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1 SUMÁRIO 1 INTRODUÇÃO ............................................................................................ 2 2 ASSISTENCIA SOCIAL .............................................................................. 3 2.1 Trajetória histórica da política de assistência social no sistema de seguridade social ..................................................................................................... 3 3 POLÍTICA DE ASSISTÊNCIA SOCIAL E FONTES DE FINANCIAMENTO 9 3.1 Benefícios socioassistenciais da política de assistência social .......... 13 4 A IMPORTÂNCIA DAS POLÍTICAS PÚBLICAS DE INCLUSÃO SOCIAL 16 4.1 Políticas públicas: conceito ................................................................ 19 5 POLÍTICA DE ASSISTÊNCIA SOCIAL NA ATUALIDADE........................ 24 5.1 Contexto da política de assistência social pré-covid .......................... 26 6 A POLÍTICA DE ASSISTÊNCIA SOCIAL NO ENFRENTAMENTO DA PANDEMIA DA COVID-19 ........................................................................................ 30 6.1 Pandemia da COVID-19 e o exercício profissional no SUAS ............. 36 7 PONDERAÇÕES SOBRE A POLÍTICA DE ASSISTÊNCIA SOCIAL E O EXERCÍCIO PROFISSIONAL DE ASSISTENTES SOCIAIS .................................... 44 8 REFERENCIAS BIBLIOGRAFICAS .......................................................... 50 2 1 INTRODUÇÃO Prezado aluno! O Grupo Educacional FAVENI, esclarece que o material virtual é semelhante ao da sala de aula presencial. Em uma sala de aula, é raro – quase improvável - um aluno se levantar, interromper a exposição, dirigir-se ao professor e fazer uma pergunta, para que seja esclarecida uma dúvida sobre o tema tratado. O comum é que esse aluno faça a pergunta em voz alta para todos ouvirem e todos ouvirão a resposta. No espaço virtual, é a mesma coisa. Não hesite em perguntar, as perguntas poderão ser direcionadas ao protocolo de atendimento que serão respondidas em tempo hábil. Os cursos à distância exigem do aluno tempo e organização. No caso da nossa disciplina é preciso ter um horário destinado à leitura do texto base e à execução das avaliações propostas. A vantagem é que poderá reservar o dia da semana e a hora que lhe convier para isso. A organização é o quesito indispensável, porque há uma sequência a ser seguida e prazos definidos para as atividades. Bons estudos! 3 2 ASSISTENCIA SOCIAL Fonte: jpjunior.com O sistema de seguridade social brasileiro conta com três eixos principais, um dos quais, a política de assistência social, está regulamentado constitucionalmente e sofreu alterações significativas como adaptação às necessidades da população brasileira e sua situação de vulnerabilidade econômica e social. A análise desses fatores é de extrema importância para compreender o papel da seguridade social no contexto histórico da legislação brasileira e construir uma linha de raciocínio para essa compreensão (LEITE, 2021). 2.1 Trajetória histórica da política de assistência social no sistema de seguridade social Falar sobre a temática da seguridade social e da assistência social exige, primeiramente, traduzir o que se entende por esses dois conceitos que caracterizam a trajetória dos direitos sociais na sociedade brasileira. A assistência social, por si só, representa uma política pública garantida pela CF do Brasil de 1988. É direito de todo cidadão que dela necessitar, com os objetivos de proteção a família, maternidade, infância, adolescência e velhice, amparar crianças e adolescentes carentes, promover a integração ao mercado de trabalho, habilitar e reabilitar pessoas com deficiência e 4 promover sua integração social e garantir o benefício mínimo à pessoa com deficiência e ao idoso sem meios de prover sua subsistência (BRASIL, 1988). Além disso, a política de assistência social é uma área interventiva do Estado, administrada pelo Conselho de Assistência Social e disposta na Lei Orgânica da Assistência Social (LOAS), Lei nº 8.742, de 1993, sendo assim direito do cidadão e dever do poder público. A política de assistência social integra a seguridade social brasileira, e suas ações governamentais pressupõem o uso de recursos do orçamento da seguridade social. Diante disto, a defesa da seguridade social compõe o projeto ético-político do Serviço Social, disposto no documento público denominado Carta de Maceió, em que os delegados reunidos afirmam a importância de reconhecer a seguridade social como “parte de uma agenda estratégica da luta democrática e popular no Brasil, visando a construção de uma sociedade mais justa e igualitária” (CFESS, 2000). A partir desses conceitos, vamos então interligar as temáticas. A seguridade social é um sistema composto por três eixos principais de serviços públicos que integram os direitos relativos a saúde, previdência e assistência social. É, dessa forma, representada como um conjunto integrado de ações de políticas sociais que objetivam assegurar os direitos dos cidadãos (LEITE, 2021). Enquanto direito, a seguridade social está garantida também na CF do Brasil de 1988. Aparece no capítulo II do referido documento, que trata especificamente dessa temática e determina que é atribuição do poder público organizar a seguridade social com base em sete objetivos (BRASIL, 1988): 1. universalidade da cobertura e do atendimento; 2. Unificação e equivalência de benefícios e serviços às populações urbanas e rurais; 3. A seletividade e distribuição dos benefícios e serviços prestados; 4. A irredutibilidade do valor do benefício; 5. Participar da contabilidade de custos na forma de patrimônio; 6. Diversidade da base de financiamento; 7. O caráter democrático e descentralizado da administração, com a participação de trabalhadores, empregadores, aposentados e governo em órgãos colegiados por meio de um quarteto de governança. 5 Portanto, a seguridade social engloba três políticas sociais. A primeira é a política de saúde, que “é direito de todos e dever do Estado”, como estabelece o art. 196 da CF (BRASIL, 1988). A saúde é organizada pelos princípios da integralidade e da universalidade, contemplando todos que estão em território brasileiro. Em segundo lugar, temos a assistência social, que é uma política pública e de intervenção do Estado, administrada pelo Conselho de Assistência Social. Instituída pela CF de 1988, em seu art. 203, a assistência social é disciplinada pela LOAS, sendo de direito do cidadão e dever do Estado. Essa política social provê o atendimento das necessidades básicas em proteção à família, à maternidade, à infância, à adolescência, à velhice e à pessoa portadora de deficiência, independentemente de contribuição à Seguridade Social, conforme arts. 203 e 204 da CF (BRASIL, 1988). Por fim, a terceira política diz respeito à previdência social. Ela é organizada a partir de uma lógica contributiva para garantir sua sustentabilidade, como princípio estruturante do sistema, que valida e legitima o programa de transferência de renda. A previdência social tem como objetivo assegurar aos seus beneficiários meios indispensáveis de manutenção, por motivo de incapacidade, idade avançada, tempo de serviço, desemprego, reclusão ou morte daqueles de quem dependiam economicamente, conforme se extrai dos arts. 201 e 202 da CF (BRASIL, 1988). Esses três pilares da seguridade social refletem diretamente os direitos sociais e suas respectivas políticas, que têm o objetivo de combater os riscos sociais a que os cidadãos estão expostos conforme as determinações das relações sociais contraditórias intrínsecas ao modelo de sociedade capitalista. Antes de discutirmos essas políticas sociais individualmente — saúde, previdência e assistência social — é importante compreender a historicidadeda seguridade social, que surge da concepção de que o poder público — o governo — é responsável por oferecer as mínimas condições de assistência à população, relativamente ao mínimo de qualidade de vida. Compreende-se também que a responsabilidade não é unicamente do poder público, mas também da sociedade. Trata-se, dessa forma, de um sistema de proteção social direcionado a todos cidadãos que não têm condições suficientes para prover as necessidades sociais básicas do seu núcleo familiar, independentemente do motivo. Há, inclusive, dois modelos de benefícios previdenciários, evidenciados por 6 Boschetti (2009, p. 2): o bismarckiano e o beveridgiano, os quais representam “as primeiras iniciativas de benefícios previdenciários que vieram a constituir a seguridade social no século XX”. O modelo bismarckiano representa uma resposta às reinvindicações dos trabalhadores alemães no final do século XIX e refere-se a um sistema semelhante ao dos atuais seguros privados, em que os benefícios são condicionados a uma contribuição anterior e determinados proporcionalmente a essa contribuição. Por sua vez, o modelo beveridgiano surge posteriormente, no contexto da Segunda Guerra Mundial, e critica o modelo bismarckiano, sugerindo a instituição do Estado de Bem- Estar Social. Nesse caso, os direitos dos cidadãos assumem um caráter universal, com o objetivo de garantir o mínimo de benefícios a todos que deles necessitem. Portanto, o modelo bismarckiano propõe dar suporte aos trabalhadores em situação de necessidade social decorrente da ausência de trabalho, enquanto o beveridgiano constitui uma luta contra a situação de pobreza. Esses dois princípios serviram como suporte para o surgimento de novos modelos de seguridade social, que se adaptaram à estrutura social e econômica de cada sociedade. Segundo Boschetti (2009), no Brasil podemos encontrar os princípios do modelo bismarckiano predominantemente na política de previdência social, enquanto o modelo beveridgiano é mais identificado na política de saúde e na política de assistência social. Diante dos modelos de sociedade existentes até o momento, os cidadãos necessitam de estratégias protetivas enquanto forma de evitar riscos à sua segurança e a paz social. Essa modalidade de cuidado “correlaciona-se com o próprio instinto de sobrevivência humano” (HORVATH JÚNIOR, 2011, p. 3). Frente a essa necessidade, são criadas estratégias protetivas como a caridade, a assistência social, o seguro social e a própria seguridade social. Constatamos, portanto, que a seguridade social surge como uma estratégia de proteção aos cidadãos que necessitam de apoio do poder público para sua sobrevivência. Como afirma Horvath Júnior (2011, p. 4 apud LEITE, 2021), “A seguridade social é a proteção que a sociedade proporciona a seus membros mediante uma série de políticas públicas contra as privações econômicas e sociais”. Historicamente, a seguridade social surge como um processo evolutivo de estratégias de proteção que se desenvolveram a partir de ações filantrópicas e do reconhecimento do direito individual e direito social de cada cidadão, constituindo, 7 segundo Castro e Lazzari (2018, p. 35), “o reflexo de três formas distintas de solução do problema: a da beneficência entre pessoas; a da assistência pública; e a da previdência social, que culminou no ideal de seguridade social”. No Brasil, a seguridade social é instituída pela CF de 1988, determinando-a como direito social e caracterizando que as três políticas fundamentais sociais são implementadas mediante: [...] ações assistenciais para aqueles impossibilitados de prover o seu sustento por meio do trabalho, para cobertura de riscos do trabalho, nos casos de doenças, acidentes, invalidez e desemprego temporário e para manutenção da renda do trabalho, seja por velhice, morte, suspensão definitiva ou temporária da atividade laborativa (MOTA, 2006, p. 40 apud LEITE, 2021). Assim, a perspectiva de proteção social que embasa a seguridade social, apresenta uma relação estreita com a assistência social. Conforme explana Sposati (SPOSATI, 2013, p. 662 apud LEITE, 2021), são três as vertentes da proteção social que podemos analisar: A primeira toma a proteção social como campo inerente ao trabalho profissional do assistente social cujo exercício requer preparo especializado, sobretudo para o trato de situações de vitimizações decorrentes de violências, entre outras formas; a segunda toma a proteção social enquanto campo de ampliação e conquista de direitos humanos e direitos sociais na sociedade do capital; e a terceira trata a proteção social, e suas diferentes políticas, como expressões do embuste do capital sobre o trabalho na sociedade de mercado (SPOSATI, 2013, p. 662 apud LEITE, 2021). No Brasil, a seguridade social surge como uma evolução da proteção social, da necessidade social de proteger os cidadãos dos riscos consequentes das situações de desigualdade social, política e econômica. Na realidade brasileira, o conceito de seguridade social inicialmente era caritativo e de inciativa privada, como exposto por Castro e Lazzari (2018), com a criação das Santas Casas de Misericórdia ainda no período colonial. Apenas no século XIX é mencionada a previdência social no Brasil, pelo Príncipe Regente Dom Pedro de Alcântara. Em termos legislacionais, o marco inicial da previdência social no Brasil é a publicação da Lei Eloy Chaves, em 1923, que criou a Caixa de Aposentadorias e Pensões mediante contribuições dos trabalhadores. Em 1942, foi criada a Legião Brasileira de Assistência. Ressalta-se que, àquela altura, considerava-se “previdência social como sendo a soma das ações 8 no campo do seguro social e das iniciativas assistenciais” (CASTRO; LAZZARI, 2018, p. 20). Anos depois, surgiu a Lei nº 8.212, de 1991, que dispõe sobre a organização da seguridade social, comumente conhecida como Lei Orgânica da Seguridade Social. Na CF de 1988, o art. 4º determina que a organização da assistência social na seguridade social deverá obedecer duas diretrizes: a descentralização político- administrativa e a participação da sociedade, tanto na formulação quanto no controle das ações de assistência social, em todos os níveis. Sendo assim, as propostas orçamentárias são de responsabilidade de uma comissão composta por representantes de cada uma das três áreas (BRASIL, 1991). Nesse âmbito, a assistência social tem como princípios: I — supremacia do atendimento às necessidades sociais sobre as exigências de rentabilidade econômica; II — universalização dos direitos sociais, a fim de tornar o destinatário da ação assistencial alcançável pelas demais políticas públicas; III — respeito à dignidade do cidadão, à sua autonomia e ao seu direito a benefícios e serviços de qualidade, bem como à convivência familiar e comunitária, vedando-se qualquer comprovação vexatória