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PRÁTICAS DE ENSINO EM DEFICIÊNCIA AUDITIVA Autoras: Andréia Gulielmin Didó Juliana de Oliveira Pokorski Programa de Pós-Graduação EAD UNIASSELVI-PÓS Reitor: Prof. Ozinil Martins de Souza Diretor UNIASSELVI-PÓS: Prof. Carlos Fabiano Fistarol Coordenador da Pós-Graduação EAD: Prof. Norberto Siegel Equipe Multidisciplinar da Pós-Graduação EAD: Profa. Hiandra B. Götzinger Montibeller Profa. Izilene Conceição Amaro Ewald Profa. Jociane Stolf Revisão de Conteúdo: Profa. Tatiana dos Santos da Silveira Revisão Gramatical: Profa. Camila Thaisa Alves Bona Diagramação e Capa: Carlinho Odorizzi 371.912 D555p Didó, Andréia Gulielmin Práticas de ensino em deficiência auditiva / Andréia Gulielmin Didó; Juliana de Oliveira Pokorski. Indaial:Uniasselvi, 2013. 93 p. : il ISBN 978-85-7830- 646-5 1. Educação – Surdos. 2. Deficiência auditiva. I. Centro Universitário Leonardo da Vinci. CENTRO UNIVERSITÁRIO LEONARDO DA VINCI Rodovia BR 470, Km 71, no 1.040, Bairro Benedito Cx. P. 191 - 89.130-000 – INDAIAL/SC Fone Fax: (047) 3281-9000/3281-9090 Copyright © UNIASSELVI 2013 Ficha catalográfica elaborada na fonte pela Biblioteca Dante Alighieri UNIASSELVI – Indaial. Impresso por: Andréia Gulielmin Didó Possui graduação em Letras pela Universidade do Vale do Rio dos Sinos (2009) e Mestrado em Linguística Aplicada (2012). Atualmente é professora da Escola Especial para Surdos Frei Pacífico. Tem experiência na área de Linguística, com ênfase em Linguística Aplicada, atuando principalmente nos seguintes temas: língua portuguesa, surdos, libras, criança surda e avaliação. Possui vários trabalhos publicados na ABRALIN e em Congressos Nacionais e Internacionais de Educação sobre a educação surda, o papel do professor e as relações entre o ensino e a avaliação do aluno surdo. Juliana de Oliveira Pokorski Graduada em pedagogia pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (2010), Especialização em “Os Estudos Culturais e os currículos escolares contemporâneos na Educação Básica” pela mesma universidade (2011). Atualmente, além de professora em uma escola especial para surdos e intérprete de libras, é mestranda na linha dos Estudos Culturais em Educação do Programa de Pós Graduação em Educação da UFRGS, trabalhando os seguintes temas: Cultura surda; Educação de surdos; Movimentos surdos. Integrante do grupo de pesquisa “Produção, circulação e consumo da Cultura Surda Brasileira”, tem como principais publicações: “Minha vida, duas línguas: um estudo sobre as experiências de surdos com a escrita acadêmica”, no Programa de Pós-Graduação em Educação/UFRGS, e “O movimento surdo na internet: os discursos circulantes no YouTube”. Sumário APRESENTAÇÃO ..................................................................... 7 CAPÍTULO 1 LibraS: Educação E cuLtura Surda ............................................ 9 CAPÍTULO 2 PráticaS PEdagógicaS biLínguES na Educação dE SurdoS .......... 39 CAPÍTULO 3 utiLizando difErEntES abordagEnS Em SaLa dE auLa: EnSinando SurdoS E ouvintES .................................................. 69 7 APRESENTAÇÃO Caro(a) pós-graduando(a): A partir das concepções do bilinguismo e educação inclusiva, esse caderno pretende refletir acerca de questões teóricas e metodológicas envolvidas na educação de alunos surdos. O primeiro capítulo apresenta a Libras – Língua Brasileira de Sinais brasileira – destacando e esclarecendo que trata-se de uma língua e não de uma linguagem, educação e a cultura surda. No segundo capítulo, refletiremos sobre as práticas pedagógicas utilizadas na educação de surdos, reiterando a importância da aquisição da Libras como língua materna no processo de ensino e aprendizagem do sujeito surdo, assim como a importância da família aprender a Libras, para se comunicar com seu filho e permitir inteirações no âmbito escolar, familiar e social. O terceiro capítulo ocupa-se de refletir acerca das diferentes metodologias, abordagens e exemplos de atividades que funcionaram em sala de aula, evidenciando a interação e o desenvolvimento do aluno surdo. Dessa forma, acreditamos que o caderno assim constituído cumpre com seus objetivos, pois possibilita aos seus leitores uma reflexão sobre dados acerca da língua de sinais, da cultura surda e das práticas utilizadas em sala de aula, além de propiciar reflexões acerca do bilinguismo, do processo de ensino e aprendizagem dos alunos surdos, formação do professor e as diferentes concepções que permeiam o contexto escolar. Bons estudos! As autoras. CAPÍTULO 1 LibraS: Educação E cuLtura Surda A partir da perspectiva do saber fazer, neste capítulo você terá os seguintes objetivos de aprendizagem: 3 Conhecer aspectos da história da educação de surdos de modo a criar subsídios para produção de práticas educativas na atualidade. 3 Conhecer aspectos da LIBRAS visando o desenvolvimento dos alunos e seu processo de aprendizagem. 11 Libras: Educação e Cultura Surda Capítulo 1 contExtuaLização Este capítulo aborda questões sobre a história e a língua dos surdos, de maneira a apresentar aspectos importantes da constituição da cultura surda, assinalando assim sob qual perspectiva estaremos trabalhando durante toda esta unidade. Na impossibilidade de formá-los de maneira mais completa, pretendemos, com este capítulo, dar-lhes instrumentos para buscar novos conhecimentos e uma base que sustente suas escolhas no percurso da educação de surdos. HiStória da Educação dE SurdoS: Em buSca dE caminHoS Figura 1 – Charge Fonte: Disponível em: <http://idc.mdaigletoons.com/ comic2.html>. Acesso em: 12 ago. 2012. Somos seres históricos, constituídos pelo que vivemos no dia a dia, pelo que já vivemos e até mesmo pelo que se espera que sejamos no futuro. Da mesma forma, os modos de pensar a educação de surdos na atualidade são resultado de várias formas de pensar e produzir a educação de surdos ao longo da história e trazem marcados os olhares sobre a surdez produzidos dentro e fora das escolas. Novos conceitos surgiram e foram desconstruídos ao longo da história, seguindo questões sociais, filosóficas e políticas. Embora a luta dos surdos pela educação seja de longa data, a maior parte dessa luta nem ao menos é reconhecida. Embora a luta dos surdos pela educação seja de longa data, a maior parte dessa luta nem ao menos é reconhecida. http://idc.mdaigletoons.com/comic2.html http://idc.mdaigletoons.com/comic2.html Práticas de Ensino em Deficiência Auditiva 12 Observe que, no passado, os surdos eram considerados castigos para suas famílias, seres anormais, loucos e até enfeitiçados, incapazes de aprender e conviver em sociedade, portanto estavam destinados à morte ou ao abandono. De acordo com Sá (2002), o cristianismo defendeu que o surdo era um ser humano igual aos outros, portanto, também precisava de Deus. Já o Iluminismo, priorizando a ciência, olhou para o surdo com o objetivo de tratá-lo, reabilitá-lo clinicamente. Se avaliarmos a linha do tempo da história da educação de surdos, evidenciamos a importância de estudos que primem pela língua de sinais e pela qualidade e evolução da educação dos surdos. Acreditamos ser importante conhecer de modo geral as concepções de educação existentes ao longo da história para que se possa pensar novos caminhos a partir de tais experiências. Como já dissemos, a história dos olhares sobre a surdez é muito anterior à história da educação de surdos, pois por anos os surdos sequer foram vistos como educáveis (STROBEL, 2006), excluídos da sociedade assim como os deficientes físicos e mentais. Os discursos sobre a surdez vêm se constituindo desde a necessidade de eliminação entre os espartanos e gregos, passando pelo conformismo piedoso do Cristianismo, pela segregação e marginalização operadas pelos ‘exorcistas’e ‘esconjuradores’ da Idade Média, pelo paradigma da institucionalização do século XVIII em diante e o paradigma de serviços do século XX, até as políticas de inclusão escolar e social no século XXI (THOMA, 2006, p.11). Salientamos que não há como separar as concepções de educação ou sobre a surdez em períodos históricos específicos, pois os movimentos educativos são fluidos e se cruzam, influenciando práticas atuais que podem ser encontradas em diferentes contextos. De maneira didática, mostraremos os períodos divididos, mas na prática nem tudo é tão delimitado. Vamos a eles. A primeira perspectiva que iremos tratar aqui é oralismo. No impasse do que fazer com os alunos surdos, as escolas buscavam formas de dissimular a deficiência (LOPES, 2010). Na tentativa de tornar os surdos o mais semelhante possível aos ouvintes, esta perspectiva focava terapias de fala e leitura labial, vinculadas ao uso de aparelhos auditivos. 