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HUMANIZAÇÃO EM SERVIÇOS 
DE SAÚDE 
AULA 4 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
Profª Tânia Maria Santos Pires 
 
 
 
 
2 
CONVERSA INICIAL 
 Os processos de saúde são acima de tudo construções coletivas. Para 
que aconteçam de forma produtiva, é essencial que os trabalhadores da saúde 
sejam ouvidos e que suas experiências sejam consideradas na organização e 
no planejamento das ações de saúde. 
As necessidades de saúde são vivenciadas pelas equipes na execução 
de suas rotinas de trabalho, e dessas experiências são levantadas prioridades. 
Outro recurso importante está na análise epidemiológica dos eventos e dos 
principais indicadores de saúde, como a mortalidade infantil e materna, além do 
levantamento das principais morbidades e eventos sentinela. Além disso, há que 
se considerar os vários determinantes de saúde e doença, entre eles a 
relevância da questão ambiental e sua relação social na produção de saúde e 
doença. 
As equipes de saúde devem ter participação ativa nos processos de 
gestão, compartilhando suas experiências e contribuindo para a efetividade da 
humanização, de modo a priorizar os interesses dos pacientes. 
TEMA 1 – A IMPORTÂNCIA DO PLANEJAMENTO E GESTÃO EM SAÚDE 
 Uma mudança muito importante que se intensificou após a reforma dos 
sistemas de saúde foi a organização dos processos de gestão. O planejamento 
do trabalho e da gestão tornou-se mais profissional em razão da mudança do 
foco do trabalho em saúde. Anteriormente ao SUS, o serviço de saúde era 
focado em eventos agudos. Essa lógica de atuação foi mudando quando entrou 
em ação um sistema mais integrado. 
 Era importante analisar quais eram os eventos agudos de maior 
prevalência. Nesse sentido, citamos uma importante pesquisa, realizada em 
2005 no Ministério da Saúde, pelo pesquisador Eugenio Vilaça Mendes (2015). 
Ele realizou o levantamento das dez principais causas de internação em todo o 
país nos hospitais públicos. O resultado mostrou a seguinte sequência: 
1. Partos normais; 
2. Pneumonias; 
3. Partos com cesariana; 
4. Enteroinfecções; 
5. Insuficiência cardíaca; 
 
 
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6. Curetagem pós-aborto; 
7. Doença pulmonar obstrutiva crônica (DPOC), acidente vascular cerebral 
(AVC), crise asmática; 
8. Hernorrafias ingnais, crise hipertensiva; 
9. Pielonefrite; 
10. Diabetes. 
A análise da pesquisa demonstra que a maioria dessas condições eram 
consideradas agudizações de condições crônicas, descompensadas por falta de 
cuidado e acompanhamento na atenção primária, ou seja, modificáveis ou 
evitáveis com ações voltadas para a APS. Sendo assim, é preciso investir – não 
no aumento do número de serviços de emergências, mas em APS de qualidade. 
 Após a implantação da APS em 1994, uma das fases da organização de 
uma equipe em área é o diagnóstico de saúde da comunidade. Essa nova 
orientação de trabalho indica uma mudança de cultura na organização das ações 
de saúde para um processo planejado, cujo objetivo maior é o cidadão. O modelo 
adotado era o de vigilância em saúde (Mendes, 2015), que significa o 
monitoramento das condições crônicas, com base nos indicadores de saúde. 
 Trabalhar com condições crônicas requer planejamento e análises 
constantes, com protocolos que devem ser atualizados com frequência. Além 
disso, a equipe deve apontar quais são as maiores necessidades das áreas de 
abrangência, tais como os principais indicadores, as áreas de risco social e 
físico, além dos maiores desafios a serem enfrentados pelas equipes de saúde. 
 Para conseguir responder de forma positiva, as equipes precisam se 
reunir para pensar e planejar. Elas devem fazer o planejamento local de saúde, 
de acordo com as necessidades levantadas. As equipes que conseguem esse 
espaço de gestão respondem com maior qualidade aos usuários. 
TEMA 2 – ORGANIZAÇÃO DOS PROCESSOS E DIRETRIZES ASSISTENCIAIS 
Após a implantação do SUS, sobretudo após o Pacto pela Saúde de 2006, 
os Três Pilares de sustentação do sistema de Saúde, o Pacto em Defesa do 
SUS, o Pacto pela Vida e o Pacto de Gestão, houve um alinhamento das políticas 
públicas de saúde com a humanização. 
A legislação da saúde, em sua essência, ao fazer a opção pela equidade, 
evidencia a prioridade pela humanização e o reconhecimento de que não se 
 
