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Fundação Biblioteca Nacional ISBN 978-85-387-6515-8 9 7 8 8 5 3 8 7 6 5 1 5 8 Código Logístico 58782 SISTEMA REGISTRAL E NOTARIAL SIST E M A R EG IST R A L E N O T A R IA L Glauka Archangelo G lau k a A rch an gelo Sistema registral e notarial IESDE 2019 Glauka Archangelo © 2019 – IESDE BRASIL S/A. É proibida a reprodução, mesmo parcial, por qualquer processo, sem autorização por escrito da autora e do detentor dos direitos autorais. Capa: IESDE BRASIL S/A. Imagem da capa: Africa Studio/Shutterstock arsenisspyros/istockphoto Todos os direitos reservados. IESDE BRASIL S/A. Al. Dr. Carlos de Carvalho, 1.482. CEP: 80730-200 Batel – Curitiba – PR 0800 708 88 88 – www.iesde.com.br CIP-BRASIL. CATALOGAÇÃO NA PUBLICAÇÃO SINDICATO NACIONAL DOS EDITORES DE LIVROS, RJ A711s Archangelo, Glauka Sistema registral e notarial / Glauka Archangelo. - 1. ed. - Curitiba [PR]: IESDE Brasil, 2019. 162 p. : il. Inclui bibliografia ISBN 978-85-387-6515-8 1. Direito notarial e registral - Brasil 2. Direito imobiliário - Brasil. I. Título. 19-59181 CDU: 347.961(81) Glauka Archangelo Mestre em Direito pela Universidade Estadual do Norte do Paraná (UENP). Pós-graduada em Processo Civil pelas Faculdades Integradas de Ourinhos/SP (Unifio) e graduada em Direito pela Faculdade Estadual de Direito do Norte Pioneiro (Fundinopi). Coordenadora do curso de pós-graduação em Processo Civil do Centro Universitário – Católica de Santa Catarina. Atua na gestão acadêmica nas modalidades presencial e EAD. Leciona em cursos preparatórios para concurso público. Tem experiência como gerente acadêmica e coordenadora de curso superior de Direito. É professora nas disciplinas de Direito Processual Civil, Direito das Obrigações, Direito de Família e Linguagem do Direito. Sumário Apresentação 7 1. Teoria geral da atividade registral e notarial no Brasil 9 1.1 Histórico do Direito Notarial e Registral 9 1.2 Direito registral como microssistema e como unidade normativa 14 2. Estrutura do sistema registral e notarial no Brasil 25 2.1 Atribuições e competências dos notários e dos registradores 26 2.2 Responsabilidades civil e criminal 31 2.3 Incompatibilidades e impedimentos dos notários e dos registradores 35 3. Registro civil de pessoas naturais 43 3.1 Registro civil: contextualização 44 3.2 Nascimento 47 3.3 Óbito 54 3.4 Casamento 59 3.5 Emancipação, interdição e ausência 65 4. Registro civil de pessoas jurídicas e registro de título e documentos 75 4.1 Efeitos constitutivos do registro de pessoas jurídicas 75 4.2 Orientações para o registro de pessoa jurídica 79 4.3 Atos registrais 81 5. Protesto 89 5.1 Da competência e das atribuições 89 5.2 Dos procedimentos para o protesto 91 6. Livros notariais e fé pública 101 6.1 Competência do tabelionato de notas 101 6.2 Livros notariais 109 6.3 Fé pública e seus efeitos 112 7. Documentos importantes realizados em cartório 117 7.1 Escritura pública 117 7.2 Procuração 120 7.3 Testamentos 123 7.4 Atas notariais 127 8. Recolhimento dos tributos e certidões fiscais 133 8.1 Espécies de tributos recolhidos 134 8.2 Certidões fiscais: exigibilidade e obrigatoriedade 145 Gabarito 153 Apresentação O sistema registral e notarial brasileiro, confiado a notários e registradores, tem seu exercício delegado pelo Estado, em caráter privado, e é previsto expressamente no artigo 236 da Constituição Federal. O Estado delega a notários e registradores, em suas atribuições, a fé pública para o exercício da atividade. Por isso, podem intervir nos atos e negócios privados, pois têm garantia de autenticidade, afinal, tais atos praticados são revestidos de veracidade, segurança e eficácia. Portanto, o ato praticado pelo notário e pelo registrador representa a confiança e a certeza de que está de acordo com a lei. Além de todo o amparo legal que rege a atividade notarial, este livro trata do histórico da atuação cartorária: as atribuições, competências, responsabilidades, impedimentos e incompatibilidades de notários e registradores. Apresenta um panorama do registro civil de pessoas naturais e de pessoas jurídicas, passando pelo Cartório de Protestos, quando analisa sua competência e os procedimentos para a realização de protestos: desde a entrada do título e a qualificação notarial até a sua protestação. Aborda também os princípios norteadores da atividade notarial, dentre eles: publicidade, autenticidade, segurança e eficácia dos atos jurídicos praticados. Trata, ainda, da atuação do notário na condição de assessor jurídico das partes. 8 Sistema registral e notarial Por fim, esta obra aborda a importante função social realizada por notários e registradores frente às atualizações legislativas, função esta que propicia aos cartórios a condição de Ofícios da Cidadania, com toda a segurança jurídica que as inscrições públicas merecem, de uma forma mais ampla e garantidora de direitos básicos e fundamentais. Bons estudos! 1 Teoria geral da atividade registral e notarial no Brasil Neste capítulo, iniciaremos nossos estudos com uma abordagem histórica sobre as origens do sistema registral no Brasil e os primeiros registros realizados no país. Trataremos também da atribuição dos notários e registradores, atividade confiada pelo Poder Público a particulares para que exerçam a função notarial. Portanto, embora seja um serviço prestado por particular, a atividade notarial tem natureza pública. Por fim, apresentaremos as competências e atribuições dos notários e registradores no Brasil frente à Constituição Federal e à legislação pertinente, indicando seus princípios norteadores. 1.1 Histórico do Direito Notarial e Registral Podemos considerar que a atividade registral e notarial no país teve início no ano de 1500, com a carta de Pero Vaz de Caminha servindo como “certidão de nascimento” do Brasil. Já os primeiros registros imobiliários no país datam de 1534, com o registro das capitanias hereditárias, cujo objetivo era a divisão do território brasileiro em 15 lotes de terras. Era o rei quem atribuía a terceiros, chamados de capitães donatários, por meio da Carta de Doação, os lotes de terra a serem doados (ROCHA JUNIOR; KAMEL, 2017, p. 59). O modelo de capitanias hereditárias perdurou até 1759, quando foi extinto pelo Marquês de Pombal, como uma das medidas das reformas pombalinas. Posteriormente, em 1834, com o Decreto Vídeo 10 Sistema registral e notarial n. 1.834, a responsabilidade de registros de terras foi atribuída ao vigário, o que passou a ser conhecido como o “registro do vigário”. No ano de 1850, Dom Pedro II promulgou a Lei 601, conhecida como a Lei de Terras, “que exigia redação de contratos para a transmissão e oneração de imóveis” (ROCHA JUNIOR; KAMEL, 2017, p. 60), surgindo assim o Cartório de Notas e a figura do tabelião. Já mais próximo da atualidade, os registros públicos passam a ser instituídos por nova lei. Em 31 de dezembro de 1973, por meio da Lei Federal n. 6.015, que dispõe sobre os registros públicos, esse assunto é regulamentado pelo artigo 1º: “os serviços concernentes aos Registros Públicos, estabelecidos pela legislação civil para autenticidade, segurança e eficácia dos atos jurídicos, ficam sujeitos ao regime estabelecido nesta Lei” (BRASIL, 1973). A Constituição Federal de 1988, finalmente, é o grande instrumento norteador e organizador da estrutura notarial vigente. No artigo 236, a denominação de serviços notariais e de registro é atribuída às atividades cartorárias, com funções delegadas pelo Poder Público, em caráter privado, sob fiscalização e controle do Poder Judiciário. A partir da Constituição, fica também o ingresso na atividade dependente de concurso público de provas e títulos, bem como estabelecido que a lei passa a regular as atividades, disciplinando a responsabilidade civil e criminal dos agentes delegados, além de definir normas gerais para fixação dos valores cobrados pelos serviçosnotariais e de registros. O artigo 22, inciso XXV, da Constituição Federal, estabelece que a União tem competência privativa para legislar sobre registros públicos. O parágrafo único do mesmo artigo permite ainda que os estados e o Distrito Federal, por meio de lei complementar, legislem assuntos específicos sobre a matéria relacionada no artigo 22. Já o artigo 24, inciso IV, da CF, estabelece que à União, aos estados e ao Distrito Federal cabe legislar, conjuntamente, sobre as custas dos serviços forenses. Teoria geral da atividade registral e notarial no Brasil 11 Dando prosseguimento ao estudo da normatização dos serviços notariais, o Estatuto dos Notariais e Oficiais de Registros surge para regulamentar o artigo 236 da Constituição Federal. Isso ocorre com a Lei n. 8.935, de 18 de novembro de 1994, que dispõe sobre os serviços notariais e de registros, passando a estabelecer: • a natureza e fins; • titulares; • atribuições e competência dos notários e dos oficiais de registros; • normas comuns para o ingresso na atividade e dos prepostos; • responsabilidade civil e criminal; • incompatibilidade e impedimentos; • deveres e direitos; • infrações disciplinares e penalidades; • fiscalização pelo Poder Judiciário; • extinção da delegação; • seguridade social etc. Cabe ainda destacar o fato de o Brasil ter adotado o modelo de notariado latino ou romano-germânico, como bem pontuado por Rocha Junior e Kamel (2017, p. 65); modelo este que se fundamenta em três pilares fundamentais: aconselhamento, imparcialidade e independência. O aconselhamento é o pilar segundo o qual é permitido que os interessados sejam orientados pelos notários, sendo que essa orientação deve ser dotada de imparcialidade, que é o segundo pilar. Assim, o notário funciona como um mediador das partes, para encontrar a melhor solução em aplicação do direito vigente. Por fim, o pilar da independência significa que, embora exerça função pública fiscalizada pelo Poder Judiciário, o notário não tem subordinação hierárquica de seus órgãos. 