Esta é uma pré-visualização de arquivo. Entre para ver o arquivo original
Universidade Estadual Paulista – UNESP Campus de Marília Faculdade de Filosofia e Ciências DANIELE APARECIDA RUSSO RELAÇÕES ALTERITÁRIAS NA CONSTITUIÇÃO DO PEQUENO LEITOR: PROFESSORES, ALUNOS E VIVÊNCIAS LEITORAS NO 2º ANO DO ENSINO FUNDAMENTAL MARÍLIA 2021 DANIELE APARECIDA RUSSO RELAÇÕES ALTERITÁRIAS NA CONSTITUIÇÃO DO PEQUENO LEITOR: PROFESSORES, ALUNOS E VIVÊNCIAS LEITORAS NO 2º ANO DO ENSINO FUNDAMENTAL Tese apresentada ao Programa de Pós- Graduação em Educação da Faculdade de Filosofia e Ciências da Universidade Estadual Paulista – UNESP – Campus de Marília, para a obtenção do título de Doutora em Educação. Área de Concentração: Teoria de Práticas Pedagógicas. Orientadora: Profª. Drª Cyntia Graziella Guizelim Simões Girotto MARÍLIA 2021 R969r Russo, Daniele Aparecida RELAÇÕES ALTERITÁRIAS NA CONSTITUIÇÃO DO PEQUENO LEITOR: : PROFESSORES, ALUNOS E VIVÊNCIAS LEITORAS NO 2º ANO DO ENSINO FUNDAMENTAL / Daniele Aparecida Russo. -- Marília, 2021 332 p. Tese (doutorado) - Universidade Estadual Paulista (Unesp), Faculdade de Filosofia e Ciências, Marília Orientadora: Cyntia Graziella Guizelim Simões Girotto 1. Educação. 2. Ensino Fundamental e a formação do pequeno leitor. 3. Relações alteritárias e o ato de ler. 4. Estratégias de leitura. 5. Filosofia da linguagem. I. Título. Sistema de geração automática de fichas catalográficas da Unesp. Biblioteca da Faculdade de Filosofia e Ciências, Marília. Dados fornecidos pelo autor(a). Essa ficha não pode ser modificada. DANIELE APARECIDA RUSSO RELAÇÕES ALTERITÁRIAS NA CONSTITUIÇÃO DO PEQUENO LEITOR: PROFESSORES, ALUNOS E VIVÊNCIAS LEITORAS NO 2º ANO DO ENSINO FUNDAMENTAL Tese apresentada ao Programa de Pós- Graduação em Educação da Faculdade de Filosofia e Ciências da Universidade Estadual Paulista – UNESP, Câmpus de Marília, na Área de concentração: Teoria e Práticas Pedagógicas, para obtenção do grau de doutor em Educação. Marília, 29 de março de 2021. Banca Examinadora: Orientadora: ________________________________________________________________ Profª Dra. Cyntia Graziella Guizelim Simões Girotto – UNESP/ Marília 2º Examinadora: _____________________________________________________________ Dra. Elianeth Dias Kanthack Hernandes – UNESP/ Marília 3º Examinador: ______________________________________________________________ Dr. Dagoberto Buim Arena – UNESP/ Marília 4º Examinadora: _____________________________________________________________ Dra. Renata Junqueira de Souza – UNESP/ Presidente Prudente 5º Examinadora: __________________________________________________________ Dra. Sandra Pires Franco – UEL/ Londrina Suplentes: ____________________________________________________________________ Dra. Stela Miller – UNESP/ Marília ____________________________________________________________________ Dra. Regina Silva Michelli Perim – UERJ/ Rio de Janeiro ______________________________________________________________________ Dra. Sílvia de Fátima Pilegi Rodrigues – UFR/ Rondonópolis À minha avó Maria Dinorah (em memória), pelas relações de troca mais poderosas com a linguagem: o amor. AGRADECIMENTOS Minha gratidão A Deus por iluminar meus caminhos e guiar os meus passos pelas veredas da vida ora sinuosas, ora floridas, mas sempre sob Sua proteção. A Ele, toda a minha vida. À Maria, mãe de Cristo e minha Mãe, a quem entrego inteiramente todo o meu ser. À minha família, meu alicerce de amor... Em especial, aos meus pais, Maria e Edson, pelo amor e pelos ensinamentos, serei eternamente grata por tudo que fizeram e fazem por mim. Sou grata pelo incentivo e pela felicidade de vocês serem sempre, fundamentalmente, meu motivo para sorrir. Obrigada por tudo! A minha irmã e melhor amiga, Daiane, pelo carinho, amizade, por todos os momentos compartilhados e por muitos outros ainda por vir. Que venham muitos! Ao meu marido, Ricardo, meu porto seguro, meu companheiro de vida, por todo amor, carinho e pelo incentivo. A ele, todo meu amor e gratidão. A eles, meu amor incondicional, minha alegria e, especialmente, esta conquista. Amo vocês! A todos os professores que cruzaram minha vida e motivaram em mim a necessidade do conhecimento. Especialmente à minha queridíssima orientadora Profª Dra. Cyntia G. G. S. Girotto, mulher militante pelos direitos da criança e por uma educação propulsora de desenvolvimento máximo na infância... Professora que fez a diferença na minha formação pelo exemplo e pela dedicação. A ela, meu respeito, minha admiração, minha amizade, meu amor fraterno. Gratidão eterna! A todos amigos queridos, minha família fraterna. Especialmente os amigos dos grupos de pesquisa CEPLE e PROLEAO, pelo companheirismo, pelos ideais compartilhados, pelos afetos, pela amizade, pelo respeito... A eles, meu carinho. Aos professores Dra. Elianeth Dias K. Hernandes, Dra. Sandra P. Franco, Dr. Dagoberto B. Arena, Dra. Renata Junqueira de Souza, por aceitarem fazer parte da minha trajetória acadêmica como banca desta tese. Uma honra tê-los como interlocutores deste trabalho. A eles, minha admiração, alegria e gratidão. À CAPES. O presente trabalho foi realizado com apoio da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior - Brasil (CAPES) - Código de Financiamento 001. Aos sujeitos participantes dessa pesquisa, crianças e professoras, sem as quais este trabalho não seria possível. Enfim, agradeço a todos que contribuíram para a concretização desta tese. Cada palavra descortina um horizonte, cada frase anuncia outra estação. E os olhos, tomando as rédeas, abrem caminho, entre linhas, para as viagens do pensamento. O livro é passaporte, é bilhete de partida. (Bartolomeu Campos de Queirós, 2019, p.61). RESUMO A pesquisa intitulada “Relações alteritárias na constituição do pequeno leitor: professores, alunos e vivências leitoras no 2º ano do Ensino Fundamental” foi desenvolvida no interior do grupo de pesquisa Processos de Leitura e de Escrita: apropriação e objetivação - PROLEAO, junto a linha de pesquisa Teoria e Práticas Pedagógicas do Programa de Pós-Graduação em Educação da Universidade Estadual Paulista – UNESP de Marília. Essa pesquisa teve por objetivo compreender e evidenciar como se dão as relações alteritárias formadoras do pequeno leitor nos anos iniciais do Ensino Fundamental. Para atingir esse objetivo, busquei aprofundamento na filosofia da linguagem proposta por Volochinov e pensada por Bakhtin e Medviedev e realizei a parte prática da pesquisa em um trabalho de dezoito observações de aulas regulares e de oficinas de Estratégias de Leitura da turma B do 2º ano de uma escola municipal de tempo integral do interior paulista. A escolha por uma turma do 2º ano deu-se pelo fato que segundo a BNCC, o foco da ação pedagógica nos dois primeiros anos do Ensino Fundamental é a alfabetização. A pesquisa dialógica pautada na filosofia da linguagem foi a escolha metodológica e o objeto de pesquisa foram os enunciados presentes nas relações de trocas entre professoras, crianças e vivências leitoras no ensino e na aprendizagem do ato ler. Ao longo dessa pesquisa, emergiram quatro eixos de análises: O que apresenta o documento oficial: a Base Nacional Comum Curricular – BNCC; O que apresentam os documentos escolares: Projeto Político Pedagógico da escola e Plano de Trabalho das professoras; O Ensino e a aprendizagem do ato de ler nas aulas regulares; O Ensino e a aprendizagem do ato de ler nas oficinas de Estratégias de Leitura. Os dados gerados durante as observações in loco foram organizados e analisados em dezenove situações educativas aproximadas entre os eixos de análise à luz da teoria da filosofia da linguagem, dos estudiosos da área da leitura (Smith Foucambert, Bajard, Arena, Girotto; Souza) e da área da literatura infantil (Faria, Candido, Cademartori, Azevedo, Oliveira, Linden, Hunt, Nikolajeva; Scott, Perrotti). O percurso investigativo resultou na tese de que leitores são constituídos pelas relações alteritárias mediadas pelos signos. Por meio das análises dos enunciados presentes nas relações entre professores, crianças e vivências leitoras, concluo que a professora da oficina de Estratégias de leitura desenvolveu ações importantes para a formação leitora dos alunos, mas demostrou preocupação excessiva em didatizar o passo a passo da oficina, desviando o foco do ensino do ato de ler para o fim nas próprias estratégias. Além disso, embora os alunos tenham contato direto com livros de literatura infantil nas aulas regulares e nas oficinas de Estratégias de Leitura, as relações alteritárias constituidoras do pequeno leitor em formação mostraram-se frágeis por terem como base sólida a consciência fonológica e o ensino organizado a partir da linguística, priorizando a organização do trabalho pedagógico com a língua descolada das relações humanas. São situações refletidas e refratadas do Projeto Político Pedagógico da escola que, por sua vez, reflete e refrata o discurso oficial presente na Base Nacional Comum Curricular. Palavras-Chave: Educação. Ensino Fundamental e a formação do pequeno leitor. Relações alteritárias e o ato de ler. Estratégias de leitura. Filosofia da linguagem. ABSTRACT The research portrayed in the thesis entitled “Alteritarian relationships in the constitution of the small reader: teachers, students and reading experiences in the 2nd year of Elementary Education” was developed within the research group Reading and Writing Processes: appropriation and objectification - PROLEAO, together the line of research Theory and Pedagogical Practices of the Graduate Program in