Baixe o app para aproveitar ainda mais
Prévia do material em texto
UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO CENTRO ACADÊMICO DO AGRESTE NÚCLEO DE TECNOLOGIA CURSO DE GRADUAÇÃO EM ENGENHARIA DE PRODUÇÃO RODRIGO FLÁVIO DOS SANTOS PINHEIRO ESTUDO DA CADEIA PRODUTIVA DA AGRICULTURA FAMILIAR A PARTIR DE PRODUTORES DA FEIRA AGROECOLÓGICA DAS GRAÇAS EM RECIFE - PE Caruaru 2021 RODRIGO FLÁVIO DOS SANTOS PINHEIRO ESTUDO DA CADEIA PRODUTIVA DA AGRICULTURA FAMILIAR A PARTIR DE PRODUTORES DA FEIRA AGROECOLÓGICA DAS GRAÇAS EM RECIFE - PE Trabalho de Conclusão de Curso apresentado ao Curso de Graduação em Engenharia de Produção da Universidade Federal de Pernambuco, como requisito parcial para a obtenção do título de Bacharelado em Engenharia de Produção. Área de concentração: Gestão da Produção. Orientador: Profº. Dr. Osmar Veras Araujo Caruaru 2021 Ficha de identificação da obra elaborada pelo autor, através do programa de geração automática do SIB/UFPE Pinheiro, Rodrigo Flávio dos Santos . Estudo da cadeia produtiva da agricultura familiar a partir de produtores da feira agroecológica das Graças em Recife - PE / Rodrigo Flávio dos Santos Pinheiro - 2021. 86f.: il.;30 cm. Orientador(a): Osmar Veras Araújo TCC (Graduação) - Universidade Federal de Pernambuco, CAA, Engenharia de Produção, 2021. Inclui referências, apêndices. 1. Agricultura Familiar. 2. Cadeias Curtas Agroalimentares. 3. Agroecologia. 4. Feiras Agroecológicas. I. Araújo, Osmar Veras II. Título. 620 CDD (22.ed.) RODRIGO FLÁVIO DOS SANTOS PINHEIRO Estudo da Cadeia Produtiva da Agricultura Familiar a partir de produtores da Feira Agroecológica das Graças em Recife - PE Trabalho de Conclusão de Curso apresentado ao Curso de Engenharia Produção do Centro Acadêmico do Agreste - CAA da Universidade Federal de Pernambuco - UFPE, em cumprimento às exigências para obtenção do grau de Bacharel em Engenharia de Produção. Área de concentração: Gestão da Produção Após defesa por videoconferência, a banca examinadora considera o(a) candidato(a) APROVADO(A). Caruaru, 20 de dezembro de 2021. Banca examinadora: ________________________________________________ Prof. Dr. Osmar Veras Araujo (Orientador) Universidade Federal de Pernambuco – UFPE ________________________________________________ Profa. Dra. Renata Maciel Melo (Examinador Interno) Universidade Federal de Pernambuco – UFPE ________________________________________________ Prof. Dr. Gilson Lima da Silva (Examinador Externo) Universidade Federal de Pernambuco – UFPE Dedico esse trabalho ao meu avô e ao meu tio (in memoriam) AGRADECIMENTOS Agradeço primeiramente a meus pais e todo apoio que me deram durante vida. Meu pai pela paciência sempre presente. Minha mãe pela garra e alegria diária. A minha vó, guardo aqui também muito obrigado pelo suporte e carinho. Agradeço a minha companheira Luciana, sem a qual não conseguiria essa conquista. Ela se faz presente em todas as etapas deste trabalho. Quero agradecer ao professor Osmar Veras, pela dedicação e tamanha paciência de me acompanhar nesta jornada. Foi com ele que realizei meu primeiro trabalho científico e o qual finalizo os estudos acadêmicos. Agradeço a meu amigo Mateus por ser um irmão para mim, e que sempre me motivou e inspirou em diversas situações. Sou grato também aos meus amigos do Instituto Amapacha: o músico Marquinho, o professor Virgílio e o permacultor Bernardo. Aqui dedico também agradecimento aos professores e amigos do SERTA, que tanto me ensinam e me trazem saberes da terra, do campo, da vida. Agradeço também a Rafaela, minha amiga de turma. Ela que foi muito importante para mim durante a graduação. Sou grato pela amizade de Cecília que me impulsionou até aqui, dando as razões filosóficas existenciais para seguir adiante. Por fim, deixo registrado aqui minha eterna gratidão aos agricultores que me auxiliaram tanto neste trabalho e que nos garante comida saudável, sem venenos, todos os dias. Na vida, somos eternos amadores... ...pois vivemos pouco para sermos mais do que isso. - Charlie Chaplin RESUMO A ausência de mecanismos de coordenação eficientes, as dificuldades em encontrar apoio institucional adequado e a carência de conhecimentos técnicos afetam claramente o desempenho produtivo dos agricultores familiares e compromete sua sobrevivência em mercados altamente competitivos. Assim, este trabalho busca estimular o desenvolvimento local através do estudo da cadeia produtiva da Agricultura Familiar a partir de produtores da Feira Agroecológica das Graças em Recife – PE. Diante disso, a pesquisa aborda conceitos teóricos sobre agricultura familiar, agroecologia e cadeia curtas agroalimentares (Short Food Supply Chain), a fim de descrever cada elemento envolvido no processo produtivo e suas inter- relações. A investigação conta com uma pesquisa de campo, realizada por meio de entrevistas semiestruturadas e de visitas aos espaços de trabalho dos produtores que comercializam na feira. A natureza da pesquisa tem caráter exploratório, baseando- se na abordagem qualitativa de coleta e análise de dados. Como instrumento para investigar, avaliar e propor estratégias de melhorias no processo produtivo da agricultar familiar, utilizou-se a Metodologia de Analise e Solução de Problemas (MASP) em conjunto com ferramentas da qualidade. Como resultados, obteve-se a descrição detalhada da cadeia dos agricultores entrevistados, a caracterização dos elementos e o levantamento dos principais problemas demonstrados. Em conclusão, foi fornecido estratégias para a melhoria dos pontos críticos observados. Palavras-chave: Agricultura Familiar. Cadeias Curtas Agroalimentares. Agroecologia. Feiras Agroecológicas. ABSTRACT The lack of efficient coordination mechanisms, the difficulties in finding adequate institutional support, and the lack of technical knowledge clearly affect the productive performance of family farmers and compromise their survival in highly competitive markets. Thus, this work seeks to stimulate local development through the study of the family farming production chain basing on the producers of the Graças Agroecological Fair producers, in Recife – PE. Therefore, the research seeks to bring theoretical concepts about family farming, agroecology and short food supply chain, in order to describe each element involved in the production process and its interrelationships. The investigation also includes field research, carried out through semi-structured interviews and visits to the work spaces of producers who work at the fair. The nature of the research is exploratory, based on the qualitative approach of data collection and analysis. As an instrument to investigate, evaluate and propose strategies for improvements in the productive process of family farming, the Problem Analysis and Solution Methodology (MASP) was used in conjunction with quality tools. As a result, a detailed description of the farmers' chain was obtained, the characterization of the elements and the survey of the main problems demonstrated. In conclusion, strategies for improving the critical points observed were provided. Keywords: Family Agriculture. Short Food Supply Chain. Agroecology. Agroecological Fairs LISTA DE FIGURAS Figura 01 – Figura 02 – Figura 03 – Figura 04 – Figura 05 – Figura 06 – Figura 07 – Figura 08 – Figura 09 – Figura 10 – Figura 11 – Figura 12 – Figura 13– Figura 14 – Figura 15 – Figura 16 – Figura 17 – Figura 18 – Figura 19 – Esquema comum as cadeias produtivas............................. Cadeias Agroalimentares.................................................... Cadeia da Agricultura Familiar............................................ Espaço Agroecológico das Graças em 1998...................... Feira Agroecológica das Graças em 2021........................... Feira Agroecológica das Graças em atividade.................... Benefícios da aproximação entre produtores e consumidores...................................................................... Etapas do MASP................................................................. Descrição de elementos da cadeia produtiva familiar......... Produção de hortaliças do agricultor Regis em Gravatá-PE Agricultora Lourdes na Feira Agroecológica das Graças- PE....................................................................................... Canais de comercialização dos entrevistados..................... Transporte utilizado pelos agricultores................................ Participação em programas institucionais dos entrevistados....................................................................... Análise SWOT dos agricultores entrevistados..................... Análise de Pareto dos problemas citados pelos agricultores......................................................................... Diagrama de Afinidades dos problemas encontrados......... Gráfico de Pareto para os grupos de problemas.................. Diagrama Causa-Efeito analisado....................................... 28 30 32 41 42 43 44 49 52 57 62 65 65 66 67 70 71 72 74 LISTA DE QUADROS Quadro 01 – Quadro 02 – Quadro 03 – Quadro 04 – Quadro 05 – Quadro 06 – Impactos positivos das CCA.................................................. Agricultores entrevistados..................................................... Ferramentas da qualidade utilizadas na pesquisa................ Problemas relatados pelos entrevistados.............................. Técnica dos “5 porquês” aplicada nas causas observadas.... Estratégias sugeridas pela ferramenta 5W1H....................... 35 46 49 69 74 76 LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS AF Agricultura Familiar CAA CPAF FA FAO FIBL IBGE Idec IFOAM MAPA MMA OCS ONG ONU Oscip PAA PNAE PRONAF SEAGRI SERTA SFSC UFPE Cadeias Curtas de Alimento Cadeia Produtiva da Agricultura Familiar Feira Agroecológica Food and Agriculture Organization of the United Nations Forschungsinstitut für biologischen Landbau Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor International Federation of Organic Agriculture Movements Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento Ministério do Meio Ambiente Organização de Controle Social Organização Não Governamental Organização das Nações Unidas Organização da sociedade civil de interesse público Programa de Aquisição de Alimentos Programa Nacional de Alimentação Escolar Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar Secretaria da Agricultura, Pecuária, Irrigação, Pesca e Aquicultura Serviço de Tecnologia Alternativa Short Food Supply Chain Universidade Federal de Pernambuco SUMÁRIO 1 INTRODUÇÃO .................................................................................... 14 1.1 JUSTIFICATIVA .................................................................................. 15 1.2 OBJETIVOS ........................................................................................ 16 1.2.1 1.2.2 Objetivos Gerais ............................................................................... Objetivos Específicos........................................................................ 16 16 2 REFERENCIAL TEÓRICO ................................................................. 17 2.1 2.1.1 CONHECENDO A AGRICULTURA FAMILIAR, A AGROECOLOGIA E AS FEIRAS AGROECOLÓGICAS.................................................... Agricultura familiar............................................................................ 17 17 2.1.2 2.1.3 Mercados da agricultura familiar...................................................... A Agroecologia.................................................................................. 20 22 2.1.4 2.2 2.2.1 2.2.2 2.2.3 2.2.4 3 3.1 3.2 3.2.1 3.2.2 3.3 4 4.1 4.2 4.2.1 4.2.2 4.2.3 Feiras Agroecológicas....................................................................... ENTENDENDO A CADEIA PRODUTIVA DA AGRICULTURA FAMILIAR............................................................................................ Cadeias Produtivas............................................................................ Cadeias Agroalimentares................................................................. As características da cadeia produtiva da Agricultura Familiar............................................................................................... Cadeias Curtas de Alimento (Short Food Supply Chain)................ METODOLOGIA.................................................................................. PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS............................................ DESCRIÇÃO DO CENÁRIO DE PESQUISA...................................... Contextualização............................................................................... Organização e caracterização.......................................................... COLETA DE DADOS........................................................................... ANÁLISE DOS DADOS COLETADOS................................................ RESULTADOS E DISCUSSÕES........................................................ DESCRIÇÃO DA CADEIA PRODUTIVA............................................. CARACTERIZAÇÃO DOS ELEMENTOS E SUAS RELAÇÕES......... Insumos.............................................................................................. Pré-Produção..................................................................................... 24 26 27 29 31 33 38 37 38 38 39 45 47 51 51 53 53 54 4.2.4 4.2.5 4.2.6 4.2.7 4.3 4.3.1 4.3.2 4.3.3 4.3.4 5 6 7 Produção............................................................................................ Colheita.............................................................................................. Beneficiamento................................................................................. Distribuição........................................................................................ Comercializalção................................................................................ ANÁLISE E ESTRATÉGIAS................................................................ Identificação dos problemas............................................................ Observação do problema.................................................................. Análise do problema.......................................................................... Plano de ação..................................................................................... CONSIDERAÇÕES FINAIS................................................................. REFERÊNCIAS .................................................................................. APÊNDICE.......................................................................................... 56 58 59 59 60 63 64 70 7376 77 79 85 14 1 INTRODUÇÃO Atualmente a industrialização dos mercados de alimentos trouxe como consequência o desenvolvimento de uma agricultura baseada na mecanização, no uso de agrotóxicos e na dependência de importação de insumos, bem como a inevitável desvalorização dos pequenos produtores rurais (MAZOYER E ROUDART, 2010). Frente ao mercado agrícola mais sustentável, evidencia-se a agricultura familiar, a qual mantém os princípios da produção limpa, longe de tecnologias industriais ou produtos químicos. Essa agricultura representa a possibilidade do desenvolvimento de pequenos produtores, da soberania alimentar e movimento da economia local (FAO, 2016). Ademais, o verdadeiro destaque para a agricultura familiar continua a ser o seu papel fundamental na circulação a nível local de seus produtos e serviços, agregando valor as cadeias curtas agroalimentares (Short Food Supply Chain) (SCARABELOT; SCHNEIDER, 2000). Segundo Nogueira et al (2021), a comercialização da agricultura familiar é diretamente relacionada as cadeias curtas de alimentos. Essas cadeias são formas de negociação onde não há intermediários entre o agricultor e seu consumidor final. São os pequenos mercados, as feiras livres, orgânicas e as demais formas de vendas diretas. Esses mercados alternativos fortalecem a economia, incentivam a agricultura familiar e promovem os valores tradicionais e culturais do pequeno agricultor. Não obstante, a ausência de mecanismos de coordenação eficientes, as dificuldades em encontrar apoio institucional adequado e a carência de conhecimentos técnicos afetam claramente o desempenho produtivo dos agricultores familiares e compromete sua sobrevivência em mercados altamente competitivos Neste contexto, fundamentado na oportunidade de contribuir no desenvolvimento do pequeno agricultor, este trabalho tem como finalidade analisar a cadeia produtiva da Agricultura Familiar a partir de produtores da Feira Agroecológica das Graças em Recife – PE. Especificamente, buscou-se descrever cada elemento do processo produtivo investigado e suas inter-relações. Para ao final, poder propor um portifólio de estratégias competitivas para seu desenvolvimento. 15 Para o estudo da problemática adotou um caráter exploratório, com uma abordagem qualitativa na coleta de dados obtidos na pesquisa de campo, que contou com visitas as unidades de produção familiar e entrevistas semiestruturadas com agricultores. Os resultados foram elaborados seguindo as quatro primeiras etapas do MASP, alinhado ao uso sequencial de ferramentas da qualidade, onde obteve-se a representação gráfica da cadeia produtiva da agricultura familiar, bem como a caracterização dos elementos e dos problemas observados. Por fim, foi proposto sugestões de estratégias para melhorias. Assim foi possível, tanto levantar importantes características dos processos produtivos, como sugerir caminhos para o desenvolvimento econômico dos agricultores investigados. 1.1 JUSTIFICATIVA O segmento da Agricultara Familiar, segundo o Censo Agropecuário elaborado pelo IBGE (2019), produz mais de 70% do total de todo alimento que chega à mesa dos brasileiros todos os dias. Ainda de acordo com os dados, é responsável por 67% (10,1 milhões) de todo o pessoal que ocupa postos de trabalhos no campo, além de ser a base econômica de 90% dos municípios com até 20 mil habitantes, absorvendo 40% dessa população economicamente ativa. Ou seja, a agricultura familiar apresenta-se como pilar fundamental para a geração de renda e abastecimento de alimentos do país. Em termos globais, de acordo com dados da Organização das Nações Unidas para Agricultura e Alimentação (FAO), a quantidade de agricultores familiares no mundo está estimada em mais de 500 milhões e são responsáveis pela produção de mais de 80% de toda a comida do planeta (FAO, 2016) Este segmento apresenta ainda mais destaque no cenário pandêmico atual, onde observou uma crescente demanda do consumidor urbano por alimentos saudáveis (sem agrotóxicos) em busca do aumento de imunidade para combater os sintomas da Covid-19. (FIBL; IFOAM, 2020) Além disso, o tema da pesquisa colabora com os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS), proposto pela Organização das Nações Unidas (ONU). Entre os quais, destaca-se o alinhamento deste trabalho com os seguintes: ODS 2, que visa 16 acabar com a fome, alcançar a segurança alimentar e a melhoria da nutrição e promover a agricultura sustentável, de tal maneira, que o abastecimento através da agricultura familiar se torna um importante processo para promover a economia local e combater a pobreza no campo; ODS 11, que tem como objetivo, tornar as cidades e os assentamentos humanos inclusivos, seguros, resilientes e sustentáveis, onde as feiras agroecológicas causam intervenções que impactam positivamente neste objetivo; e a ODS 12, que busca assegurar padrões de produção, tendo como objetivo o engajamento da população e empresas com o consumo sustentável. Assim, a partir da importância intrínseca da Agricultura Familiar, esse trabalho se propõe direcionar os fundamentos da Engenharia de Produção em favor do desenvolvimento agrícola local, buscando com essa investigação, contribuir no fortalecimento do pequeno agricultor, através da análise da cadeia produtiva, dos processos e dos atores envolvidos neste segmento. 