de necessidade; IV — igualdade de direitos no acesso ao atendimento, sem discriminação de qualquer natureza, garantindo-se equivalência às populações urbanas e rurais; V — divulgação ampla dos benefícios, serviços, programas e projetos assistenciais, bem como dos recursos oferecidos pelo Poder Público e dos critérios para sua concessão (BRASIL, 1993 apud LEITE, 2021). Portanto, a importância da assistência social no sistema de seguridade social pauta-se nesse modelo de proteção das necessidades sociais, ampliando o acesso aos direitos sociais e promulgando o respeito a esses direitos e à estas necessidades. Temos, desse modo, um importante pilar na articulação entre a saúde e a previdência, garantindo estabilidade na relação entre sociedade e poder público, entre exigências sociais e intervenção governamental, tornando o sistema de seguridade social o que Boschetti (2009, p. 8) chama de um “sistema híbrido, que conjuga direitos derivados e dependentes do trabalho (previdência) comdireitos de caráter universal (saúde) e direitos seletivos (assistência)”. A trajetória da assistência social na seguridade social segue uma evolução linear, conforme as determinações de cada período histórico, com influências diversas que constituíam bases de proteção frente aos riscos sociais identificados no desenvolvimento da sociedade e nas relações de trabalho. A conjugação dessas três áreas principais e a integração de suas funções num sistema central contribuíram para 9 a instituição de um sistema protetivo à sociedade brasileira como um todo (LEITE, 2021). 3 POLÍTICA DE ASSISTÊNCIA SOCIAL E FONTES DE FINANCIAMENTO Fonte: gesuas.com Para compreender a política de assistência social, é preciso também identificar quais são as diretrizes que norteiam as ações socioassistenciais, além de conhecer as fontes de financiamento disponíveis para a execução dessas medidas. Nesse sentido, há um conjunto de instituições que determinam os limites e também as possibilidades de ação de uma política pública. A política de assistência social brasileira é organizada segundo determinadas diretrizes, “um conjunto de instruções ou indicações para se tratar e levar a termo um plano ou ação; também subentendida como norma de procedimento” (QUINONERO et al., 2013, p. 49). Portanto, as diretrizes constituem o guia, o fundamento, para as ações da política de assistência social. Tais diretrizes estão dispostas na CF de 1988, no art. 203 (BRASIL, 1988), na LOAS, art. 5º (BRASIL, 1993), e também na Política Nacional de Assistência Social (PNAS; BRASIL, 2005). Assim, vamos analisar cada uma das diretrizes (LEITE, 2021). Descentralização político-administrativa para os Estados, o Distrito Federal e os Municípios, e o comando único das ações em cada esfera de governo 10 Essa diretriz, que consta do art. 203 da CF (BRASIL, 1988) e do art. 5º da LOAS (BRASIL, 1993), consiste na criação de instituições com competências legislativas dentro do seu âmbito de atuação, com a possibilidade de exercer atribuições próprias. Ou seja: o órgão central é dividido para distribuição da responsabilidade. Um exemplo, é um Ministério, responsabilidade do Governo Federal, no qual sua responsabilidade é repartida com Estados, através das Secretarias Estaduais e com os Municípios, através das Secretarias Municipais. Além da descentralização, cada esfera tem autonomia nas ações, sendo subordinada às leis impostas pelo poder central. Participação da população, por meio de organizações representativas, na formulação das políticas e no controle das ações em todos os níveis Essa diretriz, que consta também do art. 203 da CF (BRASIL, 1988) e do art. 5º da LOAS (BRASIL, 1993), refere-se à distribuição da responsabilidade com a sociedade civil, mediante a criação de espaços públicos que exercem uma função de ligação entre a população e os gestores locais, possibilitando o exercício da democracia e fomentando a consciência política dos cidadãos, bem como uma avaliação direta do comprometimento dos agentes políticos. Primazia da responsabilidade do Estado na condução da política de assistência social em cada esfera de governo Essa diretriz determina que, mesmo com a participação da população e da descentralização dos serviços, o governo federal é o responsável superior, com competências máximas para direcionar e conduzir as ações da política de assistência social. Portanto, a descentralização e a criação de organizações representativas não substituem as competências do Estado nas decisões. É importante deixar essa prioridade do Estado clara, para evitar exorbitância e a existência de sobrefunções (LEITE, 2021). As fontes de financiamento, por sua vez, constituem também uma importante estratégia que deve estar bem estruturada para garantir a responsabilidade nos gastos, primando pela transparência na prestação de serviços e organização de programas, projetos, ações e benefícios, e, diante das condicionalidades, garantindo 11 uma ação também por parte do requerente e da família, para assim atingir os objetivos previstos. Conforme a Lei Orgânica da Seguridade Social, em seu art. 10, o sistema de seguridade social será financiado por toda a sociedade, direta e indiretamente, conforme também está disposto na CF, art. 195, que determina que a seguridade social e assistência social os recursos utilizados serão provenientes dos orçamentos da União, dos estados, do Distrito Federal e dos municípios, somados a contribuições sociais do empregador, do trabalhador e dos segurados da previdência social, bem como do importador de bens e/ou serviços do exterior (BRASIL, 1988, 1991). O orçamento é elaborado de forma integral pelos órgãos responsáveis da saúde, previdência social e assistência social, concedendo-se a gestão dos recursos a cada área. Desse modo, prioriza-se que a proteção social do cidadão esteja fundamentada e organizada conforme os orçamentos disponíveis, considerando que as transferências de recursos e as iniciativas de distribuição de renda não afetem os cofres públicos. Após a CF determinar, em seu art. 204, que as ações da política de assistência social serão realizadas conforme os recursos da seguridade social, também menciona que podem ser utilizadas outras fontes, citando que se faculta aos estados e ao Distrito Federal a vinculação de percentual da carga tributária para os programas de apoio à inclusão e promoção social (BRASIL, 1988). Porém, segundo Couri e Salvador (2017), tal regulamentação aconteceu somente com o surgimento da LOAS, em 1993, constituindo o Fundo Nacional de Assistência Social (FNAS), que passou a substituir o Fundo Nacional de Ação Comunitária (FNAC), conforme o art. 27 dessa lei. O FNAS objetiva oferecer recursos financeiros de modo a cofinanciar as ações governamentais da assistência social. Dessa forma, os repasses do FNAS para estados, municípios e Distrito Federal podem ser realizados de duas formas: pela transferência voluntária ou pelo repasse fundo a fundo — esta última a mais usual. A transferência voluntária, também chamada transferência convenial, é a entrega espontânea de um ente federativo a outro, por cooperação, auxílio ou assistência financeira, mas atualmente é menos utilizada. Enquanto isso, o repasse fundo a fundo exige certas condições, que, segundo o art. 30 da LOAS, são a criação e o funcionamento de um Conselho de Assistência Social (CAS), de um Fundo de Assistência Social gerido pelo respectivo CAS, de um Plano de Assistência Social Estadual ou Municipal e a comprovação orçamentária dos recursos próprios (BRASIL, 2013). 