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DEPARTAMENTO DE EDUCAÇÃO CAMPUS XIII - ITABERABA-BA IDENTIDADE NA CABEÇA: ACEITAÇÃO DO CABELO E EMPODERAMENTO DA MULHER NEGRA EM FILHA DO FOGO, DE ELIZANDRA SOUZA Celio Roberto dos Santos1 Géssica Fontes Oliveira2 Michel Santos Sampaio3 Shaiane Nascimento Serra4 RESUMO Este paper objetiva analisar o conto “Afagos”, de Elizandra Souza. Sendo seu primeiro livro de prosa, Filha do Fogo reúne doze contos de amor e cura, simbolizando os ministros de Xangô, orações que são encontradas nas religiões de matrizes africanas, a qual a autora segue. Nesse contexto, estudamos, no conto mencionado, a aceitação do cabelo naturalmente crespo e o empoderamento da mulher negra na sociedade. A pesquisa é documental, apoiando-se principalmente nas teorias de bell hooks (2008) e Nilma Lino Gomes (2007) sobre o feminismo negro e o antirracismo. Palavras-chave: Cabelo; Identidade; Aceitação; Racismo; Empoderamento. 1 INTRODUÇÃO Filha do fogo: 12 contos de amor e cura (2020), de Elizandra Souza, é o primeiro livro em prosa assinado pela autora e constitui um belíssimo volume, com capa assinada por Vanessa Ferreira e projeto gráfico de Silvana Martins, sendo revisado por Luciana Moreno, as quais expressaram, com precisão, o temário abordado nas narrativas, que estão longe de ser uma “aventura literária” de uma autora que, após dedicar-se à poesia, decidiu lançar-se à prosa por quaisquer razões arbitrárias, pois trata-se da obra de uma escritora madura que, conhecedora da vastidão do fazer literário, pode dedicar-se a diferentes gêneros com igual competência. A ancestralidade está muito presente nos contos, e segundo a autora, dentro de Filha do fogo, há muita memória afetiva ficcionada dos avós dela. Estão presentes nos contos também, os vocábulos de origem africana, além disso, Elizandra Souza se diz apaixonada por nomes 1 Discente do curso de letras vernáculas. 5º semestre, Universidade do Estado da Bahia - UNEB, celiodss26@gmail.com 2 Discente do curso de letras vernáculas, 5º semestre, Universidade do Estado da Bahia – UNEB, gessikafontes22@gmail.com 3 Discente do curso de letras vernáculas, 5º semestre, Universidade do Estado da Bahia – UNEB, michelsampaio36@gmail.com 4 Discente do curso de letras vernáculas, 5º semestre, Universidade do Estado da Bahia – UNEB, nascimentoshay@gmail.com DEPARTAMENTO DE EDUCAÇÃO CAMPUS XIII - ITABERABA-BA africanos e, de acordo com ela, a escolha do nome da personagem Iná foi muito interessante, uma vez que a autora queria um nome que significasse “fogo”, então encontrou o significado em iorubá que é Iná. Desse modo, a seleção dessas narrativas se deu, segundo a escritora, através de vivências e relatos de mulheres pretas. Em Filha do fogo destaca-se também a presença marcante dos mais velhos e sua importância para ensinar, alegrar, curar, sugerindo, mais uma vez, que a ancestralidade é um dos pilares de sustentação da literatura de Elizandra Souza. Nascida na periferia de São Paulo, em 1983, Elizandra Souza viveu dos dois aos treze anos de idade em uma cidade localizada no interior da Bahia chamada Nova Soure, terra natal dos seus pais. No ano de 1996, retornou à capital paulista e conheceu o hip-hop através do seu primo. É poeta, jornalista, editora e escritora de diversos livros sobre a experiência e o cotidiano nas comunidades periféricas. Iniciou sua escrita com diários, mas começou a expor seus trabalhos com fanzines chamados Mijba5, que durou de 2001 a 2005. Os fanzines eram feitos com recortes, trechos de poesias, resumos de livros e indicações de shows. Em 2004, começou a frequentar saraus onde passou a escrever mais e recitar sempre novas poesias. Elizandra Souza iniciou