Prévia do material em texto
CURSO DE PEDAGOGIA MMÓÓDDUULLOO SSOOCCIIOOLLOOGGIIAA DDAA EEDDUUCCAAÇÇÃÃOO Fevereiro/2015 DIRETOR ADMINISTRATIVO Prof. Me. Argemiro Aluísio Karling COORDENADORA DO CURSO DE PEDAGOGIA Prof.ª Me. Janaína Ciboto Mulati ELABORAÇÃO Prof.ª Esp. Elidenir Andressa Prestes Filadelfo Prof. Me. Celso Nicola Romano Prof. Me. Argemiro Aluísio Karling Prof ª. Me. Tatiane Marina dos Anjos Pereira FORMATAÇÃO DO MATERIAL Prof.ª Me. Tatiane Marina dos Anjos Pereira Nenhuma parte deste fascículo pode ser reproduzida sem autorização expressa do IEC e dos autores. Direitos reservados para INSTITUTO PARA O DESENVOLVIMENTO DA EDUCAÇÃO E DA CIDADANIA Av. Carlos C. Borges, 1828 – Borba Gato CNPJ – 02.684.150/0001-97 CEP: 87060-000 - Maringá – PR – Fone: (44) 3225-1197 e-mail: fainsep@fainsep.edu.br SOCIOLOGIA DA EDUCAÇÃO Graduação em Pedagogia 3 SUMÁRIO APRESENTAÇÃO .................................................................................................................... 04 I - OBJETIVO GERAL ............................................................................................................... 05 II - COMPETÊNCIAS ................................................................................................................ 05 III - ORIENTAÇÕES DIDÁTICAS .............................................................................................. 05 IV - AVALIAÇÃO ...................................................................................................................... 06 INTRODUÇÃO ......................................................................................................................... 09 UNIDADE 1 – CONTEXTOS E CONCEITOS DO PENSAMENTO SOCIOLÓGICO .................... 10 1.1 A especificidade da sociologia da educação ................................................................. 10 1.2 A educação como processo socializador ...................................................................... 13 1.3 A educação como processo de controle social ............................................................. 14 UNIDADE 2 – OS TEÓRICOS CLÁSSICOS E AS CONCEPÇÕES SOBRE A EDUCAÇÃO: PRINCIPAIS PRESSUPOSTOS TEÓRICOS ............................................................................. 17 2.1 Karl Marx ....................................................................................................................... 17 2.2 Emile Durkheim ............................................................................................................. 20 2.2.1 O fato social na concepção de Durkheim ............................................................ 22 2.3 Max Weber .................................................................................................................... 24 2.3.1 Tipos de ação social ............................................................................................ 26 2.4 Pierre Bourdieu .............................................................................................................. 28 UNIDADE 3 – SOCIOLOGIA DA EDUCAÇÃO NO BRASIL ....................................................... 33 3.1 Contexto histórico ....................................................................................................................... 33 3.2 Paulo Freire ................................................................................................................... 36 3.3 As instituições sociais e a educação ............................................................................. 38 3.4 As primeiras instituições socializadoras: a família e a educação ................................... 40 3.5 A instituição religiosa e a educação ............................................................................... 42 3.6 O Estado e a educação ................................................................................................. 43 3.7 Os meios de comunicação social e a educação ............................................................ 45 3.8 A educação no Brasil ..................................................................................................... 46 3.9 Ser professor ................................................................................................................. 51 UNIDADE 4 – A EDUCAÇÃO NAS SOCIEDADES CAPITALISTAS ........................................... 56 4.1 O contexto político-econômico e a educação ........................................................................ 57 4.2 Educação e construção da cidadania ............................................................................ 60 4.3 Currículo e sujeitos da escola ........................................................................................ 63 UNIDADE 5 – TENDÊNCIAS NA EDUCAÇÃO E AVANÇOS TECNOLÓGICOS ........................ 67 5.1 Tendências na educação .......................................................................................................... 67 5.2 Os avanços tecnológicos colaborando para uma educação de qualidade ..................... 72 5.2.1 A escola sofre pressões por mudanças ....................................................................... 72 5.2.2 O uso do computador na prática educativa ................................................................ 74 5.2.3 Questionando a informática na escola......................................................................... 76 5.2.4 Formar o cidadão do futuro é papel da escola ........................................................... 77 REFERÊNCIAS ....................................................................................................................... 80 SOCIOLOGIA DA EDUCAÇÃO Graduação em Pedagogia 4 APRESENTAÇÃO Prezados alunos: Mais um módulo inicia e gostaria de lembrá-los da missão do INSEP que é de formar profissionais educadores, bacharéis e tecnólogos; ampliar a formação humanística de pessoas para o pleno exercício da cidadania e preparo básico para funções técnicas e serviços gerais; oferecer educação continuada por meio de cursos de atualização, aperfeiçoamento e especialização, inclusive para o exercício de docência na educação superior; enfim, promover a educação e a cidadania por todos os meios, utilizando para tal o conhecimento, o desenvolvimento e a aplicação de novas tecnologias e educação a distância. Dessa forma, saiba que a formação e profissionalização do educador, com apropriação de competências e conhecimentos necessários ao exercício da ação docente, serão desenvolvidas durante a Graduação em Pedagogia. Com isso, espera-se o desenvolvimento de atitudes de reflexão e análise da atuação pedagógica e de valores para bem atuar na sociedade como agente de transformação, em busca de uma sociedade mais justa, a partir da identificação e análise das dimensões sócio-políticas e culturais de seu meio. A Pedagogia abrange o campo teórico e investigativo da educação, do ensino, de aprendizagens e do trabalho pedagógico propriamente dito, portanto saibam que, nesta Instituição, ao término da graduação, vocês não terão apenas um diploma, mas, sim, uma mudança e/ou transformação, tanto nos aspectos pessoais como profissionais, tornado-se um indivíduo crítico, criativo e participativo na busca de uma sociedade mais justa. Bons Estudos! Prof.ª Janaína Ciboto Mulati Coordenadora do Curso de Pedagogia SOCIOLOGIA DA EDUCAÇÃO Graduação em Pedagogia 5 I - OBJETIVO GERAL Oferecer subsídios teóricos e práticos aos educandos, favorecendo a reflexão consciente e crítica sobre os aspectos políticos e sociais que incidem sobre os processos escolares, instrumentalizandoo discente no estudo e na compreensão das concepções sociológicas, bem como suas implicações para a educação contemporânea. II - COMPETÊNCIAS Conhecer o histórico da Sociologia da Educação. Identificar o papel da educação na sociedade em seus diferentes momentos históricos. Conhecer as concepções dos principais teóricos clássicos da Sociologia da Educação. Compreender as principais questões atuais que envolvem a relação da educação com a sociedade. Conhecer o papel da educação no atual momento político e econômico mundial. Identificar as tendências na educação. Reconhecer os impactos das novas ciências e da tecnologia na educação. III - ORIENTAÇÕES DIDÁTICAS Leia atentamente as orientações didáticas, a fim de inteirar-se das práticas empreendidas na FAINSEP. O que se entende por Aprendizagem? Aprendizagem não significa aprender, porque alguém ensina, mas, sim, o processo de construção, reconstrução e de tomada de consciência do próprio desenvolvimento por parte do sujeito. Entende-se que tudo acontece pela ação do sujeito e, por isso, não se pode deixar de evidenciar o papel desta ação, pois é por meio dela que se constroem as estruturas do conhecimento. É preciso reconhecer que, quando ingressamos no curso superior, assumimos compromissos perante a nossa formação ou qualificação profissional e que sempre seremos os protagonistas dessa caminhada. Para ter sucesso neste desafio, proposto por nós mesmos, é necessário repensarmos o estilo de vida que levamos, a fim de valorizarmos cada etapa e tarefa desenvolvida. Devemos, portanto, tomar decisões e fazer opções que nos permitam aproveitar proficuamente o tempo de estudo, visando obter êxito nos estudos e, consequentemente, na vida pessoal e profissional. SOCIOLOGIA DA EDUCAÇÃO Graduação em Pedagogia 6 Para ajudar você nesta nova etapa, selecionamos algumas dicas importantes: Manter-se atento e disciplinado em relação às atividades e o cronograma do curso, para evitar que o ritmo de estudo diminua ao longo do tempo. Organizar bem sua agenda, a fim de reservar um horário adequado para os estudos. Ler, interpretar, esquematizar, resumir, analisar, concluir, reelaborar e tudo o mais que se insira no contato com um conteúdo. Participar das atividades propostas. Entrar em contato com o professor/tutor, sempre que tiver necessidade de esclarecer dúvidas ou questões. Ampliar sua rede de contatos, conversando com os colegas de turma e comparecendo aos encontros presenciais. Desenvolver estratégias próprias de estudo, visando garantir maior aproveitamento do curso. Familiarizar-se com o ambiente e os programas que serão utilizados no curso, especialmente o Moodle. Acompanhar todo o material disponibilizado e as atividades propostas. IV – AVALIAÇÃO Avaliação de dossiê As questões estão disponíveis na copiadora e no moodle (material do módulo). Você deverá respondê-las e entregar ou postar no moodle até a data do exame presencial. Você poderá utilizar outras fontes bibliográficas (Internet, livros, revistas científicas, entre outros) para complementar suas respostas. No entanto, não se esqueça de citar as fontes corretamente, conforme as normas da ABNT. A nota do dossiê será de 0,0 a 10,0. Normas para a elaboração do dossiê: No dossiê deve constar o enunciado das questões antes da respectiva resposta. Deve-se obedecer à sequência de perguntas de cada unidade. SOCIOLOGIA DA EDUCAÇÃO Graduação em Pedagogia 7 Em caso de dossiê manuscrito, o aluno deve redigir as perguntas e respostas em folhas de papel almaço. As respostas são individuais e devem ser elaboradas autonomamente, ou seja, sem recorrer à cópia de trechos da apostila ou de outros textos pesquisados. Lembre-se: o capricho demonstrado na elaboração e apresentação das atividades também integra a nota do dossiê. Exame presencial Ao final do módulo, você terá o exame presencial obrigatório. Não serão permitidas consultas. A nota do exame presencial será de 0,0 a 10,0. Complementação de notas Quem optar por responder as questões “para saber mais” terá acréscimo de até 1,0 na nota do dossiê, desde que sejam entregues ou postadas no moodle até a data do exame presencial. Vale lembrar que todas as questões devem ser respondidas adequadamente para que o ponto seja integral. Cálculo da média final Dossiê = Peso 3,0 Exame Presencial = Peso 7,0 Cálculo: Exemplo: Se o aluno tirou 6,0 no exame presencial e 7,0 no dossiê, o cálculo será: Para ser aprovado você precisa: SOCIOLOGIA DA EDUCAÇÃO Graduação em Pedagogia 8 Alcançar média geral de 6,0 e obter, no mínimo, 50% da nota de cada avaliação; Vale lembrar, entretanto, que a nota mínima 5,0 nas duas avaliações (dossiê e exame presencial) não totaliza a média 6,0, necessária à aprovação do aluno em cada módulo. Recuperação de notas Dossiê: se você não atingir a média ou não entregar no prazo determinado, terá que solicitar o exame de dossiê. Este procedimento dever ser feito na secretaria do curso, mediante taxa de pagamento. O exame de recuperação é composto por 10 questões discursivas, realizadas sem consulta, nas dependências do INSEP, Polo ou Centro de Estudos. Exame Presencial: caso não consiga atingir a média mínima (6,0), você poderá fazer o exame de 2ª oportunidade, no prazo de 10 ou 15 dias após o encerramento do módulo. Se, mesmo assim, não atingir a média, terá uma 3ª oportunidade. Aqueles que não fizeram o exame no prazo estabelecido terão que solicitar requerimento na secretaria do curso, mediante taxa de pagamento. SOCIOLOGIA DA EDUCAÇÃO Graduação em Pedagogia 9 IINNTTRROODDUUÇÇÃÃOO Caro aluno (a), Este módulo refere-se à Sociologia da educação, conteúdo que lhe permitirá compreender a escola como instituição social, considerando os processos sociais que a envolvem. Neste sentido, buscar-se-á refletir sobre a sociedade, seus fundamentos e suas implicações para a educação. Compete a você indagar sobre o processo sociocultural; as metodologias e os princípios que norteiam as concepções de educação, homem e sociedade vivenciadas historicamente; o envolvimento e influência da sociedade em relação à prática pedagógica; e as perspectivas e projeções em relação ao futuro da educação, do homem e da sociedade. O estudo que desenvolveremos neste módulo é um esforço introdutório de pensar sobre a relação entre a sociedade e a educação. Recorremos aos escritos de vários autores, embora tenhamos conferido destaque aos teóricos que têm influenciado a análise social da realidade educacional. O contexto político, econômico e social, a diversidade de pensamentos e encaminhamentos, os objetivos propostos e legalmente estabelecidos, as tentativas de mudança social e o percurso construído historicamente pela sociedade, entre outros aspectos tratados neste fascículo, propagam inúmeras ideologias que devem ser constantemente questionadas, a fim de se empreender uma educação integrada e que conduza o indivíduo à emancipação política, econômica, intelectual, cultural e social. Sendo assim, o objetivo deste módulo não é aprofundar o estudo de uma determinada corrente da sociologia. A tentativa maior é instigar o estudante a analisar e investigar as práticas pedagógicas empreendidas atualmente, bem como reconhecer as concepções sobre homem, educação e sociedade que embasam a própria prática pedagógica, a fim de torná-la mais eficaz. SOCIOLOGIA DA EDUCAÇÃO Graduação em Pedagogia 10 UNIDADE 1 CC OONNCCEEIITTOOSS EE CCOONNTTEEXXTTOOSS DDOO PPEENNSSAAMMEENNTTOO SSOOCCIIOOLLÓÓGGIICCOO 1.1 A especificidade da sociologia da educação. A sociologiasurgiu no século XIX, como resposta intelectual para os problemas que a sociedade estava apresentando. Neste sentido, temos elementos importantes a considerar, um deles é, justamente, a significação do século XVIII para o surgimento da sociologia como ciência, período em que temos a presença de uma dupla revolução: a Revolução Industrial, de caráter econômico e social; e a Revolução Francesa, de cunho eminentemente político, por meio da qual a burguesia, enquanto classe social, tomou o poder na França e expandiu-se para todo o mundo, internacionalizando-se. Outro elemento a considerar é a significação dos processos dessas duas revoluções, porque se constituem a força motriz da consolidação do modo de produção capitalista, cuja característica básica consiste na posse privada (particular) dos meios de produção: Esse modo de produção que se originou do comércio e da manufatura foi responsável pelo desenvolvimento de novas invenções, técnicas, aumento das atividades produtivas, dando origem à moderna indústria. A intensa urbanização do nosso século é fruto desse processo e o aparecimento de classes sociais também o é. Agora, sob a sociedade capitalista, a fonte de riquezas não é mais a terra, mas sim a propriedade de fábricas, máquinas, bancos, isto é, a propriedade dos meios de produção. Assim, os poucos proprietários dos meios de produção se constituem na classe empresarial (burguesia) enquanto uma imensa maioria de pessoas não proprietárias se constitui na classe trabalhadora (proletariado), que, para sobreviver, troca sua capacidade de trabalho por salário (MEKSENAS, 2002, p.29). Para começar nossos estudos... Ao iniciarmos a discussão em torno do pensamento sociológico no Brasil, faz-se necessário trazer à luz alguns aspectos já vistos por você no módulo de Sociologia. Vamos relembrar? Estude esta unidade antes da tutoria! http://www.google.com.br/imgres?q=perguntas&start=79&hl=pt-BR&biw=1024&bih=571&addh=36&tbm=isch&tbnid=kAcml0c7a62bBM:&imgrefurl=http://alemdorh.blogspot.com/2012/03/por-que-algumas-perguntas-sao-comuns-em.html&docid=24NL4MltMmRqaM&imgurl=http://2.bp.blogspot.com/-0sFglsPv9Tg/T2yNDt93GwI/AAAAAAAAAIY/4rPJSGuaW3U/s1600/perguntas.jpg&w=278&h=283&ei=B4TzT6i3BZOM0QG7_82ABw&zoom=1&iact=hc&vpx=93&vpy=210&dur=282&hovh=226&hovw=222&tx=121&ty=192&sig=104558201298061307707&page=5&tbnh=126&tbnw=131&ndsp=24&ved=1t:429,r:0,s:79,i:6 SOCIOLOGIA DA EDUCAÇÃO Graduação em Pedagogia 11 Assim, o que uma sociedade necessita para produzir seus bens é de controle privado e da posse particular de uma minoria – os detentores dos meios de produção, aspecto de fundamental importância, à medida que essa transformação no contexto das sociedades contemporâneas, principalmente das sociedades do mundo ocidental, fez com que a sociedade se tornasse um problema, existindo muitas questões de ordem social para serem resolvidas. Neste contexto, no século XIX, surge a sociologia como resposta intelectual aos problemas que a sociedade enfrentava. Temos, assim, a partir do século XIX, notadamente em 1839, ano em que Augusto Comte renomeou a ciência conhecida como física social, intitulando-a como sociologia. A partir daquele momento, surgia uma ciência com objeto e métodos de investigação, que buscaria responder às principais questões que se apresentavam no universo social da época e cuja sociedade era marcada por contradições, consequentemente, por crises de caráter econômico, político e também cultural; uma sociedade em que se percebia a vigência do conflito. Segundo Meksenas (2002), podemos afirmar que a sociologia é fruto de uma época, de uma nova organização social, de uma transformação social já instaurada e que, portanto, necessitava ser explicada e entendida. Como podemos pensar a educação no contexto dessa nova sociedade e dessa nova ciência? Deve ficar entendido que os processos culturais, no contexto das sociedades capitalistas, fazem com que se fortaleça a concepção de que a ciência é a fonte de toda e qualquer explicação para “o estar no mundo”. De acordo com Meksenas (2002), disseminou-se a ideia de que a própria vida moderna só poderia ser entendida pela ótica da ciência, melhor dizendo, pelo enfoque dos métodos científicos; e neste processo, a educação também sofreu transformações, já que passou a refletir valores que têm a ciência como base, deixando de refletir valores religiosos, presentes no contexto da sociedade feudal. Neste sentido, é importante considerar: Será nesse contexto ideológico da nascente sociedade industrial que nasce uma nova instituição responsável por essa educação: a escola. Percebemos que uma das características da revolução ideológica capitalista foi transportar uma educação que durante o feudalismo ocorria na família e na Igreja para a instituição da escola. Nasce assim a escola: uma instituição com normas específicas, agentes próprios (diretores, professores, alunos, orientadores pedagógicos etc.) e toda uma hierarquia. A escola se propõe o objetivo de preparar os indivíduos para a vida em sociedade ao mesmo tempo em que desenvolve suas aptidões pessoais. SOCIOLOGIA DA EDUCAÇÃO Graduação em Pedagogia 12 Com isso, nasce também nova estrutura de ensino: muitas salas de aula, muitos alunos numa só sala, provas, notas, porcentagens de frequência, carteiras em filas, diplomas. Tudo com o objetivo de educar uma massa cada vez maior de indivíduos, tentando adaptá-los aos valores dessa nova sociedade capitalista do século XVIII. A escola que conhecemos hoje é, portanto, produto dos séculos XVIII e XIX, período em que aparece a ideia da necessidade de educação pública e obrigatória para todas as pessoas (MEKSENAS, 2002, p.29). No contexto social, na nova ordem capitalista, surgiu a necessidade de explicar a realidade, mas também a exigência de criar espaços para preparar indivíduos que se adaptassem à nova ordem estabelecida, ao novo sistema. A escola passou a ser, de certa forma, a instituição cujo papel consistia em preparar os indivíduos para se adequar ao sistema social. A partir dessas considerações, é importante verificar a relação de interdependência presente entre o contexto social, o surgimento da ciência e o surgimento da escola enquanto instituição. A transformação que se operou nas estruturas sociais originou novas formas de se enfocar a realidade social vivenciada por indivíduos e grupos, bem como novas instituições sociais, com funções específicas, sendo a escola uma das principais dentre elas. Desse ponto de vista, devemos compreender, também, que se originaram “novas sociologias”; entre elas, a sociologia da educação, a ciência que vai investigar, interpretar e analisar a escola como instituição social, considerando os processos sociais que a envolvem. De certa forma, o campo de estudos da sociologia da educação pode ser diversificado, mas, mesmo em sua multiplicidade, necessita de instrumental teórico- metodológico detalhado e específico, que permita a compreensão dos elementos presentes no contexto social, histórico, político, cultural e econômico sobre os quais se assenta a educação. Os autores considerados clássicos da sociologia são Karl Marx (1818-1883), Émile Durkheim (1858-1917) e Max Weber (1864-1920), os quais objetivaram desenvolver teorias que, até hoje, constituem base explicativa e de interpretação da sociedade capitalista. Essas teorias são: a teoria crítica (Marx); a teoria funcionalista (Durkheim); e a teoria compreensiva (Weber): ou sociologia crítica; sociologia funcionalista; e sociologia compreensiva, respectivamente. No decorrer deste fascículo, aprofundaremos tais teorias, bem como as implicações educacionais das ideias defendidas por Marx, Durkheim e Weber, entre outros pensadores. SOCIOLOGIA DA EDUCAÇÃO Graduação em Pedagogia 13 1.2 A educação como processo socializadorO que podemos entender por socialização? Socialização é quando tratamos da relação de interdependência entre o surgimento de uma ciência e de uma instituição social e as transformações presentes na estrutura das sociedades. Nesse sentido, podemos pensar que a socialização é o processo de adequação do indivíduo ao sistema social. Portanto, viver em sociedade significa estar, de certa forma, “enquadrado” ao sistema social, seguindo as regras e as normas sociais estabelecidas. O processo de socialização permite a manutenção e a sobrevivência da sociedade. Na medida em que indivíduos e grupos pautam sua conduta pelas normas e regras previstas socialmente, encontram-se adaptados à sociedade a qual pode se manter coesa e em harmonia, como nos diriam os positivistas e os funcionalistas. O processo de socialização é, pois, fator que permite verificarmos a existência de vínculos sociais que, consolidados, mantêm a sociedade harmonicamente constituída e em ordem. Desta fora, a educação pode e deve ser concebida como uma das principais instâncias de socialização das novas gerações, visto que permite que nos formemos enquanto seres sociais, em nosso estar no mundo. Segundo Oliveira (2005), a educação consiste em um processo social de caráter permanente no contexto das sociedades humanas, sendo responsável pelo nosso ajustamento aos padrões culturais vigentes. Claro está, então, que uma das principais tarefas da educação, no contexto das sociedades, encontra-se no fato de fazer com que nossos interesses individuais sejam realizados por meio dos interesses sociais. A educação, enquanto fonte de socialização, faz-nos verificar que, sozinhos, nada conseguimos; precisamos dos outros e precisamos, de certa forma, estar adequados às regras coletivas. Meksenas (2002, p. 40) esclarece que o homem só desenvolve suas faculdades: “[...] em contato com outras pessoas, com o meio social. A convivência no grupo, por sua vez, só é possível se o indivíduo acatar certas regras comuns a todos; se for capaz de „abrir mão‟ de alguns de seus desejos para ter outros, socialmente aceitos”. Viver em sociedade exige propriamente que, de certo modo, consigamos “abrir mão” de alguns de nossos desejos em nome do coletivo. Podemos afirmar, assim, que o processo de socialização se realiza em sua plenitude quando podemos realizar esse gesto, pois a função social da educação é justamente SOCIOLOGIA DA EDUCAÇÃO Graduação em Pedagogia 14 evitar a contradição sempre presente entre os interesses pessoais e os interesses sociais. A educação, assim, deve fazer com que o indivíduo internalize ideias e procedimentos que fazem parte do meio social, já que a educação enquanto instância transmissora dos padrões morais aceitos socialmente permite a própria reprodução da sociedade. Ao mesmo tempo, a educação é múltipla, à medida que envolve uma soma de conhecimentos diferentes, que variam de indivíduo para indivíduo, considerando-se o contexto social. Embora seja una, dentro desta mesma unidade encontramos uma diversidade de conhecimentos. O caráter múltiplo da educação refere-se às suas especificidades em função das condições de classe, de gênero, de raça, de idade, de profissão, em conformidade com as determinações da sociedade na qual o ser humano se encontra inserido. Portanto, embora ninguém escape à influência da educação, ela não se apresenta de forma única, porque as sociedades, bem como as experiências de vida das pessoas, suas necessidades e condições de trabalho são diferenciadas. 