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VITÓRIA CORREIA MOURA – T4C Encefalopatia Hepática Introdução A Encefalopatia Hepática (EH) é, por definição, um quadro reversível caraterizado por alterações neurológicas ou neuropsiquiátricas de graus variados decorrentes da falência hepática. Pode ser encontrada nas lesões agudas (hepatite fulminante) ou crônicas (mais comum). O mecanismo é relacionado à presença de toxinas intestinais que chegam à circulação sem serem depuradas tanto por disfunção primária dos hepatócitos (insuficiência hepatocelular), quanto por shunt portossistêmico (hipertensão portal). O fígado exerce um importante papel no clearance hepático de produtos tóxicos produzidos no intestino, e o comprometimento da função hepática ou a presença de shunts portossistêmicos permite que essas toxinas cheguem à circulação sistêmica. Essas toxinas agem inibindo a neurotransmissão e apresentam efeitos deletérios na função cerebral. Dentre essas substâncias, a mais importante é a amônia. O trato gastrointestinal é a principal fonte de amônia que entra na circulação pela veia porta. Em condições normais, o fígado transformaria a amônia em ureia ou glutamina, eliminando-a pelas fezes e urina, o que não ocorre na disfunção hepática. Como resultado, a amônia arterial está elevada em 90% dos pacientes com EH. Vale destacar que, apesar da hiperamonemia levar à encefalopatia, os níveis séricos dessa substância não se correlacionam com a gravidade da EH. Outros componentes participantes seriam: mercaptanos, GABA e benzodiazepínicos endógenos. As manifestações clínicas da EH podem ser de natureza extremamente heterogênea, com sintomas que variam desde um desempenho cognitivo próximo do normal (sendo as alterações geralmente só identificadas pelos familiares), até estados de confusão, estupor e coma. Entre esses extremos, os pacientes com EH podem apresentar sintomas e sinais como inversão do ciclo sono-vigília, desatenção, embotamento afetivo, comprometimento da memória, tremores, mioclonia e flapping. Classificação Classificação com base no mecanismo subjacente (condição precipitante): TIPO A: Encefalopatia hepática associada à falência hepática aguda. TIPO B: Encefalopatia hepática associada a by-pass portossistêmico (sem lesão hepatocelular intrínseca). TIPO C: Encefalopatia hepática associada à cirrose e à hipertensão portal. Classificação de acordo com a evolução: Encefalopatia hepática episódica/esporádica. Encefalopatia hepática recorrente (duração até 6 meses). Encefalopatia hepática persistente (alterações permanentes, com sinais e sintomas contínuos). Diagnóstico Não existe nenhum exame laboratorial que confirme o diagnóstico da encefalopatia hepática, sendo, portanto, eminentemente clínico. Testes laboratoriais geralmente revelam evidência de disfunção hepática (ex: hipoalbuminemia, INR alargado) e distúrbios eletrolíticos resultantes da hipertensão porta e do uso de diuréticos. A dosagem da amônia sérica é controversa, pois sofre influência de outros fatores (ex: sangramento digestivo, choque, doença renal). Contudo, apesar de não ser necessária para o diagnóstico, pode ser utilizada na monitorização do tratamento. VITÓRIA CORREIA MOURA – T4C Na primeira abordagem de um paciente com suspeita de encefalopatia hepática, outros diagnósticos diferenciais devem ser considerados: Metabólicas: hipo ou hiperglicemia; hipo ou hipercalcemia; hipocalemia; hipóxia; uremia. Tóxicas: intoxicação alcoólica; abstinência alcoólica; narcose por CO; drogas ilícitas; medicações. SNC: AVC; meningite; abcesso; encefalite; trauma; tumor. Nos CASOS AGUDOS, o aparecimento dos sintomas é mais rápido e associado a rebaixamento do nível de consciência que pode levar ao coma em algumas semanas. A grande preocupação é com o edema cerebral e o risco de herniação. Nos CASOS CRÔNICOS, a apresentação é composta por dois fatores: Paciente começa a se mostrar confuso, com alteração do ciclo sono-vigília e da personalidade: ESTÁGIOS DA ENCEFALOPATIA HEPÁTICA (CRITÉRIOS DE WEST HAVEN) Estágio Consciência Intelecto e comportamento Achados neurológicos Mínima Normal