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UNIVERSIDADE DE BRASÍLIA FACULDADE DE EDUCAÇÃO PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO HIGIENE E REPRESENTAÇÃO SOCIAL: o sujo e o limpo na percepção de futuros professores de Ciências. Autora: Mercia Helena Sacramento Brasília, 2009 UNIVERSIDADE DE BRASÍLIA FACULDADE DE EDUCAÇÃO PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO HIGIENE E REPRESENTAÇÃO SOCIAL: o sujo e o limpo na percepção de futuros professores de Ciências. Autora: Mercia Helena Sacramento Tese apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Educação da Faculdade de Educação da Universidade de Brasília/UnB como parte dos requisitos para a obtenção do título de Doutor. Brasília, 11 de dezembro de 2009 UNIVERSIDADE DE BRASÍLIA FACULDADE DE EDUCAÇÃO PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO TESE DE DOUTORADO HIGIENE E REPRESENTAÇÃO SOCIAL: o sujo e o limpo na percepção de futuros professores de ciências Autora: Mercia Helena Sacramento Orientadora: Profª. Dra. Maria Helena da Silva Carneiro Banca: Profª. Dra. Elizabeth Tunes .................................(UnB) Profª. Dra. Angela Maria de Oliveira Almeida .....(UnB) Profª. Dra. Carmen Jansen de Cárdenas ...........(UCB) Profª. Dra. Simoni Campos Dias.........................(UCB) Profª. Dra. Maria Liz Cunha de Oliveira. .............(UCB) II AGRADECIMENTOS A realização deste trabalho só foi possível graças à colaboração de professores, familiares, colegas e amigos. Dentre todos cabe agradecer, em especial: À Profª. Dra. Maria Helena da Silva Carneiro, orientadora e amiga, pelo seu apoio, incentivo, dedicação intensiva, paciência e confiança no acompanhamento deste trabalho; À Profª. Dra. Elizabeth Tunes, professora e amiga, pelo apoio e contribuição ao longo do desenvolvimento deste trabalho; À Profª. Dra. Angela Maria de Oliveira Almeida, brilhante professora, por seu exemplo de perseverança, pelo apoio demonstrado no convívio acadêmico e pelo suporte técnico fornecido durante as suas aulas; À Profª. Dra. Carmen Jansen de Cárdenas, amiga que admiro, pelo modelo de competência e esperança, tantas vezes demonstrado nas conversas e trocas de idéias que tivemos; À Profª. Dra. Simoni Campos Dias, amiga de todas as horas, pelas oportunidades de crescimento e pela confiança no trabalho desta autora como colaboradora e professora; À Profª. Dra. Maria Liz Cunha de Oliveira, pelas contribuições dadas na defesa deste trabalho; À M.Sc Weranice Mendes Brasil, amiga que admiro, pelas contribuições dadas e apoio constante, na vida profissional e neste trabalho; Ao meu esposo, Aristeu Sacramento, por ter incentivado e colaborado, continuamente, para o meu crescimento pessoal e profissional; Aos meus filhos, Aristeu, Angela e Adriana, aos meus genros, Cristiano e Jonatan, à minha nora Renata, pelo amor e entusiasmo demonstrado em cada etapa vencida nesta minha jornada; Aos meus netos, Leonardo, Lorena, Rafael e Gustavo (que ainda não nasceu, mas já é muito amado), na presença dos quais as emoções mais lindas afloram, provando que valeu a pena ter vivido. À minha mãe Zuleika Ferreira Miguel, a meus irmãos e, principalmente a meu tio Milton Martins Ferreira, que me incentivou e demonstrou extrema alegria quando iniciei o doutorado. A todos, o meu muito obrigada! III DEDICATÓRIA “Naquela mesa ele sentava sempre, e me dizia sempre o que é viver melhor. Naquela mesa ele contava histórias, que hoje na memória eu guardo e sei de cor. Naquela mesa ele juntava gente e contava contente o que fez de manhã... E nos seus olhos era tanto brilho, que mais que seu filho eu fiquei seu fã. Eu não sabia, que doía tanto, uma mesa num canto, uma casa e um jardim. Se eu soubesse o quanto dói a vida, esta dor tão doída não doía assim... ..................................................................... Naquela mesa está faltando ele e a saudade dele está doendo em mim.” (Trecho da música “Naquela Mesa” de Sérgio Bittencourt) Dedico este trabalho a meu pai, Jorge Miguel (in memorian), sempre amado e inesquecível que, com amor, dedicação e carinho, colaborou, e muito, com a educação de seus filhos. A vitória hoje alcançada merece ser compartilhada com aquele que me deixou como legado a esperança, o amor e a solidariedade. Sua filha e eternamente amiga, Mercia Helena IV “ Eu imagino Deus como a fonte de toda a energia, que criou e mantém o equilíbrio do Universo. Vejo Deus na flor e na abelha que lhe suga o néctar para produzir o mel, no pássaro que devora a abelha, no homem que devora o pássaro e no verme que devora o homem. Eu vejo Deus em cada estrela do céu, nas minhas noites, nas pousadas. E nos olhos tristes de cada boi, ruminando na invernada... Só não consigo ver Deus, no homem que devora o homem, por isso acho que ainda tenho muito o que aprender nesses caminhos da vida...” ( palavras de um peão boiadeiro) A esse Deus descrito acima, nas palavras simples de um peão boiadeiro, agradeço por estar viva, pois é a vida que impulsiona os sonhos e nos dá força para realizá-los. V RESUMO O presente trabalho busca contribuir para a discussão de questões relacionadas às representações sociais da higiene corporal, construídas por estudantes do início e do final de um curso de licenciatura em Ciências Biológicas, bem como verificar quais são as suas percepções sobre o sujo, o limpo e o corpo. O referencial teórico utilizado foi a Teoria das Representações Sociais de Moscovici e a abordagem estrutural de Abric. A pesquisa foi realizada em duas etapas: na primeira, com quarenta e nove iniciantes e cinqüenta e oito concluintes do curso e, na segunda etapa, com dezesseis iniciantes e dezesseis concluintes. O instrumento de pesquisa utilizado na primeira etapa da pesquisa foi o questionário, contendo a técnica da associação livre de palavras e questões abertas. Na segunda etapa foi utilizada a técnica da triagem hierárquica sucessiva. Após a tabulação dos dados e a análise dos resultados, verificou-se que tanto os iniciantes, quanto os concluintes têm um campo de representação que contém, praticamente, os mesmos atributos, mas estes se organizam de maneira diferente. Os resultados demonstram que há uma relação entre a higiene corporal e as percepções sensoriais dos estudantes, com destaque para a visão e o olfato. Outra constatação foi que a percepção de sujo e de limpo está vinculada aos cuidados com o corpo, ou seja, com aquilo que é visto ou sentido por eles ou pelos outros. Ao final da pesquisa concluiu-se que as representações sociais da higiene corporal, do sujo e do limpo, sofrem transformações ao longo do curso de licenciatura. Palavras – chaves: representação social, higiene corporal, sujo, limpo VI ABSTRACT This study aims to discuss issues related to social representations of bodily hygiene, built by students at the beginning and the end of a degree course in Biological Sciences, and to discover what are their perceptions about the dirty, the clean and the body. The theoretical framework was the Theory of Social Representations of Moscovici and structural approach of Abric. The survey was conducted in two phases: first, with forty- nine starters and fifty-eight graduates of the course and the second stage, beginning with sixteen and sixteen graduates. The survey instrument used in the first stage of the research was a questionnaire containing the technique of free association of words and open questions. In the second step we used the technique of successive hierarchical sorting. The analyses of the date showedthat both beginners, as the graduates have a field of representation that contains virtually the same attributes, but these are organized differently. The results show that there is a relationship between the hygienic and sensory perceptions of students, especially sight and smell. Another finding was that the perception of the dirty and the clean is tied with the cares with the body, that is, with what it is seen or felt by them or the others. To the end of the research one concluded that the social representations of the corporal hygiene, from the dirty and the clean, suffer transformations throughout the degree course. Words - words: social representation, hygiene, dirty, clean VII RESUMÉ Cette étude vise examiner les questions liées à les représentations sociales de l'hygiène corporelle, construit par les étudiants d'un cours de formation de professeur de biologie, et de découvrir quelles sont leurs perceptions le propre et le sale. Les données ont été interpreté avec l‟aide de la théorie des représentations sociales de Moscovici et de l'approche structurelle de proposé par Abric. L'enquête a été menée en deux phases: d'abord, avec quarante-neuf étudiants qui était au début du cours de biologie et cinquante-huit em phase final de formation. L'instrument utilisé dans la première étape de la recherche était un questionnaire portant sur la technique de l‟association libre des mots et des questions ouvertes. Dans la seconde étape, nous avons utilisé la technique de Tri- teste. L‟analyse des résultats a montré que tant les étudiants débutants comme les étudiants en phase finale de cours ont un champ de représentation qui sont pratiquement les mêmes, mais celles-ci sont organisés différemment. Les résultats montrent qu'il existe une relation entre les perceptions de l‟hygiènie et l‟aspect sensorielles, en particulier la vision et l'odorat. Une autre constatation est que la perception du sale et du propre est en relation aux soins du corps, c‟est à dire, avec les aspects visible où senti par eux ou par les autres. À la fin de l'étude ont peut conclure qu‟il a eu des transformation dans les représentations sociales de l'hygiène, et propreté. Mots - des mots: la représentation sociale, hygiène,sale, propreté. VIII LISTA DE FIGURAS Figura 1 – Estrutura e organização da representação social da HIGIENE CORPORAL, na opinião de 16 estudantes do Grupo I que participaram do Tri – teste. ............................................... 