13 Libras: Educação e Cultura Surda Capítulo 1 a) Oralismo Figura 2 - Oralismo Fonte: Disponível em: <http://fabiosellani.blogspot.com/>. Acesso em: 13 ago. 2012. No Brasil, no período em que surge o primeiro instituto para a educação de surdos, o Instituto Nacional dos Surdos Mudos (que mais tarde se tornaria o atual Instituto Nacional de Educação de Surdos - INES), com o professor Eduard Huet, não havia uma preocupação em ensinar aos surdos a escrita ou a leitura, uma vez que grande parte da população brasileira era analfabeta. Assim, a educação dos surdos se baseava no ensino da fala e na socialização. Tratava-se de uma perspectiva bastante clínica, e há registros críticos a respeito desta perspectiva. Há alguns surdos que dizem, por exemplo, que aprendiam a falar as palavras de modo mecânico, mas não tinham ciência dos significados do que diziam. O indivíduo surdo, nessa corrente teórico-metodológica, trata-se de um “sujeito a ser corrigido”, que pode falar para se integrar na sociedade. Todas as práticas terapêuticas são voltadas para a cura do “ouvido deficiente”. Mesmo que essas práticas na época representassem algo do divino, algo caritativo, até hoje influenciam nas decisões políticas em relação à educação desses sujeitos (VIEIRA-MACHADO, 2010,p.48-49). Tal perspectiva inferiorizava o surdo em relação ao ouvinte, pois nem todos surdos mostravam-se capazes de desenvolver a fala, sua articulação não era equivalente a dos ouvintes e as terapias eram vistas pelos surdos como cansativas e pouco eficientes. O velho oralismo obrigou e obriga a uma situação de perda diante da superioridade ouvinte, ou seja, sendo incapaz de oralizar, de alfabetizar-se, sobra ao surdo uma situação de isolamento, de incapacidade, de desinteresse pela vida. A outros, resta a migração para o encontro com surdos (MIRANDA, 2001, p.28). Práticas de Ensino em Deficiência Auditiva 14 Ainda existem terapeutas da fala, mas como a língua de sinais hoje é permitida e difundida, muitos surdos optam pelo aprendizado da fala através de fonoterapias, mesmo que na escola utilizem a Libras. Ironicamente, os espaços de formação oral, que proibiam o uso da língua de sinais nas aulas por acreditarem que atrapalhariam o aprendizado da fala, se constituíram em espaços de encontro entre os surdos e, assim, de produção e desenvolvimento da língua de sinais que, natural ao surdo, permanecia, mesmo que proibida, sendo utilizada na “marginalidade”. A segunda fase da educação dos surdos surgiu decorrente do fracasso da proposta oralista. Na impossibilidade de banir a língua de sinais, ela volta novamente para o cenário escolar na perspectiva da Comunicação Total, que pretendia utilizar a língua de sinais e o método oral ao mesmo tempo na mesma sala de aula. De acordo com Silva e Nembri (2008), a comunicação total nasceu nos anos 70 e caracteriza-se por aceitar a existência de outro canal de comunicação: a comunicação por sinais. Também conhecida por português sinalizado, na comunicação total era permitido qualquer recurso para a comunicação, desde que fosse possível a compreensão. Esta proposta objetivava facilitar a aquisição da linguagem e, consequentemente, melhor atuação na leitura e na escrita. As autoras afirmam também que tal proposta fora questionada, pois, mesmo sendo uma evolução em relação ao oralismo, não eliminou as dificuldades apresentadas pelos surdos: os sinais serviram apenas de suporte para o uso da língua oral, mas não oportunizaram uma comunicação eficiente. Em 1880, foi realizado um Congresso Internacional em Milão e, com 160 votos contra quatro, aprovou-se o método oralista como futuro para a educação de surdos, as línguas de sinais passaram a ser perseguidas na tentativa de serem eliminadas (STROBEL, 2006). A língua de sinais, nesta perspectiva, era vista como um recurso para o aprendizado da escrita e da fala, mas ao ser usada concomitantemente ao português, não era utilizada dentro da sua estrutura natural, tornando-se um português sinalizado. Ainda existem terapeutas da fala, mas como a língua de sinais hoje é permitida e difundida, muitos surdos optam pelo aprendizado da fala através de fonoterapias, mesmo que na escola utilizem a Libras. 15 Libras: Educação e Cultura Surda Capítulo 1 Iremos ver mais a respeito da estrutura da língua de sinais no capítulo específico sobre a Libras. b) Comunicação Total Figura 3 - Comunicação Total Fonte: Disponível em: <http:// replicaecontrareplica. blogspot.com//>. Acesso em: 13 ago. 2012. Outra crítica que também é feita a esta perspectiva é o fato de que muitas vezes havia a primazia de uma língua em relação à outra, ou seja, grande parte dos professores, embora julgasse utilizar as duas línguas ao mesmo tempo, não as transmitia na mesma qualidade. Como, em geral, os professores eram ouvintes, quase sempre a língua que era tratada com inferioridade era a língua de sinais. Portanto, a comunicação total foi considerada imprópria por muitos autores. Para Brito (1990), a proposta desconsidera a riqueza da estrutura da LIBRAS. Quadros (1997) acredita ser impossível usar duas línguas ao mesmo tempo. A autora acredita que falar, sinalizar e usar expressões faciais é impraticável. A perspectiva educacional que mais vem sendo defendida na atualidade é a bilíngue, na qual o português escrito e a língua de sinais habitam o mesmo espaço na sala de aula, mas não ao mesmo tempo. A língua de sinais é vista como a primeira língua do surdo e o português escrito como segunda língua. A proposta bilíngue deve oportunizar ao surdo construir sua cultura e sua identidade enquanto sujeito surdo, permitindo também integração com a sociedade e a cultura ouvinte, construindo, assim, um novo olhar sobre a surdez. Práticas de Ensino em Deficiência Auditiva 16 A proposta bilíngue deve oportunizar ao surdo construir sua cultura e sua identidade enquanto sujeito surdo, permitindo também integração com a sociedade e a cultura ouvinte, construindo, assim, um novo olhar sobre a surdez. c) Bilinguismo Figura 4 – Bilinguismo Fonte: Disponível em: <http://www.radiojovemhits.com.br/ blog/index.php>. Acesso em: 13 ago. 2012. Nesta visão, a língua de sinais é utilizada para o ensino de todos conteúdos escolares, sendo considerada a língua mais acessível a todos os surdos, independentemente do grau de perda de audição; e o português escrito é valorizado devido à sua importância social para fora do ambiente escolar e familiar (POKORSKI, 2010), possibilitando um maior acesso às informações através de leituras de livros, legendas e atualmente de maneira especial na internet (POKORSKI, 2011). Thoma & Klein (2010, 116) afirmam que o acesso a graus elevados de ensino “só é possível na medida em que os estudantes surdos tenham tido respeitada a sua condição bilíngue”,uma vez que através da língua de sinais seria dada a oportunidade de conhecer os conceitos de maneira mais profunda. “Seu nome é Jonas” é um bom filme para ilustrar as perspectivas oralistas e de comunicação total. É um filme um pouco antigo, mas é uma boa dica para quem se interessar em se aprofundar nesse assunto. Assista trechos do filme em http://www.youtube. com/watch?v=HXdWGwSjfJo. http://www.youtube.com/watch?v=HXdWGwSjfJo http://www.youtube.com/watch?v=HXdWGwSjfJo 17 Libras: Educação e Cultura Surda Capítulo 1 Diante dessas reflexões, verificamos que as diferentes propostas apresentadas, são essencialmente propostas diferentes com o mesmo objetivo: criar caminhos para o desenvolvimento do sujeito surdo. A proposta educacional do bilinguismo espera oportunizar o quanto antes o contato da criança com duas línguas, estabelecendo a educação no contexto social e cultural de uma comunidade específica, a comunidade surda. Frente ao exposto, podemos dizer que o trajeto histórico da educação dos surdos está interligado com a compreensão social e cultural do ouvinte, pois as concepções destes refletem-se no desenvolvimento das práticas pedagógicas para os surdos. Atividade de Estudos: 1) Relacione as perspectivas estudadas às imagens abaixo, justificando sua resposta. Figura 5 - A maior ironia: bebê surdo e bebê ouvinte Fonte: Disponível em: <http://ensinodeportuguesparasurdos. blogspot.com.br/>. Acesso em: 13 ago. 2012. ____________________________________________________ ____________________________________________________ ____________________________________________________ ____________________________________________________ ____________________________________________________ ____________________________________________________ ____________________________________________________ ____________________________________________________ http://ensinodeportuguesparasurdos.blogspot.com.br/ http://ensinodeportuguesparasurdos.blogspot.com.br/ Práticas de Ensino em Deficiência Auditiva 18 ____________________________________________________ ____________________________________________________ ____________________________________________________ ____________________________________________________ ____________________________________________________ ____________________________________________________ Figura 6 – Crianças brincando Fonte: Disponível em: <http://ensinodeportuguesparasurdos. blogspot.com.br/>. Acesso em: 13 ago. 2012. ____________________________________________________ ____________________________________________________ ____________________________________________________ ____________________________________________________ ____________________________________________________ ____________________________________________________ ____________________________________________________ ____________________________________________________ ____________________________________________________ ____________________________________________________ ____________________________________________________ ____________________________________________________ ____________________________________________________ A próxima seção ocupa-se de refletir um pouco sobre duas diferentes formas de constituir o sujeito surdo. Nos debruçaremos sobre a perspectiva cultural, quando a surdez é assumida como uma diferença particular, que não caracteriza incapacidade, e a visão clínica, encarada pela área da saúde como algo a ser corrigido, tratado, seja através do implante coclear ou de terapias da fala, buscando a “normalização” do sujeito surdo, aproximando-o o máximo possível ao sujeito ouvinte. http://ensinodeportuguesparasurdos.blogspot.com.br/ http://ensinodeportuguesparasurdos.blogspot.com.br/ 19 Libras: Educação e Cultura Surda Capítulo 1 oLHarES SobrE a SurdEz: dEficiência E/ou cuLtura Refletir sobre os aspectos propostos nessa seção não é tarefa