Baixe o app para aproveitar ainda mais
Prévia do material em texto
Engenharia de Tráfego 17 3 VIAS COM FLUXO CONTÍNUO – FUNDAMENTOS Fluxos de tráfego contínuos ocorrem em rodovias (vias rurais) e vias urbanas expressas, onde não existem paradas dos veículos devido à existência de semáforos, sinais de parada obrigatória ou sinais de “dê a preferência”. 3.1. PARÂMETROS CARACTERIZADORES DO TRÁFEGO Volume Denomina-se volume (N) o número total de veículos que passam num dado ponto ou seção de uma via ou faixa da via durante um determinado período de tempo. A contagem de veículos no campo pode ser feita com pesquisadores utilizando tabulação manual ou automática, ou com equipamentos sofisticados de detecção de veículos. Fluxo ou vazão Define-se fluxo ou vazão (Q) de uma corrente de tráfego como a relação entre o volume de veículos (N) que passam num ponto da via (P ou O na figura 3.1) e o intervalo de tempo correspondente (T): Q veic h N veic T h ( / ) ( ) ( ) L PO V 4 V 6 V 5 V 3 V 1 V 2 Figura 3.1 – Representação esquemática do fluxo de veículos. Densidade ou concentração A densidade ou concentração (K) é dada pela relação entre a quantidade de veículos num trecho de via (N) e a extensão do mesmo (L), conforme ilustrado na figura 3.1. K veic km N veic L km ( / ) ( ) ( ) Medidas diretas da densidade podem ser feitas através de fotos ou filmagens aéreas do tráfego. Engenharia de Tráfego 18 Como os veículos numa mesma corrente de tráfego têm velocidades diferentes, a velocidade do fluxo deve ser caracterizada por um valor médio das velocidades individuais dos veículos. No estudo do tráfego de veículos a velocidade média de viagem é a mais utilizada, por duas razões: é a mais fácil de ser obtida no campo e apresenta uma relação direta com as outras duas variáveis caracterizadoras do tráfego, o fluxo e a densidade. A velocidade média de viagem (V) é dada pela relação entre a extensão do segmento de via considerado no cálculo (L: em geral entre 50 e 100m para se obter resultados confiáveis) e o tempo médio que os veículos demoram para percorrê-lo ( t ), conforme a seguinte equação: Vv L t , sendo t t N i , resulta: Vv L t N N L ti i . Onde: ti: tempo para o veículo i percorrer o trecho L e N: número de veículos na corrente. Espaçamento Denomina-se espaçamento (s) a distância entre veículos sucessivos numa corrente de tráfego, medida normalmente de pará-choque dianteiro a pará-choque dianteiro. O espaçamento médio numa corrente de tráfego é dado pela relação: S s N i O espaçamento médio é igual ao inverso da densidade: S m veic K veic m ( / ) ( / ) 1 Intervalo (headway) O intervalo (h) é definido como o intervalo de tempo que decorre entre a passagem dos pará- choques dianteiros de veículos sucessivos num mesmo ponto da via. O headway médio de uma corrente de tráfego é dado pela expressão: H h N i O headway médio é igual ao inverso do fluxo: H seg veic Q veic seg ( / ) ( / ) 1 O espaçamento e o headway são consideradas características microscópicas do fluxo de tráfego, pois são relacionadas com pares individuais de veículos e variam dentro da corrente. Quando consideradas de forma agregada (valores médios), essas grandezas dão origem aos parâmetros macroscópicos fluxo e densidade. 3.2. RELAÇÕES ENTRE AS VARIÁVEIS DO TRÁFEGO Uma das relações entre as variáveis do tráfego, denominada de relação fundamental do tráfego, é dada pela seguinte expressão: Q = K . V Engenharia de Tráfego 19 Onde, Q: fluxo em veíc/h, K: densidade em veíc/km e V: velocidade média da corrente em Km/h. Os resultados de pesquisas de campo mostram que as variáveis básicas do fluxo de tráfego estão relacionadas entre si por outra lei além da equação fundamental. A figura 3.2 mostra os resultados gráficos de pesquisas de campo realizadas nos Estados Unidos. V e lo c id a d e (m ilh a s /h o ra ) 10 0 0 500 1000 1500 2000 2500 3000 20 30 40 50 60 70 Fluxo (veículos por hora por faixa) Figura 3.2 – Relação entre V e Q obtida em pesquisa de campo. Fonte: HCM (1994). A observação dos resultados de pesquisas de campo mostra que as grandezas Q, K e V estão relacionadas, de forma aproximada, conforme mostrado na figura 3.3. VALORES NOTÁVEIS K = 0 V=Vf, Q=0 K = Kj V=0, Q=0 