 
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pode tratar igualmente aqueles que são tão desiguais. Portanto o primeiro pilar 
do pacto é defender o SUS. Isso significa defender uma conquista de cidadania, 
principalmente para os mais vulneráveis da sociedade. Na esfera política, trava-
se um lobby favorável ao SUS, para que seja consolidado por leis, com apoio 
parlamentar, além de se construir uma plataforma de apoio político permanente 
para a melhoria do financiamento da saúde. 
Como estratégia para alcançar essa meta, acentuou-se a pressão para a 
aprovação da Emenda Constitucional n. 29, pelo Congresso Nacional, que 
mudaria a forma de provimento para o setor da saúde. Essa pressão deveria 
partir de mobilização popular em favor da saúde pública de qualidade, 
envolvendo os cidadãos e os profissionais de saúde. 
Como ganho importante da discussão em benefício do cidadão, uma das 
ações de destaque foi a elaboração e publicação da Carta dos Direitos dos 
Usuários do SUS, de 2011. 
O Pacto pela Vida traz as prioridades da gestão – quais são as áreas de 
maior impacto na vida do cidadão que depende do SUS. É constituído por um 
conjunto de compromissos sanitários, expressos em objetivos e metas, 
derivados da análise da situação de saúde da população e das prioridades 
definidas pelos governos federal, estaduais e municipais. O Pacto pela Vida 
deverá ser permanente (Brasil, 2006). 
As principais ações de saúde pactuadas foram: saúde do idoso, saúde do 
trabalhador, saúde mental, fortalecimento da capacidade de resposta do sistema 
de saúde às pessoas com deficiência, atenção integral às pessoas em situação 
ou risco de violência, saúde do homem, fortalecimento da capacidade de 
resposta a doenças emergentes e a endemias (dengue, hanseníase, 
tuberculose, malária), promoção de saúde e fortalecimento da atenção básica. 
O Pacto pela Gestão traz as definições dos investimentos financeiros de 
cada nível de gestão, mediante acordos, entre federação, estados e municípios, 
sobre os percentuais de investimentos e quais seriam suas responsabilidades 
nas diversas ações de saúde. A inclusão dos estados e municípios aconteceria 
por meio de adesão voluntária do município ou estado, mediante assinatura de 
um termo de compromisso de gestão. 
A tão sonhada aprovação da Emenda Constitucional n. 29, pelo 
Congresso Nacional, promulgada em setembro de 2000, aconteceu somente em 
setembro de 2011, e tornou-se um importante instrumento legal de gestão. Os 
 
 
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principais destaques do Pacto de Gestão são: definição financeira das 
responsabilidades; monitoramento das ações implementadas; auditorias; 
ordenação de ações e atividades; monitoramento das ações de saúde; e 
estabelecimento de metas que permitam avaliação contínua com o uso de 
indicadores de saúde (Brasil, 2006). 
TEMA 3 – A PARTICIPAÇÃO DOS TRABALHADORES DE SAÚDE NA GESTÃO 
Os processos de gestão não podem prescindir da participação dos 
trabalhadores em saúde, pois são elas que efetivam os processos de trabalho 
na prática. A política nacional de humanização associa as práticas de 
humanização diretamente aos processos de gestão – e esta, por sua vez, está 
diretamente ligada aos trabalhadores de saúde. Eles estão na linha de frente; 
suas experiências são ricas e contribuem para a identificação das peculiaridades 
de cada ponto de atenção da rede. 
Por outro lado, os trabalhadores precisam ser considerados dentro de sua 
fragilidade humana. Eles são expostos a riscos de diversas naturezas. A 
primeira, sempre considerada nos aspectos legais, é a exposição a doenças, o 
que se tenta compensar com o pagamento da insalubridade. Porém, há também 
a exposição à violência,sobretudo nos pontos de urgência e emergência das 
grandes cidades e nas UBS em áreas de alta vulnerabilidade social. É preciso 
considerar, nesse ínterim, riscos à saúde mental dos trabalhadores. 
Essas situações requerem uma postura proativa da gestão na direção do 
fortalecimento dos trabalhadores de saúde. Ao contrário do que se pensa, o 
salário não é a maior motivação dos trabalhadores; nota-se que o senso de 
missão, o significado que o trabalho traz a cada um, a sensação de ser útil a 
outro ser humano, traz um sistema de recompensa emocional que agrega valor 
às pessoas e estimula a prática. 
Outra ação muito positiva aos trabalhadores é a educação continuada. As 
equipes sentem-se seguras quando seu conhecimento é fortalecido e 
compartilhado através de seminários, apresentação de trabalhos, discussão de 
casos, cursos de atualização e construção de protocolos clínicos que norteiam 
as ações de saúde. Há que se disponibilizar tempo para que as equipes 
elaborem planos de trabalho, reconhecendo as necessidades dos territórios de 
saúde. 
 