Education of the Universidade Estadual Paulista - UNESP Marília. This research aimed to understand how the alterative relationships that form the small reader take place in the early years of elementary school. To achieve this goal, I sought to deepen the philosophy of language, proposed by Volochinov and thought by Bakhtin and Medviedev. I carried out the practical part of the research in a work of eighteen observations from regular classes and workshops on Reading Strategies for class B of the 2nd year of Elementary School at a full-time municipal school in the countryside of São Paulo state. The dialogical research based on the philosophy of language was the methodological choice and the research object was the statements present in the alterative exchange relations between teachers and children in teaching and learning of the act of reading. Throughout this research, four axes of analysis emerged: What the official document says: the National Common Curricular Base - BNCC; What does the school documents say: Political Pedagogical Project of the school and Work Planning of the teachers; Teaching and learning to read in regular classes; Teaching and learning the act of read in the Reading Strategies workshops. The data generated during on-site observations were organized and analyzed in nineteen approximate educational situations between the axes of analysis in the light of the philosophy of language theory, from scholars in the field of reading (Smith, Foucambert, Bajard, Arena, Girotto; Souza) and from the area children's literature (Faria, Candido, Cademartori, Azevedo, Oliveira, Linden, Hunt, Nikolajeva; Scott, Perrotti). The investigative path resulted in the thesis that readers are constituted by the alteritarian relations mediated by signs. Through the analysis of the statements present in the relationships between teachers, children and reading experiences, I conclude that the teacher of the Reading Strategies workshop developed important activities and projects for the students' reading training, but showed excessive concern in teaching the step by step of the workshop, shifting the focus of teaching from the act of reading to the end in the strategies themselves. In addition, although students have direct contact with children's literature books in regular classes and in Reading Strategies workshops, the alterative relationships that make up the small reader in training have been fragile because they have a solid foundation in phonological awareness and organized teaching from linguistics, prioritizing the organization of pedagogical work with the language detached from human relations. These are reflected and refracted situations of the school's Pedagogical Political Project, which, in turn, reflects and refracts the official discourse present in the National Common Curricular Base. Key words: Education. Elementary School and the small reader training. Alterative relationships and the act for Reading. Reading strategies. Philosophy of language. LISTA DE ILUSTRAÇÕES Figura 1 - Objetos do conhecimento/ Oficina de Estratégias de Leitura ................................ 130 Figura 2 – Exemplo da Programação da Oficina de Estratégias de Leitura ........................... 132 Figura 3 – Exemplo de aula no Plano Anual de Trabalho ...................................................... 133 Figura 4 – Exemplo de aula no Plano Anual de Trabalho ...................................................... 134 Figura 5 – Exemplo de aula no Plano Anual de Trabalho ...................................................... 135 Figura 6 - Exemplo de aula no Plano Anual de Trabalho ...................................................... 136 Figura 7 - Exemplo de aula no Plano Anual de Trabalho ...................................................... 137 Figura 8 - Exemplo de aula no Plano Anual de Trabalho ...................................................... 138 Figura 9 – Exemplo de relatório semanal presente no Plano Anual e Trabalho .................... 139 Figura 10 - Página do caderno de um aluno sobre a atividade de Ciências ........................... 156 Figura 11 - Atividade de Língua Portuguesa .......................................................................... 162 Figura 12 - Atividade sobre o texto “O dono da bola” ........................................................... 164 Figura 13 - Atividade de Matemática ..................................................................................... 168 Figura 14 - Crianças na aula de Informática........................................................................... 173 Figura 15 - Primeira escolha do livro pelo aluno Edson ........................................................ 180 Figura 16 - Segundo livro escolhido pelo aluno Edson .......................................................... 181 Figura 17 - Turma na sala de aula .......................................................................................... 182 Figura 18 - Atividade “A Lebre e a Tartaruga” no caderno do Tiago .................................... 195 Figura 19 - Atividade “A Lebre e a Tartaruga” no caderno do Gustavo ................................ 196 Figura 20 - Avaliação de Matemática..................................................................................... 201 Figura 21 - Avaliação de Matemática..................................................................................... 202 Figura 22 - Avaliação de Matemática..................................................................................... 202 Figura 23 - Avaliação de Matemática..................................................................................... 203 Figura 24 - Livro escolhido pela professora para leitura e atividade com os alunos ............. 210 Figura 25- Atividade realizada e colada nos cadernos ........................................................... 211 Figura 26 - “Silabário” – Modelos de atividades disponíveis para os professores dos anos iniciais do EF .......................................................................................................................... 213 Figura 27 - “Alfabeto” – Modelos de alfabetos disponíveis para os professores que trabalham com alfabetização ................................................................................................................... 214 Figura 28 - Sala de aula no momento da atividade pós leitura do livro “Quando Nasce um monstro” ................................................................................................................................. 215 Figura 29 - Atividade de matemática proposta no livro didático ........................................... 216 Figura 30- Atividade de matemática proposta no livro didático ............................................ 216 Figura 31- Atividade de matemática proposta no livro didático ............................................ 217 Figura 32 - Aprendizado do ato de ler .................................................................................... 220 Figura 33 - Aluna vencedora do sorteio com a sacola “Era uma vez” ................................... 235 Figura 34 - Conteúdo da sacola “Era uma vez”...................................................................... 235 Figura 35 - Página inicial do caderno que compõe a sacola “Era uma vez” .......................... 236 Figura 36 - Recado no caderno que compõe a sacola “Era uma vez” .................................... 236 Figura 37 - Tarefa a serem feitas pelos alunos no caderno que compõe a sacola “Era uma vez” ................................................................................................................................................ 237 Figura 38 - Tarefas a serem feitas pelos alunos no caderno que compõe a sacola “Era uma vez” ......................................................................................................................................... 237 Figura 39 - Oficina de Estratégias de Leitura ......................................................................... 241 Figura 40- Alunos escolhendo livros para empréstimo .......................................................... 241 Figura 41 - Adriel e Fernanda com suas escolhas dos livros para empréstimo ...................... 242 Figura 42 - Quadro explicativo da estrutura modular de uma oficina de leitura .................... 271 Figura 43 - Livro escolhido para o trabalho com a conexão texto-mundo ............................. 275 Figura 44 - Aluno escolhendo um livro na estante da sala de aula para empréstimo ............. 281 Figura 45 - Ficha entregue aos alunos ao lado do cartaz preenchido pela professora para a oficina sobre “Inferência” ....................................................................................................... 287 Figura 46 - Folder para orientação sobre cuidado com os livros ........................................... 287 Figura 47 - Recado orientativo aos pais sobre empréstimo de livros ..................................... 