170 Figura 2 – Estrutura e organização da representação social da HIGIENE CORPORAL, na opinião de 16 estudantes do Grupo C que participaram do Tri – teste. ............................................. 171 Figura 3 – Estrutura e organização da representação social de SUJO, na opinião de 16 estudantes do Grupo I que participaram do Tri – teste. ................................................................ 179 Figura 4 – Estrutura e organização da representação social de SUJO, na opinião de 16 estudantes do Grupo C que participaram do Tri – teste. ................................................................ 180 Figura 5 – Estrutura e organização da representação social de LIMPO, na opinião de 16 estudantes do Grupo I que participaram do Tri – teste. ................................................................ 188 Figura 6 – Estrutura e organização da representação social de LIMPO, na opinião de 16 estudantes do Grupo C que participaram do Tri – teste. ................................................................ 189 IX LISTA DE QUADROS QUADRO 1 – Planilha para coleta de dados sobre a higiene corporal – Grupo I ............................................................................. 79 QUADRO 2 – Perfil dos estudantes iniciantes do curso de licenciatura em ciências biológicas. (Grupo I) ................................... 83 QUADRO 3 – Perfil dos estudantes iniciantes do curso de licenciatura em ciências biológicas. (Grupo C) .................................. 84 QUADRO 4 – Indicação dos atributos de “Higiene Corporal” na ordem de evocação feita pelos alunos do Grupo I (iniciantes). ..... 86 QUADRO 5 – Categorização dos atributos de “higiene corporal” apontados estudantes do Grupo I (iniciantes). .................................. 89 QUADRO 6 – Palavra que mais representa a higiene corporal na percepção dos estudantes do Grupo I (iniciantes) ........................ 90 QUADRO 7 – Indicação dos atributos de “Higiene Corporal” na ordem de evocação feita pelos alunos do Grupo C (concluintes). 95 QUADRO 8 – Categorização dos atributos de “higiene corporal” apontados estudantes do Grupo C. (concluintes). ............................. 97 QUADRO 9 – Palavra que mais representa a higiene corporal na percepção dos estudantes do Grupo C. (concluintes). ................. 98 QUADRO 10 – Indicação dos atributos de “Sujo ” na ordem de evocação feita pelos alunos do Grupo I. (iniciantes) ..................... 110 QUADRO 11 – Categorização dos atributos de “Sujo” apontados estudantes do Grupo I. (iniciantes) .................................. 113 QUADRO 12– Palavra que mais representa o sujo na percepção dos estudantes do Grupo I. (iniciantes) ....................... 115 QUADRO 13 – Indicação dos atributos de “Sujo ” na ordem de evocação feita pelos alunos do Grupo C. (concluintes). ................ 119 QUADRO 14 – Categorização dos atributos de “Sujo” apontados estudantes do Grupo C. (concluintes). ............................. 123 QUADRO 15– Palavra que mais representa o sujo na percepção dos estudantes do Grupo C. (concluintes). ................. 125 QUADRO 16 – Indicação dos atributos de “Limpo” na ordem de evocação feita pelos alunos do Grupo I. (iniciantes) ..................... 137 QUADRO 17 – Categorização dos atributos de “Limpo” apontados estudantes do Grupo I. (iniciantes) .................................. 140 QUADRO 18 – Palavra que mais representa o limpo na percepção dos estudantes do Grupo I. (iniciantes) ....................... 142 QUADRO 19 – Indicação dos atributos de “Limpo ” na ordem de evocação feita pelos alunos do Grupo C. (concluintes). ................ 146 QUADRO 20 – Categorização dos atributos de “Limpo” apontados estudantes do Grupo C. (concluintes). ............................. 149 X QUADRO 21 – Palavra que mais representa o limpo na percepção dos estudantes do Grupo C. (concluintes). ................. 151 QUADRO 22 - Os trinta e dois atributos que mais se destacaram para “higiene corporal”, de acordo com estudantes do grupo I.(iniciantes) 161 QUADRO 23 - Os trinta e dois atributos que mais se destacaram para “higiene corporal”, de acordo com estudantes do grupo C.(concluintes) ......... 162 QUADRO 24 - Os trinta e dois atributos que mais se destacaram para “sujo”, de acordo com estudantes do grupo I. (iniciantes) .......... 162 QUADRO 25 - Os trinta e dois atributos que mais se destacaram para “sujo”, de acordo com estudantes do grupo C. (concluintes)...... 162 QUADRO 26 - Os trinta e dois atributos que mais se destacaram para “limpo”, de acordo com estudantes do grupo I. (iniciantes) ........ 163 QUADRO 27 - Os trinta e dois atributos que mais se destacaram para “limpo”, de acordo com estudantes do grupo C. (concluintes) .... 163 QUADRO 28 - Atributos de higiene corporal, segundo estudantes do Grupo I (iniciantes), em freqüência simples e porcentagens. ........ 164 QUADRO 29 - Atributos de higiene corporal, segundo estudantes do Grupo C (concluintes), em freqüência simples e porcentagens. .... 166 QUADRO 30 - Quadro comparativo dos atributos maisdestacados pelos estudantes dos Grupo I (iniciantes) e C (concluintes) para higiene corporal, obtidos no Tri-teste. ........................................ 169 QUADRO 31 - Atributos de sujo, segundo estudantes do Grupo I (iniciantes), em freqüência simples e porcentagens. ........................................... 173 QUADRO 32 - Atributos de sujo, segundo estudantes do Grupo C (concluintes), em freqüência simples e porcentagens. ............................................. 175 QUADRO 33 - Quadro comparativo dos atributos mais destacados pelos estudantes dos Grupo I (iniciantes) e C (concluintes) para sujo, obtidos no Tri-teste. ........................................................... 178 QUADRO 34 - Atributos de limpo, segundo estudantes do Grupo I (iniciantes), em freqüência simples e porcentagens. ............................................. 182 QUADRO 35 - Atributos de limpo, segundo estudantes do Grupo C (concluintes), em freqüência simples e porcentagens. ............................................. 185 QUADRO 36 - Quadro comparativo dos atributos mais destacados pelos estudantes dos Grupo I (iniciantes) e C (concluintes) para limpo, obtidos no Tri-teste. ......................................................... 187 XI LISTA DE ILUSTRAÇÕES Ilustração 1: Catadores de lixo .................................................................................. 25 Ilustração 2: Morador de rua ..................................................................................... 26 Ilustração 3: Traje feminino do século XVI ................................................................ 51 Ilustração 4: Roupa de baixo do século XVIII ............................................................ 52 Ilustração 5: Escravos “tigres” ................................................................................... 54 Ilustração 6: Festa com banheira .............................................................................. 55 Ilustração 7: Cabelos empoados ........................................................................................ 57 Ilustração 8: Frascos de perfumes – Idade Média............................................................. 58 Ilustração 9: Transtorno alimentar: anorexia ............................................................. 74 XII SUMÁRIO INTRODUÇÃO ................................................................................................. 15 CAPÍTULO 1 – TEORIA DAS REPRESENTAÇÕES SOCIAIS ....................... 31 1.1 Origem e significado do conceito de Representação Social ............. 31 1.2 Principais conceitos .............................................................................. 37 1.3 As representações sociais na educação ............................................. 42 1.4 Transformações das Representações Sociais .................................... 45 CAPÍTULO 2 – RESGATANDO O PASSADO PARA ENTENDER O PRESENTE .................................................................................................. 48 2.1 Um presente limpo com um passado sujo ............................................. 48 2.1.1 A substituição da água pelo pó branco e pelo perfume ............. 57 2.2 O corpo na história................................................................................... 64 2.2.1 A unicidade e a dicotomia corpo/alma ......................................... 67 CAPÍTULO 3 – FUNDAMENTOS TEÓRICOS E METODOLÓGICOS DA PESQUISA ................................................................................................. 76 3.1 Explicitando os objetivos da pesquisa................................................... 76 3.2 Os instrumentos da pesquisa ................................................................. 76 3.3 Os participantes da pesquisa .................................................................. 80 3.4 Os procedimentos de análise da pesquisa ............................................ 81 CAPÍTULO 4 – A HIGIENE E A REPRESENTAÇÃO SOCIAL: RESULTADOS DA PESQUISA ....................................................................... 