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Afetividade e Sexualidade na Educação Especial Responsável pelo Conteúdo: Prof.ª Dr.ª Célia Regina da Silva Rocha Revisão Textual: Prof.ª Aline Gonçalves Análise das Questões Relacionadas ao Estigma e Preconceito Frente à Vivência da Sexualidade das Pessoas com Deficiência Análise das Questões Relacionadas ao Estigma e Preconceito Frente à Vivência da Sexualidade das Pessoas com Deficiência • Distinguir as questões referentes à presença do estigma e do preconceito frente à sexuali- dade da pessoa com deficiência; • Reconhecer os comportamentos e as atitudes sociais de estigma e preconceito perante a sexualidade da pessoa com deficiência. OBJETIVOS DE APRENDIZADO • Introdução; • Preconceito e Estigma; • A Questão da Sexualidade da Pessoa com Deficiência. Orientações de estudo Para que o conteúdo desta Disciplina seja bem aproveitado e haja uma maior aplicabilidade na sua formação acadêmica e atuação profissional, siga algumas recomendações básicas: Assim: Organize seus estudos de maneira que passem a fazer parte da sua rotina. Por exemplo, você poderá determinar um dia e horário fixos como o seu “momento do estudo”. Procure se alimentar e se hidratar quando for estudar, lembre-se de que uma alimentação saudável pode proporcionar melhor aproveitamento do estudo. No material de cada Unidade, há leituras indicadas. Entre elas: artigos científicos, livros, vídeos e sites para aprofundar os conhecimentos adquiridos ao longo da Unidade. Além disso, você também encontrará sugestões de conteúdo extra no item Material Complementar, que ampliarão sua interpretação e auxiliarão no pleno entendimento dos temas abordados. Após o contato com o conteúdo proposto, participe dos debates mediados em fóruns de discussão, pois irão auxiliar a verificar o quanto você absorveu de conhecimento, além de propiciar o contato com seus colegas e tutores, o que se apresenta como rico espaço de troca de ideias e aprendizagem. Organize seus estudos de maneira que passem a fazer parte Mantenha o foco! Evite se distrair com as redes sociais. Mantenha o foco! Evite se distrair com as redes sociais. Determine um horário fixo para estudar. Aproveite as indicações de Material Complementar. Procure se alimentar e se hidratar quando for estudar, lembre-se de que uma Não se esqueça de se alimentar e se manter hidratado. Aproveite as Conserve seu material e local de estudos sempre organizados. Procure manter contato com seus colegas e tutores para trocar ideias! Isso amplia a aprendizagem. Seja original! Nunca plagie trabalhos. UNIDADE Análise das Questões Relacionadas ao Estigma e Preconceito Frente à Vivência da Sexualidade das Pessoas com Deficiência Introdução A deficiência pode nos acometer em qualquer fase da nossa vida, algumas pessoas já nascem nessa condição, outras adquirem no transcorrer da vida como consequência de uma doença ou acidentes. O nascimento de uma criança altera a estrutura e a dinâmica familiar, o simples fato do nascimento de um filho já é grande gerador de mudanças no convívio do casal (MILBRATH et al., 2008), experiência a qual demanda que o casal reformule essa ligação, deslocando a afabilidade, modificando a díade do vínculo para um vínculo formado a três. Assim, ao nascer, o filho traz com ele aquilo que edificou o encontro dos pais e a história familiar do casal (SÁ; RABINOVICH, 2006). No entanto, quando a criança tem algum tipo de deficiência, muitos casais acabam sucumbindo, contribuindo para o afastamento e separação do casal. Algumas reações emocionais são sentidas pelos pais assim que recebem a notícia da deficiência. Primei- ramente, temos que pensar na elaboração do luto pelo filho idealizado que não acon- teceu. O estado psíquico, vivenciado pelos pais, é o sentimento de morte, ou seja, é a perda do filho idealizado, aquele filho tão sonhado e desejado. Portanto, para que esse filho real venha a ser aceito e amado, é necessário que os pais e a família, vivenciem o processo de luto do filho perdido (BARBOSA; CHAUD; GOMES, 2008). Durante o período gestacional, o casal vai criando expectativas acerca do nascimento do filho: com quem irá parecer? Qual o sexo? Cor do cabelo e dos olhos? Não podemos genera- lizar que todos os pais reagirão dessa forma, mesmo porque os sentimentos possuem características subjetivas e independem do estado sensorial das sensações, de pensa- mentos ou representações que o