12 Assim, os fundos tornam-se um importante mecanismo para a transparência das ações e dos recursos. Vale esclarecer que todos financiamentos de benefícios, serviços, projetos e programas estabelecidos pela LOAS devem ser realizados com recursos da União, dos estados, municípios e Distrito Federal, além das contribuições sociais e as receitas que compõem o FNAS. Após a criação do FNAS, em 1999, a Portaria nº 42 atualiza a discriminação de despesas por funções e cria a Função Orçamentária nº 8 — Assistência Social, que antes era discriminada como Assistência e Previdência Social. Assim, prioriza cada política em sua área específica, dando autonomia orçamentária à assistência social no Orçamento Público Brasileiro (BRASIL, 1999). Identificar as diretrizes e as fontes de financiamento da assistência social brasileira significa compreender que a oferta de proteção especial não significa uma distribuição injusta dos recursos dos contribuintes, e sim que é feita uma redistribuição da renda conforme as necessidades sociais destacadas na realidade brasileira. Afinal, não podemos esquecer que a seguridade social é um sistema que prevê a proteção dos cidadãos conforme suas necessidades: ...] advindas da condição de desproteção,de inseguranças sociais que não se limitam ao fator renda, pois se têm dimensões protetivas socioassistenciais relacionadas a acolhida, autonomia, pertencimento, vinculação e convivência familiar, social e comunitária, além daquela referente ao acesso e garantia de direitos sociais (QUINONERO et al., 2013, p. 51 apud LEITE, 2021). As fontes de financiamento das políticas públicas que integram o sistema de seguridade social são o instrumento que materializa a execução desse sistema e que delimita os limites e também as possibilidades de intervenção, para traduzir essas necessidades em ações e serviços fiáveis. Assim, não são executadas ações nem disponibilizados programas, projetos e benefícios sem uma organização estruturada conforme as possibilidades financeiras do país. A política de assistência social e a política de saúde e de previdência social são estrategicamente orientadas e organizadas mediante o planejamento de diferentes instituições que trabalham conjunta e integralmente, a fim de garantir a correta distribuição de funções e de recursos. A análise social, histórica, política e econômica do Brasil apresenta essas demandas e a necessidade de intervenção do poder público na problemática social. Assim, é importante compreender, enquanto profissional, a lógica que configura as fontes de financiamento da política de assistência social (LEITE, 2021). 13 3.1 Benefícios socioassistenciais da política de assistência social A política de assistência social provê serviços, programas e benefícios aos cidadãos, conforme discorremos ao longo deste texto. A parti daí, examinemos então os benefícios assegurados pela assistência social, que são divididos em duas modalidades: Benefício de Prestação Continuada da Assistência Social (BPC) e Benefícios Eventuais. São considerados benefícios socioassistenciais e, conforme ressalta Agostinho (2020), não podem ser confundidos com os benefícios previdenciários. O BPC é destinado à pessoa idosa com 65 anos ou mais e também à pessoa com deficiência que comprove não possuir meios próprios de subsistência ou possibilidade de ser sustentado por sua família. Segundo a LOAS, a família implica o cidadão idoso ou com deficiência, a cônjuge ou companheiro, os pais, madrasta ou padrasto, irmãos, filhos ou enteados solteiros e menores tutelados que vivam na mesma residência (BRASIL, 1993). O BPC, constitui, portanto, uma garantia de renda mínima básica, no valor de um salário mínimo, para oferecer condições de sobrevivência a quem não tem outra forma de renda. Conforme o PNAS, esse direito à renda reflete o princípio da certeza na assistência social, ou seja, a ação de provimento mesmo mediante a não contribuição do cidadão, e ainda expõe a responsabilidade do Estado para quem dele necessita, tornando-se, assim, um benefício de prestação direta. O BPC representa um investimento social, responsável por retirar milhões de brasileiros da situação de extrema pobreza, promovendo inclusão social. Além disso, os cidadãos requerentes devem satisfazer uma série de critérios de elegebilidade, além de não ser cumulativo com outros benefícios no âmbito da seguridade social (BRASIL, 2005). Por sua vez, os Benefícios Eventuais, conforme a LOAS, são “as provisões suplementares e provisórias que integram organicamente as garantias do Suas [Sistema Único de Assistência Social] e são prestadas aos cidadãos e às famílias em virtude de nascimento, morte, situações de vulnerabilidade temporária e de calamidade pública” (BRASIL, 1993, art. 22). Portanto, são estratégias para suprir necessidades em situação de eventualidade e de vulnerabilidade temporárias, objetivando auxiliar o cidadão a ultrapassar o momento de dificuldade. Ao contrário do BPC, o valor do Benefício Eventual é definido pelos estados, municípios e Distrito 14 Federal, conforme os respectivos planos orçamentários, além dos critérios de acesso e prazos existentes. Os Benefícios Eventuais cumprem dupla função: prevenir a violação de direitos e também reparar direitos violados, o que acontece por meio de ações estratégicas de integração entre os serviços da proteção social básica e da proteção social especial, que se materializam na forma de trabalho social junto às famílias, compreendidas como núcleo de investigação para as necessidades individuais, sociais e comunitárias. Além desses benefícios socioassistenciais, há também programas de transferência de renda que são destaque na política de assistência social. O carro-chefe dos programas sociais do governo brasileiro é o programa Bolsa Família, além do Programa de Erradicação ao Trabalho Infantil (Peti). A transferência de renda é uma iniciativa da política de assistência social como garantia do direito social que assegura a sobrevivência de famílias em situação de pobreza, por meio do acesso à renda mínima e promoção da autonomia destas famílias. É uma estratégia de enfrentamento à pobreza e principalmente de inclusão social de milhares de famílias brasileiras. O Bolsa Família foi criado em 2003, como um programa de transferência de renda com três eixos principais: complemento de renda, acesso a direitos e articulação com outras ações governamentais para estimular o desenvolvimento das famílias. Sua gestão é descentralizada, havendo atribuições tanto do governo federal quanto dos estados, municípios e Distrito Federal, de acordo com as demandas setoriais. O programa atende famílias em situação de pobreza e extrema pobreza, condicionadas a um limite de renda de R$ 89,00 mensais por pessoa, e famílias com crianças ou adolescentes até 17 anos, com renda entre R$ 89,01 e R$ 178,00 mensais por pessoa. O programa Bolsa Família tem como foco central a família, entendida como unidade nuclear ampliada por pessoas que possuem laços de parentesco, e podem ser formadas por um grupo doméstico e que viva