1.3 A educação como processo de controle social Vimos a educação em sua função socializadora, mas é importante verificarmos que a educação também possui, junto com outras instituições sociais, a função de realizar o controle social. Não podemos separar a educação dessa função, sendo que o controle social se encontra sempre relacionado com uma forma disciplinar de reger as condutas e garanta a permanência e a sobrevivência das sociedades. Nos grupos sociais, existe sempre algum tipo de controle, de caráter individual ou social, pois não podemos viver numa sociedade sem qualquer forma de controle. Se assim não fosse, ninguém saberia ao certo o seu padrão adequado de comportamento, a norma de conduta a seguir e assim por diante. Não é possível viver em sociedade, sem que existam formas de controle, visto que este mesmo controle rege nossa conduta e estabelece repertórios de ações individuais e coletivas e padrões sociais de comportamento, que nos permitem circular, com certa segurança, no meio social e no exercício de nossos papéis sociais. Os padrões sociais de comportamento, ou padrões de comportamento, podem ser entendidos enquanto “regularidades” impostas para todos e que determinam a conduta dos indivíduos e dos grupos, estabelecidas pelos padrões culturais. Segundo Oliveira (2005), a educação tem por finalidade ajustar os educandos aos padrões culturais vigentes. Este processo de adequação permite que eles sejam capazes SOCIOLOGIA DA EDUCAÇÃO Graduação em Pedagogia 15 de estar integrados à sociedade, de acordo com o próprio desenvolvimento cultural. E, assim, a sociedade se mantém em ordem. Em sociedade, temos elementos formais e informais de controle social; comparando o direito à educação, podemos entender o direito enquanto elemento formal de controle social, uma vez que suas normas e regras se encontram no campo do obrigatório, não sendo, portanto, facultativas. A educação, por sua vez, pode ser considerada enquanto elemento informal de controle social, visto que, nela, encontram-se elementos que se inserem no campo do facultativo, da cultura. Salientamos, porém, que, mesmo no campo do facultativo, encontramos determinações que estabelecem condutas e padrões comportamentais aceitos socialmente. Neste sentido, deve ficar entendido que o conjunto de normas e de regras presentes na sociedade se sobrepõe ao indivíduo, fazendo com que este se adapte ao meio social. Na perspectiva da análise sociológica, portanto, a educação assume a função social de preparar os indivíduos para se adequarem ao sistema. Assim, as normas e as regras sociais exercem papel norteador de condutas, permitindo a construção de repertórios específicos que influenciam decisivamente as ações individuais e coletivas. Analise a charge! Considerando as discussões apresentadas nesta primeira unidade, pense e reflita: Qual o papel da educação no contexto da nossa vida? Qual o papel fundamental da educação no contexto das sociedades? SOCIOLOGIA DA EDUCAÇÃO Graduação em Pedagogia 16 http://humor-na-saude.blogspot.com/2012/10/funcao-social-da-escola.html PARA COMPLEMENTAR SEUS ESTUDOS Uma dica de estudo interessante é a leitura do livro de Paulo Meksenas, que, no segundo capítulo, aborda a educação do ponto de vista do funcionalismo. Você encontrará elementos que lhe permitirão visualizar a função social da educação enquanto fator de socialização. MEKSENAS, P. A educação segundo o funcionalismo. In:___. Sociologia da educação. Introdução ao estudo da escola no processo de transformação social. São Paulo: Loyola, 2002, p. 39-46. http://humor-na-saude.blogspot.com/2012/10/funcao-social-da-escola.html SOCIOLOGIA DA EDUCAÇÃO Graduação em Pedagogia 17 UNIDADE 2 OOSS TTEEÓÓRRIICCOOSS CCLLÁÁSSSSIICCOOSS EE AASS CCOONNCCEEPPÇÇÕÕEESS SSOOBBRREE AA EEDDUUCCAAÇÇÃÃOO:: pprriinncciippaaiiss pprreessssuuppoossttooss tteeóórriiccooss Anteriormente, vimos a especificidade da sociologia da educação e, também, a função social da educação. Nesta unidade, vamos trabalhar com os clássicos da sociologia – Marx, Durkheim e Weber – e respectivas concepções acerca da educação, ressaltando o que eles escrevem de específico nesse campo e suas contribuições para a área. Qual a contribuição dos clássicos da sociologiapara que possamos compreender a educação? Primeiramente, devemos ter claro que a principal questão sociológica se traduz por considerar a relação entre indivíduo e sociedade. Neste sentido, torna-se necessário examinar os autores clássicos da sociologia e a forma como eles respondem a essa principal questão sociológica. 2.1 Karl Marx (1818-1883) Para Marx, a sociedade determina o indivíduo por meio das condições materiais de existência. Podemos verificar, então, que estamos diante de uma concepção de caráter determinista. O critério de compreensão da relação entre indivíduo e sociedade, em Marx, é, como vimos, o critério econômico. Para este autor de referência, somos determinados em função de nossas condições materiais de existência e é somente neste sentido que a sociedade determina o indivíduo. Para o marxismo, o pensamento, a visão de homem e a visão de mundo é resultado das condições materiais, portanto o mundo material deve ser considerado anterior ao espírito; e este mesmo espírito deriva das condições materiais: Estude esta unidade antes da tutoria! SOCIOLOGIA DA EDUCAÇÃO Graduação em Pedagogia 18 O materialismo marxista considera o mundo como uma realidade dinâmica, um complexo de processos, que exige observarmos a realidade dialeticamente, isto é, em que ponto a realidade influencia a ideia e a ideia influencia a realidade. Assim, o espírito não é consequência passiva da ação da matéria, podendo reagir sobre aquilo que o determina, libertando o ser humano por meio de sua ação sobre o mundo, permitindo, assim, no futuro, a ação revolucionária (SILVA & CARVALHO, 2006, p. 49). Dessa maneira, em Marx, encontramos a presença da ação do homem no mundo, ou seja, o homem, a partir de sua compreensão da realidade, partindo desta mesma realidade, teria o papel de exercer em seu estar no mundo uma ação transformadora. Nesse sentido, uma pergunta importante deve ser feita: é a ideia que faz o real ou é o real que faz a ideia? Numa concepção marxista, real faz a ideia, pois é no campo da realidade concreta que se encontram as condições de possibilidade para realizações. Não é tendo por base as ideias de que a vida do homem no mundo será explicada. É, sim, pela atividade material humana, a práxis, que vamos compreender as ideias, a visão de homem e a visão de mundo. Marx assinala que “as ideias dominantes na sociedade são as ideias da classe dominante” (MARX, apud SILVA & CARVALHO, 2006, p. 49). Compreendido o próprio ponto de partida da concepção marxista da relação entre indivíduo e sociedade, vamos, agora, trabalhar a questão da educação. Como a educação era entendida por Marx? Como uma concepção marxista trabalha com a educação? Primeiramente, torna-se necessário repetir que em, Marx, os fatores determinantes da sociedade são as relações sociais de produção e as relações econômicas. De acordo com a teoria marxista, toda formação social possui uma infraestrutura, em que se encontram as relações sociais de produção; e uma superestrutura, em que estão presentes três instâncias: a ideológica, a jurídica e a política. A infraestrutura determina a superestrutura social, a qual, por sua vez, legitima as relações sociais de produção presentes na infraestrutura. Considerando a superestrutura, em Marx, podemos verificar que a educação faz parte da superestrutura social, na instância ideológica. Nesta perspectiva, a compreensão sobre o conceito de ideologia torna-se primordial. Em Marx, a ideologia constitui-se em uma distorção do pensamento que se SOCIOLOGIA DA EDUCAÇÃO Graduação em Pedagogia 19 origina das contradições sociais e que oculta estas mesmas contradições, as quais, por sua vez, manifestam-se nas ideias, nas visões de mundo e de homem, nas crenças e nas próprias categorias de conhecimento. Neste sentido, Silva e Carvalho (2006, p. 43) afirmam: A ideologia impede que o proletário tenha consciência da própria submissão, porque camufla a luta de classes ao representar, de forma ilusória, a sociedade, mostrando-a como una e harmônica. Além disso, segundo Marx, a ideologia esconde que o Estado, longe de representar o bem comum, é a expressão da classe dominante. Podemos, assim, verificar que a ideologia se constitui em uma visão “falsa” da realidade, visto que escamoteia, esconde aspectos desta mesma realidade. Já dissemos que a educação se encontra na esfera superestrutural da sociedade e é respectiva à esfera ideológica. Marx não trabalhou especificamente com a educação; mas considerando que as ideias dominantes na sociedade são as ideias da classe dominante, podemos ver que no marxismo o processo educativo seria transmissor da ideologia dominante, como podemos concluir pela leitura do trecho a seguir: A esperança de Marx por uma nova sociedade não pode ser construída sem a presença da ação educativa. No Manifesto, ele deixa claro que a educação deve ser levada em consideração no momento de se elaborar qualquer projeto de superação das relações sociais burguesas. É preciso, segundo ele, arrancá-la da influência da classe dominante, do modo burguês de ver o mundo, se não quisermos que as crianças sejam transformadas em “simples objetos de comércio, em simples instrumentos de trabalho” (Marx, 1984, p. 32). Entre as medidas a serem implementadas para que um novo tipo de educação seja desenvolvido, é preciso uma “educação pública e gratuita de todas as crianças”. Pensando a educação como parte de sua utopia revolucionária, Marx identificou nela uma “arma valiosa a ser empregada em favor da emancipação do ser humano, de sua libertação da exploração e do jugo do capital – a construção da sociedade comunista” (SILVA & CARVALHO, 2006, p. 52). Podemos verificar que a concepção marxista acerca da educação e do próprio papel dela, no contexto da sociedade capitalista, detém um caráter crítico. Neste sentido, também podemos afirmar que a concepção marxista permitiu que se tivesse uma percepção do processo educativo de caráter mais questionador. A sociologia da educação modifica-se com as questões levantadas pelo marxismo, enquanto instância supraestrutural de caráter ideológico. Cabe salientar que, em Marx, a transformação da SOCIOLOGIA DA EDUCAÇÃO Graduação em Pedagogia 20 sociedade capitalista em uma forma mais igualitária e justa de sociedade expressa-se de forma clara. De acordo com o marxismo, a educação é um instrumento no contexto da sociedade capitalista, pelo qual os dominados internalizam os valores e a visão de mundo da classe dominante, mas isto exclui a possibilidade de refletirmos acerca de uma pedagogia que possa ser um meio pelo qual se possa superar a ordem social capitalista, sempre desigual e, marcadamente, excludente: Tomando as ideias de Marx para uma educação que vise à realização e à formação de uma personalidade humana unificada e plena, é necessário considerar a educação não um problema individual, privado, sujeito a um processo de aperfeiçoamento espiritual, e, sim, um problema social, dependente da transformação da estrutura econômica da sociedade. Como, para ele, o homem é a essência que se faz a si mesmo, a prática educativa pode se tornar uma atividade favorável não apenas para formar pessoas, como também para transformar a sociedade (SILVA & CARVALHO, 2006, p. 51). Do ponto de vista de Silva e Carvalho (2006), podemos verificar que a educação tem um papel social notadamente crítico e questionador da ordem vigente, contribuindo, assim, para a mudança da ordem social, uma vez que permite, por meio do processo de ensino-aprendizagem, o próprio rompimento com a dominação estabelecida pela classe dominante. Paulo Freire é um dos pedagogos brasileiros que buscou transformar o papel “conservador” da educação, dando-lhe um caráter transformador, visto que propôs que o processo de ensino-aprendizagemse fizesse a partir da própria realidade do aluno, marcada fortemente pela desigualdade social. De qualquer forma, é importante percebermos que, em Marx, a transformação da sociedade envolve a presença da ação educativa. A sociedade capitalista, com suas contradições, não pode ser transformada ou superada, sem se considerar o processo educativo no que ele tem de supraestrutural e, por consequência, de legitimador da “nova” ordem social. 2.2 Emile Durkheim (1858-1917) Como Durkheim responde à principal questão sociológica, isto é, a relação entre indivíduo e sociedade? SOCIOLOGIA DA EDUCAÇÃO Graduação em Pedagogia 21 De acordo com Atisiano (2006), encontramo-nos diante do determinismo em Durkheim. No entanto, este diferencia-se do encontrado em Marx, pois, em Durkheim, a sociedade determina o indivíduo por meio das normas, das regras sociais, que são produzidas coletivamente, enquanto que, em Marx isso acontece pelo critério econômico. Neste sentido, nossas formas de pensar, de sentir e de agir encontram-se determinadas pela sociedade. Para Durkheim, a educação constitui-se como a principal fonte de socialização, na medida em que ela (a educação) permite a internalização das normas e das regras presentes na sociedade. Encontramos, nesse aspecto, a concepção de que o processo de socialização é o mesmo que o processo de educação, pois é pelo ato de educar que os indivíduos e os grupos interiorizam todos os elementos da moral presentes no meio social. Conforme Durkheim, essa socialização compõe o processo de aprendizagem social que permite a absorção das formas de viver da sociedade, sejam pensamentos, atitudes, símbolos e regras. No cerne dessa socialização, está a moral da sociedade, a qual é constituída por alguns tipos de regras, direitos e deveres, sistema de recompensa e castigo etc. Esta mesma moral também faz parte da linha-mestre de ensino nas escolas, ou seja, as práticas pedagógicas adotadas na educação (DURKHEIM, 2005). Nessa teoria, podemos verificar que a escola, enquanto instituição social, reflete os elementos presentes na sociedade e que o processo de ensino-aprendizagem permite também estabelecer formas de regulação social, adequando indivíduos e grupos submetidos e sujeitos à própria estrutura da sociedade. É importante considerar que a instituição do Estado é reguladora da ordem social, estabelecendo-a no contexto das sociedades complexas. A educação, que é uma das funções do Estado, também é reguladora da moral vigente na sociedade (ATISIANO, 2006). Durkheim focaliza, em sua concepção sociológica, as estruturas e as instituições sociais, considerando as novas relações de poder que se instauravam em sua época, uma vez que estava preocupado com elementos de desagregação e desordem social os quais identificava em sua sociedade. A educação, para ele, constitui um processo contínuo que permite a ordem e a estabilidade social, uma vez que, pela via educacional, determinados valores éticos são passados e internalizados por indivíduos e grupos. Considerando que a educação, enquanto instituição social, reflete elementos da sociedade na qual se inserem os indivíduos e os grupos; podemos entender que, para Durkheim, a educação representa o principal elemento de socialização, pois permite a SOCIOLOGIA DA EDUCAÇÃO Graduação em Pedagogia 22 adequação de normas e regras sociais dos indivíduos e grupos ao contexto social mais amplo, por meio da internalização de seus valores. 2.2.1 O fato social na concepção de Durkheim Na abordagem de Durkheim, encontramos como objeto de investigação sociológica o fato social, o qual define como as formas de pensar, agir e sentir que exercem coerção exterior sobre indivíduos e grupos, independentemente de concepções e vontades individuais. Que relação existe entre o fato social e a educação? Para Durkheim, a educação exerce poder coercitivo sobre indivíduos e grupos, fazendo com que estes estejam adequados às normas, aos costumes e aos hábitos estabelecidos na sociedade. Neste sentido, fazer parte da sociedade é agir de acordo com o que está socialmente determinado, como consequência enquanto instituição social, a escola é força motriz da absorção do que se encontra presente no próprio contexto social: Para Durkheim, a educação exerce coerção sobre os indivíduos, obrigando-os a se conformarem aos seus conteúdos, costumes e hábitos, desenvolvidos na escola e presentes na sociedade, isto é, para que sejamos aceitos na coletividade em que vivemos, é preciso que nos adaptemos às posturas por ela determinadas. A educação também se apresenta de forma exterior ao indivíduo, ou seja, não cabe a ele decidir ou desejar ser educado conforme os padrões estipulados pela sociedade, isso já é definido antes mesmo do seu nascimento, tem existência própria. E, por fim, a educação tem um aspecto geral, não se trata de um caso isolado, e sim de um mecanismo adotado da maior parte dessa sociedade. [...] Ele definiu as três características citadas acima para que entendamos que um fato social só é explicado por meio de outro fato social a partir da investigação das instituições e a explicação do seu funcionamento. A educação – fato social e instituição, apresenta-se independente dos indivíduos, ela é uma força maior do que eles, que lhes dita comportamentos exigidos pela sociedade (ATISIANO, 2006, p. 33). Durkheim estabelece a própria definição das características dos fatos sociais: a coercibilidade, a exterioridade e a generalidade, sendo que esta última é a mais sociológica das características, se assim podemos dizer, porque é a partir da generalidade que os indivíduos e os grupos reproduzem em si as regras, as normas, os costumes, as crenças etc., presentes na sociedade, os quais estabelecem padrões comportamentais e repertórios de ações coletivas, permitindo a ordem e a coesão social. SOCIOLOGIA DA EDUCAÇÃO Graduação em Pedagogia 23 Atisiano (2006) salienta também que, em Durkheim, a preocupação fundamental não se encontra na priorização dos indivíduos, mas das instituições sociais e suas determinações, pois, a manutenção da ordem, da coesão e do consenso sociais era importante para o referido sociólogo. Verificamos que a tônica no pensamento de Durkheim encontra-se no fato de que, no contexto das sociedades complexas e mais desenvolvidas, caracterizadas por uma divisão do trabalho (especialização), as várias instituições presentes na sociedade exercem suas funções determinadas, com a finalidade de integrar os indivíduos. Para Durkheim, a educação envolve a ação que as gerações adultas exercem sobre as gerações mais jovens, os quais ainda não se encontram preparadas para a vida social; por conseguinte a educação tem por objetivo fazer com que se desenvolvam, na criança e nos jovens, características especialmente morais, em estrita consonância com os valores exigidos socialmente. Durkheim não estava preocupado com a transformação da sociedade capitalista, mas, sim, com a sua regulação, uma vez que o sociólogo concebe a educação enquanto elemento que integra a sociedade, uma vez que deve existir para manter a ordem social. Neste sentido, não é tarefa da educação a transformação da ordem social, notadamente da ordem social capitalista, mas, sim, reproduzir os valores morais e éticos dessa sociedade. Durkheim instituiu a pedagogia como disciplina autônoma, sem dependência obrigatória com outras áreas do conhecimento, rompendo com o processo vigente em sua época, ou seja, a pedagogia atrelada à filosofia, à moral e à teologia. No campo educacional foi o primeiro sociólogo a colocar a escola como instituição de fundamental importância na formação do indivíduo. Porém, é fundamental saber que, para Durkheim, pedagogia e educação eram diferentes: A educação é a ação exercida, junto às crianças, pelos paise mestres. É permanente, de todos os instantes, geral. Não há período na vida social, não há mesmo, por assim dizer, momento no dia em que as novas gerações não estejam em contato com seus maiores e, em que, por conseguinte, não recebam deles influência educativa (DURKHEIM, 1978, p.57). Refletindo sobre os apontamentos deste autor, um dos pilares da Sociologia, é possível perceber que a educação ocorre por meio de ações exercidas cotidianamente, tanto de maneira formal, por mestres e nas escolas, como informalmente, pela atuação da família; entretanto, a Pedagogia, por sua vez, corresponde a uma área de conhecimento teórico, como você pode ler a seguir: SOCIOLOGIA DA EDUCAÇÃO Graduação em Pedagogia 24 As teorias chamadas pedagógicas são especulações de gênero muito diverso. Seu objetivo não é o de descrever ou explicar o que é ou o que tem sido, mas, de determinar o que deve ser. Não estão orientadas nem para o presente nem para o passado, mas para o futuro. Não se propõem a exprimir fielmente certas realidades, mas a expor preceitos de condutas. Elas não nos dizem: “eis o que existe e por que existe”. Mas, sim: “eis o que será preciso fazer” (DURKHEIM, 1978, p. 64). Apesar de diferenciar pedagogia e educação, podemos perceber que Durkheim aponta, de certa forma, a existência de uma relação e dependência entre ambas. Indo além, no que diz respeito a seu entendimento sobre a função da educação e da escola, podemos perceber, sobretudo, que Durkheim atrela a educação às necessidades sociais. Sendo o fim último da educação socializar e renovar as condições da existência social, a escola e a sociedade são vistas como duas “instituições” que se complementam e interagem. Desta forma, a escola torna-se fundamental à formação moral do indivíduo cuja função consiste em adaptar estas mesmas pessoas às regras sociais. Tal processo ocorre por meio da reprodução de hábitos e valores transmitidos pelos adultos às crianças, e nesse sentido, a educação, da concepção durkheimiana, não tem a função de mudar, mas, sim, de reproduzir. Para compreender melhor a definição de fato social, concebida por Durkheim, assista o vídeo: http://www.youtube.com/watch?v=k8F3_u5QVKw 2.3 Max