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6º Ciclo de Capacitação em Licitações e Contratos do Ministério da Justiça e Segurança Pública Desafios dos atores do processo de contratação pública considerando a NLL, LINDB e entendimentos do TCU Objetivos: 1 – Conhecer os atores do processo de contratação pública, quais sejam: agente de contratação, pregoeiro, equipe de apoio, comissões, autoridade licitante, autoridade responsável pela autorização da despesa, fiscais e gestores, suas competências e possiblidade de responsabilização com base na NLL, na LINDB e de acordo com o entendimento do TCU; e 2 – Conhecer o que muda na NLL em relação aos atores do processo de Contratação. Sumário 1. Introdução; 2. Inovações trazidas pela Lei 14.133/2021; a. Comentários gerais; b. Âmbito de aplicação da nova lei; c. Princípios e objetivos; 3. Responsabilização segundo a Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro (LINDB); 4. A atuação dos agentes públicos; 5. Jurisprudência do TCU. 1. Introdução Os artigos 37, inciso XXI, e 175 da Constituição Federal dispõem sobre a obrigatoriedade do procedimento licitatório para a aquisição de bens ou serviços pelo Estado: a licitação é a regra. Trata-se de instituto que dá concreção à cláusula republicana, inerente aos regimes democráticos. Constituição Federal “Art. 37. [...] XXI - ressalvados os casos especificados na legislação, as obras, serviços, compras e alienações serão contratados mediante processo de licitação pública que assegure igualdade de condições a todos os concorrentes, com cláusulas que estabeleçam obrigações de pagamento, mantidas as condições efetivas da proposta, nos termos da lei, o qual somente permitirá as exigências de qualificação técnica e econômica indispensáveis à garantia do cumprimento das obrigações.” “Art. 175. Incumbe ao Poder Público, na forma da lei, diretamente ou sob regime de concessão ou permissão, sempre através de licitação, a prestação de serviços públicos.” É competência privativa da União legislar sobre normas gerais de licitação e contratação administrativa, em todas as modalidades, para as administrações públicas diretas, autárquicas e fundacionais de todos os entes da Federação (CF, art. 22, XXVII). Compete ao Distrito Federal, Estados e Municípios legislarem suplementarmente sobre licitações: “Art. 22. Compete privativamente à União legislar sobre: [...] XXVII – normas gerais de licitação e contratação, em todas as modalidades, para as administrações públicas diretas, autárquicas e fundacionais da União, Estados, Distrito Federal e Municípios, obedecido o disposto no art. 37, XXI, e para as empresas públicas e sociedades de economia mista, nos termos do art. 173, § 1°, III;” Com base nesses dispositivos, foram elaboradas as seguintes normas de âmbito nacional: Lei 8.666/1993 – que institui normas para licitações e contratos da Administração Pública; Lei 10.520/2002 – que institui no âmbito da União, Estados, Distrito Federal e Municípios, a modalidade de licitação denominada pregão; Lei 12.232/2010 – que dispõe sobre as normas gerais para licitação e contratação pela Administração Pública de serviços de publicidade; Lei 12.462/2011 – que institui o Regime Diferenciado de Contratações Públicas – RDC; e Lei 13.303/2016 – Dispõe sobre o estatuto jurídico das empresas estatais. 2. Inovações trazidas pela Lei 14.133/2021 Comentários gerais A casa de origem dos projetos que originaram a nova lei de licitações foi o Senado Federal (PLS 163/1995 e PLS 559/2013). Na Câmara dos Deputados, tais projetos tramitaram conjuntamente, com a designação de PL 1292/1995, no qual outros diversos projetos de lei que alteravam a Lei 8.666/1993 foram apensados. O substitutivo apresentado pelo relator, Deputado Augusto Coutinho, teve o seu texto final aprovado em setembro/2019 pelo Plenário da Câmara dos Deputados. O referido projeto de lei retornou para o Senado Federal, tendo em vista a mudança ocorrida no texto aprovado pela casa legislativa de origem. Por ocasião da segunda apreciação da matéria pelo Senado, o projeto tramitou com a denominação PL 4253/2020, sendo relatado pelo Senador Antônio Anastasia. O texto final foi aprovado em 10 de dezembro de 2020 e sancionado com vetos pelo presidente da república em 1º de abril de 2021, como Lei 14.133/2021. A nova Lei de Licitações compilou em um único diploma legal diversas normas esparsas, o que indubitavelmente representa um grande avanço. Por outro lado, os 194 artigos da lei exigirão uma longa curva de aprendizado dos agentes públicos que irão operar a nova legislação. Além disso, apesar de reconhecer diversos avanços pontuais na nova lei, tais como a inversão das fases de habilitação e de julgamento das propostas, avalio que o rito da nova lei ainda é disfuncionalmente burocrático, carregando uma série de controles e procedimentos. Entendo que um texto legal mais enxuto, com nível mais elevado de abstração, amoldar-se-ia melhor aos tempos atuais. Não é simples produzir um texto legal que atenda satisfatoriamente à grande diversidade de objetos contratados pela administração pública, desde simples compras de material de expediente até obras extremamente complexas e vultosas. Afinal, trata-se de uma lei que será aplicada tanto pela elite do funcionalismo público federal quanto pelo gestor municipal dos rincões do Brasil. O novo diploma legal prevê que as Leis 8.666/1993 e 10.520/2002, bem como os arts. de 1 a 47-A da Lei 12.462/2011 serão revogados após decorridos 2 anos da publicação da nova lei. Assim, há uma regra transitória que permite a aplicação da nova lei desde a sua publicação (art. 191). Conforme o dispositivo, o administrador pode optar entre licitar segundo as novas regras ou conforme as da legislação que será revogada, durante esse período de dois anos. Após esse prazo, o novo regime passará a ser obrigatório. Nesse intervalo, conviveremos tanto com a legislação nova quanto com as leis antigas, tal como ocorreu com a edição da Lei das Estatais (Lei 13.303/2016). A nova lei de licitações incorporou vários institutos e procedimentos que foram manejados, inicialmente, na jurisprudência do TCU. A título de exemplo, cabe listar os seguintes: a) Definições de superfaturamento e sobrepreço (Roteiro de Auditoria de Obras Públicas); b) Imposição de práticas de planejamento, gestão de riscos e melhor governança nas contratações públicas (Acórdão 2.622/2015-Plenário); c) Especificação de fontes de pesquisa de preço para estimativa do valor da licitação para aquisição de bens e contratação de serviços em geral (Acórdão 2.170/2007-Plenário); d) Uso