Normais Exame normal; testes psicomotores prejudicados 1 Leve perda da atenção Redução na atenção; adição e subtração prejudicadas Tremor ou flapping leve 2 Letárgico Desorientado; comportamento inadequado Flapping evidente e fala arrastada 3 Sonolento, mas responsivo Desorientação severa e comportamento bizarro Rigidez muscular e clônus hiper-reflexia 4 Coma Coma Postura de descerebração Paciente apresenta algum fator de descompensação: - Hemorragia gastrointestinal: o sangue liberado no tubo digestivo é digerido pelas bactérias colônicas; do metabolismo da hemoglobina, forma-se mais amônia, que é absorvida pelas enterócitos, desencadeando a encefalopatia hepática; - Hipocalemia (aumenta a produção renal de amônia) e alcalose metabólica (o pH plasmático mais alcalino converte amônio em amônia); - Constipação; - Diuréticos, hipovolemia e desidratação; - Hipóxia; - Infecção (urinária, peritonite); - Medicações (narcóticos, sedativos); - Procedimentos cirúrgicos. VITÓRIA CORREIA MOURA – T4C Tratamento Os objetivos básicos do tratamento da encefalopatia hepática são: 1. Identificação e remoção dos fatores precipitantes de encefalopatia hepática: Profilaxia para sangramento de varizes esofágicas. Profilaxia para peritonite bacteriana espontânea. Uso correto e não abusivo de diuréticos. Evitar constipação intestinal (proliferação bacteriana). 2. Dieta: Não é recomendada restrição proteica em pacientes com encefalopatia hepática, uma vez que essa medida acaba piorando o grau de desnutrição. Algum benefício pode ser obtido na substituição da fonte proteica animal pela vegetal, ou pela reposição de fonte nitrogenada com aminoácidos de cadeia ramificada (BCAA). 3. Lactulose: 30 a 120 ml/dia, dividido em quatro tomadas, até atingir 2 a 3 evacuações de fezes amolecidas. Essa medicação reduz o pH do lúmen colônico, fazendo com que a amônia seja convertida em amônio, que não consegue ser absorvido pela mucosa intestinal. VITÓRIA CORREIA MOURA – T4C Também possui um efeito laxativo, evitando estase intestinal e proliferação bacteriana. Outras opções de medicação: Rifaximina (melhor opção a ser adicionada à lactulose), Sulfato de neomicina (reduz a flora bacteriana colônica produtora de amônia) e Metronidazol. 4. Transplante hepático: Única terapia definitiva para a doença. Profilaxia Não existe ainda uma recomendação formal, porém alguns estudos mostraram que a lactulose ou Rifaximina poderiam ser utilizadas como profilaxia para encefalopatia hepática após episódio de sangramento. RESUMINDO: Manifestações neuropsiquiátricas reversíveis. Pode ocorrer na insuficiência hepática aguda e crônica. Na insuficiência hepática, o fígado perda a capacidade de metabolizar a amônia, aumentando a concentração dessa substância nefrotóxica no organismo. Nos shunts portossistêmicos, há aumento da resistência vascular intra-hepática, que será transmitido ao sistema porta. O sangue é desvio diretamente para a circulação sistêmica. Assim, as substâncias neurotóxicas que deveriam passar pelo fígado, acabam caindo diretamente na circulação. Manifestações clínicas: extremamente diversa achados clínicos sutis, déficit de atenção, alterações de memória, alterações do sono, déficit neurológico focal, letargia, apatia, confusão mental, desorientação, alterações de personalidade, rebaixamento do nível de consciência, flapping, ataxia, hiper-reflexia, coma. Sempre investigar e tratar fatores precipitantes, como infecções (PBE), DHE (↓ K e ↓ Na), hemorragias digestivas, desidratação, hipovolemia, alcalosemetabólica, inserção de TIPS, hipóxia, constipação, bebidas alcoólicas, benzodiazepínicos (Diazepam), barbitúricos, diuréticos, ingestão excessiva de proteínas. O diagnóstico é clínico!!! Não se recomenda dieta hipoproteica. A lactulose é a medicação de primeira escolha. Ela reduz o pH intestinal, aumenta a velocidade do trânsito intestinal e reduz a concentração de bactérias produtoras de amônia. Outras medicações podem ser associadas a lactulose, como Rifaximina, Neomicina e Metronidazol. Sempre por via oral. VITÓRIA CORREIA MOURA – T4C VITÓRIA CORREIA MOURA – T4C VITÓRIA CORREIA MOURA – T4C