fácil. Portanto, não vamos nos posicionar a favor de uma terminologia ou de outra. Apenas vamos tentar apresentar conceitos acerca delas e deixar para você, leitor, a tarefa de eleger a que mais se adequa às suas concepções acerca da surdez. Primeiramente vamos definir deficiência, respeitando simplesmente a sequência apresentada pelo título. De acordo com o Mini-Dicionário Aurélio, deficiência significa: 1. falta, carência; 2. insuficiência. Após pesquisar diferentes autores que tratam sobre a surdez e diversas fontes na internet, podemos definir deficiência auditiva como um termo clínico, utilizado principalmente por profissionais da área da saúde, para indicar perda de audição ou dificuldade de ouvir e identificar sons. Qualquer problema que aconteça com alguma das partes do ouvido pode desencadear uma deficiência auditiva. A tabela abaixo demonstra a classificação dos níveis de surdez conforme o Decreto nº 3.298, de 20 de dezembro de 1999. NÍVEIS DE SURDEZ DECIBÉIS LEVE 25 a 40 MODERADA 41 a 55 ACENTUADA 56 a 70 SEVERA 71 a 90 PROFUNDA Acima de 91 Atividade de Estudos: 1) Qual a sua concepção para deficiente auditivo? Justifique. __________________________________________________ __________________________________________________ __________________________________________________ __________________________________________________ __________________________________________________ __________________________________________________ __________________________________________________ __________________________________________________ Práticas de Ensino em Deficiência Auditiva 20 __________________________________________________ __________________________________________________ __________________________________________________ __________________________________________________ __________________________________________________ __________________________________________________ __________________________________________________ __________________________________________________ __________________________________________________ Para além do olhar sobre a surdez em relação à falta de audição, existem linhas teóricas que observam os surdos pelo viés cultural. Tais linhas não negam a existência da questão da falta de audição, mas não focam nela seu olhar. Ao perceber cultura como um conjunto de práticas de determinado grupo, e acreditar que a cultura determina modos de ver, de ser, de experienciar o mundo (HALL, 1997), torna-se mais fácil compreender a existência da cultura surda não como algo hegemônico, existente a todos os surdos apenas pelo fato de não ouvir, mas como algo que surge da utilização de uma outra língua e de uma experiência visual com o mundo. A imagem abaixo ilustra alguns dos aspectos desta cultura, quando mostra os surdos (ou ouvintes fluentes em sinais) em grupo, animados em sua conversa quando todos os demais já haviam deixado o espaço. Figura 7 – Espaços de cultura Fonte: Disponível em: <http://liliacamposmartins.blogspot.com.br/2012/06/ conhecendo-um-pouco-da-cultura-surda.html> Acesso em: 16 ago. 2012. http://liliacamposmartins.blogspot.com.br/2012/06/conhecendo-um-pouco-da-cultura-surda.html http://liliacamposmartins.blogspot.com.br/2012/06/conhecendo-um-pouco-da-cultura-surda.html 21 Libras: Educação e Cultura Surda Capítulo 1 Essa imagem, de maneira simples, mostra alguns pontos importantes: são poucos os surdos que vivem em ambientes em que podem utilizar a língua de sinais de maneira fluente, grande parte dos surdos adultos trabalha em espaços nos quais são os únicos surdos, se comunicando com sinais básicos, com a presença de intérpretes ou através da escrita. Momentos em que são compreendidos, em que podem conversar livremente sobre assuntos do cotidiano geralmente são raros, por isso o encontrocom a comunidade surda é tão valorizado. Em várias cidades há as associações, ou sociedades de surdos, que se constituem em muito mais do que pontos de encontro, são espaços de discussão, de festa, de organização política, de produção e circulação da língua e cultura surda. Ao olhar para a surdez como uma forma de cultura, também observamos diferentes e complexas concepções e definições, em suma, podemos afirmar que a surdez, sob o ponto de vista cultural, relata o surdo como um sujeito que constrói sua identidade cultural de maneira distinta dos sujeitos ouvintes. Ser surdo deixa de ser uma deficiência e passa a ser uma cultura, uma identidade que o sujeito surdo constrói. A produção de identidades através da representação que pais, escola e o próprio sujeito surdo têm acerca da surdez constitui a cultura surda. Existem grupos de surdos que lutam pela segurança, pelo respeito a sua cultura por verem que os surdos historicamente foram “silenciados” pela cultura hegemônica ouvinte, outras minorias também vêm buscando este reconhecimento, como grupos étnicos, homossexuais, entre outros. De modo geral, tivemos anos na história em que apenas o grupo de homens brancos, heterossexuais, europeus eram considerados sob o olhar cultural e histórico. Isto tem mudado ao longo dos anos, mas devido à pressão das lutas dos grupos pormenorizados. Gládis Perlin (2005, p 79), a primeira surda do Brasil a fazer mestrado, tem diferentes pesquisas sobre a cultura e identidades surdas e também apresenta a importância histórica da valorização destas questões: A violência contra a cultura surda foi marcada através da história. Constatamos, na história, eliminação vital dos surdos, a proibição do uso de língua de sinais, a ridicularização da língua, a imposição do oralismo, a inclusão do surdo entre os deficientes, a inclusão dos surdos entre os ouvintes. Ser surdo deixa de ser uma deficiência e passa a ser uma cultura, uma identidade que o sujeito surdo constrói. A produção de identidades através da representação que pais, escola e o próprio sujeito surdo têm acerca da surdez constitui a cultura surda. Práticas de Ensino em Deficiência Auditiva 22 Atividade de Estudos: 1) Qual a sua concepção para cultura surda? Justifique. ____________________________________________________ ____________________________________________________ ____________________________________________________ ____________________________________________________ ____________________________________________________ ____________________________________________________ ____________________________________________________ ____________________________________________________ De acordo com Skliar (1997), existe uma grande diferença entre compreender a surdez como uma deficiência e entender como uma diferença. Nesse momento, segundo o autor, é estabelecida a linha que separa a visão clínica da surdez e a visão antropológica. Sob essa ótica, a visão clínica basicamente busca o tratamento, a medicalização, normalizar o sujeito surdo, diferente da concepção socioantropológica, que entende a surdez como uma experiência visual, uma maneira particular de estabelecer a realidade histórica, social e política de perceber o mundo. Não há apenas uma forma de ser surdo ou de viver a surdez, há grupos de surdos oralizados, surdos implantados (atualmente tem se percebido com força o movimento clínico em relação aos implantes cocleares), e os surdos sinalizantes, sendo que nos referimos a estes últimos quando tratamos do assunto da cultura surda. Em vários espaços é possível ver a disputa entre esses grupos, pela busca de poder ou no sentido de dizer qual seria a “verdadeira” forma de ser surdo. No entanto, há certa fluidez nessas identidades, e existem surdos que escapam dessas “paredes” e participam de mais de um grupo. O sujeito surdo sinalizante, este tido como culturalmente surdo, não tem dúvidas em relação à sua identidade, que se distingue culturalmente da identidade dos ouvintes, o surdo não se vê como deficiente, mas como diferente baseado na sua percepção visual, que oportuniza processos culturais específicos, identidades culturais diferentes. 23 Libras: Educação e Cultura Surda Capítulo 1 O documentário “Som e Fúria” trata sobre a discussão de fazer ou não o implante coclear. Apresenta o olhar de uma família de surdos e de uma família de ouvintes. É bastante interessante para observar como existem diferentes pontos de vista sobre um mesmo tópico. Assista trechos do documentário em http://www.youtube.com/watch?v=fhghGoIU zdw&feature=related . Atividade de Estudos: Assista o documentário “Ser é ver sentir”, disponível no link: http://www.youtube.com/watch?v=Ob4GCkm66EM&feature=player_ embedded# ou http://culturasurda.wordpress.com/2012/07/08/ser-e- ver-sentir/. 