do Banco de Preços em Saúde (BPS) (Acórdão 247/2017- Plenário); e) Possibilidade de indicação de marca, desde que circunstancialmente motivada (Acórdão 1.521/2003-Plenário); f) Vistoria prévia ao local da obra somente quando for imprescindível ao cumprimento adequado das obrigações contratuais, podendo ser substituída por declaração (Acórdãos 234/2015, 802/2016 e 2.361/2018, todos do Plenário); g) Credenciamento (Acórdão 351/2010-Plenário); h) Adjudicação por itens como regra geral no sistema de registro de preços (Acórdão 737/2015-Plenário); i) Uso do sistema de registro de preços para serviços comuns de engenharia, em que a demanda pelo objeto é repetida e rotineira (Acórdão 3.605/2014-Plenário); j) Diferenciação entre reajuste e repactuação na contratação de serviços contínuos (Acórdão 1.827/2008-Plenário); k) Contratação integrada a partir de elementos oriundos de anteprojeto e projeto com nível de detalhamento de projeto básico, com possibilidade de modificação pela contratada (Acórdão 2.745/2013- Plenário); e l) Matriz de riscos (Acórdão 1.510/2013-Plenário). A nova lei é considerada norma geral, consoante disposto no seu art. 1º e no seu preâmbulo, sendo aplicável na mesma medida para todos os entes federativos, salvo para as estatais,que estão sujeitas à Lei 13.303/2016. O termo “norma geral” refere-se, primordialmente, ao conteúdo da norma. Da própria acepção da expressão, trata-se de um regramento mais amplo e genérico, que não deve descer aos detalhes de aplicação. Não se confunde com o âmbito de abrangência da norma. É árdua a tarefa de distinguir o que é norma geral ou não em uma lei. No âmbito da Lei 8.666/1993, a questão foi, inclusive, judicializada quando o STF afastou o caráter geral de alguns dispositivos da aludida lei, em que pese seu artigo 1º considerar como normas gerais todas as suas disposições (ADI 927-MC, em 3/11/1993). Em seu artigo 17, a Lei 8.666/93 previu a possibilidade de contratação direta – sem licitação prévia – para a alienação de bens pela administração em determinadas condições. Afastou-se o caráter geral de alguns dispositivos, de forma que determinadas restrições somente possuem aplicação no âmbito da União e demais entidades por ela controladas. A questão continuará presente no âmbito da nova Lei 14.133/2021, que em diversos pontos trouxe excessivo detalhamento, fato que retiraria o caráter de generalidade dessa lei. É possível, sim, verificar pontos da nova lei que exauriram determinadas matérias, o que permitiria a conclusão de que eles não teriam a natureza de norma geral, e, portanto, não se aplicariam aos entes subnacionais. Cito, como exemplo, diversos dispositivos que estavam regulamentados em instruções normativas do Ministério da Economia e foram incorporados ao texto legal. A exigência e o conteúdo do estudo técnico preliminar, que estava regulamentado na IN 40/2020, foi incorporado no dispositivo no art. 18, §§ 1º e 2º, da nova Lei. O mesmo pode-se dizer a respeito dos procedimentos sobre a pesquisa de preços, antes regulamentados pelo disposto na IN 73/2020, que se encontram presentes no art. 23 da nova lei. De qualquer forma, é inegável que a Lei 14.133/2021 traz diversas inovações, repetindo em grande parte os novos institutos que foram trazidos pelo RDC, tais como, a inversão e “desinversão” de fases, o orçamento sigiloso, a contratação integrada, a matriz de riscos, a fase de lance (aberta, fechada ou híbrida), a remuneração variável, dentre outros. Nos tópicos a seguir, serão ressaltados diversos aspectos da referida lei. Âmbito de aplicação da nova lei O campo de aplicação subjetiva da nova lei abrange a administração direta, autárquica e fundacional da União, Estados e Municípios, incluindo os órgãos dos Poderes Legislativo e Judiciário, no desempenho de sua função administrativa. Os fundos especiais dos entes federativos estão também subsumidos ao novo texto legal. Não serão abrangidas pela norma: a) as contratações realizadas pelas empresas estatais, sujeitas à Lei 13.303/2016, ressalvadas as disposições incluídas no Código Penal acerca dos crimes em licitações e contratos administrativos; b) as contratações realizadas no âmbito de repartições públicas sediadas no exterior, que devem observar as peculiaridades locais os princípios básicos estabelecidos na nova lei de licitações e contratos administrativos, na forma de regulamentação específica a ser editada por Ministro de Estado; e c) as licitações que envolvam recursos provenientes de empréstimo ou doação de agência oficial de cooperação estrangeira ou de organismo financeiro do qual o Brasil seja parte, admitidas as condições decorrentes de acordos internacionais ou de normas e procedimentos desses organismos. O campo de aplicação objetiva da lei engloba a alienação e concessão de direito real de uso de bens; as compras, inclusive por encomenda; a locação; a concessão e permissão de uso de bens públicos; a prestação de serviços, inclusive os técnico-profissionais especializados; as obras e serviços de arquitetura e engenharia; e as contratações de tecnologia da informação e de comunicação. As contratações referentes à gestão das reservas internacionais do país, inclusive de serviços conexos ou assessórios, serão disciplinadas em ato normativo próprio do Banco Central, observados os princípios previstos no caput do art. 37 da Constituição Federal. Também não se subordinam ao novo regime licitatório as contratações sujeitas a normas previstas em legislação própria, tais como os serviços de publicidade e propaganda, bem como os contratos que tenham por objeto operações de crédito interno ou externo e gestão da dívida pública, aí incluídas as contratações de agente financeiro e de concessão de garantia relacionadas a tais contratos. Princípios e objetivos O novo regime licitatório deverá ser regido pelos seguintes princípios, já previstos na atual legislação (art. 5º): legalidade; impessoalidade; moralidade; igualdade; publicidade; probidade administrativa; vinculação ao instrumento convocatório; julgamento objetivo; e desenvolvimento nacional sustentável. Além disso, a Lei 14.133/2021 prevê de forma expressa a aplicação da Lei de Introdução ao Direito Brasileiro, bem como relaciona novos princípios (art. 5º): interesse público; eficiência; eficácia; planejamento; transparência; segregação de funções; motivação; segurança jurídica; razoabilidade; competitividade; proporcionalidade; celeridade; e economicidade. O conceito de princípio jurídico é um dos mais relevantes no mundo do Direito. Contudo, apesar de sua inegável relevância, ainda não existe uma