sob o mesmo teto e que precisam manter-se pelo recurso dos seus membros. Outros programas existentes até o momento não consideravam a família nuclear ampliada, com todos os seus membros, independente de laços de parentalidade ou não (RUSCHEL; JURUMENHA; DUTRA, 2015, p. 5 apud LEITE, 2021). Diferentemente do BPC, o valor do Bolsa Família é calculado de acordo com a composição e a renda da família beneficiária, representando a soma de vários tipos de benefícios previstos no programa. Há o benefício básico e os benefícios variáveis, podendo chegar a cinco por família: Benefício Variável Vinculado à Criança ou ao 15 Adolescente de 0 a 15 anos, Benefício Variável Vinculado à Gestante, Benefício Variável Vinculado à Nutriz. Também há o Benefício Variável Vinculado ao Adolescente (até dois por família) e o Benefício para Superação da Extrema Pobreza, em valor calculado individualmente para cada família. Seguridade social e assistência social Por sua vez, o Peti teve início em 1996, como uma ação do governo federal para uma situação específica de trabalho infantil na região Centro-Oeste. Sua cobertura foi ampliada para alcançar progressivamente todo o país, mediante implantação de políticas públicas direcionadas ao enfrentamento do trabalho infantil. Em 2005, o Peti foi integrado ao Bolsa Família e em 2011 foi instituído pela LOAS como um programa intersetorial que integra transferência de renda, trabalho social com famílias e oferta de serviços socioeducativos para crianças e adolescentes em situação de trabalho. Para se ter acesso ao BPC, aos Benefícios Eventuais, ao Bolsa Família ou ao Peti, é preciso cadastrar-se no Cadastro Único para Programas Sociais do Governo Federal, conhecido também como Cadastro Único ou Adônico, de responsabilidade dos municípios e do Distrito Federal, podendo, em alguns locais, realizar-se os cadastros nos Centros de Referência de Assistência Social (CRAS) (LEITE, 2021). Porém, a inscrição no Cadastro Único não garante a elegibilidade, ea seleção das famílias é realizada por um sistema informatizado. Ademais, os benefícios e programas são dinâmicos, sedo avaliadas as condicionalidades periodicamente. É possível identificar, portanto, a existência de duas modalidades de programas de transferência de renda no Brasil: o BPC, para idosos e pessoas com deficiência, e o Bolsa Família, para famílias em situação de pobreza e extrema pobreza. Esses programas objetivam combater as desigualdades sociais e econômicas que se desenrolam no cerne das relações sociais brasileiras, considerando que há um conjunto de fatores que levam à situação de vulnerabilidade e injustiça social. Frente a isso, a política de assistência social busca identificar essas demandas e necessidades e intervir de forma a minimizar esses efeitos (LEITE, 2021). 16 4 A IMPORTÂNCIA DAS POLÍTICAS PÚBLICAS DE INCLUSÃO SOCIAL Fonte: ms.gov.br A inclusão na sociedade, a luta contra a discriminação e a busca por igualdade de oportunidades são temas inerentes aos direitos humanos e à sua discussão atual. No Brasil, esses temas são ligados a inúmeros grupos relacionados a questões de gênero, classe, etnias e, também, de pessoas com deficiência. Esse conceito teve origem nos Estados Unidos e, segundo Souza (2006), não existe uma definição única ou melhor do que é política pública, mas a maioria das ideias sobre ela está intimamente relacionada ao papel do Estado e às ações do governo. Segundo Santos (2012, p. 5), “Políticas públicas são políticas que surgem na esfera do Estado e que têm como objetivo atingir a sociedade como um todo ou partes dela […]. Já Adams (2006) apresenta uma definição mais completa, entendendo política pública como um conjunto de ações permanentes que asseguram e ampliam direitos civis, econômicos, sociais e coletivos de todos, que devem ser amparados em lei, sendo de responsabilidade do Estado (financiamento e gestão) e com controle e participação da sociedade civil. Por essas definições, as políticas públicas são responsabilidade do Estado, mas também dos cidadãos, ou seja, as políticas públicas só atingirão seus objetivos a partir da compreensão e da ajuda dos cidadãos em seu desenvolvimento. Para que as políticas públicas funcionem, são necessários os seguintes estágios: 17 As políticas públicas possuem um processo de formação de longo e médio prazo consistente nas fases de reconhecimento do problema público; formação de uma agenda pública; formulação da política pública em si; processo político de tomada de decisão e de implementação da política pública; execução da política pública; acompanhamento, monitoramento e avaliação da política pública e, por fim, a decisão sobre a continuidade, reestruturação ou extinção da política pública (BENEDITO; MENEZES, 2013, p. 58 apud LEITE, 2021). Assim, o governo forma uma agenda, na qual vai organizar e detectar os problemas existentes. A partir disso, começa a formulação da política pública em si, a tomada de decisão, a sua execução e, por fim, ocorre a avaliação. Quando uma política é direcionada à educação, os professores atuam em sua discussão, em sua implementação propriamente dita e em seu acompanhamento, muitas vezes, dando feedbacks sobre sua continuidade. Historicamente, no Brasil, as pessoas com deficiência (APCD) foram classificadas como “incapazes”, “inválidas” e “inúteis” (SASSAKI, 2005), sendo, assim, merecedoras de caridade e assistência do Estado. Garcia (2014) aponta que esse status “[...] foi se alterando com a percepção de que tais indivíduos podem e devem estar inseridos nos ambientes sociais comuns a todas as pessoas, além de, com os suportes e adaptações necessárias, terem plena capacidade de trabalho [...]”. O autor destaca que esse processo não foi linear e homogêneo, de modo que ainda hoje ocorrem comportamentos inadequados e discriminatórios em relação a essas pessoas. No Brasil, os primeiros discursos sobre os direitos das APCD com a reivindicação do direito à convivência social ocorreram na década de 1960 (FRANÇA; PAGLIUCA, 2009). Santos Al. (2012) indicam que isso se deu pela mobilização dos diferentes segmentos da sociedade em prol das demandas das pessoas com deficiência e possibilitou avanços no processo de politização das questões sociais, o que ajudou o Estado a assumir a responsabilidade pelo desenvolvimento de políticas públicas, para atender as demandas desse grupo social (FRANÇA; PAGLIUCA; BAPTISTA, 2008). Segundo Garcia (2014), a deficiência passou, de fato, a ser objeto de políticas públicas na década de 1980, tendo como grande impulso inicial os movimentos sociais, que ganharam força a partir da proclamação, pelas Nações Unidas, do “Ano Internacional da Pessoa Deficiente”, em 1981. Garcia (2014) destaca a importância desses movimentos para as pessoas com deficiência no Brasil: 18 Assim, ao longo da década de 1980, o movimento social das pessoas com deficiência se articula institucionalmente e vai conquistando espaços de participação. Felizmente, esse processo coincide e é estimulado pelo momento de redemocratização vivido pelo País, culminando com a proclamação da Constituição de 1988 (que estabelece uma série de direitos para as “pessoas portadoras de deficiência”, terminologia utilizada na época) Santos et al. (2012) apontam que a Constituição Federal de 1988, em relação às