12 Sistema registral e notarial A Lei Federal n. 8.935/94, além dos aspectos gerais já apresentados anteriormente, dispõe, em seu artigo 1º, que: “serviços notariais e de registro são os de organização técnica e administrativa destinados a garantir a publicidade, autenticidade, segurança e eficácia dos atos jurídicos” (BRASIL, 1994). Vemos, portanto, que ela informa sobre a natureza dos serviços notariais e de registro, os quais não tratam de assuntos forenses, e sim extrajudiciais. O serviço, no caso dos notariais e de registro, é exercido em caráter privado, ou seja, por particulares em colaboração com o Poder Público, com independência, o que significa sem subordinação. Por isso podemos dizer que são particulares, titulares de serventias extrajudiciais, substituindo o Estado. O tabelião e o registrador são agentes públicos1 que custeiam toda a atividade, mas não integram o funcionalismo público, obtendo ônus e bônus por meio de seu patrimônio pessoal. De acordo com o mencionado no artigo 1º da Lei n. 8.935/94, os registros públicos têm por finalidade “garantir a publicidade, autenticidade, segurança e eficácia dos atos jurídicos” (BRASIL, 1994). Por publicidade entendemos dar conhecimento dos fatos jurídicos, prevenindo litígios por desconhecimento das situações. Em relação à autenticidade do documento, trata-se de o registrador apor sua fé pública e afirmar que determinado documento é verdadeiro, leal quanto ao conteúdo. Já segurança e eficácia jurídica referem-se à qualidade de o documento estar isento de danos ou prejuízos gerais, ou seja, respeitar as formalidades legais exigidas, sendo válidos, até prova em contrário, a eficácia ou o poder de gerar os efeitos pretendidos pelos interessados. 1 Agente público é todo aquele que presta qualquer tipo de serviço ao Estado, que exerce funções públicas, no sentido mais amplo possível dessa expressão, significando qualquer atividade pública. A Lei de Improbidade Administrativa (Lei n. 8.429/92) conceitua agente público como “todo aquele que exerce, ainda que transitoriamente ou sem remuneração, por eleição, nomeação, designação, contratação ou qualquer outra forma de investidura ou vínculo, mandato, cargo, emprego ou função nas entidades mencionadas no artigo anterior” (BRASIL, 1992). Dessa forma, uma vez que os notários e registradores são delegados para a função pelo Poder Público, estes são agentes públicos, pois exercem função delegada pelo Poder Público, garantida pela Constituição Federal. Teoria geral da atividade registral e notarial no Brasil 13 O serviço é executado pelo serventuário ao qual foi delegado ou, sob as ordens dele, por quem o auxiliar, com exclusividade. Sobre isso, Ceneviva (2014, p. 59) esclarece que: a atuação funcional do titular é legitimada nos limites dos poderes outorgados pela delegação, subordinada ou não a zonas territoriais. Estas são impostas, por exemplo, aos registradores civis e de pessoas naturais e aos de imóveis, cujas atividades são exercíveis exclusivamente na área territorial criada pela divisão interna do Estado ou do Distrito Federal. A delegação envolve, do ângulo do delegante, forma de representação do poder estatal, pois credencia o delegado do Poder Público, e não de um ou mais órgãos específicos do Estado. Por fim, observamos que a atuação legislativa trazida pela Constituição Federal de 1988 e pela Lei 8.935/94 afirma a importância da atividade registral e notarial, ressaltando a sua independência e autonomia funcional em relação aos demais serviços. Segundo o documento “Cartório em números”, da Associação dos Notários e Registradores do Brasil (Anoreg/BR), 88 países possuem cartórios que atuam no mesmo sistema jurídico vigente no Brasil (chamado de Direito Latino). Figura 1 – Presença global dos cartórios Direito Anglo-saxão (regime jurídico diferenciado) Direito Latino (países que praticam o mesmo modelo do Brasil) Fonte: ANOREG/BR, 2019. 14 Sistema registral e notarial Figura 2 – Capilaridade dos cartórios Cartórios Lotéricas Municípios Postos do MRE Juntas Comerciais Polícia Federal Caixa Econômica Federal Banco Itaú DelegaciasBanco Bradesco Banco do Brasil 13.241 13.627 10.802 12.362 4.283 5.450 4.649 5.570 27139 10 3.288 4.143 0 3000 6000 9000 12000 15000 Correios Igrejas Fonte: ANOREG, 2019. Como pode ser observado no gráfico da Figura 2, no Brasil, atualmente, está registrada a existência de 13.627 cartórios, distribuídos pelos 5.570 municípios do país. 1.2 Direito registral como microssistema e como unidade normativa A finalidade e a natureza dos serviços notariais e de registro são determinadas entre os artigos 1º a 4º da Lei 8.935/94, que regula a atribuição desses serviços de modo a garantir a realização de seus objetivos, assim como assegurar a organização técnica e administrativa para um serviço prestado de forma adequada e eficiente. Serviço Notarial é definido como sendo a atividade de agente público, autorizado por lei, em redigir, formalizar e autenticar com fé pública, instrumentos que consubstanciam atos jurídicos extrajudiciais do interesse dos solicitantes, [...] já para os atos de Registro, assentamento de títulos de interesse privado ou público, para sua oponibilidade a todos os terceiros, com a publicidade que lhe é inerente, garantindo, por definição legal, a segurança, a autenticidade Vídeo Teoria geral da atividade registral e notarial no Brasil 15 e a eficácia dos atos da vida civil a que se refiram. (CENEVIVA, 2014, p. 40-41) A respeito do serviço de registro, vejamos o que diz Monteiro (2016, p. 126): Registro é o conjunto de atos autênticos tendentes a ministrar prova segura e certa do estado das pessoas. Ele fornece meios probatórios fidedignos, cuja base primordial descansa na publicidade, que lhe é imanente. Essa publicidade de que se reveste o registro tem função específica: provar a situaçãojurídica do registrado e torná- -la conhecida de terceiros. Por publicidade, entendemos a entrega de segurança às relações jurídicas, a fim de garantir o conhecimento do acervo das serventias extrajudiciais, além de assegurar a oponibilidade contra terceiros, prevenindo problemas que poderiam refletir nos interesses deles. Para consolidar a autenticidade do documento, o tabelião e o registrador lançam a sua fé pública, afirmando que o documento ou ato praticado é verdadeiro e leal em seu conteúdo. Note que esse reconhecimento de autenticidade se refere ao registro, e não ao negócio jurídico realizado anteriormente. E como a Lei 8.935/94 trata o termo autenticar e suas variações? Os termos autenticidade, autenticar e autenticação, utilizados nos artigos 1º, 6º (incisos II e IV), 7º (inciso V) e 52º, podem ser definidos com o entendimento positivo da ação de declarar autêntico, certificar e legalizar, ou seja, reconhecer algo como verdadeiro, idôneo. A respeito da expressão segurança jurídica, esta segue o entendimento da qualidade de se isentar de danos ou prejuízos gerais. Isso significa que o documento ou fato respeitou as formalidades legais, portanto é válido, até prova em contrário, assegurando a estabilidade das relações jurídicas, a confiança no ato registral e a certeza quanto à sua eficácia, de modo a evitar riscos e prejuízos, bem como conferir a boa-fé de quem pratica o ato fundado naquelas informações. Qualquer interessado pode 16 Sistema registral e notarial requerer certidão, consultar o teor dos registros e livros das serventias, em favor, inclusive, da publicidade do ato. Já a eficácia garante o poder para produzir os efeitos almejados, isto é, garantir que o ato notarial ou registral acarretará o objetivo pretendido e produzirá os efeitos jurídicos dele esperados. Somente o próprio registro possui autenticidade, não as declarações prestadas. Assim, o negócio ou a circunstância que deram causa ao assento não se revestem da presunção relativa de verdade, cabendo ao oficial de registro receber as declarações prestadas e examinar seus critérios formais. Nesse sentido, afirma Duarte (2015, p. 24): “registro é ato principal de documentação desses elementos que determinam o estado e a capacidade da pessoa natural”. Ressaltamos ainda que as finalidades anteriormente elencadas estão diretamente ligadas aos princípios gerais da Administração Pública, previstos no artigo 37 da Constituição Federal, a saber: legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência. 1.2.1 Princípio da legalidade O princípio da legalidade impõe ao registrador a obrigação de seguir o que está disposto em lei. Consequentemente, o oficial de registro e seus prepostos somente podem realizar os atos registrais com estrita observância aos requisitos legais. Desse modo, a conferência da licitude do título ou de sua qualificação é a oportunidade em que o documento apresentado para registro passa por exame à luz da legislação vigente, no qual se verifica sua capacidade efetiva. 1.2.2 Princípio da impessoalidade O segundo princípio, da impessoalidade, indica que os serviços devem ser prestados a todos, igualmente, sem discriminação. Dessa maneira, os prazos registrais são os mesmos, independentemente de Teoria geral da atividade registral e notarial no Brasil 17 quem seja o interessado; logo os requisitos legais devem ser exigidos de todos indistintamente. 1.2.3 Princípio da moralidade Quanto ao princípio da moralidade, trata-se do agir em acordo com padrões éticos, tendo a honestidade como princípio na atuação pública. Nesse sentido, afirma Araújo (2016, p. 60): Sobre a Moralidade aplicada aos registros públicos, pode- -se dizer que está relacionada à conduta condigna do registrador, ou seja, ele deve proceder de forma a dignificar a função exercida, tanto nas atividades profissionais como na vida privada. 