Weber (1864-1920) Anteriormente, vimos a concepção de Durkheim acerca da significação da educação no contexto social. Agora, vamos enfocar as concepções de Weber sobre educação, abordando alguns aspectos importantes da teoria deste que também representa mais um dos fundamentos da Sociologia. Como Weber concebe a relação entre indivíduo e sociedade? Em Weber, não estamos diante de determinismos, pois ele traz para “dentro” da sociologia o indivíduo enquanto “construtor” do próprio universo social; para Weber, o indivíduo em interação, trocando sentidos e significados, compartilhando esses mesmos sentidos e significados, constrói a sociedade. Este constitui o primeiro momento na concepção da relação entre indivíduo e sociedade; somente, num segundo momento, teremos a determinação do social sobre o individual, apontada por Weber http://www.youtube.com/watch?v=k8F3_u5QVKw SOCIOLOGIA DA EDUCAÇÃO Graduação em Pedagogia 25 Esse sociólogo recusa a concepção determinista, pois, no ato de nomear as coisas, o ser humano dá a elas existência, vida, porque atribui significados e assim institui sua existência. No estar no mundo, o homem constrói o próprio universo – o universo social, exercendo sobre ele uma determinação. A compreensão da ação do homem constitui o ponto de partida desse pensador para compreender a sociedade. Do ponto de vista de Weber, é necessário investigar, interpretar e analisar a ação do homem em seu estar no mundo, bem como os sentidos e os significados que seriam a força motriz dessa mesma ação. Weber também considera os aspectos de caráter econômico a partir da ação social e da concepção de que a sociologia é uma ciência compreensiva. Weber dialoga com a teoria marxista, mas afasta-se de Marx ao explicar que a sociedade parte das relações estabelecidas pelos homens no contexto da sociedade capitalista, que centraliza sua análise em determinantes econômicos. Weber considera a existência de inúmeros grupos sociais em sociedades diferentes, que envolvem culturas diferentes e que, portanto, devem ser consideradas também na ação educativa. Weber não nega taxativamente a luta de classes, mas considera que, nas classes sociais, não se encontram exclusivamente todas as causas e as consequências das transformações sociais. Além disso, para o referido autor, a formação da sociedade resulta de processos interativos entre diferentes indivíduos e grupos: A sociologia do alemão Max Weber (1864-1920) tem como premissa a idéia de que a sociedade não é apenas uma “coisa” exterior e coercitiva que determina o comportamento dos indivíduos, mas sim o resultado de uma enorme e inesgotável nuvem de interações interindividuais. A sociedade para Weber não é aquilo que pesa sobre o indivíduo, mas aquilo que se veicula entre eles. As conseqüências dessa visão para a sociologia da educação, é claro, serão bastante significativas (RODRIGUES, 2002, p.59). Rodrigues (2002) não produziu uma teoria sociológica sobre a educação, mas chamou a atenção para a concepção diferenciada que Weber propõe, considerando-se os determinismos de Marx e Durkheim. Para Weber, segundo Rodrigues (2002), os homens veem o mundo no qual se encontram inseridos a partir dos próprios valores, compartilhados e internalizados pelos indivíduos, ou seja, estes são subjetivados de formas distintas, de acordo com o processo de interação do qual os indivíduos fazem parte. O mesmo meio social pode ter significados diferenciados para os indivíduos e, portanto, dele podem se originar diferentes formas de agir, visto que as pessoas agem conforme assimilam os elementos culturais e também de acordo com os diferentes tipos SOCIOLOGIA DA EDUCAÇÃO Graduação em Pedagogia 26 de racionalidade empregados: “A realidade é concebida por Weber, então, como o encontro entre os homens e os valores aos quais eles se vinculam e os quais articulam de modos distintos no plano subjetivo” (Rodrigues, 2002, p.61). Assim, a sociedade não constitui um bloco, mas corresponde a uma rede de inter-relações. Podemos verificar, portanto, que, em Weber, os valores que internalizamos são a força motriz de nosso agir; logo, agimos em função dos valores que internalizamos em nossa interação com o outro (RODRIGUES, 2002). Segundo Rodrigues (2002), agir em sociedade envolve sempre algum grau de racionalidade por parte de quem age, e esta mesma racionalidade envolve a interação com outro indivíduo, já que sociedade é sinônimo de interação. 2.3.1 Tipos de ação social Em Weber, segundo Rodrigues (2002), observamos que a concretude das normas e das regras sociais se realiza somente quando tais normas e regras se encontram presentes em cada indivíduo pelo processo de interação e internalização e se manifestam em cada um na forma de motivação. Cada pessoa age em sociedade, tendo como ponto de referência um motivo, que pode ser determinado pela tradição, pelo afeto ou pela racionalidade. Nesse ponto da teoria weberiana, o sociólogo estabelece os tipos de ação social que se realizam na vida em sociedade, visto que o objetivo que se expressa na ação social permite desvendar o próprio sentido da ação, uma vez que cada indivíduo considera, no seu agir, a resposta ou a reação de outros indivíduos. Desta forma, Weber estabelece quatro os tipos de ação social, conforme destaca Rodrigues (2002): Ação social tradicional – determinada por um costume, por um hábito, no qual o ator social obedece a reflexos enraizados de longa prática. É determinada por hábitos, costumes e crenças, sendo transformada em uma segunda natureza. Neste tipo de ação social, reproduzem-se padrõessociais que são consagrados pelos costumes e pelas tradições observadas na convivência social. Ação social afetiva – tem como característica fundamental a emoção, a determinação por afetos ou até mesmo por estados sentimentais. Pode ser uma ação reativa de caráter emocional do ator social em determinada circunstância e em diferente instante da vida, não sendo caracterizada por um objetivo ou por um sistema de valores. Ação social racional com relação a valores – tem como característica fundamental ser determinada pela crença consciente em um dado valor, considerado significativo por SOCIOLOGIA DA EDUCAÇÃO Graduação em Pedagogia 27 parte do ator social. De certa forma, o ator social age em conformidade com seus princípios morais e éticos “racionaliza” o agir, em conformidade com esses princípios. Ação social com relação a fins – tem como característica básica ser a ação que o homem realiza enquanto ator social, tendo como referência ou motivação seus objetivos e considerando os meios de que dispõe para atingi-los. Em nosso viver em sociedade, enquanto atores sociais, no exercício de nossos papéis, encontramo-nos diante dessas formas de agir, ou seja, tais ações funcionam como forças motivacionais de nosso cotidiano. Weber é reconhecido como um autor que procurou investigar, interpretar e analisar a sociedade moderna, complexa e capitalista; uma sociedade que se pauta pela racionalidade. Sendo assim, a educação para Weber, no contexto de uma sociedade marcadamente racionalizada, estaria em estreita relação com a estratificação social, com meios de distinção e de obtenção de certas honras que envolvem o poder e o dinheiro: “[...] no modelo ideal weberiano a educação é, conforme o caso, socialmente dirigida a três tipos de finalidades: despertar do carisma, preparar o aluno para uma conduta de vida e transmitir conhecimento especializado” (RODRIGUES, 2002, p.78). O primeiro tipo de educação – do carisma – não se aplicaria às pessoas normais, não constituindo, portanto, uma pedagogia, pois não se pode ensinar o carisma, não se pode preparar para o carisma, que pode ser concebido como um “dom” pessoal. Ao segundo tipo – conduta de vida – Weber denomina pedagogia do cultivo, voltada a formar o homem culto. Ela procura formar um tipo de homem que seja culto, onde o ideal de cultura depende da camada social para a qual o indivíduo está sendo preparado. O que implica em prepará-lo para certos tipos de comportamento interior, ou seja, para a reflexividade; e exterior, ou seja, para um determinado tipo de comportamento social. Quanto ao terceiro tipo de educação, denominado por Weber de pedagogia do treinamento, em conformidade com Rodrigues (2002), envolve uma racionalização da vida social e a própria burocratização do aparato público de dominação de caráter político. Este tipo de educação supõe um preparo especializado, no sentido de transformar o indivíduo num técnico, num perito. Entendemos que a pedagogia do treinamento é predominante no contexto da Modernidade, ao mesmo tempo em que é uma pedagogia que envolve a ascensão social e a obtenção de status privado. Nesse sentido, encontramos em Weber, certo pessimismo com relação à sociedade moderna. Também é possível perceber que, na visão desse pensador, é imprescindível o enfrentamento do mundo burocrático, no qual se encontra a racionalidade, para que a vida e o mundo social não deixem de ser uma possibilidade. Para Weber, esta deveria ser a responsabilidade da ação educativa (RODRIGUES, 2007). SOCIOLOGIA DA EDUCAÇÃO Graduação em Pedagogia 28 Resumidamente, podemos apontar como os autores pensavam os aspectos educacionais: Marx defende uma transformação na educação daquele momento; via-a, como estava organizada, a serviço das classes dominantes; Weber, por sua vez, preocupa-se em compreender as formas de dominação e relações de poder presentes nas instituições educativas; e, por fim, Durkheim considera que a educação tem o papel de perpetuar as normas e regras sociais para os indivíduos. 2.4 Pierre Bourdieu (1930-2002) Bourdieu foi um sociólogo francês cuja contribuição foi fundamental principalmente no campo da teoria sociológica de caráter mais geral e da interação entre educação e cultura. Sua formação envolve a Sociologia, a Filosofia, a Antropologia e a Estatística. A percepção da relação dialética entre estruturas sociais e estruturas mentais, identificada no processo de dominação, representa sua principal contribuição no campo da Sociologia. Neste sentido, Bourdieu procurou trabalhar profundamente com os elementos de mediação entre o agente social e a sociedade. Podemos afirmar que ele procurou analisar a relação entre ator social e estrutura social, dando significativa contribuição à sociologia contemporânea. Salientamos que, em Bourdieu, os conceitos de habitus, de campo e de reprodução são significativos, compreendermos a educação. Primeiramente, vamos ver esses três conceitos, para depois estabelecer relação dos mesmos com a educação. Conceito de habitus em Bourdieu O conceito de habitus determinado por Bourdieu, permite analisarmos as formas como indivíduos e grupos orientam sua ação no contexto das sociedades enquanto resultado das relações sociais, ao mesmo tempo em que envolve a reprodução das relações objetivas que causam a orientação das ações destes mesmos indivíduos e grupos. Bourdieu, assim define habitus: Sistema de disposições duráveis, estruturas estruturadas predispostas a funcionarem como estruturas estruturantes, isto é, como princípio que gera e estrutura as práticas e as representações que podem ser objetivamente “regulamentadas” e “reguladas” sem que por isso sejam o produto de SOCIOLOGIA DA EDUCAÇÃO Graduação em Pedagogia 29 obediência de regras, objetivamente adaptadas a um fim, sem que se tenha necessidade da projeção consciente deste fim ou do domínio das operações para atingi-lo, mas sendo, ao mesmo tempo, coletivamente orquestradas sem serem o produto da ação organizadora de um maestro (BOURDIEU, citado por Ortiz, 1983, p. 15). Infere-se, portanto, que o conceito de habitus representa a relação de reciprocidade que se percebe entre o mundo objetivo da estrutura social e o mundo subjetivo das individualidades. O habitus constitui, pois, um sistema de esquemas individuais que se forma por meio do contexto social, sendo internalizado, entretanto, por indivíduos e grupos; esta constituição se manifesta como estruturante das mentes, uma vez que é adquirida e formada pela experiência prática, no contexto da realidade cotidiana. Nesse sentido, o habitus é social e individual, expressando a relação de interdependência presente entre o ator social e a sua realidade social mais ampla. Para este sociólogo, a realidade social tem como força estruturante a mente de indivíduos e grupos, uma vez que estes internalizam esta mesma realidade que irá culminar em suas ações. Portanto, para Bourdieu, subjetividade e objetividade encontram-se em relação de interdependência, pois os indivíduos expressam socialmente seu habitus de classe e refletem em seu comportamento elementos da estrutura social; podemos dizer que até mesmo reproduzem em suas práticas sociais os determinantes estruturais mais abrangentes. Assim, podemos afirmar que as visões de homem e de mundo não se encontram imunes às determinações da realidade objetiva: As disposições tratadas por Bourdieu, na sua definição de habitus, devem ser entendidas como competências, atitudes, tendências e formas de perceber, pensar e sentir adquiridas e interiorizadas pelos indivíduos em virtude de suas condições objetivas de existência. É profundamente interiorizado e não implica consciência dos agentes para ser eficaz, sendo capaz de inventar outros meios de desempenhar as antigas funções diante de situações novas e, assim,ele permite aos agentes se orientarem em seu espaço social e adotarem práticas que estão de acordo com sua vinculação social. Possibilita ao agente a elaboração de estratégias antecipadoras que são conduzidas por esquemas inconscientes, ou seja, esquemas de percepção, de apreciação e de ação resultantes do trabalho pedagógico e de socialização, ao qual o agente é submetido, e de “experiências primitivas” (como a primeira educação familiar), que estão ligadas ao agente e têm um peso desmesurado em relação às experiências posteriores (BUSETTO, 2006, p.119-120). De acordo com a citação anterior, observa-se que Busetto (2006) destaca alguns aspectos significativos do conceito de habitus em Bourdieu, ressaltando a relação existente entre interiorização e exterioridade, sendo esta a estrutura social mais ampla. Deste modo, interiorizamos as estruturas sociais envolventes, adquirimos nossas SOCIOLOGIA DA EDUCAÇÃO Graduação em Pedagogia 30 competências e formulamos nossas estratégias a partir desse processo de interiorização ou internalização. Por isso podemos até mesmo dizer que a estrutura educacional é também produtora de um habitus. Conceito de campo O conceito de campo é um elemento importante na obra de Bourdieu e pode ser entendido como espaço de luta, no qual se travam as relações sociais, considerando-se os interesses específicos de indivíduos e grupos. A relação existente entre ação de caráter subjetivo e de cunho objetivo que envolve a estrutura social é equacionada quando se considera que os atores sociais agem em um campo determinado socialmente. Na sociologia de Bourdieu, como o campo não se refere ao que é determinado pelas ações individuais, é possível identificar o que está objetivamente estruturado. Podemos dizer, assim, que é no contexto do campo que o habitus se estrutura, relação que podemos verificar entre campo e habitus, segundo Busetto (2006). A reprodução Para Bourdieu, é de fundamental importância a dimensão social na qual se constituem as relações entre os atores sociais e as estruturas de poder, que se reproduzem, ou reproduzem o próprio sistema objetivo de dominação, o qual é interiorizado como subjetividade. Neste sentido, a sociedade deve ser apreendida como estratificação de poder. Quando Bourdieu escreve sua obra, A reprodução, define a escola como o espaço onde encontramos formas de se legitimar as desigualdades sociais presentes na estrutura mais ampla, tendo em vista que esta mesma escola deve ser entendida de acordo com as dimensões das classes sociais, uma vez que corresponde a um espaço social que, segundo o autor, encontra-se relacionado à reprodução das relações de dominação, presentes na sociedade. Na obra em destaque, Bourdieu contesta a concepção de que a escola seria a promotora de ascensão social e de liberdade para o indivíduo. Em sua pesquisa sobre a estrutura da escola francesa, constata que, na realidade, esta não promovia a liberdade individual, nem favorecia a ascensão social, uma vez que nela se reproduziam fundamentalmente as relações de classe. Portando, como espaço de reprodução, favoreceria a própria legitimação das desigualdades sociais: Do ponto de vista da análise, deixa claro que a escola e sua prática somente podem ser entendidas e compreendidas quando relacionadas ao SOCIOLOGIA DA EDUCAÇÃO Graduação em Pedagogia 31 conjunto das relações entre as classes sociais. E, mais ainda, a caracteriza como um campo que, mais do que qualquer outro, está orientado para a sua própria reprodução, dado que, entre outras razões, ela tem o domínio da sua própria reprodução, embora submetida às pressões externas, geralmente advindas das estratégias dos diferentes grupos e/ou classes sociais na obtenção ou ampliação de capital cultural (BUSETTO, 2006, p. 119-120). Podemos depreender dessas palavras a significação da escola na concepção sociológica de Bourdieu, tendo em vista que ela não se manifesta como uma instituição neutra, mas como uma instituição que produz e reproduz as relações de classes pertencentes à estrutura social. Dessa forma, a escola não minimiza as desigualdades sociais; ao contrário as reproduz, pois é concebida como espaço que transmite cultura. Lança-se, aqui, uma questão: Mas que cultura ela transmite? À qual respondemos: A cultura da classe dominante no contexto das sociedades. A estratégia com que essa transmissão se manifesta consiste em apresentar a cultura e o próprio conhecimento como neutros e legítimos, como detentores de um caráter de universalidade, escondendo-se o fato de que a cultura transmitida pela escola é produto do denominado arbitrário cultural, uma vez que esta mesma cultura é socialmente interessada ou atende socialmente aos interesses dos segmentos dominantes da sociedade. Nesta direção, destacam-se as palavras de Busetto (2006, p. 128): Então, não é por acidente que os filhos das classes dominantes têm mais sucesso na obtenção da cultura escolar e, consequentemente, ingressam mais ampla e facilmente na universidade. Como membros de famílias portadoras de considerável capital cultural, tanto intelectual quanto material, eles adquirem um habitus social bastante concordante com o habitus escolar. Daí a facilidade deles na aquisição dos procedimentos, esquemas operatórios de pensamento e linguagem mais enfaticamente exigidos pela escola, uma vez que, para eles, ao contrário dos filhos pertencentes a segmentos sociais culturalmente desfavorecidos, a experiência escolar é um prolongamento da vida familiar e do seu grupo social. Enquanto, para os filhos das classes dominantes, a cultura escolar é a sua própria cultura – porém, reelaborada e sistematizada – para os filhos das classes dominadas, a cultura da escola é experimentada como uma “cultura estrangeira”. Na transmissão de conhecimentos, a escola se orienta, segundo Bourdieu, pela “pedagogia do implícito”, isto é, o sucesso do aluno na aquisição da cultura escolar supõe, de forma implícita, a posse de um capital cultural herdado pelos alunos oriundos das famílias das classes dominantes. A escola, assim, contribui com a reprodução social, ou seja, a garantia da dominação pelos setores sociais dominantes. Analisando Bourdieu, Busetto (2006) esclarece a forma como a escola reproduz a dominação de classes, presente no contexto da sociedade. Indivíduos e grupos da classe dominante concebem a escola e nela encontram a própria extensão de sua visão de mundo; e os indivíduos e os grupos da classe dominada, de certa forma, devem se SOCIOLOGIA DA EDUCAÇÃO Graduação em Pedagogia 32 submeter à concepção, tendo em vista que a escola transmite a compreensão de uma cultura “estrangeira”, a qual não se coaduna com a visão de mundo que a classe dominada possui. Este aspecto é de suma importância, se objetivamos compreender a diferença no tocante à aquisição de conhecimentos, entre os segmentos dominantes e os dominados. No contexto da sociedade, considerando o processo de “democratização” do ensino, podemos verificar uma forte elevação no número de pessoas diplomadas. Neste sentido, de acordo com Busetto (2006), a instituição escolar, na função social de reprodutora da cultura dominante, substitui, paulatinamente, as desigualdades de acesso ao ensino pelas desigualdades, no que se refere aos currículos apresentados pelos indivíduos, alicerçados nas escolhas de cursos e unidades de ensino que possuem um determinado poder simbólico. Os alunos pertencentes aos segmentos dominantes da sociedade podem escolher o que se costuma denominar “as melhores e mais eficientes instituições escolares”, as que possuem maior capital cultural; enquanto os alunos pertencentes aos segmentos dominados da sociedade circulam num espaço de escolha reduzido e somente podem escolher instituições que se coadunam com as condições de baixo capital cultural ematerial que eles possuem. SOCIOLOGIA DA EDUCAÇÃO Graduação em Pedagogia 33 UNIDADE 3 SSOOCCIIOOLLOOGGIIAA DDAA EEDDUUCCAAÇÇÃÃOO NNOO BBRRAASSIILL 3.1 Contexto histórico No Brasil, a Sociologia da Educação institucionalizou-se enquanto disciplina científica somente a partir da segunda metade da década de 60 do século XX e foi influenciada fortemente por duas correntes do pensamento sociológico: a funcionalista e a conflitualista. Como estudamos na unidade anterior, pode-se dizer que Durkheim desenvolveu a fundamentação da corrente funcionalista, tanto no que diz respeito à estrutura social quanto à evolução sócio-histórica, visto que, para o sociólogo, a educação é eminentemente social. A corrente funcionalista preocupa-se principalmente com a questão da escolarização; sobretudo, como ocorre a integração entre os indivíduos, por meio da educação e o modo como se organizam os espaços escolares. Esta corrente nega aspectos como a transformação social e os conflitos sociais, também percebia-os como doença. Com o intuito de manter a ordem social, um dos principais objetivos da escola era interiorizar a hierarquia social nos indivíduos, com base no modelo capitalista. O clima de diferenças e hierarquias era mantido também dentro das próprias escolas, local onde a obediência às regras sociais e à disciplina era indispensável e fundamental à manutenção de uma boa educação. As características anteriormente apontadas são familiares a você? A escola em que você estudou apresentava aspectos semelhantes a estes na forma de se organizar? Esses aspectos que você presenciou e talvez tenha até identificado nas suas experiências escolares foram, praticamente, os únicos a nortear os projetos pedagógicos Estude esta unidade antes da tutoria! SOCIOLOGIA DA EDUCAÇÃO Graduação em Pedagogia 34 brasileiros até a década de 60. Somente a partir de diversas mudanças políticas surgidas no Brasil no referido período, outros ventos começaram a soprar para a educação e novas influências estariam a se anunciar. Ao contrário da corrente funcionalista, que via o conflito como um axioma da sociedade que precisava ser tratado, a corrente conflitualista percebia o conflito como parte integrante da sociedade e responsável por transformações sociais. Para a primeira corrente estudada aqui, a funcionalista, a sociedade era vista como um sistema integrado; enquanto que, para a conflitualista, a sociedade era composta por elementos contraditórios cuja estabilidade ocorria de acordo com as relações de dominação. Os cientistas sociais adeptos dessa corrente acreditavam que os conflitos de classe entre a burguesia e o proletariado seriam permanentes, até que se dissolvessem para dar lugar a uma nova sociedade. Para eles, a burguesia só se mantinha no poder por meio da doutrinação ideológica que a mesma exercia, principalmente por meio de instituições como a escola, a qual reproduzia a ideologia desta mesma sociedade e, consequentemente, assegurava dominação desta. Apesar de inspirada em pensamentos filosóficos como o marxismo e no