288 LISTA DE QUADROS E TABELA Quadro 1 – Dissertações sobre as relações no ensino e na aprendizagem do ato de ler (2016- 2018).........................................................................................................................................22 Quadro 2 – Teses sobre as relações no ensino e na aprendizagem do ato de ler (2016- 2018).........................................................................................................................................29 Tabela 1: Níveis de alfabetismo no Brasil conforme o INAF (2001-2018)................................35 Quadro 3 – Eixos de análises da pesquisa..................................................................................91 Quadro 4 - Lista de Situações.....................................................................................................92 Quadro 5 - Situações Educativas no Eixo de Análise 3: O Ensino e a aprendizagem do ato de ler nas aulas regulares..............................................................................................................142 Quadro 6 - Situações Educativas no Eixo de Análise 4: O Ensino e a aprendizagem do ato de ler nas oficinas de Estratégias de Leitura.................................................................................143 LISTA DE SITUAÇÕES Situação Título Página Situação no 01 Aula de Língua Portuguesa 146 Situação no 02 Aula de Matemática 150 Situação no 03 Aula de Ciências 156 Situação no 04 Aula de Língua Portuguesa 162 Situação no 05 Aula de Matemática 168 Situação no 06 Aula de Informática 173 Situação no 07 Aula de Língua Portuguesa 177 Situação no 08 Aula de Informática 187 Situação no 09 Aula de Língua Portuguesa 196 Situação no10 Aula de Matemática 204 Situação no 11 Aula de Língua Portuguesa 210 Situação no 12 Aula de Matemática 216 Situação no 13 Aula de Matemática 218 Situação no 14 Oficina de Estratégias de Leitura/ Devolução e empréstimo de livros 235 Situação no 15 Oficina de Estratégias de Leitura/ Prática independente e Empréstimo de livros 241 Situação no 16 Oficina de Estratégias de Leitura/ Conexão Texto-Leitor 258 Situação no 17 Oficina de Estratégias de Leitura/ Conexão Texto-leitor 269 Situação no 18 Oficina de Estratégias de Leitura/ Texto-Mundo 274 Situação no 19 Oficina de Estratégias de Leitura/ Inferência 283 SUMÁRIO APRESENTAÇÃO ................................................................................................................. 15 Quantos “eus” que não são meus: breve trajetória da constituição de minha subjetividade ........................................................................................................................ 15 A presente pesquisa ............................................................................................................ 18 Conhecendo as pesquisas sobre o ato de ler: levantamento bibliográfico ..................... 21 INTRODUÇÃO ...................................................................................................................... 33 O ato de ler no atual contexto brasileiro: o que os dados apresentam .......................... 34 A pesquisa ............................................................................................................................ 39 Introduzindo conceitos teóricos ......................................................................................... 42 CAPÍTULO 1 – PALAVRA NA VIDA, VIDA NA POESIA: PERSPECTIVA DIALÓGICA NAS PESQUISAS EM EDUCAÇÃO ........................................................... 48 1.1 - Dimensão filosófica da pesquisa ................................................................................ 49 1.1.1 - Sobre os autores que embasam teoricamente a pesquisa dialógica ................. 49 1.1.2 - Defesa da linguagem na pesquisa em Ciências Humanas ................................ 58 1.1.3 - Conceitos da filosofia da linguagem para pensar a pesquisa dialógica nas Ciências Humanas: características e pressupostos ...................................................... 71 1.2 - Escolhas e caminhos metodológicos percorridos ..................................................... 83 1.2.1 – Local, sujeitos e objeto da pesquisa ................................................................... 86 1.2.2 – Entrada no campo e geração de dados .............................................................. 87 1.2.3 – Caminhos metodológicos para análise dos dados ............................................. 88 CAPÍTULO 2 – ANÁLISE DOS ENUNCIADOS PRESENTES NOS DOCUMENTOS REGENTES DA ESCOLA: MOVIMENTO DAS FORÇAS CENTRÍPETAS E CENTRÍFUGAS ..................................................................................................................... 94 2.1 – Eixo de análise 1 - O que apresenta o documento oficial: a Base Nacional Comum Curricular - BNCC ............................................................................................................. 99 2.1.1 - Breve contexto histórico e político de constituição da BNCC .......................... 99 2.1.2 - A Leitura na BNCC e suas relações dialógicas contraditórias ...................... 104 2.2 – Eixo de análise 2 - O que apresentam os documentos escolares: Projeto Político Pedagógico da escola e Plano de Trabalho das professoras .......................................... 115 2.2.1 - O Projeto Político Pedagógico da escola .......................................................... 116 2.2.2 - O Plano Anual de Trabalho das professoras ................................................... 131 CAPÍTULO 3 – ADENTRANDO A SALA DE AULA: OBSERVAÇÕES DA TURMA B DO SEGUNDO ANO DO ENSINO FUNDAMENTAL .................................................... 141 Eu apenas existo a partir do outro: amorosidade dialógica e alteridade presente nas relações ............................................................................................................................ 142 Dialogia a partir dos enunciados vivos: pressupostos para ato de ler e de escrever ....... 142 3.1 - Eixo de análise 3 - O Ensino e a aprendizagem do ato de ler nas aulas regulares ............................................................................................................................................ 144 3.1.1 - Sinal x signo no ensino da palavra.................................................................... 145 3.1.2 - Os Gêneros do discurso: relações da língua com a vida ................................. 147 3.1.3 - Língua e Linguagem .......................................................................................... 154 3.1.4 - Enunciado: manifestação nas relações dialógicas ........................................... 160 3.1.5 - Eu apenas existo a partir do outro: amorosidade dialógica e alteridade presente nas relações ..................................................................................................... 175 3.1.6 - Dialogia a partir dos enunciados vivos: pressupostos para ato de ler e de escrever ........................................................................................................................... 186 3.1.7 - Consciência fonológica e consciência gráfica: permanências e desafios ....... 194 3.1.8 - Dizer, locução, oralização, decodificação ou leitura? ..................................... 201 3.2 – Eixo de análise 4 - O Ensino e a aprendizagem do ato de ler nas oficinas de Estratégias de Leitura ...................................................................................................... 230 3.2.1 - A Linguagem ...................................................................................................... 230 3.2.2 - Literatura Infantil e qualidade literária .......................................................... 240 3.2.3 - Estratégias de leitura ......................................................................................... 246 3.2.4 - Oficina de Estratégias de Leitura: Conexão Texto-Leitor ............................. 257 3.2.5 - Livros de imagem: possibilidades de leitura rica em estética e literariedade ......................................................................................................................................... 273 3.2.6 - Condutas leitoras e a consciência fonológica ................................................... 282 3.2.7 - Consciência fonológica circundando a oficina de Estratégias de Leitura .... 291 3.3 – Considerações e reflexões finais sobre o ensino e a aprendizagem do ato de ler na escola ............................................................................................................................. 297 CONCLUSÃO ....................................................................................................................... 315 REFERÊNCIAS ................................................................................................................... 