1.2.4 Princípio da publicidade Por meio do fornecimento das certidões e informações requeridas pelos interessados, conseguimos visualizar na prática a aplicação do princípio da publicidade. Assim, visando limitar a abrangência do princípio da publicidade em relação a informações pessoais, no XIII Congresso Brasileiro de Direito Notarial, foi aprovada a proposta de orientação número 3, nos seguintes termos: Não obstante a regra geral da publicidade dos atos notariais, quanto às certidões de testamento ou atos que envolvam direito de família, o notário fornecerá tais certidões somente para as partes, seus advogados, ou para terceiros que possuam autorização judicial, decorrente do direito à intimidade. (26 Tabelionato de Notas, 2012) 1.2.5 Princípio da eficiência Por fim, o princípio da eficiência é explicitado no artigo 30, inciso II, da Lei 8.935/94, que estabelece como dever do registrador “atender as partes com eficiência, urbanidade e presteza” (BRASIL, 1994). Dando continuidade às finalidades dos serviços notariais e registrais, a Constituição de 1988 tratou dessa espécie de serviço 18 Sistema registral e notarial público com atenção, atribuindo-lhe características peculiares. Assim, em consonância com o artigo 236, ao regulamentar o “caráter privado, por delegação do Poder Público” (BRASIL, 1988), a Constituição Federal preconiza que o registrador é agente público, suporta os encargos econômicos de sua profissão, porém não se trata efetivamente de funcionário público, não tendo caráter de subordinação. Em tese, trata-se de serviço essencial não privativo; os registradores exercem atividade estatal, mas não são servidores públicos. Entretanto, seu ingresso na atividade ocorre por meio de concurso público de provas e títulos, de acordo com os incisos I a IV do artigo 37 da Constituição Federal de 1988: I - os cargos, empregos e funções públicas são acessíveis aos Brasileiros que preencham os requisitos estabelecidos em lei, assim como aos estrangeiros, na forma da lei; II - a investidura em cargo ou emprego público depende de aprovação prévia em concurso público de provas ou de provas e títulos, de acordo com a natureza e a complexidade do cargo ou emprego, na forma prevista em lei, ressalvadas as nomeações para cargo em comissão declarado em lei de livre nomeação e exoneração; III - o prazo de validade do concurso público será de até dois anos, prorrogável uma vez, por igual período; IV - durante o prazo improrrogável previsto no edital de convocação, aquele aprovado em concurso público de provas ou de provas e títulos será convocado com prioridade sobre novos concursados para assumir cargo ou emprego, na carreira; (BRASIL, 1988) O artigo 236 da Constituição Federal, em seu parágrafo 3º, proíbe que as serventias fiquem vagas, sem abertura de concurso de provimento ou de remoção, por mais de seis meses. A outorga do aprovado em concurso público de provas e títulos ocorre por delegação do Poder Público, que, nesse caso, trata-se do Poder Judiciário Estadual e do Distrito Federal. A respeito da extinção do ofício registral, os incisos I a VI do artigo 39 da Lei n. 8.935/94 definem em quais situações ela pode ocorrer, Teoria geral da atividade registral e notarial no Brasil 19 sendo efetivada por motivos taxativamente elencados no artigo em questão. São eles: “morte, aposentadoria facultativa, invalidez; renúncia; perda, nos termos do art. 35; descumprimento, comprovado, da gratuidade estabelecida na Lei n. 9.534/97” (BRASIL, 1994). Os incisos I e II do artigo 35 da Lei n. 8.935/94, por sua vez, trazem os motivos para as perdas da delegação: “sentença judicial transitada em julgado ou decisão decorrente de processo administrativo instaurado pelo juízo competente, assegurado amplo direito de defesa, para a decretação da perda da delegação” (BRASIL, 1994). A Constituição Federal define, no artigo 236, parágrafos 1º e 2º, que a lei determinará as atividades dos oficiais de registro e de seus prepostos, definindo a fiscalização de seus atos pelo Poder Judiciário, alémde estabelecer “normas gerais para fixação de emolumentos relativos aos atos praticados pelos serviços notariais e de registro” (BRASIL, 1988). Os notários e registradores integram o poder administrativo, são dotados de fé pública e atribuem certeza e verdade aos atos por eles praticados ou certificados. Dessa forma, os atos e os fatos registrados e autenticados pelos notários e registradores apresentam presunção de legitimidade e legalidade. Essa presunção é iuris tantum ou relativa, ou seja, aceita prova em sentido contrário e não impede que os atos sejam desconstituídos. Os oficiais de registro ou registradores são profissionais independentes, com fins especiais de lei dos notários e registradores, como define Ceneviva (2014, p. 48): O registrador atua para assegurar efeito constitutivo (a aptidão constitutiva submete o ato ou o negócio jurídico ao prévio registro, sem o qual aquela não nasce), comprobatório (o ato ou o negócio jurídico registrado existe, nos termos assentados no ofício público, gerando presunção, absoluta ou relativa, do direito ao qual se refere) ou publicitário (o ato ou o negócio jurídico registrado é conhecido ou, ao menos, cognoscível por todos, salvo umas poucas exceções). emolumentos: conjunto de encargos fixos relativos a determinados processos ou atos. 20 Sistema registral e notarial Para alcançar a melhor qualidade na prestação de serviços, principalmente em relação às despesas de custeio, investimento e pessoal, bem como estabelecer normas, condições e obrigações relativas à atribuição de funções e de remuneração de seus prepostos, o titular realizará o gerenciamento administrativo e financeiro dos serviços notariais de registro. Os oficiais de registro ou registradores são livres para contratar prepostos e exercer a gerência administrativa e financeira dos serviços que lhes foram delegados pelo Estado, conforme o artigo 21 da Lei 8.935/94. A remuneração dos registradores é proveniente dos emolumentos pagos pela coletividade, no entanto, parte significativa desses valores é repassada a outras instituições. Assim, não são verbas somente dos registradores. Como responsáveis tributários, estes devem repassar percentuais significativos a outras instituições, tais como Estado, Tribunal de Justiça, município, Ministério Público, Santa Casa, Instituto de Pagamentos Especiais de São Paulo – Ipesp, entre outras, conforme determina cada lei estadual. A Constituição Federal, no artigo 236, parágrafo 2º, estabeleceu normas gerais para fixação de emolumentos relativos aos atos praticados pelos serviços notariais e de registro. À União, aos estados, aos municípios e ao Distrito Federal compete legislar concorrentemente sobre as taxas judiciárias, e os emolumentos são espécies tributárias de taxas. Devem, portanto, atentar-se às normativas e princípios constitucionais tributários, por exemplo o da legalidade, o qual determina que estes apenas podem ser instituídos ou majorados por meio de lei. Já o artigo 98, parágrafo 2º, da Constituição Federal, determina que as custas e os emolumentos são “destinados exclusivamente ao custeio dos serviços afetos às atividades específicas da Justiça” (BRASIL, 1988), ou seja, são “taxas” em consonância com a Lei Federal n. 10.160/2000. O valor dos emolumentos referentes aos atos, no tocante aos serviços notariais e de registro, será fixado pelos Teoria geral da atividade registral e notarial no Brasil 21 estados e pelo Distrito Federal. O Supremo Tribunal Federal, na ADI 2.415/SP, reforça o disposto na legislação. IV – enfim, as atividades notariais e de registro não se inscrevem no âmbito das remuneráveis por “tarifa” ou “preço público”, mas no círculo das que se pautam por uma tabela de emolumentos, jungidos estes a normas gerais que se editam por lei necessariamente federal. Características de todo destoantes, repise-se, daquelas que são inerentes ao regime dos serviços públicos. (Ação Direta de Inconstitucionalidade 2.415 São Paulo, Rel.: Min. Ayres Britto, 22/09/2011) (JUSBRASIL, 2012) Por fim, com a regularização das atividades notariais e de registro, ficou definida a fiscalização de seus atos pelo Poder Judiciário, e foram estabelecidas, por meio da Lei 10.169/2000, que visa regular o parágrafo 2º do artigo 236 da Constituição Federal, “normas gerais para fixação de emolumentos relativos aos atos praticados pelos serviços notariais e de registro”. Conforme o artigo 3º da Lei 8.935/94, trata-se “de profissionais do Direito, dotados de fé pública, a quem é delegado o exercício da atividade notarial e de registro” (BRASIL, 1994), voltados às finalidades do registro público, quais sejam: autenticidade, segurança e eficácia dos documentos e declarações. Considerações finais Neste capítulo, apresentamos informações relevantes sobre o sistema registral e notarial. Iniciamos por seu retrospecto histórico, no qual percebemos que, ao longo dos anos, a função notarial passou por uma grande evolução. No Brasil, o divisor de águas do serviço notarial e registral foi o artigo 236 da Constituição Federal de 1988, bem como a promulgação da Lei Federal n. 8.935/94, que regula esse serviço público de vital relevância para a sociedade. Vimos que os princípios da Administração Pública, expressos no artigo 37 da Constituição Federal – legalidade, imparcialidade, moralidade, publicidade e eficiência – também regem as atividades registrais e 22 Sistema registral e notarial notariais, pois embora se trate de um serviço privado, possui função pública delegada pelo Estado a notários e registradores. Como consequência, os estados da Federação, por meio de leis estaduais, abertura de concursos públicos e normatizações administrativas estabelecidas pelo Poder Judiciário, deram início a um novo serviço notarial, com enfoque ainda maior na garantia da eficácia da lei, da segurança jurídica e na prevenção de litígios. Ampliando seus conhecimentos Chegamos ao fim deste capítulo e, para desenvolver melhor o conteúdo