1.2 OBJETIVOS 1.2.1 Objetivo Geral • Analisar as características e potencialidades da cadeia produtiva da agricultura familiar a partir de produtores da Feira Agroecológica das Graças em Recife 1.2.2 Objetivo Específico • Descrever a cadeia produtiva da agricultura familiar; • Avaliar a cadeia produtiva dos agricultores familiares que participam da Feira Agroecológica das Graças em Recife; • Reconhecer as potencialidades e oportunidades da cadeia e propor estratégias de melhorias. 17 2 REFERENCIALTEÓRICO 2.1 CONHECENDO A AGRICULTURA FAMILIAR, A AGROECOLOGIA E AS FEIRAS AGROECOLÓGICAS Neste capítulo, através de levantamento bibliográfico, será introduzido o conceito geral da agricultura familiar, bem como sua história e como atua nos dias de hoje. Também será conceitualizado o termo “Agroecologia” o qual é o fundamento para as “Feiras Agroecológicas” e base importante para a compreensão deste trabalho. 2.1.1 Agricultura familiar Pouco se conhece sobre a formação das primeiras sociedades humanas, porém sabe-se que foi há cerca de 10.000 anos, através da agricultura, que houve a possiblidade do aumento populacional e da formação de grupos organizados socialmente, que através do cultivo de plantas e animais transformaram seus ecossistemas naturais (MAZOYER; ROUDART, 2010). Apesar de muito tempo ter se passado desde as primeiras práticas de cultivo agrícola e de vivermos imersos nas mais avançadas formas de tecnologias digitais e industriais, ainda em muitos países em desenvolvimento, a agricultura desempenha o papel como a principal atividade e fonte de renda para uma grande parte da população (FAO,2020). Avaliando assim o universo agrário atual, devido a sua complexidade, com a existência de diferentes tipos de agricultores, com diferentes estratégias de sobrevivência e de produção, precisa-se estabelecer uma diferença entre os estabelecimentos familiares dos patronais. Para Chayanov (1974), diferentemente da agroindústria, que tem por alicerce o uso do trabalho assalariado, máquinas e por consequente, a maximização do lucro, a agricultura familiar é orientada para a satisfação das necessidades básicas e a manutenção da família. Nesse sentido, por exemplo, a decisão de aumentar a quantidade de trabalho necessária para uma atividade leva em consideração o bem- estar da família, antes mesmo de obter ointeresse em maiores lucros. 18 Zonon (2011) também defende o ponto de vista onde a produção familiar se organiza através das relações afetivas de parentesco, sem a presença de contratos exigidos pelos meios produção capitalistas, e sua remuneração não se pauta através de salários, ou benefícios, mas sim da partilha equilibrada entre os membros e associados da família. Estes entendimentos são importantes para que se possa ter um olhar mais aprofundado entre os aspectos dinâmicos do processo produtivo da produção familiar. Além disso, percebe-se que esses agricultores gerenciam o estabelecimento de forma direta, ou seja, sem funcionário ou administradores, porém deferentemente dos camponeses, esses respondem aos sinais de preços do mercado, havendo com isso, questões comerciais também integrada a função do núcleo familiar. Segundo o Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (Mapa): Agricultura Familiar é a principal responsável pela produção dos alimentos que são disponibilizados para o consumo da população brasileira. É constituída de pequenos produtores rurais, povos e comunidades tradicionais, assentados da reforma agrária, silvicultores, aquicultores, extrativistas e pescadores. O setor se destaca pela produção de milho, raiz de mandioca, pecuária leiteira, gado de corte, ovinos, caprinos, olerícolas, feijão, cana, arroz, suínos, aves, café, trigo, mamona, fruticulturas e hortaliças (MAPA, 2019). O caráter de importância da sobrevivência dessas práticas tradicionais pode ser observado no seu sucesso econômico e social em vários países que precisavam garantir comida em grande escala, a preços baixos, para uma crescente população urbana (VEIGA, 1991). No Brasil, a importância da Agricultura Familiar para a economia é inegável. Ela disponibiliza os principais alimentos os quais são disponibilizados para a nutrição da população brasileira. O último Censo Agrário, feito em 2017, mostra que os agricultores familiares produziram mais de 75% dos alimentos consumidos no território nacional, ocupando apenas 23% de terras agrícolas, oferecendo 10 milhões de postos de trabalho o que equivale a 67% do total de postos de trabalhos da atividade agropecuário (IBGE, 2019). A partir desses dados pode-se entender como a Agricultura Familiar é um importante sistema de produção para a economia nacional. Porém, mesmo com a modernização da agricultura, ainda existem inúmeros desafios para a consolidação efetiva e econômica da agricultura familiar. Há, por exemplo, grande concentração de 19 riqueza na pequena parcela de propriedades rurais de sistemas patronais. Esse antagonismo gera exclusão aos pequenos produtores, por quanto normatiza e não proporciona condições para sua efetiva atuação. (WILKINSON, 2008) O modelo de desenvolvimento rural que aconteceu no Brasil, promove um mercado estreitamente competitivo, exigindo suporte aos pequenos agricultores e intervenções públicas para poder assegurar preços justos e receitas lucrativas para os grupos menores. Apesar das práticas agrícolas familiares terem passado, ao longo das décadas, por inúmeras transformações, essa desigualdade presente é mostrada pela precariedade que tais agricultores têm ao acesso aos meios de trabalho, além de sofrer com um alto índice de pobreza entre eles, e em alguns casos, a dependência abusiva e ambígua de trabalhos assalariados, sem muitas perspectivas de mudanças estruturais. (BRUMER, 1997) Além disso, há poucos investimentos aplicados neste setor, principalmente sobre o fortalecimento de sua cadeia produtiva. Para Wilkison (1999), os pequenos produtores enfrentam como grandes desafios a necessidade de inovação tecnológica e autonomia, bem como a integração dinâmica aos mercados, exigindo aos acadêmicos o papel de explorador de novas áreas de conhecimento, comportamento dos mercados, formas eficientes de organização e gestão de empreendimentos familiares agrícolas. Desse modo, a produção voltada ao mercado direto se apresenta como uma alternativa viável ao acesso econômico na produção familiar. Segundo Altafin (2007), em um movimento de sobrevivência, os pequenos agricultores persistem, apresentando novas estratégias produtivas e organizacionais, necessitando de apoio técnico, institucionais e governamentais. Na esfera de governo, o estado possui ainda poucas ferramentas de valorização da produção agrícola familiar. Foi somente em 1995 que o Estado Brasileiro reconheceu essa classe de trabalhadores, criando o Programa de Fortalecimento da Agricultura Familiar (PRONAF), o que estabeleceu um conjunto de diretrizes que deveriam nortear as políticas públicas, apropriadas às características dos distintos tipos de agricultores. Em 2003, o Programa de Aquisição de Alimento da Agricultura Familiar (PAA) foi criado e promoveu a aquisição direta e indireta (através de cooperativas ou associações) de alimentos dos pequenos produtores com o objetivo de promover a segurança alimentar e nutricional de indivíduos atendidos por 20 programas sociais locais. Segundo Grisa (2011), só nos primeiros sete anos do programa, o governo teria investido R$ 3,5 bilhões. Fortalecendo o PAA, em 2009, surge o Programa Nacional de Alimentação Escolar (PNAE), o qual estabeleceu que 30% da merenda escolar deveria ser oriunda da agricultura familiar, através de chamada pública de compra aberta aos produtores locais qualificados. (SEAGRI, 2011) Neste sentido, apesar das carências técnicas e institucionais presente na agricultura familiar, ela representa a possibilidade de desenvolvimento econômico através de um processo produtivo sustentável. Para isso é importante deixar de considerar o espaço do pequeno produtor como uma categoria residual, frente ao moderno e industrial, permitindo dinâmicas produtivas e comerciais fundamentais para o seu desenvolvimento, promovendo uma cadeia de valor mais inclusivas com maior participação do setor. 