unanimidade sobre esse conceito, inclusive no que concerne à distinção entre princípios e regras. No âmbito desta exposição, entender-se-ão por princípios as normas, explícitas ou implícitas, que determinam as diretrizes fundamentais a serem observadas quando da elaboração, interpretação, aplicação e integração das leis. Na esteira do pensamento de J. J. Canotilho, entendo que os princípios possuem características fundamentais que os distinguem1: a) elevado grau de abstração: estabelecem objetivos que devem ser alcançados, sem descrever em detalhes qual é o comportamento correto em cada situação específica; b) necessidade de regras para sua concretização: por serem vagos e indeterminados, carecem de mediações concretizadoras; c) desempenho de um papel fundamental na elaboração das demais normas, uma vez que definem fins juridicamente relevantes, cujo atingimento deve ser buscado por meio da adoção ou da vedação de comportamentos estipuladas nas regras; d) proximidade da ideia de direito: por estarem vinculados a essa ideia, os princípios seriam verdadeiros standards juridicamente vinculantes; e) natureza normogenética: fornecem os fundamentos para as regras. Cabe salientar que, com relativa frequência, vários princípios são aplicáveis às situações concretas com as quais se defrontam os gestores públicos. Nessas hipóteses, é necessário ponderar esses princípios, o que implica dizer que eles serão aplicados em graus diferentes, mas não serão afastados de todo. Ademais, a aplicação dos princípios demanda um processo de concretização sucessiva, até alcançar o grau de densidade próprio das regras (legais ou infralegais). Durante esse processo de densificação, será verificado o grau de aplicação de cada um deles. Um exemplo bastante frequente de ponderação de princípios ocorre na contratação direta, que pressupõe a relativização do Princípio da Impessoalidade, uma vez que não existe necessariamente um processo de seleção competitivo informado por esse princípio. A escolha é feita com base nas condições especiais de uma dada entidade, as quais a tornam a mais adequada para realizar a tarefa da qual será incumbida. Assim, na ponderação de princípios constitucionais, 1 CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Direito constitucional e Teoria da Constituição. 5ª ed. Coimbra: Amedina, 2002. p. 1144. preponderam os bens jurídicos envolvidos em cada situação tipificada em lei. 10 Esse tipo de escolha, combase na proteção de bens jurídicos variados, está consagrado no art. 75 da Lei 14.133/2021. Assim, por exemplo, o inciso VI do mencionado artigo prevê a dispensa de licitação quando houver possibilidade de comprometimento da segurança nacional, nos casos estabelecidos pelo Ministro de Estado da Defesa. Nessa hipótese, a necessidade de ser preservada a segurança do país prevalece sobre o Princípio da Impessoalidade. O Princípio da Impessoalidade não é afastado de todo, apenas não prepondera sobre os outros princípios e valores acima citados. A escolha feita pela Administração Pública não pode ser arbitrária, ao contrário, deve ser motivada, inclusive no que concerne à avaliação da capacidade da entidade que vier a ser selecionada para ser contratada. Todos esses procedimentos devem ser adotados levando em conta, inclusive, o princípio da motivação trazido pela própria lei. Assim, os princípios trazidos pela lei são compatíveis ou se identificam com os princípios gerais regedores da Administração Pública como um todo, em especial com aqueles previstos no caput do art. 37 da Constituição Federal. Haverá situações de contraposição entre eles, cuja solução consiste, não na exclusão de algum deles da ordem jurídica, mas de um adequado procedimento de ponderação, segundo o peso e importância de cada um. Ou seja, a solução será dada pelo caso concreto de acordo com as suas circunstâncias e com a máxima compatibilização possível dos valores envolvidos. Embora esses princípios sejam inter-relacionados e aplicáveis a diversas situações e momentos do procedimento licitatório, é possível, em linhas gerais, afirmar que as contratações devem ocorrer: a) em um ambiente em que sejam fornecidas iguais condições para todos quantos quiserem participar (princípio da igualdade); b) consoante os procedimentos previstos no instrumento convocatório (princípio da vinculação ao instrumento convocatório); c) de forma a serem evitados quaisquer favorecimentos ou preferências pessoais por parte dos administradores públicos (princípios da impessoalidade e do julgamento objetivo); 11 d) buscando-se a proposta mais vantajosa para a entidade e que melhor atenda ao interesse público (princípios da moralidade, da probidade administrativa, da eficiência e da economicidade). No que tange ao princípio da segregação de funções, sua ideia central consiste em separar funções, nomeadamente de autorização, aprovação, execução, controle e contabilização das operações. Nesse sentido, o art. 7º, §1º, da nova lei veda a designação do mesmo agente público para atuação simultânea em funções mais suscetíveis a riscos, de modo a reduzir a possibilidade de ocultação de erros e de ocorrência de fraudes na respectiva contratação. Tais disposições alinham-se com reiterados julgamentos do TCU sobre a segregação de funções nas contratações públicas, conforme precedentes abaixo exemplificados: “Viola o princípio da segregação de funções o exame dos aspectos legais que envolvem licitações e contratos efetuado por instância diretamente subordinada à área responsável pela contratação.” (Acórdão 1.682/2013-Plenário). “É vedado o exercício, por uma mesma pessoa, das atribuições de pregoeiro e de fiscal do contrato celebrado, por atentar contra o princípio da segregação das funções.” (Acórdão 1.375/2015-Plenário). “Solicitação de compra efetuada por comissão de licitação infringe o princípio de segregação de funções, que requer que a pessoa responsável pela solicitação não participe da condução do processo licitatório.” (Acórdão 4.227/2017-1ª Câmara). “A participação de servidor na fase interna do pregão eletrônico (como integrante da equipe de planejamento) e na condução da licitação (como pregoeiro ou membro da equipe de apoio) viola os princípios da moralidade e da segregação de funções.” (Acórdão 1.278/2020-1ª Câmara). É digno de nota a ausência de menção à seleção da proposta mais vantajosa como um dos princípios da licitação, o que pode ser perfeitamente suplantado pela inclusão dos princípios do interesse público, da competitividade e da economicidade. Por outro lado, a seleção da proposta mais vantajosa, inclusive no que se refere ao ciclo de vida do objeto, foi relacionado dentre os objetivos do processo licitatório (art. 11). 