estudado, leia as seguintes indicações a fim de ampliar seus conhecimentos! • ANOREG/BR disponibiliza versão impressa do levantamento cartório em números. Associação dos Notários e Registradores do Brasil. Disponível em: https://www.anoreg.org.br/ site/2019/04/11/anoreg-br-disponibiliza-versao-impressa- do-levantamento-cartorio-em-numeros/. Acesso em: 11 ago. 2019. Desenvolvido pelo Departamento de Comunicação da Associação dos Notários e Registradores do Brasil – Anoreg/ BR, o levantamento “Cartório em números” compila os dados dos serviços extrajudiciais de todo o Brasil. No material, encontramos dados sobre a arrecadação tributária realizada nos cartórios, os convênios firmados com órgãos públicos e todas as informações das centrais eletrônicas de cada uma das naturezas de cartório. • SIQUEIRA, Marli Aparecida da Silva; SIQUEIRA, Bruno Luiz Weiler. Tabeliães e oficiais de registros: da evolução histórica à responsabilidade civil e criminal. Revista de Informação Legislativa, Brasília, a. 37, n. 148, out./dez. 2000. Disponível Teoria geral da atividade registral e notarial no Brasil 23 em: https://www2.senado.leg.br/bdsf/bitstream/handle/ id/627/r148-02.pdf?sequence=4. Acesso em: 11 ago. 2019. O artigo mostra a evolução histórica do Direito registral e notarial no Brasil e no mundo, juntamente com a evolução da sua responsabilidade civil e criminal. Vale a pena a leitura. Atividades 1. O serviço, a função e a atividade notarial e de registro são norteados pelos princípios específicos de cada natureza notarial e registral, que serão conhecidos no decorrer de nossos estudos. Além desses, quais são os princípios gerais que orientam o sistema notarial e registral? 2. Qual a finalidade e natureza dos serviços notariais e de registro? 3. Quais são as formas de extinção do ofício registral? Referências ANOREG/BR disponibiliza versão impressa do levantamento cartório em números. Associação dos Notários e Registradoresdo Brasil. Disponível em: https://www.anoreg.org.br/site/2019/04/11/anoreg-br-disponibiliza- versao-impressa-do-levantamento-cartorio-em-numeros/. Acesso em: 30 ago. 2019. ARAÚJO, Maria Darlene Braga. Sistema registral e notarial. Curitiba: IESDE Brasil S/A, 2016. BLOG do 26. ANOREG/BR: aprovadas propostas de orientações sobre práticas notariais e de registro. 26 Tabelionato de Notas, 13 jan. 2012. Disponível em: https://www.26notas.com.br/blog/?p=5170. Acesso em: 30 ago. 2019. BRASIL. Lei n. 6.015, de 31 de dezembro de 1973. Lei dos Registros Públicos. Diário Oficial da União, Poder Legislativo, Brasília, DF, 31 dez. 1973. 24 Sistema registral e notarial Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/L6015compilada. htm. Acesso em: 30 ago. 2019. BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Brasília, DF: Presidência da República. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ ccivil_03/constituicao/constituicao.htm. Acesso em: 30 ago. 2019. BRASIL. Lei 8.429, de 2 de junho de 1992. Diário Oficial da União, Poder Executivo, Brasília, DF, 3 jun. 1992. Disponível em: http://www.planalto. gov.br/ccivil_03/Leis/L8429.htm. Acesso em: 30 ago. 2019. BRASIL. Lei n. 8.935, de 18 de novembro de 1994. Lei dos Cartórios. Diário Oficial da União, Poder Executivo, Brasília, DF, 21 nov. 1994. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/L8935.htm. Acesso em: 30 ago. 2019. CENEVIVA, Walter. Lei de registros públicos comentada. São Paulo: Saraiva, 2010. CENEVIVA, Walter. Lei dos notários e dos registradores comentada. 9. ed. São Paulo: Saraiva, 2014. DUARTE, Nestor. In: PELUSO, Cezar (org.). Código Civil comentado – doutrina e jurisprudência. 9. ed. São Paulo: Manole, 2015. MONTEIRO, Washington de B.; PINTO, Ana Cristina de B. M. F. Curso de Direito Civil. v. 1: parte geral. 45. ed. São Paulo: Saraiva, 2016. ROCHA JUNIOR, Cid; KAMEL, Antoine Youseff. Noções elementares da atividade notarial e registral. Curitiba: InterSaberes, 2017. STF. Ação Direta de Inconstitucionalidade: ADI 2.415 SP – inteiro teor. Jusbrasil, 9 fev. 2012. Disponível em: https://stf.jusBrasil.com.br/ jurisprudencia/21273484/acao-direta-de-inconstitucionalidade-adi-2415- sp-stf/inteiro-teor-110301951. Acesso em: 02 set. 2019. 2 Estrutura do sistema registral e notarial no Brasil Neste capítulo, estudaremos as atribuições, competências, responsabilidades, impedimentos e incompatibilidades de notários e registradores, que compõem a estrutura do sistema registral e notarial no Brasil. Para essas funções, o ingresso na carreira ocorre por meio de concurso público. As delegações, por sua vez, são públicas, entretanto, executadas por particulares aprovados em concurso público de provas e títulos, que atuam em prol da coletividade e do Estado. O Conselho Nacional de Justiça (CNJ), na Resolução n. 81 de 2009, editou normas para regulamentar os concursos públicos de provas e títulos para a outorga das delegações de notas e de registro. Nessa Resolução, consta a minuta do edital do concurso, respeitando os requisitos mínimos da lei. Por exemplo, no artigo 1º, parágrafo 1º, é estabelecida a composição da comissão examinadora, formada por um desembargador, que será o presidente; três juízes de Direito; um membro do Ministério Público; um advogado; um registrador; e um tabelião, cujos nomes serão publicados no edital. É importante observarmos que o exercício de atividade notarial e de registro está condicionado ao preenchimento dos requisitos estabelecidos no artigo 14 da Lei 8.935/94, concomitante com o artigo 7º da Resolução 81 de 2009, que estabelece: Art. 7º. São requisitos para inscrição no concurso público, de provimento inicial ou de remoção, de provas e títulos, que preencha o candidato os seguintes requisitos: I - nacionalidade brasileira; II - capacidade civil; 26 Sistema registral e notarial III - quitação com as obrigações eleitorais e militares; IV - ser bacharel em direito, com diploma registrado, ou ter exercido, por dez anos, completados antes da publicação do primeiro edital, função em serviços notariais ou de registros; V - comprovar conduta condigna para o exercício da atividade delegada. (BRASIL,1994) Para o concurso de remoção, são admitidos os notários e registradores que, por ocasião da primeira publicação do edital, exerçam a atividade por mais de dois anos. Houve discussões sobre o momento da apresentação da comprovação do tempo de exercício de atividade, se deveria ser no ato da inscrição no concurso ou na posse. Isso foi solucionado pela Súmula 266 do STJ, disciplinando que: “o diploma ou habilitação legal para o exercício do cargo deve ser exigido na posse e não na inscrição para o concurso público” (STJ, 2002). Por fim, no que tange à organização dos concursos públicos, o artigo 44 da Lei dos Notários e Registradores informa que se houver a impossibilidade total de preencher a titularidade de serviço notarial ou de registro por concurso público devido à falta de interesse ou de candidatos, o serviço notarial e de registro será extinto pelo juiz ou autoridade competente. Nesse caso, as atribuições do serviço extinto são anexadas ao mais próximo localizado na sede do respectivo município ou município vizinho. Nas seções seguintes, passaremos a analisar as atribuições, competências e responsabilidades civis e criminais dos notários em relação aos seus atos. 2.1 Atribuições e competências dos notários e dos registradores A palavra competência aqui utilizada tem o significado de função, de atribuição. Cada serventia notarial ou registral tem atribuições específicas que somente podem ser realizadas de Vídeo Estrutura do sistema registral e notarial no Brasil 27 acordo com a própria alçada. Isso significa que um tabelião de notas, por exemplo, não pode registrar um imóvel ou um documento, enquanto um oficial registrador não tem competência para reconhecer firmas, exceto quando os ofícios são organizados dentro de uma mesma competência, ou seja, quando o oficial é responsável por um tabelionato e um registro, de forma concomitante. Para entendermos as atribuições e competências dos notários e dos registradores, é necessário conhecer inicialmente as nominações que recebem e suas divisões. Em primeiro lugar, temos a figura do titular, que é, nas palavras de Ceneviva (2014, p. 59), a pessoa nomeada para ocupar um cargo ou uma função determinados. A expressão envolve o significado da responsabilidade atribuída ao designado, pelo serviço que lhe corresponde, com título para cumprimento das atribuições legais ou regulamentares e a colheita dos benefícios consequentes. A Lei 8.935/94 considera somente o titular como recebedor da delegação, e o artigo 5º dessa mesma lei determina os titulares de serviços notariais e de registro, sendo eles: I - tabeliães de notas; II - tabeliães e oficiais de registro de contratos marítimos; III - tabeliães de protesto de títulos; IV - oficiais de registro de imóveis; V - oficiais de registro de títulos e documentos e civis das pessoas jurídicas; VI - oficiais de registro civis das pessoas naturais e de interdições e tutelas; VII - oficiais de registro de distribuição. (BRASIL, 1994) Nessa denominação, é feita a divisão da seguinte forma: “dois tabeliães (notas e protestos), o tabelião oficial (contratos marítimos) e quatro oficiais (imóveis, títulos e documentos, registro civil e distribuidores)” (CENEVIVA, 2014, p. 60). 