82 4.1 1º ESTUDO ................................................................................................ 82 4.2 PERFIL DOS PARTICIPANTES ................................................................ 83 4.2.1 Perfil dos participantes do Grupo I (iniciantes) ............................ 83 4.2.2 Perfil dos participantes do Grupo C (concluintes) ....................... 84 4.3 APRESENTAÇÃO DOS RESULTADOS ................................................... 85 4.3.1 Análise e discussão dos dados gerados a partir da aplicação do questionário ......................................................... 85 4.3.1.1 Bloco Temático: Higiene Corporal .................................... 86 4.3.1.1.1 Principais atributos para Higiene Corporal indicados pelos estudantes do Grupo I .............. 86 XIII 4.3.1.1.2 Principais atributos para Higiene Corporal indicados pelos estudantes do Grupo C ............. 94 4.3.1.1.3 Discussão dos Resultados – Grupo Temático: Higiene Corporal .................................................... 102 4.3.1.2 Bloco Temático: Sujo ......................................................... 109 4.3.1.2.1 Principais atributos para Sujo indicados pelos estudantes do Grupo I ............... 109 4.3.1.2.2 Principais atributos para Sujo indicados pelos estudantes do Grupo C ............. 119 4.3.1.2.3 Discussão dos Resultados – Grupo Temático: Sujo ......................................................................... 130 4.3.1.3 Bloco Temático: Limpo ...................................................... 136 4.3.1.3.1 Principais atributos para Limpo indicados pelos estudantes do Grupo I ............... 136 4.3.1.3.2 Principais atributos para Limpo indicados pelos estudantes do Grupo C ............. 145 4.3.1.3.3 Discussão dos Resultados – Grupo Temático: Limpo ...................................................................... 155 4.4 2º ESTUDO: TRIAGEM HIERÁRQUICA SUCESSIVA ............................ 160 4.4.1 Identificando a estrutura e a organização da representação social da “higiene corporal”, “sujo” e “limpo” construídas por estudantes do curso de licenciatura em ciências biológicas. ........................ 160 4.4.2 APRESENTAÇÃO DOS RESULTADOS – BLOCO TEMÁTICO HIGIENE CORPORAL ..................................................................... 163 4.4.2.1 GRUPO I (iniciantes) ........................................................... 163 4.4.2.2 GRUPO C (concluintes) ...................................................... 165 4.4.3 DISCUSSÃO DOS RESULTADOS: BLOCO TEMÁTICO: HIGIENE CORPORAL ...................................................................... 168 4.4.4 APRESENTAÇÃO DOS RESULTADOS Bloco Temático: Sujo ......................................................................172 4.4.4.1 GRUPO I (iniciantes) ........................................................... 172 4.4.4.2 GRUPO C (concluintes) ...................................................... 175 4.4.5 DISCUSSÃO DOS RESULTADOS: Bloco Temático: Sujo ............ 177 4.4.6 APRESENTAÇÃO DOS RESULTADOS – BLOCO TEMÁTICO LIMPO .............................................................................................. 181 4.4.6.1 GRUPO I (iniciantes) ........................................................... 181 XIV 4.4.6.2 GRUPO C (concluintes) ...................................................... 184 4.4.7 DISCUSSÃO DOS RESULTADOS – Bloco Temático: Limpo ....... 187 CAPÍTULO 5 – CONSIDERAÇÕES FINAIS .................................................... 191 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ................................................................ 196 ANEXOS .......................................................................................................... 203 ANEXO 1 – Questionário (1º estudo) ............................................................ 204 ANEXO 2 – Planilhas utilizadas no Tri-teste (2º estudo) ............................. 207 15 INTRODUÇÃO A escola existe tanto nas sociedades agrárias quanto nas megalópoles, nos regimes totalitários e nas democracias, nos bairros chiques e nas favelas e, apesar dos equipamentos desiguais, dos professores quase formados, dos alunos quase cooperativos, as semelhanças saltam aos olhos. (PERRENOUD, 2002: p.191) A sociedade contemporânea, internacionalizada e com maiores facilidades de acesso aos meios de comunicação, ingressou no terceiro milênio com uma série de questionamentos a respeito do homem que ela está preparando para viver no século XXI. Isso tem exigido uma reflexão contínua quanto à existência humana, as novas formas de educação e uma redefinição dos conteúdos e estratégias a serem adotados nos cursos de graduação em geral e nos de licenciatura em particular. A educação, nesse contexto, procura expressar os anseios dessa sociedade, tanto nos aspectos cultural, filosófico, humanístico e histórico, quanto nos aspectos político, econômico e social. A escola, instrumento de sistematização da educação e uma das instâncias de transformação do conhecimento, busca refletir os ideais da comunidade onde está inserida, num determinado espaço de tempo. Em uma sociedade em processo de rápidas e profundas mudanças é necessário a re-elaboração do ensinar e do aprender, adotando modelos diferentes dos conhecidos até agora. Ensinar e aprender, hoje, não se reduz a permanecer por certo tempo dentro de uma sala de aula com um professor ensinando e os alunos aprendendo (quando aprendem). Implica modificar o que se faz na sala de aula, organizando ações de pesquisa e comunicação que permitam aos professores e alunos continuarem aprendendo. A idéia central é ir, tanto professores quanto alunos, “para a universidade para „fazer‟ conhecimento e nos educar” (DEMO, 2004, p. 36). Para isso, é preciso perceber que as pessoas também aprendem se relacionando umas com as outras. Hoje estamos vivendo o nascimento de uma nova cultura. Uma cultura que nossas crianças e adolescentes vivem plenamente e que exige de nós uma 16 postura diferente diante das coisas, da realidade do outro. Uma postura dialógica, de convivência, de ser e estar com. O mundo hoje é um mundo de comunicação, de contatos, de relações constantes e, na maioria das vezes, novas. Temos, necessariamente, que nos entender, dialogar, negociar o tempo todo se quisermos compreender os outros e nos fazer entender. A ampliação dos canais ou espaços de interação abre maiores possibilidades de efetivação dos relacionamentos e dos processos educacionais. Uma das marcas do nosso tempo é o grande desenvolvimento dos meios de comunicação. Tecnologias de comunicação associadas às de informação têm produzido novos espaços de aprendizagem e outras formas de interações. Como em outras épocas, há uma expectativa de que as novas tecnologias nos trarão soluções rápidas para a educação. E, sem dúvida, elas permitem ampliar o conceito de aula, de espaço, de tempo e de comunicação audiovisual. Elas nos ajudam a estabelecer pontes novas entre o presencial e o virtual, entre o estarmos juntos e o estarmos conectados à distância. Mas, se ensinar dependesse só de tecnologias, já teríamos encontrado as melhores soluções há muito tempo. Elas são importantes, sim, porém, não resolvem questões de fundo. Ensinar e aprender são os maiores desafios que enfrentamos em todas as épocas, mas particularmente agora, pressionados que estamos pela transição do modelo de gestão industrial para o da informação e do conhecimento. É preciso caminhar para um processo de ensino e aprendizagem, que contemple todas as dimensões do ser humano. Para isso, precisamos de pessoas que possam integrar o sensorial, o racional, o emocional, a tecnologia e a ética. Que transitem de forma fácil entre o pessoal e o social, que expressem nas suas palavras e ações que estão aprendendo. Educação deve rimar com criatividade, prazer, respeito e liberdade. Se interação e convivência são as condições sem as quais não acontece aprendizagem, o carinho e o respeito são as maneiras de se conviver, de estar presente, de acolher. Só quem convive é capaz de conhecer e marcar presença na vida do outro. Só quem estabelece uma relação de empatia e confiança com o outro e se mostra competente intelectual e emocionalmente consegue ser uma presença significativa para o outro. Nessa sociedade em constante transformação, na qual o conhecimento se modifica rapidamente, é fundamental que a educação ao invés de objetivar a transmissão de conteúdos, que em pouco tempo se tornarão ultrapassados, preocupe-se em desenvolver a autonomia e habilidades no aprendiz. Habilidades como a criatividade, dinamismo, consciência crítica, expressão pessoal entre outros, darão condições ao estudante, não 17 apenas de acompanhar, mas de interferir na criação do conhecimento numa sociedade em acelerada transformação. A experiência humana nos aponta que, diante de um desafio e na relação com os outros, aprendemos e nos desenvolvemos. Parece-nos que a cooperação e o desafio são elementos presentes no processo de aprendizagem e em nossa constituição enquanto seres humanos. Aprendemos quando o que conhecemos é problematizado por alguma situação. Então aprendemos a partir do que conhecemos e em busca do ainda não conhecido, já que o conhecido não consegue responder ao desafio colocado. O que nós conhecemos nos dá condições de conhecer mais, por vezes agregando simples aprendizagens e por vezes promovendo rupturas mais significativas com o que antes estruturava nosso pensamento. A ideia deste estudo surgiu a partir da minha