importunam (APA, 2010). Os autores mencionados afirmam que a descoberta da deficiência de um filho, geralmente, é uma vivência traumática, que possibilita a alteração do nível emocional não somente nos pais, mas de todos os integrantes da família, e de como essa criança será vista pela família (BARBOSA et al., 2009). Esse período é muito delicado, muda o status da criança para os pais, carregando nela o estigma de anormal, o qual virá a ser impossibilitado de se realizar os sonhos projetados anteriormente ao nascimento, ani- quilando as esperanças depositadas no filho pelos seus pais. Trata-se de um momento de muita fragilidade, difícil de ser vivenciado, a família inteira se mobiliza visando a uma adaptação para reconquistar o equilíbrio. Assim, deficiência do filho remete toda a família ao sofrimento, todos os membros são afetados. Coll, Marchesi e Palacios (2004) enfatizam que enfrentar a questão da deficiência de um filho implica um longo caminho a percorrer, no qual os pais passam por vá- rias fases desde a constatação da deficiência até a sua aceitação: Fase de choque: acontece no momento em que é transmitido o diagnóstico da deficiência, provocando o choque, a dor, configurando-se em um trauma para toda a família. • Fase de negação: alguns pais tendem a ignorar o problema, como se este não fos- se real; ora questionam a veracidade do diagnóstico, ora questionam a competência dos profissionais, acreditam fielmente que houve um engano no diagnóstico; 8 9 • Fase de reação: nesta fase, os pais vivenciam sentimentos e emoções variados, aparecem a irritação, a culpa, a depressão e, com menor frequência, podem surgir as reações de desapego, ansiedade e sentimentos de fracasso; • Fase de adaptação (aceitação): os pais atingem certa calma emocional, obtêm uma visão mais prática e realista, focando em metas de como fazer para ajudar a criança (COLL; MARCHESI; PALACIOS, 2004). Em nossa cultura, é esperado que as pessoas vivenciem o planejamento do filho tão sonhado, mas quando isso não acontece vêm a frustração e os sentimentos an- teriormente abordados. Frente a isso, os pais poderão se sentir frustrados consigo mesmo e com a sociedade (MACEDO, 2008), sentindo-se envergonhados e descon- fortáveis. Frente a nova realidade, os pais, à custa de muito sofrimento, vivenciam sentimentos de medo, raiva, desespero e conflito interno, e se sentem obrigados a modificar seus próprios caminhos (FERRARI; ZAHER; GONÇALVES, 2010). Deparam-se com uma ocorrência inesperada: a deficiência, essa edificação pode ser abalada. Exige deles uma modificação completa em seu estilo de vida (MILBRATH et al., 2008). Sendo que, na maioria das vezes, os períodos de sofrimento são tem- porários, os quais vão e vêm rapidamente, são eventos vistos como normais dentro do ciclo da vida. Porém, o sofrimento acerca da deficiência é uma dor inevitável a qual não poderá ser esquecida, tampouco modificada, mas algo com o qual se deve aprender a conviver e modificar sua maneira de viver habitual e seus sentimentos, com o objetivo de adequá-los, pois nunca poderão escapar dele, estarão sempre presentes (BUSCAGLIA, 2010). Pela necessidade de novas adaptações e inversão de papéis, poderá se intensificar os problemas entre os membros da família. A mulher acaba assumindo as responsabilidades pelos cuidados e criação do filho, com isso, passa a ser apenas mãe e cuidadora. Embora a face mais visível dos cuida- dos e proteção dos filhos com deficiência seja a rotina doscuidados diários, o esforço físico das atividades e os altos custos financeiros próprios do ato de cuidar, segundo Bogo, Cagnini e Raduenz (2014), cabe dedicar-se a compreender a dinâmica desen- volvida pelas mães nesse papel social e na identificação de outras questões relativas à convivência diária com um filho com deficiência e a necessidade de autocuidados, na perspectiva de identificar suportes e apoios importantes às cuidadoras mães para favorecer a compatibilização dos cuidados com o filho e o cuidar de si. A deficiência caracteriza-se por uma diminuição ou desaparecimento do funciona- mento de um ou mais órgãos ou tecidos do organismo do indivíduo (DICIONÁRIO LAROUSSE, 2005). Define-se pela perda ou anormalidade de uma estrutura, fun- ção psicológica, fisiológica ou anatômica que gere incapacidade para o desenvolvi- mento da criança e desempenho de atividades dentro dos padrões da normalidade (BRASIL, 1989). São pessoas que possuem