2.1.2 Mercados da agricultura familiar Considerando o sistema de agricultura familiar (AF) como uma atividade econômica, este processo produtivo necessita inerentemente de uma eficiente etapa de comercialização para prover de maneira satisfatória os recursos necessários a todos os seus elos. Evidenciando assim, a busca por um mercado justo e equânime, de maneira a proporcionar uma estabilidade satisfatório tanto para os produtores quanto os consumidores. Porém, o acesso aos mercados é considerado um dos principais obstáculo para o crescimento e manutenção da AF. Uma das questões que se colocam neste contexto está relacionado com a viabilidade de articular agricultura familiar com o sistema comercial estabelecido atualmente. A alta concentração observada tanto na produção quanto na distribuição de alimentos, o papel dos supermercados como principais centros de abastecimento para a população e a distância de cada vez maior entre a localização física de produção e consumidores (levando ao fato de grande parte da população desconhece a origem dos alimentos que consomem), são algumas das maiores críticas ao mercado agroalimentar atual. Segundo Wilkison (2008) grande parte destes problemas surgiram a partir da década de 1980, através das demandas intensificadas por eficiência, competitividade e qualidade por parte do mercado nacional e internacional de produtos agrícolas. 21 Desse modo, a chave para tentar resolver este problema esteja em identificar as conquistas e caminhos realizados pelos próprios produtores que desenvolveram estratégias alternativas próprias de comercialização e, a partir daí, buscar a forma de aprimorá-los e potencializá-los por meio de políticas públicas e novas relações de mercado. Pensando sobre essas novas possibilidades de desenvolvimento, seria mais apropriado buscar consolidar circuitos alternativos de comercialização, mais curtos e diretos que não se opõem aosvalores da agricultura familiar e que busca promover mais alternativas sustentáveis, como as feiras agroecológicas ou as redes de comércio justo. A agricultura familiar é potencializada principalmente através de circuitos curtos e descentralizados, que ligam a produção e consumidores, ou seja, a agricultura à sociedade como um todo (GUZZATTI; SAMPAIO; TURNES, 2014). Isto é gerado através do comércio baseada na venda direta de produtos, que minimiza a intermediação, aproximando mais os produtores com os consumidores, promovendo o tratamento humano e gerando um menor impacto ambiental. Os circuitos de proximidade ou circuitos curtos, são uma forma de comércio baseada na venda direta de produtos agrícolas frescos ou sazonais. Em quase todos os casos, são produções de baixo volume ou produtos obtidos em sistemas artesanais que os produtores da região não poderiam comercializar de outra forma. É neste contexto que a Agricultura Familiar desenvolve as suas atividades e muitas vezes reage aos mercados que questionam a sua forma de produzir, gerando novos tipos de trocas onde as feiras livres e camponesas, as redes de comércio justo e de agricultores urbanos sejam alternativas de produção e comercialização mais equitativas e sustentáveis e onde o estilo de vida da agricultura familiar e sua forma de produzir estejam presentes (MAURICIO, 2010). Entretanto, alcançar o nível de competitividade exigido pelo mercado atual requer aumentar a capacidade dos produtores de se adaptarem às novas e contínuas mudanças. A competição acentuou as diferenças entre os agentes produtivos com capacidade de competir no mercado e os que não têm condições para tal, como no caso dos pequenos produtores, muito devido aos elevados custos de transação, acesso à informação, à dificuldade de crédito, acesso a redes comerciais e ausência de economias de escala. 22 A grande dificuldade que a agricultura familiar enfrenta para modificar sua situação é a fragilidade dos mercados aos quais tem acesso e recebe informações. Os esforços para aumentar a produtividade agrícola têm sido acompanhados, na maioria dos casos, por preços baixos, o que limita os investimentos. A maior parte do plantio é feita em períodos curtos e as colheitas coincidem no mercado, saturando-as, o que reduz os preços ao produtor. Além disso, não são aplicadas técnicas de armazenamento na colheita, nem serviços de pós-colheita que permitam que os produtos sejam preservados e até mesmo enviados para mercados mais distantes sem perdas significativas. Por fim, a ausência de mecanismos de coordenação eficientes limita claramente o desempenho competitivo dos produtores rurais e compromete sua sobrevivência em mercados altamente competitivos. Nos últimos anos, tornou-se cada vez mais evidente que o desenvolvimento da AF tem sido dificultado por múltiplas lacunas institucionais, e que, ao contrário dos grandes mercados, os circuitos curtos e descentralizados fornecem uma estrutura dentro da qual os atores interagem estabelecendo laços de cooperação ao invés da competição, o que constitui uma ordem econômica diferenciada e deslocada das bases tradicionais do mercado. (FAO, 2000) 2.1.3 A Agroecologia O surgimento da agroecologia como modelo alternativo de produção de alimentos se dá em resposta à deterioração ambiental, à insuficiência alimentar e aos fracassos atribuídos à revolução verde e ao modelo de produção agroindustrial. Durante a década de 1970, a modernização das práticas agrícolas começou a gerar preocupações quanto às suas consequências na deterioração ambiental e na exclusão do campesinato tradicional (WEZEL et al, 2009). A revolução verde foi um processo de modernização da produção agrícola que promoveu o uso intensivo de tecnologias, tais como: a modificação genética de sementes, o uso intensivo de agroquímicos e maquinários. Esse modelo, que nasceu nos Estados Unidos, foi exportado para o resto do mundo, causando graves consequências ambientais, a exploração de recursos naturais e maiores níveis de desigualdade no meio rural (HOLT; ALTIERI, 2013). 23 O modelo da revolução verde foi promovido por meio de programas de crédito barato para agricultores, a fim de expandir o acesso a insumos como sementes, agroquímicos e maquinários. O abuso desses insumos não demorou muito para destruir a fertilidade de seus solos e erodir sua diversidade. Os rendimentos caíram, milhões de pequenos agricultores faliram economicamente e milhões de hectares de florestas e terras agrícolas foram perdidos. (HOLT; ALTIERI, 2016) Em contraste com os modelos de desenvolvimento rural anteriormente promovidos pelo Estado e organismos internacionais, a agroecologia propõe uma nova estratégia que visa recuperar os elementos culturais e ecológicos positivos associados ao campesinato em diálogo com o conhecimento das diferentes disciplinas científicas sociais e naturais (SEVILHA GUZMÁN; SOLER MONTIEL, 2009). Ela surge como uma proposta alternativa baseada nos interesses morais e ambientais de determinados grupos que acabaram se consolidando na forma de movimentos em favor dos métodos de produção em pequena escala e do consumo sustentável, geograficamente limitados em redes de produtores e consumidores locais. Para as organizações camponesas, a agroecologia foi vital em sua luta pela autonomia: permitiu-lhes reduzir sua dependência de insumos externos, créditos e endividamento, e também recuperar o controle do território. A agroecologia propõe um paradigma alternativo de desenvolvimento, alicerçado em iniciativas produtivas, de claro caráter associativo e alto grau de pluriatividade. A resistência a esses processos de industrialização na agricultura incentivou formas alternativas de produção, principalmente por meio do resgate de camponeses tradicionais e povos indígenas para a produção de alimentos. A adoção do conceito de sustentabilidade foi útil porque permitiu articular um conjunto de preocupações sobre a agricultura e integrá-las em um sistema econômico, social e ecológico. O desafio para a agroecologia é manter a flexibilidade de sua cadeia para permitir uma reação rápida às mudanças ambientais e socioeconômicas. Pois, a viabilidade econômica da produção agroecológica é uma característica necessária para o sucesso da disseminação de práticas alternativas ao modelo convencional. A agroecologia considera os sistemas produtivos como ecossistemas, nos quais os processos biológicos e as relações socioeconômicas são objeto de estudo e análise para maximizar não só a produção, mas também otimizar o agroecossistema como um todo. Este sistema é compatível com o paradigma de desenvolvimento local 24 que valoriza os efeitos das atividades produtivas no seu meio ambiente e não apenas no interior das empresas. Esta abordagem tenta argumentar com a abordagem agrícola convencional que não leva em conta as enormes variações na ecologia, pressões populacionais, relações econômicas e organizações sociais que existem na região. (ALTIERI, 2004) 2.1.4 Feiras agroecológicas As feiras agroecológicas são espaços em que os produtores oferecem ao público diversos produtos como frutas, legumes, verduras, ovos, pastelaria, compotas, licores, vinhos, conservas, queijos, plantas, mudas, artesanato, têxteis, entre outros. Esse fenômeno representando uma notável oportunidade de comercialização para a agricultura familiar (GOLSBERG; DUMRAUF, 2010). Essas feiras são um claro exemplo da construção de canais de comercialização voltados principalmente para o consumo local e atendem ao abastecimento da população. Como o próprio nome indica, os produtores vêm do setor da agricultura familiar, sendo eles que geram a oferta dentro dessas experiências. Diferentemente de outros mercados, os produtos oferecidos são produzidos - em sua maioria - pelos mesmos expositores; ou seja, não há intermediáriosentre produtores e consumidores. Assim, a construção dos circuitos curtos entre produtores e consumidores, as relações pessoais no âmbito da confiança, da pequena escala, do artesanato e da produção a partir da utilização de recursos locais e próprios, são alguns das ações que visam a regularização da produção e a geração de renda aos agricultores familiares. No entanto, as feiras não são apenas um segmento que tenta melhorar a posição dos produtores/expositores, mas também representam um espaço público que desempenha um papel importante em relação à visibilidade do setor. Constituem canais alternativos de comercialização no mercado interno, contribuem para a diversificação da comercialização, soberania e segurança alimentar, contribuem para o desenvolvimento rural e territorial, promovem melhorias nos sistemas produtivos e alternativas de agregação de valor na origem. Além do mais, as trocas geradas constituem uma oportunidade para o aprimoramento das produções ao facilitar a conjunção de conhecimentos entre os feirantes. (DOS ANJOS et al, 2005). 