325 15 APRESENTAÇÃO Quantos “eus” que não são meus: breve trajetória da constituição de minha subjetividade Ao rememorar minha história, sou inundada por memórias. Na tentativa de direcioná-las a minha formação e meu interesse pela linguagem, as abrevio aqui. Nasci no sexto dia do mês de abril do ano de 1987 e cresci em Marília, cidade do interior paulista, em meio a uma família grande enfeitada de rezas, novenas e pecados como disse Bartolomeu Campos de Queirós (2019), além de muitas histórias contadas e músicas de ninar. Minha infância foi regada a amor de família, brincadeiras e carinho. A maior parte da minha formação na Educação Básica foi em uma instituição particular sem fins lucrativos, uma escola filantrópica mantida por uma instituição financeira. Uma escola com alta infraestrutura, inclusive portadora de uma biblioteca grande em que os alunos podiam ter acesso ao acervo. Eu estava com dez anos quando fui matriculada nesta escola e anterior a isso, havia entrado poucas vezes, levada por minha mãe, à Biblioteca Municipal. Mesmo diante da beleza da escola, deparei-me com professores com diferentes características e perfis, mas a maioria com um perfil da escola tradicional, hierarquizado, com o ensino pautado em técnicas e ancorado na sinalidade da língua. O meu perfil de “boa aluna” acompanhou-me em minha trajetória escolar, obedecendo e realizando com êxito as atividades nas diversas disciplinas. Ao rememorar minha trajetória escolar, concluo que eu era uma menina cheia de sonhos e ideais e não perceberia o perfil de “boa aluna” como um caminho silenciador de algumas potencialidades ao enquadrar-me a conteúdos curriculares memorizados e não compreendidos. No último ano do Ensino Médio meu anseio por adentrar a Universidade era grande. Meses após a colação de grau, veio o resultado da UNESP e eu havia conseguido a vaga para a graduação em Pedagogia. Estava muito feliz, empolgada e assustada com a autonomia do estudante na universidade pública, deparei-me com matérias interessantes e que me possibilitaram novo olhar sobre e para o mundo. Embora contatos iniciais com livros como anteriormente relatado, afirmo que para leitura de literatura infantil, nasci mesmo em meados dos anos 2007, quando na graduação de Pedagogia tive contato com obras apresentadas por algumas professoras. Mesmo 16 diante do encantamento pelas obras literárias infantis, segui meu curso como pesquisadora de Iniciação Científica em outra área, detive meu percurso científico na área de Política Públicas e Administração da Educação até a conclusão do Mestrado em 2012. Participação de Grupo de Pesquisa e orientações afetuosas e ricas em muito aprendizado, gratidão a minha orientadora de Iniciação Científica e de Mestrado, Dra. Graziela. Aprendi, cresci e sou imensamente grata por esse percurso. Ainda na graduação, adentrei como estagiária na área administrativa da mesma instituição escolar filantrópica em que fui estudante – caminho influenciador da minha escolha científica na área de gestão –, e lá fiquei por mais de dez anos em cargos administrativos. Com o passar dos anos, percebi que não me sentia completa – se é que isso será possível um dia diante da inconclusibilidade dos enunciados imersos na dialogia da vida. Mas sobretudo, sentia-me incomodada. Diante do meu encantamento por poesia e literatura e diante das crianças que iam até mim em intervalos para me mostrar seus livros, desenhos e escritos, percebi a linguagem viva pulsante nos enunciados não presente no meu cotidiano de trabalho, pois se tratava de um ambiente organizacional empresarial em que a palavra hierárquica prevalecia mesmo em um ambiente educacional repleto de crianças e jovens que lutavam em tentar resistir a pesadas imposições da instituição. Encontrava-me exausta por vivenciar um dia-a-dia de enfrentamentos com meus pensamentos e anseios para a Educação em contrapartida à realidade organizacional de trabalho em que estava inserida. Mesmo as pessoas afirmando que eu era “um homem bobo que precisava fazer a barba e usava um casaco felpudo”, eu tentava reafirmar a minha existência como um urso1. 1 Recorro a obra literária “O Urso que não era” do autor e ilustrador norte-americano Frank Tashlin, como uma grande metáfora deste meu percurso. Trata-se de uma obra clássica datada de 1946 em que um urso estava em uma grande floresta, olhando para o céu, onde um bando de gansos voava em direção ao Sul. O urso, sabendo da chegada do inverno em breve, procurou uma caverna para hibernar. Porém durante aquele inverno, uma fábrica foi construída bem em cima da caverna que ele havia escolhido. Pergunto-me: o que seria o urso adormecido embaixo da fábrica funcionando a todo vapor? Quantas possibilidades de sentidos o texto literário possibilita! Para mim uma metáfora sobre o meu adormecer durante esses anos de trabalho oposto aos meus anseios, estudos e pensamentos sobre a Educação. Ao lado da fábrica, a primavera com todo seu encantamento chegou com a vida pulsando ao redor, em cada detalhe, e o urso desperta em meio fábrica, “mas não consegue acreditar que não está mais sonhando: o capataz insiste que ele volte imediatamente ao trabalho - afinal de contas, ele não é um urso” (TASHLIN, 1946), mas um homem bobo que precisava fazer a barba e usava um casaco felpudo. E nessa insistência, levou aos superiores da fábrica e todos reafirmaram a mesma coisa. O urso, então, trabalhou anos na fábrica até o fechamento dela, foi quando se encontrou em meio a floresta em um inverno rigoroso. Mas ele caminhou arduamente em busca da gruta. Quando acordou ele era, novamente, um urso de verdade. 17 Ao despertar-me nesses anos, o mundo parecia estranho, questionei-me sobre onde eu estava e quem eu era. Foi em busca da gruta que caminhei por estradas árduas e contrárias à opinião de muitos. Mas a encontrei: a Universidade estava lá de braços abertos. Foi uma decisão difícil, pois eu estava em um emprego estável, mas consegui buscar o aprendizado em caminhos libertários: voltei à Universidade e fui gentilmente acolhida no grupo de pesquisa CEPLE – Centro de Estudos e Pesquisas em Leitura e Escrita, coordenado pela professora Cyntia, protagonista do meu retorno aos estudos e à pesquisa na área da linguagem. Em conversa sobre minha inquietude, ela convidou-me a escutá-la e a participar de um evento que estava acontecendo na ocasião e foi, de fato, decisivo após sua fala sobre literatura infantil e nossa conversa posterior. Sou grata pela acolhida dela e, posteriormente, pelos demais integrantes do grupo e ao grupo de pesquisa PROLEAO - Processos de Leitura e de Escrita: apropriação e objetivação, coordenado pelo professor Dagoberto, grande mestre de simplicidade e inteligência indiscutíveis. O aconchego da gruta do saber proporcionou um reencontro comigo mesma, com a palavra outra constituidora da minha subjetividade por meio da dialogia. Por que não agregar trabalho e vida humana? Passei pelo processo seletivo do Doutorado em Educação e fui aprovada. Lugar acolhedor e possibilitador do pensar e do refletir, satisfação. Em meio a essa mudança, fiquei noiva de um homem sensível, humilde, forte, inteligente e apaixonado pela vida, que inclusive apoiou-me para a tomar minha decisão de mudança, também por ele ser estudante na ocasião. Eu estava no primeiro ano do Doutorado e ele cursava o segundo ano de residência médica em ortopedia. Nosso amor, cumplicidade e fé sinalizavam para uma vida juntos. Em dezenove de agosto de 2017, casamo-nos. No Doutorado, os livros de literatura infantil tornaram-se, ainda mais, minha grande paixão, pois grandiosamente a professora Cyntia disponibilizou e leu em voz alta vários livros no início ou no final dos nossos encontros no grupo de pesquisa. Além de estudarmos e explorarmos aspectos estético-literários e gráficos editoriais dos livros, aprendi que a literatura traz consigo a possibilidade de exploração de muitos assuntos sensíveis a humanidade e superadores de conteúdos de textos não literários e curriculares. Portanto, o livro ilustrado apresenta-se como uma proposta aberta a sentidos diversos. Hoje, compro-os mensalmente e fico ansiosa para recebê-los e, quando chegam, os leio com grande interesse e atribuo sentidos diferentes na minha relação com ele, a depender 18 do momento em que estou vivendo, do livro e das minhas vivências e experiências que levo para o diálogo. Além de apresentá-los e presenteá-los inclusive adultos a minha volta. Ao deparar-me com a filosofia da linguagem, teoria base nos grupos de pesquisa, foi uma relação de amor, embora frente a embates diante da densidade teórica implicada a teoria. Meu diálogo com os autores russos do chamado “círculo de Bakhtin”, mais precisamente Volochinov, Bakhtin e Medviedev, além dos autores estudiosos da teoria, e com os parceiros sujeitos dos grupos de pesquisa, bem como das disciplinas cursadas, foram responsáveis pela formação de meus novos pensamentos não apenas sobre a Educação, mas sobre o mundo. Palavras outras, palavras minhas... em relações alteritárias com ou outros do meu percurso profissional e pessoal – embora já não posso separá-los – tornou-me quem sou: subjetividades constituidoras de mim. A presente pesquisa “(...) há trabalho mais efetivo, há ação mais absoluta de que esta de aproximar o homem do livro? ” (QUEIRÓS, 2019, 62). Essa pesquisa nasceu da constante inquietação em relação ao ensino e a aprendizagem da leitura e à sua apropriação pelas crianças na escola. À princípio como uma profissional inserida em uma instituição escolar com alta infraestrutura, inclusive com uma biblioteca grande com acervo de qualidade, mas aflita pela hierarquia e conceitos empresariais dominarem a organização escolar. Logo, o resultado era trabalhos pedagógicos pautados na escola tradicional em que a língua sobressaía em relação a linguagem, apesar de algumas poucas professoras insistirem e conseguirem o trabalho com enunciados inserido nas relações humanas. Angustiava-me diante da observação da obrigatoriedade que os alunos tinham com a leitura, relações marcadas pelas tarefas e avaliações escolarizadas, além do fato de a grande maioria chegar aos anos iniciais do Ensino Fundamental sem constituir-se como leitor. Inquietava-me as atitudes dos professores dos anos iniciais do Ensino Fundamental planejarem seus trabalhos pedagógicos pautados na consciência fonológica e no ensino tradicional, em que as crianças não tinham muitas possibilidades de desenvolvimento de 19 suas consciências pelas relações vividas. Inseridos nesta instituição cujo clima organizacional caracterizava-se pelos aspectos empresariais e burocráticos, alguns poucos professores conseguiam um trabalho efetivo na qualidade do ensino e da aprendizagem, mesmo que em minoria, o que