Qm Km, Um tg Q/K = V tg f Vf Q Q Q Qm Qm Km Vf Vf Vm V V f P Kj Kj KK K 0 0 0 Figura 3.3 – Relação entre as grandezas fundamentais do tráfego A notação empregada nessa figura é a seguinte: Kj: densidade de congestionamento; Engenharia de Tráfego 20 Vf: velocidade em condições de fluxo livre (condicionada pelas condições geométricas da via, pelo limite máximo legal de velocidade e pela intensidade da fiscalização policial); Qm: vazão máxima; Km: densidade correspondente a vazão máxima; Vm: velocidade correspondente a vazão máxima; : ângulo entre um ponto qualquer da curva Q x K e o eixo das abcissas; f: ângulo entre a reta tangente na origem da curva Q x K e o eixo das abcissas; As seguintes observações são pertinentes: 1. Quando não há veículos na via, a densidade e o fluxo são nulos: K=0 e Q=0. Nesse caso o primeiro veículo utilizaria, teoricamente, a velocidade livre: Vf. 2. Quando a densidade atinge Kj, todos os veículos param e portanto: V=0 e Q=0. 3.3. CAPACIDADE, NÍVEL DE SERVIÇO E VOLUME DE SERVIÇO A capacidade de tráfego de uma via é o máximo fluxo (vazão) de veículos que ela pode acomodar. Corresponde a oferta máxima da via e depende das características da via e do tráfego. As condições de operação quando uma via opera próximo ou no limite da capacidade são bastante precárias, pois a quantidade elevada de veículos presentes restringe significativamente a velocidade, dificulta mudanças de faixas e exige grande concentração dos motoristas. A avaliação da qualidade da operação numa via num dado período é feita utilizando os conceitos de nível de serviço e volume de serviço. O nível de serviço resulta de uma avaliação qualitativa das condições de operação – conforto e conveniência de motoristas e passageiros – e depende dos seguintes principais fatores: liberdade na escolha da velocidade, facilidade para mudar de faixas nas ultrapassagens e saídas ou entradas na via e proximidade dos outros veículos. Seis níveis de serviço são definidos : A, B, C, D, E e F. O nível de serviço “A” corresponde às melhores condições de operação e o nível de serviço “F” às piores. A seguir são descritas as condições de operação correspondentes a cada nível de serviço. NS “A”: fluxo livre. Concentração de veículos bastante reduzida. Total liberdade na escolha da velocidade e total facilidade de ultrapassagens. Conforto e conveniência: ótimo. NS “B”: fluxo estável. Concentração de veículos reduzida. A liberdade na escolha da velocidade e a facilidade de ultrapassagens não é total, embora ainda em nível muito bom. Conforto e conveniência: bom. NS “C”: fluxo estável. Concentração de veículos média. A liberdade na escolha da velocidade e a facilidade de ultrapassagensé relativamente prejudicada pela presença dos outros veículos. Conforto e conveniência: regular. NS “D”: próximo do fluxo instável. Concentração de veículos alta. Reduzida liberdade na escolha da velocidade e grande dificuldade de ultrapassagens. Conforto e conveniência: ruim. NS “E”: fluxo instável. Concentração de veículos extremamente alta. Nenhuma liberdade na escolha da velocidade e as manobras para mudanças de faixas somente são possíveis se forçadas. Conforto e conveniência: péssimo. Neste caso o fluxo está próximo ou mesmo no limite da capacidade e as velocidades são baixas, porém uniformes. NS “F”: fluxo forçado. Concentração altíssima. Velocidades bastante reduzidas e frequentes paradas de longa duração. Manobras para mudança de faixas somente são possíveis se forçadas e Engenharia de Tráfego 21 contando com a colaboração de outro motorista. Conforto e conveniência: inaceitável. Neste caso o fluxo potencial é maior que a capacidade da via e o tráfego se encontra totalmente congestionado. Na figura 3.4 são mostradas fotos das condições de tráfego correspondentes aos diversos níveis de serviço, para o caso de vias com duas ou mais faixas por sentido. Figura 3.4 – Fotos ilustrativas do nível de serviço. Fonte: HCM (1994). A cada nível de serviço é associado um volume de serviço, definido como o máximo fluxo de tráfego em que as condições do nível de serviço correspondente são ainda verificadas. Os volumes de serviço quantificam os intervalos de fluxo correspondentes