pensamento socialista do século XIX, essa corrente surgiu no Brasil a partir dos anos 50 do século XX como uma grande novidade no âmbito educacional. O foco da corrente funcionalista era a análise dos fundamentos da sociedade com o objetivo de identificar as raízes dos problemas sociais. Por meio desta análise, a sociedade capitalista poderia fazer a sua crítica. Pesquisas influenciadas pela corrente funcionalista constataram que a educação, no Brasil daquele período, não vinha atendendo a seu principal objetivo de tornar a sociedade mais justa e humana. As ciências sociais ofereceram conteúdo intelectual e legitimidade acadêmica aos apelos populares, tanto pela intervenção de intelectuais na política, quanto pela criação de instituições especializadas de pesquisa. Neste aspecto, como ressalta Poyer (2007), com a criação do Centro Brasileiro de Pesquisa Educacional, na década de 1950, efetivou-se finalmente o encontro entre Ciências Sociais e Educação. Expoentes como Anísio Teixeira, Darcy Ribeiro, Florestan Fernandes e Oracy Nogueira conduziram pesquisas sociológicas sobre os problemas brasileiros, entre eles, a ineficiência do Brasil em oferecer a educação básica. SOCIOLOGIA DA EDUCAÇÃO Graduação em Pedagogia 35 As pesquisas também mostraram que, da forma como estava organizada, a escola acentuava ainda mais as diferenças sociais, pois os alunos que obtinham sucesso eram, em maioria, provenientes de classes sociais favorecidas. Entre os pensadores que se dedicaram a compreender o papel da educação na construção de uma nova realidade social, destaca-se Florestan Fernandes, com sua inegável contribuição para a educação e capacidade de produção teórica e crítica sobre a realidade brasileira (POYER, 2007). Influenciado pelas ideias marxistas, suas contribuições projetaram-se além da teoria. A sociologia defendida por Florestan Fernandes resgata a realidade histórica do Brasil, analisando a forma de pensar dos grupos e classes sociais brasileiras. Em seus estudos, havia inclusive, além de discussões sobre as relações e a organização da sociedade, questionamentos a respeito do modelo de capitalismo dependente que se instalara no Brasil e a função do intelectual na sociedade. Estudos mais específicos sobre a cultura brasileira também era alvo das pesquisas de Florestan Fernandes, como os que discutiam e questionavam “o mito da democracia racial”. Florestan Fernandes sustentava que existia no Brasil muita discriminação e exclusão social em relação aos afrodescendentes, diferentemente de Gilberto Freyre, o qual afirmava haver uma suposta “harmonia entre as raças”. A partir da influência da referida corrente, a escola passou a ser compreendida apenas como uma das partes que compõe o processo social, pois não podemos estudar a escola de forma isolada e deslocada, sem relação com o contexto político, econômico e cultural no qual ela está inserida. Assim, a educação vai além dos muros da escola, para o mundo dos que se educam. Nessa atmosfera, surgiram diversos movimentos de educação popular, com diferentes concepções ideológicas e de influência tanto marxista quanto cristã, atuando de formas variadas. A fim de se promover o acesso à educação, favoreceu-se o acesso a peças de teatro, atividades nos sindicatos e nas universidades, cursos, exposições, publicações, exibição de filmes e documentários. Ocorreu também a alfabetização para população rural ou urbana marginalizada; e treinavam líderes locais, propondo uma maior participação política nas comunidades. Segundo Poyer (2007), os principais movimentos nessa época foram: Movimento de Educação de Base (MEB): criado em 1961 pela CNBB (Conferência Nacional dos Bispos do Brasil) e mantido pelo Governo Federal, dirigia-se às classes trabalhadoras, com o objetivo de ampliar o universo cultural e educacional de setores da população brasileira. SOCIOLOGIA DA EDUCAÇÃO Graduação em Pedagogia 36 Centros Populares de Cultura (CPC): surgiu em 1961, por iniciativa da UNE (União Nacional dos Estudantes), caracterizando-se, também, pelo caráter pedagógico- cultural de conscientização política e de mobilização social. Levavam teatro, cinema, artes plásticas, literatura e outros bens culturais ao povo; Movimentos de Cultura Popular (MCP): o primeiro ligado à prefeitura de Recife, iniciou suas ações em 1960 e tinha como objetivo ampliar o universo cultural dos segmentos populares brasileiros. Paulo Freire integrou este movimento. Podemos dizer que o movimento pela educação andava de mãos dadas com os movimentos de cultura popular, e que “a pedagogia do oprimido”, de Paulo Freire, encontrava sua base de apelo social na defesa da educação pública. 3.2 Paulo FreireAs ideias e propostas de Paulo Freire tornaram-se grandes referenciais da educação popular no Brasil e no mundo, devido principalmente à sua forma peculiar de conceber a sociedade e a educação, influenciada por experiências e práticas religiosas. Segundo Poyer (2007), Paulo Freire era cristão, e no cristianismo inspirava-se para teorizar e agir como educador. Pautadas em princípios cristãos, especialmente na teologia da libertação1, suas práticas ancoravam-se na reflexão sobre as desigualdades sociais, por isso evidenciava sua preocupação com a disparidade entre ricos e pobres; riqueza esta que resultava em privilégios sociais para as classes dominantes e em opressão para a população empobrecida. Conforme Poyer (2007), suas obras nos impelem a repensar constantemente a educação e a sociedade brasileira, pois consideram a relação entre a teoria e a prática como premissas da atuação pedagógica, a qual deve sempre ponderar a realidade do aluno como ponto de partida. Nesta perspectiva, a orientação teórico-metodológica das produções freirianas ancoram-se na prática reflexiva que, por sua vez, ampara-se na relação entre o contexto do educando e o conteúdo a ser trabalhado. 1 A Teologia da Libertação desponta no cenário latino-americano na década de 1960, período marcado por governos autoritários e pela intensificação das desigualdades sociais, que expunham a fragilidade e as contradições do desenvolvimentismo propalado no processo de industrialização tardia que experimentaram os países do terceiro mundo. É gestada, portanto, em meio ao fortalecimento dos movimentos de cunho socialista, inspirados pela teoria marxista. Para os teólogos latino-americanos, fé e política são elementos indissociáveis, na medida em que ressignificam a consciência de classes e o compromisso cristão em favor dos pobres e oprimidos, seguindo o exemplo de Jesus, que demonstrou, no curso de sua vida pública, atenção especial aos marginalizados. A libertação é entendida, assim, como a condição da vida em plenitude, propagada no Novo Testamento da Bíblia cristã, sendo alcançada pela emancipação do indivíduo, que se configura pela consciência livre e ativa sobre as estruturas políticas, econômicas e sociais que regem a humanidade. SOCIOLOGIA DA EDUCAÇÃO Graduação em Pedagogia 37 De acordo com Aranha (1996), a obra Educação como prática da liberdade (1965), evidencia a percepção idealista de Freire, influenciada fortemente pelo pensamento católico. Já em Pedagogia do Oprimido (1970), Freire expõe uma análise dialética da realidade social brasileira, enfatizando a influência dos fatores econômicos, políticos e sociais sobre o processo educativo. Poyer (2007) destaca, ainda, outras obras de Paulo Freire que se constituem referência nacional e internacional: [...] Carta à Guiné Bissau; Vivendo e aprendendo; A importância do ato de ler; e À sombra desta mangueira. Esta última apresenta a ótica política do autor com a abordagem de temas polêmicos, a saber, a sua experiência no exílio e a sua visão sobre o neoliberalismo e organismos internacionais, como o FMI e o Banco Mundial (POYER, 2007, p. 35). Vale ressaltar que o fio condutor das obras produzidas por Paulo Freire é a conscientização de que vivemos em uma sociedade desigual, na qual os interesses das classes dominantes sobressaem em relação às necessidades dos pobres. Neste prisma, Freire defende que a emancipação do indivíduo se consubstancia quando ele é capaz de viver em plenitude e isso só ocorre quando nos apropriamos dos bens culturais produzidos pela humanidade, pois são eles que nos caracterizam como seres humanos. Entre tais bens, destaca-se a educação que, no contexto de Paulo Freire, constituía-se um direito assegurado somente aos mais ricos, especialmente quando se compara a qualidade da educação ofertada em países de primeiro mundo e países periféricos (denominados também de países de terceiro mundo). Aranha (1996) assinala que, para Freire, haveria dois tipos de pedagogia: “a pedagogia dos dominantes, na qual a educação existe como prática da dominação, e a pedagogia do oprimido – tarefa a ser realizada -, na qual a educação surge como prática da liberdade” (ARANHA, 1996, p. 207). Já a pedagogia problematizadora, cunhada por Freire, estava direcionada à alfabetização de adultos, ou seja, à massa populacional excluída durante longo período do processo educativo. Freire acreditava no poder libertador que a conscientização e a apropriação do conhecimento podia operar na vida de indivíduos e comunidades mais carentes. Firmava-se na crença de que assumir a vocação humana significava tornar-se um sujeito ativo e participativo, capaz de transformar os rumos da história: O movimento de libertação deve partir dos próprios oprimidos, cuja pedagogia será “aquela que tem de ser forjada com ele e não para ele, SOCIOLOGIA DA EDUCAÇÃO Graduação em Pedagogia 38 enquanto homens ou povos, na luta incessante de recuperação de sua humanidade”. Trata-se de um trabalho de conscientização e politização. Não basta que o oprimido tenha consciência crítica da opressão, mas que se disponha a transformar essa realidade. “A práxis é reflexão e ação dos homens sobre o mundo para transformá-lo. Sem ela, é impossível a superação da contradição opressor-oprimidos” (ARANHA, 1996, p. 207, grifos da autora). Considerando tais aspectos, fica evidente que o método freiriano não se restringe a técnicas de alfabetização, pois seu posicionamento filosófico implica em ação e transformação da realidade social. Compreende-se, assim, que a educação problematizadora freiriana não supunha um rigor de conteúdos, instrumentos e métodos de ensino-aprendizagem; antes, pautava-se no contexto político, social, econômico e cultural dos discentes e se configurava em ato de amor e solidariedade, tanto de educadores quanto de educandos. Poyer (2007) destaca que, embora tenha contribuído decisivamente para modificar as concepções sobre as metodologias aplicadas à educação, Paulo Freire enfrentou inúmeras críticas: [...] dos católicos conservadores, por se utilizar dos pensamentos marxistas para orientar suas ações; de intelectuais esquerdistas, que o acusavam de sucumbir ao nacional-desenvolvimentismo; e, por fim, dos que diziam ser sua “pedagogia” demasiado espontaneísta, e não, diretiva (POYER, 2007, p. 39). Outrossim, a contribuição de Freire para a educação é inquestionável, especialmente no tocante à mudança de paradigmas pedagógicos que redefiniram o papel de professores e alunos no processo educativo. Se antes o aprendizado ocorria mediante a assimilação passiva de conteúdos prontos e acabados, com Paulo Freire, a realidade do aluno ganha significado, assim como o contexto político, econômico e social, que passa a nortear a atuação do educando, visando o engajamento social e a transformação de uma sociedade desigual e excludente. 3.3 As instituições sociais e a educação Uma questão se faz importante: em que medida as instituições sociais são significativas para o processo de socialização? Estamos inseridos em uma realidade social e, por assim ser, estamos a ela adequados, sob pena de nos sentirmos “desadequados” ao nosso meio social, SOCIOLOGIA DA EDUCAÇÃO Graduação em Pedagogia 39 acarretando, como consequência, sofrimentos psíquicos. Com efeito, o fato de nos sentirmos não enquadrados em nosso meio social envolve sofrimentos de ordem psíquica que fazem com que nossa personalidade possa, em certos momentos, desintegrar-se e encontrar-se num “ego esburacado”, como fundamenta a psicanálise. Portanto, a educação, em sua concepção mais ampla, de certa forma, protege-nos contra a desfragmentação do ego. Vamos ver, agora, alguns elementos que contribuem para a manutenção de nossa estrutura psíquica em sociedade.Segundo Oliveira (1998), desde que nascemos, somos colocados no mundo e, enquanto indivíduos, iniciamos o aprendizado das regras presentes no contexto da sociedade, assimilando os procedimentos mais adequados para nela vivermos e convivermos adequadamente. À medida que nos desenvolvemos pelo processo de interação com o outro e com o meio, vamos aprendendo as regras significativas que nos permitem circular no espaço social de forma adequada, construindo padrões de comportamento fundamentais a nossa vivência em sociedade. Nesse sentido, a educação é um processo contínuo, que não se encerra no contexto de nossa existência. Durkheim, em sua teoria sociológica, afirma que recebemos a sociedade por herança, com todos os seus valores, hábitos, crenças, normas de trato social, normas jurídicas, religião e assim por diante. Pensar nas instituições sociais é pensar, segundo Oliveira (1998), em todo um conjunto de regras e procedimentos que se encontram padronizados, que são aceitos pela sociedade e que, de certa forma, garantem a própria sobrevivência desta mesma sociedade. O mesmo autor acrescenta ainda que instituição social pode ser definida como: [...] um conjunto de regras e procedimentos padronizados, reconhecidos, aceitos e sancionados pela sociedade e que têm grande valor social. São os modos de pensar, de sentir e de agir que a pessoa encontra preestabelecida e cuja mudança se faz muito lentamente, com dificuldade (OLIVEIRA, 1998, p. 62). Podemos depreender, dessas palavras, a significação das instituições sociais para indivíduos e grupos, pois não nos encontramos distantes de todo um universo envolvente, que construímos e constitui que é a sociedade. Em toda e qualquer instituição social, seja ela a família, a Igreja, a escola ou os próprios meios de comunicação de massa, encontramos a presença de regras e de certos procedimentos padronizados os quais contribuem para que a organização de um grupo e a própria “satisfação das necessidades dos indivíduos que dele participam sejam mantidas” (MEKSENAS, 2005, p. 87). Portanto, compreender as instituições sociais é de SOCIOLOGIA DA EDUCAÇÃO Graduação em Pedagogia 40 fundamental importância até mesmo para compreendermos a nós mesmos e nossas circunstâncias. Quando trabalhamos com as instituições sociais, dois elementos merecem destaque: a presença do grupo social e da instituição social, conceitos distintos, mas fundamentalmente interdependentes. O grupo social diz respeito à reunião de indivíduos que interagem, atendendo às suas necessidades. Já, quando trabalhamos com as instituições sociais, estamos lidando com todo um conjunto de regras e de normas padronizados no contexto social, que permitem a indivíduos e aos grupos construir repertórios específicos de ações individuais e coletivas, que possibilitem às pessoas circular adequadamente em um contexto social mais amplo. Os grupos sociais ”[...] referem-se a indivíduos com objetivos comuns, em um processo de interação mais ou menos contínuo. Já as instituições sociais referem-se às regras e procedimentos padronizados dos diversos grupos.” (MEKSENAS, 2005, p. 87). Esta diferenciação é extremamente significativa, por que permite clarificar os aspectos específicos do grupo social e das instituições sociais. 3.4 As primeiras instituições socializadoras: a família e a educação Devemos compreender que a família é a principal instituição socializadora com a qual temos efetivo contato; é instância socializadora de caráter informal. Pela educação, socializamo-nos; pela educação, perdemos nosso caráter eminentemente biológico e internalizamos todos os elementos de nosso caráter social. O homem é, pois, sempre tridimensional, ou seja, é um ser biológico, psíquico e social. Assim, pela educação, vamos perdendo paulatinamente elementos puramente biológicos de nosso ser e adquirindo elementos sociais que nos permitem estar no mundo de forma mais integrada. Podemos afirmar que até mesmo nossa personalidade individual vai se configurando em função da interação que estabelecemos com o outro e com nosso ambiente. A partir da inserção em contextos sócio-históricos, temos a própria constituição da família. Entendemos que família e educação, em muitos momentos de nossa vivência social, possuem objetivos comuns. Qual ou quais as funções específicas da família? SOCIOLOGIA DA EDUCAÇÃO Graduação em Pedagogia 41 Segundo Oliveira (2005), podemos compreender que a família possui funções específicas no universo da formação dos indivíduos, dentre elas, as junções: sexual, reprodutiva, econômica e educacional. A função sexual e a função reprodutiva garantem a satisfação sexual do homem e da mulher e também garantem a própria reprodução da espécie. A função de caráter econômico assegura todos os meios de sobrevivência, garante as condições materiais necessárias ao desenvolvimento dos indivíduos. A função educadora envolve a transmissão dos valores, dos hábitos, das crenças, dos ritos e dos mitos que são padrões culturais presentes na sociedade, e é por essa razão que a família é sempre concebida como a primeira instituição socializadora. Oliveira (2005) destaca a função socializadora da família com a primeira fase de socialização na constituição da personalidade dos indivíduos em sua fase inicial, notadamente na infância. Conforme o autor, no processo de socialização, considerando- se a família, encontramos duas fases distintas: [...] a socialização primária: aquela que o indivíduo sofre na infância, convertendo-o em um novo membro da sociedade; na socialização primária, como já dissemos, destaca-se principalmente o papel da família que transmite conteúdos cognitivos que variam de uma sociedade para outra; a socialização secundária: aquela que ocorre posteriormente e que leva a interiorizar setores particulares do mundo objetivo da sua sociedade (OLIVEIRA, 2005, p. 35). O referido autor salienta que a socialização primária e a socialização secundária se constituem em instâncias que se imbricam com a função da família no contexto das sociedades. Na atualidade, podemos afirmar que a instituição da família, conforme Oliveira (2005), vem perdendo suas próprias funções pedagógicas, embora esteja a exercer forte influência na formação das gerações mais jovens e das crianças, enquanto instituição de socialização. A família, mantendo-se enquanto instituição fundamental de socialização, está se reconfigurando: homem e mulher, nos papéis sociais de pai e de mãe, estão experienciando novas formas de exercício destes mesmos papéis. O fato de a mulher, agora, ser integrante do mercado de trabalho e atuar neste de forma mais ativa, além de ser mantenedora do lar, favorece tal reconfiguração. As atribuições familiares estão, cada vez mais, divididas entre homem e mulher. O homem não tem mais o papel de exclusivo ordenador e mantenedor do lar, mas o de “companheiro” e de administrador conjunto, se assim podemos dizer. Também, por esses aspectos, concebemos que há certa crise no contexto da família, sem que ela perca seu papel significativo de primeira instância de socialização: SOCIOLOGIA DA EDUCAÇÃO Graduação em Pedagogia 42 A família é a primeira agência de controle social da qual a criança participa, ocorrendo aí uma socialização baseada em contatos primários, mais afetivos, diretos e emocionais. Ela é uma instituição basicamente conservadora e, como tal, no mundo de hoje, não tem encontrado condições de rápida adequação à nova realidade social em que está inserida. E é justamente aí que se encontra um dos principais aspectos da crise sociais e a educação que abala a família nas sociedades modernas, em vertiginoso processo de mudança social. Dessa forma encontramos famílias que têm normas rígidas, hierarquia bem definida e pouca flexibilidade quanto à educação dos filhos, comotambém encontramos famílias com poucas regras, onde os pais não se envolvem muito com o estabelecimento de limites para os filhos – pode ser, por exemplo, que não haja horários para comer ou dormir. Encontramos, ainda, famílias cuja característica é o relacionamento íntimo entre os seus membros; passam muito tempo juntos e os papéis de cada um nem sempre são muito bem definidos. Há muito carinho e assistência entre os familiares, bem como espírito de lealdade (OLIVEIRA, 2005, p. 50-51). Oliveira (2005) aponta, portanto, para aspectos presentes na estrutura familiar de hoje, no contexto das sociedades contemporâneas, que exigem novas configurações da instituição família. Há uma crise instalada por causa das variadas formas que a família assume no contexto social envolvente. A família nuclear não é mais predominante, acrescentado-se que é cada vez mais intenso o conflito de gerações, nas sociedades atuais e no cerne da instituição familiar. 3.5 A instituição religiosa e a educação Para pensarmos a instituição religiosa e a educação, devemos também pensar a respeito da própria função social da religião no contexto das sociedades; tal função pode ser compreendida como socializadora, visto que, enquanto grupo social, a instituição religiosa adapta indivíduos e grupos ao contexto social vigente, pois se coloca como força constituinte da coesão e do ordenamento social. Portanto, quando fazemos referência à função social da religião, é de fundamental importância compreendermos que a religião é vivenciada coletivamente, por meio de crenças expressas, ritos visíveis, culto exterior e cerimônias públicas. Trata-se, assim, de uma construção humana que se manifesta coletivamente, pois é parte integrante da sociedade, que influencia e é influenciada por ela. A sociedade, por sua vez, resulta das relações que se estabelecem entre os grupos humanos, que buscam sobreviver em seu sentido imediato e histórico, constituindo universos de representações coletivas. No caso da religião, agregam-se indivíduos que possuem uma mesma fé e que se encontram ligados por regras comuns e por possuírem um mesmo líder espiritual SOCIOLOGIA DA EDUCAÇÃO Graduação em Pedagogia 43 (OLIVEIRA, 2005). Neste sentido, toda e qualquer Igreja, enquanto grupo social específico, tem como função a formação e orientação religiosa de indivíduos e grupos. É sempre necessário que o indivíduo possua um referencial no qual possa se apoiar e com o qual possa estabelecer a lógica de seus procedimentos e agir dentro dos espaços de interlocução facultados no interior do contexto por ele vivenciado. Ele necessita de um discurso que, uma vez internalizado, permita a construção do referencial que, para a pessoa, funcionará como guia e fará com que ela possa se situar dentro dos parâmetros aceitos pela sociedade. Os valores morais, éticos e culturais, as regras e as normas presentes no universo social possuem essa função, permitindo aos indivíduos interagir e organizar seus padrões comportamentais dentro do estabelecido, do permitido, entre os limites do aceito e do não aceito, o que demonstra também a característica normativa da Igreja em sua função social. Devemos compreender, assim, que toda e qualquer Igreja se consubstancia a partir das determinações da realidade social, pois a religião é “coisa” social, conforme afirmam os funcionalistas. No contexto religioso brasileiro, estão ocorrendo rupturas com relação às concepções das Igrejas tradicionais e históricas, ocorridas pela pluralidade das relações presentes nos campos social, político, econômico e cultural. A partir desta pluralidade, marca da secularização, as referidas Igrejas distanciaram-se das necessidades objetivas e subjetivas de seu público-alvo, ocasionando a busca de espaços alternativos de discurso fácil, que, internalizados por indivíduos e grupos, constituem-nos subjetivamente. Pelos aspectos mencionados, podemos verificar a própria função educativa da religião, no sentido de que ela reproduz todos os elementos presentes no contexto social mais amplo, constituindo personalidades, à medida que é internalizada por indivíduos e grupos e, por sua vez, também a construção de repertórios de ações individuais e coletivas, fazendo com que os indivíduos possam circular adequadamente na sociedade. 