28 Sistema registral e notarial De acordo com o artigo 6º da Lei 8.935/94, compete a notários e tabeliães: I - formalizar juridicamente a vontade das partes; II - intervir nos atos e negócios jurídicos a que as partes devam ou queiram dar forma legal ou autenticidade, autorizando a redação ou redigindo os instrumentos adequados, conservando os originais e expedindo cópias fidedignas de seu conteúdo; III - autenticar fatos. (BRASIL, 1994) Destacamos, quanto a essas competências de notários e tabeliães, quea juridicidade da formalização apenas é reconhecida em prática de ato notarial, realizada por pessoa habilitada, com os requisitos próprios do exercício, quaisquer que sejam eles: atos do delegado ou de seus prepostos, com pautas para escrita manual ou sem pauta, ou por meio virtual. O essencial é que se preserve a intenção das partes e a verdade da manifestação nela contida, em seus elementos essenciais, sendo esta a verdadeira formalização. A utilização mais acima do termo juridicidade está relacionada ao fato de que a formalização deve ser adequada ao Direito (CENEVIVA, 2014). Há algumas atividades que são exclusivas ao tabelião de notas, ficando ainda limitado a praticar os atos de ofício nos limites do município para o qual recebeu delegação (art. 9º da Lei 8.935/94). Os incisos I a V do artigo 7º dessa lei informam quais são as competências exclusivas: Art. 7º Aos tabeliães de notas compete com exclusividade: I - lavrar escrituras e procurações, públicas; II - lavrar testamentos públicos e aprovar os cerrados; III - lavrar atas notariais; IV - reconhecer firmas; V - autenticar cópias. (BRASIL, 1994) Neste capítulo, ainda não abordaremos as procurações, escrituras e atas notariais, competências citadas nos incisos do artigo 7º. Vamos focar, por enquanto, duas práticas cartorárias Estrutura do sistema registral e notarial no Brasil 29 muito conhecidas no dia a dia de notários e registradores: o reconhecimento de firma e a autenticação. O reconhecimento de firma é o ato pelo qual o tabelião de notas atesta que determinada assinatura é realmente da pessoa que assinou o documento (signatária). Os reconhecimentos de firma ou assinatura podem ser por autenticidade (ou verdadeira) ou por semelhança. Já a autenticação é o ato de comparar um documento original com a fotocópia apresentada. Nela, então, o tabelião atesta que determinada cópia confere com o documento original. Os tabeliães de contratos marítimos, por seu turno, são profissionais limitados a uma espécie contratual relacionada ao comércio marítimo. São ligados aos princípios gerais do Direito comercial e do Direito marítimo, sendo que a eles compete organizar todos os atos notariais relativos às embarcações e ao Direito marítimo: escrituras públicas, registros dessas escrituras, translado de documentos e assinaturas e reconhecimentos de firmas. Os tabeliães de protesto de títulos são encarregados de lavrar protestos, e, por sua natureza, não podem ser confundidos com os tabeliães de notas. Embora, comumente, ambos sejam tratados pela mesma nomenclatura tabelião, deve-se observar que as competências são diversas (CENEVIVA, 2014). Conforme os incisos I a VII do artigo 11 da Lei 8.935/94, também possuem competência privativa de: I - protocolar de imediato os documentos de dívida, para prova do descumprimento da obrigação; II - intimar os devedores dos títulos para aceitá-los, devolvê- los ou pagá-los, sob pena de protesto; III - receber o pagamento dos títulos protocolizados, dando quitação; IV - lavrar o protesto, registrando o ato em livro próprio, em microfilme ou sob outra forma de documentação; V - acatar o pedido de desistência do protesto formulado pelo apresentante; 30 Sistema registral e notarial VI - averbar: a) o cancelamento do protesto; b) as alterações necessárias para atualização dos registros efetuados; VII - expedir certidões de atos e documentos que constem de seus registros e papéis. (BRASIL, 1994) Observamos que se houver mais de um tabelião de protestos de títulos na mesma localidade, será obrigatória a prévia distribuição dos títulos, distribuição que ocorrerá por meio de serviço instalado e mantido pelos próprios tabelionatos, salvo se já existir ofício distribuidor organizado, conforme parágrafo único, artigo 11, da Lei 8.935/94. No que concerne aos oficiais de registro (imóveis, títulos e documentos, registro civil e distribuidores), descritos no artigo 12, temos no artigo 13 a sua competência descrita. Para tanto, compete aos oficiais realizar a distribuição dos serviços atribuídos à natureza cartorária, efetuar as averbações e os cancelamentos de sua competência, expedindo ainda certidões que são de sua atribuição. Os oficiais de registro de imóveis e oficiais de registros civis das pessoas naturais e de interdições e tutelas estão sujeitos às normas que definirem as circunscrições geográficas. Desse modo, haverá um registrador civil das pessoas naturais em cada sede municipal. Já municípios com considerável área territorial terão no mínimo um registrador de pessoas naturais, a juízo do respectivo estado. Com o Código Civil de 2002, ficou determinado, no artigo 9º, o registro público dos: “nascimentos, casamentos e óbitos; da emancipação por outorga dos pais ou por sentença do juiz; da interdição por incapacidade absoluta ou relativa e da sentença declaratória de ausência e de morte presumida” (BRASIL, 2002). Assim, para atender à demanda de serviços que devem ser efetuados nos cartórios, são empregados auxiliares ou prepostos, submetidos ao regime celetista, ou seja, às regras trabalhistas da Consolidação Estrutura do sistema registral e notarial no Brasil 31 das Leis do Trabalho (CLT). O termo preposto designa a pessoa ou o empregado investido na função atribuída pelo notário ou registrador. Os funcionários, cujos serviços visam tarefas específicas, podem ser contratados de acordo com a legislação trabalhista ou como profissionais autônomos. Nesse sentido, são pessoas que desempenham a mão de obra para o titular da serventia extrajudicial, no caso o preponente, enquanto os empregados são denominados prepostos. O parágrafo 3º, artigo 20, da Lei 8.935/94, determina que “os escreventes poderão praticar somente os atos que o notário ou o oficial de registro autorizar” (BRASIL, 1994). O parágrafo 1º informa que cada serviço notarial ou de registro deverá ter a quantidade necessária de substitutos, escreventes e auxiliares, ficando a critério de cada tabelião ou registrador. Fica ainda disciplinado que o preponente é responsável pelos atos praticados por seus prepostos quando no desempenho das funções que se mostrem objetos da preposição. Dentro dos parágrafos 2º, 4º e 5º do artigo 20, temos ainda que os tabeliães enviarão os nomes de seus substitutos ao juízo competente. Um dos substitutos poderá ser designado pelos notários e registradores, em caso de ausência ou impedimento destes, sendo competente para praticar todos os atos pertinentes ao ofício. 2.2 Responsabilidades civil e criminal Aos tabeliães e registradores são atribuídos poderes no exercício de serviço público essencial à sociedade. Os registros públicos prestam serviços, informações, aconselhamentos, registros e assentos, retificações, averbações e anotações, preservando dados relevantes e indispensáveis à vida social, mantendo atualizados e preservados os cadastros das pessoas. Nesse sentido, a presença do notarial em nossas vidas é constante. Inicia no registro civil de nascimento, passando por Vídeo 32 Sistema registral e notarial nosso matrimônio e aquisição e venda de nossos bens, até o momento em que falecemos. No Direito, de maneira geral, as demandas relativas à responsabilidade civil e penal são numerosas, portanto, a responsabilidade civil e criminal de notários e registradores faz-se presente nos tribunais. Para fins de responsabilidade civil, o artigo 37, parágrafo 6º, da Constituição Federal determina que: as pessoas jurídicas de direito público e as de direito privado prestadoras de serviços públicos responderão pelos danos que seus agentes, nessa qualidade, causarem a terceiros, assegurado o direito de regresso contra o responsável nos casos de dolo ou culpa. (BRASIL, 1988) A Lei 8.935/94, em seu artigo 24, regulamenta a responsabilidade penal dos notários e registradores, enquanto os artigos 22 e 23 cuidam de sua responsabilidade civil. A matéria vem sendo tema de constantes debates no SupremoTribunal Federal (STF), que discute a responsabilidade civil do Estado frente aos notários e registradores, conforme podemos verificar a seguir: AG R AVO R E G I M E N TA L E M R E C U R S O EXTRAORDINÁRIO. RESPONSABILIDADE CIVIL DO ESTADO. DANOS CAUSADOS A TERCEIROS EM DECORRÊNCIA DE ATIVIDADE NOTARIAL. PRECEDENTES. 1. Nos termos da jurisprudência do Supremo Tribunal Federal, “o Estado responde, objetivamente, pelos atos dos notários que causem dano a terceiros, assegurado o direito de regresso contra o responsável, nos casos de dolo ou culpa (C.F., art. 37, § 6º)” (RE 209.354-AgR, da relatoria do ministro Carlos Velloso). 2. Agravo regimental desprovido (RE 518.894-AgR/SP, Rel. Min. Ayres Britto). (STF, 2011b) Em decisão recente, por meio do Recurso Extraordinário 842846, tratando sobre a responsabilidade civil do Estado em virtude de danos que tabeliães e oficiais de registro tenham gerado a terceiros Estrutura do sistema registral e notarial no Brasil 33 durante suas atividades profissionais, o Plenário do STF julgou, por repercussão geral, a seguinte tese: O Estado responde, objetivamente, pelos atos dos tabeliães e registradores oficiais que, no exercício de suas funções, causem dano a terceiros, assentado o dever de regresso contra o responsável, nos casos de dolo ou culpa, sob pena de improbidade administrativa. (LUIZARI, 2019, p. 17, grifo nosso) Por repercussão geral, o STF entende ser: Instituto processual pelo qual se reserva ao STF o julgamento de temas trazidos em recursos extraordinários que apresentem questões relevantes sob o aspecto econômico, político, social ou jurídico e que ultrapassem os interesses subjetivos da causa. Foi incluído no ordenamento jurídico pela Emenda Constitucional n. 45/2004 e regulamentado pelos arts. 322 a 329 do Regimento Interno do Supremo Tribunal Federal e pelos arts. 1.035 a 1.041 do Código de Processo Civil (Lei n. 13.105/2015). (STF, 2018) Para a Lei n. 8.935/94, a responsabilidade do registrador é objetiva – entendendo responsabilidade objetiva como o dever de indenizar independentemente da comprovação de dolo ou culpa, bastando ficar configurado o nexo causal daquela atividade com o objetivo atingido. Após a alteração dada pela Lei n. 13.286/2016, esses profissionais do Direito passaram a responder pelos danos que eles e seus prepostos causarem a terceiros, na prática de atos próprios da serventia, desde que a conduta seja culposa ou dolosa. Além disso, com o recente julgamento por repercussão geral, ainda há a possibilidade de se impor pena de improbidade administrativa. O titular (aquele que foi delegado), portanto, responde pela qualidade e defeito do serviço prestado por ele mesmo e por seus empregados. Entretanto, o titular do serviço não é responsável por ato praticado por seu substituto, seja por nomeação de juiz ou ordem estatal (CENEVIVA, 2014). 