1) A partir do visto e do trabalhado nesta subseção, relate o que você aprendeu, o que mais lhe chamou atenção e de que forma as visões apresentadas a respeito da surdez vão de ou ao encontro as concepções prévias que você possuía sobre os sujeitos surdos. __________________________________________________ __________________________________________________ __________________________________________________ __________________________________________________ __________________________________________________ __________________________________________________ __________________________________________________ __________________________________________________ __________________________________________________ __________________________________________________ __________________________________________________ __________________________________________________ __________________________________________________ http://www.youtube.com/watch?v=fhghGoIUzdw&feature=related http://www.youtube.com/watch?v=fhghGoIUzdw&feature=related http://www.youtube.com/watch?v=Ob4GCkm66EM&feature=player_embedded# http://www.youtube.com/watch?v=Ob4GCkm66EM&feature=player_embedded# http://culturasurda.wordpress.com/2012/07/08/ser-e-ver-sentir/ http://culturasurda.wordpress.com/2012/07/08/ser-e-ver-sentir/ Práticas de Ensino em Deficiência Auditiva 24 __________________________________________________ __________________________________________________ __________________________________________________ __________________________________________________ __________________________________________________ __________________________________________________ LibraS – a Língua braSiLEira dE SinaiS A Libras é uma língua natural, surgiu de forma espontânea, da necessidade da comunicação entre os surdos, assim como as línguas orais. No entanto, somente em 2002 a língua de sinais foi oficializada como língua brasileira, após anos de luta da comunidade surda. Esta lei, regulamentada através do decreto 5626/2005, trouxe uma maior visibilidade para a Libras, presente hoje como disciplina obrigatória dos cursos de fonoaudiologia e licenciatura, sendo também oferecida como eletiva para outros cursos, ou em cursos de extensão. Tal lei também ampliou a presença de intérpretes em escolas, universidades e espaços públicos, qualificando a inclusão social dos surdos brasileiros. Para Quadros (1997) e Karnopp (2004), a Libras é a língua materna dos surdos. Em vista disso, recomendam que as crianças adquiram, além da Libras, a escrita da língua de sinais, possibilitando ao sujeito surdo aprender a língua e a escrita de sua comunidade para só então iniciar o processo de aquisição de Língua Portuguesa como segunda língua. Assim, respeita-se o processo de aquisição de linguagem natural dos surdos. Entretanto, é curioso que a escrita da língua de sinais, com uma de suas propostas, o Sign Writing, não faz parte do cotidiano das escolas de surdos, conforme as autoras acima citadas. Éimportante evidenciar que a perspectiva do bilinguismo enfatiza o direito dos surdos de serem alfabetizados/letrados em Libras e considera a Língua Portuguesa como L2, ressaltando a importância da Língua Portuguesa escrita na vida dos surdos que interagem diariamente com um mundo ouvinte e escrito. Observe que, embora frequentemente tenha-se contato com surdos ou com a Libras, muitas vezes ocorrem alguns equívocos de entendimento sobre o que significa esta língua, ou como diria Quadros e Karnopp (2004), existem ainda alguns mitos a respeito disto: É importante evidenciar que a perspectiva do bilinguismo enfatiza o direito dos surdos de serem alfabetizados/ letrados em Libras e considera a Língua Portuguesa como L2, ressaltando a importância da Língua Portuguesa escrita na vida dos surdos que interagem diariamente com um mundo ouvinte e escrito. 25 Libras: Educação e Cultura Surda Capítulo 1 1. As línguas de sinais não são mímicas, ou pantomimas, representando apenas objetos concretos, não sendo capaz de expressar questões abstratas. As línguas de sinais, como qualquer outra língua, estão sempre em construção, a todo o momento. Conforme a necessidade dos usuários, surgem novos verbetes no vocabulário, o que não significa que a língua seja pobre, mas que é uma língua viva, assim como todas as demais utilizadas no mundo. Este mito de que as línguas de sinais são icônicas pode dever-se ao fato de que alguns sinais remetem a objetos, mas isto não ocorre com todos os sinais. Veja nos exemplos abaixo que o verbo “sentar” representa dois dedos como que duas pernas flexionadas sobre um banco (dedos esticados), mas o adjetivo “legal” é um sinal convencionado, não é icônico. Figura 8- Sinais para “sentar” e “legal” Fonte: Disponível em: <www.feneis.org.br/rs>. Acesso em: 13 ago. 2012. 2. As línguas de sinais não são sistemas linguísticos universais, ou seja, cada país tem sua própria língua estruturada com sua própria semântica, sintaxe e morfologia. Todas as línguas vivas estão sempre em movimento, verbetes novos surgem e outros entram em desuso. Da mesma forma acontece com as línguas de sinais que, assim como as línguas orais, sofrem influência de outras línguas e possuem diferenças dialetais de região para região dentro de um mesmo país. No exemplo abaixo, o sinal para “mãe” utilizado em grande parte do nosso país, seguido do sinal “mãe” utilizado no Rio Grande do Sul e pelo sinal utilizado para a mesma palavra em ASL (Língua de sinais utilizada nos Estados Unidos): Figura 9 - Sinal para “mãe” Fonte: Disponível em: <www.feneis.org.br/rs>. Acesso em: 13 ago. 2012. http://www.feneis.org.br/rs http://www.feneis.org.br/rs Práticas de Ensino em Deficiência Auditiva 26 3. As línguas de sinais, não possuem a mesma estrutura das línguas orais, ou seja, não há um sinal linearmente a cada palavra dita, o que não significa de forma alguma que a língua de sinais é inferior ou incompleta, mas somente que as frases se estruturam de outra maneira, possuem uma gramática, morfologia e fonologia próprias. Para deixar mais claro, observe a diferença em relação à fonologia das duas línguas. As palavras nas línguas orais são formadas por fonemas, unidades mínimas sonoras que não possuem significados em separado. Como na palavra “tóxico”, que é formada pelos fonemas /t/ó/k/s/i/c/o. Nas línguas de sinais, pesquisas (QUADROS & KARNOPP, 2004) também assinalam a presença de unidades mínimas da língua, ou seja, fonemas da língua de sinais que não possuem a questão sonora como central, mas a questão visual. Essas unidades mínimas seriam as configurações de mão, movimento, locação, orientação de mão e as expressões não manuais. Não aprofundaremos aqui essas questões linguísticas da Língua de sinais, pois seriam várias questões a tratar, e o objetivo desta unidade é “dar uma notícia” sobre o que seria a Libras. A quem interessar, recomendamos a obra: QUADROS, Ronice Müller de; KARNOPP, Lodenir Becker. Língua de sinais brasileira: estudos lingüísticos. Porto Alegre : Artmed, 2004. Quadro 1 – Língua oral e língua de sinais LÍNGUA ORAL LÍNGUA DE SINAIS MODALIDADE ORAL-AUDITIVA ESPAÇO-VISUAL VARIAÇÃO LINGUÍSTICA SIM SIM ESTRUTURA SEMÂNTICA SIM SIM ESTRUTURA MORFOLÓGICA SIM SIM Fonte: As autoras. 27 Libras: Educação e Cultura Surda Capítulo 1 Observe a citação seguinte, pois permite uma definição mais completa da LIBRAS: [...] a LIBRAS é a língua materna dos surdos brasileiros e, como tal, poderá ser aprendida por qualquer pessoa interessada pela comunicação com essa comunidade. Como língua, esta é composta de todos os componentes pertinentes às línguas orais, como gramática, semântica, pragmática, sintaxe e outros elementos, preenchendo, assim, os requisitos científicos para ser considerada instrumento linguístico de poder e força. Possui todos os elementos classificatórios identificáveis de uma língua e demanda de prática para seu aprendizado, como qualquer outra língua (cfe. site da FENEIS). São muitas as diferenças entre língua e linguagem, é importante enfatizar que a LIBRAS não é uma linguagem e sim uma língua constituída e estruturada. Ressaltamos a necessidade de as crianças surdas dominarem primeiramente sua língua materna, a LIBRAS, pois esta é a língua que o surdo é capaz de adquirir de forma natural e espontânea, utilizando o meio espaço-visual. Abaixo, o alfabeto da LIBRAS que, vale lembrar, não é a base da língua, esta é constituída de sinais. O alfabeto é utilizado para nomes próprios que ainda não possuem sinais ou quando alguma palavra não é conhecida pelo usuário da LIBRAS, normalmente um usuário ouvinte. Existem alguns dicionários de libras on-line que podem ser úteis, mas sugerimos que caso queira se aprofundar nesta área busque cursos específicos de língua de sinais, pois como qualquer língua é preciso estudo e tempo para a aprender, várias escolas de surdos disponibilizam cursos, mas a título de curiosidade segue abaixo alguns links: http://www.faders.rs.gov.br/portal/uploads/Dicionario_Libras_CAS_ FADERS1.pdf http://www.acessobrasil.org.br/libras/ São muitas as diferenças entre língua e linguagem, é importante enfatizar que a LIBRAS não é uma linguagem e sim uma língua constituída e estruturada. http://www.faders.rs.gov.br/portal/uploads/Dicionario_Libras_CAS_FADERS1.pdf http://www.faders.rs.gov.br/portal/uploads/Dicionario_Libras_CAS_FADERS1.pdf http://www.acessobrasil.org.br/libras/ Práticas de Ensino em Deficiência Auditiva 28 a) Alfabeto Libras Figura 10 - Alfabeto Libras Fonte: Disponível em: <http://www.imdc.com.br/projetos/libras>. Acesso em: 13 ago. 2012. É preciso respeitar o aluno surdo e suas peculiaridades. Primeiramente, o aluno deve aprender sua língua materna, ao educar, em LIBRAS. Além de respeitar esse aluno, estaremos proporcionando um ensino de melhor qualidade, mas é preciso também compreender que o processo educacional deve ser estruturado com o apoio da família da criança surda. Fernandes (1990) ressalta que não é suficiente apenas incluir LIBRAS e Língua Portuguesa na sala de aula, é preciso, antes de tudo, repensar a educação de surdos com a contribuição efetiva de educadores surdos. b) Crianças surdas desenvolvendo a linguagem O desenvolvimento da linguagem, da mesma forma para surdos e ouvintes, significa desenvolver habilidades que permitem a comunicação, a interação familiar e social. Autores como Saussure, Chomsky, Vygotsky e outros refletem sobre processos da língua e da linguagem, abordando processos psicológicos, comportamentais, sociais etc. Nesta seção, sem desmerecer tais estudiosos, vamos focar na linguagem enquanto objeto de desenvolvimento para a criança http://www.imdc.com.br/projetos/libras 29 Libras: Educação e Cultura Surda Capítulo 1surda. Podemos compreender, dessa forma, que nos encontramos frente a uma definição de linguagem cuja