12 De acordo com o princípio da economicidade, a aferição da vantagem para a Administração será apurada não somente pelo imediato conteúdo econômico da proposta inicial, mas também por diversos outros fatores de cunho econômico verificáveis no decorrer da execução contratual e/ou quando da utilização dos bens adquiridos. Assim, os custos indiretos, relacionados com as despesas de manutenção, utilização, reposição, depreciação e impacto ambiental do objeto licitado, entre outros fatores vinculados ao seu ciclo de vida, poderão ser considerados para a definição do menor dispêndio, consoante previsão do art. 34, §1º, da lei. São objetivos do processo licitatório (art. 11): a) Assegurar a seleção da proposta apta a gerar o resultado de contratação mais vantajoso para a Administração Pública, inclusive no que se refere ao ciclo de vida do objeto; b) Assegurar tratamento isonômico entre os licitantes e a justa competição; c) Evitar contratações com sobrepreço ou com preços manifestamente inexequíveis e superfaturamento na execução do contrato; d) Incentivar a inovação e o desenvolvimento nacional sustentável. A lei estabelece que a alta administração do órgão ou entidade é responsável pela governança das contratações e deve implementar processos e estruturas, inclusive de gestão de riscos e controles internos, para avaliar, direcionar e monitorar os processos licitatórios e os respectivos contratos, com o intuito de alcançar tais objetivos, promover um ambiente íntegro e confiável, assegurar o alinhamento das contratações ao planejamento estratégico e às leis orçamentárias e promover eficiência, efetividade e eficácia em suas contratações (art. 11, parágrafo único). A Governança Pública pode ser entendida como o sistema que determina o equilíbrio de poder entre os envolvidos (cidadãos, representantes eleitos, alta administração, gestores e servidores) com vistas a permitir que o bem comum prevaleça sobre os interesses de pessoas ou grupos. Nesse sentido, a Governança Pública compreende a estrutura (administrativa, política, econômica, social, ambiental, legal) implementada visando a garantir que os resultados pretendidos pelas partes interessadas sejam adequadamente definidos e alcançados. 13 Cabe ressaltar que a governança no setor público compreende os mecanismos de liderança, estratégia e controle que são utilizados para avaliar, direcionar e monitorar a gestão pública, com vistas à condução de políticas e à prestação de serviços de interesse da sociedade. Nota-se que, por meio do estudo da governança pública, procura- se aprimorar o conhecimento sobre as condições que são necessárias para a existência de um Estado eficiente e eficaz. Cumpre destacar que essas condições econômicas, sociais e políticas condicionam a forma como o governo exerce o seu poder. Por fim, é importante observar a inclusão do incentivo à inovação como um dos objetivos almejados pela nova lei. A preocupação do legislador com o tema manifestou-se em diversas passagens da nova lei, como na possibilidade do estabelecimento de margem de preferência para os bens manufaturados nacionais e serviços nacionais resultantes de desenvolvimento e inovação tecnológica no país (art. 26, §2º). Cite-se, ainda, a criação da modalidade licitatória intitulada diálogo competitivo, a qual, dentre outras possibilidades, é destinada à contratação de objetos que envolvam alguma inovação tecnológica ou técnica. O incentivo à inovação também está presente na disposição do art. 81, §4º, prevendo o uso restrito do Procedimento de Manifestação de Interesse para startups, “assim considerados os microempreendedores individuais,as microempresas e as empresas de pequeno porte, de natureza emergente e com grande potencial, que se dediquem à pesquisa, ao desenvolvimento e à implementação de novos produtos ou serviços baseados em soluções tecnológicas inovadoras que possam causar alto impacto, exigida, na seleção definitiva da inovação, validação prévia fundamentada em métricas objetivas, de modo a demonstrar o atendimento das necessidades da Administração”. 3. Responsabilização segundo a Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro (LINDB) A Lei 13.655/2018 introduziu diversas modificações na Lei de Introdução ao Direito Brasileiro, Decreto-Lei 4.657/1942 (LINDB). Algumas disposições da norma chamam a atenção por buscarem propiciar maior segurança jurídica aos gestores públicos em sua atuação: 14 “Art. 22. Na interpretação de normas sobre gestão pública, serão considerados os obstáculos e as dificuldades reais do gestor e as exigências das políticas públicas a seu cargo, sem prejuízo dos direitos dos administrados. § 1º Em decisão sobre regularidade de conduta ou validade de ato, contrato, ajuste, processo ou norma administrativa, serão consideradas as circunstâncias práticas que houverem imposto, limitado ou condicionado a ação do agente.” Busca-se também propiciar maior segurança jurídica aos particulares em sua relação com a máquina estatal: “Art. 23. A decisão administrativa, controladora ou judicial que estabelecer interpretação ou orientação nova sobre norma de conteúdo indeterminado, impondo novo dever ou novo condicionamento de direito, deverá prever regime de transição quando indispensável para que o novo dever ou condicionamento de direito seja cumprido de modo proporcional, equânime e eficiente e sem prejuízo aos interesses gerais.” “Art. 24. A revisão, nas esferas administrativa, controladora ou judicial, quanto à validade de ato, contrato, ajuste, processo ou norma administrativa cuja produção já se houver completado levará em conta as orientações gerais da época, sendo vedado que, com base em mudança posterior de orientação geral, se declarem inválidas situações plenamente constituídas.” Recentes alterações legislativas têm procurado delinear melhor as condutas dos agentes públicos que ensejam a aplicação de sanções. Nesse sentido, a Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro (com redação dada pela Lei 13.655/2018) trouxe a seguinte disposição: “Art. 28. O agente público responderá pessoalmente por suas decisões ou opiniões técnicas em caso de dolo ou erro grosseiro.” A norma parece limitar o conceito de culpa àquelas de maior gravidade, afastando a responsabilização dos agentes públicos por culpa leve. A visão do Tribunal sobre o que vem a ser erro grosseiro para os propósitos da norma foi originalmente adotada no Acórdão 2.391/2018- Plenário, de minha relatoria. 