34 Sistema registral e notarial O novo titular não receberá ainda a serventia do antigo responsável, mas sim do Estado; não há “aquisição derivada” do acervo da serventia, mas aquisição originária, já que se trata de bens destinados à atividade pública. Para evitar enriquecimento sem causa, o novo titular deverá “indenizar” o anterior, caso permaneça com os bens móveis existentes na unidade de serviço. Não há sucessão ou transferência de estabelecimento no sentido técnico do termo, como regra geral. No artigo 23, a Lei dos Notários informa que a responsabilidade civil dos notários e registradores independe da criminal. O Código Civil, artigo 935, e a Lei n. 6.015/73, no artigo 28, parágrafo único, ratificam essa responsabilidade civil do notário e registrador. Embora não haja responsabilidade criminal, a civil perdurará, desde que estejam presentes seus requisitos. Ainda, segundo a Lei 8.935/94, artigo 24, a responsabilidade criminal deve ser individualizada, devendo-se aplicar, adequadamente, a legislação pertinente aos crimes contra a Administração Pública (artigos 312 a 359 do Código Penal). Na esfera criminal, os notários e os registradores são equiparados ao servidor público ou funcionário público, segundo o Código Penal, artigo 327: Considera-se funcionário público, para efeitos penais, quem, embora transitoriamente ou sem remuneração, exerce cargo, emprego ou função pública. Parágrafo primeiro - Equipara-se a funcionário público quem exerce cargo, emprego ou função em entidade paraestatal, e quem trabalha para empresa prestadora de serviço contratada ou conveniada para a execução de atividade típica da Administração Pública. (BRASIL, 1940) Portanto, de acordo com o Código Penal, os agentes públicos delegados pelo Estado para desempenhar função pública por meio do exercício de uma atividade privatizada são equiparados a servidores públicos (funcionários públicos), para efeito de responsabilidade criminal. Estrutura do sistema registral e notarial no Brasil 35 É importante frisar que a responsabilidade criminal somente recairá sobre quem praticou a ação, portanto é estrita. Por exemplo, se um preposto pratica uma infração penal sem a participação do titular, este não responderá criminalmente, mas civil e administrativamente, e não poderá sofrer as consequências penais da condenação de seu preposto. Igualado à condição de funcionário público para efeitos penais, temos como exemplo de infrações penais o artigo 297 do Código Penal, que prescreve pena de reclusão, de dois a seis anos, e multa aumentada de um sexto se o agente é funcionário público, caso haja falsificação, no todo ou em parte, de documento público, ou alteração de documento público verdadeiro. 2.3 Incompatibilidades e impedimentos dos notários e dos registradores O capítulo V, nos artigos 25 a 27 da Lei 8.935/94, determina quais são as incompatibilidades e impedimentos do exercício da atividade notarial. Entretanto, antes de avançarmos no assunto, é necessário entender os conceitos de incompatibilidade e impedimento, emprestados do Direito administrativo, tratado por Walter Ceneviva. Incompatibilidade é “a inviabilidade do servidor ou agente público de conciliar direitos e deveres atribuídos por lei a duas ou mais funções” (CENEVIVA, 2014, p. 218). Impedimento, por sua vez, ainda de acordo com Ceneviva (2014), é a proibição da prática de ato jurídico determinado. Luiz Guilherme Loureiro (2016) afirma que as razões éticas e de melhor prestação do serviço justificam as incompatibilidades exigidas aos notários e registradores, uma vez que não pode ser executada, com maestria, uma atividade concomitantemente à Vídeo 36 Sistema registral e notarial outra. Já os impedimentos cuidam da aptidão técnica do profissional. Aparentemente, o legislador igualou ambas as situações, mas afastar a pessoa é a ausência dela naquele serviço, apenas momentânea ou ocasionalmente (LOUREIRO, 2016). Nesse sentido, vejamos o que diz o artigo 25 da Lei dos Notários e Registradores: Art. 25. O exercício da atividade notarial e de registro é incompatível com o da advocacia, o da intermediação de seus serviços ou o de qualquer cargo, emprego ou função públicos, ainda que em comissão. § 1º (Vetado). § 2º A diplomação, na hipótese de mandato eletivo, e a posse, nos demais casos, implicará no afastamento da atividade. (BRASIL, 1994) Pelo estabelecido em lei, a atividade notarial não pode ser cumulada com qualquer cargo, emprego ou função pública, ainda que em comissão, mesmo que o servidor esteja no gozo de férias ou licença remunerada. O status de servidor público, portanto, não é desconfigurado pelo fato de estar de férias ou licença. Caso haja diplomação, na hipótese de mandato eletivo, e posse, nos demais casos, implicará afastamento do notário ou do registrador da atividade. Entretanto, no caso de mandato de vereador e havendo compatibilidade de horários, a jurisprudência do STF entende ser possível a cumulação. O Partido Progressista Brasileiro, devidamente representado, com base nos artigos 102, I,“a” e “p”, e 103, VII, da Constituição Federal, promove a presente Ação Direta de Inconstitucionalidade do §2° do art. 25 da Lei Federal 8.935, de 18 de novembro de 1994, que dispõe: “Art. 25 - O exercício da atividade notarial e de registro é incompatível com o da advocacia, o da intermediação de seus serviços ou de qualquer cargo, emprego ou função públicos, ainda que em comissão. §2° - A diplomação, na hipótese de mandato eletivo, e a posse nos demais casos, implicará no afastamento da atividade.” Sustenta, Estrutura do sistema registral e notarial no Brasil 37 em síntese, o autor, que a norma impugnada contraria o disposto no art. 38, inc. III, da Constituição Federal, que tem este teor: “Art. 38 - Ao servidor público da administração direta, autárquica e fundacional, no exercício de mandato eletivo, aplicam-se as seguintes disposições: III - investido no mandato de Vereador, havendo compatibilidade de horários, perceberá as vantagens de seu cargo, emprego ou função, sem prejuízo da remuneração do cargo eletivo, e, não havendo compatibilidade, será aplicada a norma do inciso anterior. (...)” O Tribunal, por maioria, deferiu, em parte, o pedido de medida liminar, para, sem redução de texto, dar interpretação conforme à Constituição Federal ao §2° do art. 25, da Lei 8.935, de 18-11-1994, para excluir de sua incidência a hipótese do art. 38, III, primeira parte, da Carta Magna. (ADI 1.531 MC, rel. min. Sidney Sanches, P, j. 24-6-1999, DJ de 14-12-2001) (STF, 2011a, grifo nosso) No que tange ao impedimento de que a atividade notarial e registral seja exercida concomitantemente com a advocacia e serviços conexos, como os imobiliários e de despachantes, tal impedimento tem razão, uma vez que vários atos notariais e registrais necessitam da presença de advogado acompanhando a parte interessada. Logo, o exercício duplo das funções certamente geraria parcialidade de opinião ou conflito de interesses, e nem mesmo a condição de substituto permite a cumulação. Observe a posição do STJ, no Agravo Regimental no Recurso Especial n. 1.539.833/RS: PROCESSUAL CIVIL. ADMINISTRATIVO. TABELIÃO SUBSTITUTO. INCOMPATIBILIDADE COM A ADVOCACIA. AGRAVO REGIMENTAL NÃO PROVIDO. 1. [...] 2. A impetrada indeferiu a inscrição do recorrente como advogado na OAB/RS, por entender que o cargo de Tabelião Substituto é incompatível com a advocacia, nos termos do artigo 28, inciso IV, da Lei 8.906/94. 3. O Juiz de 1º Grau denegou a segurança. 4. O Tribunal a quo negou provimento à Apelação do ora recorrente e assim consignou na sua decisão: “Dessa forma, ao contrário do alegado pelo impetrante, não importa o fato 38 Sistema registral e notarial de ser contratado de forma privada pelo regime celetista, e, pois, não possuir estabilidade ou garantia, pois este não é o critério elegido pela lei para regrar a incompatibilidade, mas sim, de forma objetiva, a atividade desempenhada pelo bacharel em direito que almeja a inscrição como advogado.” 