 
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Por todas essas situações, e de acordo com os princípios da política de 
humanização, a gestão deve considerar as contribuições dos trabalhadores, 
além de estabelecer compromissos com a sua proteção e desenvolvimento 
dentro do sistema de saúde. 
TEMA 4 – A PARTICIPAÇÃO DA COMUNIDADE NA GESTÃO 
A participação ativa da comunidade é considerada essencial desde a 
redemocratização do país. No setor de saúde, essa participação é garantida, 
estimulada e regulamentada através da Lei n. 8.142, de 1990. O controle social 
se faz representar através dos Conselhos de Saúde, nas diversas instâncias de 
governo, seja federal, estadual ou municipal. No âmbito municipal, nas grandes 
cidades, há desdobramentos nos conselhos distritais e em locais de saúde. 
Trata-se de espaços de discussão dos processos de trabalho em saúde, nos 
quais o usuário é maioria e sua opinião sobre o serviço de saúde é considerada 
e tem peso legal. 
Os conselhos funcionam como apoio à gestão no sentido de 
representarem a voz do cidadão e apontarem as maiores necessidades em 
saúde. Por outro lado, funcionam também como instância deliberativa e 
fiscalizadora dos processos de saúde. 
No que tange à política de humanização, a participação da comunidade é 
essencial, porque ela recebe diretamente as ações de saúde. O relacionamento 
dos trabalhadores de saúde com as pessoas atendidas e as opiniões 
consolidadas sobre os serviços ofertados devem ser manifestados através de 
diversos canais. A gestão deve oportunizar serviços de ouvidoria através de 
canal direto, seja por telefone, e-mail ou escuta ativa. Outras estratégias devem 
ser desenvolvidas com esse objetivo, como ouvidorias nos locais de atendimento 
e pesquisas de opinião. Essas manifestações orientam a gestão e melhoram os 
serviços de saúde. 
TEMA 5 – A EDUCAÇÃO AMBIENTAL COMO ESTRATÉGIA DE SAÚDE E DE 
HUMANIZAÇÃO 
A questão ambiental é tema relevante para a saúde em todas as suas 
abordagens, ou seja, para a recuperação, proteção e promoção da saúde. A sua 
relação com os determinantes sociais de saúde e doença faz-se de maneira 
 
 
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direta, entendendo-se que as populações mais expostas aos riscos ambientais 
são justamente as populações mais pobres. 
As grandes cidades encontram-se no centro desse problema, sobretudo 
quando se considera as grandes concentrações de pessoas vivendo sem 
condições adequadas de infraestrutura – em moradias irregulares, em encostas 
de morros, com riscos de deslizamento e morte. 
 Além das mortes, que trazem dor e sofrimento que não se podem aferir, 
há o risco coletivo representado pela degradação do meio ambiente. As 
ocupações não têm acesso regular à rede de água, à coleta de lixo ou a outros 
direitos. Isso significa que são criadas alternativas irregulares, sem segurança 
ambiental. 
Outra situação de risco ambiental refere-se às práticas tradicionais de 
agricultura, quando os pequenos agricultores não recebem apoio suficiente para 
suas plantações, e praticam queimadas ou outros crimes ambientais por falta de 
orientação e suporte. Porém, o maior risco ambiental não vem dos pequenos 
agricultores, mas das grandes corporações e dos grandes grileiros de terra que 
devastam a natureza para a obtenção de lucros sórdidos. Nesse aspecto, a 
legislação e a justiça precisam ser mais ativas, punindo criminosos e vigiando os 
territórios pertinentes. 
O tema da educação ambiental, pela sua importância e impacto em saúde, 
deve constar das agendas de todos os profissionais de saúde, com o objetivo de 
educação em saúde, de promoção de práticas educativas. A comunidade deve 
se mobilizar para que o tema seja pauta de políticas de estado e de outras 
políticas sociais que se relacionam diretamente como as políticas de moradia, 
de emprego e renda, políticas de financiamento de agricultura sustentável e 
outras práticas de sustentabilidade. É hora de criar uma nova cultura, que induza 
à responsabilidade individual no uso dos recursos naturais e finitos, como a 
água, as florestas e a energia, considerando o ser humano e suas necessidades, 
de modo a associar o desenvolvimento humano e econômico com a 
responsabilidade social e ambiental. 
NA PRÁTICA 
As equipes da Unidade Básica de Saúde da comunidade do Pantanal 
estavam muito preocupadas. No mês anterior, haviam recebido três notificações 
 