me levou a constatar que a atuação pedagógica da maioria dos professores sobre a formação do leitor advinha da falta de conhecimento sobre conceitos teóricos que fundamentam o ensino do ato de ler, resultado da própria formação, uma vez que a maioria dos professores se mostrava mais centrada na busca de sugestões de atividades, de práticas e não de aprofundamento teórico. A má formação dos professores já nessa época chamava minha atenção no quesito leitura. Sobre isso, pesquisas feitas recentemente2 com estudantes universitários do curso de Pedagogia e Letras, portanto futuros professores e formadores de leitores na Educação Básica, apontaram que os estudantes sujeitos participantes da pesquisa tinham um perfil como leitores que desconheciam estratégias de leitura e realizavam algumas por intuição, sem beneficiar-se integralmente de uma prática mais aprofundada. As etapas de ensino muitas vezes prejudicam o trabalho didático- pedagógico do docente que busca nas etapas iniciais desenvolver a apreciação dos livros, a leitura para a formação humana de valores e conteúdo, levando ao ensino subsequente uma leitura mecanizada, imediatista e fragmentada. Assim, a leitura de clássicos é substituída por resumos, resenhas, filmes, documentários. (GIROTTO; MENDONÇA; RUSSO; MARIANO, 2017, P.159-160). O professor em formação não se torna leitor em sua formação inicial e não são contemplados conteúdos dirigidos a esse fim tanto para a parte de teorias e práticas pedagógicas quanto ele mesmo tornar-se leitor no seu percurso de formação. Diante dessas inquietações e da importância da leitura na formação e desenvolvimento da criança, além da riqueza estético-literária presente nos textos literários sempre muito estimados por mim, especificamente aqui quero reportar-me aos livros de literatura infantil, emergiram questões impulsionadoras para a presente pesquisa: a linguagem mediadora do ensino e da aprendizagem do ato de ler, constitui 2 Como o Projeto de Cooperação Acadêmica Interinstitucional, intitulado “Leitura nas licenciaturas: espaços, materialidades e contextos na formação docente” vinculadas ao Programa Nacional de Cooperação Acadêmica – PROCAD, aprovado em 2013. Consistiu em pesquisas nas licenciaturas dos cursos de Pedagogia e Letras de quatro universidades brasileiras: a Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho” de Marília e Presidente Prudente, a Universidade Federal do Espírito Santo e a Universidade de Passo Fundo, apontando princípios, conhecimentos e ações pedagógicas para a formação de leitores na Universidade e, portanto, procurando traçar o perfil do leitor universitário dos alunos de Pedagogia e Letras, futuros professores e formadores de leitores da Educação Básica. 20 que tipo de consciência? Quais enunciados constituem o leitor? Ensina-se a língua ou a linguagem? Ela é dialógica? Ela é social? As crianças estão dialogando com os livros literários? Como aprendem a ler? Que tipo de troca o professor está possibilitando entre a criança e os textos? Quais relações contribuem e quais não contribuem para a formação do pequeno leitor? Será que as crianças desfavorecidas socioeconomicamente têm o direito de encantarem-se pela leitura literária? Como isso ocorre na escola pública? É possível ressignificar tais práticas? A instituição escolar em que eu trabalhava, pautada em seus ideais e princípios, em que os funcionários não podiam ausentar-se para dedicação ao estudo e a pesquisa, obrigou-me a tornar-me ex-funcionária ao fazer minha escolha: voltei à academia como pesquisadora da linguagem voltada para leitura na busca de compreender e evidenciar como se dão as relações alteritárias formadoras do pequeno leitor nos anos iniciais do Ensino Fundamental, pois acreditava que as respostas às questões acima poderiam elucidar-se e clarificando-as, poderia constituir-se em uma pesquisa possibilitadora de encaminhamentos, ainda que singelos e inacabados, para os professores do Ensino Fundamental na busca de formar leitores experientes. Pode haver diversas pesquisas acerca da temática “leitura” como será possível verificar no subitem sequente, mas a diferença está no olhar do pesquisador para o fenômeno, de onde no tempo e no lugar, isto é, da sua cronotopia, ele olhará para seu objeto de pesquisa. O objeto anteriormente detalhado e pesquisado, volta a ser problematizado por meio desse novo olhar investigativo. Às vezes, como aponta Volochinov (2017, p.246), é de extrema importância lançar uma nova luz sobre um fenômeno já conhecido e, aparentemente, bem estruturado, por meio da sua “problematização renovada”, aclarando nele novos aspectos por meio de perguntas orientadas para uma direção específica. Isso é principalmente importante nos campos em que a pesquisa é sobrecarregada por descrições e classificações pedantes e detalhadas, porém privadas de um direcionamento. Uma problematização renovada pode fazer com que um fenômeno antes considerado particular e secundário ganhe uma importância capital para a ciência. Um problema bem colocado é capaz de revelar as possibilidades metodológicas contidas nesse fenômeno. (VOLOCHINOV, 2017, p.246). Além disso, cada olhar e cada sujeito da pesquisa é singular, tornando-se o evento único e irrepetível como será mais bem detalhado no Capítulo 1 sobre metodologia. 21 Minha intenção com esse doutoramento é apresentar uma tese capaz de oferecer contribuições para se pensar a linguagem na escola e, especificamente, a linguagem constituidora da formação do pequeno leitor nos anos iniciais do Ensino Fundamental. Esta tese é escrita em primeira pessoa do singular porque, entendo, como Volochinov (2017), o enunciado como unidade da troca verbal e, no entanto, compreendo também que cada sujeito expressivo e falante assina do seu lugar singular e irrepetível o seu ato único (Bakhtin, 2010). Compartilhando os ensinamentos de Volochinov (2017) e Bakhtin (2010), opto por uma escrita axiológica, cujas palavras de ordem emotivo- volitiva ocupam espaço nos enunciados de um eu que fala para um tu o resultado de vivências e experiências em eventos únicos. Conhecendo as pesquisas sobre o ato de ler: levantamento bibliográfico Com a finalidade de conhecer as pesquisas realizadas acerca do processo de ensino e aprendizagem do ato de ler, mais especificamente das relações constituidoras do leitor, fiz buscas por dissertações de Mestrado e teses de Doutorado na base de dados da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior – CAPES. Ao acessar a base de dados da CAPES por meio do site catalogodeteses.capes.gov.br, fiz a busca pela seguinte palavra-chave: “relações constituidoras do leitor”. Foram encontrados 1.172.322 dissertações e teses dos últimos cinco anos (2014-2018). Então refinei os resultados ao selecionar os últimos três anos disponíveis (2016-2018) e ao selecionar “Ciências Humanas” como a grande área do conhecimento, as áreas selecionadas foram “Educação” e “Letras/Linguística”, a área de concentração e o Programa selecionados foram “Educação”. Após refinar meus resultados, o número de dissertações e teses encontradas foram 6.279. Diante da alta quantidade de trabalhos de pesquisas, analisei as vinte primeiras páginas do resultado da busca, totalizando 400 dissertações e teses. Dentre essas pesquisas, muitas tratavam de Educação Infantil, Ensino Médio, Ensino Superior, ensino de matemática, informática, química, educação física, educação ambiental, história, ciências, música, sociologia, física, empreendedorismo, alfabetização científica, Educação à Distância - EaD, Educação de Jovens e Adultos - EJA, educação indígena, redes virtuais, educação no campo, educação em penitenciária e formação docente. 22 As pesquisas sobre as relações constituidoras do leitor nos anos iniciais do Ensino Fundamental resultaram em doze dissertações e cinco teses, totalizando dezoito pesquisas, conforme dados nos quadros a seguir. Quadro 1 – Dissertações sobre as relações no ensino e na aprendizagem do ato de ler (2016-2018) INSTITUIÇÃO DE ENSINO TÍTULO AUTOR ANO Universidade Federal do Espírito Santo Literatura nos anos iniciais do ensino fundamental: documentos oficiais e discursos docentes do município de Serra/ES Lorena Bezerra Vieira 2016 Universidade Estadual do sudoeste da Bahia Os discursos sobre leitura e o lugar do sujeito leitor no plano nacional do livro e da leitura Angélica Renata de Castro 2017 Universidade do Extremo Sul Catarinense Leitura no livro didático português: linguagens possibilidades emancipadoras Mateus Mariot do Nascimento 2017 Universidade do Estado de Santa Catarina Consciência fonológica e relações grafema- fonema na alfabetização: contribuições de um programa de ensino Marco Cesar Kruger da Silva 2018 Universidade de Caxias do Sul Educação e linguagem: as situações enunciativas do role-playing game (rpg) como ferramenta pedagógica de constituição da alteridade Rafael Ramires Jaques 2016 Universidade de Caxias do Sul Letramentos em diálogo com o acervo do pacto nacional pela alfabetização na idade certa: uma ampliação da experiência com linguagem Sirley Morello Cella 2016 Universidade Federal do Rio Grande do Norte Educação e literatura: a relação texto-vida na sala de aula Daiane do Nascimento dos Santos 2016 Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho (Presidente Prudente) Um lugar onde moram e se escondem os livros: as bibliotecas escolares e a formação de leitores Izabele Dias dos Santos 2018 23 Universidade Estadual de Campinas Práticas pedagógicas no ensino de leitura nas séries iniciais: o processo de constituição de uma