3.6 A instituição do Estado e a educação Devemos entender que a instituição do Estado possui o poder de coerção, no sentido de que é a única instituição no contexto das sociedades complexas que tem para si o atributo de recorrer à violência física a fim de cumprir com todos os seus objetivos (OLIVEIRA, 2005). Assim, podemos compreender que o Estado é a instituição capaz de exercer legalmente o controle social sobre os indivíduos, pois tem, na lei, o elemento fundamental SOCIOLOGIA DA EDUCAÇÃO Graduação em Pedagogia 44 de execução de suas funções. Observamos, assim, que determinadas normas de conduta, quando passam para a esfera da lei, constituem-se obrigatórios. Encontra-se presente, desta forma, um processo de coercibilidade que se sobrepõe à vontade individual, isto é, ninguém pode optar por não cumprir determinada lei sem sofrer sanções; esta exerce um poder coercitivo sobre nós, pois somos obrigados a cumpri-la. No contexto do século XX, temos o crescente desenvolvimento nas sociedades modernas do compromisso do Estado para com a educação. Cada vez mais o Estado, teve a seu cargo o compromisso com as funções da educação, o que envolve o planejamento da educação e sua integração ao contexto da sociedade envolvente (OLIVEIRA, 2005). O mesmo autor define política educacional como medida de caráter político imposta no campo da educação e que inclui a ampliação do número de escolas e salas de aula e a manutenção de condições para que um significativo contingente populacional tenha acesso à educação. Podemos depreender, portanto, que a educação, de certa forma, deve estar subordinada às próprias condições do país e de sua época. Vejamos, agora, os Arts. 205 e 206 de nossa Constituição Federal, que rege sobre a educação, para que se evidenciem as atribuições do Estado acerca da política educacional: Art. 205. A educação, direito de todos e dever do Estado e da família, será promovida e incentivada com a colaboração da sociedade, visando ao pleno desenvolvimento da pessoa, seu preparo para o exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho. Art. 206. O ensino será ministrado com base nos seguintes princípios: I – igualdade de condições para o acesso e permanência na escola; II – liberdade de aprender, ensinar, pesquisar e divulgar o pensamento, a arte e o saber; III – pluralismo de ideias e de concepções pedagógicas, e coexistência de instituições públicas e privadas de ensino; IV – gratuidade do ensino público em estabelecimentos oficiais; V – valorização dos profissionais da educação escolar, garantidos, na forma da lei, planos de carreira, com ingresso exclusivamente por concurso público de provas e títulos, aos das redes públicas; (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 53, de 2006) VI – gestão democrática do ensino público, na forma da lei; VII – garantia de padrão de qualidade. VIII – piso salarial profissional nacional para os profissionais da educação escolar pública, nos termos de lei federal. (Incluído pela Emenda Constitucional nº 53, de 2006) Observa-se, assim, que o Estado, em sua política educacional, estabeleceu instrumentos que demonstram que a educação está adequada à nova realidade política, social e econômica da sociedade. A própria sociedade deve fornecer à educação todos os recursos necessários, porque a educação não é refratária às alterações presentes no contexto social mais amplo. SOCIOLOGIA DA EDUCAÇÃO Graduação em Pedagogia 45 Entendemos que, ao Estado, cabe estabelecer as diretrizes à educação obrigatória.No caso brasileiro, porém, apesar de a Constituição ser demasiadamente evidente, encontra-se instalado um verdadeiro caos na educação, o que reflete o descaso por parte do poder público para com a educação, notadamente caracterizado pelo nível do ensino escolar, pela má remuneração dos professores e pelo péssimo estado de conservação das escolas públicas. A educação, portanto, deveria ser repensada, no contexto de nossa sociedade, por parte dos segmentos administrativos do Estado, elaboradores das políticas educacionais. 3.7 Os meios de comunicação social e a educação No contexto da atualidade, não podemos negar a forte influência dos meios de comunicação de massa nas sociedades. Estes fornecem informações que não se encontram mais restritas a regiões ou partes determinadas do mundo. Podemos dizer que o mundo não possui mais espaços desconhecidos, pois encontra-se interligado e, de dentro de casa, podemos chegar ao absurdo de assistir a uma guerra em andamento em qualquer lugar do mundo como, por exemplo, pudemos ver na ocasião da guerra dos Estados Unidos contra o Iraque. No campo das comunicações, dos meios de comunicação de massa, podemos afirmar que o mundo é uma “aldeia global”, em que a maioria dos segmentos sociais tem acesso a informações sobre os lugares remotos. Este fato altera drasticamente até mesmo o processo educativo, ou seja, o fortalecimento das informações e dos meios de comunicação de massa perpassa o processo educativo, fazendo com que, em muitos momentos, tenhamos que repensar nossas próprias práticas educativas: Até algum tempo atrás, a família e a escola eram, sem dúvida, as grandes instituições encarregadas da educação assistemática e sistemática. Com o surgimento e desenvolvimento dos poderosos veículos de comunicação de massa [...] essa situação alterou-se substancialmente (OLIVEIRA, 2005, p. 78). Esse aspecto exige, como dissemos anteriormente, atitudes questionadoras com relação à educação e ao processo educativo. As informações transmitidas pelos meios de comunicação de massa constituem uma forma de lazer, permitindo que as pessoas entrem em contato com assuntos da atualidade, pois são veiculados de maneira mais simples e imediata. Essa facilidade e certa ausência de elaborações mais aprimoradas no contato com os meios de comunicação fazem com que, no contexto das sociedades, estes mesmos SOCIOLOGIA DA EDUCAÇÃO Graduação em Pedagogia 46 instrumentos gozem de forte prestígio entre os membros da população (OLIVEIRA, 2005). Como consequência, temos o painel apontado pelo autor em destaque: As instituições sociais básicas, no processo de socialização (família, igreja e escola), estão perdendo a influência sobre as gerações mais jovens, já que os conhecimentos transmitidos por elas não coincidem, muitas vezes, com o interesse dos jovens. Assim é que o ensino transmitido pela escola vem sendo afetado pelos meios de comunicação de massa, principalmente a televisão (OLIVEIRA, 2005, p. 78). Principalmente entre os integrantes da geração mais jovem, são criadas novas necessidades pela influência adquirida principalmente da televisão: novas formas de ver o mundo, novas maneiras de pensar, de sentir e de agir são veiculadas, fazendo com que diferentes necessidades sejam criadas. Nesse sentido, a escola precisa acompanhar tal processo, razão pela qual deve ser repensada diante da influência dos meios de comunicação de massa. Observemos que hoje a criança leva para a escola uma série de informações sobre os mais variados temas, e a escola não pode deixar de acompanhar todo esse processo. Os professores devem estar constantemente atualizados para fazer frente ao acúmulo de informações que seus alunos trazem de seu lar graças aos meios de comunicação de massa. Se assim não procederem, estarão, de certa forma, alicerçados numa ilusão. O mesmo se aplica à instituição escolar. Caso contrário, pode-se vivenciar a ilusão que envolve pensar que todo o conhecimento é adquirido por meio do ensino, apesar de a realidade nos dizer que muito do que as novas gerações conhecem foi adquirido fora e para além da escola. 3.8 A educação no Brasil Nesse momento de nossos estudos, entendemos que convém dirigir um olhar sobre a educação em nossa sociedade. Durante todos os capítulos do presente material, discutimos vários aspectos que fazem parte da sociologia e da sociologia da educação. É o momento, portanto, de salientar que, no contexto do século XXI, a educação figura como um significativo componente de crescimento econômico. Segundo Meksenas (2005), faz-se necessário pensar também a educação como fator de diminuição das desigualdades, sociais tão presentes e agudas em nossa sociedade. A desigualdade social presente no contexto de nossa sociedade leva à instauração de formas profundas de desqualificação de indivíduos e grupos, por tanto devemos nos SOCIOLOGIA DA EDUCAÇÃO Graduação em Pedagogia 47 questionar: como o Estado brasileiro poderia minimizar as consequências da desigualdade social para significativo contingente populacional da sociedade brasileira? No que tange à educação, são muitos brasileiros, dentre eles, o que se apresenta de forma mais aguda é, sem sombra de dúvidas, o fracasso escolar. No contexto da sociedade da informação, da denominada “era digital”, em que recursos tecnológicos estão sendo cada vez mais usados, ainda nos deparamos com o fantasma do fracasso escolar. Podemos até mesmo dizer que estamos diante de um problema social de ordem estrutural, visto que o fracasso escolar reproduz todo um processo de desigualdade social presente em nossa realidade. Esse fracasso deve ser pensado sociologicamente, e a sociologia da educação pode contribuir para entendermos e modificarmos essa realidade. Pensar o fracasso escolar do ponto de vista sociológico remete-nos ao conceito de estrutura familiar e, assim, ao próprio capital cultural familiar. Há, sim, um elemento familiar que contribui para o fracasso escolar, nesse sentido o capital cultural familiar, de algum modo, tem força determinante na forma como os pais percebem a educação de seus filhos. Ao mesmo tempo, em que se encontra em estreita relação com as condições materiais de existência das famílias, e aqui encontramos outro determinante, a desigualdade social, presente em nossa realidade. Segundo Meksenas (2005), 93% das crianças ricas concluem os estudos fundamentais e, posteriormente, dão sequência a sua formação, enquanto apenas 63% das crianças das classes trabalhadoras conseguem concluir as séries fundamentais e nem sempre prosseguem com os estudos. Este fato demonstra a marca da desigualdade social, que a escola irá reproduzir, pois reproduz o que se encontra presente na estrutura na qual se insere, como já destacava Pierre Bourdieu. No contexto da sociedade brasileira, os filhos dos trabalhadores, muito cedo, deixam os estudos para se integrar ao mercado de trabalho; por esta razão foram criados os denominados ensinos supletivos, cujo objetivo consistia em atender às necessidades dos segmentos sociais subalternos da população, já que os dominantes não tinham e não têm essa necessidade específica. Resgatando as ideias de Pierre Bourdieu, entendemos ser a escola uma das estratégias de manutenção do status social ou de ascensão social, tendo em vista que o investimento feito pelas famílias na escolarização de seus filhos se encontra diretamente relacionado às condições de possibilidade que os fazem perceber a escola enquanto forte instrumento de mobilidade social. Podemos perceber, então, que para as classes sociais o papel da escola não se restringe somente à transmissão de conhecimentos, entendendo que ela contribui inclusive para a manutenção de um determinado status social. SOCIOLOGIA DA EDUCAÇÃO Graduação em Pedagogia 48 Não podemos esquecer queo capital cultural familiar está diretamente relacionado à condição de classe e, se nos encontramos em uma sociedade marcadamente desigual e excludente, o capital cultural familiar no que concerne aos investimentos na educação dos filhos obedecerá a essa mesma determinação de classe. Assim, de acordo com o pensamento bourdieusiano, na escola encontramos o domínio da reprodução social e a legitimação das desigualdades sociais, perspectiva pela qual podemos refletir sociologicamente sobre os índices apresentados por Meksenas (2005). Outro aspecto significativo relacionado-se à própria instituição do Estado. Como são os investimentos do Estado brasileiro no campo da educação? Não são os índices ainda adequados às necessidades da maioria da população; o Brasil ainda é um dos países que menos investe no setor, se considerarmos o que outros países latino-americanos investem. No contexto da atualidade, as escolas públicas não têm investimentos suficientes, funcionando em condições precárias. Se associarmos educação ao desenvolvimento, podemos verificar que, levando em consideração os investimentos feitos em educação no Brasil, ainda estamos carecendo de melhor aproveitamento dos recursos produzidos socialmente, de políticas públicas que priorizem o universo educacional e que permitam o acesso à instituição escolar por grande parte da população brasileira. Os problemas da desigualdade social refletem-se no contexto da sala de aula. Podemos perceber, como afirma Oliveira (2005), que encontramos uma inadequação entre a escola e o aluno, em especial, o aluno mais carente, principalmente em termos econômicos: Com base em pesquisas e estudos realizados recentemente, sabemos que muitos dos fracassos dependem do preparo das crianças. As crianças culturalmente marginalizadas, que provêm de lares economicamente desfavorecidos, nascem e crescem em ambientes que não lhes proporcionam a estimulação e o treinamento que seriam necessários para seu bom desenvolvimento social e intelectual (OLIVEIRA, 2005, p. 63). De acordo com Oliveira (2005), a ausência de condições materiais de existência satisfatória por parte das famílias dos segmentos subalternos da sociedade brasileira faz com que não seja possível, e isso é natural e quase óbvio, a construção de um significativo capital cultural, uma vez que fundamentalmente não existe um significativo capital econômico. Outro aspecto importante diz respeito à mobilidade social. Há na sociedade brasileira uma prática discursiva que atribui também à escola, ao ensino formal, portanto, papel relevante no que concerne à mobilidade social. Porém, o que estamos vendo em nossa realidade? Que a educação não cumpre com os objetivos vinculados à ideia de SOCIOLOGIA DA EDUCAÇÃO Graduação em Pedagogia 49 mobilidade social e neutralização das desigualdades sociais. Não há como termos dúvidas quanto ao que atesta Oliveira (2005): “[...] o efeito direto da educação sobre a mobilidade social e os ganhos é muito baixo. A origem social de classe, isto é, a classe social de onde as crianças provêm, é uma variável que explica com bastante clareza a trajetória educacional e ocupacional das pessoas” (OLIVEIRA, 2005, p. 125). Assim, para que tenhamos uma boa educação e consequentemente o fim do fracasso escolar, os investimentos na melhoria da condição de vida da população devem ser mais substanciais por parte do Estado, pois o rendimento escolar e a própria concepção da importância dos estudos encontram-se diretamente relacionados às condições materiais de existência (OLIVEIRA, 2005). No contexto de uma sociedade marcadamente excludente como a nossa, as determinações da estrutura socioeconômica da população são fatores contribuintes para certo grau de declínio da educação, em especial no Ensino Fundamental, basicamente pelas razões que mencionamos anteriormente, mas também porque parece não haver vontade política de melhorar substancialmente o sistema educacional brasileiro, fato contraditório no contexto de um mundo globalizado em que a qualificação é essencial. Como teremos profissionais adequadamente qualificados na sociedade, se o Ensino Fundamental não é atendido em suas necessidades mais básicas pelo Estado? No contexto da realidade brasileira, persiste ainda o analfabetismo. Este fator notadamente demonstra uma situação de atraso e marginaliza considerável contingente da população. Devemos destacar, ainda, a existência do analfabetismo funcional, que se caracteriza pelo fato de uma pessoa não possuir os recursos mínimos para operar um computador e seus programas básicos, principalmente quando verificamos que a maioria da população brasileira não tem condições materiais para adquirir o próprio computador. Pensar a educação no Brasil hoje é pensar e refletir de forma crítica sobre determinantes evidentes em nossa realidade social. Podemos verificar, ainda, seguindo vários autores que versam sobre a sociologia da educação, que outro problema que temos presente em nossa sociedade é o preconceito vivenciado dentro da escola, o que nos revela um problema da educação brasileira, que assume graves proporções na realidade vivenciada por milhões de alunos que são segregados, em função de sua condição racial, social ou educacional. SOCIOLOGIA DA EDUCAÇÃO Graduação em Pedagogia 50 A escola, de certa forma, reproduz o que se encontra presente no contexto da estrutura social. Há preconceitos fortes em nossa sociedade com relação à pobreza e parece que temos, no imaginário coletivo, uma associação entre miséria e criminalidade. Esse tipo de preconceito perpassa as paredes das salas de aula. Da mesma forma, podemos falar do preconceito racial, presente no Brasil de forma oculta, mas que se manifesta em muitas formas de expressão, como em piadas relacionadas aos negros, por exemplo. Em suma, não vivemos uma democracia racial, e esta realidade, apontada pelos autores da sociologia da educação, expressa-se fundamentalmente nos indicadores sociais do País, em especial naqueles que dizem respeito à educação e à remuneração salarial. Há também profundas diferenças de gênero, principalmente no que se refere à remuneração pelo trabalho, e que são fatores, repetimos, que perpassam as paredes das salas de aula. Estamos novamente no palco da desigualdade social, que também diz respeito à educação. As consequências da desigualdade social, pelo que podemos constatar, são enormes: As consequências dizem respeito a modelos de vida, nos quais a maior parte da população trabalhadora perdeu o direito de sonhar e de projetar uma vida digna. A ausência de perspectivas econômicas, políticas, sociais e culturais produz o aumento brutal da violência e do desrespeito às leis (OLIVEIRA, 2005, p. 127). Meksenas (2005) alerta para o que se pode produzir no contexto da desigualdade social, salientando que esta não se constitui enquanto sinônimo de pobreza, mas, sim, sinônimo de concentração de renda, isto é, da produção de riqueza sem, a exata distribuição desta. O autor conclui que, “[...] assim, o combate à desigualdade social requer que os governantes de um país tenham a coragem de priorizar as políticas públicas de redistribuição da riqueza acumulada” (MEKSENAS, 2005, p.131). As políticas públicas devem envolver educação, saúde, alimentação, habitação, lazer, transporte etc., conforme consta na Constituição Federal. O mesmo autor chama a atenção, ainda, para outro aspecto da educação no Brasil, fruto da desigualdade social: no Brasil, uma criança leva em média nove anos para concluir a sexta série do Ensino Fundamental (o que hoje seria o sétimo ano do ensino de nove anos). Trata-se de uma realidade que indica a presença da desigualdade no campo educacional brasileiro. Gostaríamos de, no capítulo que discorre sobre a educação no Brasil, poder falar de progressos, mas a realidadeobjetiva, que constitui nossas subjetividades, não nos SOCIOLOGIA DA EDUCAÇÃO Graduação em Pedagogia 51 permite. Vivemos em uma sociedade marcadamente desigual e excludente, características que também se aplicam aos processos educativos e aos investimentos estatais em educação. Pensar a educação no Brasil hoje é pensar diretamente na desigualdade social que faz parte da estrutura de nossa sociedade. Avançamos, sim, mas precisamos avançar mais no que concerne à educação. Deste modo, uma questão fundamental fica para nossa reflexão: pode a educação superar as desigualdades sociais? Pelo que vimos, no contexto da sociedade brasileira, há um problema mais premente a ser atacado – o problema de uma estrutura social desigual, que remete seus tentáculos a todos os outros campos da sociedade, educacional, cultural, social e econômico. Pensemos a esse respeito. 3.9 Ser professor Caro aluno, este é um subitem diferente, porque ele se traduz como reflexão que devemos fazer sobre o nosso futuro ou presente “fazer”, ou seja, ele propõe uma reflexão acerca do “ser professor”. O que é ser professor no contexto de uma realidade social, política, econômica e cultural como a brasileira? O que é ser professor num contexto em que, pelo emprego de novas tecnologias, a própria escola está se tornando uma empresa ou microempresa? Cremos que devemos pensar a esse respeito. Certamente, não temos respostas prontas, talvez tenhamos mais perguntas do que respostas, mas as perguntas adequadas à realidade se traduzem como conhecimento mais eficaz acerca da realidade que queremos compreender, que queremos, enfim, questionar. As palavras de Gudsdorf (1987, p. 26) são lapidares, quando pensamos o “ser professor”: O teórico considera a educação como um trabalho em larga escala; o professor sabe, por experiência, que essa perspectiva técnica e industrial não passa de uma longínqua aproximação do fenômeno. A realidade fundamental continua sendo esse diálogo aventuroso, durante o qual dois SOCIOLOGIA DA EDUCAÇÃO Graduação em Pedagogia 52 homens de maturidade desigual confrontam-se, mas onde cada um, a seu modo, dá testemunho perante outro das possibilidades humanas. Para pensar o “ser professor”, o próprio Gudsdorf (1978), escreve uma obra em que aborda duas questões fundamentais: professor para quê? e professor para quem? Estas são duas questões de caráter fundamental, tendo em vista que nos fazem refletir de forma mais pontual sobre nossa prática, sobre o ato de ser professor. Para que somos professores? Para garantirmos nossa sobrevivência? No contexto da realidade brasileira, a situação do professor não é muito privilegiada, então este tipo de resposta a essa pergunta não nos permite chegar à abrangência do que ela efetivamente representa. Ela exige de nós maior profundidade, de certa forma reclama estar na frente do espelho de nós mesmos e nos perguntar: professor para quê? No contexto de nossa realidade, como é a situação dos professores? Andando de escola em escola para exercer o seu ofício e, também, por que não dizer, garantir sua sobrevivência. Há muito tempo que ser professor, em nossa sociedade, deixou de ser um sinal de status. Hoje, o professor é um trabalhador como outro qualquer, é apenas um trabalhador que lida com elementos da produção de conhecimento e com elementos que permitem a formação intelectual e, por que não dizer, moral de outro ser humano. Há uma forma de nomear o professor hoje por alguns sindicatos vinculados à classe dos professores – o operário da educação. Somos operários, sim, porque estamos sempre construindo, imaginando recursos para que nossos alunos tenham a posse de um saber e possam atuar de forma mais livre e coerente no contexto das realidades sociais vivenciadas. Operários, porque estamos sempre construindo novas formas nos processos de ensino-aprendizagem que possibilitem, aos nossos alunos, a compreensão do mundo e, assim, o desenvolvimento da capacidade de relacionar conhecimentos, de associar a estrutura e o sujeito social. Operários, porque estamos buscando construir sujeitos que estão no mundo em interação, trocando sentidos, significados e construindo o que denominamos universo social, que terá influência sobre nossa constituição. Operários, porque trabalhamos com o único sentido da construção, o nosso aluno, este ser em formação que necessita de nosso auxílio e de nossa mão firme para lhe dizer a diretriz, o caminho a seguir, com toda a segurança, sem sombra da dúvida na alma, mas com a permanência da dúvida metódica que produz a ciência: SOCIOLOGIA DA EDUCAÇÃO Graduação em Pedagogia 53 Toda aprendizagem de um saber é uma evocação do ser. O aluno, aquele que não sabe, e no entanto, o sujeito e o objeto de uma vocação para o saber, que é também um apelo do ser. O desenvolvimento intelectual é a