25 Essas feiras criaram um espaço alternativo próprio à agricultura familiar para responder aos seus problemas de comercialização, cujo objetivo principal é o contato direto entre produtores e consumidores, mas acima de tudo, contribuir para a melhoria da qualidade de vida dos agricultores. Essa forma de comercialização favorece um processo de desenvolvimento sustentável, ao fomentar laços de solidariedade entre produtores e consumidores. A variedade da oferta e a maior diversidade de produções que têm lugar nas feiras e mercados locais, facilita o acesso a uma alimentação de maior qualidade (com maior variedade, melhores qualidades nutricionais, mais saudáveis e a preços justos). Por tornarem mais curto a cadeia de produção, melhoram as condições de identificação das demandas e a possibilidade de readequação da oferta com base nas necessidades do consumidor, o que por sua vez possibilita feedbacks rápidos, possibilitando a melhor adequação da produção as demandas flutuantes. Além de que, à medida que as distâncias são encurtadas, os custos de transporte diminuem e à medida que aumentam as oportunidades de agregar valor em nível local, aumentando a renda dos produtores e afetando a economia local. Essas feiras costumam estar localizadas em territórios onde a relação produtor-consumidor é desejada, as famílias frequentemente se conhecem fora do espaço da feira e há confiança na qualidade dos produtos que comercializam. (CARACCIOLO, 2016). O crescente interesse pelas feiras livres também responde às demandas de qualidade e confiabilidade dos consumidores alarmados com as crises de saúde nos mercados de alimentos. Do lado dos produtores agrícolas, os circuitos curtos são vistos como oportunidades interessantes para diversificar a produção, capturar maior valor e garantir uma renda mais estável. Do ponto de vista das comunidades locais, as feiras são vistas como uma forma de realocação das cadeias de valor que tenta manter valor na comunidade, gerando empregos, capturando valor dos ativos intangíveis (reconhecimento do produto/marca do agricultor), melhorando a resiliência dos territórios, valorizando o patrimônio e tornando-se, por fim, um importante vetor de dinamização e atração dos mercados locais. Justamente por esses benefícios que Braudel (1996, p.09) cita em relação a sobrevivência das feiras livres em contraste com os modernos mercados atuais de varejo: 26 Se este mercado elementar, igual a si próprio, se mantém através dos séculos é certamente porque, em sua simplicidade robusta, é imbatível, dado o frescor dos gêneros perecíveis que fornece, trazidos diretamente das hortas e dos campos das cercanias. Dados também seus preços baixos, pois esse mercado elementar, onde se vende sobretudo ‘sem intermediários’, é a forma mais direta, mais transparente de troca, a mais bem vigiada, protegida contra embustes. (BRAUDEL, 1996, p.09). As discussões sobre redes curtas agroalimentares estimulam e difundem a ideia do consumo de alimentos saudáveis, produzidos de forma sustentável, em mercados que aproximam o agricultor e o consumidor. De modo geral, são necessárias novas estratégias de abastecimento e mudanças de paradigmas, para fortalecer as cadeias curtas de comercialização de alimentos. O poder público, o mercado e a sociedade civil são atores importantes nesse processo de reinvenção dos modelos de comercialização. Cada vez mais, os consumidores querem saber de onde vêm e como são produzidos os alimentos consumidos. Isso também valoriza a produção da agricultura familiar e fornecem alternativas ao desenvolvimento rural. Esses canais de comercialização apresentam como vantagens: o fortalecimento das economias locais, uma vez que o dinheiro fica no circuito local; incentiva a participação das mulheres como protagonistas de seus negócios; reduzem o consumo de energia devido à proximidade dos produtos ao espaço de mercado; A variedade da oferta e a maior diversidade de produções que têm lugar nas feiras e mercados locais, facilita o acesso a uma alimentação de maior qualidade (com maior variedade, melhores qualidades nutricionais, mais saudáveis e a preços justos); à medida que as distâncias são encurtadas, os custos de transporte diminuem, à medida que aumentam as oportunidades de aumentar a renda dos produtores; a generalização dessas experiências repercute na formação e consolidação de laços sociais e no sentimento de pertencimento e valorização da comunidade local. Tudo isso significa que o desenvolvimento local contribui ao mesmo tempo para o desenvolvimento nacional (CARACCIOLO, 2016). 2.2 A CADEIA PRODUTIVA DA AGRICULTURA FAMILIAR Em todo empreendimento é fundamental a compreensão dos elos que compõem sua cadeia produtiva e as interações entre seus atores envolvidos. Através do estudo desses componentes é possível identificar os pontos fortes e fracos 27 existentes, bem como gargalos, além de variadas informações úteis a tomada de decisão dos gestores/produtores. Neste capítulo o foco será descrever os elementos da cadeia produtiva da agricultura familiar bem como destacar cada elo que a compõe. 2.2.1 Cadeias Produtivas Segundo Moreira (2011) cadeia produtiva é uma rede complexa de atividades envolvidas para o fornecimento de um produto ou serviço ao consumidor final. Englobando tantos elementos dentro, quanto fora da organização, incluindo as matérias-primas, peças, processos, armazenagem, vendas, processamento de pedidos, canais de distribuição, controle de estoques e também os sistemas de informação para a manutenção de tais atividades. Porter (1985) usa o termo "cadeia de valor" para descrever todas as atividades que uma organização precisa desenvolver para levar a mercadoria do produtor ao comprador em um sistema de negócios. Define-se valor como a quantia que um comprador está disposto a pagar pelo que uma empresa pode oferecer (PORTER, 1985) Embora a organização possa desenvolver diversas atividades para transformar insumos em produtos, Porter (1985) destaca que essas atividades podem ser classificadas em dois grupos: "atividades principais", que compreendem o processo de produção, venda e distribuição; e “atividades de apoio”, as encarregadas da compra e aquisição de insumos, da gestão interna de recursos humanos e da estrutura organizacional, de apoio ao desenvolvimento das atividades primárias. Na Figura 01, observa-se as etapas comum as cadeias produtivas. Essas etapas estão ligadas entre si para transformar o produto de um estado a outro, da produção ao consumo. Havendo também trocas de informação entre atores internos e o meio externo da organização. Nesse sentido, uma cadeia produtiva é uma série de atividades dentro de um fluxo de operação, em que os insumos são adicionados à matéria-prima,transformando esses elementos em um produto final, ao qual foi agregado valor. Onde, durante o desenvolvimento dessas atividades, se apresenta a interação entre clientes, fornecedores interno e externo e o ambiente externo. (BALLOU, 2004) 28 Figura 01 - Esquema comum as cadeias produtivas Fonte: Elaborado pelo autor (2021) A gestão de cadeias produtivas é fortemente influenciada por conjuntos agentes externos, destacando-se: a mudança de mercados; o uso da tecnologia de informação; intervenções governamentais; meio ambiente. (MOREIRA, 2011) Com isso, para melhor gestão a organização deverá está preparada para as mudanças ligadas a surgimento de novos mercados, se antecipando e se adaptando através do reconhecimento das novas necessidades dos consumidores. Além disso, o avanço da tecnologia da informação permitiu que novos cenários se apresentassem cada vez mais rápidos, exigindo respostas rápidas e avanços tecnológicos constantes. Outro fator importante é o poder que os governantes podem exercer através das regulamentações que possam incidir no processo produtivo como todo. As questões referentes a sustentabilidade do negócio nunca foram tão importantes para a sobrevivência da organização quanto atualmente, demandando das empresas soluções limpas, sustentáveis e recicláveis para melhor aceitação nos mercados pelos clientes. Para Slack (2009), o objetivo da gestão de cadeia produtiva é basicamente atender as exigências dos consumidores finais, fornecendo produtos ou serviços satisfatórios e competitivos economicamente. Na prática, isso requer que o sistema interno da organização reconheça as potencialidades de cada elo de sua cadeia e 29 trabalhe de maneira a integrar confiabilidade, qualidade, rapidez, flexibilidade e custo de forma a atender as exigências do mercado. Uma boa gestão poderá proporcionar a toda cadeia, melhores oportunidades de negociações; redução de custos e despesas; maior valor percebido pelo cliente; mais velocidade para responder as demandas; um fluxo integral e contínuo da informação entre os elos; custos e preços menores; entre outros benefícios. (BALLOU, 2004) Estudar sobre a cadeia produtiva é uma etapa fundamental para entender mecanismos, processos e interações, através dos quais, empresas e produtores se relacionam entre si, com os agentes externos e seus respectivos consumidores. 