pessoas com deficiência, destaca três objetivos: cuidar da saúde e da assistência públicas, dar proteção e oferecer garantias às pessoas portadoras de deficiências. Um ano depois da promulgação da Constituição Federal, surge a Lei nº. 7.853/89, a primeira legislação de políticas públicas para a área. Essa lei definiu a Política Nacional para a Integração da Pessoa Portadora de Deficiência, além de criar a Coordenadoria Nacional para Integração da Pessoa Deficiente (CORDE), vinculada ao então Ministério da Ação Social (GARCIA, 2014). Ainda sobre essa lei, destaca-se que: A Lei nº. 7.853, de 24 de outubro de 1989, posiciona o apoio às pessoas portadoras de deficiências e a sua integração social, no que concerne à saúde, conferindo ao setor ações de promoção e prevenção; a concepção de uma rede de serviços especializados em reabilitação e habilitação; o acesso aos estabelecimentos de saúde e do tratamento apropriado no seu interior, conforme normas técnicas e padrões preestabelecidos; atendimento domiciliar de saúde ao deficiente grave não internado; e a expansão de programas de saúde direcionados para as pessoas portadoras de deficiências, desenvolvidas com a participação popular (Art. 2º, Inciso II) e o Decreto 3.298, de 1999, que regulamenta a referida Lei (BRASIL, 2002, p. 19 apud SANTOS et al., 2012, p. 114). Santos et al. (2012) apontam que a Política Nacional para a Integração da Pessoa Portadora de Deficiência promove a proteção, o bem-estar pessoal, social e econômico, conferindo, também, o respeito às pessoas com deficiência e a igualdade de oportunidades, sem privilégios ou paternalismos. Essa política também reforça mecanismos de desenvolvimento diante da sociedade — principalmente em relação a todas as iniciativas governamentais direcionadas a educação, saúde, trabalho, edificação pública, seguridade social, transporte, habitação, cultura, esporte e lazer — e tem como objetivo acesso, integração e permanência em todos os serviços oferecidos à comunidade. 19 4.1 Políticas públicas: conceito Agora que você já sabe o que é política, vamos entender o que é uma política pública. Esse conceito também dá margem para variadas definições, segundo Meada em 1995, Lynn em 1980, Peers em 1986, de em 1984, que seguem uma Políticas públicas mesma linha teórica tendo como foco o governo como promotor de ações que influenciam a vida dos cidadãos. Para sua reflexão, neste texto, trabalharemos com a definição de Las well “[...] decisões e análises sobre política públicaimplicam, em linhas gerais, responder as questões: quem ganha o quê, por que é que diferença faz” (TEIXEIRA, 2017). Existem críticas a essa abordagem por superestimar os aspectos racionais e procedimentais das políticas públicas, alguns autores argumentam que elas ignoram a essência da política pública, além de que, ao centrarem-se nos governos, essas definições obscurecem o seu aspecto conflituoso e os limites que cercam as decisões dos governos. São dois os elementos fundamentais das políticas públicas: Intencionalidade pública: é a motivação para se estabelecer ações para tratamento ou resolução de um problema. Problema público: é a diferença entre a situação atual vivida (status quo) e uma situação ideal possível à realidade coletiva. Veja a representação de problema público da Figura (TEIXEIRA, 2017). Fonte: TEIXEIRA, 2017. 20 Implementação de políticas públicas O processo de implementação de uma política pública é dinâmico e não linear e ocorre no momento em que as decisões de políticas se traduzem em ações. Para isso, a análise do contexto em que se está implementando uma política é importante para sua eficácia. Embora diversos fatores contextuais possam ser importantes para um determinado caso, quatro demandam uma atenção especial: 1. Grau de estabilidade política: se houver apoio político considerável para a saída do programa de ação a ser produzido, o ambiente pode ser considerado “favorável” para o processo de implementação de políticas públicas, também mais forte. 2. O grau de mudança no ambiente político e econômico externo: lento ou rápido. A maneira como o ambiente político geral como facilitador se cruza com o ritmo da mudança pode fornecer 'pistas' para as perspectivas de implementação. 3. Abertura do processo de políticas públicas: refere-se ao grau em que o processo é influenciado por uma série de atores, em vez de ter uma base de tomada de decisão estreita. Isso significa que, em um país com forte diversidade cultural e ideológica, somadas a presença forte de ONGs e liberdade de imprensa, a formulação de políticas será inevitavelmente moldada por um grande número de atores, diferente do que ocorreria em um país em que a formulação de políticas é restrita a uma pequena elite. 4. A extensão da descentralização no setor público: A descentralização tem sido um dos temas centrais do debate sobre desenvolvimento nas últimas décadas. Está relacionada ao grau em que essas tendências afetarão as formas como as decisões relacionadas à adoção de políticas são tomadas, os recursos mobilizados e os atores administrativos e não burocráticos para a implementação. Nesse sentido, podemos dizer que a "maneira" como se concebe o problema da implementação de uma política pública é moldada por uma análise das necessidades da sociedade. Deve-se notar que no momento da implementação, dois pontos são fundamentais: primeiro, é necessário determinar se o problema é organizacional-administrativo e se sua solução depende do estabelecimento de metas e do controle dos subordinados. No segundo momento, deve-se analisar se o problema de implementação se deve a um conflito de interesses. A solução para os problemas de implementação é construir 21 instituições ou mecanismos que criem um contexto colaborativo para os participantes. (TEIXEIRA, 2017). Políticas públicas na realidade brasileira A seguir você verá uma relação com algumas políticas públicas nacionais que foram regulamentadas em legislações específicas: Política Nacional do Meio Ambiente – Lei Federal nº 6.938/1981. Política Nacional de Recursos Hídrico – Lei Federal nº 9.433/1997. Política Nacional de Resíduos Sólidos (PNRS) – Lei Federal nº 12.305/2010. Política Nacional de Educação Ambiental – Lei Federal nº 9.795/1999. Política Nacional de Desenvolvimento Regional (PNDR) – Decreto Federal nº 6.047/2007. Política Nacional de Proteção e Defesa Civil (PNPDEC) – Lei Federal nº 12.608/2012. Política Nacional do Idoso – Lei Federal nº 8.842/1994. Política Nacional de Enfrentamento ao Tráfico de Pessoas – Decreto Federal nº 5.948/2006. Política Nacional para a Integração da Pessoa Portadora de Deficiência – Lei Federal nº 7.853/1989. Política Nacional de Cultura Viva – Lei nº 13.018/2014. Política Nacional Sobre Drogas – Resolução nº 3/GSIPR/CH/ CONAD/2005. Política Nacional de Desenvolvimento Urbano – Resoluções da 2ª Conferência Nacional das Cidades/2005. Agora, você verá as que não foram regulamentadas em legislação específica: Política Nacional de Assistência Social – 2004. Política Nacional de Enfretamento à Violência contra as Mulheres – 2011. Política Nacional de Educação Infantil. Política Nacional de Saúde Bucal – 2004. Política Nacional de Educação Especial na Perspectiva da Educação Inclusiva – 2007 22 Política Nacional de Humanização da Atenção e