sua carreira em 2007 com o livro Punga, feito em coautoria com Akins Kintê. Desde então, publicou outros livros como Filha do Fogo: 12 contos de amor e cura (2020), Águas da Cabaça (2012). É também editora dos livros do Coletivo Mjiba: Pretextos de Mulheres Negras (2013), Terra Fértil (2014) e Literatura Negra Feminina – Poemas de Sobre (Vivências) (2021). É Coorganizadora de Narrativas Pretas – Antologia Poética do Sarau das Pretas (2020). Participou do Festival Internacional de Poesia em Havana (Cuba), em 2016, do Congresso LASA / Nuestra América: Justice and Inclusion em Boston (EUA), em 2019 e da Conferência Lozano Long – Contribuições Intelectuais das Mulheres Negras para as Américas: Perspectivas do Sul na Universidade do Texas em Austin (EUA), em 2020. Tendo em vista que o preconceito e a discriminação são barreiras invisíveis para determinadas culturas e que a aceitação do cabelo crespo se apresenta como ato de superar o impacto negativo desempenhado pela sociedade, este texto tem comoobjetivo desenvolver uma reflexão sobre a identidade da mulher negra, representada através do cabelo, com base na personagem Dara, do conto “Afagos”, inserido no livro Filha do fogo, a fim de compreender como ele se tornou um símbolo de empoderamento. Para realizar a análise da temática, foi adotada como estratégia a pesquisa qualitativa, documental, além do uso de teorias de 5 Faz referência à palavra da língua Chona, do Zimbabué, e carrega como significado a ideia de jovens mulheres revolucionárias, muitas delas guerrilheiras combatentes da guerra de libertação colonial. DEPARTAMENTO DE EDUCAÇÃO CAMPUS XIII - ITABERABA-BA estudiosos que discursam contrapondo-se ao racismo e abordando o feminismo negro, em especial as autoras bell hooks, que defende, em suas obras, a luta contra o sexismo e o preconceito racial, e Nilma Lino Gomes que também discute o antirracismo e percebe o corpo e o cabelo como símbolos da cultura e identidade negra. 2 “AFAGOS”: DISCRIMINAÇÕES, INSEGURANÇAS E ACEITAÇÃO No conto Afagos, Elizandra Souza é determinada ao evidenciar o racismo, medo, inseguranças e, por fim, o orgulho e empoderamento da mulher preta. Como uma grande parte da população de mulheres pretas não sentem orgulho dos seus cabelos cacheados e sonham em ter cabelos lisos, com a personagem Dara não era diferente: “Na época era um sonho ter meu cabelo levado pelo vento, más ele vivia preso que nem um pitbull” (SOUZA, 2020, p. 34). É muito claro, na narração dos conflitos da protagonista Dara, o desejo de ter seus cabelos lisos como o da sua professora que tanto admirava, pois não gostava de seu tipo de cabelo. Tudo isso é desencadeado por situações de discriminação racial, a começar por uma pessoa pela qual tinha grande admiração, a sua professora: “Eu a achava linda com seus cabelos longos e lisos” e tentava chamar sua atenção, “mas ela não olhava nos meus olhos e me atendia com má vontade” (SOUZA, 2020, p. 34). A narradora relata um momento da sua infância em que ela se encontrava no ambiente escolar, o qual deveria ser um espaço de agregações, entretanto ocorre o oposto, sofrendo humilhação e discriminação racial: Meu nome significa “a mais bela” e era como eu me sentia se essa cena fosse congelada. Pela primeira vez, a profi tocou em meus cabelos com as pontas dos dedos, como se eu a espetasse. Ela soltou as minhas marias-chiquinhas, desfez minhas tranças e saiu à procura de algum inquilino. Para sua decepção e frustração, eu não tinha nenhum. Até hoje, eu não entendo por que ela só olhou o meu cabelo. Ela não podia ter feito aquilo comigo, ainda mais na frente de todos. Eu olhava para os demais alunos e eles riam. Eu ouvia as gargalhadas daquelas meninas de cabelos