15 Na ocasião, o Tribunal decidiu que o erro grosseiro “é o que decorreu de uma grave inobservância de um dever de cuidado, isto é, que foi praticado com culpa grave”. Considerando que a decisão foi o leading case do TCU sobre o tema, mostra-se interessante expor a ratio decidendi dessa deliberação. Segundo o art. 138 do Código Civil, o erro, sem nenhum tipo de qualificação quanto à sua gravidade, é aquele “que poderia ser percebido por pessoa de diligência normal, em face das circunstâncias do negócio” (grifo acrescido). Se ele for substancial, nos termos do art. 139, torna anulável o negócio jurídico. Se não, pode ser convalidado. Tomando como base esse parâmetro, o erro leve é o que somente seria percebido e, portanto, evitado por pessoa de diligência extraordinária, isto é, com grau de atenção acima do normal, consideradas as circunstâncias do negócio. O erro grosseiro, por sua vez, é o que poderia ser percebido por pessoa com diligência abaixo do normal, ou seja, que seria evitado por pessoa com nível de atenção aquém do ordinário, consideradas as circunstâncias do negócio. Dito de outra forma, o erro grosseiro é o que decorreu de uma grave inobservância de um dever de cuidado, isto é, que foi praticado com culpa grave. A interpretação do TCU foi posteriormente veiculada no Decreto 9.830, de 10 de junho de 2019, que ao regulamentar os arts. 20 a 30 da LINDB, estatuiu, no § 1º do art. 12, que o erro grosseiro seria: “[...] aquele manifesto, evidente e inescusável praticado com culpa grave, caracterizado por ação ou omissão com elevado grau de negligência, imprudência ou imperícia”. Para fins didáticos, o tema pode ser resumido da seguinte forma: 16 A ausência de reprovabilidade mínima na conduta pode afastar a responsabilização do agente público: “o responsável atuou de boa-fé, no sentido de executar a missão que lhe fora atribuída e que a sua possível culpa pelo resultado malogrado não tem gravidade suficiente para determinar o julgamento pela irregularidade das contas com imputação de débito [...] não considero justo o Tribunal responsabilizar um gestor público por uma falha gerencial, sem ponderar adequadamente as circunstâncias em que se deram os atos questionados bem como todas as nuances da sua conduta,... ainda que desse ato tenha resultado eventual prejuízo ao erário, se não identificados na sua conduta elementos de negligência, imprudência ou imperícia, como me parece ser o caso destes autos. [...] os gestores agiram de boa-fé e foram diligentes na busca pela regular execução do contrato. Há de registrar que cabia aos gestores controlarem a atuação de mais de 260 funcionários e as falhas apontadas limitam-se a uma ínfima parte desse total. Por outro lado, a empresa contratada, segundo os autos, agiu com desídia e falta de compromisso na execução de suas obrigações, exigindo enérgica atuação por parte dos gestores e, provavelmente, dificultando os trabalhos dos responsáveis, que tiveram que se preocupar com falhas referentes a simples rotina do hospital, como a utilização inadequada de produtos de limpeza.” (Grifou-se; voto condutor do Acórdão 1.160/2016- Plenário). 4. A atuação dos agentes públicos Ao tratar dos agentes administrativos envolvidos com as contratações públicas, a Lei 8.666/1993 previa a existência de duas personagens: a autoridade competente e os membros da comissão de licitação. Em regra, a autoridade competente era a responsável pela licitação e pelo contrato, ou seja, incumbia a ela, dentre outras coisas, assinar o edital – trazendo para si a responsabilidade pelo conteúdo do instrumento convocatório –, designar a comissão de licitação, avaliar os atos praticados por esses agentes, homologar o procedimento, assinar o contrato e responder às impugnações e aos recursos. À comissão de licitação, órgão colegiado, incumbiam atividades executivas, isto é, examinar as propostas e a documentação de habilitação das interessadas. Esse cenário sofreu modificações com a introdução do pregão (Lei 10.520/2002). De modo geral, o papel da autoridade competente manteve-se intacto, mas a comissão de licitação foi substituída pela figura do pregoeiro. De imediato, houve a concentração de poderes e de atribuições em uma única pessoa. Porém, para mitigar essa constatação, passou-se a prever a existência de uma equipe de apoio, responsável por dar suporte às atividades do pregoeiro. A Lei 14.133/2021 trouxe algumas novidades nesse arranjo, em que pese mantenha a noção do que viria a ser a autoridade competente (autoridade: agente público dotado de poder de decisão, conforme inciso VI do artigo 6º da Lei 14.133/2021). Nem sempre a autoridade competente corresponde ao ordenador de despesas, vai depender do regulamento interno dos órgãos e entidades. Como novidade, é importante ressaltar que o legislador previu requisitos mínimos para investidura dos agentes públicos responsáveis pelo desempenho das funções essenciais à execução das licitações. Isso mostra uma evidente preocupação do legislador com a governança das contratações e dos contratosadministrativos. Dito de outro modo, a legislação induz à promoção da gestão por competências e fomenta a profissionalização da administração pública. Exige-se dos agentes públicos que: I – sejam, preferencialmente, servidor efetivo ou empregado público dos quadros permanentes da Administração Pública; II - tenham atribuições relacionadas a licitações e contratos ou possuam formação compatível ou qualificação atestada por certificação profissional emitida por escola de governo criada e mantida pelo poder público; e III – não sejam cônjuge ou companheiro de licitantes ou contratados habituais da Administração nem tenham com eles vínculo de parentesco, colateral ou por afinidade, até o terceiro grau, ou de natureza técnica, comercial, econômica, financeira, trabalhista e civil. As disposições anteriores também se aplicam aos integrantes dos órgãos de assessoramento jurídico e de controle interno. Com base no princípio da segregação de funções, há vedação para designação do mesmo agente público para atuação simultânea nas funções mais suscetíveis a riscos, de modo a reduzir a possibilidade de ocultação de erros e de ocorrência de fraudes na contratação (arts. 5º e 7º, §1º). Embora salutar em temos de mitigação de riscos e incremento dos mecanismos de controle, tal disposição pode provocar dificuldades administrativas para alguns órgãos, notadamente os que dispõem de menor estrutura de pessoal. Foi prevista a criação da função de agente de contratação, responsável pela condução do certame licitatório, que poderá ser substituído por uma comissão de contratação