da Gestão da Saúde – 2004. Política Nacional de Controle do Tabaco – 2005. Política Nacional de Atenção Básica (PNAB). Política Nacional de Assistência Técnica e Extensão Rural (Pnater) – 2004. Política Nacional de Educação Popular em Saúde no Sistema Único de Saúde (PNEPS – SUS) – 2012. Política Nacional de Habitação – 2004. Política Nacional de Juventude – 2010. v Todos os seus mecanismos são encontrados no artigo primeiro da LOAS/1993 (BRASIL, 1993), em que: [...] a assistência social, direito do cidadão e dever do Estado, é Política de Seguridade Social não contributiva, que provê os mínimos sociais, realizada através de um conjunto integrado de iniciativa pública e da sociedade, para garantir o atendimento às necessidades básicas. O PNAS se destina a todo cidadão e/ou grupos que se encontram em situação de vulnerabilidade e riscos: famílias com perdas de vínculos e afetividades, desvantagens econômicas, pessoal, uso de substâncias psicoativas, violências, tudo que apresente risco pessoal e social. Incluem-se população em situação de rua, adolescentes em conflitos com lei, indígenas, quilombolas, idosos e pessoas com deficiência. A proteção social básica tem como objetivo prevenir situações de risco com o desenvolvimento de potencialidades e fortalecimento de vínculos familiares. Como exemplo, temos os mecanismos da proteção social básica, o Benefício de Prestação Continuada (BPC) para pessoas com deficiência e idosos com mais de 65 anos, sendo de competência direta do Governo Federal, com gastos em torno de 8 bilhões de reais, tendo atendido 3,6 milhões de pessoas em 2012; e o Programa de Atenção Integral a Família (PAIF) trabalho de caráter continuado que visa fortalecer a função de proteção das famílias, prevenindo a ruptura de laços, promovendo o acesso e usufruto de direitos e contribuindo para a melhoria da qualidade de vida. O principal local em que ocorre a operacionalização da proteção social básica é o Centro de Referência de Assistência Social (CRAS). E o que seria a proteção social especial? Trata-se da atuação em situações de exclusão social, violação dos direitos dos membros da família e/ou rompimento de vínculos familiares. Projeto destinado a famílias ou indivíduos em situação de risco pessoal e social, por 23 ocorrência de abandono, maus tratos físicos e/ou psíquicos, abuso sexual, uso de substâncias psicoativas, cumprimento de medidas socioeducativas, situação de rua, trabalho infantil ou/ou abandono familiar. Como exemplo temos o Programa de Erradicação ao Trabalho Infantil (PETI) e Programa de Combate à Exploração Sexual de Crianças e Adolescentes. O principal local em que ocorre a operacionalização da proteção social especial é o Centro de Referência Especializado da Assistência Social (CREAS). Temos também o Sistema Único de Assistência Social (SUAS), que atua como instrumento de gestão da PNAS. Seu conceitoe base de organização referem- se a um modelo de gestão descentralizado administrativamente e com participação de toda sociedade civil, focado no atendimento primordial das famílias com o uso de serviços, programas e benefícios. A divisão do trabalho no SUAS é baseada nos seguintes referenciais: supervisão social (sistematização da informação), previdência social (segurança de acolhimento, renda e vida familiar) e defesa social e institucional (atendimento digno, atendimento qualificado, direito ao tempo e à informação). Uma das características fundamentais das políticas públicas brasileiras é a fragmentação, o que, por vezes, é a causa problema em razão das muitas divergências entre determinadas agências de controle, principalmente quando o assunto é burocrático. Outra característica importante da política pública brasileira é sua descontinuidade administrativa, em que o órgão responsável considera a política pública no interesse de seus gestores. Com isso em mente, a cada mudança de cargo ou governo, as políticas implementadas mudam. Mais recentemente, a gestão das políticas públicas tornou-se mais democrática e o Estado tem desempenhado um papel mais próximo de uma sociedade civil organizada. Estamos vendo o início de um esforço político menos focado, no qual a população está envolvida com maior comprometimento e importância nas políticas públicas no Brasil (TEIXEIRA, 2017). 24 5 POLÍTICA DE ASSISTÊNCIA SOCIAL NA ATUALIDADE Fonte: informasus.ufscar.br A política de assistência social vem enfrentando momentos desafiadores nos últimos cinco anos. Após uma década de intenso processo de ordenamento e expansão, com a consolidação do Sistema Único de Assistência Social (SUAS), a crise econômica e as políticas de ajuste fiscal romperam a trajetória de ampliação do gasto público na área observada em anos anteriores. Essa ruptura teve um impacto particularmente negativo dado o contexto em que tal restrição de recursos se efetuou: ela se viu acompanhada por uma piora do quadro social, com aumento do desemprego, da pobreza e da desigualdade socioeconômica – todos os fatores que ampliam a demanda por assistência social (IPEA, 2021). Em 2019, esta tendência geral manteve-se, mas com algumas particularidades. Este ano, reduzir a importância dos benefícios assistenciais estão na agenda política do governo federal, retrocedendo as políticas de transferência de renda, além de reduzir o acesso ao Benefício Monetário Continuado (BPC) e enfraquecer as instituições participativas - Comissão Tripartite Intergestionária (CIT) e Conselhos de Assistência (CNAS) – que fazem parte do quadro estabelecido pela Constituição de 1988 (CF/1988) e fortalecidos com a chegada do Suas. Com esse pano de fundo de fragilização de uma política de assistência social – que, ainda assim, é dotada de institucionalidade e capilaridade no território nacional, contando com dezenas de 25 milhares de centros socioassistenciais presentes em todos os municípios do país –, que a pandemia da Covid-19 aterrissa no Brasil, colocando o tema da assistência no centro da agenda. Se, por um lado, a precarização dos serviços e a redução da cobertura de benefícios, como o Bolsa Família (PBF) e o BPC em 2019, como será visto neste capítulo, constituíram um obstáculo para a garantia da proteção social para os grupos populacionais, cada vez mais ameaçados pela crise social, económica e sanitária, por outro lado, o acervo histórico de conhecimentos e experiências relativos à implementação de serviços e benefícios foi essencial para poder reagir rapidamente às urgências requisito (IPEA, 2021). Destaca-se, nesse quesito, a instituição do Auxílio Emergencial em 2020, que simultaneamente exemplifica o uso das capacidades legadas pelo histórico de institucionalização da política e as tensões e fragilidades características do período mais recente. Esta assistência baseia-se na antiga experiência do Commonwealth Economic Fund (CEF) neste campo, incluindo o conhecimento técnico operacional acumulado durante o processo de registro de programas sociais para as populações mais pobres. No entanto, foi implementado sem o envolvimento da Rede de Assistência Social, que historicamente tem e continuará a desempenhar um papel importante na promoção e apoio ao acesso aos benefícios da assistência social. Este capítulo enfoca questões relacionadas à assistência social, entendida como eixo fundamental do sistema previdenciário brasileiro. Seus aspectos centrais são considerados - prestação de serviços, entrega de benefícios, financiamento de políticas, mecanismos de governança interfederal e participativa, etc. - e discute os aspectos mais salientes dos últimos anos, especialmente o que foi observado no final de 2019, o impacto da pandemia na política ao longo de 2020, e por fim algumas perspectivas para o futuro. Na seção 2, fazemos uma breve análise sobre os rumos da política de assistência social antes de se confrontar com a pandemia da Covid-19, dando especial atenção ao ano de 2019 – primeiro ano da atual gestão do governo federal. Na seção 3 abordamos as medidas mais importantes adotadas pelo governo federal para o enfrentamento da Covid-19 na área de assistência social e apontamos os desafios mais importantes em sua implementação. 