2.2.2 Cadeias Produtivas Agroalimentares Conforme García-Winder, et al (2009), as Cadeias Agroalimentares, se caracterizam por representar as relações entre os elementos da cadeia produtiva da agricultura, desde seus elementos de insumos até a entrega da mercadoria em seu estado final ao consumidor. Numa definição analítica, este conceito ajuda a reconhecer os atores presentes na agricultura, desde a produção primária até seus clientes. Já numa visão operacional, este conceito também se aplica as correlações de interesses, as quais visam construir alianças (comerciais, de produção, institucionais, etc), a fim de construir vantagens econômicas e sociais, como no caso de cooperativas e associações. (POMAREDA; ARIAS, 2007) O termo Cadeia Agroalimentar é frequentemente usado para substituir outros conceitos usados convencionalmente, pois visa focar na elaboração de diagnóstico integral de produtos agrícolas. Esse conceito tem sido usado devido a importância intrínseca que esta cadeia representa para população e para poder compreender melhor o processo produtivo da agricultura. Esta cadeia tem seu início a partir do planejamento da produção, compreendendo atores como técnicos, agricultores, consumidores; em seguida há a etapa da pré-produção; posteriormente ocorre a execução do processo produtivo, representa pelo plantio; em seguida observa-se a colheita para então depois de separado, transportado e armazenado, chegar às mãos do consumidor. Há alguns casos que ocorre também o processamento dos produtos, não necessariamente em 30 alguma indústria, pode ser no próprio local do plantio. E por fim também pode haver canais de distribuições diversos. Na Figura 02 as etapas da cadeia agroalimentar são representadas. Figura 02 - Cadeias Agroalimentares Fonte: adaptado LA GRA et al. (2016) A capacidade desta cadeia produtiva é medida principalmente pela eficiência dos fatores internos e a capacidade de previsão da demanda. Nas fazendas essas metas assumem importância fundamental. A capacidade interna é a chave para o gerenciamento de insumos e a previsão correta de demanda serve para evitar perdas de produção. (LA GRA et al., 2016) Principalmente para os pequenos agricultores, estes conhecimentos permitem o desenvolvimento de estratégias ou políticas que fornecem suporte eficaz para as diversas situação. 31 2.2.3 As características da cadeia produtiva da agricultura familiar Em contraponto aos danos excessivos da agricultura industrial causados principalmente pelo uso excessivos de produtos químicos e a intensa exploração dos recursos naturais, bem como o modelo competitivo de seus mercados, os modelos de produção familiar e agroecológico surgem oferecendo alimentos saudáveis, fundamentados na sustentabilidade, na economia solidária e na minimização dos impactos ao meio ambiente. (FERNANDES; KARNOPP, 2014) Os estudos da cadeia produtiva da agricultura familiar é uma oportunidade de desenvolvê-la e inclui-la na cadeia agrícola, obtendo dados qualitativos e quantitativos que favorecem a seu desenvolvimento no mercado nacional e internacional. Partindo de uma visão adaptada para produção de orgânicos proposto por Ormond et al (2002), na Figura 03 descrimina-se as principais etapas da cadeia de produção familiar. • Insumos – parte da cadeia que visa a produção ou compra de mudas, sementes, adubos, fertilizantes, defensivos, controle de pragas e doenças e outros itens essenciais ao manejo orgânico dos processos e da propriedade. (ORMOND et al, 2002) No tocante a agricultura familiar, os processos de produção de insumos têm como objetivo utilizar técnicas sustentáveis para minimizar/reduzir custos. Utilizam compostagem, esterco de animais cultivados pelos produtores, manejo ecológico e natural do solo entre outras tecnologias. (FERNANDES; KARNOPP, 2014) Com isso, o agricultor familiar, em sua maioria, busca produzir seus próprios insumos através de sua força e capacidade de trabalho juntamente com o apoio de cooperativas e associações as quais dialogam com política agroecológica para o cultivo e manejo adequado de seus produtos. • Produção agropecuária – em empresas agroindustriais, esta etapa dedica-se a produção de commodities. Já nos pequenos produtores, prevalece a produção de hortigranjeiros e são geralmente agregados a associações de produtores, cooperativas ou pequenas empresas de processamento artesanais, responsáveis pela comercialização. E a partir desta etapa há disposição destes produtos diretamente aos consumidores através das feiras livres e agroecológicas. (ORMOND et al, 2002) 32 Figura 03 - Cadeia da Agricultura Familiar Fonte: Adaptado de Ormond et al (2002) Segundo Fernandes; Karnopp (2014), este segmento da agricultura familiar é extremamente importante por fornecer frutas, verduras e legumes a população. Na pecuária familiar destaca-se pequenos rebanhos para produção de insumos, leite e derivados usados basicamente para suprir as demandas familiares. • Processamento Primário – engloba as principais atividades dos produtos in natura da agricultura familiar, tais como: colheita; coleta; limpeza; separação; embalagem; etc. São realizados normalmente pelos membros da família, mão de obra temporária ou por cooperativas. Para o pequeno produtor é fundamental assumir este segmento da cadeia, visto que isto possibilita deter o controle maior de seus produtos. A importante característica desta etapa éa exclusão do atravessador, que participa de outros tipos de cadeias. (FERNANDES; KARNOPP, 2014) 33 • Processamento Secundário – é composto por uma variedade de atores, desde pequenas e médias indústrias, até pequenas organizações artesanais que se dedicam a processar os alimentos orgânicos e agroecológicos em suas linhas de produção. (ORMOND et al, 2002) Para compor um produto final de característica agroecológica ou orgânica, é necessário que todos os elementos processados sejam de origem também orgânica ou agroecológica, o que dificulta e eleva os custos deste segmento. • Distribuição – esta etapa representa um ponto importante para os produtores, pois nela que se desenvolve os conhecimentos sobre as preferências do consumidor e a quantidade de demanda do mercado. (ORMOND et al, 2002) Para Fernandes e Karnopp (2014), o grau de complexidade atual do mercado exigiu que os próprios agentes da agricultura familiar passassem a distribuir seus produtos diretamente ao consumidor final, através das feiras, restaurantes parceiros, associações, visando menor dependência dos atravessadores e a obtenção de maiores lucros. • Consumo – frente as mudanças constantes das preferências e necessidades dos clientes, a produção familiar busca em sua cadeia melhorar a qualidade, ofertar variedade, ampliar produção e disponibilizar seus produtos cada vez mais perto de seus principais consumidores. Dessa forma, evidencia-se as características da cadeia produtiva da AF e a necessidade que ela seja compreendida pelos produtores rurais, para que, através da identificação de suas etapas, pontos fortes, fraquezas e oportunidades, estes possam exercer seus processos de maneira eficiente, proporcionando maior desenvolvimento econômico para sua região. 2.2.4 Cadeias Curtas de Alimento (Short Food Supply Chain) Com o aprimoramento agroindustrial ao longo das décadas, a evolução do arranjo social e econômico de muitas nações e as mudanças no comportamento dos consumidores, a cadeia agroalimentar passou a requerer inúmeras conexões e assim exigir um nível de controle e agilidade as quais o sistema familiar não possui ferramentas competitivas adequadas quando comparadas a grandes indústrias agrícolas. 34 Com isso, para obter economias de escala e cortar custos de produção, o modelo industrializado de abastecimento de alimentos forçou os pequenos produtores a se especializarem em alguns produtos e em apenas algumas fases do processo produtivo. O elevado número de etapas, as vantagens tecnológicas das agroindústrias e a distância física entre a produção e o consumo, foram a base para o desenvolvimento das Cadeias Curtas de Alimentos (CCA) ou Short Food Supply Chain (SFSC). Segundo Scarabelot e Schneider (2012), as cadeias curtas agroalimentares representam formas de comercialização que exploram a dinâmica local, expressa na proximidade entre produtores e consumidores. Essa relação está além do aspecto meramente espacial, partindo também de princípios e valores significativos que interligam e conectam ambas as partes. De acordo com Marsden et al (2000), a característica das CCA é que o produto chega ao consumidor final junto a informações que permitem ao cliente fazer "julgamentos de valor" sobre os alimentos, os métodos de produção e, potencialmente, sobre os valores das pessoas envolvidas. As CCA estão relacionadas a três elementos: 1) redução da distância física entre o produtor e o consumidor; 2) redução do número de etapas que conectam o início e o fim da cadeia produtiva da agricultura familiar; 3) maior proximidade social e cultura entre os agricultores e seus clientes. Nas cadeias curtas, há a eliminação dos intermediários. Provocando assim, que os produtores possuam maior autonomia sobre os preços de vendas, retendo para si a parcela que seria para custear os atravessadores. Os elementos das CCA envolvem a construção de uma relação amigável e também favorece a troca de conhecimentos e valores entre urbano e o rural. Isso favorece tanto os agricultores quanto