limitações de natureza física, intelectual ou sensorial, as quais as impedem de participar em igualdade de condições na sociedade. Clemente (2014) afirma que, para além das diferenças como cor, sexo, religião, idade, idioma, etnia, todos nós possuímos também características genéticas, físicas e de persona- lidade que, na interação com o meio familiar, social e cultural em que vivemos, nos 9 UNIDADE Análise das Questões Relacionadas ao Estigma e Preconceito Frente à Vivência da Sexualidade das Pessoas com Deficiência constituem como pessoas únicas, singulares, assim, somos todos diferentes, mas as pessoas tendem a se aproximar dos seus iguais e, nesse movimento, alguns grupos são excluídos. As pessoas com deficiência fazem parte do grupo que ainda sofre pre- conceito e é discriminado pela sociedade. O autor salienta que, apesar de as pessoas confundirem os termos, é necessário esclarecer que deficiência não é doença. A aceitação da diferença significa estar aberto a essas variações como modos de que algumas pessoas com deficiência dispõem para se realizar no contexto de gênero e sexualidade ou raça. Conheça a história de Larissa, bebê com microcefalia que foi adotada. Disponível em: https://bit.ly/2BLu5A7 Ao nascer, a criança, com ou sem deficiência, vai fazer parte de um mundo que está pronto, com suas regras e normas, que se constituirão no processo de sociali- zação, e a internalização dessas terão importância fundamental e contribuirão para que os indivíduos possam elaborar a própria identidade. Figura 1 – Tal qual a criança que nasce sem deficiência, a que nasce com deficiência vivenciará o mesmo processo de interação e internalização de regras sociais Fonte: Getty Images Segundo Bruns (2016), a história da civilização se repete sempre na educação de cada criança, quando se espera que ela se ajuste de modo satisfatório às normas e às leis sociais. Em virtude desses padrões socialmente impostos à pessoa com defi- ciência, vemos que ao longo da história da humanidade as atitudes e ações frente a elas se repetem; geralmente, são marginalizadas, carregam o estigma de incapazes e “coitadinhos”, consequentemente, não representam os modelos estéticos e de beleza estabelecidos pelo grupo social, tendem a ser excluídos. Por outro lado, o nascimento de uma criança com deficiência, inevitavelmente, nos remete a uma condição na qual a convivência com a deficiência significa também 10 11 conviver com a busca por explicações, “por que eu?”, ao sentimento de culpa, quase sempre vinculado a muita falta de informação, algumas construções sociais sobre conceitos e concepções, valores, preconceitos, vinculações religiosas, colocando que Deus sabe das coisas, que Deus quis assim, Deus enviou a criança com deficiência como uma missão para ela cumprir. Dessa forma, parece-nos que essas mães acei- tam mais facilmente a condição do filho. Para Munhóz (2003), é importante destacar a influência que esse momento pode ter para os pais, positiva ou negativamente, para propiciar ou não o vínculo afeti- vo com seu filho. Os pais são os primeiros responsáveis a proporcionar condições para que seu filho seja compreendido pela sociedade em sua condição especial de ser (MUNHOZ, 2003), pois a criança, desde o nascimento, depende totalmente dos pais, de seus conhecimentos, de sua dedicação e do cuidado, do amor e carinho para que possa desenvolver-se plenamente, resultará da interação que eles estabelecerão com a criança, e servirão de base para estimular o desenvolvimento do filho. Por outro lado, os profissionais das áreas médicas e da Psicologia poderão ter um papel de fundamental importância, à medida que oferecem suporte emocional e social para esses pais, traduzidos em benefícios, tais como: diminuição do estresse e da depressão, contribuindo para um relacionamento familiar mais positivo, um maior sentido e ajustamento na aptidão parental, adequando-os aos seus papéis, diminuin- do a sobrecarga, a preocupação, proporcionando-lhes uma vida mais tranquila e suavizando as dificuldades na relação com a criança (CAMPOS, 2002). Nessa questão, também é preciso desenvolver um trabalho junto a essas mães para que voltem a exercer os seus outros papéis (mãe dos outros filhos, esposa, amiga, filha, profissional), que ficam relegados a um segundo plano porque sua prio- ridade passa a ser a cuidadora do filho com deficiência, para viver exclusivamente o papel de protetora do filho com