prática pedagógica. Como professora universitária há dezenove anos, atuando nos cursos de licenciatura com a disciplina Didática e no Curso de Ciências Biológicas com a disciplina Estágio Supervisionado e Prática de Ensino, tenho percebido que os alunos obtêm informações, mas não as transformam em conhecimento. Também tenho observado, durante o estágio supervisionado, que os futuros professores continuam centrados na transmissão dos conhecimentos biológicos de forma dogmática, como se a produção do conhecimento científico não fosse um processo dinâmico, sem nenhuma contextualização histórica ou social. Ao se depararem, por exemplo, com temas controversos da Biologia, como evolução, o uso de células troncos, aspectos relativos à saúde, entre outros, os licenciandos limitam-se aos princípios, conceitos e procedimentos, ou seja, fazem uso de um discurso científico hermético, sem nenhuma discussão dos aspectos sociais do tema. O estudo do corpo humano, por exemplo,como já foi amplamente discutido por vários autores (Aragão, Schnetzler, Cerri, 2000; Talamoni, Bertolli Filho, 2005; Souza, Camargo, 2009 e tantos outros) é feito de forma fragmentada desde a Educação Infantil até a Universidade. O ensino centrado na “dissecção didática” do corpo humano em sistemas, órgãos, tecidos e células, sem discutir com os alunos as interações entre as partes que formam o todo – corpo humano – e deste com o meio ambiente, privilegia a memorização das informações científicas, mas não garante a compreensão dos fenômenos biológicos que ocorrem no corpo. Não se trata, aqui, de desvalorizar a dimensão biológica do corpo, mas associá-la às outras dimensões. Morriau (1977, p. 137) nos lembra que o homem estudado não pensa, não reflete, não é animado por sentimentos. É um ser frio, mecânico, submetido às leis 18 biológicas, que só possui a história biológica. Ao reduzir o estudo do corpo apenas a sua dimensão biológica, o ensino se dissocia da sua dimensão cultural. Acrescentamos ainda que se trata, também, de um corpo sexuado e situado no tempo e no espaço. Como possibilitar “o aprimoramento do educando como pessoa humana, incluindo a formação ética e o desenvolvimento da autonomia intelectual e do pensamento crítico” – artigo 35, item III, da LDBEN/96 – se não é dado ao aluno a oportunidade de analisar e posicionar-se diante das mesmas? Essa forma de ensinar não estaria, por exemplo, principalmente no caso do estudo dos aspectos relativos à higiene do corpo, induzindo o aluno a uma aceitação tácita de certos padrões de “comportamento” estabelecidos pela sociedade e pela ciência? Esta concepção de ensino de biologia tem algumas implicações: primeiro, reforça uma concepção de ciência, bastante difundida entre os alunos, de que a produção do conhecimento científico é resultado do trabalho de alguns indivíduos iluminados e que, ao realizarem o seu trabalho, não sofrem nenhuma influência do contexto sócio-político e econômico da época; passa uma ideia do fazer científico que não corresponde à realidade, pode consolidar a supervalorização do conhecimento científico em detrimento dos outros saberes. Finalmente, esta forma de ensinar distancia- se de um dos principais objetivos do ensino de biologia, que é o “uso” do conhecimento como instrumento de reflexão. Os futuros professores, ao se depararem com temas relacionados à higiene, seja ela corporal, ambiental ou coletiva, tendem a dar ênfase às normas de higiene estabelecidas pela sociedade, sem questionamentos, e também não estabelecem relações entre higiene e saúde (individual ou coletiva). Estas normas são simplesmente apresentadas aos alunos sem nenhuma discussão, por exemplo: “lavar as mãos antes do lanche”, “escovar os dentes após as refeições”, “lavar as mãos após usar o banheiro”, “tomar banho todos os dias”, entre outras. Essas normas, ainda hoje presentes no discurso do professor e nos livros didáticos, centra-se no indivíduo, como se ele fosse responsável pelas prováveis doenças que possa afetá-lo. O futuro professor esquece, por exemplo, que a própria escola não oferece as mínimas condições para que essas referidas normas sejam praticadas. Nas escolas públicas de Ensino Fundamental do DF, o lanche é servido em sala de aula e os alunos não são autorizados a ir lavar as mãos antes dessa refeição. Isso porque, se cada professor permitisse a saída de seus alunos, geraria tumulto no pátio da escola, visto que 19 não haveria espaço suficiente para que todos os alunos do turno lavassem suas mãos ao mesmo tempo. Não se trata, aí, de uma contradição? O Curso de Ciências Biológicas da Universidade em questão possui atualmente duas habilitações: licenciatura e bacharelado, sendo que os alunos podem optar pela dupla habilitação e a maioria deles o faz. A duração do curso é de sete semestres para a habilitação simples ou oito semestres para a dupla habilitação. O Projeto Pedagógico do curso (2008, p. 23) traz como um dos seus princípios, que (...) a aprendizagem não é um produto, mas um processo que requer e estimula capacidades amplas e integradas como: refletir, analisar, interpretar, comparar, criar, argumentar, concluir, processar, questionar, solucionar, etc. Portanto ao exigir que se vá além do decorar e repetir, a aprendizagem impõe a necessidade de estimular e desenvolver a “arte do pensar, do sentir e do agir“ que é a partir dela que se constrói o saber e se aprende o que fazer com as informações. Portanto, o próprio Projeto Pedagógico do curso estabelece a perspectiva de formação de um aluno crítico, cuja aprendizagem seja capaz de modificar as suas concepções iniciais, por meio da aquisição de novos conhecimentos e também que ele aprenda a utilizá-los em situações do cotidiano. O licenciando em Ciências Biológicas, ao se formar, estará apto para lecionar a disciplina Ciências nas séries finais do Ensino Fundamental e a disciplina Biologia no Ensino Médio. Com isso, a faixa etária dos estudantes com os quais ele vai atuar varia entre, aproximadamente, 10 e 19 anos, no ensino regular. Os Parâmetros Curriculares Nacionais – PCN1, embora não obrigatórios, trazem orientações para o desenvolvimento do trabalho pedagógico dos professores em sala de aula e indicam, como um dos objetivos para o Ensino Fundamental, que o aluno seja capaz de “Conhecer e cuidar do próprio corpo, valorizando e adotando hábitos saudáveis como um dos aspectos básicos da qualidade de vida e agindo com responsabilidade em relação à sua saúde e à saúde coletiva” (p. 7). Trazem também como sugestão de conteúdo para o 2º ciclo do Ensino Fundamental o “estabelecimento de relações entre a falta de higiene pessoal e ambiental e a aquisição de doenças: contágio por vermes e 1 Os PCN foram elaborados por educadores e publicados pelo Ministério da Educação – MEC em 1997 com a intenção de “ampliar e aprofundar um debate educacional que envolva escolas, pais, governos e sociedade e dê origem a uma transformação positiva no sistema educativo brasileiro.” (p. 5). Com os PCN “pretende-se criar condições, nas escolas, que permitam aos nossos jovens ter acesso ao conjunto de conhecimentos socialmente elaborados e reconhecidos como necessários ao exercício da cidadania” (p. 5). 20 microrganismos” (p. 66), destacando os cuidados com o corpo e a higiene corporal como um dos aspectos responsáveis pelo desenvolvimento de hábitos saudáveis. O livro número 4 dos PCN do Ensino Fundamental, relativo às Ciências Naturais, traz como um dos objetivos dessa disciplina “Compreender a saúde pessoal, social e ambiental como bens individuais e coletivos que devem ser promovidos pela ação de diferentes agentes” (p. 33), sendo que a higiene é um desses agentes promotores da saúde individual e coletiva. Os PCN trazem ainda indicações para o desenvolvimento de Temas Transversais, os quais devem ser trabalhados interdisciplinarmente. Um dos Temas Transversais é a Saúde, que aborda as condições necessárias para a melhoria da qualidade de vida pessoal, social e ambiental. Esse tema foi desmembrado em alguns conjuntos de conteúdos, sendo um deles o autoconhecimento e o autocuidado, que indica como um dos itens a ser abordado “a higiene corporal, que deve ser tratada como condição para a vida saudável” (PCN Saúde, 1998, p. 34). Os PCN – Temas Transversais para o terceiro e quarto ciclos (1998, p. 262) aborda que, ao lidar com esses temas, não basta a mera informação ou a prescrição de regras de comportamento. Traz ainda: Sem dúvida, a informação ocupa um lugar importante na aprendizagem, mas a educação para a Saúde só será efetivamente contemplada se puder mobilizar para as necessárias mudanças na busca de uma vida saudável. Para isso, os valores e a aquisição de hábitos e atitudes constituem as dimensões mais importantes. A experiênciados profissionais de saúde vem comprovando, de longa data, que a informação, isoladamente, tem pouco ou nenhum reflexo nos comportamentos. A escola precisa enfrentar o desafio de permitir que seus alunos reelaborem conhecimentos de maneira a conformar valores, habilidades e práticas favoráveis à saúde. Nesse processo, espera-se que possam estruturar e fortalecer comportamentos e hábitos saudáveis, tornando-se sujeitos capazes de influenciar mudanças que tenham repercussão em sua vida pessoal e na qualidade de vida da coletividade. (grifo nosso) Como se pode observar, não é só o livro didático e o professor que centram a responsabilidade da higiene/saúde no indivíduo. Apesar de chamar a atenção para o aspecto multidimensional da Educação para a Saúde, o texto não destaca a importância do saneamento básico e das relações com a saúde da população. Também não faz referências quanto a responsabilidade do governo em relação à saúde coletiva. 