lisos e soltos, a profi deveria verificar os cabelos delas que estavam mais propícios à proliferação de piolhos do que o meu, que sempre estava preso. (SOUZA, 2020, p. 76). Dara é a representação de outrascrianças que já foram ou ainda são subjugadas a situações de constrangimentos por manter os cabelos crespos. O conto também retrata lembranças de sofrimentos que a pequena protagonista passava ao ter seus cabelos penteados por sua mãe, desencadeando, com isso, um processo de rejeição ao toque em seus cabelos. O significado do cabelo para a protagonista de Afagos era tão importante que as situações de discriminações na infância fizeram com que ela não gostasse de si mesma e DEPARTAMENTO DE EDUCAÇÃO CAMPUS XIII - ITABERABA-BA tentasse se encaixar, com muita dificuldade, em um padrão de beleza muito diferente do dela, além disso, ela cresceu impedindo todos de tocar em seu cabelo, admitindo que ali era seu ponto fraco e que a incomodava. A autora destaca que todas essas inseguranças que as mulheres pretas sofrem em relação ao seu cabelo são resultado de uma sociedade tóxica e com pensamentos ultrapassados, na qual um padrão de cabelo liso é consequência de uma minoria que não inclui nem aceita características da maior parte da população diante das condições que compõem e modelam o ideal de beleza. Dessa forma, como a personagem não se achava bonita, acaba optando por métodos como chapinha e alisamentos, para se sentir bela e aceitável. As inseguranças de Dara ficam explícitas quando conhece Jawari, por quem se apaixona, uma vez que começa a ter “suas feridas” cutucadas por seu amado. No início, ela não se sente nem um pouco confortável, mas logo entende qual a mensagem que ele quer lhe transmitir. Com o decorrer do tempo, a personagem passa por um processo de autoaceitação, que a leva à valorização dos seus traços e ao desejo de revelar a sua beleza negra que foi por tanto tempo ocultada: Diante do espelho, sentia-me nua, despida de minhas máscaras, olhando o meu avesso. Como ele descobriu tão rápido meu ponto fraco? Por que colocou aqueles dedos em meus cabelos? Por que tanta carência por um afago? É estranho quando alguém te desvenda e relata suas fraquezas. (SOUZA, 2020, p. 39) Acolher a ideia de que o cabelo tem laços com o passado é transformar a luta da narrativa identitária em sinônimo de resistência e, de certa forma, é recuperar a humanidade roubada das pessoas negras, ademais, quando a mulher negra não consegue determinar sua identidade, consequentemente, não irá valorizar os elementos históricos que enfatizam suas raízes, ou seja, anulando suas origens étnicas. A importância de estabelecer um vínculo identitário com a cultura de origem aparece no conto, quando Jawari se expressa afirmando que também não se sentia seguro em relação ao seu cabelo até conhecer a história de seus ancestrais: "Antes eu não gostava dos meus cabelos e os mantinha sempre raspados. Depois que li o livro autobiográfico do Malcolm X, que fala sobre a libertação do povo preto, a partir da experiência dele, eu mudei meus conceitos de beleza" (SOUZA, 2020, p. 39). Essa regra que define se o cabelo é bom ou ruim e de como se deve lidar com ele, a protagonista Violet, do filme A felicidade por um fio, também teve que superar, pois toda sua vida girava em torno de ter o cabelo perfeito, o qual era diferente do seu cabelo natural. Ambas, Dara e Violet, na infância, sonhavam com a oportunidade de agir como as outras crianças, correr DEPARTAMENTO DE EDUCAÇÃO CAMPUS XIII - ITABERABA-BA com os cabelos soltos, poder entrar na água sem se preocupar com o volume do cabelo, no entanto, são impedidas e ensinadas, de forma direta e indiretamente, a odiar sua estética e rejeitá-la o