ênfase se encontra em uma visão da criança como um ser com a capacidade de produção e interação que evolui nas trocas do cotidiano. Portanto, o desenvolvimento da linguagem das crianças tem como base a relação social estabelecida com a família. Atividade de Estudos: 1) Em uma família de ouvintes, como acontece a comunicação com uma criança surda? __________________________________________________ __________________________________________________ __________________________________________________ __________________________________________________ __________________________________________________ __________________________________________________ __________________________________________________ __________________________________________________ __________________________________________________ __________________________________________________ Infelizmente, ainda hoje se verifica que as crianças chegam à escola com uma linguagem gestual “caseira”, ou seja, atingem a idade escolar sem ter desenvolvido uma linguagem apropriada e aprendem a que deveria ser sua língua materna na escola. Considerando que o desenvolvimento de linguagem das crianças é dependente das relações sociais construídas no meio familiar, o contato com a linguagem se dá através do adulto, que por suas ações, suas significações, dará suporte para que a criança se constitua enquanto sujeito. Através da linguagem e da interação com o outro, a criança aprende valores e constrói sua identidade. A linguagem, para o surdo, também se constitui pela aquisição espontânea da sua língua materna, ampliando sua concepção de mundo. Através da linguagem e da interação com o outro, a criança aprende valores e constrói sua identidade. Práticas de Ensino em Deficiência Auditiva 30 Figura 11- A importância da família Fonte: Disponível em: <http://colorir-desenho.com/desenhos- sobre-familia-para-colorir>. Acesso em: 13 ago. 2012. A família deve aprender Libras, pois as interações do cotidiano irão permitir que a criança adquira valores, desenvolva efetivamente aspectos cognitivos, emocionais, culturais, além da comunicação. Vale lembrar que a criança ouvinte tem estímulos desde a gestação, quando a mãe acaricia a barriga e “conversa” com seu bebê. Da mesma forma a mãe da criança surda deve interagir com seu filho desde muito cedo, através de um gesto, um sorriso ou um olhar. A família deve investir na aprendizagem da língua de sinais para que a comunicação ocorra desde muito cedo, assim como, deve incentivar a criança a participar da comunidade surda. Atualmente, existe o teste da orelhinha, que permite diagnosticar a surdez nos primeiros dias de vida. Quando há um caso de surdez na família, a família deverá se reorganizar e se preparar para proporcionar um desenvolvimento linguístico adequado para seu filho. De acordo com Didó (2009), as pesquisas de Petitto e Marantette (1991 apud Quadros, 1997) mostram que o processo de aquisição da língua de sinais é igual ao processo de aquisição de http://colorir-desenho.com/desenhos-sobre-familia-para-colorir http://colorir-desenho.com/desenhos-sobre-familia-para-colorir 31 Libras: Educação e Cultura Surda Capítulo 1 línguas oroauditivas, respeitando a maturidade da criança. Para os pesquisadores, a aquisição da linguagem ocorre em etapas. Observe as fases do desenvolvimento linguístico da criança surda: Primeira fase: aproximadamente aos três meses de idade, no qual as crianças surdas (assim como as ouvintes) balbuciam e produzem gestos que se assemelham aos sinais, são apenas movimentos com as mãos. Segunda fase: a criança surda começa a dar nomes para as coisas, por volta dos dois anos de idade usa os pronomes de forma inconsistente, aprende a unir o sinal ao objeto, formando suas primeiras palavras. Assim como as crianças ouvintes, as crianças surdas não fazem corretamente os sinais, podendo trocar o ponto de articulação ou a configuração das mãos, mas o adulto a entende. Nessa fase são produzidos dois tipos de sinais, os pronomes e os sinais congelados. Em relação aos pronomes, a partir dos dez meses de idade a criança surda pode apontar para si e para os outros. No entanto, no período dos 12 aos 18 meses ela para de apontar, recomeçando esta ação entre dois e três anos. Acredita-se que a partir desse momento a criança utiliza os pronomes de forma consciente. Costuma-se afirmar que nessa fase a criança utiliza sinais congelados porque usa os mesmos sinais dos adultos, mas não utiliza a flexão de número ou concordância verbal. Terceira fase: as crianças usam os mesmos sinais dos adultos, mas não usam a flexão de número ou concordância verbal. Nessa etapa, elas iniciam o uso de frase de duas palavras. A partir disso, podemos observar que a natureza humana demonstra ser imprescindível a aquisição da língua nas fases naturais da maturação. Após a fase do balbucio, a criança está apta a desenvolver sua língua materna, mas, para tanto, é necessário estar exposta a ela. O contato da criança surda com a língua de sinais depende, principalmente, do envolvimento da família em direção ao aprendizado da língua materna de seu filho. Primeiramente, os pais ou responsáveis devem se apropriar da língua de sinais e, aos poucos, amigos e demais familiares devem dominá-la também, oportunizando o pleno desenvolvimento da criança. Práticas de Ensino em Deficiência Auditiva 32 Você, seu círculo de amigos ou algum membro da sua família sabe Libras? A família é considerada como nosso porto seguro, é na família que compartilhamos alegrias e tristezas. Dos pais, espera-se que sejam fortes, superem e se posicionem de forma positiva diante da surdez de seu filho, além de aceitar, entender e conviver com dúvidas, preconceitos e sentimentos dos mais diversos referentes a si mesmos e a seu filho com pouca ou nenhuma orientação. A descoberta da surdez, inicialmente, desestabiliza a família, mas são necessários reação e envolvimento familiar para que a criança surda supere sentimentos como culpa, preconceito, insegurança, ansiedade e direcione esforços em busca de uma educação adequada para seu filho. Figura 12 - A descoberta da surdez Fonte: Disponível em: <http://www.sempretops.com>. Acesso em: 15 ago. 2012. Segundo Didó (2009), ao refletir sobre os estudos de Skliar (1997), as interações entre pais e filhos surdos e pais e filhos ouvintes são parecidas e permitem que a criança tenha contato com a cultura e a comunidade à qual pertencem. O mesmo não acontece no caso de pais ouvintes e filhos surdos. Conforme Skliar (1997), a partir do momento em que a família diagnostica a surdez, as relações comunicativas podem mudar. O autor alerta para a necessidade de a família entrar em contato com a comunidade surda, oportunizando a interação entre crianças e adultos surdos, contando com um atendimento que assuma o bilinguismo. A descoberta da surdez, inicialmente, desestabiliza a família, mas são necessários reação e envolvimento familiar para que a criança surda supere sentimentos como culpa, preconceito, insegurança, ansiedade e direcione esforços em busca de uma educação adequada para seu filho. http://www.sempretops.com 33 Libras: Educação e Cultura Surda Capítulo 1 A família é a fonte de desenvolvimento, a referência da criança. Envolver amigos e demais familiares no processo educacional do surdo facilita as relações internas e sociais, oportunizando conhecimento, integração e principalmente, permitindo que o surdo desenvolva-se com autonomia e competência na sociedade na qual está inserido. o SujEito Surdo E o biLinguiSmo A educação do sujeito surdo já tem aproximadamente dois séculos de discussões,embates e pesquisas. Embora tenha ultrapassado o enfoque dado pela concepção oralista e pela comunicação total, processos que não obtiveram sucesso pleno do desenvolvimento do surdo, alfabetizar/letrar estudantes surdos ainda é um desafio para muitas escolas e educadores. O bilinguismo, concepção atual aceita pela comunidade surda, utilizada por escolas e educadores, objetiva capacitar o sujeito surdo a utilizar duas línguas: a língua de sinais e a língua escrita, no caso de surdos brasileiros, a Libras e a Língua Portuguesa escrita. As práticas educacionais precisam de condições especiais para serem utilizadas, porém, nem sempre as escolas dispõem desses recursos. A escola de surdos parece estar sempre em transição, sempre buscando estratégias, metodologias, currículos, concepções, enfim, todo tipo de adequações, com uma única finalidade: a educação de alunos surdos de modo efetivo e competente. Como destacado anteriormente, a terceira etapa no processo de educação dos surdos é identificada como bilinguismo, cuja perspectiva compreende basicamente que o surdo precisa adquirir a língua de sinais como língua materna - L1, e, a seguir, a língua escrita oficial de seu país como L2. De acordo com esta visão, Libras e a Língua Portuguesa são indispensáveis para a inserção dos alunos surdos brasileiros na sociedade. De acordo com Quadros (1997), o bilinguismo é uma proposta de ensino utilizada pelas escolas com o objetivo de permitir às crianças contato com duas línguas no contexto escolar: a Língua Portuguesa e a Libras. Considerando sempre que a Libras é a língua materna do surdo, portanto, o sujeito surdo deve ser letrado primeiro na língua de sinais. Práticas de Ensino em Deficiência Auditiva 34 Figura 13 - Sinais Icônicos Fonte: Disponível em: <http://alfabetizarlibras.blogspot.com/p/alfabetizacao- e-letramento-em-libras.html>. Acesso em: 15 ago. 2012. De acordo com Didó (2009), a autora ainda destaca dois aspectos importantes a serem respeitados: o primeiro refere-se à cultura em que a criança está inserida, pois a comunidade surda possui também