a mãe destaca a admirável capacidade de memorização. Quando está estressado, J.M. faz birra, os pais reagem e agem com simplicidade e postura firme. Dentre as disfunções sensoriais, ele apresenta estereotipias oral e motora: faz sons repetitivos e flapping5 com as mãos, fica muito agitado com sons fortes. Sempre busca a rotina, onde se sente mais seguro. Gosta mais de brincar com eletrônicos, e embora tenha dificuldade de aprendizagem, aprecia a escola e a professora de apoio. Ainda não lê e nem escreve. Ele apresenta independência para levantar os pés do chão ao pular, subir escadas, pentear os cabelos, andar sem dificuldades e comer sozinho com garfo e colher. Apresenta uma comorbidade6: o transtorno de atenção e hiperatividade (TDAH) e atualmente está sendo acompanhado por médico neurologista, fonoaudiólogo e psicólogo. A mãe vê a educação musical como instrumento facilitador no processo de ajudar J.M. a interagir melhor, ter foco e disciplina. Quando questionada, sobre como ela avalia a comunicação de seu filho após as aulas de música, à mãe responde que “ele está mais comunicativo, e todo dia aprende música nova” e diante de sua limitação, a ansiedade, ele tem estado mais tranquilo e melhorado quanto à coordenação motora fina. A habilidade de memorização tem ficado sempre evidente e a melhora de humor tem sido frequente, assim como o progresso quanto à socialização. Para a mãe, “a educação musical pode ser um instrumento facilitador no processo de desenvolvimento de J.M., visto que ajuda na coordenação motora, concentração, melhorias da socialização além de aprender a obedecer aos comandos”. 5 Abanar as mãos (DSM-5). 6 Coexistência de outras doenças ou transtornos (DSM-5). 39 3.2 Descrição das aulas As aulas em grupos e individuais ocorreram nas quintas-feiras no turno matutino. Contei com a participação de quatro acadêmicos do curso de música que voluntariamente participavam das aulas em grupo e um desses me acompanhava nas aulas individuais e era responsável pelas fotos e vídeos. A maioria dos instrumentos utilizados nas aulas são da ANDA, alguns como os lenços, sinos e clavas são do PET e meus, respectivamente. Os planos de aulas seguiram um padrão de acolhimento, alongamento, atividades diversas, relaxamento e despedida (Anexo 6) e os conteúdos abordados foram: ritmo, pulsação, som e suas propriedades (timbre, altura, duração e intensidade), fontes sonoras alternativas, imitação, criação e improvisação. Iniciei com uma aula em grupo de acolhimento no dia 22 de agosto. Na semana seguinte comecei a trabalhar as crianças selecionadas individualmente. Coloquei um cartaz na parede ao lado da porta (Figura 3) e antes de entrarmos na sala, cada
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