21 Ora, como o professor vai discutir esses temas, que extrapolam a dimensão biológica, se durante a sua formação escolar e universitária, ele não teve oportunidade de analisar outras dimensões da higiene? Na verdade, esses futuros professores estão reproduzindo os modelos de ensino, construídos ao longo de sua escolaridade, e os cursos de formação de professores, inicial e continuada, parece que pouco contribuem para uma avaliação efetiva desses modelos de ensino. Os conteúdos estudados, confinados em disciplinas específicas (anatomia, fisiologia, microbiologia, entre outras), não deixam muito espaço para extrapolar a dimensão biológica dos temas. Ora, em um momento em que se preconiza a interdisciplinaridade, a transdisciplinaridade, a integração entre os diferentes conteúdos, os conceptores de currículos, de um curso de formação de professores, não valorizam a dimensão sociocultural dos conteúdos. Esta forma de abordar os temas relativos à higiene evidencia a importância de extrapolar a sua dimensão normativa. Na verdade, tenho dúvidas se, pelo menos, a dimensão biológica dessas normas é discutida com os alunos em sala de aula. Os futuros professores de ciências, que vão trabalhar com esses temas, devem ensinar o conhecimento científico vigente, sem desvalorizar o conhecimento trazido pelos alunos, o que evidencia uma forma diferenciada de ver e pensar o mundo no qual eles vivem. Os conhecimentos científicos do universo reificado2, apreendidos ao longo do curso de licenciatura vão ser incorporados ao universo consensual3, com as modificações provocadas pelas histórias de vida e experiências pessoais. Portanto, esses conhecimentos vão ser re-elaborados e cada estudante vai criar as suas representações sociais, coerentes com as idéias do grupo, mas com algumas diferenças individuais. Para Moscovici (2003, p. 95) O senso comum está continuamente sendo criado e re-criado em nossas sociedades, especialmente onde o conhecimento científico e tecnológico está popularizado. Seu conteúdo, as imagens simbólicas derivadas da ciência em que ele está baseado e que, enraizadas no olho da mente, conformam a linguagem e o comportamento usual, estão constantemente sendo retocadas. Moscovici (1978, p. 24) afirma também que a propagação da ciência e a sua penetração no cotidiano das pessoas ocorre por meio da comunicação que propaga o 2 circunscrito, próprio das ciências e do pensamento erudito, com rigor lógico e metodológico, teorização abstrata, especialidades e estratificação hierárquica. 3 sem limites especializados, lógica natural, onde ocorrem as atividades intelectuais da interação social cotidiana pelas quais são produzidas as representações sociais. 22 conhecimento em uma dada sociedade. Esse processo de socialização forma um novo tipo de conhecimento adaptado às necessidades de um grupo social. Não reproduz o conhecimento científico, mas o re-elabora, transformando-o de acordo com o contexto social no qual está inserido. Esse processo de “formação de um outro tipo de conhecimento, adaptado a outras necessidades, obedecendo a outros critérios, num contexto social preciso” tem por pano de fundo uma mudança no senso comum. Essa transformação não se resume à incorporação de novas idéias, nem a difusão de conceitos científicos ou de informações, mas a um movimento em que as descobertas científicas são socializadas, transformando o meio ambiente e se transformando. Concordando com Moscovici, Sacristán (1999, p. 117) ressalta que o conhecimento científico, “que, em princípio, não pertence ao âmbito do senso comum”, ao se infiltrar na vida cotidiana, trás múltiplas implicações nas mais variadas atividades humanas, tanto por meio das aplicações tecnológicas utilizadas e difundidas, quanto nas condições de elaboração do conhecimento pessoal e compartilhado, modelando a própria realidade e interferindo nas ações pessoais e coletivas. Portanto, na dinâmica das representações sociais ocorrem mudanças e nos cursos de formação de professores espera-se que essas transformações aconteçam. Uma vez que as disciplinas específicas fornecem aos acadêmicos uma grande quantidade de novas informações, que podem modificar as concepções e percepções que eles têm sobre um determinado assunto, podemos pressupor que os licenciandos do curso de Ciências Biológicas, futuros professores de ciências e biologia na Educação Básica, a princípio, deveriam ter os conhecimentos básicos de sua disciplina e ter a consciência de que o conhecimento científico é uma das muitas formas de explicação dos fenômenos da natureza, condições necessárias para poder reapropriar e re-estruturar a realidade, visto que, segundo Abric (1998, pp. 27-28), É esta realidade reapropriada e reestruturada que constitui, para o indivíduo ou o grupo, a realidade mesma. Toda representação é, portanto, uma forma de visão global e unitária de um objeto, mas também de um sujeito. Esta representação reestrutura a realidade para permitir a integração das características objetivas do objeto, das experiências anteriores do sujeito e do seu sistema de atitudes e de normas. Isto permite definir a representação como uma visão funcional do mundo, que, por sua vez, permite ao indivíduo ou ao grupo dar um sentido às suas condutas e compreender a realidade através de seu próprio sistema de referências; permitindo assim ao indivíduo de se adaptar e de encontrar um lugar nesta realidade. 23 Heller (1977, p. 323) confirma esse fato ao afirmar que os estudantes de ensino superior adquirem um nível científico que os introduz ao meio homogêneo das ciências, mas o que fica de tudo isso, se não continuarem a exercitar esses conhecimentos, são apenas informações científicas, que poderão usar, posteriormente, em um determinado meio social. Portanto, eles se apropriam de alguns conceitos do universo reificado, os reestruturam para poder utilizá-los no universo consensual, ou seja, na vida cotidiana, visto que “os conhecimentos científicos servem para modelar a conduta de vida”. Sacristán (1999, p. 118) concorda com Heller ao afirmar que a penetração do conhecimento científico ocorre “em qualquer um dos âmbitos da vida cotidiana, afetando as compreensões sobre acontecimentos de ordem física e social”, portanto a percepção das pessoas sobre diversos aspectos da vida varia de acordo com o estrato social e o modo de utilização, visto que a apropriação do conhecimento não ocorre de maneira homogênea pelos sujeitos e pelos grupos. A título de exemplo, podemos citar a mudança que houve na percepção da higiene corporal e na relação dos sujeitos com o sujo ou impuro, a partir do século XIX, com a descoberta dos organismos patógenos, que segundo Douglas (1976, p. 50), a partir daí, a sujeira, que ela denomina de impureza, se vinculou à transmissão de doenças. Com isso, houve uma transformação nas práticas higiênicaspara evitar a contaminação e as epidemias. No universo consensual, que é o senso comum, a representação da sujeira e da limpeza pode assumir diferentes significados, ora referindo-se à higiene, ora a aspectos morais e a traços de personalidade ou pessoas, ora a ambientes. Para a autora (p. 14) “a impureza é uma ofensa contra a ordem. Eliminando-a, não fazemos um gesto negativo; pelo contrário, esforçamo-nos positivamente para organizar o nosso meio”. Há toda uma pressão cultural para a eliminação do sujo, do impuro, que macula a ordem, desorganiza o ambiente e degrada o indivíduo. Douglas acrescenta ainda que, se abstrairmos a patogenia e a higiene, a sujeira representa tudo aquilo que está fora do lugar, ou seja, a sujeira representa a desordem, a desorganização, aquilo que subverte a ordem. A sujeira não é um fenômeno único, isolado, ela pertence a um sistema de classificação da matéria que ordena todas as coisas, repelindo aquelas que destoam ou são inadequadas. Esta interpretação da sujeira faz parte do domínio simbólico, visto que tanto a sujeira, quanto a limpeza são relativas e socialmente concebidas e pertencentes a um sistema ordenado. Por exemplo, as roupas usadas não são sujas em si mesmas, mas passam a ser se forem colocadas sobre a pia 24 da cozinha; uma panela com comida, deixada sobre a cama, subverte a ordem estabelecida. Portanto, nosso comportamento face à sujeira consiste em condenar ou repelir qualquer objeto, pessoa ou ideia que contradiz as nossas classificações. Concordando com Douglas, Jodelet (2005, pp. 309-319), que estudou as representações sociais da loucura, em uma comunidade francesa que hospedava doentes mentais em casas de famílias, verificou que a preocupação com a higiene, que as hospedeiras tinham, escondia o receio da contaminação e da poluição, visto que “a limpeza elimina a sujeira, mas não a poluição ligada à doença”. Portanto, o doente era visto como fonte de poluição, que podia contaminar a própria água com suas secreções, podendo transmitir a doença. As secreções perigosas, segundo as hospedeiras, capazes de sujar a água, eram o suor e a saliva, sendo que esta última parecia ser dotada de um poder poluente superior, visto que deixava nas louças uma marca invisível que era perigosa e devia ser afastada do convívio familiar. Por isso, a louça usada pelos doentes era lavada separadamente, enquanto que a roupa podia ser lavada junto com a roupa da família, pois os produtos de limpeza eliminavam o perigo da contaminação. A sociedade, com base em um sistema de classificação estabelecido, ao preconizar a