uma cultura própria. Em segundo lugar, a proposta precisa ser mais que bilíngue, precisa ser bilíngue e bicultural, pois o surdo está inserido em mais de uma cultura, a surda e a ouvinte. É, portanto, um sujeito bicultural e, como tal, simultaneamente exposto a ambas as culturas. Não podemos desconsiderar a existência da cultura surda, pois, segundo Sanchez (1993 apud QUADROS, 1997, p. 36), “os surdos fazem parte de uma comunidade minoritária, com valores, cultura e língua natural próprios”. É necessário que utilizemos a Libras como referência nos processos de ensino e de aprendizagem, visto que é uma importante ferramenta para a comunicação e uma língua completa que o surdo deve aprender desde muito cedo, a fim de facilitar a comunicação e o seu desenvolvimento em muitos aspectos. Figura 14 - Bilinguismo Fonte: Disponível em: <http://www.ufsm.br/edu.especial.pos/ unidadeB_seminario.html>. Acesso em: 16 ago. 2012. http://www.ufsm.br/edu.especial.pos/unidadeB_seminario.html http://www.ufsm.br/edu.especial.pos/unidadeB_seminario.html 35 Libras: Educação e Cultura Surda Capítulo 1 Escolher uma proposta bilíngue é reconhecer uma educação em que o surdo, além de possuir uma língua própria, possui uma língua com cultura própria traduzida visualmente. Compreender a surdez como uma experiência visual e não como uma deficiência requer entender a língua que se constitui na comunidade surda, na experiência surda nas escolas, sociedades e demais ambientes de interação surda. Segundo Vygotsky (2000), a criança adquire a linguagem de fora pra dentro, através da interação com o outro e com a cultura que o cerca, e a linguagem não exerce apenas a função comunicativa, constitui pensamentos, pois também permite ao sujeito interagir com e refletir sobre as ideias de sua comunidade. Figura 15 - Interação Fonte: Disponível em: <http://profamilcarbernardi. blogspot.com>. Acesso em: 16 ago. 2012. Através do bilinguismo, o surdo conseguirá interpretar o mundo ao seu redor, atuando como sujeito responsável pelo seu entendimento. Estas concepções permitem compreender que respeitar a individualidade do aluno e suas diferenças é importante em qualquer contexto. Para que haja qualidade no aprendizado, é fundamental que o aluno surdo seja alfabetizado/letrado na sua língua materna, para, posteriormente, reconhecer a Língua Portuguesa escrita como segunda língua. Esse é, certamente, um processo que requer a presença de profissionais com qualificação adequada e a constante preocupação de preservar e respeitar as diferenças das línguas envolvidas. Compreender a surdez como uma experiência visual e não como uma deficiência requer entender a língua que se constitui na comunidade surda, na experiência surda nas escolas, sociedades e demais ambientes de interação surda. http://profamilcarbernardi.blogspot.com http://profamilcarbernardi.blogspot.com Práticas de Ensino em Deficiência Auditiva 36 Atividade de Estudos: 1) Qual sua representação sobre o surdo e a surdez? __________________________________________________ __________________________________________________ __________________________________________________ __________________________________________________ __________________________________________________ __________________________________________________ __________________________________________________ __________________________________________________ __________________________________________________ __________________________________________________ __________________________________________________ __________________________________________________ __________________________________________________ __________________________________________________ __________________________________________________ __________________________________________________ __________________________________________________ __________________________________________________ __________________________________________________ __________________________________________________ __________________________________________________ __________________________________________________ __________________________________________________ aLgumaS conSidEraçõES Na medida do possível escolhemos textos que pudessem ser encontrados online, visando facilitar a busca por conhecimentos mais aprofundados. Enfatizamos que a qualidade da disciplina e do conhecimento adquirido ao longo do semestre, dependerá muito de você, caro aluno. Baseado em nossa leitura até agora, você consegue organizar um plano de aula para uma classe de alunos surdos, ou uma classe que tenha um aluno surdo incluído? O próximo capítulo irá provocá-lo a pensar sobre questões mais práticas, oportunizando reflexões a cerca das abordagens utilizadas no processo de ensino e aprendizagem de alunos surdos. 37 Libras: Educação e Cultura Surda Capítulo 1 rEfErênciaS: DIDÓ, Análise de atividades em língua portuguesa/libras desenvolvidas com crianças surdas no ensino fundamental (Trabalho de Conclusão) Letras- Universidade do Vale dos Sinos, 2009. HALL, Stuart. A centralidade da cultura: notas sobre as revoluções de nosso tempo. Porto Alegre: Educação & Realidade, v.22, n.2, 1997. LOPES, Maura Corcini. A natureza educável do surdo: a normalização surda no espaço da escola de surdos. Cadernos de Educação- UFPEL. Pelotas, ano 19, n.36, mai-ago. 2010. PERLIN, Gládis. O lugar da cultura surda. In.: THOMA, Adriana da Silva; LOPES, Maura Corcini (orgs.). A invenção da surdez: cultura, alteridade, identidade e diferença no campo da educação. Santa Cruz do Sul: EDUNISC, 2004. POKORSKI, Juliana de Oliveira. Minha vida duas línguas: um estudo sobre as experiências de surdos com a escritaacadêmica no Programa de Pós-Graduação em Educação/UFRGS. Porto Alegre: 2010. 33f. Trabalho de Conclusão de Curso – Curso de Pedagogia, Faculdade de Educação, Universidade Federal do Rio Grande do Sul. Porto Alegre: 2010. Disponível em: <http://www.lume.ufrgs.br/ bitstream/handle/10183/25213/000752520.pdf?sequence=1>. Acesso em: 13 ago. 2012. _____. O Movimento surdo na internet: os discursos circulantes no YouTube. Porto Alegre, 2011. 37f. Trabalho de Conclusão de Especialização – Universidade Federal do Rio Grande do Sul. Faculdade de Educação. Pós Graduação em Educação – Lato sensu, Porto Alegre, 2011. QUADROS, R. M. de. Educação de surdos: a aquisição da linguagem. Porto Alegre: Artmed, 1997. QUADROS, Ronice Müller de; KARNOPP, Lodenir Becker. Língua de sinais brasileira: estudos linguísticos. Porto Alegre: Artmed, 2004. SILVA, Ângela Carrancho da. NEMBRI, Armando Guimarães. Ouvindo o silêncio: educação, linguagem e surdez. Porto Alegre: Mediação, 2008. SKLIAR, C. Um olhar sobre o nosso olhar acerca da surdez e das diferenças. In: SKLIAR, C. A surdez: um olhar sobre as diferenças. Porto Alegre: Editora Mediação, p. 7-32, 1997. Práticas de Ensino em Deficiência Auditiva 38 STROBEL, Karin Lílian. A visão histórica da in(ex)clusão dos surdos nas escolas. ETD – Educação Temática Digital. Campinas, v.7, n.2, p.244-252, jun. 2006. THOMA, Adriana da Silva; KLEIN, Madalena. Experiências educacionais, movimentos e lutas surdas como condições de possibilidade para uma educação de surdos no Brasil. Cadernos de Educação- UFPEL. Pelotas, ano 19, n.36. Disponível em: <http://www.ufpel.edu.br/fae/caduc/downloads/n36/05.pdf>. Acesso em: 15 ago. 2012. VIEIRA-MACHADO, Lucyenne Matos da Costa. Formação de professores de surdos: dispositivos para garantir práticas discursivas. Cadernos de Educação- UFPEL. Pelotas, ano 19, n.36, mai-ago.2010. Disponível em: <http://www.ufpel. edu.br/fae/caduc/downloads/n36/02.pdf>. Acesso em: 17 ago. 2012. VYGOTSKY, L. S. A construção do pensamento e da linguagem. São Paulo: Martins Fontes, 2000. CAPÍTULO 2 PráticaS PEdagógicaS biLínguES na Educação dE SurdoS A partir da concepção do saber fazer, neste capítulo você terá os seguintes objetivos de aprendizagem: 3 Conhecer diferentes experiências pedagógicas no ensino de surdos, dando subsídios a um olhar mais crítico e produtivo em relação às práticas educativas. 3 Empregar a Libras e analisar como está sendo empregada nas atividades desenvolvidas por alunos surdos. 41 Práticas Pedagógicas Bilíngues na Educação de Surdos Capítulo 2 contExtuaLização Este capítulo visa proporcionar que o aluno conheça as diferentes experiências pedagógicas no ensino de surdos, dando subsídios a produzir um olhar mais crítico e produtivo em relação às práticas educativas. Além disso, pretende-se permitir que o aluno aprenda como empregar a Libras e analisar como está sendo empregada em suas atividades em sala de aula. A fim de atingir tais objetivos, o capítulo está organizado em três seções diferentes: a Libras e as práticas inclusivas, que pretende esclarecer esse movimento entre o ensino e a inclusão; práticas bilíngues, que busca exemplificar algumas práticas que demonstram um resultado positivo em sala de aula com alunos surdos; e a reflexão entre as diferentes práticas pedagógicas, que objetiva pensar sobre as diferentes práticas, destacando as mais produtivas. a LibraS E aS PráticaS incLuSivaS Considerando a especificidade linguística do aluno surdo, faz-se necessário uma prática pautada no dialogismo, com concepção bilíngue e bicultural, bilíngue, pois pressupõe o contato com a língua escrita e a língua de sinais, bicultural porque o sujeito surdo convive paralelamente em duas culturas, interagindo com comunidades de surdos e ouvintes, conforme orienta Sklliar (1997). O bilinguismo como proposta na educação de surdos desenvolveu-se no início dos anos 80, considerando a língua de sinais como língua materna e a língua escrita da comunidade que está inserido como segunda língua e fonte de aprendizagem e desenvolvimento para a leitura e a escrita. Mas para que as práticas escolares com alunos surdos surtam o efeito desejado, é preciso refletir acerca de questões que vão além dos aspectos linguísticos e pedagógicos. Principalmente se falamos de práticas inclusivas. Atualmente há fortes discussões sobre as escolas bilíngues na comunidade surda (POKORSKI, 2011) buscando estratégias em oposição ao fechamento das escolas de surdos e as políticas de inclusão propostas pelo MEC. Há diferentes perspectivas sobre a educação de surdos, e se tem observado como possibilidades educativas três tipos de escola: 1. As escolas bilíngues para surdos, nas quais a língua utilizada em todos os espaços seria a língua de sinais e, portanto, não haveria a necessidade de intérpretes. Tais escolas seriam localizadas em áreas mais centrais onde Práticas de Ensino em Deficiência Auditiva 42 houvesse a presença de um grande número de surdos, como no caso de Porto Alegre/ RS, onde existem duas escolas particulares especiais para surdos, uma estadual e uma Escola Bilíngue municipal. 