professora Fernanda Caroline Teixeira 2016 Universidade de Passo Fundo A formação de leitores pelo projeto livro do mês na percepção de discentes e docentes de escolas públicas estaduais de Passo Fundo/RS Maria Augusta Darienzo 2016 Universidade Federal de Santa Catarina Literatura infantil em sites educativos: um olhar sobre a formação do/a leitor/a dos anos iniciais Elika da Silva 2016 Universidade de Caxias do Sul Ensino de literatura: da Paideia ao paradigma sistêmico Mariele Gabrielli 2016 Fonte: Russo, 2019 Nesta exposição preliminar das dissertações e teses encontradas, poderemos verificar a relacionadas à constituição do leitor. Vieira (2016) desenvolveu uma discussão sobre as possibilidades de (re) conhecer o lugar da literatura nos anos iniciais do Ensino Fundamental, a partir de diálogos com docentes atuantes nessa etapa de ensino. Baseada em Candido, Bakhtin, Chartier e Leahy-Dios, a pesquisadora concluiu que documentos oficiais e discursos docentes são construções com marcas históricas e sociais e, portanto, a educação literária pode ter origem nas práticas pedagógicas de leitura e formação de leitores, mas precisa ser embasada em políticas públicas que reconheçam o caráter da literatura como experiência estética, caracterizem a leitura literária como prática social, reforcem o potencial emancipatório do texto literário e, por fim, democratizem o acesso à leitura literária. Na pesquisa “Os discursos sobre leitura e o lugar do sujeito leitor no plano nacional do livro e da leitura”, a pesquisadora fez uma análise discursiva (Michel Pêcheux e Eni Pulcinelli Orlandi) do Plano Nacional do Livro e da Leitura e de recortes de entrevistas semiestruturadas realizadas com o gestor educacional e gestor cultural responsáveis pela execução de políticas públicas de leitura a nível municipal (norte de Minas Gerais), com o objetivo de compreender o funcionamento dos discursos oficiais produzidos e legitimados pelo Estado sobre a leitura e sobre o lugar do sujeito leitor nesses discursos. Castro (2017) afirma que as ações do Estado brasileiro voltadas para a leitura e a formação de leitores tiveram como motivação principal as interferências do mercado editorial (cadeia produtiva do livro). Segundo a pesquisadora, os sentidos produzidos a respeito da leitura e do sujeito leitor materializam um ideal de leitor e de 24 leitura sem considerar a relação constitutiva dos sujeitos com a língua. Sendo assim, para Castro (2017), o sujeito leitor é desconsiderado no Plano Nacional do Livro e Leitura - PNLL por meio do funcionamento de discursos característicos do sistema capitalista que universalizam os sujeitos. Nascimento (2017) em sua pesquisa descreveu o estudo realizado na coleção didática Português: Linguagens, de Cereja e Magalhães (2013) com o objetivo de analisar as atividades de leitura propostas na coleção para identificar as que guardam em suas proposições possibilidades emancipadoras (FREIRE, 1977; 1980; 2005; 2008). Por meio da pesquisa bibliográfica, sua análise orientou-se teoricamente nas concepções de linguagem estruturalista, discursiva e interacionista (Saussure,2004; Orlandi, 2007; Leffa, 1996; Solé, 1998; Lajolo, 1982). Nascimento (2017) afirmou que, na coleção estudada, visou-se possibilitar ao aluno uma compreensão para além do funcionamento estrutural e formal da língua, ou seja, o autor evidenciou uma preocupação dos autores em mobilizar o aluno/leitor para uma prática de leitura mais próxima da concepção interacionista, possibilitando, de certa forma, o seu desenvolvimento como aluno leitor crítico e emancipado. Na pesquisa “Consciência fonológica e relações grafema-fonema na alfabetização: contribuições de um programa de ensino”, como o próprio título sugere, a consciência fonológica é vista como grande contribuição para o bom desempenho das crianças no processo de alfabetização, pois, segundo Silva (2018) favorece, desde cedo, a descoberta do princípio alfabético, com o qual a criança poderá adquirir autonomia na leitura de palavras ao serem estimuladas nas habilidades da consciência fonêmica, associada ao ensino das correspondências grafema-fonema. Nesse sentido, a pesquisa se propôs a verificar se o ensino das habilidades de consciência fonológica e das correspondências grafemafonema, através da aplicação de um programa de ensino de curta duração dessas habilidades e correspondências, oferecia contribuição para processo de alfabetização de crianças do primeiro ano da rede municipal de ensino de Florianópolis/SC. Na avaliação posterior à aplicação do programa de ensino não foi observada diferença significativa nas pontuações médias dos testes de leitura de palavras, entre os grupos Experimental e Controle. No entanto, verificou-se que as crianças do Grupo Experimental apresentaram aumento significativamente maior nos testes de Reconhecimento de Grafemas e Consciência Fonêmica, o que permite considerar que o programa de ensino ofereceu alguma contribuição para o processo de alfabetização das crianças. 25 Jaques (2016) fundamentou sua pesquisa em pressupostos teóricos como Platão, Vygotsky, Ferdinand de Saussure e Émile Benveniste para investigar se o Role-playing Game (RPG), também conhecido como Jogo de Representação de Papéis, constitui uma ferramenta favorável, no âmbito escolar, no apoio à constituição da alteridade por parte de alunos. O RPG, por ser um jogo falado, no qual os jogadores narram suas ações e constroem, em conjunto, uma história, só funciona por meio da enunciação. Segundo Jaques (2016), o estudo desenvolveu-se a partir de uma abordagem interacionista, reunindo em seu corpus teórico autores da Linguística, da Filosofia e da Educação, perspectivando compreender se as situações enunciativas, proporcionadas pelo RPG, podem ser utilizadas por educadores como forma de auxiliar seus alunos na compreensão do outro e da interdependência que caracteriza as relações pessoais. O autor salienta que o RPG se apresenta como um jogo que não está fundamentado na disputa, como a maioria dos jogos, mas no triunfo coletivo, por meio da cooperação. Foi essa natureza que permitiu, segundo Jaques (2016), a investigação de possíveis aplicações do Role-playing Game, no contexto escolar, de modo a potencializar a constituição da alteridade. O objetivo de Cella (2016) foi identificar os princípios subjacentes às sequências didáticas, propostas pelo Pacto Nacional pela Alfabetização na Idade Certa (PNAIC), e as possibilidades de ampliação para além da área verbal. O referencial teórico utilizado foi Soares (2004), Kleiman (1995); Tfouni (1995); Marcuschi (2008), Dolz, Noverraz, Schneuwly (2004); Santaella (2014); Rojo (2013); Panozzo (2007). Além da pesquisa- ação em uma classe regular de alunos do terceiro ano do Ensino Fundamental de uma Escola Estadual da região da Serra do Rio Grande do Sul, realizou-se uma análise descritiva das orientações para a Formação Continuada de professores alfabetizadores do PNAIC, identificando a exploração didática dos livros de literatura infantil restrita à dimensão da linguagem verbal. Os dados obtidos demonstraram, segundo a autora, que a visualidade é um aspecto relevante para a atribuição de significados ao texto literário. Cella (2016) destaca a importância da mediação docente dirigida ao planejamento pedagógico na perspectiva dos letramentos, e ressalta a necessária exploração mais abrangente dos sistemas que compõem e oportuniza um livro de literatura infantil e que oportunizam o diálogo com a vida, os outros e o mundo. A pesquisa intitulada “Educação e literatura: a relação texto-vida na sala de aula” investigou o impacto da relação texto-vida na atividade de leitura de literatura em alunos do 4º ano do Ensino Fundamental de uma escola pública de Natal/RN em situação chamada pela autora de “mediação pedagógica”. Houve entrevistas com professoras, 26 aplicação de questionários aos alunos e intervenção da pesquisadora com o livro “A Bolsa Amarela” (BOJUNGA, 2005) e o conto “Tchau” (BOJUNGA, 2008) planejadas e implementadas conforme a experiência de leitura por andaime: pré-Ieitura, leitura e pós- leitura (GRAVES; GRAVES, 1995). Os resultados da pesquisa apontaram, segundo Santos (2016), que a mediação da relação texto-vida favorece a formação de um leitor ativo que pensa sobre o que lê, recorre as suas experiências de vida estabelece articulações com o texto escrito e atualiza-os à medida que seleciona e combina novas informações, construindo assim novos significados dando sentido à palavra escrita. A pesquisa “Um lugar onde moram e se escondem os livros: as bibliotecas escolares e a formação de leitores” baseou-se na lei nº 12.244/2010 e nos Parâmetros para Bibliotecas Escolares (GEBE/CFB/CRB) e pretendeu analisar em Pirapozinho, uma cidade pequena do interior de São Paulo, como se organizam as bibliotecas nas cinco escolas públicas municipais de Ensino Fundamental – Ciclo I, se essas escolas têm bibliotecas escolares e, quando a possuem, se estão adequadas aos Parâmetros para Bibliotecas Escolares. Os resultados, segundo Santos (2018), revelaram uma lei falha e inconclusa que deixa diversas lacunas e, por essa razão todas as escolas pesquisadas a cumprem. A pesquisadora apontou que considerando os Parâmetros para Bibliotecas Escolares tem-se um cenário diferente, no qual nenhuma das cinco escolas consegue atender todos os seus indicadores. Teixeira (2016) desenvolveu a pesquisa “Práticas pedagógicas no ensino de leitura nas séries iniciais: o processo de constituição de uma professora” que foi realizada em uma escola municipal localizada no interior do Estado de São Paulo e teve como alvo de investigação o trabalho de uma professora atuante nas séries iniciais do Ensino Fundamental I que, segundo a pesquisadora, era considerada uma docente de sucesso no ensino da leitura. Teixeira (2016) defende como imprescindível para a constituição do indivíduo, a interação com o “outro”. Subsidiada pelos pressupostos de Leite (2011) e ancorada na abordagem da psicologia histórico-cultural, os resultados indicaram o papel crucial da afetividade, através da família, na constituição da professora como sujeito leitor. Da mesma forma evidenciaram a relevância do curso de Magistério (em detrimento à Graduação) no processo de constituição da professora. Teixeira (2016) verificou a relação afetivamente positiva que a professora, através de suas práticas pedagógicas, estabeleceu entre os estudantes e a leitura, evidenciando a importância do professor como leitor na formação de alunos leitores. 