5. O Tribunal de origem entendeu que, estando o Tabelião Substituto apto a praticar os mesmos atos da alçada do Tabelião Titular, a restrição imposta no Estatuto da OAB também o alcança, e que não importa o fato de ser o recorrente contratado pelo regime celetista, pois este não foi o critério adotado pela Lei. (STJ: AgRg no recurso especial Nº 1.539.833 – RS (2015/0150460-9) (AGRG, 2015) O artigo 26 da Lei 8.935/94 determina que não são acumuláveis os serviços de tabelionato, seja de notas, de contratos marítimos ou de protesto, com os de registro, seja de imóveis, de títulos e documentos, civis das pessoas jurídicas ou civis das pessoas naturais. Isso exceto nos municípios em que não for possível, devido à quantidade dos serviços ou dos ganhos, a instalação de mais de um desses serviços. Por fim, o artigo 27 da referida lei impede a prática do notário e do registrador em favor de interesse pessoal, de cônjuge ou parentes, em linha reta, ou colateral, consanguíneos ou afins, até o terceiro grau. É importante atentar para a parte final do artigo 27, que foi revogada pela edição do Código Civil de 2002, no artigo 1.592, elevando o grau de parentesco até o quarto grau. Como exemplo, temos, na linha ascendente, o impedimento do titular até o bisavô; na descendência, até o bisneto; e, na colateral, até os irmãos dos tios e dos primos (CENEVIVA, 2014). Considerações finais O trabalho desempenhado por notários e oficiais de registro é relevante para a sociedade porque seus atos imprimem credibilidade aos documentos que lhes são confiados. O instituto de pesquisas Estrutura do sistema registral e notarial no Brasil 39 Datafolha realizou uma pesquisa publicada na revista Cartórios com Você, em edição de março e abril de 2016, segundo a qual em uma escala de confiança de zero a dez, os cartórios alcançaram a média de 7,6, enquanto a média geral dos serviços foi de 6,2. Essa pesquisa também indicou que a população é contrária à migração desses serviços para órgãos públicos ou empresas privadas. Nessa mesma pesquisa, 68% dos entrevistados afirmaram que os serviços prestados pelos cartórios são muito importantes para a sociedade, sendo que esse número cresceu em relação a 2009, quando chegava a 63%. Dessa forma, trazer a responsabilidade civil e criminal como objetiva também ao Estado permite que as diversas competências e atribuições dos notários, registradores e seus prepostos e empregados sejam exercidas com cuidado e cautela, com fiscalização permanente e organizada. Ampliando seus conhecimentos Para ampliar seus conhecimentos a respeito dos assuntos tratados neste capítulo, sugerimos dois textos muito interessantes, com diferentes abordagens sobre as responsabilidades dentro do âmbito notarial e registral. • BENÍCIO, Hercules Alexandre da Costa. A responsabilidade civil de notários e registradores sob a égide da Lei 13.286/2016. Revista de Direito Imobiliário, v. 81, jul./dez. 2016. Disponível em: http://www.mpsp.mp.br/portal/page/portal/ documentacao_e_divulgacao/doc_biblioteca/bibli_servicos_ produtos/bibli_boletim/bibli_bol_2006/RDImob_n.81.14. PDF. Acesso em: 11 ago. 2019. 40 Sistema registral e notarial • O texto aborda a responsabilidade civil de notários e registradores, tratando ainda da responsabilidade indireta do ente estatal delegante por atos notariais e de registro. Aborda também a aplicabilidade do Código de Defesa do Consumidor nas relações entre os prestadores e usuários de serviços notariais e registrais bem como os limites da atribuição de responsabilidade a notários e registradores ao executarem suas atividades. • PESQUISA de jurisprudência. Supremo Tribunal Federal . Disponível em: http : / /www.st f . jus .br/ p o r t a l / j u r i s p r u d e n c i a / l i s t a r J u r i s p r u d e n c i a . E+E+NOT%C1RIOS%29&base=baseAcordaos&url=http:// tinyurl.com/ybbaby4h. Acesso em: 11 ago. 2019 O presente texto é um agravo regimental em recurso extraordinário por danos a terceiros devido a atividade notarial. De acordo com a jurisprudência, o Estado responderá, objetivamente, pelos atos dos notários que causem danos a terceiros, sendo assegurado o direito de regresso contra o responsável, nos casos de dolo ou culpa. Atividades 1. Analise a seguinte afirmação: há responsabilidade objetiva do Estado por dano causado por serventuário, pois os serviços notariais são exercidos por delegação do Poder Público. Ela está correta ou incorreta? Comente. 2. Descreva as competências dos oficiais de registro e fale sobre as peculiaridades das circunscrições geográficas. 3. Faça uma reflexão sobre a responsabilidade criminal dos notários e registradores. Estrutura do sistema registral e notarial no Brasil 41 Referências AGRG no recurso especial n. 1.539.833 – RS (2015/0150460-9). Anoreg/ SP, 2015. Disponível em: https://www.anoregsp.org.br/noticias/1931/stj- processual-civil.-administrativo.-tabeliao-substituto.-incompatibilidade- com-a-advocacia.-agravo-regimental-nao-provido.Acesso em: 02 set. 2019. ATOS normativos. Resolução n. 81. Conselho Nacional de Justiça, 9 jun. 2009. Disponível em: http://www.cnj.jus.br/atos-normativos?documento=104. Acesso em: 02 set. 2019. BRASIL. Decreto-Lei n. 2.848, de 7 de dezembro de 1940. Diário Oficial da União, Poder Executivo, Brasília, DF, 31 dez. 1940. Disponível em: http:// www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/Del2848compilado.htm. Acesso em: 02 set. 2019. BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Brasília, DF: Presidência da República. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ ccivil_03/constituicao/constituicao.htm. Acesso em: 02 set. 2019. BRASIL. Lei n. 8.935, de 18 de novembro de 1994. Diário Oficial da União, Poder Executivo, Brasília, DF, 21 nov. 1994. Disponível em: http://www. planalto.gov.br/ccivil_03/leis/L8935.htm. Acesso em: 02 set. 2019. BRASIL. Lei n. 10.406, de 10 de janeiro de 2002. Diário Oficial da União, Poder Legislativo, Brasília, DF, 11 jan. 2002. Disponível em: http://www. planalto.gov.br/ccivil_03/leis/2002/l10406.htm. Acesso em: 02 set. 2019. CAHALI, Yussef Said. Responsabilidade civil do Estado. Revista dos Tribunais, São Paulo, 2014. CARVALHO FILHO, José dos Santos. Manual de Direito Administrativo. 16. ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2006. CENEVIVA, Walter. Lei de registros públicos comentada (Lei n. 8.935/94). São Paulo: Saraiva, 2014. LOUREIRO, Luiz Guilherme. Manual de Direito Notarial: da atividade e dos documentos notariais. Salvador: Juspodivm, 2016. LUIZARI, Larissa. STF decide que Estado tem responsabilidade civil objetiva pelas atividades de cartórios. Cartórios com Você, São Paulo, n. 16, ano 4, jan./mar. 2019. Disponível em: https://www.anoreg.org.br/site/ revistas/cartorios/Cartorios-Com-Voce-16.pdf. Acesso em: 02 set. 2019. 42 Sistema registral e notarial SANTANA, Yonara. Pesquisa Datafolha aponta cartórios como as instituições mais confiáveis do país. Cartórios com Você, São Paulo, ed. 2, ano 1, mar./abr. 2016. Disponível em: https://www.anoreg.org.br/site/ revistas/cartorios/Cartorios-Com-Voce-02.pdf. Acesso em: 02 set. 2019. STJ. Súmula n. 266. 29 maio 2002. Disponível em: http://www.stj.jus.br/docs_ internet/revista/eletronica/stj-revista-sumulas-2011_20_capSumula266. pdf. Acesso em: 02 set. 2019. STF. Pesquisa de Jurisprudência. Entenda: repercussão geral. 4 set. 2018. Disponível em: http://www.stf.jus.br/portal/cms/verTexto. asp?servico=estatistica&pagina=entendarg. Acesso em: 02 set. 2019. STF. Pesquisa de Jurisprudência. Súmula 34. 14 dez. 2011a. Disponível em: http://www.stf.jus.br/portal/jurisprudencia/menuSumarioSumulas. asp?sumula=3073. Acesso em: 02 set. 2019. STF. Ag.Reg. no recurso extraordinário: RE 518894 SP. Jusbrasil, 2011b. Disponível em: https://stf.jusbrasil.com.br/jurisprudencia/20624542/agreg- no-recurso-extraordinario-re-518894-sp-stf. Acesso em: 02 set. 2019. STJ. Recurso especial: REsp 1575461 GO 2015/0313633-5. Jusbrasil, 2017. Disponível em: https://stj.jusbrasil.com.br/jurisprudencia/464618832/ recurso-especial-resp-1575461-go-2015-0313633-5. Acesso em: 02 set. 2019. 3 Registro civil de pessoas naturais Neste capítulo, abordaremos as principais normas aplicáveis ao Registro Civil das Pessoas Naturais. Devido à enorme quantidade de aspectos a serem trabalhados dentro dessa complexa temática, será apresentado um panorama com a finalidade desses registros, seus livros, os principais atos notariais praticados e os benefícios trazidos à população pelas alterações legislativas que surgiram. Nesse sentido, nossos estudos serão norteados pela Lei n. 6.015, de 31 de dezembro de 1973, mais especificamente o título II, que dispõe sobre o Registro Civil das Pessoas Naturais. Esse registro tem por finalidade a inscrição de atos e fatos jurídicos da vida civil (nascimentos, casamentos, óbitos etc.) em registros cartoriais. É uma forma de documentar diferentes fases da vida das pessoas, resguardando e garantindo direitos civis a elas. Trata-se de um banco de dados, uma fonte de informações úteis para a promoção de políticas públicas por meio de diversas instituições governamentais1. Dentre elas, podemos citar, por exemplo, o INSS (Instituto Nacional do Seguro Social) e a Justiça Eleitoral, órgãos que necessitam de informações dos registros civis para desenvolver suas atividades. Ao longo da vida civil, os cidadãos passam por diversos fatos, dos quais os mais relevantes recebem o devido registro em cartório. Neste capítulo, vamos nos concentrar no estudo dos registros relativos aos principais fatos da vida civil de uma pessoa, como nascimento, casamento e óbito. 1 Cada instituição é responsável pela baixa no cadastro em casos de falecimento. No caso do INSS, são excluídos os segurados; no da Justiça Eleitoral, os eleitores. 