a cada nível de serviço. Na tabela 3.1 são ilustradas as relações entre nível de serviço, volume de serviço e velocidade do fluxo, para o caso de vias com duas ou mais faixas por sentido. Engenharia de Tráfego 22 Tabela 3.1 – Relações entre NS, VS e V para o caso de vias com duas ou mais faixas por sentido. NS FLUXO CONCENTRAÇÃO VELOCIDADE A B C D E F 0 – VSA VSA – VSB VSB – VSC VSC – VSD VSD – VSE VSE 0 – KA KA – KB KB – KC KC – KD KD – KE KE VA – VF VB – VA VC – VB VD – VC VE - VD VE A capacidade da via C equivale ao volume de serviço correspondente no nível de serviço E: C=VSE. 3.4. PARÂMETROS CARACTERIZADORES DO NÍVEL DE SERVIÇO Para cada tipo de via, o nível de serviço é definido em função de um ou mais parâmetros que melhor caracterizam as condições de operação. Na tabela 3.2. são apresentados os principais parâmetros utilizados na caracterização do nível de serviço para os três diferentes tipos de vias consideradas nos estudos de tráfego. Tabela 3.2. – Parâmetros caracterizadores do nível de serviço. Tipo de Via Parâmetros Vias especiais de múltiplas faixas (“freeways”) Densidade – K (veíc/km/faixa) Vias comuns de múltiplas faixas (“multilane highways”) Densidade – K (veíc/km/faixa) Vias com duas faixas e dois sentidos (“two-lane highways”) Porcentagem do tempo de viagem esperando para fazer ultrapassagem – PTE (%) e velocidade – V (km/h). O PTE corresponde ao valor da porcentagem do tempo de viagem que os veículos permanecem atrás de outro ou outros sem poder desenvolver a velocidade desejada devido a impossibilidade de ultrapassagem, que ocorre por três motivos: existência de veículos se aproximando na corrente oposta, restrição de visibilidade (distância de visibilidade menor que a distância necessária para ultrapassagem) e proibição de ultrapassagem por motivo legal ou de segurança (proximidade de escola, posto de polícia rodoviária, etc.). Os trechos onde a ultrapassagem é proibida por falta de visibilidade ou outro motivo são sinalizados com linha divisória contínua. Para o caso das vias com duas ou mais faixas por sentido, os valores aproximados das densidades correspondentes aos diversos níveis de serviço são os seguintes: Ka = 7 veíc/h//faixa, Kb = 11, Kc = 16, Kd = 22, Ke = 28, Kf > 28. Para o caso das vias de duas faixas com dois sentidos (pista simples), os valores aproximados das porcentagens de tempo esperando para fazer ultrapassagem são: PTEa = 35% , PTEb = 50% , PTEc = 65% , PTEd = 80% , PTEe > 80%. As velocidades são as seguintes: Va = 90 km/h, Vb = 80 km/h, Vc = 70 km/h, Vd = 60 km/h, Ve < 60 km/h. Engenharia de Tráfego 23 3.5. FATORES QUE AFETAM A CAPACIDADE E OS VOLUMES DE SERVIÇO A capacidade e os volumes de serviço são afetados pelas características das vias e do tráfego. Os principais fatores que influem nesses parâmetros são: Características da via: tipo, número de faixas por sentido, largura das faixas, distância entre as margens da pista e obstáculos laterais (largura dos acostamentos), traçado em planta, perfil longitudinal e ambiente típico atravessado. Características do tráfego: composição da frota, distribuição do fluxo por sentido e tipo de usuário. A seguir são comentados brevemente cada um desses fatores. Tipo de via - A diferença entre vias de múltiplas faixas e vias de duas faixas, uma em cada sentido, é óbvio, devido à ultrapassagem nas vias de duas faixas ser feita utilizando a faixa do fluxo oposto. Mesmo nas vias de múltiplas faixas, os estudos mostraram diferenças significativas no comportamento do tráfego em função da existência ou não de barreiras divisórias centrais e da forma como o acesso ou saída da via é realizado. Em razão disso, as vias para efeito de análise da capacidade e volumes de serviço (níveis de serviço) são classificadas nos seguintes tipos: Via especial de múltiplas faixas (“Freeways”): via de duas ou mais faixas por sentido, com divisão central estrutural (muro de concreto, defensas metálicas, etc.) ou natural (canteiro) e com entrada e saída restritas e realizadas em ramos de alta velocidade. Via comum de múltiplas faixas (“Multilane Highways”): via de duas ou mais faixas por sentido, sem divisão central ou sem controle de acesso, ou ambos. Considera-se