em licitações de bens e serviços especiais, formada de, no mínimo, três membros (art. 8º). Dito de outro modo: em regra, a licitação será conduzida por um agente administrativo apenas, denominado na Lei 14.133/2021 de agente de contratação ou pregoeiro; em situações excepcionais, quando o objeto da licitação for qualificado como especial, permite-se que a licitação seja conduzida por um grupo de agentes públicos, denominado de comissão de contratação. Verdade seja dita: não há diferença entre a atuação do agente de contratação e a do pregoeiro, tanto que a figura do pregoeiro foi prevista uma única vez na Lei 14.133/2021 (§5º do artigo 8º: “Em licitação na modalidade pregão, o agente responsável pela condução do certame será designado pregoeiro”). O objeto do pregão ainda continua sendo a contratação de bens e serviços comuns, mas não se vislumbra razão para a manutenção dessas duas figuras, como se desempenhassem papeis distintos. Dito de outro modo: como não há normas específicas sobre a atuação do pregoeiro e como a figura dele é equivalente à do agente de contratação, presume-se que sua atuação está sujeita às mesmas normas, condicionantes e requisitos exigidos para os agentes de contratação. Nem mesmo o artigo 6º da Lei 14.133/2021 traz a definição de pregoeiro, a despeito de haver detalhamento dos conceitos de agente e de comissão de contratação. Portanto, aplica-se ao pregoeiro a definição legal do agente de contratação constante no art. 6º, inciso LX, da Lei 14.133/2021: “pessoa designada pela autoridade competente, entre servidores efetivos ou empregados públicos dos quadros permanentes da Administração Pública, para tomar decisões, acompanhar o trâmite da licitação, dar impulso ao procedimento licitatório e executar quaisquer outras atividades necessárias ao bom andamento do certame até a homologação”. O agente de contratação será auxiliado por equipe de apoio e responderá individualmente pelos atos que praticar, salvo quando induzido a erro pela atuação da equipe. No caso dos integrantes da comissão de contratação, do mesmo modo que ocorria em relação à comissão de licitação (§3º do artigo 51 da Lei 8.666/1993), estes responderão solidariamente por todos os atos praticados pela comissão, ressalvado o membro que expressar posição individual divergente fundamentada e registrada em ata lavrada na reunião em que houver sido tomada a decisão. A lei reservou para posterior regulamentação as regras relativas à atuação do agente de contratação e da equipe de apoio, ao funcionamento da comissão de contratação e à atuação de fiscais e gestores de contratos, cabendo a previsão da possibilidade de eles contarem com o apoio dos órgãos de assessoramento jurídico e de controle interno para o desempenho de suas funções. Em licitação que envolva bens ou serviços especiais cujo objeto não seja rotineiramente contratado pela Administração, poderá ser contratado, por prazo determinado, serviço de empresa ou de profissional especializado para assessorar os agentes públicos responsáveis pela condução da licitação. O art. 9º da lei traz um rol de vedações aos agentes que atuam nas contratações governamentais. São elas: I – admitir, prever, incluir ou tolerar, nos atos que praticar, situações que: a) comprometam, restrinjam ou frustrem o caráter competitivo do processo licitatório, inclusive nos casos de participação de sociedades cooperativas; b) estabeleçam preferências ou distinções em razão da naturalidade, da sede ou do domicílio dos licitantes; c) sejam impertinentes ou irrelevantes para o objeto específico do contrato; II – estabelecer tratamento diferenciado de natureza comercial, legal, trabalhista, previdenciária ou qualquer outra entre empresas brasileiras e estrangeiras, inclusive no que se refere à moeda, à modalidade e ao local de pagamento, mesmo quando envolvido financiamento de agência internacional; III – opor resistência injustificada ao andamento dos processos e, indevidamente, retardar ou deixar de praticar ato de ofício, ou praticá-lo contra disposição expressa em lei. Não poderá participar, direta ou indiretamente, da licitação ou da execução do contrato agente público de órgão ou entidade licitante ou contratante, devendo serem observadas as situações que possam configurar conflito de interesses no exercício ou após o exercício do cargo ou emprego, nos termos da legislação que disciplina a matéria. O art. 10 inova ao prever que a advocacia pública, ressalvando o caso de prática de atos ilícitos dolosos, poderá promover a representação judicial ou extrajudicial dos agentes públicos caso estes precisem se defender nas esferas administrativa, controladora ou judicial em razão de ato praticado com estrita observância de orientação constante em parecer jurídico. A respeito do parecer jurídico, o art. 53 da lei detalhou a matéria, prevendo que, ao final da fase preparatória, o processo licitatório seja apreciado pelo órgão de assessoramento jurídico da Administração, que realizará controle prévio de legalidade mediante análise jurídica da contratação. Trata-se de outra novidade da nova lei, considerando que a Lei 8.666/1993 somente impunha, nessa etapa, a análise da minuta do edital, nos exatos termos do art. 38, parágrafo único, da norma. A partir da nova lei, o parecer jurídico deve contemplar a análise jurídica de todos os documentos que compõem a fase preparatória, que serão analisados sob a perspectiva do cumprimento das normas aplicáveis à matéria. O parecer deve apreciar o processo licitatório conforme critérios objetivos prévios de atribuição de prioridade, bem como ser redigido em linguagem simples e compreensível e de forma clara e objetiva, com apreciação de todos os elementos indispensáveis à contratação e com exposição dos pressupostos de fato e de direito levados em consideração na análise jurídica. 