igualdade, reforça a diferença, ressalta as desigualdades e procura, por meio do discurso, esconder a sua intolerância. Embora no discurso se propague a idéia de que “todos são iguais”, na prática isso não ocorre, visto que há uma clara rejeição a tudo aquilo que se mostra diferente das categorias estabelecidas e aceitas coletivamente. O diferente, seja uma pessoa, um ambiente ou um objeto, representa um elemento que destoa do todo e pode trazer perigo e desordem, o que é evitado. Rosa (2006, p.4), em uma reflexão teórica sobre a limpeza e a pureza, também relaciona a limpeza com a ordem e vincula a sujeira com a desordem e o perigo. A autora coloca ainda que “a modernidade disciplinou o homem, fazendo com que ele aceitasse e buscasse os ideais de beleza, limpeza e de ordem”. Gauer (2005, p. 400) acrescenta que a partir do século XIX a busca por um modelo que retratasse a limpeza tornou-se uma obsessão, visto que a limpeza do corpo estava associada à beleza. Ressalta ainda que, em nome da ordem, procura-se eliminar a desordem, a impureza e o perigo. Eliminando o estranho, o diferente, o desigual impede-se que eles se tornem perigosos a ponto de ameaçar a integridade e a homogeneidade da sociedade. Para a autora (p.403) a política da igualdade potencializa a violência de várias formas: eliminando todo e qualquer outro, o diferente, o sujo, o impuro, o anormal, o doente, enfim tudo o que cause estranheza, perigo, que lembra sujeira e desordem. 25 A autora aborda ainda que os procedimentos políticos, administrativos e jurídicos permitem a construção e manutenção de uma sociedade higienizada e imunizada. Na contemporaneidade, o lixo, por exemplo, representa sujeira e perigo no imaginário social, por isso precisa ser afastado das cidades, fora da visão e colocado em locais pouco visitados e distantes do convívio social. O lixo está diretamente ligado com o que não serve mais, com o insalubre, o sujo, a contaminação e as doenças. No entanto, para uma grande quantidade de pessoas, a representação social do lixo é diferente, ele é visto como fonte de renda. É do lixo que muitas famílias sobrevivem, retirando dele materiais que podem ser vendidos para reciclagem e mesmo produtos para o consumo próprio. Poderíamos considerar como uma evidência de mudança de representação social da população? Catadores de lixo – disponível em http://reciclato.files.wordpress.com/2008/12/no_lixo_brasil.jpg Acesso em 17 nov. 2009. Além disso, culturalmente classificam-se as pessoas pela aparência, habilitando- as ou não a freqüentar certos lugares ou a pleitear um emprego e desprezando ou ignorando aquelas que estão fora do padrão estabelecido. Rodrigues (2006, p. 48) afirma que “o corpo humano é socialmente concebido”, pois as crenças, valores e sentimentos inerentes a um grupo social alteram a percepção que se tem do corpo. Os comportamentos individuais estão subordinados a códigos e simbologias estabelecidos http://reciclato.files.wordpress.com/2008/12/no_lixo_brasil.jpg 26 coletivamente e determinam as maneiras de agir, pensar e sentir de toda a sociedade. Mattos & Ferreira (2004), relatam a construção da identidade e a tipificação das pessoas em situação de rua, sendo que um dos estereótipos dessa parcela da sociedade associa- se ao sujo. Portanto, a sujeira, neste caso, está vinculada à ideologia e não à higiene. Morador de rua – disponível em http://correio24horas.globo.com/recursos/BancoImagens/%7BC9BC5F31-D9AD-40F5- A5C7-2E224F20B597%7D_rua%20-%20evandro%20veiga.jpg Acesso em 17 nov. 2009 Vigarello (1996, p. 3) coloca que “a limpeza se compõe, necessariamente, com as imagens do corpo; com as imagens, mais ou menos obscuras, do invólucro corporal; com aquelas, mais opacas ainda, do meio físico”. Rodrigues acrescenta a ideia que a sujeira pertence à área simbólica, “é gradativa e relativa” (1995: p. 91), ou seja, o que é limpo para uns, pode não ser para outros e o que é sujo hoje, em determinado contexto, pode não ter sido no passado, com outras mentalidades e sensibilidades. A sujeira, mais do que pertencente e estudada pela microbiologia, epidemiologia e higiene, se estabelece na área simbólica. Cada cultura e cada sociedade possuem uma representação para a sujeira e para a limpeza. Em sua pesquisa, Quintela, (2003) compara os banhos desenvolvidos em uma terma em Portugal e outra no Brasil, em termos de saúde, corpo e higiene. Ao fazer essa comparação, o autor mostra que em http://correio24horas.globo.com/recursos/BancoImagens/%7BC9BC5F31-D9AD-40F5-A5C7-2E224F20B597%7D_rua%20-%20evandro%20veiga.jpg http://correio24horas.globo.com/recursos/BancoImagens/%7BC9BC5F31-D9AD-40F5-A5C7-2E224F20B597%7D_rua%20-%20evandro%20veiga.jpg 27 Portugal as práticas termais têm objetivo exclusivamente terapêutico, enquanto que no Brasil essas práticas são, simultaneamente, terapêuticas e higiênicas. Percebe-se assim, que cada país ou cada região estabelece seus códigos e símbolos para as questões do corpo e da higiene. Os códigos e os símbolos relativos à higiene são estabelecidos social e culturalmente e são eles que vão classificar e organizar as barreiras entre a sujeira e a limpeza. De acordo com Rodrigues (1995, p. 98) em cada sociedade se estabelecem comportamentos que variamde acordo com os contextos. Para ilustrar podemos dizer que “as regras, liberdades e transgressões” que se fazem no domínio privado, como por exemplo, no banheiro, não se repetem no domínio público. “As pessoas manipulam os códigos, fazem coisas diversas, ou as mesmas coisas de modo diferente, segundo haja ou não outras pessoas no recinto”. Correa (2003) faz um breve relato da história da limpeza corporal afirmando que essa história é também a história da limpeza social, visto que no século XVII quem determinava os critérios de referência eram os autores de livros de boas maneiras e de costumes e não os higienistas. A autora também faz referências a algumas pesquisas desenvolvidas pela Academia de Odontologia do Rio de Janeiro e por jornais de São Paulo e do Rio sobre a higiene do brasileiro mostrando que o brasileiro, ainda hoje, mantém hábitos inadequados de higiene. Rodrigues (1995, p. 84) afirma que a representação da sujeira se estabelece por meio de categorias e linhas de classificação que determinam as regras em um dado contexto. Os limites dessa classificação são difusos, mas esses limites “são sujos por definição”, ou seja, merecem um cuidado maior. É por isso que “as roupas, as mãos, os pés, os orifícios corporais devem ser sempre lavados”, assim como “as periferias urbanas, que são cronicamente poluídas e poluígenas”, necessitando, sempre, de ações despoluidoras e merecendo também uma atenção especial. Portanto, as práticas higiênicas – limpeza do corpo, das roupas, das casas, das cidades – servem para controlar o avanço da sujeira e limitá-la em domínios específicos, geralmente longe da circulação e do olhar das pessoas. Portanto, pensar a limpeza e a sujeira implica pensar em ordem e desordem e no ambiente escolar podemos estender esse conceito para a disciplina, que mantém a ordem e a organização das salas de aula e, consequentemente, da própria escola. As práticas higiênicas são convenções instituídas socialmente que servem de parâmetro para orientar o comportamento das pessoas de um dado grupo social em uma dada 28 época. Elas limitam e delimitam a estrutura da sociedade para manter o equilíbrio e a organização. A partir do século XIX estas convenções encontraram respaldo na ciência, com as descobertas de Pasteur, então podemos afirmar que a ciência também institui regras que vão determinar o comportamento dos indivíduos em uma dada sociedade em uma dada época. De acordo com Silva (1999, p. 4), as demonstrações de Pasteur sobre a assepsia e suas descobertas sobre os microorganismos passaram a interferir nas atividades cotidianas das pessoas, alterando suas práticas de higiene em consonância com o imaginário que os higienistas propagavam, ou seja, a medicina e a sociedade do século XIX se renderam às descobertas científicas. No início do século XX os médicos higienistas tiveram um papel fundamental na transmissão das práticas higiênicas, principalmente em São Paulo. Rocha (2003) faz uma análise do modelo de educação sanitária praticado pelos médicos higienistas do Instituto de Hygiene de São Paulo em cooperação com a Junta Internacional de Saúde da Fundação Rockfeller. Buscou compreender as representações sobre a infância e as práticas por meio das quais se procurou intervir sobre os corpos e mentes das crianças das escolas primárias na década de 20 do século XX, conferindo especial atenção ao papel atribuído à escola primária na obra de disciplinamento e conformação da infância aos imperativos da racionalidade higiênica. Essas considerações e questionamentos nos levam a perguntar: Quais são as representações sociais de higiene corporal dos estudantes do curso de ciências biológicas? Quais são as dimensões atribuídas à higiene corporal? Discutir higiene corporal nos leva também a questionar a relação que esses futuros professores possuem com o próprio corpo, com o sujo e o limpo. A questão central merece desdobramento: Qual é a representação social dos estudantes no início do curso de licenciatura em ciências biológicas a respeito da higiene corporal? E no final do curso? Houve transformações relevantes? Que tipo de transformações foram evidenciadas? Como estas representações – as do início e do final do curso – estão estruturadas? Qual é a sua organização? Considerando que a higiene corporal é uma prática instituída socioculturalmente, e