máximo possível. Devido a esse padrão imposto, elas chegam à idade adulta com inseguranças, com medo de se relacionarem ou de se arriscarem. Em alguns casos, a aceitação de deixar o cabelo natural não é fácil, geralmente é mais comum encontrar pessoas que dizem que alisam o cabelo por ser prático, quando na verdade elas acreditam que esses procedimentos de se adequarem ao padrão branco e elitizado aumentam sua autoestima. No livro de Elizandra Souza, o processo de aceitação da protagonista se dá a partir de um incentivo que parte de outra pessoa, enaltecendo a sua pele negra, sua ancestralidade, sua beleza e a sua importância na luta contra o racismo. Vale ressaltar que, hoje em dia, as mulheres pretas têm muito mais apreço a sua pele e seu cabelo, tornando a transição em que mulheres de cabelos crespos ou cacheados, que praticaram alisamentos por anos, agora almejam ter o cabelo natural, como ocorre com Dora: “Não convencerei ninguém, se eu for a negação da minha beleza” (SOUZA, 2020. p. 45). Por muitos anos, os povos negros viveram indignamente, sendo inferiorizados em todos os seus aspectos, e, mesmo com o fim da escravidão, as anulações e julgamentos contra a fisionomia da mulher negra permaneceram enraizadas na cultura da sociedade contemporânea, de modo que o cabelo é uma das características físicas que mais sofre opressão racista. De acordo com bell hooks (2008, p. 8), existem momentos em que penso em alisar o meu cabelo só por capricho, aí me lembro que, mesmo que esse gesto pudesse ser simplesmente festivo para mim, uma expressão individual de desejo, eu sei que gesto semelhante traria outras implicações que fogem ao meu controle. A realidade é que o cabelo alisado está vinculado historicamente e atualmente a um sistema de dominação racial que é incutida nas pessoas negras, e especialmente nas mulheres negras de que não somos aceitas como somos porque não somos belas. Apesar de o cabelo crespo, hoje em dia, ser visto como uma questão de identidade e orgulho, não podemos negar o processo de rejeição sofrido por mulheres negras por conta do cabelo crespo ou cacheado, imposto por uma sociedade intolerante, na qual os indivíduos julgam que a população preta tem menos brilho quando comparada a uma pessoa branca. Segundo a pedagoga e escritora Nilma Lino Gomes (2007), no livro Sem perder a raiz: Corpo e cabelo como símbolo da identidade negra, essa rejeição que a população impõe é aprendida desde cedo, pois é ensinado ao homem que ele deve, por exemplo, na hora de se relacionar com DEPARTAMENTO DE EDUCAÇÃO CAMPUS XIII - ITABERABA-BA alguma mulher, se atentar para um modo hierárquico de “escolha”, já que isso poderá afetar nos seus descendentes futuramente, assim, primeiramente o tipo de cabelo da dama é que vai guiar essa escolha, isso ocorre de uma forma, de certo modo, quase natural e imperceptível para os que não vivenciam isso diretamente. Para Gomes (2007, p. 123-124), a rejeição do corpo negro pelo negro condiciona até mesmo a esfera da afetividade. Toca em questões existenciais profundas: a escolha da parceira, a aparência dos filhos que se deseja ter. Nesse caso, estamos diante de uma rejeição que se projeta no futuro, nos descendentes que poderão vir. A melhor forma de se precaver contra essa possibilidade é “clarear a raça” desde já, na escolha da parceira branca. O tipo de cabelo é o que orienta a escolha. Nesse caso, o cabelo simboliza a possibilidade do embranquecimento ou o seu impedimento. Dessa forma, ser negra(o) é conviver com a constante dúvida de como o seu fenótipo será apresentado, por exemplo, um casal formado por um homem branco e uma mulher negra sempre desperta o interesse de todos sobre como será a cor da pele, olhos, cabelo