5. Jurisprudência do TCU Responsabilidade de parecerista jurídico O Tribunal tem jurisprudência no sentido de que o parecerista jurídico pode ser responsabilizado solidariamente com os gestores por irregularidades ou prejuízos ao Erário, conforme os Acórdãos 190/2001, 19/2002, 1.161/2010 e 40/2013, todos do Plenário. Como se percebe, esse entendimento foi construído na vigência da Lei 8.666/1993, mas, mesmo com a entrada em vigor da NLLC, nãose vislumbram razões para modificar essa posição tradicional do Tribunal. A possibilidade de o TCU responsabilizar pareceristas foi confirmada pelo Supremo Tribunal Federal no âmbito do Mandado de Segurança 24.584-1/DF, em especial quando da emissão de parecer em consulta obrigatória. Porém, ainda que a natureza opinativa do parecer jurídico afaste, em regra, a responsabilidade de seu emitente, há alguns casos em que o Tribunal entendeu que a responsabilidade deveria subsistir, caso se demonstrasse culpa ou erro grosseiro (Acórdão 1.656/2015-Plenário, Rel. Min. Marcos Bemquerer). Responsabilidade pelo acúmulo irregular de funções licitatórias (segregação de funções) A participação de servidor na fase interna do pregão eletrônico (como integrante da equipe de planejamento) e na condução da licitação (como pregoeiro ou membro da equipe de apoio) viola os princípios da moralidade e da segregação de funções (Boletim de Jurisprudência 299/2020). Nos contratos de soluções de tecnologia da informação, o atesto de faturas por parte do gestor do contrato, sem a manifestação do fiscal técnico quanto à avaliação dos serviços executados ou dos bens entregues, viola o art. 34, incisos II e III, da IN-SLTI 4/2014, bem como o princípio da segregação de funções (Boletim de Jurisprudência 197/2017). Responsabilidade do superior hierárquico quando se baseia em pareceres técnicos Não cabe a responsabilização de dirigente de órgão ou entidade por irregularidade que só poderia ser detectada mediante completa e minuciosa revisão dos atos praticados pelos subordinados, sobretudo na presença de pareceres técnico e jurídico recomendando a prática do negócio jurídico, salvo quando se tratar de falha grosseira ou situação recorrente, que impede o reconhecimento da irregularidade como caso isolado (Boletim de Jurisprudência 272/2019). A decisão adotada com base em pareceres técnicos não afasta, por si só, a responsabilidade da autoridade hierarquicamente superior por atos considerados irregulares, uma vez que o parecer técnico não vincula o gestor, que tem a obrigação de examinar a sua correção, em razão do dever legal de supervisão que lhe cabe (Boletim de Jurisprudência 151/2016). A aprovação de projeto básico que não atenda ao disposto no art. 6º, inciso IX, e no art. 12 da Lei 8.666/1993 pode ensejar a responsabilização dos pareceristas da área técnica que endossaram o projeto (Boletim de Jurisprudência 125/2016). A responsabilização do gestor que age com base em parecer técnico deve estar fundamentada em prova concreta e objetiva de que o parecer apresentava falhas perceptíveis por qualquer administrador de conhecimento mediano, especialmente quando emitido no exercício regular das funções do técnico e não por delegação de competência (Boletim de Jurisprudência 108/2015). O dirigente que assina peça técnica em licitação (termo de referência ou, em sua ausência, instrumento convocatório), sem que sua conduta seja precedida, acompanhada ou mesmo subsidiada por pareceres técnicos, avoca para si a responsabilidade por eventuais irregularidades constatadas (Boletim de Jurisprudência 90/2015). A homologação de certame licitatório é ato administrativo de alta relevância, porquanto se trata do momento em que a autoridade competente tem o poder-dever de verificar a legalidade dos atos praticados e avaliar a conveniência da contratação. Não é um ato de simples anuência com os da comissão de licitação, ainda que lastreados em parecer jurídico (Boletim de Jurisprudência 58/2014). Responsabilidade da comissão de licitação Não cabe à comissão de licitação avaliar o conteúdo da pesquisa de preços realizada pelo setor competente do órgão, pois são de sua responsabilidade, em regra, apenas os atos relacionados à condução do procedimento licitatório (Informativo de Licitações e Contratos 387/2020). Deficiências de experiência e de capacitação para o exercício de suas atribuições não são causas excludentes de culpabilidade de membros de comissões de licitação, os quais podem ser responsabilizados solidariamente quando não agem com os devidos zelo e diligência e ocasionam grave ofensa ao ordenamento jurídico (Boletim de Jurisprudência 277/2019). Membros de comissão de licitação não devem ser responsabilizados por sobrepreço ou superfaturamento decorrente de orçamento estimativo com preços acima de mercado, salvo se houver prova de que tenham participado da elaboração do orçamento (Boletim de Jurisprudência 277/2019). Eventual erro de cálculo que leve à desclassificação indevida de proposta por inexequibilidade de preço (art. 48, §1º, da Lei 8.666/1993) deve ser atribuído à comissão de licitação, e não à autoridade responsável pela homologação do certame. Não é razoável esperar que tal autoridade refaça o trabalho de responsabilidade de outrem a fim de assegurar-se do acerto da desclassificação de proposta tida por inexequível (Boletim de Jurisprudência 257/2019). A irregularidade concernente à realização de certame licitatório sem prévio estudo de impacto ambiental não deve ser imputada aos integrantes da comissão de licitação, porquanto suas competências são meramente executórias e consistem, basicamente, na efetivação dos procedimentos necessários à habilitação e à classificação de propostas, conforme se depreende da Lei 8.666/1993 (Boletim de Jurisprudência 177/2017). Irregularidades inerentes à etapa de planejamento da contratação não podem ser imputadas aos integrantes da comissão de licitação designada para a fase de condução do certame (Boletim de Jurisprudência 90/2015). A falta ou a insuficiência de verificação e análise dos documentos apresentados pelos licitantes configura negligência no desempenho das atribuições da comissão de licitação e infração ao princípio da eficiência, respondendo os seus membros solidariamente por todos os atos por ela praticados (Boletim de Jurisprudência 30/2014). Responsabilidade do pregoeiro Exigências para habilitação são inerentes à etapa de planejamento da contratação, razão pela qual irregularidades apuradas nessa fase não devem ser imputadas a pregoeiro ou a membros de comissão de licitação, designados para a fase de condução do certame (Boletim de Jurisprudência 261/2019). Não cabe ao pregoeiro avaliar o conteúdo da pesquisa de preços realizada pelo setor competente do órgão, pois são de sua responsabilidade, em regra, apenas os atos relacionados à condução do procedimento licitatório (Acórdão 1.372/2019-Plenário, de minha relatoria). O pregoeiro não pode ser responsabilizado por irregularidade em edital de licitação, já que sua elaboração não se insere no rol de competências que lhe foram legalmente atribuídas. No entanto, imputa- se responsabilidade a pregoeiro, quando contribui com a prática de atos omissivos e comissivos, na condução de certame cujo edital contenha cláusulas sabidamente em desacordo com as leis de licitações públicas, porque compete ao pregoeiro, na condição