27 Darienzo (2016), parte do trabalho realizado pela formação de leitores por três décadas de Jornadas Literárias, na Capital Nacional e Estadual da Literatura, Passo Fundo/RS, teve seus desdobramentos por meio do Projeto Passo Fundo – Capital Nacional da Literatura e nele, do Projeto Livro do Mês, foco de sua pesquisa. Segundo o autor, para aproximar os leitores em formação de textos de natureza literária, formar uma plateia apreciadora de diferentes manifestações artístico-culturais e, assim, formar leitores multimidiais, é desenvolvida uma prática leitora multimidial, que provoca a interação entre a obra do mês e outras leituras, em diferentes linguagens e em distintos suportes. Tomando esse processo de formação de leitores como universo de investigação, a pesquisa pretendeu investigar as percepções produzidas por estudantes e professores em sua participação no Projeto Livro do Mês e o alcance da concepção de leitura literária, que embasa o referido Projeto, junto a esses sujeitos. Baseado em Rösing, Chartier, Zilberman, Bahktin, Santaella, Petit, Freire, Iser, Silva, Colomer, Paulino e Azevedo, a análise dos dados revelou que: o Projeto Livro do Mês adentra a escola por duas vias distintas, a saber, pelo protagonismo do professor e pelo desejo da escola; desenvolve comportamento leitor e práticas de leitura ligadas a uma concepção de leitura literária nos leitores em formação; a sua interiorização no ambiente escolar depende do envolvimento de professores e estudantes nas diferentes etapas do Projeto e, para além delas, do trabalho realizado antecipadamente e posteriormente ao encerramento de cada edição mensal do Projeto; o processo de institucionalização do Projeto acontece em consequência do comprometimento da escola com a formação de leitores. A pesquisa de Silva (2016) buscou contribuir para os estudos acerca da importância da literatura infantil em diálogo com as mídias digitais no espaço escolar. Para isso, teve como objetivo analisar a configuração dos sites educativos que trazem a temática da literatura infantil, verificando como o literário se evidencia. A pesquisadora constatou que a literatura infantil online pode ser uma aliada dos educadores para incentivar a leitura dos estudantes, porém, nos sites brasileiros e gratuitos analisados nessa pesquisa, em alguns casos, o texto de literatura infantil online apresenta-se sem a as características de interatividade com o/a leitor/a e inovação que esse meio possibilita. A pesquisa “Ensino de literatura: da Paideia ao paradigma sistêmico” buscou aproximações com as rupturas paradigmáticas da ciência, para verificar como esses processos se intercruzam no ensino de Literatura. Gabrielli (2016) evidenciou que o ensino de Literatura centrado no viés cronológico dos períodos literários, no uso do texto para transmissão de valores ou para o ensino da gramática da língua relaciona-se à 28 concepção de ciência advinda do paradigma tradicional, dominante. Além disso, práticas leitoras que concebem a literariedade dos textos, a atribuição de sentidos a partir das vivências do estudante e das condições oferecidas pelo professor, entendido por Gabrielli (2016) como mediador, trazem as marcas do modelo científico emergente, do pensamento sistêmico na educação. A pesquisa sinaliza, segundo Gabrielli (2016), que o ensino de Literatura, pelo viés da religação dos saberes, pode ser o fio condutor para as mudanças que se fazem necessárias ao processo educativo contemporâneo e a orientação metodológica de Cosson (2006) para a promoção do letramento literário é uma possibilidade de ensino sob a perspectiva sistêmica. Através das relações estabelecidas entre a evolução do pensamento educacional e as rupturas paradigmáticas da ciência sugere-se que o ensino de Literatura seja orientado para a formação do leitor, centrado no processo de humanização, nas significações que o aluno constrói para suas leituras e nas interações estabelecidas com a realidade. A investigação também apresenta subsídios teóricos para o ensino de Literatura, no Ensino Médio, consoante com os pressupostos contemporâneos de educação e de ciência, a partir da perspectiva do letramento literário. Algumas pesquisas apresentaram referencial teórico distinto dessa pesquisa, como a de Nascimento (2017) ao abordar as concepções de linguagem estruturalista, discursiva e interacionista e a de Silva (2018) ao defender a consciência fonológica. Outras pesquisas sobressaíram aos meus olhos ao abordarem alguns conceitos próximos a essa pesquisa, embora também com perspectivas teóricas distintas, como a pesquisa de Jaques (2016) que aborda alteridade e enunciação, porém com viés interacionista e com abordagem da linguística; ou da de Santos (2016) que traz a importância de levar a vida para a sala de aula e para a organização do ensino, contudo com foco na mediação do professor, conceito superado na filosofia da linguagem (VOLOCHINOV, 2017; BAKHTIN, 2011) em que o signo ideológico é o mediador na relação “eu - outro”, o professor, neste caso, seria o criador de elos mediadores para que a aprendizagem aconteça. Ele é o organizador do trabalho pedagógico. A relação entre os sujeitos também está presente em pesquisa analisada, em que Teixeira (2016) afirma como imprescindível para a constituição do indivíduo, a interação com o “outro”. Santos (2018) evidencia a importância do professor como leitor na formação de alunos leitores. Gabrielli (2016) faz críticas a concepção de ciência advinda do paradigma tradicional dominante e ressalta o ensino de Literatura como orientador na formação do leitor, centrado no processo de humanização, nas significações que o aluno constrói para suas leituras e nas interações estabelecidas com a realidade. 29 Observei, portanto, que as dissertações aqui analisadas abordam de maneiras diferentes a leitura e a literatura, elevando com discussões teóricas e práticas a área da leitura tão cara a formação humana. Entretanto não trazem a preocupação de compreender as relações de trocas no ensino e na aprendizagem do ato de ler. Vejamos abaixo as teses levantadas acerca do assunto. Quadro 2 – Teses sobre as relações no ensino e na aprendizagem do ato de ler (2016-2018) INSTITUIÇÃO DE ENSINO TÍTULO AUTOR ANO Universidade de São Paulo O ensino de leitura literária nos anos iniciais do ensino fundamental: dimensões relativas à gestão e à estrutura da escola Iracema Santos do Nascimento 2016 Universidade Federal do Rio de Janeiro Aulas de literatura do Ensino Fundamental do colégio Pedro II – campus Humaitá Vanessa de Abreu Camasmie 2017 Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho (Presidente Prudente) Nas veredas da leitura: ações para formação de leitores autônomos Silvana Ferreira de Souza Balsan 2018 Universidade de São Paulo Esse jogo daria um ótimo livro: uma análise da literatura gamer e da constituição de práticas de leitura em narrativas transmidiáticas Aline Akemi Nagata Prado 2016 Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho (Presidente Prudente) Andersen e o ensino de estratégias de leitura: relações entre leitores e textos Vania kelen Belao Vagula 2016 Fonte: Russo, 2019 Nascimento (2016) teve como objetivo verificar e analisar as dimensões relativas à gestão e à estrutura da escola no ensino de leitura literária nos anos iniciais do Ensino 30 Fundamental em uma escola da rede estadual paulista, na periferia da zona sul de São Paulo. Tendo a perspectiva sócio-histórica como base conceitual, a pesquisadora traz como resultados da pesquisa, identificados em cinco dimensões que devem estar conjugadas para garantir um trabalho pedagógico consistente de ensino da leitura literária ao longo de todo o ciclo dos anos iniciais: formação de professores; planejamento e gestão pedagógica; objetos de leitura e seus usos; avaliação; interlocução para a produção de sentidos. Nascimento (2016) verificou que, apesar de alguns avanços, essas cinco dimensões não são consideradas em seu conjunto no âmbito do sistema estadual de ensino e tampouco na escola. O objetivo geral da pesquisa intitulada “Aulas de literatura do Ensino Fundamental do Colégio Pedro II – campus Humaitá” foi compreender tais aulas. O referencial teórico discutiu os conceitos de letramento literário (COSSON & PAULINO, 2009); educação literária (COLOMER, 2009); vivência estética (VIGOTSKI, 2010); experiência estética (LARROSA, 2003 e BENJAMIN, 1994); contemplação estética (BAKHTIN, 1993b); dimensões da literatura (FITTIPALDI, 2013) e linhas de força de promoção da leitura (BRITTO, CAMASMIE e SERRA, 2015). Segundo Camasmie (2017), a proposta curricular (CPII, 2008) e as