uma via sem divisão central quando existe apenas uma marca no pavimento (usualmente duas linhas contínuas) separando as correntes opostas. A falta de controle de acesso e saída está associada à existência de ramos de acesso e saída de baixa velocidade. A não existência de divisão central e/ou a entrada e saída em baixa velocidade prejudicam o fluxo, tornando a performance desse tipo de via diferente das “freeways”. Via de duas faixas e dois sentidos (“Two-lane Highways”): via na qual a operação apresenta aspectos totalmente diferentes em relação às vias de múltiplas faixas, uma vez que as ultrapassagens são feitas na faixa utilizada pela corrente oposta. Número de faixas: quanto maior o número de faixas, maior a capacidade e os volumes de serviço. Largura das faixas e acostamentos: influência devida ao atrito psicológico veículo–veículo ou veículo-obstáculo, que se reflete principalmente na redução de velocidade. A presença de obstáculos próximos altera inclusive o posicionamento dos veículos nas faixas laterais, aumentando o atrito veículo- veículo nas faixas contíguas. Traçado em planta e perfil: o traçado em planta influi devido as restrições de velocidade máxima e ultrapassagens nos trechos em curva (caso de vias com duas faixas e dois sentidos). A velocidade máxima nos trechos em curva é referida como velocidade de projeto (velocidade a partir da qual são definidos os elementos das curvas horizontais: raio, superelevação, etc.). O perfil influi na velocidadede operação, uma vez que em rampas ascendentes e em rampas descendentes muito íngremes os veículos não conseguem manter a mesma velocidade dos trechos em nível. No caso de vias com duas faixas, dois sentidos, o perfil tem influência significativa na capacidade e nos volumes de serviço devido às restrições de ultrapassagem por falta de visibilidade nas curvas verticais. Ambiente típico atravessado: nas vias comuns de múltiplas faixas, a eficiência operacional é maior naquelas que atravessam zonas tipicamente rurais, onde o número de interferências devido às entradas e saídas é significativamente menor do que nas vias que se localizam próximo de zonas urbanas. Engenharia de Tráfego 24 Composição da frota: os veículos comerciais (caminhões, ônibus e veículos de recreio: carros ou caminhonetes com reboque) devido as suas maiores dimensões (principalmente comprimento) e menor relação potência/peso - que implica em velocidades menores sobretudo nas rampas ascendentes - reduzem a capacidade e os volumes de serviço das vias. Distribuição do fluxo por sentido: fundamental para as vias de duas faixas e dois sentidos, nas quais as ultrapassagens são realizadas utilizando-se a faixa oposta. A preponderância de movimento num sentido torna a operação totalmente diferente daquela observada no caso de volumes próximos nos dois sentidos. Tipo de usuário: os usuários que utilizam regularmente a via por razões de trabalho, estudo, etc., conhecem bem a mesma e dirigem com atenção, maximizando a eficiência operacional, o que normalmente ocorre nos dias úteis. O mesmo não acontece com os usuários que usam a via para se deslocar por motivo de lazer. Estes usuários, normalmente dos feriados e finais de semana, não conhecem bem a estrada e dirigem sem preocupação com o tempo, reduzindo a eficiência operacional da via. 3.5. VALORES TÍPICOS DA CAPACIDADE E VOLUMES DE SERVIÇO O manual americano e os manuais desenvolvidos em outros países fornecem modelos detalhados para se determinar os volumes de serviço de cada tipo de via, em função das características da via, da composição do tráfego, do ambiente típico atravessado e do tipo de motorista. As tabelas 3.3, 3.4 e 3.5, transcritas do HCM (2000), apresentam valores para a situação típica cujas características são descritas nos rodapés das tabelas. A utilização desses valores em outras situações constitui aproximação grosseira. Tabela 3.3 – Nível e volume de serviço nas vias especiais de múltiplas faixas (freeways). Fonte: HCM (2000). Engenharia de Tráfego 25 Tabela 3.4 – Nível e volume de serviço nas vias comuns de múltiplas faixas (multilane highways). Fonte: HCM (2000). Tabela 3.5 – Nível e volume de serviço nas vias de pista simples (2 faixas e 2 sentidos). Fonte: HCM (2000) A classificação do tipo de topografia do terreno atravessado no caso das vias çomuns de múltiplas faixas e das vias com duas faixas e dois sentidos leva aos seguintes padrões de via: Terreno plano (“level terrain”): a via apresenta rampas típicas com pequenas declividades (grosso modo até em torno de 2%) e curvas de grandes raios, permitindo aos veículos pesados manter aproximadamente a mesma velocidade dos carros de passageiros. Engenharia de Tráfego 26 Terreno ondulado (“rolling terrain”): a via apresenta rampas típicas de maior declividade (grosso modo até 4%) e curvas de menor raio, que levam os veículos pesados a desenvolver velocidades médias significativamente abaixo das dos carros de passageiros. Terreno montanhoso (“mountainous terrain”): a via apresenta rampas extensas com grande declividade (grosso modo maiores que 4%) e curvas verticais e horizontais de pequeno raios, obrigando os veículos pesados a se locomover com velocidades extremamente reduzidas. 3.6. QUANTIFICAÇÃO DO FLUXO DE TRÁFEGO Variações no tempo O fluxo de tráfego nas vias varia ao longo dos anos, dos meses do ano, da semana do mês, do dia da semana, da hora do dia e até mesmo dentro de cada hora. Nos países ou regiões em desenvolvimento o fluxo de tráfego cresce ano a ano, exigindo a estimativa dos valores do fluxo no futuro para que se possa projetar adequadamente as vias. Para isso são empregados modelos de previsão da demanda. Um modelo simples bastante utilizado para previsão da demanda é o que se baseia nas taxas históricas de crescimento do tráfego. O crescimento é em geral considerado aritmético ou geométrico, conforme as seguintes expressões: Aritmético: V = Vo (1+ t . n) Geométrico: V V t n 0 1.( ) Onde, V: volume futuro, V0: Volume atual, t: taxa de crescimento anual do tráfego determinado com base em dados históricos e n: número de anos entre as datas presente e futura. Variação sazonais e mensais do fluxo de tráfego refletem a atividade econômica e social da região atendida pela via. As flutuações mensais são maiores nas rodovias (vias rurais) do que nas vias urbanas. Também são mais significativas nas rodovias em que predominam as viagens de lazer (rodovias de recreio) do que naquelas em que predominam as viagens de trabalho (rodovias comerciais). As variações diárias do volume de tráfego ao longo da semana são mais significativas quando se comparam os dias úteis com os dias dos finais de semana (sábados e domingos). Nas vias comerciais o fluxo é maior nos dias úteis, ao contrário do que normalmente ocorre nas vias de recreio. As variações horárias do fluxo de tráfego estão relacionadas com os inícios e fins das atividades comerciais, industriais, escolares, de serviços, etc. Os períodos de pico (maiores fluxos) ocorrem no início da manhã e no final da tarde, conforme ilustrado na figura 3.1. O volume de pico da tarde é, em geral, maior do que o do pico da manhã. Também importante são os volumes do pico do meio do dia, que podem, em alguns casos, superar até mesmo os volumes dos picos da manhã e da tarde. Entre os picos ocorrem os denominados períodos de vale (em consonância com a nomenclatura utilizada na Geografia para descrever a superfície da Terra). A repetição dos padrões da variação horária dos fluxos de tráfego em dias similares, incluída a estabilidade dos valores, é uma característica de suma importância do tráfego, pois confere ao fenômeno condições de previsibilidade. A periodicidade das atividades humanas explica o fenômeno. A possibilidade de prever com relativa precisão os valores do fluxo é que confere confiabilidade aos estudos do tráfego: projetos de alterações na operação para melhoria do nível de serviço e da capacidade, projetos de melhoria física da via, projetos de novas vias, etc. Engenharia de Tráfego 27 6 8 10 12 14 16 18 20 22 2442 Horas do Dia F lu x o ( v e íc /h ) 0 Figura 3.5 – Variação horária do fluxo de tráfego ao longo dos dias úteis. Como até mesmo dentro do período de uma hora o fluxo pode variar bastante, é necessário determinar valores do fluxo em intervalos ainda menores. Intervalos de 5 minutos são muito pequenos para que os valores sejam