44 Sistema registral e notarial 3.1 Registro civil: contextualização No Brasil, durante o período colonial e, posteriormente, no início do Império, o registro era de responsabilidade da Igreja, momento em que a religião católica era a oficial do Estado. Entretanto, a Igreja não podia garantir segurança jurídica e publicidade adequada e efetiva; além disso, em seus registros não eram incluídos imigrantes e escravizados (ROCHA JUNIOR; KAMEL, 2017). Uma vez delegada ao Estado, pelo Decreto 601, de 1854, a incumbência de reger as normas referentes aos registros das pessoas naturais, surge o Decreto 1.144, de 1861, legalizando o nascimento, o casamento e o óbito de pessoas não praticantes da religião do Estado, no caso a católica, para que produzam efeitos civis. Após esse Decreto, foi publicado o Regulamento 3.069, de 1863, visando regulamentar os fatos legalizados pelo Decreto 1.144/1861, ou seja, nascimentos, casamentos e óbitos de pessoas não católicas. Em 1888, o Decreto 9.886 veio determinar a obrigatoriedade do registro civil e, por fim, a Lei n. 6.015, de 1973, Lei de Registros Públicos, e suas alterações posteriores regulamentaram os registros no país. Vejamos o que diz o artigo 29 nesse sentido. Art. 29. Serão registrados no registro civil de pessoas naturais: I - os nascimentos; II - os casamentos; III - os óbitos; IV - as emancipações; V - as interdições; VI - as sentenças declaratórias de ausência; VII - as opções de nacionalidade; VIII - as sentenças que deferirem a legitimação adotiva. (BRASIL, 1973) Vídeo Registro civil de pessoas naturais 45 O Registro Civil das Pessoas Naturais é um serviço público prestado pelo notário ou oficial de registro, ambos profissionais do Direito munidos de fé pública. De acordo com o artigo 236 da Constituição Federal, essa atividade possui caráter privado, por delegação do Poder Público, após aprovação em concurso público de provas e títulos, e está sujeita à permanente fiscalização do Poder Judiciário (BRASIL, 1988). A partir do registro civil, é possível organizar o assentamento dos fatos da vida de uma pessoa física. Desse modo, tendo em vista a publicidade dos registros, informações como estado civil, filiação, nacionalidade e naturalidade de uma pessoa permitem que o Estado tenha acesso a vários aspectos da sua população. Esses aspecto, de posse do Estado, alimentam os seguintes dados estatísticos: idade da população, número de nascimentos, número de óbitos, quantidade de filhos etc. Essas informações podem ser referentes à população do Brasil em sua totalidade ou de cada estado e município em particular. Os cartórios de registro civil alimentam mais de 14 órgãos públicos oficiais com informações para a elaboração de diversas políticas públicas nas áreas de Saúde, Educação, Habitação, Planejamento e Saneamento. Entre esses órgãos estão a Polícia Federal, o Exército, o INSS, o IBGE, o TSE, a Funai, entre outros. Um exemplo de como os registros civis dos cartórios são importantes é a figura a seguir, publicada pela Associação Nacional dos Registradores Nacionais – ANOREG/BR. Nela, constam informações referentes ao número de registro de nascimentosrealizados no Brasil de 1998 a 2019, por estado, destacando-- se o Estado de São Paulo com o maior número de nascimentos (13.621.516 nascidos no período) e o Estado de Roraima com o menor número (223.840 nascidos no período). 46 Sistema registral e notarial Figura 1 – Registro de nascimentos realizados no Brasil de 1998 a 2019 Cotas: Registros de nascimentos realizados no Brasil, de 1998 até 2019, separados por unidade federativa RR 22 3. 84 0 AP 38 0. 97 2 AC 44 0. 29 6 TO 61 4. 52 9 RO 64 4. 02 1 SE 81 7. 29 0 MS 96 3. 03 3 DF 1. 05 7. 36 3 MT 1. 08 3. 54 4 RN 1. 11 1. 44 8 ES 1. 22 1. 43 6 PI 1. 27 7. 49 3 PB 1. 32 4. 82 5 AL 1. 44 1. 91 0 AM 1. 76 2. 86 9 GO 1. 92 9. 20 6 SC 1. 93 5. 81 0 RS 2. 87 8. 52 9 CE 3. 12 1. 40 7 MA 3. 17 9. 96 0 BA 3. 27 6. 68 9 PE 3. 47 1. 23 5 PA 3. 49 0. 24 3 PR 3. 51 6. 14 5 RJ 5. 30 4. 74 7 MG 6. 16 4. 14 4 13 .6 21 .5 16 SP Fonte: ANOREG, 2019. O aprimoramento da tecnologia tornou possível a criação da Central Notarial de Serviços Eletrônicos Compartilhados. O Provimento n. 18 do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) regula os serviços oferecidos pela plataforma, que tem como objetivo: centralização das informações a respeito da lavratura de atos notariais relativos a escrituras públicas, procurações públicas e testamentos públicos, inclusive quanto aos atos previstos na Lei nº 11.441, de 4 de janeiro de 2007, e no artigo 10 da Resolução CNJ nº 35/2007, ou seja, inventário, partilha, separação consensual e divórcio consensual, viabilizando sua rápida e segura localização. (BRASIL, 2012) Dessa forma, ficou facilitada a localização eletrônica de registros e a expedição de segundas vias de certidões digitais. Isso possibilita que as certidões sejam retiradas de qualquer lugar do país, não importando em qual município foram lavradas. Os cartórios de registro civil passaram ainda a realizar uma contribuição social importante para o desenvolvimento da cidadania a partir da publicação da Lei Federal n. 13.484/2017, ao se tornarem ofícios da cidadania. O parágrafo 3º da referida lei garante Registro civil de pessoas naturais 47 que os cartórios, em parceria com órgãos públicos, possam prestar serviços antes realizados apenas em instituições públicas, dentre eles a expedição do Registro Geral (RG), do Cadastro de Pessoa Física (CPF), da Carteira Nacional de Habilitação (CNH), do Passaporte e da Carteira de Trabalho. 3.2 Nascimento A personalidade civil inicia no nascimento com vida. A partir dele, a pessoa é capaz de adquirir direitos e obrigações, apesar de a lei já prever a proteção do nascituro em relação aos cuidados com saúde, alimentação etc. Um exemplo é a Lei n. 11.804, de 5 de novembro de 2008, que prevê os alimentos gravídicos. O objetivo dela é cobrir as despesas adicionais do período de gravidez, desde a concepção até o parto, em uma abrangência global, prevendo em seu artigo 2º: “a alimentação especial, assistência médica e psicológica, exames complementares, internações, parto, medicamentos e demais prescrições preventivas e terapêuticas indispensáveis”. O parágrafo único do artigo 6º é que determina o nascer com vida condição para gerar tais direitos (BRASIL, 2008). Nesse sentido, esclarece ainda Maria Helena Diniz (2014, p. 62) que: para que um ente seja pessoa e adquira personalidade jurídica, será suficiente que tenha vivido por um segundo. Pela Resolução n. 1/88 do Conselho Nacional de Saúde, o nascimento com vida é “a expulsão ou extração completa do produto da concepção, quando, após a separação, respire e tenha batimentos cardíacos, tendo sido ou não cortado o cordão, esteja ou não desprendida a placenta”. 3.2.1 Registro de nascimento O registro de nascimento consiste na lavratura de um assento, em livro próprio, no caso o Livro “A”, do nascimento com vida de uma pessoa natural. Esse registro é feito pelo oficial de registro civil ou por um de seus prepostos. Vídeo 48 Sistema registral e notarial O ato notarial de registro do nascimento constituirá meio de prova e individualizará aquele ser humano, atribuindo-lhe nome, idade, filiação, naturalidade e nacionalidade. Uma vez lavrado, todos os fatos posteriores da vida civil, como a emancipação, a interdição, o casamento, a ausência e a morte, serão anotados à margem do assento. O mesmo ocorre em relação às alterações do teor do registro, como a retificação, o reconhecimento de paternidade, a alteração de nome, a perda da nacionalidade brasileira, o divórcio e a separação. O Provimento n. 63, de 14 de novembro de 2017, do CNJ, em seu artigo 6º, trouxe uma inovação legislativa, a qual disciplina que na Certidão de Registro Civil constará o número do CPF e este “será obrigatoriamente incluído nas certidões de nascimento, casamento e óbito” (BRASIL, 2017). A Lei de Registros Públicos, nos artigos 50 e 51, estabelece o local onde deve ser realizado o registro, podendo ser: no lugar de ocorrência do parto ou no local onde os pais residem, imputando ainda o prazo de quinze dias para a sua realização, podendo este ser ampliado para até três meses, caso a sede do cartório fique a mais de trinta quilômetros. Se houver residências em lugares diversos, será realizada na de ambos ou de somente um, no que diz respeito aos pais, como estabelecido nos itens 1º e 2º do artigo 52. De acordo com o parágrafo 1º da referida lei, os indígenas, enquanto não forem integrados ou aculturados, não são obrigados ao registro de nascimento. Cabe ao órgão federal de assistência aos índios, no caso a Fundação Nacional do Índio (FUNAI), o registro em livro próprio. Embora a Lei n. 12.662, em vigor desde junho 2012, tenha transformado a Declaração de Nascido Vivo (DN) em documento de identidade provisória, aceita em todo o território nacional, ela não substitui o registro de nascimento, que deve ser lavrado nos prazos anteriormente citados. A declaração apenas assegura o direito de Registro civil de pessoas naturais 49 acesso aos serviços públicos que cada brasileiro tem ao nascer, até que a certidão de nascimento seja registrada em cartório. Com a obrigatoriedade do registro, a Lei n. 6.015/73 determina, no artigo 52, quem são os responsáveis por ele: Art. 52. São obrigados a fazer declaração de nascimento: 1º) o pai ou a mãe, isoladamente ou em conjunto, observado o disposto no § 2º do art. 54; 2º) no caso de falta ou de impedimento de um dos indicados no item 1º, outro indicado, que terá o prazo para declaração prorrogado por 45 (quarenta e cinco) dias; 3º) no impedimento de ambos, o parente mais próximo, sendo maior achando-se presente; 4º) em falta ou impedimento do parente referido no número anterior, os administradores de hospitais ou os médicos e parteiras que tiverem assistido o parto; 5º) pessoa idônea da casa em que ocorrer, sendo fora da residência da mãe; 6º) finalmente, as pessoas encarregadas da guarda do menor. (BRASIL, 1973) 3.2.2 Reconhecimento de filiação É importante não confundir o ato de declarar o nascimento com o de reconhecimento de filho. O Código Civil, nos artigos 1.596 e 1.597, bem como a jurisprudência pátria estabelecem as seguintes formas de filiação: a. por consanguinidade (relação jurídica entre ascendente e descendente em linha reta de primeiro grau); b. por adoção; c. por inseminação artificial heteróloga; d. socioafetiva. O reconhecimento de filiação pode ser voluntário ou mediante provocação judicial. O artigo 1.609 do Código Civil nomeia as formas de reconhecimento: jurisprudência: conjunto das decisões e interpretações das leis feitas pelos tribunais superiores (STF, STJ, TST e STM), adaptando as normas às situações de fato, ou seja, à realidade vivida no dia a dia das pessoas. 50 Sistema registral e notarial Art. 1.609. O reconhecimento dos filhos havidos fora do casamento é irrevogável e será feito: I - no registro do nascimento; II - por
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