deficiência. Preconceito e Estigma O termo estigma, segundo Goffman (1988), era atribuído pelos gregos aos sinais feitos no corpo como uma forma de marcar uma pessoa referenciando atributos depreciativos. Nem sempre os atributos são desejáveis, como quando atribuímos ao deficiente o atributo de alguém muito especial, ou quando damos à família da criança com deficiência também o atributo de “família especial”. Ao invés de pensarmos em atributos, devemos sempre pensar nas relações estabelecidas com as pessoas. A partir da própria experiência com a deficiência, as pessoas ressignificam, acatan- do ou não a forma como os outros percebem e lidam com a deficiência. Para a pessoa sentir-se deficiente é necessário que o contexto social e a trajetória pessoal da expe- riência com a deficiência contribuam para a aceitação desses atributos (MARTINS; BARSAGLINI, 2011). 11 UNIDADE Análise das Questões Relacionadas ao Estigma e Preconceito Frente à Vivência da Sexualidade das Pessoas com Deficiência Acesse uma charge que pode exemplificar bem a falta de abertura a pessoas com deficiên- cia na sociedade. Disponível em: https://bit.ly/3ieLORa Segundo Sá (2015), no Brasil, durante muito tempo, a temática da deficiência ficou restrita à ótica da caridade e do saber médico, haja visto que as instituições que acolhiam pessoas com deficiência eram filantrópicas e não raramente ligadas a gru- pos religiosos. Considerava-se importante que a criança estivesse em instituições que sanassem e corrigissem a deficiência. Mesmo com a influência do modelo social da deficiência no nosso país e com as mudanças legais que visam à inclusão, acessibili- dade física e assistência social, a deficiência ainda é abordada pela ótica da patologia e não da diversidade humana (ALMEIDA; SÁ, 2005). Figura 2 – A sexualidade de pessoas com deficiência ainda é vista com estigmas Fonte: Getty Images Com isso, inevitavelmente, frente à deficiência, tendemos a “normalizar” a atitu- des que respondem a uma ideia preconceituosa, que as inferioriza e que as adjetivam frequentemente como inferiores e/ou incapazes, na tentativa consciente e/ou incons- ciente de homogeneizá-las, atitude que ignora a diferença e contribui amplamente para a perpetuação dos estereótipos e estigma que as acompanha. O estigma, por sua vez, é entendido como uma construção social, na qual os atributos pessoais que desqualificam as pessoas variam a depender do período sócio-histórico-cultural, podendo interferir na dinâmica das interações sociais e exacerbar as consequências da deficiência(MARTINS; BARSAGLINI; SIQUEIRA; CARDOSO, 2011). A sociedade, por sua vez, por não saber conviver com a diferença, tende a isolar e marginalizar aquele que é diferente do padrão imposto por ela, assim, Goffman (1988) afirma que o normal e o estigmatizado não são pessoas, mas perspectivas geradas em situações sociais. 12 13 Figura 3 – A falta de convívio leva a sociedade a isolar e excluir as pessoas com defi ciência Fonte: Getty Images Amaral (1995) afirma que a matéria-prima do preconceito é o desconhecimento e a desinformação, sendo, portanto, uma atitude hostil de medo frente a aquilo que o ameaça – a diferença/deficiência, o desconhecido. Segundo a autora, o preconceito em relação a essas pessoas é um mecanismo de negação social, que nos impede de perceber que por trás do estereótipo da deficiência há uma pessoa com sentimentos, sonhos e desejos como qualquer um de nós. O preconceito que a acompanha não afeta apenas, segundo AMARAL (1995), a ideia de incapacidade, de impossibilidade e de dependência presente no imaginário social quando nos referimos à deficiência, não é pessoal: é fruto de uma construção social, uma herança intergeracional que vem carregada de significados negativos. A Questão da Sexualidade da Pessoa com Deficiência Quando se tornam adolescentes ou adultos isso se acentua ainda mais, porque não terão a oportunidade de se relacionar com os pares, namorar, se envolver se- xualmente com outra pessoa. Vemos, nesse processo de vivenciar a sexualidade, que os tabus, preconceitos e estigmas se fazem presentes nos atos, gestos e atitudes expressos nos modos de ser e de aparecer, materializam e tornam-se práticas cons- tantes no grupo social no qual a pessoa está inserida. A cristalização desses aspectos podem, como afirma Bruns (2016), ser observados no modo como se relacionam com esses padrões, normas e valores, ou seja, como expressam a própria sexuali- dade, isso poderá facilitar e/ou dificultar a prática da sexualidade, suas experiências, desejos, fantasias e frustrações. 