estáveis, tornando impossível predizer com alguma certeza o efeito no tráfego. Intervalos de contagem iguais a 15 minutos não apresentam os inconvenientes de um intervalolongo como 1 hora, nem os de um intervalo curto como 5 minutos. Assim, 15 minutos têm sido o intervalo normalmente empregado nos estudos do fluxo de tráfego. A figura 3.6 mostra um exemplo hipotético da variação do volume de tráfego durante o período de 1 hora, em intervalos de 15 minutos. N 4 N 3 N 1 0 15 30 45 60 t (min) N (veic) N 2 Figura 3.6 – Variação do volume de tráfego no período de uma hora. Baseado no gráfico da figura 3.3 têm-se: Volume total na hora: N (veíc) = N1+N2+N3+N4 Volume nos 15 minutos de pico: Np (veíc) = N2 (maior entre N1, N2 , N3 , N4) Fluxo horário: Qh (veíc/h) = N/T = N/1 = N Fluxo no pico: Qp (veíc/h) = NP/T = N2/1/4 = 4.N2 Define-se fator hora de pico (“peak-hour factor”) pela relação: FHP Qh Qp O fator hora de pico é um número puro menor que a unidade (FHP 1), pois QhQp. Em áreas urbanas, geralmente, FHP varia entre 0,80 e 0,98. Valores baixos indicam grande variação do fluxo dentro da hora e valores altos pequena variação. Valores acima de 0,95 são frequentemente indicativos de altos fluxos, algumas vezes restritos pela própria capacidade da via. Engenharia de Tráfego 28 A análise das condições da operação é normalmente realizada em diferentes dias típicos (dia útil, sábado, domingos/feriados) e em distintos períodos do dia: pico da manhã, pico da tarde e períodos típicos de menor movimento. Dessa forma, se tem uma idéia clara das condições de operação ao longo do dia nos diferentes dias típicos. Vale recordar que os estudos devem ser realizados sempre nos 15 minutos de maior movimento dentro da hora de maior movimento no período analisado. O estudo também deve ser realizado por trechos da via e na extensão total da mesma, considerando individualmente os dois sentidos de movimento. Com isso, se tem uma idéia clara das condições da operação no espaço. Hora de pico e hora de projeto Os estudos de tráfego normalmente serão feitos para as horas de maior movimento, em particular para a hora de pico (hora de maior movimento) – período mais crítico da operação. Os volumes da hora pico não são, contudo, constantes ao longo dos dias. Se os valores dos volumes horários de uma via, coletados ao longo de 1 ano, forem listados em ordem decrescente, uma grande variação pode ser observada. Nas rodovias a variação é maior que nas vias urbanas. Nas rodovias de recreio a variação é maior que nas comerciais. Nas rodovias de recreio ocorrem grandes volumes em algumas poucas semanas do ano ou outros períodos de pico, e no restante do ano o fluxo é bastante baixo, mesmo nas horas de pico. Nas vias urbanas, ao contrário, pouca variação ocorre nos volumes das horas de pico ao longo dos dias do ano. A figura 3.7 mostra a relação entre os volumes horários medidos em diferentes tipos da via em Minnesota – EUA, sendo os fluxos horários (VH) expressos em porcentagem do volume diário médio anual (VDM), definido pela relação entre o volume total anual e o número de dias no ano (“Average Annual Daily Traffic – AADT”). Horas de Pico K = V H P /V D M Rodovia de recreio Rodovia comercial expressa Via urbana circunferencial Via urbana expressa radial Figura 3.7 – Variação dos fluxos horários máximos em diferentes tipos de via. Fonte: HCM (1994). Os valores da figura 3.4 indicam que: 1. A rodovia de recreio apresentou grande variação do fluxo horário: 30% do VDM na 1 a hora de pico (a mais movimentada do ano), 15,3% na 200 a hora de maior movimento e 8,3% na 1000 a hora. 2. A rodovia comum apresentou menor variação, mas ainda assim significativa: 17,9% do VDM na 1 a hora, 10% na 100 a hora e 6,9% na 1000 a hora. 3. As vias urbanas apresentaram pequenas variações: aproximadamente 11,5% do VDM na 1 a hora e 7 a 8% na 1000 a hora. Essas características mostram quão difícil é para os engenheiros de tráfego tomar decisões sobre o projeto de novas vias ou ampliação de vias existentes. Optar por um grande número de faixas - Engenharia de Tráfego 29 ou mesmo um tipo superior de via - para ter um tráfego satisfatório na hora de maior movimento e extrema subutilização na