com as evidências obtidas nos estudos pilotos realizados nesta pesquisa, no caso dos futuros professores de ciências/biologia, pressupõe-se que as 29 representações sociais, a respeito da higiene corporal, por eles construídas, estão associadas mais aos aspectos estéticos e aos padrões de beleza vigentes, que aos cuidados com a saúde, pois é isso que foi socialmente instituído. E nessa mesma perspectiva, a representação desses estudantes, em relação ao sujo e ao limpo, também está associada aos padrões estéticos e na relação ordem/desordem. As representações sociais são formadas e circulam a partir das relações de comunicações que são estabelecidas nos diferentes ambientes, os quais pressupõem padrões de referências comuns aos sujeitos que formam os grupos. Nessa perspectiva, estudar as representações sociais sobre a higiene corporal nos indicará os padrões de referência do grupo estudado. Lembramos ainda que a prática pedagógica do professor é fortemente condicionada pelas representações que possuem a respeito do tema a ser ensinado, do processo de ensino e aprendizagem e da ciência com a qual ele trabalha. A importância deste trabalho fundamenta-se, essencialmente, na crença de que a pesquisa das representações sociais da higiene corporal pode contribuir para uma reflexão sobre as práticas pedagógicas estabelecidas em cursos de formação, inicial e continuada, de professores. Além disso, o trabalho tem relevância por ser o licenciando em ciências biológicas um importante elo na cadeia da transmissão de conhecimentos, visto que ele vai exercer a profissão de professor e trabalhar com crianças e adolescentes. Pode ainda subsidiar propostas pedagógicas de escolas para desenvolver programas de atenção à saúde, servindo também para a implementação de políticas públicas visando orientar as campanhas de combate às doenças e beneficiar grande parcela da sociedade. Nosso trabalho foi dividido em cinco capítulos: O primeiro capítulo, intitulado Teoria das Representações Sociais tem como objetivo “destacar a relevância da teoria das representações sociais para a pesquisa em educação”. Nesse capítulo abordamos a origem do conceito de Representação Social, os principais representantes e suas abordagens, os conceitos mais importantes dessa teoria, destacando a importância dessa teoria para a pesquisa na área educacional. Esse capítulo traz a fundamentação teórica do trabalho e mostra a relação entre a teoria das representações sociais e a educação, com enfoque nas condições necessárias para a mudança ou manutenção das representações e a expansão do estudo das representações sociais na área educacional. No segundo capítulo, intitulado Resgatando o passado para entender o presente, tem como objetivo “resgatar a história da higiene e do corpo”. Nesse capítulo abordamos os hábitos de higiene de cada época e os determinantes para a manutenção e ou as 30 mudanças de hábitos, além de destacarmos a percepção do corpo ao longo da história. Essa percepção do corpo se altera de acordo com o tipo de cultura e o grupo social. Ao escrever esse capítulo, recorremos principalmente a Vigarello (1996) que faz um levantamento histórico da higiene corporal entre a Idade Média e o século XX, Rodrigues (1995, 1999, 2006) que trata do corpo, seus tabus, sua história e as práticas de higiene e Bueno (2007) que aborda a história da higiene na Europa e no Brasil. O terceiro capítulo, intitulado Fundamentos Teóricos e Metodológicos da Pesquisa, refere-se àmetodologia utilizada e fundamenta-se na teoria das representações sociais de Moscovici e na abordagem estrutural de Abric. Tem como objetivo “Descrever os instrumentos e procedimentos de análise e coleta de dados”. Nele são explicitados os procedimentos utilizados no presente estudo, os instrumentos adotados e os participantes da pesquisa. O quarto capítulo, intitulado A Higiene e a Representação social: resultados da pesquisa, tem como objetivo “Relatar os resultados encontrados na coleta de dados e analisar esses dados”, no qual apresentamos a análise dos dados, ilustrada por exemplos obtidos na pesquisa. Por último, o quinto capítulo, intitulado Considerações Finais, têm por objetivo “destacar as conclusões e recomendações encontradas nesta pesquisa”. Este capítulo, que completa o trabalho desenvolvido, traz as conclusões encontradas e propõe sugestões para a melhoria da prática pedagógica. O propósito deste estudo não é condenar o modelo atual do curso de licenciatura em Ciências Biológicas da instituição pesquisada, nem desvalorizar as práticas e concepções de professores e alunos desse curso. O que se pretende é contribuir para uma reflexão sobre a apropriação e socialização dos conhecimentos científicos veiculados pelo curso que, juntamente com os conhecimentos do senso comum, vão ser utilizados pelos alunos na vida cotidiana. 31 CAPÍTULO 1 TEORIA DAS REPRESENTAÇÕES SOCIAIS Origem e significado do conceito de Representação Social O termo “representação social”, segundo Sá (1993, p.19), “designa tanto um conjunto de fenômenos quanto o conceito que os engloba e a teoria construída para explicá-los”. Esse termo foi cunhado por Serge Moscovici, psicólogo social francês, quando analisou a apropriação dos conhecimentos científicos sobre a psicanálise: La psychanalyse, son image et son public (1961,1976). Com esse trabalho Moscovici pretendia renovar a psicologia social em seus conteúdos, teorias e metodologia. Em um artigo de 1963, Moscovici critica a abordagem vigente da Psicologia Social. Para o autor, esta área do conhecimento, durante muito tempo, ficou sendo conhecida como a ciência das atitudes e que a partir da década de 1950, o interesse passou a ser as dinâmicas de grupo, a percepção e a comunicação, tendo como conseqüência a diminuição dos estudos sobre atitudes. Para o autor (p. 245), a atitude é um elemento das representações sociais e como tal tem o seu valor, mas não deve ser estudada isoladamente. Moscovici (p. 236) critica ainda a “atrofia do pensamento teórico” da psicologia, com a perda da continuidade e do social, preocupando-se apenas com a parte experimental. De acordo com o autor (p. 242) só se constrói representação social quando se partilha coisas comuns e diferentes por meio das conversações, pois ela se alimenta do comum e do diverso. É essa diversidade que anima as conversações. Diz ainda que um estudo que descarta essas trocas que ocorrem durante as conversações é um estudo da técnica pela técnica e que o estudo das atitudes pretende estudar apenas o conteúdo, descartando o processo. Moscovici (p. 247) ressalta ainda que os estudiosos das atitudes expandiram tanto o conceito que o tornaram semelhante ao conceito de representação social, mas sem o aporte teórico. Afirma também (p. 240) que os estudos de atitudes não 32 se preocupam em romper a dicotomia sujeito-objeto e acredita que só se constrói a realidade quando se conhece o pensamento social que construiu essa realidade e que ela deve ser estudada como construtora do objeto. Para ele, a realidade subjetiva e objetiva se interperpassam. De acordo com Sá (1993, p. 19), Moscovici, participante da vertente psicossocial da Psicologia Social, de origem européia, critica a vertente norte-americana por esta se preocupar, basicamente, com os processos psicológicos individuais, visto que acredita ser importante considerar tanto os comportamentos individuais quanto os fatos sociais em seu contexto histórico. Moscovici (1978, p. 25) então resgata o conceito de representação coletiva, proposto inicialmente por Émile Durkheim para “designar a especificidade do pensamento social em relação ao pensamento individual”. O autor (2003: p. 49) afirma ainda que as representações coletivas “se constituem em um instrumento explanatório e se referem a uma classe de idéias e crenças” que precisam ser descritas e explicadas. Para isso, Moscovici (p. 45) propõe considerar a representação como fenômeno e não como conceito e, para enfatizar essa distinção e destacar a nova abordagem proposta, propõe substituir o termo “coletivo” por “social”, por ser mais abrangente e circunscrever, com maior rigor, a noção de representação, pois Toda representação (gráfica) é composta de figuras e de expressões socializadas. Conjuntamente, uma representação social é a organização de imagens e linguagens, porque ela realça e simboliza atos e situações que nos são ou nos tornam comuns. (1978, p. 25) O papel das representações sociais, portanto, é “modelar o que é dado do exterior” (p.26), nos relacionamentos dos indivíduos com os objetos, atos ou situações que se constituem nas interações sociais, remanejando estruturas e remodelando elementos para reconstruir o “dado no contexto dos valores, das noções e das regras, de que ele se torna doravante solidário” (p.26). Moscovici diz ainda, em poucas palavras, que a representação social é “uma modalidade de conhecimento particular que tem por função a elaboração de comportamentos e a comunicação entre indivíduos” (p. 26). O autor aborda também que a passagem do conhecimento do nível científico para o das representações sociais não é contínua, ocorre “um salto de um universo de pensamento e de ação a um outro” (p. 26), ruptura necessária para que ocorra o ingresso 33 desse conhecimento científico no universo social, dotando-o de um novo status epistemológico sob a forma de representações sociais. Considerando esse pressuposto, pretendemos verificar se o curso de Ciências Biológicas facilita ou promove essa ruptura para que o conhecimento científico, ali desenvolvido, possa ser