13 UNIDADE Análise das Questões Relacionadas ao Estigma e Preconceito Frente à Vivência da Sexualidade das Pessoas com Deficiência Ricardo Ferraz criou uma charge que ilustra as atitudes de preconceituosas em relação à sexualidade de pessoas com deficiência. Disponível em: https://bit.ly/33fLb4S Quando o assunto é sexualidade, apesar dos avanços e da exposição que tem tido na mídia, ainda não é suficiente para sensibilizar os pais a tratar desse tema com os filhos. No estudo realizado por Bruns (2016), foi possível perceber que não existe di- álogo acerca da sexualidade com os filhos com deficiência porque há a dificuldade de abordar o tema e porque, para os pais e familiares, persiste a ideia bastante comum de que o filho é assexuado. Assim, reprimem duramente toda e qualquer iniciativa ou atitude do filho em relação ao exercício saudável da sexualidade, imprimindo nos seus filhos jovens, que são incapazes, “coitadinhos”, com a conivência do grupo so- cial, portanto incapazes de administrar sua vida. Leandra Migotto Certeza tem deficiência física e quebra preconceitos ao explorar sua sexu- alidade. Disponível em: https://bit.ly/2Ogy9uQ A sexualidade é a forma pela qual o humano realiza a existência de seu corpo, modo esse pelo qual entramos em contato com o mundo e como nos percebemos “sendo”. Não há outro meio de conhecer o corpo humano senão vivenciando-o. Por isso, ao falarmos de sexualidade, remetemos nosso pensamento ao corpo. A sexua- lidade é a parte integrante do nosso self, a dimensão que mais abrange a sua totali- dade. Ela é a expressão do ser que deseja, que escolhe, que ama, que se comunica com o mundo e com o outro (ARANHA; MARTINS, 1981, p. 348). Figura 4 – Casamento entre pessoas com deficiência intelectual Fonte: globalnpo.org Para Merleau-Ponty, a sexualidade é o que faz com que o homem tenha uma história. Se a história sexual de um homem dá a chave de sua vida, é porque na 14 15 sexualidade do homem se projeta sua maneira de ser com relação ao mundo, isto é, com relação ao tempo e aos outros homens (1971, p. 168). Os familiares, no entanto, ainda têm dificuldades para se despirem de seus pre- conceitos em relação à sexualidade dos filhos com deficiência. Segundo Gesser e Nuernberg (2014), de um modo geral, a história da civilização se repete sempre na educação de cada criança, quando se espera que ela se ajuste de modo satisfatório às normas e às leis sociais. Segundo os autores, a perspectiva do modelo social sugere que o problema da sexualidade da pessoa com deficiência é menos “como fazer” e mais “com quem fazê-lo”. Como podemos definir a deficiência? A deficiência pode nos acometer em qualquer fase da nossa vida, algumas pesso- as já nascem nessa condição, outras adquirem no transcorrer da vida como consequ- ência de uma doença ou acidentes. O nascimento de uma criança altera a estrutura e a dinâmica familiar, muitos casais acabam sucumbindo a isso, contribuindo para o afastamento e separação do casal. A mulher acaba assumindo as responsabilidades pelos cuidados e criação do filho, com isso passa a ser apenas mãe e cuidadora. Embora a face mais visível dos cuidados e proteção dos filhos com deficiência seja a rotina dos cuidados diários, o esforço físico das atividades e os altos custos finan- ceiros próprios do ato de cuidar, segundo Bogo, Cagnini e Raduenz (2014), cabe dedicar-se a compreender a dinâmica desenvolvida pelas mães nesse papel social e na identificação de outras questões relativas à convivência diária com um filho com deficiência, e a necessidade de autocuidados, na perspectiva de identificar suportes e apoios importantes às cuidadoras mães para favorecer a compatibilização dos cui- dados com o filho e o cuidar de si própria. Primeiramente, temos que salientar que, apesar de as pessoas ainda confundi- rem os termos, é necessário esclarecer que deficiência não é doença. A deficiência caracteriza-se por uma diminuição ou desaparecimento do funcionamento de um ou mais órgãos ou tecidos do organismo do indivíduo (DICIONÁRIO LAROUSSE, 2005). Define-se pela perda ou anormalidade de uma estrutura, função psicológica, fisiológica ou anatômica que gere incapacidade para o desenvolvimento da criança e desempenho de atividades dentro dos padrões da normalidade (BRASIL, 1989). Na