maior parte do ano, ou escolher um número menor de faixas - ou uma via inferior - para ter um tráfego satisfatório até a 30 a (100 a , 1000 a , etc.), reduzindo a subutilização no restante do ano, mas tendo tráfego precário nas 30 (100, 1000) horas de maior movimento – até mesmo congestionamento em algumas dessas horas. A seleção da hora de projeto – e o fluxo correspondente – envolve o confronto entre o impacto econômico, social e político de se ter um tráfego precário durante um certo número de horas do ano e o custo do investimento e manutenção de uma via com maior número de faixas - ou de qualidade superior. A escolha da hora de projeto também envolve a análise do que acontece nas horas em que o fluxo de tráfego é maior do que o adotado no projeto. Nas rodovias de recreio a primeira hora tem um volume muito maior do que o da 100 a hora, enquanto nas vias urbanas a diferença é muito pequena. Assim, usar o critério da 100 a hora significa ter substancial congestionamento na hora de maior movimento nas rodovias de recreio, mas pequeno impacto em vias urbanas. Outro aspecto é o nível de serviço adotado para o volume da hora de projeto selecionada. Uma via projetada para nível de serviço B pode absorver uma quantidade muito maior de veículos sem congestionar (nível de serviço F) do que uma via projetada para nível de serviço D. Em vista do exposto, tem sido prática comum adotar a hora de projeto de rodovias (via rurais) entre a 30 a e 100 a hora de maior movimento. Este intervalo em geral abrange o “joelho” da curva – região onde a curvatura passa de íngreme para suave. Nos EUA o critério da 30 a hora (com nível de serviço C) tem sido normalmente adotado no projeto de rodovias. Em países menos desenvolvidos, muitas vezes as restrições financeiras têm levado a escolha da hora de projeto entre a 50 a e a 100 a hora (com nível de serviço C ou D). Nas vias urbanas, a prática é adotar a hora de projeto entre a 10 a e a 50 a hora. Nos Estados Unidos entre 10 a e a 20 a hora (com nível de serviço C). Nos países menos desenvolvidos entre a 20 a e 50 a hora (com nível de serviço C ou D). A proporção do volume médio diário que ocorre na hora de projeto (hora pico para efeito de projeto) é comumente definido como fator K, ou seja: VDM VHP K Grosso modo, o valor de K situa-se em torno de 0,20 nas rodovias, 0,15 nas vias suburbanas e 0,10 nas vias urbanas. Variação do fluxo por sentido Os fluxos por sentido nas vias também variam ao longo do dia. É comum uma via urbana radial apresentar no início da manhã um fluxo em direção a região central da cidade igual ao dobro do movimento em sentido contrário. No final da tarde, essa situação é invertida. Nas rodovias, fluxos muito diferentes também podem ocorrer, sobretudo nas rodovias de recreio. A relação entre o fluxo horário no sentido de maior movimento (VHPS) e o fluxo horário total dos dois sentidos na hora de projeto (VHP) é usualmente designado por D: D VHPS VHP A tabela 3.6 mostra alguns valores da distribuição do fluxo por sentido nas horas de pico, obtidos em Minnesota - EUA. Engenharia de Tráfego 30 Quadro 3.1 - Valores de D em % para diferentes situações. Fonte: HCM (1994) Hora de pico Via urbanacircunferencial Via urbana radial Rodovia 1 a 10 a 50 a 100 a 53 53 53 50 66 66 65 65 57 53 55 52 Uma expressão bastante utilizada para se calcular o volume horário de projeto num sentido da via é: VHPS VHP D VDM K D . . . 3.4. Influência de condições atmosféricas adversas O impacto de condições atmosféricas adversas (chuva, neve, neblina,etc.) na capacidade e nos volumes de serviço das vias tem sido pouco estudado. Alguns estudos realizados sinalizam a ocorrência de redução na capacidade entre 10 e 20%, e valores ainda maiores quando as condições são extremamente adversas. As reduções na capacidade e nos volumes de serviço provocadas pela menor visibilidade noturna são em geral muito pequenas e podem ser desconsideradas nos estudos práticos. 