os compradores, efetivando assim um sistema de benefício mútuo para além de apenas a troca de mercadorias. (MARSDEN et al, 2000) Este compromisso mútuo desenvolvido pela confiança entre produtores e consumidores muitas vezes substituem ou reduzem a necessidade de confirmação formal de certas qualidades dos produtos, como certificados e rótulos ambientais. Para Kawecka e Gębarowski (2015) os benefícios das Cadeias Curtas Agroalimentares podem ser descritos e relacionados em cindo grupos: 35 • Capital Humano – associado a geração de emprego e oportunidade de negócios a nível local; • Capital Financeiro – representa o apoio a empresas e prestadoras de serviços, resultando na retenção de capital financeiro na economia local; • Capital Físico – apoio a manutenção de lojas físicas e mercados locais; • Capital Social – envolve a alimentação da população com alimentos de alto valor nutricional, a maior interação social entre as pessoas da comunidade, a melhor compreensão sobre consumo consciente e seus benefícios e o envolvimento da comunidade em causas ambientais. • Capital Natural – incentivo aos agricultores a conduzirem seus negócios de forma mais ecológica, garantindo um cultivo diversificado e sustentável, evitando desperdícios, agregando alto valor ambiental, e redução dos níveis de poluição. Mais efeitos benéficos podem ser observados no Quadro 01 a seguir: Quadro 01 - Impactos positivos das CCA Impactos econômicos Impactos Sociais Impactos Ambientais Redução das incertezas econômicas dos agricultores. Promoção de relações mais diretas entre produtores e consumidores. Redução do uso de recursos como combustível fóssil ou embalagem. Apoio a rentabilidade de pequenas e médias propriedades. Aumento da confiança na cadeia de valor. Redução do desperdício de alimentos e economia de alimentos. Aumento da circulação da renda na comunidade. Fomento a inclusão social. Promoção de métodos de produção menos poluentes (por exemplo, agricultura orgânica). Criação de novos empregos no meio rural (geração local emprego). Revitalização das comunidades locais. Redução das emissões de carbono. Diminuição dos custos de produção e preço de mercado. Contribuição para o desenvolvimento rural (particularmente nas áreas marginais). Redução do uso de energia. 36 Melhoria nas sinergias com outros setores. Desperta o senso de comunidade. Redução no deslocamento de alimentos. Aumento da qualidade da produção de alimentos. Conduzir a educação comunitária. Contribuição para a segurança alimentar. Empoderamento do consumidor. Maior reconhecimento dos produtores. Promoção de alimentação saudável. Fonte: adaptado de Jarzębowski et al (2020) Além disso, a criação de cadeias curtas resolve algumas dificuldades encontradas em outras cadeias de abastecimentos como: assimetria de informação; custos de transação; grau de incerteza; oportunismo e falta de confiança; economias de escala; efeitos externos; desigualdade social e fluxo de informação (conhecimento). (JARZĘBOWSKI et al, 2020) 37 3 METODOLOGIA O estudo de cadeias complexas requer um caráter metódico, a fim de compreendê-las, explica-las e domina-las (KÖCHE, 2011). Diante disso, este trabalho busca alcançar os aplicando bases científicas e metodológicas validadas, as quais serão discutidas e explicitadas nesta sessão. 3.1 PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS A investigação se propõe a elaborar conhecimentos com relação ao tema da Cadeia Produtiva da Agricultura Familiar segundo um modelo sistemático de pesquisa científica. Para Gil (2002), esse documento para ser considerado uma pesquisa precisa seguir procedimentos racionais e metodológicos, envolvendo inúmerasfases, desde a formulação da problemática abordada, até a conclusão e apresentação dos resultados. Compreendendo que a ciência tem manifestação na dúvida, este trabalho foi orientado pelo seguinte questionamento: “Como a análise da cadeia produtiva dos produtores rurais da agricultura familiar poderia contribuir para o desenvolvimento econômico local da feira agroecológica das Graças em Recife?” Essa problemática serve para delimitar e indagar a relação que possa haver entre as variáveis estudadas: Cadeia Produtiva, Agricultura Familiar e Feira Agroecológica das Graças. Uma vez levantado a questão inicial, o trabalho a aborda a seguinte hipótese: “A cadeia produtiva dos agricultores familiares possui potencialidades não percebidas ou pouco exploradas, o que impacta na falta de perspectivas para prover melhorias no desenvolvimento econômico local.” Entre as fontes que podem originar hipóteses, essa pesquisa faz uso do conhecimento familiar, abordado por Lakatos (2003), onde, perante situações vivenciadas e evidenciando correlações entre fenômenos, deseja-se verificar a real correspondência entre eles. Sobre o tipo de pesquisa, Gil (2002) classifica em três grandes grupos como: exploratórias, descritivas e explicativas. As pesquisas exploratórias parte de ideias ou intuições, e buscam trazer mais informações sobre o problema a fim de torná-lo mais explícito. Nas pesquisas descritivas há foco na descrição de características de algum 38 grupo ou identificação de relações entre variáveis. Já nas pesquisas explicativas partem da ocorrência de um fenômeno para buscar fatores que determinam a ocorrência deste fenômeno. Dada a natureza da investigação e o intuito de promover informações válidas para estudos posteriores, a pesquisa foi feita de caráter exploratório. Foi utilizado também os procedimentos do estudo de campo. Para Gil (2002), este mecanismo parte da observação direta da interação de uma comunidade, juntamente com a coleta de dados através de registros. Nessa técnica o pesquisador aborda a maior parte do trabalho de maneira pessoal, pois é ideal que o próprio seja familiarizado com a situação estudada. Por fim, aplicou-se a abordagem qualitativa na coleta dos dados. Segundo Triviños (1928, p 128-130), a pesquisa qualitativa usa como fonte de dados o próprio ambiente natural para descrevê-lo, já o pesquisador se torna agente e instrumento chave na pesquisa e tende a analisar seus dados indutivamente, tendo preocupação essencial o significado dos dados analisados. Dessa forma, o trabalho contou com as seguintes etapas: 1) pesquisa bibliográfica e levantamento dos conceitos fundamentais; 2) entrevistas com agricultores que possuem experiência prática sobre o problema pesquisado; 3) análise e interpretação dos dados obtidas. 3.2 DESCRIÇÃO DO CENÁRIO DE PESQUISA Seguindo os passos dessa pesquisa, esta sessão traz uma descrição da Feira Agroecológica (FA) das Graças em Recife, local foco da pesquisa e onde se encontra a principal etapa de comercialização dos produtores. 3.2.1 Contextualização As mudanças tecnológicas e a globalização dos mercados têm levado a uma acentuação das desigualdades sociais e ao aumento da pobreza, causada pela exclusão de grandes grupos da população a oportunidades justas e acessíveis para se manterem economicamente ativas através de sua própria força de trabalho. A própria abordagem capitalista faz com que a competitividade nos mercados seja dinamicamente feroz. Esta competição é parte do objetivo para melhorar o 39 desempenho individual. No modo operante do capitalismo, a competição é fundamental, ocorre tanto em empresas gigantes, quanto pequenas, atingindo igualmente o consumo doméstico. (SINGER, 2000). Existem questões profundas sobre a conveniência e mesmo sobre a possibilidade da continuidade do crescimento econômico, nas formas vigentes de mercados. Neste contexto, surge a economia solidária, a qual postula um novo tipo de desenvolvimento; alternativo, integral à escala humana, sustentável e com ênfase nas relações locais. Segundo Singer (2000), ela se estabelece para combater os princípios inexistente no modelo atual de comercio e produção. É um modo produtivo e de distribuição alternativo ao capitalismo. Ela compreende diferentes atores que buscam proporcionar benefícios mútuos. Exercendo seus papeis mais pela solidariedade do que pela competição. Neste contexto, as organizações de economia solidária, baseiam-se na ajuda mútua e na solidariedade, desenvolvendo alternativas a algumas dificuldades presentes em mercado competitivo. Esse associativismo, baseado na economia solidária, tem sido a forma que agricultores familiares e agroecológicos encontraram para construir um ambiente de reciprocidade entre os produtores e os consumidores. Neste cenário dissemina-se princípios e valores associativos, solidários e se complexificam ao longo de toda cadeia. Tornando-se um modo permanente nas relações, que transpassa os produtores, intermediários (ONGs, Estado, Cooperativas) e consumidores. (SOUZA, 2012) Desse modo, baseados na economia solidária, os agricultores, agentes públicos e cooperativas, lançaram-se na elaboração da Feira Agroecológica nas Graças em Recife. (SOUZA, 2012) Essa iniciativa representou a possibilidade de oferecer um ambiente mais fértil aos negócios da agricultura familiar e resultou na promoção de valores agroecológicos, bem como uma vida mais saudável para a comunidade local. 