contrapartida, talvez o reverso, talvez a expressão ou o símbolo de uma odisseia da consciência pessoal. Cada homem é assim, o herói de seu próprio romance de formação, cujas peripécias situam-se entre afirmações-limite, idênticas para todos e que se impõem, sem discussão ao consenso universal (GUDSDORF, 1987, p. 13). Professor, para quê? Para que possamos auxiliar na construção de sujeitos, de seres capazes de transformar o mundo, compreendendo suas fragilidades; compreendendo a fragilidade e as múltiplas determinações da estrutura social; construção de sujeitos que sabem que é coletivamente que se transforma a realidade. E nós, professores, enquanto operários, temos sobre nós a incumbência de levar nossos alunos a perceber a própria significação do coletivo no contexto de uma sociedade globalizada e marcadamente excludente. Professores, para quem? Esta é outra questão de importância fundamental. A quem destinaremos todo o nosso trabalho, toda a nossa busca? Quem, efetivamente, em nossa realidade desigual, necessita de nosso poder-saber? A chamada elite dominante, no contexto das sociedades desiguais, tem seus próprios intelectuais e os próprios professores, se assim podemos dizer. Quem acompanhará os segmentos subalternos da população brasileira? Quem a eles se vinculará, no sentido de, aos poucos, ser o elemento facilitador para descobertas enquanto sujeitos capazes de modificar toda uma estrutura? Quem com eles trabalhará as questões dos processos sociais, em que temos a real relação de interdependência entre estrutura social e sujeito? A resposta depende de uma profunda análise de nosso efetivo papel social no contexto de nossa sociedade. Nunca é uma resposta pronta, mas sempre em construção. Paulo Freire inclusive refere-se a uma pedagogia da autonomia, uma pedagogia em que teríamos, então, sujeitos capazes de não ser ambivalentes e, em sentido sociológico, de traduzir adequadamente toda a realidade social vivenciada por eles. Ser professor, no contexto de uma realidade social como a nossa, uma dura realidade, envolve questionar-se acerca do desempenho do próprio trabalho e sobre a própria realidade social vivenciada. Ser professor exige ser um observador do espírito humano, ao mesmo tempo em que exige ser um questionador. Ser professor envolve saber que a realidade é infinita e que nossa capacidade humana de compreendê-la é finita. Gudsdorf (1987) demonstra-nos que ser professor é lidar com a própria descoberta de capacidades humanas também infinitas. Questionar “professor para quê?” e “professor SOCIOLOGIA DA EDUCAÇÃO Graduação em Pedagogia 54 para quem?” envolve estarmos comprometidos até mesmo com um projeto de sociedade própria que priorize, repetimos, a construção de sujeitos, de atores sociais aptos na capacidade de compreensão do real. Ser professor, hoje, fatalmente, não é fácil, nem poderia ser, pois trata-se de um constante desafio à nossa postura, em nosso estar no mundo. Mas,voltemos para as questões iniciais: professor para quê? e professor para quem? Pense em respondê-las. Novamente recorremos a Gudsdorf (1987), para que possamos compreender a dimensão da educação para o espírito humano: Cada homem tem uma história, ou ainda, cada homem é uma história. Cada vida se apresenta como uma linha de vida. O ensino seria um aspecto do período ascendente dessa história: assinala o crescimento mental, intrinsecamente ligado ao crescimento orgânico. Sua função é permitir uma tomada de consciência pessoal no ajustamento do indivíduo com o mundo e com os outros. Vemos, aqui, que o sistema escolar não se basta; as lições do professor compõem-se com outras influências, impossíveis de enumerar, na mesma obra e aperfeiçoamento progressivo e aleatório. A formação de um homem, se for exatamente compreendida como a vinda ao mundo de uma personalidade, como o estabelecimento dessa personalidade no mundo e na humanidade, torna-se um fenômeno de uma amplitude cósmica (GUDSDORF, 1987, p.13). Depreendemos da palavra desse escritor que ser professor é ter como fonte de trabalho toda uma descoberta das múltiplas dimensões do humano, é encontrar, sim, “um fenômeno de amplitude cósmica”. Isto é importante, uma vez que nos deparamos também com a dimensão da nossa própria responsabilidade social envolvida no ato de ensinar. SOCIOLOGIA DA EDUCAÇÃO Graduação em Pedagogia 55 Analise as imagens e reflita, pautando-se no conteúdo dessa unidade: O que você entende por ensinar? O que significa ser professor? Fonte: http://aveiro35.wordpress.com/6-avaliacao-formativa-do-eportefolio/7-imagens-sobre-ensinar-e-e-ser-professor-e/ http://aveiro35.wordpress.com/6-avaliacao-formativa-do-eportefolio/7-imagens-sobre-ensinar-e-e-ser-professor-e/ SOCIOLOGIA DA EDUCAÇÃO Graduação em Pedagogia 56 UNIDADE 4 AA EEDDUUCCAAÇÇÃÃOO NNAASS SSOOCCIIEEDDAADDEESS CCAAPPIITTAALLIISSTTAASS A educação é, por sua origem, objetivos e funções, um fenômeno social, estando relacionada ao contexto político, econômico, científico e cultural de uma sociedade historicamente determinada. Pinto (1987, p.29) afirma que “[...] a educação é o processo pelo qual a sociedade forma seus membros à sua imagem e em função de seus interesses”. De tal conceito, pode-se deduzir que, não obstante a educação seja um processo constante na história de todas as sociedades, ela não é a mesma em todos os tempos e em todos os lugares e se acha vinculada ao projeto de homem e de sociedade que se quer ver emergir por meio do processo educativo. Conforme Kruppa (1993), o capitalismo coloca em situação diferenciada os indivíduos que detêm o capital e os que trabalham para produzi-lo. Nos países desenvolvidos como, por exemplo, a Bélgica, as diferenças entre as classes sociais parecem diminuir. Entretanto, o mesmo não ocorre nos países subdesenvolvidos, marcados pela extrema desigualdade social. Nas sociedades capitalistas periféricas, a educação tem sido um benefício do qual nem todas as pessoas podem usufruir. A ideologia liberal, que dá sustentação ao sistema capitalista, coloca essa questão em termos de diferenças individuais, atribuindo ao próprio indivíduo a culpa pelo seu sucesso ou fracasso escolar e social. Neste sentido, Dowbor afirma que a educação: Evidencia-se, assim, o caráter político da educação, comumente considerada como prática essencialmente neutra, que visa a formação integral da personalidade do aluno e o desenvolvimento de suas potencialidades, desvinculando o processo educativo das relações (...) responde assim às necessidades de reprodução econômica e política da sociedade capitalista, constituindo-se num sistema de mediação de contradições de classe, ao transferir para o próprio indivíduo a responsabilidade da sua situação na escala social de poder dominantes em dada sociedade e considerando-a inclusive como instrumento de equalização social (DOWBOR apud CARNOY, 1986, p. 5-6). Estude esta unidade antes da tutoria! SOCIOLOGIA DA EDUCAÇÃO Graduação em Pedagogia 57 Charlot (1986) destaca a importância da dimensão política da educação, no sentido de que ela transmite modelos sociais, forma a personalidade, difunde ideias políticas e está a encargo da escola, uma instituição social. Assim entendida, a educação forma personalidades de acordo com regras que refletem as realidades sociais e políticas, podendo ser interiorizadas as bases psicológicas, responsáveis inclusive pela aceitação das injustiças, da desigualdade e da própria dominação entre as classes sociais. A difusão das ideias políticas ocorre por meio da inculcação de modelos de comportamentos ideais, vinculados às ideias políticas das classes dominantes, refletindo as divisões sociais e as relações de força na sociedade. Estando a educação formal a encargo da escola, esta tenderá a transmitir também a visão de mundo das classes hegemônicas, formando indivíduos para aceitar a sociedade que aí está e reproduzir a desigualdade e a própria dominação de classes. A educação como mecanismo de reprodução de ideias executa, pela ação pedagógica, a massificação de informações e normas de conduta que levam os indivíduos à adaptação e a um convívio social desprovido de questionamentos e reflexões críticas sobre a realidade. Segundo Buarque (1992), em um país com a disponibilidade de recursos técnicos, de capital e de organização administrativa do Estado, a existência de analfabetismo crônico é fruto de uma deliberada omissão ou opção dos governos, com a conivência das elites, em usar os recursos públicos para outras finalidades, negligenciando os investimentos na educação. As atuais condições do ensino, em nosso país; o baixo desempenho dos estudantes brasileiros nos testes de escolaridade nacionais e internacionais; e a presença de analfabetos revelam dados preocupantes e exigem o repensar das práticas educativas dominantes nesse contexto. Lamentavelmente, a escola no Brasil não tem instrumentalizado seus usuários para poder participar ativa e criticamente dos destinos da sociedade, apesar das crescentes exigências que o contexto sociocultural impõe para a educação. 4.1 O contexto político-econômico e a educação As dinâmicas da sociedade contemporânea solicitam que a prática educativa guarde relações com as transformações e exigências do contexto atual, em que a educação e a aquisição de conhecimentos constituem pontos estratégicos para o desenvolvimento econômico e social. A partir dessas condições, impõem-se novas solicitações à educação, SOCIOLOGIA DA EDUCAÇÃO Graduação em Pedagogia 58 em conformidade com os significativos avanços das forças produtivas, que geraram uma nova cultura, centrada no conhecimento científico e tecnológico, aspectos indispensáveis à produção no mundo capitalista. Ainda que a Educação constitua um dos temas favoritos das autoridades políticas, nos mais variados países, poucas vezes os debates sobre as questões educacionais conseguem ultrapassar o âmbito de sua dimensão econômica, limitando-se a uma parafernália de indicadores numéricos de diferentes tipos. E enquanto a economia sufoca a Filosofia, a escola permanece reduzida a uma cultura utilitarista no sentido mais mesquinho, de preparação para exames, cujos resultados expressam algo cada vez mais difícil de interpretar. Do ponto de vista do capitalismo globalizado, educação e conhecimento são as forças motrizes e os eixos da transformação produtiva e do desenvolvimento econômico. Para Gentili (1994), os debates do início da década de 90 sobre as mudanças na base técnica de produção, em que as novas tecnologias se apresentam como configuradoras da Terceira Revolução Industrial têm como consequência, no plano político e ideológico,as teses da sociedade pós-industrial, pós-capitalista, sociedade global sem classes, e outras denominações. No plano econômico, esse modelo exige um novo tipo de organização industrial, baseado na tecnologia flexível (microeletrônica associada à informática, à microbiologia e a outras formas de energia), em contraposição à tecnologia rígida do sistema taylorista e fordista, trazendo como consequência, a necessidade de formar um trabalhador flexível, inovador e pragmático. Nesse contexto, as políticas de inserção da educação à lógica do capital são legitimadas por um discurso que enfatiza a modernização educativa, a competitividade, a produtividade, o desempenho, a eficiência e a qualidade, que expressam o ideário neoliberal, e sinalizam a efetivação de um novo parâmetro político-pedagógico, tendo por base a pedagogia da produtividade e da eficiência, vinculada à lógica de mercado. Durante todo o século XX, pôde-se constatar que os sistemas educacionais não permaneceram imunes às mudanças nos modos de produção e de gestão empresarial, sendo que também as soluções propugnadas pelo toyotismo se refletem sobre a educação, visto que cada modelo de produção e distribuição requer pessoas com determinadas capacidades, conhecimentos, habilidades e valores. Nessa perspectiva, a educação passa a ser vista apenas em seu objetivo imediato de servir ao capital, encontrando-se atrelada ao setor produtivo, que, em nome da “qualidade total”, está levando as instituições educativas a uma descaracterização de sua função primordial, que é o comprometimento com a formação integral dos indivíduos, para SOCIOLOGIA DA EDUCAÇÃO Graduação em Pedagogia 59 assumir a necessidade do mercado capitalista industrial de formar mão-de-obra para atender às novas necessidades do mercado industrial, que requer trabalhadores com conhecimentos mínimos, além de habilidades como a capacidade de empreender, inovar e superar dificuldades. Além disso, no atual discurso sobre a “qualidade” na educação, Machado (2000) afirma que a formação do cidadão é frequentemente confundida com a satisfação do cliente; ou o projeto educacional, com seu amplo espectro de valores, encontra-se reduzido ao estatuto de mero projeto empresarial, sobrelevando o valor econômico. É fato notório, portanto, que as mudanças do sistema de organização social, como um todo, têm recebido críticas quanto às estratégias e aos propósitos aos quais se destinam; e que, ao mesmo tempo, as mudanças nos sistemas de ensino não têm sido satisfatórias no sentido de responder às necessidades de formação integral do homem, mantendo compromissos apenas com a transmissão de informações e de conhecimentos úteis às exigências do mercado para atender aos interesses do poder. Como consequência dessa maneira de enfocar a educação, pode-se observar que, muitas vezes, a formação profissional fundamenta-se apenas em certas habilidades necessárias à continuidade do sistema, em detrimento de uma ampla formação científica, cultural e crítica. Nesse processo, merece destaque o fato de que, principalmente nos países considerados de Terceiro Mundo, as próprias condições estruturais não possibilitam a todos o acesso às novas tecnologias de informação e de telecomunicação como recursos para ampliar seu universo de informações, e para criar ambientes de aprendizado que enfatizem a construção do conhecimento. Assim, as instituições escolares defrontam-se com vários desafios, em face das mudanças e exigências da sociedade, recebendo críticas constantes quanto aos resultados concretos de suas atividades e à eficácia do seu funcionamento, e também no que tange às suas relações com as estruturas sociais, levando-se em consideração, essencialmente, a possibilidade de democratização do conhecimento, do ensino e da própria sociedade: Os cidadãos que sonhamos formar não devem ter unicamente qualidades técnicas e práticas, mas também devem ser solidários, responsáveis e criativos, saber se expressar com clareza, interpretar e produzir textos, compreender situações usando conhecimentos humanísticos e científicos, assim como precisam ser capazes de aprender sempre (MENEZES, 2006, p.20). Todavia, o mesmo autor alerta para o fato de que esse ideal exige significativa ampliação dos recursos para a educação; e demonstra isso, citando o posicionamento de países como o Chile e os Estados Unidos, em que o investimento em ensino básico é muito superior ao brasileiro. Segundo ele, estamos pagando um alto preço por não aplicar SOCIOLOGIA DA EDUCAÇÃO Graduação em Pedagogia 60 mais recursos em uma educação de qualidade. Por conseguinte, investir em educação de qualidade é condição essencial para a concretização do ideal de cidadania plena. 4.2 Educação e construção da cidadania Analisando a história do Brasil, pode-se verificar que o modelo dominante em nossa sociedade sempre esteve vinculado a uma tradição cultural e política autoritária, excluindo grande parcela da população da participação nos destinos da nação e impedindo, portanto, o exercício pleno de cidadania de muitos. Infelizmente, no contexto da sociedade brasileira, criou-se um contingente de súditos, atrelados à obtenção de favores e ao não saber fazer valer seus direitos, prevalecendo, no espaço público, a cultura do “jeitinho brasileiro”, que rejeita as normas e contratos que garantem direitos, em defesa da manutenção dos privilégios e do favoritismo. Esta constatação traz para a educação uma grande responsabilidade, uma vez que o conhecimento é capaz de levar as pessoas a uma leitura crítica da realidade e a uma tomada de posição diante dela. Assim, além de ser um direito social básico e elementar, a educação representa também o caminho – ou a condição necessária – que vai permitir o exercício e a conquista do conjunto dos direitos e deveres da cidadania, os quais se ampliam a cada dia, em contrapartida às necessidades do homem e da dignidade humana. Conforme Severino (1994, p.100), “[...] a educação deve ser vista como mediação para a construção da cidadania, contribuindo para a integração dos homens no tríplice universo do trabalho, da simbolização subjetiva e das mediações institucionais da vida social”. A educação política do povo, ou educação para a cidadania, deve, pois, possibilitar, primeiro, o igual acesso ao Direito – isto é, o conhecimento do ordenamento jurídico das liberdades públicas por parte de todas as pessoas – e, consequentemente, a formação das consciências dos sujeitos sociais para a necessidade de sua afirmação no nível dos fatos, no nível da vida real. E daí a luta por sua extensão. Tomazi (1997) afirma que, embora os direitos dos brasileiros estejam muito bem delineados na Constituição de 1988, existem forças conservadoras e reacionárias dentro do Congresso Nacional, no Judiciário e mesmo no Executivo, que procuram evitar que esses mesmos direitos se concretizem, além de o poder econômico torná-los, muitas vezes, letra morta. Também Chauí (1994) considera a sociedade brasileira autoritária e a cidadania mantida como “privilégio de classe”. Nesta sociedade, as diferenças e assimetrias sociais e pessoais são transformadas em desigualdades; e estas, em relações de “hierarquia, mando e obediência”. Assim, as relações tornam-se uma forma de dependência, tutela, SOCIOLOGIA DA EDUCAÇÃO Graduação em Pedagogia 61 concessão, autoridade e favor, “[...] fazendo da violência simbólica a regra de vida social e cultural. Violência tanto maior porque invisível sob o paternalismo e o clientelismo, considerados naturais e por vezes, exaltados como qualidades positivas do “caráter nacional.” (CHAUÍ, 1994, p. 54). Apesar dos avanços das teorias educacionais, ocorre ainda hoje, nas escolas, o predomínio de um ensino elitista, que privilegia a cultura erudita e a formação das classes dominantes. Pode-seafirmar que a política educacional brasileira tem exercido um papel de “tutela e favor”. O espaço público (mais especificamente a escola pública), deixando de ser o que deveria (um bem público), tem sido um espaço oferecido como favor da classe política ao povo. Além disso, a qualidade de ensino vem sendo associada apenas à condição de não repetência, e diminuição da evasão, desconsiderando-se os aspectos culturais, pedagógicos e políticos presentes no ato de ensinar e a preocupação com a formação integral do futuro cidadão. Kruppa (1993) afirma que, nas cidades brasileiras, é comum a construção de escolas pelo poder público, vinculadas a ações eleitoreiras e descomprometidas com um atendimento à demanda escolar. Nessas escolas, ocorre a falta de material de apoio, além de seu quadro funcional (professores e serventes) revelar-se insuficiente. A Constituição Federal de 1988, no Art. 205, estabelece que a educação – direito de todos e dever do Estado e da família – deve visar ao pleno desenvolvimento da pessoa humana, a seu preparo para o exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho, que é também uma das várias dimensões da ideia-força da cidadania, que se amplia na medida em que se afirma como prática social, para além dos textos legais: De todo modo, queremos lembrar mais uma vez que o exercício da cidadania é algo que envolve uma prática cotidiana constante, pois, afinal, cidadania é ter direitos: todos os mencionados anteriormente e mais um, que é o direito a ter uma educação para saber quais são os nossos direitos e exercitá-los (TOMAZI, 1997, p.131). Embora a educação escolar sempre esteja a serviço de determinados interesses, podendo significar conformismo e obediência, entende-se que ela também pode significar a formação de um indivíduo reflexivo, apto a fazer uma leitura consciente da realidade social, buscando fazer valer seus direitos e exercendo responsavelmente seus deveres, que se iniciam pelo respeito aos direitos dos outros, pelo respeito ao espaço e ao patrimônio público, ou seja, aquilo que é de todos – e que envolve desde as paredes e carteiras da escola até o telefone público, os meios de transporte e o respeito às normas legais e de convivência social. SOCIOLOGIA DA EDUCAÇÃO Graduação em Pedagogia 62 Portanto, o exercício pleno da cidadania não pode ser simplesmente outorgado por lei, mas cumpre ao indivíduo conquistá-lo e exercitá-lo constantemente, nos diferentes momentos e situações vivenciadas no cotidiano, desenvolvendo o sentido de sua responsabilidade pessoal e social. Deste modo, embora a escola seja a instituição formal responsável pela formação das novas gerações, a educação para a cidadania ocorre em todas as instâncias da vida social, envolvendo a família, a comunidade, as associações, os sindicatos e os partidos políticos. Por sua vez, as instituições escolares, ao garantir à sociedade a prestação de uma educação democrática, pluralista e de qualidade, estarão contribuindo para a efetivação de uma importante tarefa face à justiça social. Assim sendo, entre as atribuições da educação escolar destaca-se a formação da consciência reflexiva que possibilita ao sujeito compreender a realidade que o circunda, rumo ao exercício livre, consciente e responsável da cidadania. O primeiro passo a ser dado nesse sentido é o de tornar a educação efetivamente um direito universal, permitindo a todas as pessoas, independentemente de seu grupo étnico, religioso, de classe etc., a apropriação dos conteúdos da cultura universal e dos conhecimentos produzidos pela sociedade. A educação deve estar fundamentalmente comprometida com a dimensão humanizadora da cultura, possibilitando, a cada pessoa, desenvolver suas potencialidades latentes, de modo a produzir benefícios a si mesma e à sociedade em que vive. Libâneo (2002) afirma que a escola de hoje precisa propor respostas educativas e metodológicas em relação às novas exigências de formação postas pelas realidades contemporâneas, tais como a capacitação tecnológica, a diversidade cultural, a alfabetização tecnológica, a superinformação, o relativismo ético e a consciência ecológica. Assim, o espaço escolar deve possibilitar a livre circulação das ideias e a liberdade de expressão, o que contribuirá para que o indivíduo não tenha medo de se posicionar e de agir diante das diferentes situações que terá que enfrentar em sua existência. Ocorre, pois, a emergência de se criar nas escolas um ambiente propício para discutir e evidenciar, de modo positivo, a cultura dos alunos pertencentes às minorias, procurando eliminar os preconceitos e a indiferença diante das desigualdades e das injustiças sociais. É preciso fazer das escolas um lugar democrático, onde a convivência com as diferenças, com o pluralismo, com as inovações científicas e tecnológicas esteja sempre presente. SOCIOLOGIA DA EDUCAÇÃO Graduação em Pedagogia 63 Destaca-se, ainda, a necessidade de as escolas serem democraticamente geridas, respeitando as vozes de seus atores e usuários, mantendo-se numa situação de diálogo constante com a comunidade na qual se acham inseridas. Evidencia-se, portanto, que, embora vinculada ao Estado, a educação em seu sentido mais amplo não pode ser vista apenas como um plano de governo, mas, sim, como um projeto que envolve o engajamento de todos os brasileiros em ações concretas em prol de uma sociedade mais justa e da efetivação da cidadania para todos. 