aulas se articulam em certa medida, elas partem de um tema, se estruturam na tríade - leitura, conversa e fazer artístico - e pretendem formar um leitor crítico. A pesquisadora conclui que a literatura é compreendida como arte, as crianças ouvem, conversam, desenham, debatem e escrevem, a partir de livros clássicos e atuais. Além disso, a proposta curricular e as aulas apresentam uma tensão entre a educação literária e a formação literária, partindo da ideia de que a literatura é um direito (CANDIDO, 2011), a partir da experiência do CPII, defende-se a formação literária como uma abordagem para aulas de Literatura nos anos iniciais do Ensino Fundamental. Balsan (2018) teve como objetivo compreender como o processo de múltiplas ações de leitura, articuladas entre si, influenciaria a formação de leitores autônomos. A primeira ação de leitura, denominada Oficina de estratégias de leitura baseou-se na metodologia de ensino norteamericana, a qual propõe ensinar as estratégias de leitura. A segunda ação foi a formação de um Clube do livro, que se caracterizou por proporcionar uma prática de leitura coletiva e o compartilhamento entre todos, já que o grupo de educandos se encontrava regularmente, para discutir capítulos lidos em casa, da obra literária Chapeuzinho Adormecida no País das Maravilhas (2010), de Flávio de Souza. A terceira ação foi o Baú de leitura, que se constituiu em uma pequena biblioteca no interior 31 da sala de aula, com um acervo de obras diversas, o qual surgiu e se ampliou a partir dos interesses e solicitações dos estudantes em uma sala do Ensino Fundamental de 4º ano da Rede Municipal de Ensino de Dracena/SP, cuja pesquisadora era também a professora. Balsan (2018) afirma que três ações articuladas possibilitaram a formação de leitores mais autônomos a partir da constituição do pensamento estratégico. A autora também destaca a necessidade de proporcionar momentos de leitura, seja individual, seja compartilhada, nos quais o professor é o mediador ofertando progressivamente leituras que favoreçam o desenvolvimento da autonomia dos alunos. A tese “Esse jogo daria um ótimo livro” defende que as novas formas de narrar, em especial as transmidiáticas, estão constituindo novas práticas sociais de leitura que visam enredar o leitor em um processo contínuo e controlado de consumo tornando-o fiel a uma marca ou produto. Contudo, para Prado (2016), nesse processo, os próprios leitores encontram brechas para se movimentarem de forma crítica, assumindo um lugar ativo e engajado (JENKINS; FORD; GREEN, 2014), acessando conteúdo em diferentes mídias, discutindo com seus pares para a compreensão do todo e produzindo novos conteúdos a partir disso. A pesquisadora afirma que a narrativa transmidiática estabelece novas práticas sociais de leitura que, para além da leitura dos objetos, um processo participativo sem dúvida, exige do autor-leitor-jogador que busque mais, que acesse outras mídias e que saiba lê-las, que discuta com outros seus interesses e descobertas, para formar um todo narrativo completo e que por fim, ressignifique essa experiência narrativa em produções próprias. Vagula (2016), pautada em uma concepção dialógica de linguagem e de texto, tendo como aporte uma metodologia de ensino norte-americana que propõe ensinar as estratégias de maneira sistematizada, afirma que sua pesquisa versa sobre o ensino de estratégias metacognitivas de leitura, com textos de Hans Christian Andersen. A pesquisa objetivou conhecer mais sobre as contribuições que o ensino de leitura por meio de estratégias metacognitivas poderia proporcionar para as relações entre o leitor e o texto em uma sala de 5° ano do Ensino Fundamental da rede municipal de ensino de Presidente Prudente. A tese confirmou o papel do conhecimento prévio como essencial para compreender o novo, sendo que a leitura de diferentes textos do mesmo autor e a aquisição de conhecimentos sobre Andersen trouxeram contribuições significativas para ampliar e aprofundar os conhecimentos dos alunos. A análise dos dados demonstrou também, segundo a pesquisadora, que a aprendizagem de estratégias e sua prática em 32 contextos reais de leitura com os textos selecionados pôde auxiliar na aproximação entre aluno e texto, facilitando a compreensão e estabelecerem diálogos com os textos. A pesquisa de Nascimento (2016) objetivou as dimensões de gestão e estrutura da escola, ainda que tenha sido no ensino de leitura literária nos anos iniciais do Ensino Fundamental e sua perspectiva teórica foi a sócio-histórica. O foco de Prado (2016) também foi diferente da atual pesquisa, pois tratou-se das transmídias como novas práticas sociais de leitura. Camasmie (2017) afirmou a literatura como um direito (CANDIDO, 2011) e discutiu conceitos bakhtinianos como a vivência estética, mas distanciou-se da presente pesquisa ao focalizar conceitos como educação literária (COLOMER, 2009). Já as pesquisas de Balsan (2018) e Vagula (2016) apresentaram pontos em comum com essa pesquisa, pois trouxeram as estratégias de leitura. O objetivo de Balsan (2018) foi compreender como o processo de múltiplas ações de leitura (Oficina de estratégias de leitura, formação de um Clube do livro e o Baú de leitura) articuladas entre si, influenciaria na formação de leitores autônomos. Porém focalizou as três ações articuladas para a formação de leitores mais autônomos a partir da constituição do pensamento estratégico e compreendeu o professor como o mediador de leituras no desenvolvimento da autonomia dos alunos. Conceitos que se distanciam desta tese, em que reafirmo a compreensão do signo como mediador da leitura e o professor como criador do elo de mediação entre o livro e o aluno. Vagula (2016) pautou-se em uma concepção dialógica de linguagem e de texto e compreendeu a importância das estratégias de leitura, em especial o papel fundamental dos conhecimentos prévios dos alunos para a leitura, pontos convergentes com a atual pesquisa. Porém seu trabalho foi com crianças do 5º ano do Ensino Fundamental pautado nos textos de Hans Christian Andersen. Portanto, as teses analisadas brevemente apresentaram pesquisas acerca da leitura e literatura, inclusive abordando as estratégias de compreensão leitora que serão analisadas nessa pesquisa. Reafirmo a importância das pesquisas sobre leitura e literatura, pois levam luz ao ato de ler. Porém, reitero, assim como afirmei na análise das dissertações, que as pesquisas levantadas nesta análise objetiva não trazem a preocupação de compreender as relações de alteridade presentes no ensino e na aprendizagem do ato de ler, relações constituidoras do leitor. 33 INTRODUÇÃO O que significa ler algo? A resposta é imensamente mais complexa do que poderia sugerir uma primeira reação, um reflexo automático de alguém tomado de surpresa por uma pergunta tão primária. Pensemos, inicialmente, numa página de um jornal diário impresso. Ler tal página, é óbvio e ululante, significa interpretar, dar um sentido ao noticiário, aos comentários, aos artigos ali expostos. Sim, ok, está certo. Mas como decodificar, interpretar, dar um sentido ao texto? O que, exatamente, o leitor mobiliza nessa tarefa, além da mera capacidade técnica de juntar caracteres e com isso formar palavras, sentenças, parágrafos? (Prefácio, ARBEX JR in Foucambert, 2008). No intuito da busca acerca das relações constituidoras do leitor, em busca da resposta do que é ler, conforme epígrafe acima, minha intenção neste capítulo é propor reflexão aos leitores e a mim mesma como pesquisadora e, aqui, escritora dos meus enunciados, de instaurar a dúvida em argumentos aparentemente consensuais e imutáveis. Pretendo, por outro lado, argumentar em favor de algumas perspectivas possibilitadoras de superação, mas sem a pretensão de resolver, sobre as relações entre alunos, professores, materiais e espaços de leitura dos anos iniciais do Ensino Fundamental do ensino e da aprendizagem do ato de ler em Língua Portuguesa. O meu foco procurará se concentrar nos enunciados emergentes do ensino e da aprendizagem do ato de ler porque elegi como objeto de pesquisa as próprias relações de troca entre alunos, professoras, espaços, livros e outros materiais de leitura no que tange o ensino e a aprendizagem do ato de ler. As dificuldades encontradas nas escolas brasileiras sobre o ensino e a aprendizagem no início do processo de escolarização acerca do ato de ler, é uma realidade latente. Para realizar análise sobre essa realidade, parto do pressuposto de que historicamente o ensino do ato de ler apoia-se predominantemente na ênfase em pronúncia fluente sem considerar a intenção do leitor de atribuir sentido ao texto em 34 situações sociais, históricas e culturais. Em substituição a essa perspectiva, a escola costumeiramente ensina aos alunos como tomar posse de alguns aspectos do sistema linguístico por não compreender que o ato de ler é uma ação plural inserida na cultura, na história e na sociedade. Problemas criados por ações do processo educacional, bem como das políticas públicas têm raízes em múltiplas áreas que envolvem aspectos de natureza histórica, vinculados a concepções sobre o que se considera saber ler e sobre o desempenho do bom leitor. Estudos sobre o ensino da língua materna escrita para as crianças pequenas no mundo ocidental indicam a existência de problemas históricos (ARENA, 2010, p.238). Do ponto de vista histórico, esses aspectos provocaram diversas discussões entre políticos, pedagogos, psicólogos, linguistas e médicos acerca do método mais eficiente para ensinar a língua escrita, inclusive sobre