3.2.2 Organização e Caracterização Funcionando atualmente aos sábados, na Rua Souza de Andrade, a Feira Agroecológica situada no bairro das Graças em Recife existe desde 1997 e segundo 40 Brasileiro (2010) é a mais antiga da cidade, sendo composto em sua maioria por agricultores e produtores do interior do estado. A criação do espaço foi assessorada e facilitada pelo Centro Sabiá, técnicos e originalmente foi fundado por dez agricultores. O Centro Sabiá é uma Organização Não Governamental (ONG) sem fins econômicos, que trabalha com agricultores e agricultoras familiares na Mata Atlântica, Agreste e Sertão de Pernambuco. (SOUZA, 2012) A feira nas Graças conta com 18 barracas e cerca de 20 famílias. São produtores de Bom Jardim, Gravatá, Chã Grande, Abre e Lima, Feira Nova e Lagoa de Itaenga. Comercializam desde alimentos em in natura, como verduras, legumes, frutas, como também produtos beneficiados e derivados do leite. Já nas primeiras experiências, inicialmente no parque da Jaqueira, houve a percepção da necessidade de criar-se uma organização dos agricultores agroecológicos e da grande potencialidade da comercialização em Recife. (MMA, 2006) No início os consumidores não conheciam sobre as diferenças do produto agroecológico, não entendiam muito seu valor. Além disso os próprios produtores também não haviam desenvolvido habilidades para dialogar com os clientes e explicar do que se tratava a produção familiar, bem como seus benefícios e a importância de seu trabalho. Foi constatado por Braz (2018) que os principais dificuldade iniciais estava: 1) na conscientização do público sobre a qualidade envolvidas na produção familiar; 2) no baixo movimento que não cobria os custos totais dos agricultores. Para além dos problemas citados, no documento “Sabiá – A Experiência com Comercialização Agroecológica” elabora pelo Ministério do Meio Ambiente, relata que a própria prefeitura da cidade quis impedir o processo de comercialização. Numa das abordagens da polícia, na tentativa de impedir a feira, os próprios consumidores se mobilizaram e impediram a ação policial, o que resultou, depois de acordos, na transferência da feira para então seu local atual na Rua Souza de Andrade. (MMA, 2006), Essas ações exemplificam a solidariedade que ligam os participantes da feira. O espaço da FA das Graças une as forças de seus consumidorese produtores desde sua construção para assim criar um ambiente de trocas não apenas de mercadorias, mas também laços fraternais. 41 Assim a feira se tornou, no decorrer de sua história, um espaço de luta e resistência do pequeno produtor frente as barreiras econômicas, políticas e sociais dos mercados capitalistas. Durante todo projeto da Feira os nortes foram sempre a favor da parceria com natureza, com as pessoas da comunidade e boa relação comercial pautada na solidariedade. Em sua tese, Souza (2012), através de entrevistas com agricultores, confirma o intuito da Feira ser um ambiente a favor da produção de alimento sem venenos, no qual as pessoas pudessem comprar a preços justos e ter uma vida mais saudável. Braz (2018) evidenciou que nos três primeiros anos os agricultores desenvolveram as suas habilidades pessoais e organizacionais o que resultou numa melhora de seus processos comerciais e produtivos, bem como o atendimento aos clientes. Figura 04 - Espaço Agroecológico das Graças em 1998 Fonte: acervo Centro Sabiá,1998 Na Feira os produtos são expostos em barracas e caixas de plástico. Há produtos que necessitam ser armazenados em isopores. Durante a feira também há produtores que comercializam em carros, e em sua maioria são produtos beneficiados. O público circula livre no meio da rua, a qual foi previamente interditada 42 para o dia da feira. Este ambiente se torna bastante interativo e também gera muitas trocas através de conversas sobre a temática da agricultura agroecologia. (SOUZA, 2012) A feira tem como diferencial o caráter transpessoal do ambiente de negócios. Desde o processo produtivo dos agricultores que evidenciam a preocupação com o bem estar de seus consumidores, até a preocupação dos clientes em conhecer a vida pessoal dos produtores para assim criar laços, gerando confiança e parcerias salutares. Com relação aos preços aplicados, existe uma coesão entre os agricultores que buscam preços justos sem muita variação durante o ano. Apresentam também como regra uma tabela com preços máximo e mínimos. (SOUZA, 2012) Figura 05 - Feira Agroecológica das Graças em 2021 Fonte: Acervo Pessoal (2021) 43 Figura 06 - Feira Agroecológica das Graças em atividade Fonte: Acervo Pessoal (2021) Sobre o controle da qualidade do alimento, Braz (2018), identificou que a principal garantia é por meio de uma Declaração de Cadastro em uma Organização de Controle Social (OCS). A OCS é responsável por garantir a conformidade da produção orgânica ou agroecológica de maneira participativa. Ela é formada por grupos de agricultores que juntamente ao Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (MAPA) expede um documento com todos os dados do produtor e da propriedade, incluindo o número de cadastro, assegurando que seu processo produtivo é efetuado de maneira sustentável e orgânica. Porém esse tipo de “certificação” serve apenas para a comercialização através de vendas diretas, não havendo assim a possibilidade de expor tais artigos em lojas com a validade do selo orgânico. Este processo faz com que o público possa se sentir mais confiável em relação aos produtores, pois, para aquisição do documento que fica exposto nas barracas, são feitas vistorias no terreno do agricultor, afim de não apenas verificar, mas também incentivar boas práticas produtivas. Segunda Darolt (2012), há na população uma percepção de que frutas e verduras naturais são alimentos mais saudáveis, porém falta ainda essa mesma 44 população associar alimentos saudáveis a processos produtivos agroecológicos e orgânicos. Outro fator que também impacta na cadeia de consumo, é que os consumidores associam alimentos naturais a preços mais elevados. Desse modo, evidencia a necessidade de esclarecer a população da importância desse tipo de produção alimentícia e de como os preços são equiparáveis aos atributos benéficos agregados aos alimentos naturais. Para Darolt (2012) os impactos positivos da aproximação entre os consumidores e produtores podem ser resumidos pela Figura 09. Nessa perspectiva ocorre um alinhamento entre os requisitos do mercado/ local/comunidade, com as necessidade dos fornecederos/produtores. Ocorrendo um sistema onde prevalece a transparência, os preços justos e o compartilhamento dos riscos, pois os clientes recebem esclarecimentos e compreendem as limitações dos agricultores. Figura 07 - Benefícios da aproximação entre produtores e consumidores Fonte: Darolt, 2012 A base de consumidores da Feira Agroecológica das Graças é composta por cerca de 40% de homens, 60% mulheres. Com uma faixa etária principal entre 41 e 70 anos, representando cerca de 80% do público. Fato que se evidenciou durante a pandemia, pois os principais cliente eram considerados grupo de risco, afetando, portanto, diretamente o nível de vendas. Em termo de grau de escolaridade a maioria 45 dos consumidores apresentam curso superior completo. As profissões mais presentes entre os clientes foi de funcionário público, aposentado e professor. A maioria apresentando uma renda média de 08 a 19 salários. Os principais motivos para o consumo na feira são: alimentos sem agrotóxicos; boa qualidade; amizade. (SOUZA, 2012; MMA, 2006; BRAZ, 2018). Segundo Braz (2018), os produtos que geram mais rentabilidade para os agricultores são os beneficiados, chegando a conseguir agregar mais de 70% de seu valor natural. Esses produtos ainda ajudam ao produtor a enfrentar melhor as intempéries da sazonalidade de seus cultivos in natura. A construção da Feira Agroecológica foi uma nova estratégia dos agricultores para enfrentar as condições adversas e contrárias aos modos de produção familiar. Esse modelo possibilitou acrescentar renda e visibilidade social a classe que em seu território muitas vezes vivia em situação de pobreza e carência de oportunidades. (SOUZA, 2012) O espaço Agroecológico das Graças representa muito mais que um mercado alternativo da produção familiar. Ele representa uma mudança de paradigma econômico. Nesse sentido o bem estar, as relações fraternas e solidárias são a chave do sistema de troca. O desenvolvimento ocorre em níveis sociais, econômicos e ambientais. Os processos produtivos se encaixam nessas dimensões. Toda cadeia se beneficia e cresce à medida que cada elo supre as necessidades dos demais. Assim, o estudo da Feira Agroecológica das Graças, representa um olhar sobre um mercado alternativo, originário de uma classe pouco investigada e carente de apoios. Isso contextualiza o esforço deste trabalho para alcançar um melhor nível de compreensão destes agricultores, a fim de proporcionar novas oportunidades e melhores abordagens para sua cadeia. 3.3 COLETA DE DADOS A fim de abordar característica sui generis e evidenciar a percepção individual dos agricultores investigados, esta pesquisa empregou as técnicas da entrevista semi- estruturada e da observação para a coleta de dados. De acordo com Triviños (1928, p. 146): 46 Podemos entender por entrevista semi-estruturada, em geral, aquela que parte de certos questionamentos básicos, apoiados em teorias e hipóteses, que interessam à pesquisa, e que, em seguida, oferecem amplo campo de interrogativas, fruto de novas hipóteses que vão surgindo à medida que se recebem as respostas do informante. (TRIVIÑOS, 1928, p. 146) A população analisada foi composta por 10 agricultores da Feira Agroecológica das Graças, em Recife-PE. Para realização desta pesquisa houve ótima interação e cooperação dos produtores, os quais me receberam em suas barracas e alguns em seus ambientes de trabalho. Também houve momentos que participei das reuniões com membros da associação AMA-Terra, representada aqui pela sua atual presidenta, Rejane. A AMA-Terra foi criada em 2009 no município de Gravatá pelos
Compartilhar