das suas e de seus descendentes. A família do sujeito branco torce para que os filhos do casal nasçam com características marcadamente brancas, enquanto a família do sujeito negro preocupa-se com a mistura racial e como essa criança será vista na sociedade. As dificuldades que as famílias negras vivem só nos mostra o quão difícil é ser negro, na sociedade que define quem é o sujeito apenas por sua cor de pele ou tipo cabelo. Vale salientar que, em relação à aceitação ou rejeição do seu fenotípico,a família é muito importante quando ainda se é criança, pois, estando em fase de conhecimento, desenvolvimento e descobrimento de novas experiências, ela acaba absorvendo muitas informações, portanto é, nesse momento, que a criança necessita de orientação para não rejeitar sua estética negra, e sim, compreender melhor a sua identidade enquanto menina negra e estabelecer mecanismo de defesa perante as situações adversas de racismo. Entretanto, se a família orientar a criança para a negativa de sua estética negra, proporcionando meios para que ela esconda ou sinta vergonha da sua negritude, então a tendência dessa criança é tornar-se um adulto com dificuldades de assimilar os desafios que o racismo apresenta no cotidiano de negras e negros. Essa autocracia da pele e do cabelo implementada decide quem tem mais ou menos sucesso, prestígio e cultura, ao passo que as pessoas de pele branca e cabelo liso são mais facilmente aceitas em determinados ambientes da sociedade. No texto Você tem cultura, Roberto da Matta (1981) explica que a expressão “fulano tem mais cultura que sicrano” quer DEPARTAMENTO DE EDUCAÇÃO CAMPUS XIII - ITABERABA-BA dizer que essa pessoa tem mais educação e inteligência que a outra, do mesmo modo que as pessoas negras são vistas como sem cultura, isso nada mais é do que o racismo escancarado, só que de forma disfarçada. A respeito da posição social, é bem evidente a discrepância entre pessoas pretas e brancas, pois sabemos que estas conseguem vantagens maiores dentro da sociedade, são mais aceitas, não são vítimas cotidianas de racismo, levam vantagens sociais e econômicas, ditam moda e comportamentos, exercem poder e ocupam todos os setores da sociedade em números majoritários. Tudo isso mostra como a sociedade está acostumada a beneficiar pessoas pela cor da pele ou tipo de cabelo, graças à herança do racismo. O Censo feito pela consultoria Gestão Kairós mostra que, dentre 900 pessoas ouvidas com cargos de gerência e outros níveis acima, apenas 25% são mulheres e, quando se faz o recorte racial dentro desse índice, apenas 3% são negras. Para Liliane Rocha (2022), fundadora e CEO da Gestão Kairós, “o estudo nos possibilita refletir sobre como a gente universaliza os direitos das mulheres pela mulher branca. Quando vemos que as mulheres negras são apenas 3%, vemos o abismo de direitos que temos”. A autoaceitação do cabelo crespo atualmente vem crescendo cada vez mais, sendo possível identificar a presença da atuação de movimentos negros que conduzem o processo de afirmação da negritude e sua ancestralidade. Inspirações e representatividades vêm sendo cada vez mais presentes nas grandes mídias, dando espaço para que atrizes negras ganhem protagonismo com seus cabelos naturalmente crespos ou cacheados, assim fazendo com que mulheres pretas venham a se inspirar nelas e se aceitar. É importante esclarecer que esse processo de mudança do cabelo liso para sua textura natural tem o nome de “transição capilar”, processo que muitas vezes dura entre meses a anos e acaba sendo doloroso, causando baixa autoestima pelo cabelo apresentar duas texturas. Juntamente com a transição capilar também pode ocorrer o Big Chop (grande corte), quando