década de 1990, o termo deficiência foi trocado pela nomenclatura “necessi- dades especiais” sendo mais usada a expressão “portadores de necessidades espe- ciais”, e no ano de 2000 foi proclamada a substituição desse termo para “pessoa com deficiência” pela compreensão de que o sujeito que possui uma deficiência apresenta uma condição, diferentemente de quem porta algo agora e posteriormente poderá não mais portar (SASSAKI, 2003). Clemente (2014) afirma que, para além das diferenças como cor, sexo, religião, idade, idioma e etnia, todos nós possuímos também características genéticas, físicas e de personalidade que, na interação com o meio familiar, social e cultural em que vivemos, nos constituem como pessoas únicas, singulares, assim, somos todos dife- rentes, mas as pessoas tendem a se aproximar dos seus iguais e, nesse movimento, 15 UNIDADE Análise das Questões Relacionadas ao Estigma e Preconceito Frente à Vivência da Sexualidade das Pessoas com Deficiência alguns grupos são excluídos. As pessoas com deficiência fazem parte do grupo que ainda sofre preconceito e é discriminado pela sociedade. A aceitação da diferença/deficiência significa estar aberto a essas variações como modos de que algumas pessoas com deficiência dispõem para se realizar no con- texto de gênero e sexualidade ou alcançar intimidade ou vida familiar (GESSER; NUERNBERG, (2014). Em vez de impor a normalidade ou expectativas normais às pessoas com deficiência, é preciso a abertura à diferença, a oferta de um potencial de expansão, que é possível para todos nessas áreas (SHAKESPEARE, 1998, p. 55-56). Concluímos que o nascimento deuma criança altera a dinâmica e a estrutura familiar. A família constitui-se em um recurso muito importante para a formação do indivíduo, representa o fio condutor para a organização do primeiro espaço social, além de constituir-se em lugar de aprendizagem e convivência, mas, principalmen- te, para oportunizar à criança experienciar a cooperação, a solidariedade, o amor parental, filial e fraternal, enraizando a pessoa mediante as relações de parentesco, campo experimental de aprendizagem entre pais, filhos e irmãos, a perceber suas capacidades e aprofundar sua singularidade, além de ser lugar de transmissão de modos de vida e de valores. Quando a criança nasce com algum tipo de deficiência, os pais, frente à notícia da deficiência, reagem de diferentes formas. A sociedade, por sua vez, possui padrões que são impostos aos indivíduos que se submetem, sofrendo as consequências tais como a estima e o preconceito. À medida que a criança vai se desenvolvendo, outras questões e preocupações vão acontecendo, dificuldades surgem frente às manifesta- ções da sexualidade do filho, que, por ter dada deficiência, não é visto como sendo capaz de vivenciar de forma plena a sua sexualidade. A sociedade avançou em diversos aspectos, mas essa questão permanece per- meada pelos mitos, estigma e preconceito, cabe a cada um de nós revermos nossas atitudes e ações frente aos desejos e às necessidades da pessoa com deficiência, que, como qualquer outra pessoa, quer apenas ser feliz e ter uma vida plena. 16 17 Material Complementar Indicações para saber mais sobre os assuntos abordados nesta Unidade: Livros Diferente mas não desigual: a sexualidade no deficiente mental GHERPELLI, M. H. B. V. Diferente mas não desigual: a sexualidade no deficiente mental. 2. ed. São Paulo: Gente, 1995. Vídeos A sexualidade de alunos com deficiência Maria Helena Vilela, blogueira especialista em educação social, tira dúvidas e comenta a respeito de mitos que permeiam a sexualidade de pessoas deficientes. https://youtu.be/rq8onTulZ80 Sem Tabus – A sexualidade de pessoas com deficiência O programa Sem Tabus aborda questões relacionadas à sexualidade de pessoas deficientes. https://youtu.be/7C8ovwXvfpE Filmes Minha vida em cor-de-rosa https://youtu.be/VQcFMz-5i4A Leitura Autopercepção de pessoas com deficiência intelectual sobre deficiência, estigma e preconceito Autopercepção de pessoas com deficiência intelectual sobre deficiência, estigma e preconceito. https://bit.ly/31tg0BW Dialogando com Goffman: contribuições e limites sobre a deficiência https://bit.ly/2BRciY0 17 UNIDADE Análise das Questões Relacionadas ao Estigma e Preconceito Frente à Vivência da Sexualidade das Pessoas com Deficiência Referências AMERICAN PSYCHOLOGICAL ASSOCIATION. 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