4.3 Currículo e sujeitos da escola Observando a produção científica do campo educacional, nota-se que a atenção dos cientistas sociais tem favorecido a consolidação de uma atitude crítica em face da escolarização, a compreensão das particularidades dos sistemas de ensino e a elaboração de novas noções e procedimentos de investigação, fundamentais num contexto de redefinição das políticas públicas de educação nacional. Constatamos, no entanto, que a educação escolar ainda é pouco estudada pelos sociólogos brasileiros, particularmente no que concerne à ligação entre os saberes escolares e as desigualdades sociais. O sistema educacional está enraizado numa sociedade estruturada por relações sociais desiguais, com consequências profundas no rendimento escolar. Assim, a luta por uma “democratização do acesso” não é mais suficiente. É necessário construir uma “democratização pelas finalidades e pelo funcionamento”: os percursos escolares podem se tornar menos desiguais socialmente se as condições de acesso forem modificadas, se a seleção de certos grupos sociais for eliminada, se os conteúdos curriculares dotarem as novas gerações de instrumentos de análise e de ação, indispensáveis à sua emancipação e à transformação social: Partimos do pressuposto que, a exemplo – ou sob a influência – de algumas experiências internacionais, os estudos educacionais brasileiros também deslocaram seus focos de interesse do “macro” para o “micro” isto é, de um olhar funcionalista, que vê o indivíduo como relativamente passivo ou mesmo inexistente face às imposições estruturais, a uma perspectiva centrada no ator/agente/sujeito (VALLE, 2011, p.7). A origem do pensamento curricular brasileiro pode ser encontrada nos anos 20 e 30 do século XX. Influenciados por autores norte-americanos, associados ao pragmatismo e a teorias elaboradas por pensadores europeus, os pioneiros (que formavam um grupo eclético, variando de uma postura liberal conservadora a uma posição mais radical) provocaram uma ruptura com a escola tradicional, mudando o significado do debate sobre SOCIOLOGIA DA EDUCAÇÃO Graduação em Pedagogia 64 o processo escolar; provocando a modernização de métodos e estratégias de ensino e de avaliação, a democratização da sala de aula e da relação pedagógica (MOREIRA 2003). A necessidade de constituir um sistema de educação nacional favoreceu,evidentemente, a importação de ideias ou teorias e também de modelos pedagógicos. Segundo Moreira (2003), a transferência educacional para o Brasil passou por diferentes etapas, que se intercalaram: de uma adesão ingênua (implicando uma adequação rudimentar ao contexto receptor), passando por uma adaptação instrumental (que requer um acentuado grau de aceitação e de acomodação de interesses) e uma adaptação crítica (preocupada com a autonomia cultural e o compromisso com as camadas mais desfavorecidas), até chegar a uma rejeição ingênua (caracterizada por um significativo fechamento à influência estrangeira e pela supervalorização do que se cria no contexto receptor). A estruturação do campo do currículo ocorreu efetivamente na década de 1970, com a introdução da disciplina “currículos e programas” nos cursos de formação docente, consistindo numa espécie de transferência centrada na assimilação de modelos para a elaboração curricular, em sua maioria de viés funcionalista, e viabilizada por acordos bilaterais entre os governos brasileiro e norte-americano, dentro do programa de ajuda à América Latina Esse tipo de transferência não respondeu às múltiplas singularidades do sistema de ensino (receptor) e teve implicação na transmissão de um saber escolar descontextualizado das condições originais de sua produção. Segundo Lopes e Macedo (2002) o currículo trata atualmente de um campo intelectual consolidado, subdividido em três grandes tendências. Primeira tendência: apresenta uma perspectiva pós-estruturalista, fundamentada nas reflexões de Foucault e nas teorias pós-modernas/pós-estruturalistas; dedica-se às produções discursivas diversas, aos processos de mudança e de reforma educacional, bem como ao exame do potencial dessas teorias na ampliação dos referenciais de análise e de crítica das propostas neoliberais para a educação; Segunda tendência: centra-se no currículo e no conhecimento em rede, motivada pelas discussões sobre o cotidiano e a formação de professores, e visa superar o enfoque disciplinar no espaço escolar, que deve ceder lugar aos outros saberes relacionados à ação cotidiana. Considera-se que “[...] a noção de conhecimento em rede introduz um novo referencial básico, a prática social, na qual o conhecimento praticado é tecido por contatos múltiplos” (LOPES e MACEDO 2002, p. 37); Terceira tendência: concerne à história do currículo e à constituição do conhecimento escolar, abrangendo o estudo do pensamento curricular brasileiro (que SOCIOLOGIA DA EDUCAÇÃO Graduação em Pedagogia 65 analisa as produções teóricas da área, as políticas curriculares, os currículos vigentes e a função do professor e do intelectual na constituição do campo e das práticas vivenciadas) e a problemática das disciplinas escolares (que supõe uma ampliação conceitual e metodológica da história, com ênfase para a etno-história e a compreensão do cotidiano das instituições): Para os sociólogos das disciplinas escolares, a história do currículo tem por meta explicar por que certo conhecimento é ensinado nas escolas em determinado momento e local e por que ele é conservado, excluído ou alterado (Moreira, 2003, p. 35). A reflexão sobre os saberes escolares coloca em dúvida o projeto de socialização que a escola vem efetivando depois de séculos. Dois aspectos parecem de grande importância. A socialização não pode mais ser vista unicamente como um processo de interiorização (nos termos da concepção durkheimiana), pois as crianças e os jovens tornaram-se atores de sua própria socialização, diminuindo a força das instituições sociais. É necessário, portanto, que a socialização escolar considere o sentido do conhecimento e as relações que se estabelecem com o saber, a fim de reorientar a seleção dos conteúdos curriculares dentre os inúmeros saberes culturais. Que saberes ensinar? Quanto mais nossos sistemas de ensino se democratizam, mais crescem e se diversificam as oportunidades de aceso à escola; quanto mais aumentam as chances de prolongar a escolarização, maiores são as dúvidas em relação aos saberes a serem transmitidos pela escola, aos seus processos de socialização e aos recursos didáticos mais adequados à ação pedagógica. A legitimidade e a validade dos conteúdos escolares, assim como sua distribuição em diferentes disciplinas, sua pertinência em relação às mudanças sociais, culturais e tecnológicas, seus mecanismos de transmissão e de avaliação têm sido amplamente questionados pelos estudos educacionais. Como mostra Chervel (1998, apud VALLE, 2011), os conteúdos escolares – frutos de uma criação da escola para a escola – são concebidos como entidades do seu próprio gênero, estando adequados a cada ano escolar, independentemente da realidade cultural externa à escola, inclusive em relação aos diferentes níveis de desenvolvimento dos alunos. Eles gozam, portanto, de uma determinada organização, de uma economia íntima e de uma eficácia que parecem naturais. O estudo sociológico dos saberes escolares aponta, de forma bastante incisiva, para a necessidade de focalizar os determinantes culturais, econômicos e sociais das diferentes políticas educacionais, o que supõe revisar as finalidades dos livros didáticos e examinar a seleção em termos de conteúdos que eles, historicamente, vêm operando. SOCIOLOGIA DA EDUCAÇÃO Graduação em Pedagogia 66 Não se pode ignorar o fato de que esses dispositivos pedagógicos figuram geralmente como mecanismos essenciais e indispensáveis, como verdadeiros guias da ação dos professores. Segundo Sacristán (1998, p. 157), “[...] os livros didáticos traduzem as prescrições curriculares gerais, pois são construtores de seus verdadeiros significados para professores e alunos”. Eles se apresentam como difusores de códigos pedagógicos, ao mesmo tempo em que selecionam os conteúdos e planejam a própria prática docente. Eles agem, portanto, como “depositários de competências profissionais”, tornando-se recursos muito seguros para a manutenção da atividade escolar por um tempo mais prolongado, o que oferece ao professor uma grande segurança pedagógica. Parece evidente que os cientistas sociais e os cientistas da educação enfrentam, atualmente, um importante desafio: explicitar com fidedignidade o fato de que as desigualdades de escolarização são produzidas fora da escola, no seu interior e por que processos pedagógicos. Entende-se, assim, que uma “sociologia dos saberes escolares” tem o mérito de declinar a tendência – ainda muito presente no magistério – a aceitar como normais – se não naturais – os resultados indesejáveis das práticas pedagógicas, sobretudo aquelas concretizadas em contextos desiguais, multiculturais, atravessados por interesses contraditórios (VALLE, 2011). Além disso, uma “sociologia dos saberes escolares” pode estimular a vontade dos estudiosos e dos futuros professores, provocando uma discussão crítica e atiçando sua imaginação, a fim de que possam inovar em termos de pesquisa educacional e retirar definitivamente da opacidade os saberes escolares, seus dispositivos de difusão, seus processos de transmissão, de apropriação e de avaliação. Enfim, ainda que o poder crítico e sugestivo da Sociologia da Educação possa permanecer pouco explorado, uma “sociologia dos saberes escolares” permite lançar um novo olhar sobre a reprodução cultural, denunciando não apenas o fato de estar enraizada nas estruturas dos sistemas educacionais, mas também a constatação de que a dominação não se efetua em sua totalidade. Ao contrário, deve-se reconhecer o extraordinário poder da escola na transformação social, em razão de suas características singulares. Ela é uma, talvez a única, instituição social que ainda se mantém acessível à discussão, ao debate, à negociação e à participação. SOCIOLOGIA DA EDUCAÇÃO Graduação em Pedagogia 67UNIDADE 5 TTEENNDDÊÊNNCCIIAASS NNAA EEDDUUCCAAÇÇÃÃOO EE AAVVAANNÇÇOOSS TTEECCNNOOLLÓÓGGIICCOOSS 5.1 Tendências na educação Argemiro Aluísio Karling As tendências sociais determinam novas tendências para a educação. A sociedade atual e o mercado vêm exigindo uma educação diferente; que desenvolva competências, habilidades e valores; que forme um homem integral, social, intelectual, profissional e solidário, que saiba aprender e o faça continuamente, que saiba fazer, que saiba ser, que saiba conviver; enfim, que tenha acesso à educação básica e saiba lidar com as incertezas do mundo hodierno, como propagou Jacques Delors (1998), economista convidado pela UNESCO para sistematizar as ideias propaladas na Conferência Educacional de Jomtien (Tailândia), realizada em 1990. Espera-se, hoje, que a escola tenha um currículo interdisciplinar e contextualizado, que se preocupe e tenha objetivos, que propicie aprendizagens duráveis e favoreça a construção de novos conhecimentos pelos próprios interessados. Hoje, ela precisa formar o aprendiz empreendedor, visando o profissional e o cidadão empreendedor do futuro. Além disso, há tendência social de enxugamento do Estado e de terceirização dos serviços públicos e, como conseqüência, há necessidade de pessoas competentes e empreendedoras para realizar os serviços que hoje são de competência do Estado. Primeiramente, imagine o que você esperaria, em termos de competência, ou ao menos de habilidades, atitudes e comportamento, de qualquer pessoa que fosse lhe prestar um serviço. Agora, pense em como a escola está desenvolvendo essas qualidades, começando pela Educação Infantil. Esse assunto será tratado com destaque em outros módulos do curso de pedagogia. Aqui, vamos nos limitar apenas a alguns tópicos, mais relevantes para a contextualização do conteúdo de sociologia da educação. Para cumprir funções sociais, é necessário que a sociedade tenha pessoas com iniciativa, com responsabilidade, éticas e empreendedoras. A grande maioria da população brasileira aprendeu a obedecer, a cumprir ordens. E dentro dessa população, Estude esta unidade antes da tutoria! SOCIOLOGIA DA EDUCAÇÃO Graduação em Pedagogia 68 uma das categorias que mais aprendeu a obedecer e a baixar a cabeça é a dos professores. O professor aprendeu a ser obrigado a seguir e a cumprir um programa, uma tendência teórica ou linha ideológica. Aprendeu a obedecer às regras impostas pela direção e pelo sistema de ensino. Agora, aprendeu a obedecer ao projeto pedagógico, feito por outros, quando ele próprio deveria participar ativamente da elaboração deste, conforme determina a legislação. Para solucionar parte desse problema, é necessário formar profissionais diferentes para a educação. Não especificamente rebeldes, mas conhecedores de seus direitos, corajosos, autônomos, solidários e competentes. Profissionais que denunciem as coisas erradas, enfrentem os obstáculos e tenham competência e coragem de montar uma empresa própria: centro de educação infantil, escola para os anos iniciais do ensino fundamental e até faculdade - por que não?! Várias personalidades de renome afirmam que a educação será uma das mais importantes indústrias dos próximos anos. Qual é a razão disso? É fácil entender. Se quem possuir mais conhecimento terá mais capital, todos vão à procura de conhecimento. E não é só na escola, nem apenas até terminar o curso. Seria busca e competição a vida toda. É o que se chama de educação continuada. Mas, onde e como a pessoa vai obter essa educação continuada? Na escola, em cursos de pós-graduação? Isso não seria possível para a grande maioria das pessoas. Se assim fosse, não sobraria tempo para trabalhar. A própria pessoa tem que procurar o conhecimento, saber onde o encontrar e como aproveitá-lo. Essa será umas das novas funções da escola: orientar e deixar liberdade para que o aluno busque o conhecimento de que necessita, saiba encontrá-lo e tenha gosto em estar se atualizando sempre. Assim, ele desenvolve autonomia, iniciativa, abertura mental e cultura geral. Outra questão é que, mesmo estudando horas e horas todos os dias, será possível aprender apenas uma parcela muito pequena dos conhecimentos produzidos nos últimos tempos. Daí a necessidade de as pessoas aprenderem a trabalhar em equipe, para que sejam somados os conhecimentos de várias pessoas para solução de problemas e tomada de decisões no dia-a-dia. Esta é outra função da escola. E tem mais! Quem vai selecionar, organizar e tornar disponíveis os conhecimentos de que cada categoria profissional vai precisar? Em que suporte eles serão documentados? Por que meios serão veiculados? Para realizar tais tarefas, o profissional precisa ser profundo conhecedor da área e também de psicologia da aprendizagem e de didática. Não basta produzir um texto e colocá-lo na Internet, é necessário um conjunto de elementos para que a aprendizagem se torne fácil, agradável e significativa. SOCIOLOGIA DA EDUCAÇÃO Graduação em Pedagogia 69 Hoje - e no futuro mais ainda - precisamos ter uma grande escola, que é o mundo inteiro, sem paredes, sem distância, onde todos são aprendizes para a vida toda. Nesta escola, serão professores somente os melhores, os de mente mais aberta, os que melhor escrevem e se comunicam. Nela, o diploma tem pouquíssimo valor. Tem peso estar bem atualizado, e – é lógico - dominar bem a tecnologia educacional e a tecnologia aplicada à educação. Outrossim, na perspectiva das tendências educacionais, também é importante considerar a efetivação das ideias de Pierre Lévy (1998), segundo o qual o professor deve ser arquiteto cognitivo e engenheiro do conhecimento. Isto significa atualizar-se constantemente. O professor ruim será descartado e acabará o espaço para o professor “teoricão”, ou ele é competente e se conscientiza de que precisa aprender ao longo de toda a vida ou será descartado. Na educação, serão valorizados a autoconfiança, a cooperação, a criatividade, a flexibilidade e o autodidatismo. Bem diferente do que acontece hoje nas escolas. A aprendizagem visará à qualidade. Os conteúdos serão relevantes e significativos. E para selecionar e produzir conteúdos, serão escolhidos e aproveitados os melhores especialistas. Este conteúdo será bem diferente daqueles que predominam na maioria dos livros didáticos de hoje. Será mais denso, envolvendo conteúdos conceituais, procedimentais e atitudinais. Não haverá mais currículo oficial. Neste sentido, o Brasil já está no futuro, pois o currículo oficial foi extinto pela Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional de 1996. Hoje, o Ministério da Educação (MEC) e o Conselho Nacional de Educação (CNE) fixam diretrizes curriculares para os diversos níveis e modalidades escolares. Quem elabora o currículo e o projeto pedagógico são as escolas, ou seja, os professores e a comunidade de cada escola. Será conferida às escolas a autonomia de que necessitam. Entre as tendências que já se efetivaram, destacam-se a contribuição da eletrônica na formação continuada de docentes e discentes, bem como o crescimento da educação a distância, que tem atendido, com reconhecida qualidade, uma parcela significativa da população até então excluída, principalmente, do ensino superior. Diante dessas mudanças, pode-se dizer que uma das tendências educacionais do futuro é a extinção da profissão de professor? Para fazer o que os professores fazem hoje, certamente sim. Os do futuro vão produzir livros didáticos que estimulem o aluno a ler, a pensar, a criar, a trabalhar em equipe e a tomar decisões. Vão orientar o processo de busca e de autoaprendizagem. Vão produzir material para educação a distância: material impresso, vídeos, jogos etc. SOCIOLOGIA DA EDUCAÇÃO Graduação em Pedagogia 70 Os professores do futuro vão alfabetizar utilizando a internet,as redes sociais e a diversidade de mídias e tecnologias que aumentam consideravelmente a cada ano; adequar-se-ão, portanto, à nova realidade, caracterizada pela inserção tecnológica das crianças desde a mais tenra idade. Há, ainda, muito trabalho a ser desenvolvido pelos professores nesta era do conhecimento. Segundo Alvin e Heidi Toffler (1998), são necessários cinco elementos para que a educação se prepare para o século XXI. O primeiro seria a informática, mas, para isso, não bastaria haver computadores nas classes, seria necessário mudar a própria escola, reorganizá-la e reestruturá-la em seus currículos, na administração e nos métodos pedagógicos. O segundo elemento seria a mídia, que tem enorme poder de sedução sobre as crianças. Deveriam ser entregues câmaras de vídeo a elas para que produzissem seus próprios filmes. Assim, aprenderiam também a fazer leitura das imagens e críticas da mídia. O terceiro elemento seriam os pais, cujos conhecimentos e experiências poderiam ser somados aos conteúdos escolares; deveriam, também, se envolver com a escola e comprometer-se com a educação dos filhos, fazendo uso de seus computadores e da conexão com a Internet. Quarto, a comunidade: profissionais de todas as áreas poderiam trazer sua contribuição para a escola ou a escola levar os alunos até os locais em que trabalham. E acentuam os autores: “Na medida em que o trabalho sai do escritório e da fábrica, a educação tem de sair mais e mais da escola” (TOFLER, A; TOFLER, H., 1998, s/p). Quinto elemento: professores. Em vez de lições-padrão, os professores deveriam “contribuir no re-projeto do processo educacional como um todo, do começo ao fim”. (TOFLER, A; TOFLER, H., 1998, s/p). Se a escola brasileira não considerar esses cinco elementos, terá ela outras formas de preparar as crianças para o mundo, para a vida e para o trabalho? O que a nossa escola está fazendo neste sentido? Se o Brasil precisa hoje de dois milhões de professores para atender à educação básica, que vai até os 17 anos de idade, em breve necessitará de mais seis milhões para oferecer educação continuada nas mais diferentes tecnologias. A produção de conhecimentos no mundo é tão rápida que é preciso muita gente para aprendê-los, muita gente para reelaborá-los e adaptá-los às suas especialidades. Todos buscarão o conhecimento como condição vital de sobrevivência, assim como a água e a comida. SOCIOLOGIA DA EDUCAÇÃO Graduação em Pedagogia 71 O conhecimento hoje é muito instável. Como afirmado, novos conhecimentos são produzidos numa velocidade incrível. Isso faz com que sejam modificados os conhecimentos anteriores. Assim, de que adianta o aluno aprender “conteúdo”, se em pouco tempo este pode estar ultrapassado, obsoleto? A pedagogia já encontrou uma saída para isso. Classificou os conteúdos em conceituais, procedimentais e atitudinais. Os conteúdos mais instáveis são os conceituais; os que são tratados tradicionalmente por “matérias”. São importantíssimos, pois sem eles não conseguiríamos nem sequer pensar. Eles nos fornecem as informações científicas, técnicas e os saberes sociais. Os conteúdos procedimentais referem-se à maneira de fazer as coisas, de aprender, de pesquisar, localizar, pensar e construir. Estes são mais estáveis, mais duradouros. Se estes forem bem aprendidos, será mais fácil atualizar os conteúdos conceituais, que estão mudando rapidamente. Daí a necessidade de a escola dar ênfase a que os alunos desenvolvam a competência em aprender a aprender. Os conteúdos atitudinais referem-se a atitudes, comportamentos, interesses, desejos, sentimentos, emoções, vontade, propósitos e valores. Envolvem justiça, solidariedade, participação; ou querer agir, fazer, ter mente aberta e flexível, por exemplo. Assim, se a escola e o professor conseguirem fazer com que o estudante goste de estudar, de aprender, de ler, de se atualizar e que seja flexível e aberto às mudanças, estará cumprindo outra de suas importantes funções. Dessa forma, mais do que nunca, o espaço para você ser professor vai se ampliando. A questão é você conhecer as mudanças, adaptar-se a elas, ser competente, ousado, persistente e empreendedor. Você achou interessante o que leu, ou se assustou? Um fator é certo. Não há mais lugar para pessoas acomodadas. Assim, não há outra saída, a pessoa deve ser otimista, ter garra, pensar grande e estudar sempre. Não aprendemos para a escola, mas para a vida. Os conhecimentos não estão na escola, mas no mundo, inclusive na escola. É na realidade do mundo que devemos buscar os conhecimentos. Estes são divulgados pela mídia, por revistas científicas e pela Internet. Por isso, não preciso escrever muito. Vamos, juntos, procurar os conhecimentos onde eles estiverem. 5.2 Os avanços tecnológicos colaborando para uma educação de qualidade Márcia Helena Leonel SOCIOLOGIA DA EDUCAÇÃO Graduação em Pedagogia 72 Houve época em que era necessário justificar a introdução da informática na escola. Em meados da década de 1980, Bork (1985) escreveu que o uso do computador era quase certo, mas que a relação entre o seu uso na escola e agravamento ou melhoria do sistema educacional era uma incógnita. Já se passaram vinte e quatro anos e a informática vem adquirindo cada vez mais espaço e relevância no cenário educacional. Sua utilização como instrumento de aprendizagem vem aumentando de forma rápida e, neste sentido, a educação vem passando por mudanças estruturais e funcionais frente a essa nova tecnologia. Hoje, existe consenso quanto à importância da tecnologia na área educacional, entretanto, o que se questiona é a forma com que essa introdução vem ocorrendo. De acordo com Valente (1999), o foco da informática educativa não é o computador como objeto de estudo e, sim, como instrumento para a construção ou propagação de conhecimentos. Compreende-se, assim, que o ensino pelo computador propicia ao aluno apropriar-se de conceitos das mais variadas áreas do conhecimento. Na contemporaneidade, a introdução da informática na educação é vista como instrumento de aprendizagem e sua ação no meio social está aumentando de forma rápida entre as pessoas. Quando se aprende a lidar com o computador, novos horizontes se abrem na vida do usuário e este começa a perceber um novo jeito de aprender e ver o mundo. O computador veio para inovar e facilitar a vida das pessoas. A tecnologia está adentrando em todas as áreas e com a educação não poderia ser diferente. A escola não pode vislumbrar uma aprendizagem significativa por meios obsoletos, precisa sofrer transformações frente a essa “nova tecnologia”. Toda aprendizagem precisa ser inovadora e conduzir o indivíduo a se sentir como um ser globalizado, capaz de interagir e competir com igualdade na busca de seu sonho profissional. 