re-elaborado, socializado e incorporado ao cotidiano dos licenciandos. Concordando com Moscovici, Sacristán (1999, p. 118) afirma que os conteúdos do senso comum se alteram com as transformações causadas pela incorporação do conhecimento científico na vida cotidiana. Isso acontece em conseqüência da expansão da divulgação científica, que implica no aumento da cultura geral das pessoas. O autor diz ainda que A contaminação do conhecimento cotidiano pessoal e social pelo conhecimento científico é um fenômeno totalmente moderno que não ocorria nas sociedades tradicionais. Seu efeito é contraditório: é fecundador, porque amplia perspectivas e aprimora a racionalidade imperfeita que nos orienta, pode destruir erros e preconceitos, liberando o conhecimento pessoal da determinação contextual e local; mas pode também deslegitimar e até destruir, a sabedoria útil do senso comum, válida para avaliar situações, bem como decisões nas ações educativas. Heller (1977, p. 322) complementa essa ideia, ao afirmar que o conhecimento científico, ao penetrar no senso comum, não se incorpora intacta e totalmente, mas partes dele ficam englobadas e misturadas na estrutura do conhecimento cotidiano, possibilitando a integração dos conceitos científicos à estruturas preexistentes, sendo assim compartilhado por um grupo ou pela sociedade em geral. Segundo a autora, mesmo sem entender o fenômeno, as pessoas, em diversas camadas da população, por exemplo, incentivam a utilização de vitamina C, principalmente no inverno, para prevenir doenças. Esse saber, tomado da ciência, se mobiliza na vida cotidiana, mesmo sem que as pessoas saibam o que é vitamina C ou qual a sua fórmula. As representações sociaistêm uma função constitutiva da realidade, da realidade que as pessoas conhecem por meio da experiência e na qual elas circulam. Moscovici (1978, p. 27) diz que “(...) uma representação é sempre uma representação de alguém, tanto quanto de alguma coisa” e que “Representar não consiste somente em selecionar, completar um ser objetivamente determinado com um suplemento de alma subjetiva”, vai mais além, é “edificar uma doutrina que facilite a tarefa de decifrar, predizer ou antecipar os seus atos”. Almeida (2001, p. 131) esclarece que o conceito de representação social é uma forma de conhecimento do senso comum caracterizado por 34 três propriedades: socialmente elaborado e partilhado; orientação prática de organização, domínio do meio e orientação das condutas e da comunicação; participa do estabelecimento de uma visão de realidade comum a um dado grupo social ou cultural. Nesse caso, Moscovici (1978, p. 28) afirma que, ao invés de impor uma experiência ou o conhecimento de outros, a representação social faz com que o conhecimento se mobilize em uma sociedade de duas maneiras: vincula-os a um sistema de valores, noções e práticas que permitem aos indivíduos se orientarem no meio social e material e dominá-lo e, também serve, aos membros dessa sociedade, como veículo de troca e de código para denominar e classificar partes do seu mundo, de sua história individual ou coletiva. Portanto, (...) a representação social é um corpus organizado de conhecimentos e uma das atividades psíquicas graças às quais os homens tornam inteligível a realidade física e social, inserem-se num grupo ou numa ligação cotidiana de trocas, e liberam os poderes de sua imaginação. (p.28) Enquanto a psicologia clássica concebeu a representação “como processo de mediação entre conceito e percepção” (p. 56), Moscovici (p. 57) admite que ela não é intermediária, mas sim, um processo de intercâmbio entre a percepção e o conceito: Do conceito, ela retém o poder de organizar, de unir e de filtrar o que vai ser reintroduzido e reaprendido no domínio sensorial. Da percepção, ela conserva a aptidão para percorrer e registrar o inorganizado, o não-formado, o descontínuo. (p. 58) Portanto, a representação de um objeto é diferente do próprio objeto. Representar um objeto é “reconstituí-lo, retocá-lo (...)”, transformando a substância concreta comum, por meio da comunicação que acontece entre o conceito e a percepção, “um penetrando no outro” (p. 58). De acordo com Moscovici (p. 63), “(...) representar um objeto é, ao mesmo tempo, conferir-lhe o status de um signo, é conhecê-lo, tornando-o significante.” E, de uma maneira particular, dominar e interiorizar o objeto, culminando “em que todas as coisas são representações de alguma coisa” (p. 64). Isso implica dizer que toda representação de um objeto se expressa por meio de uma figura (ou imagem), que tem uma significação, ou seja, tem uma face figurativa e uma face simbólica. Portanto, a representação de um objeto associa a toda figura um sentido e a todo sentido, uma figura (p. 65). 35 Para Abric (2001, p. 156), a representação social É um conjunto organizado de opiniões, de atitudes, de crenças e de informações referentes a um objeto ou a uma situação. É determinada ao mesmo tempo pelo próprio sujeito (sua história, sua vivência), pelo sistema social e ideológico no qual ele está inserido e pela natureza dos vínculos que ele mantém com esse sistema social. De acordo com Jodelet (2001, p. 17), as representações são criadas para nos ajustar ao mundo a nossa volta e, para isso é preciso que saibamos nos comportar e “dominá-lo física e intelectualmente, identificar e resolver os problemas que se apresentam”. Diz também que para compreender, administrar e enfrentar esse mundo, nós o partilhamos com os outros, muitas vezes por meio do conflito e outras, pelo consenso. Complementa ainda essa idéia ao afirmar que as representações são sociais porque são partilhadas por muitos e “nos guiam no modo de nomear e definir conjuntamente os diferentes aspectos da realidade diária, no modo de interpretar esses aspectos, tomar decisões e, eventualmente, posicionar-se frente a eles de forma defensiva”. A autora (p.25) ressalta ainda que as representações sociais devem ser estudadas integrando e articulando elementos afetivos, mentais e sociais com a cognição, a linguagem e a comunicação, levando em “consideração as relações sociais que afetam as representações e a realidade material, social e ideativa sobre a qual elas têm de intervir” (p: 26). Almeida (2001, p. 132) diz que esse tipo de conhecimento, que são as representações sociais, se fundamenta em três aspectos importantes: comunicação, (re)construção do real e domínio do mundo, os quais evidenciam o papel que as representações sociais assumem na dinâmica das relações e nas práticas sociais cotidianas. Comunicação – porque oferecem códigos para que as pessoas possam tanto nomear e classificar partes de seu mundo, de sua história pessoal e coletiva, quanto de realizar suas trocas. Nesse caso, segundo a autora, as representações sociais atuam como reguladoras da dinâmica social, em que o conflito e o consenso se movimentam para que ocorra a mudança social. (Re)contrução do real – porque permitem aos sujeitos reconstruir a realidade cotidiana por meio da contínua dinâmica comunicação-representação. Nesse caso, 36 segundo a autora, as representações sociais orientam a interpretação e a organização da realidade, fornecendo elementos para que os sujeitos se posicionem diante dessa realidade e participem da sua construção, a qual só pode existir nas interações com os objetos sociais. Portanto, abandona-se a dicotomia clássica sujeito-objeto, a partir da premissa de que “não existe um corte dado entre o universo exterior e o universo do indivíduo (ou do grupo), que o sujeito e objeto não são absolutamente heterogêneos em seu campo comum”. (MOSCOVICI, 1978, p. 48). Domínio do mundo – porque as representações sociais, segundo Almeida (2001, p. 132) permitem ao sujeito se situar no mundo e dominá-lo, por meio de um conjunto de conhecimentos sociais com orientação prática, ou seja, as representações sociais possuem uma dimensão mais concreta que permitem a utilidade social do conceito. A autora ressalta ainda que esses três aspectos das representações sociais evidenciam o papel que elas podem assumir na dinâmica das relações e práticas sociais cotidianas, as quais se explicitam por meio de diferentes funções assumidas pelas representações, que são: de saber, identitária, de orientação e justificadora. Função de saber: permitem compreender e explicar a realidade, possibilitando aos componentes de um grupo social construir conhecimentos e integrá-los ao seu cotidiano, de maneira coerente com seus valores, ou seja, facilita a comunicação social. Um novo conhecimento, ao ser integrado a saberes anteriores, possibilita ao novo ser “assimilável e compreensível”. Função Identitária: define a identidade do grupo social e permite a proteção da especificidade desse grupo. A representação do próprio grupo sempre é marcada por uma superavaliação para garantir uma imagem positiva, podendo ser observado em processos de comparação social intergrupais. As representações que definem a identidade do grupo também servem para exercer um controle social da comunidade sobre cada um dos seus membros. Função de orientação: guiam os comportamentos e as práticas. As representações orientam as condutas por meio de três fatores: a. Atuando diretamente na definição da finalidade da situação; b. Produzindo um sistema de antecipações e expectativas; c. Prescrevendo comportamentos e práticas obrigatórios. Função justificadora: justifica, a posteriori, a tomada de posição e de comportamento: a representação pode estar associada à ação, mas também pode intervir na
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