de servidor público, caso tenha ciência de manifesta ilegalidade, recusar-se ao cumprimento do edital e representar à autoridade superior (art. 116, incisos IV, VI e XII e parágrafo único, da Lei 8.112/90) (Acórdão 1.729/2015-1ª Câmara, Rel. Min. Bruno Dantas). A prática de atos irregulares por pregoeiro pode ensejar a apenação da autoridade que homologou o certame, quando tais irregularidades são facilmente constadas a partir da análise isolada da ata do pregão (Acórdão 3.785/2013-2ª Câmara, Rel. Min. José Jorge). O pregoeiro não deve ser responsabilizado pela ausência, no edital, de critérios objetivos para a desclassificação de propostas, uma vez que não lhe cabe a elaboração do edital e do termo de referência (art. 9º, § 2º, do Decreto 5.450/2005). No entanto, pode ele responder por adotar critérios de iniciativa própria (Acórdão 2.692/2019-1ª Câmara, Rel. Min. Bruno Dantas). Responsabilidade da equipe de apoioA responsabilidade dos integrantes da equipe de apoio ao pregoeiro somente emerge se agirem com dolo, cumprirem ordem manifestamente ilegal ou deixarem de representar à autoridade superior na hipótese de terem conhecimento de ilegalidade praticada pelo pregoeiro, uma vez que os membros da equipe dão suporte a este, mas não praticam atos decisórios e não avaliam questões de mérito do certame, cuja competência é do pregoeiro (Acórdão 3.178/2016-Plenário, Rel. Min. Ana Arraes). Os integrantes da equipe de apoio não possuem poder decisório, portanto, em regra, não respondem pelas decisões adotadas pelo pregoeiro (Acórdão 10.041/2015-2ª Câmara, Rel. Marcos Bemquerer). Responsabilidade do fiscal O fiscal de contrato, especialmente designado para o acompanhamento da obra, pode ser responsabilizado quando se omite na adoção de medidas necessárias à manutenção do ritmo de execução normal do empreendimento (Boletim de Jurisprudência 284/2019). O fiscal do contrato não pode ser responsabilizado caso não lhe sejam oferecidas condições apropriadas para o desempenho de suas atribuições. Na interpretação das normas de gestão pública, deverão ser considerados os obstáculos e as dificuldades reais do gestor e as exigências das políticas públicas a seu cargo (art. 22, caput, do Decreto-lei 4.657/1942 - Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro) (Boletim de Jurisprudência 263/2019). O fato de haver assessoramento de terceiros para auxiliar o fiscal de contrato não afasta a sua responsabilidade pelo atesto de serviços que posteriormente se revelem executados com imperfeições [...] (Boletim de Jurisprudência 194/2017). O fiscal do contrato tem o dever de conhecer os limites e as regras para alterações contratuais definidos na Lei de Licitações, e, por conseguinte, a obrigação de notificar seus superiores sobre a necessidade de realizar o devido aditivo contratual, evitando a atestação da execução de itens não previstos no ajuste, sob pena de ser-lhe aplicada a multa do art.58, inciso II, da Lei 8.443/92 (Boletim de Jurisprudência 68/2015). Responsabilidade solidária daquele que designa o fiscal do contrato e não lhe dá os meios necessários para o exercício das suas atribuições (Informativo de Licitações e Contratos 6/2010). Responsabilidade do gestor do contrato O gestor de contrato responde por nepotismo ao não coibir a admissão de familiar seu por empresa prestadora de serviço terceirizado em contratações sob a sua fiscalização, por afronta aos princípios da moralidade e da impessoalidade (Boletim de Jurisprudência 196/2017). Os gestores das áreas responsáveis por conduzir licitações devem autuar processo administrativo com vistas à apenação das empresas que praticarem, injustificadamente, na licitação, na contratação ou na execução contratual, ato ilegal tipificado no art.7º da Lei 10.520/2002, sob pena de responsabilização (Boletim de Jurisprudência 77/2015). Responsabilidade de agentes políticos Como regra, o TCU não imputa responsabilidade financeira a agentes políticos, quando eles não praticam atos de gestão. Todavia, há determinadas circunstâncias que podem levar à responsabilização de tais agentes, como se verificam nos precedentes a seguir: - Irregularidades materialmente relevantes e abrangentes “Não cabe imputação de responsabilidade a agentes políticos quando não há a prática de atos administrativos de gestão, exceto se as irregularidades tiverem um caráter de tal amplitude e relevância que, no mínimo, fique caracterizada grave omissão no desempenho de suas atribuições de supervisão hierárquica.” (Acórdão 760/2015-Plenário. Relator: Ministro- Substituto Marcos Bemquerer; Acórdãos nº 1.625/2015-Plenário. Relator: Ministro-Substituto Marcos Bemquerer). - Erro grosseiro e culpa grave na celebração de convênio “A existência de pareceres técnico e jurídico não exime a responsabilidade de agente político que, ao assinar convênio, permite o repasse de verbas federais a objeto não elegível pela política pública sobre a qual tem a obrigação precípua de promover e zelar, pois caracteriza conduta com erro grosseiro e culpa grave.” (Acórdão 11.069/2019-1ª Câmara, de minha relatoria). - Conhecimento das irregularidades ou omissão grave “A imputação de responsabilidade a agente político é possível, razoável e necessária nos casos em que tenha contribuído de alguma forma para as irregularidades, em que delas tinha conhecimento, ou, ainda, em que houve alguma omissão grave de sua parte.” (Acórdão 2.922/2013-Plenário. Relator: Ministro José Jorge). Responsabilização financeira de particulares estranhos à administração pública Em um primeiro momento, a jurisprudência do TCU consolidou-se no sentido de que a condenação em débito de empresa contratada somente era possível na hipótese de haver atos ilícitos praticados por servidores públicos, ensejando a responsabilidade solidária com a contratada (Acórdão 479/2010-Plenário e Acórdão 550/2010-Plenário, ambos de minha revisão, dentre outros). Posteriormente, o TCU reviu o seu posicionamento, passando a admitir a condenação em débito de pessoa jurídica privada por danos cometidos ao Erário sem a imputação de solidariedade com agentes da administração pública. Tal mudança ocorreu a partir da edição do Acórdão nº 946/2013- Plenário (de minha relatoria), quando se decidiu que “o agente particular que tenha dado causa a dano ao erário está sujeito à jurisdição do Tribunal de Contas da União, independentemente de ter atuado em conjunto com agente da Administração Pública, conforme o art. 71, inciso II, da Constituição Federal. Cabe ao TCU delimitar as situações em que os particulares estão sujeitos a sua jurisdição”. Obrigado!