consiste no corte feito para retirada de toda química, deixando os fios naturais. Do mesmo modo, acontece no conto, quando Dara dá o primeiro passo e decide assumir seu cabelo natural, mas de início ainda não se vê atraente: "Resolvi encontrá-lo sem chapinha, passei creme de pentear, afaguei as pontas. Eu não me sentia bonita, mas fui assim mesmo" (SOUZA, 2020, p. 39). A valorização dos cabelos cacheados e crespos vem ganhando grande estímulo há alguns anos na internet, por meio de pessoas que incentivam o cuidado e a autoaceitação. Com um grande número de afrodescendente descobrindo sua beleza natural, empresas começaram a DEPARTAMENTO DE EDUCAÇÃO CAMPUS XIII - ITABERABA-BA desenvolver produtos voltados para o cuidado do cabelo crespo, ajudando no cronograma capilar para recuperação mais rápida dos fios naturais: Finalmente descobri exatamente o que o cabelo queria: queria crescer, ser ele mesmo, atrair poeira, se esse era seu destino, mas queria ser deixado em paz por todos, incluindo eu mesma, os que não o amavam como ele era. O que acham que aconteceu? (Além disso, agora eu podia, como um bônus adicional, compreender Bob Marley como o místico que suas músicas diziam que era). O teto no alto do meu cérebro abriu-se; mais uma vez minha mente (e meu espírito) podia sair de dentro de mim. Eu não estaria mais presa à imobilidade inquieta, eu continuaria a crescer. A planta estava acima do solo. (WALKER, 1987). Quando uma pessoa se sente parte da sociedade, ela vê referências que fortalecem sua beleza estética, sua capacidade de alcançar tudo aquilo que almeja, se sente forte, representada e capaz, ou seja, no momento que uma mulher preta vê outras pessoas com cabelos crespos ou cacheado fazendo tudo aquilo que sempre quiseram, ela quer fazer tudo isso também e sente motivação o suficiente para tanto. A representatividade traz de volta a autoestima perdida ao longo dos anos em que o cabelo afro era rejeitado em ralação ao padrão do cabelo liso imposto pela sociedade. 3 CONSIDERAÇÕES FINAIS Elisandra Souza deixa claro que é primordial para a aceitação da beleza negra que esta seja primeiramente para si, que se tenha o pensamento de que é bela e não importa o pensamento, olhares e julgamentos dos outros. O padrão de beleza imposto pela sociedade é praticamente inatingível. Evidencia-se, nesse contexto, uma espécie de ditadura da beleza, em que há um modelo estabelecido, que deve ser seguido a qualquer custo. Quem não se alinha a este padrão imposto pela mídia é visto de forma diferente, é julgado pela aparência, discriminado e, por vezes, excluído. Essa realidade, entre outras, explica o porquê de muitas mulheres negras se empenharam ao máximo para se adequarem ao padrão imposto por essa ditadura da estética branca presente na sociedade contemporânea. A obrigação, por exemplo, de ter que alisar o cabelo para ser aceito em um determinado local, seja ele um segmento educacional, empresarial, público ou privado, é algo profundamente constrangedor e aponta para essa realidade preconceituosa, de maneira escancarada, que tem como parâmetro a forma de julgar a partir do cabelo, da cor da pele ou da classe social. DEPARTAMENTO DE EDUCAÇÃO CAMPUS XIII - ITABERABA-BA Assim, a obra de Elisandra Souza oferece reflexões pertinentes, de modo a contribuir com a aceitação, a valorização e a defesa do aspecto indenitário da pessoa negra, o cabelo como ele é, sem negar as suas origens, o seu passado, a sua descendência e a sua identidade que, na sua diversidade, transmite beleza, brilho, historicidade, resistência e dignidade humana. REFERÊNCIAS CARVALHO, Eliane Paula de. A identidade da mulher negra através do cabelo. 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