3.7 SITUAÇÕES DE REALIZAÇÃO DOS ESTUDOS DE TRÁFEGO Três são as situações em que o estudo prático do tráfego de veículos é realizado: análise operacional, projeto e planejamento. Análise operacional – Corresponde a análise do desempenho do tráfego quando são conhecidas em detalhes todas as características da via e do fluxo. Casos em que se aplica: estudo das condições de operação numa via existente, avaliação dos impactos de melhoramentos em vias existentes (aumento do número de faixas, aumento da largura das faixas, aumento da largura dos acostamentos, etc.), análise das condições de operação no futuro com o aumento do fluxo em vias existentes ou com projeto geométrico definido, etc. Projeto – Trata da determinação do número de faixas numa via em fase de projeto, bem como da definição da largura das faixas e acostamentos, uso ou não de divisória central, declividades das rampas, etc. Neste caso, as características da via e do tráfego também são conhecidas em detalhes. Planejamento – Cuida da estimativa do número provável de faixas requerido por uma via, geralmente a ser construída, não se conhecendo detalhes das características da via e nem do tráfego, mas apenas informações genéricas. 3.8. EXERCÍCIOS 1. Pesquisa de tráfego realizada num ponto de uma via com 2 faixas por sentido indicou a passagem de 800 veículos num intervalo de 30 minutos, num dos sentidos. Determinar: fluxo total, fluxo por faixa e headway médio no fluxo. 2. Uma fotografia aérea mostrou a presença de 20 veículos num trecho de 400m num dos sentidos de uma via de 3 faixas/sentido. Determinar: densidade total, densidade por faixa e espaçamento médio na corrente. Engenharia de Tráfego 31 3. Os intervalos de tempo que 5 veículos de um fluxo de tráfego unidirecional levaram para percorrer um segmento de 60 metros de via foram: 4,6s, 2,4s, 4,5s, 2,7s e 5,8s. Determinar: as velocidades individuais de cada veículo ao passar no trecho considerado e a velocidade média de viagem do fluxo. 4. Para se obter as características do tráfego num ponto de uma via, foi medido o tempo total que os veículos levaram para percorrer a distância entre dois postes separados de 20 metros. A pesquisa foi efetuada durante 20 minutos e apresentou os seguintes resultados: quantidade total de veículos = 40, soma dos tempos gasto pelos veículos para percorrer a distância de 20 metros = 70 segundos. Determinar: Q, K, S, H e V. 5. Pesquisas realizadas numa faixa de uma rodovia de pista dupla apresentaram os valores assinalados no quadro anexo. Pede-se: a) desenhar as curvas de V x K, Q x K e V x Q, extrapolando-as até os eixos; b) determinar os valores notáveis: Vf, Vm, Km, Kj e Qm. Não congestionado Congestionado Q (veíc/h) 400 800 1200 1600 2000 1600 1200 800 400 V (Km/h) 90 90 80 70 50 25 15 10 5 6. Pesquisa de tráfego realizada numa via existente apresentou os seguintes volumes nos 4 períodos de 15 minutos da hora de pico: 250, 200, 230 e 240 veículos. Determinar: o fluxo na hora de pico, o fluxo no período de pico e o fator de hora pico. 7. Uma rodovia de 2 faixas por sentido num trecho com perfil ondulado e velocidade máxima permitida de 100km/h apresenta os seguintes fluxos horários nas horas de pico dos distintos períodos típicos do dia estudados: Período A = 3000 veíc/h, B = 2300 veíc/h e C = 1500 veíc/h. Pede-se avaliar o nível de serviço em cada um dos casos. 8. Numa via urbana a ser construída, é previsto um fluxo na hora pico de 2000 veíc/h. A velocidade máxima permitida será de 80 km/h. Avaliar o número de faixas por sentido para que a operação seja realizada com nível de serviço C. Avaliar a capacidade da via? Admitindo um crescimento aritmético de 5% ao ano para o volume de tráfego, estimar depois de quantos anos o nível de serviço passará a ser D? 9. Uma rodovia de pista simples com velocidade máxima permitida de 80 km/h atravessa um trecho de terreno montanhoso. Pede-se avaliar: os volumes de serviço correspondentes aos diversos níveis de serviço, a capacidade da via, o nível de serviço correspondente a um fluxo de 50 veíc/h e 800 veíc/h. 10. Uma freeway urbana tem um total de 8 faixas (4 em cada sentido). Pede-se avaliar: a velocidade livre típica na mesma: o nível de serviço para um fluxo de 5000 veíc/h; admitindo um crescimento geométrico de 5% ao ano para o volume de tráfego, depois de quantos anos o nível de serviço passará a ser D; e depois de quantos anos a capacidade da via estará esgotada?
Compartilhar