5.2.1 A escola sofre pressões por mudanças A escola de hoje ainda apresenta um currículo engessado, com disciplinas fragmentadas, com conteúdos apresentados de tal forma que não estimulam o aluno a pensar. Na maioria das escolas, as aulas são expositivas, ministradas por professores que falam durante horas, sem se preocupar se o aluno está realmente aprendendo. O computador chegou à escola, mas a utilização dele nem tanto. Alguns professores se SOCIOLOGIA DA EDUCAÇÃO Graduação em Pedagogia 73 autointitulam “analfabetos digitais”, porém conformam-se com esta condição e não buscam novos conhecimentos, necessários ao mundo moderno. Segundo o Relatório de Desenvolvimento (2012), divulgado pelo PNUD (Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento), um em cada quatro estudantes que ingressam no ensino fundamental abandona a escola antes de concluir o último ano. Com taxa de 24,3%, o Brasil apresenta o terceiro pior índice de evasão escolar entre os 100 países com maior IDH (Índice de Desenvolvimento Humano).Estes dados são dramáticos, especialmente quando nos deparamos com o rápido avanço rumo à “sociedade do conhecimento”. O que está acontecendo com nossas escolas? Onde estamos errando? Ensinar não depende só do professor, depende também do aluno querer aprender, e quase metade de nossos alunos do Ensino Médio e Superior não quer aprender. A questão é: por que este aluno não se interessa pela escola? Onde estará o problema? Será a metodologia do professor que está ultrapassada? Serão os conteúdos que não são significativos? Fala-se muito em ensino de qualidade, mas, no geral, as escolas estão muito distantes dos conceitos de qualidade. Os dados estatísticos e as avaliações nacionais mostram a defasagem na qualidade do ensino. Se tantos jovens não se sentem motivados para permanecer na escola, é um forte indício de que esta necessita urgentemente de um tratamento de choque. O primeiro passo é tentar detectar as causas desses “fracassos”. Alguns já nos parecem bem claros: Professores desmotivados, mal preparados e mal remunerados; Infraestrutura normalmente bem comprometida; Acesso insatisfatório dos alunos à tecnologia, em algumas regiões; e inexistente, em outras; Alunos não gostam de pesquisar e não sabem se expressar de forma correta. O perfil de muitos alunos que concluem um curso superior é de pessoas que não desenvolveram gosto pela leitura, não conseguem interpretar certos textos, não percebem as mudanças que estão ocorrendo à sua volta, não conseguem analisar presente e passado para tentar identificar as tendências para o futuro. O homem contemporâneo está vivendo na era digital, da Internet banda larga, 4G, dos smartphones, tablets, entre outros equipamentos de multimídia, TV digital e alta tecnologia. Estes fatores vêm modificando todas as áreas da vida. O conceito de tempo e espaço modificam-se em consequência da tecnologia de redes eletrônicas. Uma nova sociedade está sendo construída, e saber pesquisar, fazer escolhas certas, comparar resultados obtidos, produzir novos materiais, trabalhar bem, SOCIOLOGIA DA EDUCAÇÃO Graduação em Pedagogia 74 tanto individualmente como em grupo, são fatores fundamentais para que o indivíduo tenha chance de disputar seu espaço no atual mercado de trabalho. Assim como as demais organizações, a educação passa também por um momento de pressão por mudanças. Muitos professores não estão encontrando o caminho de ensinar e aprender, em uma sociedade interconectada. A maioria das escolas, como instituição, resiste a mudanças, entretanto se faz necessária uma urgente e significativa revisão no sistema educacional, pois a escola não pode se isolar desse processo transformador. Ao contrário, a escola precisa se inserir nestas mudanças, repensando o uso de novas tecnologias e entendendo qual seu verdadeiro significado. A escola do futuro deverá integrar os vários segmentos da vida do indivíduo, ou seja, não só o intelectual e profissional, mas também a questão emocional e ética, auxiliando na construção de uma identidade e possibilitando o encontro de seu espaço na vida pessoal, social e profissional. 5.2.2 O uso do computador na prática educativa No Brasil, cerca de 94 milhões de pessoas têm computador e acessam a internet, representando quase metade da população nacional. Com relação à utilização do computador na área educacional, o potencial pedagógico do computador mal começou a ser explorado. Suas possibilidades são quase ilimitadas. A cada dia se ouve falar de uma nova modalidade de utilização no aprendizado da arte, da música, de línguas (materna e estrangeira) etc. Todavia, o mais importante é que a criança, dominando o computador, tem à sua disposição um instrumento poderoso com o qual pode instigar o pensamento e efetivamente aprender (CHAVES, 1988). A apropriação e o uso de equipamentos tecnológicos no processo educativo geram expectativas de alterações no cotidiano escolar. O computador rompe com o tradicional, ao trazer novos cenários e novos atores para dentro da escola, possibilitando dialogar com a realidade exterior aos muros da instituição, permitindo a interação entre diferentes sujeitos e objetos de aprendizagem, recursos de som, imagens e movimentos. Ao introduzirmos o computador como ferramenta de apoio ao processo de ensino- aprendizagem, o principal objetivo deve ser o de propiciar um ensino inovador; e, na informática aplicada à educação, a apropriação das ferramentas tecnológicas deve acontecer de acordo com a necessidade de recursos envolvidos no trabalho a ser executado. SOCIOLOGIA DA EDUCAÇÃO Graduação em Pedagogia 75 O uso do computador na educação tem como objetivo promover a aprendizagem do aluno e ajudar na construção do processo de estabelecer habilidades importantes, para que ele participe da sociedade do conhecimento. Não se trata simplesmente de facilitar o seu processo de aprendizagem. A informática, se bem utilizada dentro de um projeto educacional, pode dar condições aos alunos de trabalhar a partir de temas, projetos ou atividades, que surgem naturalmente no contexto da sala de aula. Assim, o professor, além de se preocupar com os conteúdos, deverá também participar do desenvolvimento de valores para formar indivíduos com cultura, flexíveis, críticos e criativos. Os recursos computacionais são ferramentas importantes, mas é importante analisar e propor o uso adequado dos recursos tecnológicos no processo educacional, vislumbrando-o como mecanismo de superação de práticas pedagógicas alicerçadas nas concepções tradicionais que, geralmente, imperam nas escolas. Se o professor estiver alinhado às transformações da sociedade compreenderá que a tecnologia pode ser colocada a serviço da educação; neste prisma, fará uso de tais instrumentos para potencializar o processo de ensino-aprendizagem e não para esquivar-se de suas atribuições (PENATI, 2005). A tecnologia tem possibilitado melhora na qualidade da educação brasileira, com a criação de ambientes de aprendizagem, auxiliando na resolução de problemas, na produção de textos, na manipulação de banco de dados e controle de processos em tempo real. O êxito dessa ferramenta só não é maior porque faltam equipamentos nas escolas, falta empenho na introdução da informática na educação, o treinamento dos professores é frágil e lento, culminando na resistência da introdução da tecnologia na área educacional. Em outras palavras, “[...] os avanços tecnológicos têm desequilibrado e atropelado o processo de formação fazendo com que o professor sinta-se eternamente no estado de "principiante" em relação ao uso do computador na educação [...]” (VALENTE E ALMEIDA, 1997, p. 12). Não se pode negar que o computador, de fato, exerce grande atração sobre a criança, assim devemos explorar essa atração em direções positivas e desejáveis. Tajra (2001), no entanto, orienta: [...] o professor precisa conhecer os recursos disponíveis dos programas escolhidos para suas atividades de ensino, somente assim ele estará apto a realizar uma aula dinâmica, criativa e segura. Ir para um ambiente de informática sem ter o programa a ser utilizado é o mesmo que ir dar uma aula sem planejamento e sem ideia do que fazer. (p.116) SOCIOLOGIA DA EDUCAÇÃO Graduação em Pedagogia 76 A escola deve promover a autonomia intelectual do aluno. Isso significa que as crianças precisam se apropriar do conhecimento: observar, experimentar, construir e só depois abstrair. E o computador tem tudo a ver com isso, pois proporciona novos modos de significar o mundo. 5.2.3 Questionando a informática na escola O ensino, por meio da tecnologia, ainda é bastante questionado. Muitas escolas introduzem, em seu currículo, o ensino da informática com o pretexto da modernidade, mas, no ambiente escolar, surgem algumas dúvidas. Quais professores poderiam ministraressas aulas? Seria necessário contratar técnicos para ensinar informática? O que ensinar nas aulas de informática? Algumas escolas, percebendo o potencial dessa ferramenta, introduziram a informática educativa em seus currículos, que, além de promover o contato com o computador, tem como objetivo a utilização dessa ferramenta como instrumento de apoio às matérias e aos conteúdos lecionados. Essa nova realidade requer dos profissionais que atuam na escola, de um modo geral, uma revisão de suas formas de atuação: Novas maneiras de pensar e de conviver estão sendo elaboradas no mundo das comunicações e da Informática. As relações entre os homens, o trabalho, a própria inteligência dependem, na verdade, da metamorfose incessante de dispositivos informacionais de todos os tipos. Escrita, leitura, visão, audição, criação e aprendizagem são capturados por uma Informática cada vez mais avançada (LEVY, 1994, p. 7). Para Valente (1999, p. 5), embora o Brasil tenha buscado referências do uso da informática no contexto internacional, “[...] a nossa caminhada é muito peculiar e difere daquilo que se faz em outros países”. Valente (1999) menciona, ainda, que, nos Estados Unidos e na França, países com grande proliferação de computadores nas escolas e grande avanço tecnológico, do ponto de vista pedagógico, não ocorreram mudanças significativas. A tão esperada transformação na qual o aluno constrói o conhecimento e tem o controle do processo dessa construção não aconteceu. Segundo o autor, “[...] ainda é o professor quem controla o ensino e transmite a informação ao aluno” (VALENTE, 1999, p. 13). Na França e nos Estados Unidos, a introdução da informática na educação provocou um grande avanço na disseminação dos computadores nas escolas, porém: SOCIOLOGIA DA EDUCAÇÃO Graduação em Pedagogia 77 [...] esse avanço não correspondeu às mudanças de ordem pedagógicas que essas máquinas poderiam causar na educação. As escolas nesses países têm mais recursos do que as escolas brasileiras e estão, praticamente, todas informatizadas. Mas, a abordagem educacional ainda é, na sua maioria, a tradicional (VALENTE, 1999, p.18). Para o autor, “[...] as práticas pedagógicas inovadoras acontecem quando as instituições se propõem a repensar e a transformar a sua estrutura cristalizada em uma estrutura flexível, dinâmica e articulada” (VALENTE, 1999, p. 26). No Brasil, a influência exercida principalmente pela França e pelos Estados Unidos foi mais no sentido de minimizar os pontos negativos e enfatizar os positivos, ao invés de reproduzir o modelo de forma acrítica. Os centros de pesquisa universitária têm assumido um papel importante no sentido de adotar políticas de ensino, sustentadas na experiência obtida no âmbito escolar, fato que, segundo o autor, não ocorreu em outros países, pois “[...] em outros países o que se buscou com a informática não passou, muitas vezes, de tentativas de automatização do ensino sem maiores inovações no processo educacional” (VALENTE, 1999, p. 9). 5.2.4 Formar o cidadão do futuro é papel da escola É interessante ressaltar que a maior parte dos empregos que surgirão neste século ainda não existe e, com certeza, eles, de alguma forma, utilizarão as novas tecnologias da informação e comunicação; portanto cabe à escola prestar a sua grande contribuição na formação de indivíduos capacitados para atuar na economia do futuro. Estamos vivendo um período revolucionário que vai além dos computadores e das inovações na área de telecomunicações. As mudanças estão ocorrendo nas áreas econômica, social, cultural, política, religiosa, institucional e até mesmo filosófica. Uma nova civilização está nascendo, o que envolve, consequentemente, uma nova maneira de viver. É importante modificar o sistema educacional, de forma que se esteja preparado para promover a aquisição das habilidades e a construção dos modos de pensar neste novo contexto mundial. A nova sociedade que surge aponta para a necessidade de pensamento livre e integrado, indutivo e criativo, com menos ênfase na memória e mais no presente e no futuro. Saber aprender será mais importante do que o próprio ato de aprender. Saber onde e como encontrar o conhecimento será mais importante do que ter na cabeça o conhecimento. De acordo com Valente (1997), o aluno pode adquirir conceitos sobre qualquer domínio, mediante a máquina, mas a abordagem pedagógica de como isso acontece pode variar, oscilando entre dois grandes polos, conforme demonstra a figura a seguir. SOCIOLOGIA DA EDUCAÇÃO Graduação em Pedagogia 78 Ainda, de acordo com o mesmo autor, esses polos são caracterizados pelos mesmos ingredientes: computador (hardware), software (o programa de computador que permite a interação homem-computador) e o aluno. A polaridade é estabelecida de acordo com a maneira como esses ingredientes são usados. De um lado, o computador, pelo software, ensina o aluno; enquanto, no outro, o aluno, pelo software, “ensina” o computador: Quando o computador ensina o aluno, o computador assume o papel de máquina de ensinar, e a abordagem educacional é a instrução auxiliada pelo computador. Nesta abordagem, apenas ocorre a substituição de cadernos e livros pelo computador; corresponde ao método de instrução programada tradicional, utilizando os softwares “Tutoriais” e “Exercício e Prática”. Os “Jogos Educacionais” e a “Simulação” também são softwares que ensinam. Nestas situações, a pedagogia utilizada é a exploração autodirigida (VALENTE, 1999). No outro polo, para o aluno “ensinar” o computador, o software é uma linguagem computacional (Basic, Logo, Pascal), um banco de dados (DBase) ou um processador de texto, que permite ao aluno representar suas ideias, mediante o software. Neste caso, o computador é apenas uma ferramenta. O computador, na educação, não deve ser utilizado como uma “máquina de ensinar”, mas como nova mídia educacional. Ao invés de memorizar informações, os alunos devem ser ensinados a buscar e a usar as informações. Assim, a presença do computador deve propiciar as condições para os alunos exercitarem a capacidade de procurar e selecionar as informações, resolver problemas e aprender independentemente. O professor deve deixar de repassar informações aos alunos, pois isso o computador faz com mais eficiência, e passar a ser o criador de ambientes de aprendizagem e o facilitador do processo de desenvolvimento intelectual do aluno. Um professor transmissor de informação estará descartado em pouco tempo. O que se necessita é de um mediador do conhecimento; alguém que ensine o aluno a pensar, a decidir, a escolher e a ter autonomia em suas ações. Ensino-Aprendizagem através do computador Direção do ensino Direção do ensino Computador Software Aluno Computador Software Aluno SOCIOLOGIA DA EDUCAÇÃO Graduação em Pedagogia 79 Vivemos em um mundo tecnológico, onde a Informática não pode ser vista meramente como “mais uma tecnologia”. É uma “nova tecnologia” que oferece transformação pessoal. Desta forma, devemos entender a Informática não como uma ferramenta neutra que usamos simplesmente para apresentar um conteúdo. Devemos ter a percepção de que, quando a usamos como conhecimento, buscando bons conteúdos, estamos sendo modificados por ela e nos transformando em pessoas melhores. Logo, não basta colocar o aluno na frente do computador, pois a interação aluno- computador precisa ser mediada por um profissional que entenda a aprendizagem como processo de construção do conhecimento. Ele tem que interagir com o aluno, procurando compreender suas ideias para saber intervir apropriadamente na situação, de modo a contribuir no processo de construção de conhecimento, por parte do aluno. A possibilidade que o computador oferece para o aluno aprender, em vez de ser ensinado, constitui a verdadeiratransformação do processo educacional. O ensino tradicional ou a informatização do ensino tradicional é baseado na transmissão de informação por um proprietário do saber (professor ou computador), com o aluno como um recipiente que deve ser preenchido. O resultado desta abordagem é o aluno passivo, sem capacidade crítica e com uma visão de mundo de acordo com a que lhe foi transmitida. Esse aluno, quando formado, terá pouca chance de sobreviver na sociedade do conhecimento. Na verdade, tanto o ensino tradicional quanto a informatização desse ensino prepara um “profissional obsoleto”. A sociedade do conhecimento exigirá um profissional crítico, criativo, com capacidade de pensar, de aprender a aprender, trabalhar em grupo e de conhecer o seu potencial intelectual. Este profissional deverá ter uma visão geral sobre os diferentes problemas que afligem a humanidade, além de profundo conhecimento sobre domínios específicos. Em outras palavras, um sujeito atento e sensível às mudanças da sociedade, com uma visão inter e transdisciplinar e com capacidade de constante aprimoramento e depuração de ideias e ações. Certamente, essa nova atitude é fruto de um processo educacional, cujo objetivo é a criação de ambientes de aprendizagem onde o aluno possa vivenciar e desenvolver tais habilidades. Elas não são passíveis de serem transmitidas, mas devem ser construídas e desenvolvidas pelo aluno. SOCIOLOGIA DA EDUCAÇÃO Graduação em Pedagogia 80 REFERÊNCIAS BÁSICAS BUARQUE. Cristovam. A Revolução na esquerda, a invenção do Brasil. São Paulo: Paz/Terra, 1992. BUSETTO, A. A sociologia de Pierre Bourdieu e sua análise sobre a escola. In: CARVALHO, A. B de; SILVA, W. C. L. da (Org.). Sociologia e educação: leituras e interpretações. São Paulo: Avercamp, 2006. CARVALHO, A. B de; SILVA, W. C. L. da (Org.). Sociologia e educação: leituras e interpretações. São Paulo: Avercamp, 2006. DURKHEIM, E. As regras do método sociológico. Tradução de Maria Isaura P. Sociologia da Educação. São Paulo: Companhia Editora Nacional, 1974. KRUPPA, Sônia M. Portella. Sociologia da educação. São Paulo, SP: Cortez, 1993. MEKSENAS, P. Sociologia da educação. Introdução ao estudo da escola no processo de transformação social. São Paulo: Edições Loyola, 2005. OLIVEIRA, P. S. de. Introdução à sociologia da educação. São Paulo: Ática, 2005. RODRIGUES, A. T. Sociologia da educação. Rio de Janeiro: DP&A, 2002. SILVA, W. C. L. da; CARVALHO, A. B. de (Org.). Contribuições do materialismo histórico para a educação. In: SILVA & CARVALHO. Sociologia e educação: leituras e interpretações. São Paulo: Avercamp, 2006. TOMAZI, N. D. Sociologia da Educação. São Paulo: Atual, 1997. VALLE. Ione Ribeiro. Sociologia da Educação: currículos e saberes escolares. Florianópolis: UFSC, 2011. REFERÊNCIAS COMPLEMENTARES ARANHA, Maria Lúcia de Arruda. História da Educação. 2. ed. São Paulo: Moderna, 1996. ATISIANO, R. A. A educação sob o enfoque de Émile Durkheim. In: CARVALHO, A. B de; SILVA, W. C. L. da (Org.). Sociologia e educação: leituras e interpretações. São Paulo: Avercamp, 2006. BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Brasília, DF. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Constituicao/principal.htm>. Acesso em: 12/12/2012. BORK, A. Personal Computers for Education. New York: Harper & Row, 1985. CHARLOT, B. A Mistificação Pedagógica. Realidades Sociais e Processos Ideológicos na Teoria da Educação. 2ª ed., Rio de Janeiro: Guanabara, 1986. SOCIOLOGIA DA EDUCAÇÃO Graduação em Pedagogia 81 CHAUÍ, M. Conformismo e Resistência: aspectos da cultura popular no Brasil. São Paulo: Brasiliense, 1994. CHAVES, Eduardo. O. C.; SETZER, V. W. O uso de computadores em escolas: fundamentos e críticas. São Paulo: Ed. Scipione, 1988. DELORS, Jacques. Educação: um tesouro a descobrir. Relatório para a UNESCO da Comissão Internacional sobre Educação para o século XXI. Brasília: MEC/UNESCO, 1998. DOWBOR, Ladislau. Prefácio. In: CARNOY, Martin. Educação, Economia e Estado: Base e superestrutura. Relações e Mediações. 2ª ed. São Paulo: Cortez,1986. FREIRE, P. Pedagogia da autonomia. São Paulo: Paz e Terra, 1997. GENTILI, P.; SILVA, T. T. da (Orgs.). Neoliberalismo, Qualidade Total e Educação. Visões Críticas. Rio: Vozes, 1994. GUDSDORF, G. Professores para quê? Para uma pedagogia da pedagogia. São Paulo: Martins Fontes, 1987. LÉVY, Pierre. As tecnologias da inteligência. Editora 34. Nova Fronteira. Rio de Janeiro, 1994. LÉVY, Pierre. A Inteligência coletiva: por uma antropologia do ciberespaço. São Paulo: Loyola, 1998. LIBÂNEO, José Carlos. Organização e gestão da escola. Goiânia: Alternativa, 2002. LOPES, A.C. E MACEDO, E. O pensamento curricular no Brasil. In Lopes, A.C. e Macedo, E. (Orgs.) Currículo: debates contemporâneos. São Paulo: Cortez, 2002, p. 13- 54. MACHADO, N. J. Educação: projetos e valores. São Paulo: Escrituras Editoras, 2000. (Coleção Ensaios Transversais). MENEZES, L. C. Que jovens queremos formar e a que custo? Revista Escola. Editora Abril, Fundação Victor Civicta. Ano XXI, N° 197, Novembro de 2006, p. 20. MOREIRA, A. F. B. Currículos e programas no Brasil. Ed 10ª. Campinas: Papirus, 2003. OLIVEIRA, C. R. de. Neoliberalismo, globalização e pós-modernidade. In: Sociologia: textos e contextos. Canoas: Ulbra, 2005. OLIVEIRA, Pérsio Santos de. Introdução à Sociologia da Educação. São Paulo: Ática, 1998. PENATI, Marisa Morales. Educação e computador: construindo a prática pedagógica em uma perspectiva construcionista, com alunas do Curso de Pedagogia da Universidade Estadual de Maringá – PR. 2005. 150f. Dissertação (Mestrado em Educação). Universidade Estadual de Maringá, Maringá, 2005. PINTO, Álvaro Vieira. Sete lições sobre educação de adultos. São Paulo: Cortez,1987. SOCIOLOGIA DA EDUCAÇÃO Graduação em Pedagogia 82 POYER, V. Sociologia da educação. Disciplina na modalidade a distância. Palhoça: UnisulVirtual, 2007. Disponível em: <http://busca.unisul.br/pdf/89245_Viviani.pdf>. Acesso em: 09 jul. 2013. RUBENS, Tiago. Pesquisa afirma que 47% dos brasileiros têm acesso à Web. Disponível em: <http://www.jornalistasdaweb.com.br/index.php?pag=displayConteudo&idConteudo= 3339&idConteudoTipo=1>. Acesso em: 18 maio 2008. SACRISTÁN, J. G. (1998). O currículo: uma reflexão sobre a prática. Porto Alegre: Artes Médicas, 1998. SEVERINO, A. J. Filosofia da Educação: construindo a cidadania. São Paulo: FDT, 1994. TAJRA, Sanmya Feitosa. Informática na educação: novas ferramentas pedagógicas para o professor na atualidade. 3. ed. rev. atual e ampl. São Paulo: Érica, 2001. TOFFLER, Alvin; TOFFLER, Heidi. Ensinar o século 21. Folha de São Paulo. Caderno “Mais”. São Paulo, mar./1998. VALENTE, José Armando (Org.). O Computador na Sociedade do Conhecimento. Campinas, SP: NIED/UNICAMP, 1999. 156 p. Disponível em: <http://www.fe.unb.br/catedraunescoead/areas/menu/publicacoes/livros-de-interesse-na- area-de-tics-na-educacao/o-computador-na-sociedade-do-conhecimento>. Acesso em: 29 jul. 2013. VALENTE, José Armando. Diferentes usos do computador na educação. Disponível em: <http://www.nied.unicamp.br/ publicacoes/separatas/Sep1.pdf>. Acesso em 28 abr. 2008. VALENTE, José Armando; ALMEIDA, Fernando José de. Visão analítica da informática na educação no Brasil: a questão da formação do professor. Revista Brasileira de Informática na educação. Campinas: NIED/PUC-SP/UNICAMP, 1997, n. 1. Disponível em: <http://www.lbd.dcc.ufmg.br/colecoes/rbie/1/1/004.pdf>. Acesso em: 28 abr. 2008. http://busca.unisul.br/pdf/89245_Viviani.pdf