 
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confirmadas de leptospirose. De certa, forma eles esperavam que algo assim 
acontecesse, por causa de uma enchente recente. 
A região era considerada como área de alta vulnerabilidade social, tendo 
sido ocupada irregularmente. Posteriormente, iniciou-se o processo de 
estruturação do local, mas a população ainda é formada de grande número de 
coletores de material reciclável, que guardam seus materiais de forma pouco 
protegida, favorecendo a presença de roedores no local. Quando houve a 
enchente do Rio Pantanal, que passa próximo, várias casas foram inundadas e 
os risco de exposição a diversas doenças estava em alerta no radar. 
Na reunião de equipe da UBS, a situação foi discutida e depois levada ao 
conselho local de saúde, para pactuação de ações com a comunidade. Um dos 
vereadores foi convidado a participar porque outras providências deveriam ser 
tomadas pelo poder público, no sentido de evitar a ocorrência de outras 
enchentes. 
As equipes estavam seguindo o protocolo de diagnóstico e o fluxo de 
encaminhamentos de casos suspeitos, mas a maior estratégia dava-se no 
âmbito da participação social, envolvendo as equipes de saúde e os líderes da 
comunidade para uma mobilização mais ampla sobre a participação de todos na 
proteção da saúde e do meio ambiente, considerando as fragilidades da 
comunidade. 
FINALIZANDO 
A gestão do sistema de saúde assume cada vez mais sua devida 
importância na consolidação do SUS. Desde que avançamos para uma visão 
ampliada de saúde e doença, considerando os determinantes sociais e outros 
processos que influenciam a gestão dos sistemas de saúde, como a questão 
política partidária, entendemos que a gestão não pode se constituir de forma 
amadora. Deve ser baseada em qualificação, o que implica considerar a 
complexidade da prestação dos serviços em saúde. 
Por outro lado, a gestão em saúde não pode funcionar por meio de uma 
visão empresarial, administrativa; há que se considerar os princípios do serviço 
público, sobretudo no aspecto da saúde como direito. A construção da gestão 
humanizada leva a uma prática semelhante. Para tanto, a experiência dos 
trabalhadores de saúde e sua participação direta nos processos de gestão é 
 
 
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fundamental, assim como a participação da comunidade através do controle 
social. 
A questão ambiental está diretamente ligada à produção de saúde e 
doença e à vulnerabilidade social. Diversos fatores agravam a questão, entre 
eles encontramos aspectos relacionados aos diversos modelosde sustento das 
pessoas, suas necessidades de moradia e às políticas públicas de saúde e 
sociais. É um tema que deve ser constante nas agendas de educação em saúde, 
para o melhor planejamento das ações. 
 
 
 
10 
REFERÊNCIAS 
BRASIL. Ministério da Saúde. Portaria n. 4.279, de 30 de dezembro de 2010. 
Diário Oficial da União, Brasília, DF, 31 dez. 2010. 
BRASIL. Ministério da Saúde. Secretaria de Assistência à Saúde. Programa 
Nacional de Humanização da Assistência Hospitalar. Série C. Projetos, Brasília, 
n. 20, 2001. 
BRASIL. Ministério da Saúde. Secretaria de Atenção à Saúde. Departamento de 
Atenção Básica. Política nacional de atenção básica. Brasília, 2006. 
CECÍLIO, L. et al. O gestor municipal na atual etapa de implantação do SUS: 
características e desafios. RECIIS – Revista eletrônica de comunicação, 
informação & inovação em saúde, v. 1, p, 200-207, 2007. Disponível em: 
<https://www.reciis.icict.fiocruz.br/index.php/reciis/article/view/903>. Acesso em: 
28 jul. 2018. 
JACOBI P. Educação ambiental, cidadania e sustentabilidade. Cadernos de 
pesquisa, n. 118, p. 189-205, mar. 2003. 
MENDES, E. V. A construção social da Atenção Primária à Saúde. Brasília: 
CONASS, 2015.

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