2. As escolas inclusivas bilíngues com classes especiais, em espaços com números menores de surdos, nos quais haveria a presença do instrutor surdo que faria a formação de professores e alunos ouvintes em língua de sinais e também seria o responsável pelo desenvolvimento desta língua para os surdos, pois grande parte dos alunos chega à escola sem conhecimento da Libras e uma prática que apenas coloca o intérprete em sala de aula não assegura o acesso do aluno aos conhecimentos, uma vez que os alunos necessitam conhecer primeiro a língua que estará sendo utilizada pelos intérpretes ou professores bilíngues. 3. As escolas inclusivas polo, nas quais haveria o maior número possível de alunos surdos incluídos nas salas de aula regulares, com a presença do intérprete de libras, do instrutor/professor surdo e com a necessidade de formação dos professores não só em relação à língua de sinais, mas às formas de ver o aluno surdo. Tal modelo de escola seria pensado para os municípios mais afastados, no qual não seria possível constituir turmas específicas para surdos. Cabe salientar que, embora seja a língua dos surdos, a língua de sinais necessita ser estimulada assim como qualquer outra língua, uma vez que a maioria dos surdos é filha de pais ouvintes. Desta forma, para que a língua se desenvolva da maneira mais natural possível, é importante que existam outros pares com os quais seja possível criar um ambiente de trocas linguísticas. A inclusão do aluno surdo no contexto escolar vem sido pautada sob diferentes concepções e olhares, exercer cidadania, direitos iguais, utilização da língua de sinais, língua portuguesa escrita. Incluir o aluno surdo na escola regular requer mais que garantir um intérprete em sala de aula, até mesmo porque na educação infantil e nas séries iniciais é preciso pensar que a atenção direta ao intérprete não é algo fácil de ser atingido, o olhar e a atenção da criança é muito importante para que ela tenha acesso às informações, mas não é fácil esperar que uma criança pequena tenha essa maturidade, é preciso pensar formas de adaptar essa aula, seja criando um ambiente no qual o intérprete não seja necessário, como nas escolas bilíngues, ou pensar em outras formas de utilizar os intérpretes em sala de aula. Não temos respostas para isso, mas é importante pensar sobre esses aspectos. Na verdade, são Incluir o aluno surdo na escola regular requer mais que garantir um intérprete em sala de aula. 43 Práticas Pedagógicas Bilíngues na Educação de Surdos Capítulo 2 muitos os envolvidos nesse processo, a começar pela família do aluno surdo, que deve conhecer e utilizar a língua de sinais e ser comprometida e participante no processode aprendizagem do seu filho surdo; a comunidade escolar, que além de intérpretes, deve ter profissionais fluentes na língua de sinais; e ainda profissionais surdos, a fim de proporcionar uma identidade linguística aos alunos. Figura 16 - Surdo incluído Fonte: Disponível em: <http://pedagogiando.blogspot.com. br/2012_03_01_archive.html>. Acesso em: 26 ago. 2012. A escola deve se preocupar se as práticas escolares adotadas estão adequadas e contribuem efetivamente para o processo de ensino e aprendizagem. É necessário que o professor construa uma metodologia para o ensino de segunda língua que considere a interferência da língua de sinais na aquisição da língua escrita. A organização dos objetivos propostos deve estar adequada e devem oportunizar a continuidade do projeto educacional. Você pode verificar que incluir o aluno surdo requer muita habilidade por parte do professor, que deverá buscar mais do que aperfeiçoar sua formação, pois parece muito evidente que a presença de um aluno surdo em uma sala de alunos ouvintes provoca muitas mudanças na prática do professor. Na melhor das hipóteses, o professor terá dificuldades para adequar suas aulas, dinâmicas e metodologias à presença de um intérprete e um aluno que, por sua condição física, requer uma metodologia própria, embasada em práticas amplamente focadas em metodologias e recursos visuais. Ressalta-se que a presença da Libras através de um intérprete não é satisfatória para considerar que o processo de inclusão está acontecendo. http://pedagogiando.blogspot.com.br/2012_03_01_archive.html http://pedagogiando.blogspot.com.br/2012_03_01_archive.html Práticas de Ensino em Deficiência Auditiva 44 Sugestões de leitura para os professores CARDOSO, Beatriz & EDNIR, Madza. Ler e escrever, muito prazer! São Paulo: Ática, 1998. 1998. KLEIMAN, A. B. (org.) Os significados do letramento: uma nova perspectiva sobre a prática social da escrita. Campinas, Mercado das Letras, 1995. _____ “Programa de educação de jovens e adultos” In Educação e Pesquisa – Revista da Faculdade de Educação da USP. São Paulo, v. 27, n.2, p.267 – 281. LERNER, Delia. Ler e escrever na escola: o real, o possível e o necessário. Porto Alegre: Artmed, 2002. LEITE, S. A. S. (org.) Alfabetização e letramento – contribuições para as práticas pedagógicas. Campinas, Komedi/Arte Escrita, 2001. RIBEIRO, V. M. (org.) Letramento no Brasil. São Paulo: Global, 2003. SOARES, Magda. Letramento: um tema em três gêneros. Belo Horizonte: Autêntica, http://www.acervodigital.unesp.br/bitstream/123456789/40142/1/01d 16t07.pdf Pesquisas alertam que incluir o aluno surdo na escola regular expõe o sujeito surdo à interação com professores e colegas que utilizam outra língua para a comunicação, uma língua inacessível, que utiliza um canal diferente de comunicação, uma vez que se trata do convívio de uma modalidade oral com uma visual. Conforme Góes (1996), o sujeito surdo encontra dificuldades para interagir com o grupo social em que está inserido. http://www.acervodigital.unesp.br/bitstream/123456789/40142/1/01d16t07.pdf http://www.acervodigital.unesp.br/bitstream/123456789/40142/1/01d16t07.pdf 45 Práticas Pedagógicas Bilíngues na Educação de Surdos Capítulo 2 Figura 17 - Professor interagindo Fonte: Disponível em: <http://acessibilidadeparasurdos.blogspot.com.br/2009/05/ falta-que-os-interpretes-fazem.html>. Acesso em: 26 ago. 2012. De acordo com Lacerda (2000), os papéis do intérprete e do professor devem ser bem demarcados. O intérprete deve ser o elo de comunicação. Ao professor cabe a tarefa de ensinar, esclarecer o conteúdo, tirar dúvidas. O professor não pode deixar sob a responsabilidade do intérprete ensinar ao aluno, simplificar conteúdos ou qualquer atitude pedagógica, afinal, a função do intérprete é estabelecer a comunicação entre o usuário da Língua Portuguesa e o usuário da Libras. A maneira fragmentada como o processo de inclusão está sendo constituído demonstra que governo, instituições e profissionais ainda não estão preparados efetivamente para a inclusão, sob pena de excluir o aluno, gerando muitos debates, principalmente no que se refere à diferença linguística. As práticas pedagógicas que não são orientadas através da língua de sinais, não utilizam recursos visuais, portanto, limitam o entendimento do aluno surdo são consideradas exclusivas, pois não possibilitam o entendimento do aluno, consequentemente impedem seu desenvolvimento satisfatório nas atividades de leitura e escrita da Língua Portuguesa. As práticas exclusivas devem ser percebidas e banidas do contexto educacional. Existe a necessidade de uma temática transversal que objetive o processo de inclusão, tirando do atendimento ”especializado” a responsabilidade de transmitir conhecimento. Práticas exclusivas devem ser percebidas e banidas do contexto educacional. http://acessibilidadeparasurdos.blogspot.com.br/2009/05/falta-que-os-interpretes-fazem.html http://acessibilidadeparasurdos.blogspot.com.br/2009/05/falta-que-os-interpretes-fazem.html Práticas de Ensino em Deficiência Auditiva 46 Atividade de Estudos: 1) Em sua opinião, o que é uma prática exclusiva? Cite um exemplo. _______________________________________________________ _______________________________________________________ _______________________________________________________ _______________________________________________________ _______________________________________________________ _______________________________________________________ _______________________________________________________ _______________________________________________________ _______________________________________________________ _______________________________________________________ _______________________________________________________ _______________________________________________________ _______________________________________________________ _______________________________________________________ _______________________________________________________ O professor dever ser considerado como mediador atuante no processo de inclusão, tendo acesso à formação adequada, buscando aperfeiçoar sua prática, objetivando agregar conhecimento, político, científico, pedagógico que possibilite constituir uma atuação docente comprometida, competente, que contribua para o projeto de inclusão. Figura 18 - Professora bilíngue Fonte: Disponível em: <http://coisasdavalk.blogspot.com.br/2010/07/ inclusao-para-alunos-surdos.html>. Acesso em: 26 ago. 2012. http://coisasdavalk.blogspot.com.br/2010/07/inclusao-para-alunos-surdos.html http://coisasdavalk.blogspot.com.br/2010/07/inclusao-para-alunos-surdos.html 47 Práticas Pedagógicas Bilíngues na Educação de Surdos Capítulo 2 O professor é o elo entre o conhecimento e o aluno, sendo imprescindível que ele conheça e utilize a mesma língua para interagir com seu aluno. É importante ressaltar que o professor não é o único responsável pelo processo de inclusão. É necessária uma política de inclusão responsável, competente e ética e, ainda, o envolvimento efetivo da família do sujeito surdo. De acordo com Quadros (2004), o principal objetivo da política de inclusão é o de solicitar a educação para todos. A autora ressalta que, ao se referir a “todos”, significa dizer incluir todos efetivamente, porém na palavra todos há uma seção que caracteriza os surdos, que também são todos, mas que se diferenciam por representarem um grupo que usa a língua de sinais como língua de interação. Mas a política de inclusão, que pressupõe a exclusão, não adota este diferencial. Dessa forma, ao garantir a educação para todos sem garantir o acesso aos conhecimentos e a interação entre sujeitos surdos e os demais, através da língua de sinais é fortalecido o processo de exclusão. Afinal, é impossível pensarem inclusão sem inserir a língua materna do surdo no processo de ensino e aprendizagem. A Constituição Federal de 1988, no seu capítulo II, artigo 208, inciso III, afirma que é dever do Estado com a educação garantir o atendimento educacional especializado aos portadores de deficiências, principalmente na rede regular de ensino. Se você quiser conhecer mais sobre o que consta na Constituição Federal sobre o atendimento educacional, sugiro que você acesse: ht tp: / /www.planalto.gov.br/cciv i l_03/const i tuicao/const i tui %C3%A7ao.htm À família compete, além de aprender a língua de sinais, o dever de inserir o sujeito surdo na sua cultura, possibilitando, assim, que este desenvolva o processo de construção da sua própria identidade surda. Como você pode, observar o processo de inclusão passa por muitas etapas e são vários os envolvidos. Observe o diagrama abaixo: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constitui%C3%A7ao.htm http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constitui%C3%A7ao.htm Práticas de Ensino em Deficiência Auditiva 48 Figura 19 - Processo de Inclusão Fonte: Andréia Didó (2012). A inclusão do aluno surdo tem início na família que, ao aprender a Libras e oportunizar que o surdo a tenha como língua materna, principia a inclusão do surdo. A escola é a responsável pelo próximo passo em direção à inclusão, ao disponibilizar profissionais bilíngues, surdos, intérpretes capazes de interagir e apresentar metodologias que permitam reflexão sobre a língua, atividades contextualizadas que explorem a leitura e a interpretação. A escola também tem o dever de buscar políticas públicas que contribuam para a educação de surdos. Incentivar a formação de professores para que possam proporcionar aos alunos metodologias adequadas e, consequentemente, eficientes, que contribuam para o processo de ensino e aprendizagem destes alunos. Por fim, é importante salientar que ao se falar em educação de surdos é imprescindível que se pense em qualidade de educação, colocar os alunos em sala de aula e esperar que apenas o mínimo seja atingido é um erro grave. As práticas devem equiparar alunos surdos e ouvintes, prepará-los para a vida em sociedade, para o mercado de trabalho e a carreira acadêmica. Preocupa-nos muito que aos ouvintes isso seja pensado, mas aos surdos apenas se espera que tenha uma alfabetização mínima e que saiba se portar em sociedade. A próxima seção deste capítulo se ocupa de refletir acerca das práticas bilíngues, assim como demonstrar algumas práticas em sala de aula, envolvendo diversos recursos visuais, textos ilustrados, filmes legendados, dinâmicas de grupo, hora do conto, momento de leitura, enfim, uma infinidade de estratégias que oportunizam interação e aprendizagem. 49 Práticas Pedagógicas Bilíngues na Educação de Surdos Capítulo 2 PráticaS biLínguES A presença de duas línguas no mesmo ambiente não assegura uma educação bilíngue de fato. Em uma proposta bilíngue, ambas línguas devem ser vistas como de igual importância e devem ser utilizadas de maneira que uma auxilie no desenvolvimento da outra. O que queremos dizer com isso é que, para que um aluno surdo produza um texto escrito, precisa conseguir produzi-lo também em língua de sinais, pois não é possível escrever sobre o que não se consegue expressar. Os vocabulários escritos devem também ser trabalhados em língua de sinais e vice e versa. A língua portuguesa é muito importante, pois é a língua presente nos mais diferentes espaços da sociedade, no entanto a língua de sinais “é fundamental para os processos de desenvolvimento da linguagem e aprendizagem da criança surda, pois é por meio desta que ela vai ter acesso ao conhecimento [...]” (SANTOS e GURGEL, 2009, p.53). O aprendizado do português para os surdos, no entanto, não acontece com a mesma facilidade com que acontece para com os ouvintes, pois eles não possuem o apoio auditivo para a escrita. Ou seja, a escrita do português é baseada (mesmo que não seja fiel) na fonética das palavras e isto não é acessível ao surdo. Isto significa que é preciso partir do todo (da palavra, do texto) e não das partes (sílabas e letras) quando se trabalha a alfabetização de surdos. Uma questão crucial é que os alunos precisam ter desejo de aprender a ler e escrever, para que valha a pena a luta pelo aprendizado, isso vale tanto para surdos quanto para ouvintes, uma vez que o processo da alfabetização não é nem um pouco simples. Assim, momentos de contação de história em Libras, com livros interessantes que instiguem o desejo da leitura, trabalho com textos úteis para os alunos, como diários, cartas, reportagens, ou o que mais os alunos trouxerem como interesse são formas possíveis de começar um trabalho. É preciso que os alunos compreendam as funções da leitura e da escrita, que se percebam neste mundo letrado, e que as práticas em sala de aula os auxiliem a compreender melhor o que há ao seu redor. A leitura e a escrita podem ser estimuladas pelo prazer de ler, e neste caso é importante que os alunos entrem em contato com materiais lúdicos, textos agradáveis que estimulem o desejo de saber mais. Um professor que goste de ler e que saiba escolher o tipo de literatura certa para sua turma é uma peça Práticas de Ensino em Deficiência Auditiva 50 fundamental nesse processo. Momentos de leitura livre, visita à biblioteca, na qual o professor também seja um modelo, escolhendo livros para si, rodas de leitura ou de apresentação de livros podem ser momentos interessantes que estimularão não somente a vontade de ler, mas a expressão sinalizada dos alunos. A leitura também pode ser estimulada pela necessidade, e para isso é indispensável que se crie situações para isso, e são inúmeras as formas para isso, até mesmo porque muitas vezes para os alunos surdos a escrita e a leitura serão o canal de acesso à grande porção da sociedade que não tem conhecimento da língua de sinais. Produção de bilhetes, cartas, leituras de revistas, jornais, pesquisas na internet, enfim, são várias as formas de mostrar aos alunos que a leitura e a escrita são imprescindíveis no mundo letrado em que vivemos. Para que isso aconteça, é relevante que o aluno possa participar ativamente das aulas, o que nem sempre é possível se o aluno é o único surdo em sala de aula e sua comunicação é estritamente dependente de um intérprete. Ao menos nas séries iniciais, acreditamos ser de extrema importância a possibilidade de o aluno fazer trocas diretamente com o professor e colegas, e que esse diálogo seja rico, estimulando o vocabulário sinalizado do aluno que servirá de base para o aprendizado da escrita. O livro “Formando Crianças leitoras”, de Josette Jolibert, é uma ótima dica para conhecer estratégias de estímulo à leitura com crianças. Não é um livro que foca a educação de surdos, mas apresenta várias atividades interessantes que podem ser trabalhadas com diferentes públicos. Uma questão que é de extrema importância é subsidiar a leitura mais autônoma do aluno. Como o aluno não terá o apoio auditivo para poder fazer suas hipóteses de leitura das palavras, é importante que esse auxílio exista de maneira visual. Uma das possibilidades é fazer os textos e registros em português escrito e escrita de sinais. Observe as imagens abaixo: 51 Práticas Pedagógicas Bilíngues na Educação de Surdos Capítulo 2 Figura 20 - Uma menina chamada Kauana Fonte: Disponível em: <http://www.signwriting.org/library/children/ uma/uma05.html> . Acesso em: 29 ago. 2012. A escrita de sinais ainda não é utilizada por grande parte dos surdos, uma vez que as pesquisas no Brasil sobre esta forma de registro são bastante recentes, tendo como pesquisadora mais conhecida a doutora surda Marianne Stumpf, que vem pesquisando questões nesta área há mais de dez
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