26 Na seção 4, são traçadas as perspectivas delineadas para a proteção social brasileira – e, em particular, para a política de assistência social – diante da atual crise econômica e do recrudescimento da pandemia num cenário em que regras fiscais, como o teto de gastos, impossibilitam a ampliação de gastos com as políticas sociais. Por fim, destaca-se nas considerações finais que o legado do recuo na trajetória de consolidação da política nos últimos vinte anos, juntamente aos novos desafios trazidos com a pandemia, pode levar à incapacidade do Estado de oferecer proteção às mais diversas situações de vulnerabilidade atendidas pela política de assistência social (IPEA, 2021). 5.1 Contexto da política de assistência social pré-covid A pandemia da Covid-19, que chegou ao Brasil no início de 2020, atingiu o país em meio à aplicação de uma agenda de reformas centrada na austeridade e na redução do papel do Estado. O teto de gastos, instituído pela Emenda Constitucional (EC) no 95, de 15 de dezembro de 2016, tem apresentado impactos nas políticas sociais como um todo, e na política de assistência social não é diferente, como veremos ao longo da seção. Esta regra fiscal determinou que o crescimento anual das despesas primárias não deve ultrapassar a inflação do ano anterior. Na prática, essa medida resultou em um congelamento real do gasto primário federal nos níveis de 2016 por pelo menos dez anos, sem levar em conta as mudanças na dinâmica socioeconômica e demográfica (PAIVA et al., 2016). Na prática, essa medida leva a uma tendência de redução do gasto per capita em políticas sociais, levando em consideração o crescimento populacional (DWECK, 2020). Diante desse cenário de crise econômica e da implementação de políticas de austeridade no período pré-pandemia, nos últimos anos houve um aumento da pobreza e da desigualdade social, com efeitos diferenciados entre as diferentes faixas de renda, após o Brasil ter experimentado uma grande conquista na termos de distribuição na primeira década do século XXI. Segundo Barbosa, Ferreira de Souza e Soares (2020), para os mais pobres, a recessão iniciada em 2015 perdurou até 2019, enquanto para os mais ricos havia sinais de recuperação e crescimento a partir de 2016. De 2015 a 2019, os dados da 27 Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD). Contínua, apontados por Barbosa et al. (2020), indicam que houve um aumento na desigualdade de renda no país, medido pelo coeficiente de Gini, que aumentou de 0,525 em 2015 para 0,543 em 2019. Segundo os autores,houve retrocesso de uma década em termos distributivo, com aumento das taxas de pobreza entre 2014 e 2017, seguidas por estabilidade até 2019. Dessa forma, eles salientam que os arranjos de proteção social, como os benefícios sociais e previdenciários, não foram capazes de reduzir o impacto da crise na renda dos mais pobres. No capítulo de assistência social da edição anterior deste boletim, sinalizou-se que a adoção do teto de gastos por parte do governo federal poderia impactar não só as despesas discricionárias, mas também as obrigatórias (Ipea, 2020), que no âmbito da assistência social referem-se ao PBF e BPC. Os gastos obrigatórios – constituem a maioria das despesas primárias – exercem forte pressão sobre os discricionários, pois tendem a crescer acima da inflação. Como as despesas primárias não podem crescer acima da inflação, o ajuste recai, num primeiro momento, sobre as despesas discricionárias. No segundo momento, porém, uma forma de desescalar essa tensão é examinar o valor das regras de entrada e benefícios (Paiva et al., 2016). A dinâmica de crescimento desses benefícios em 2019, embora afete indiretamente o crescimento dos gastos, fatores serão explicados mais adiante. Embora o impacto seja menos pronunciado em termos de gastos totais com essas concessões - pois observamos um aumento dos gastos com essas políticas de transferência de renda em 2019 em relação a 2018 - vale destacar que, em 2019, os dois Esta política reduz significativamente o número de beneficiários. A Tabela mostra a evolução dos serviços assistenciais e dos gastos previdenciários. Em relação a 2018, os gastos do PBF aumentaram 6% em 2019, valor considerado significativo em relação às mudanças observadas nos anos anteriores (2016 a 2019). Tal incremento é explicado pelo pagamento de uma parcela extra do benefício, que ganhou a alcunha de 13o do Bolsa Família e havia sido prometida na campanha presidencial de 2018. O pagamento suplementar, no entanto, parece ter ocorrido às custas da redução de beneficiários, na medida em que houve uma economia nos gastos com o pagamento para milhares de pessoas que deixaram o programa, sem que os que estivessem na fila para a concessão fossem inseridos no lugar dos que 28 deixaram. Nesse sentido, decidiu-se pela redução do número de pessoas participando do PBF para conceder a 13a parcela aos que permaneceram. Em relação aos gastos com BPC, em 2019, a tabela aponta para um incremento de 4,28% em relação a 2018. Uma hipótese para tal crescimento ancora-se no aumento do valor médio do BPC diante do pagamento de parcelas em atraso na concessão do benefício devido ao aumento da fila de espera em 2019 (IPEA, 2021). 29 Fonte: IPEA, 2021. Em relação às despesas discricionárias – que podem ser objeto de contingenciamento ao longo do ano e consequentemente são as primeiras a serem cortadas para adequação fiscal, destacam-se as trajetórias de financiamento dos serviços socioassistenciais, responsáveis pela maior parte destas despesas, e do Programa Criança Feliz (PCF). Ainda que em 2019 os repasses federais destinados aos serviços socioassistenciais tenham aumentado em relação a 2018, novamente 30 tiveram sua regularidade comprometida, uma vez que praticamente a metade destas transferências aos entes foram realizados apenas no último mês do ano. Em relação ao PCF, o teto de gastos não impediu seu crescimento. Conforme detalhado em outras edições deste Boletim (Ipea, 2019; 2020), o PCF tem sido prioridade para a administração federal da política. Em 2016, quando não existia, as transferências para os serviços sociais representavam cerca de 85% das despesas discricionárias. Com a criação do programa, em 2017, os repasses aos serviços responderam por 81% e os do PCF por 5%; em 2018 e 2019, essa composição das despesas discricionárias foi de 75% e 10%, respectivamente (IPEA, 2021). 6 A POLÍTICA DE ASSISTÊNCIA SOCIAL NO ENFRENTAMENTO DA PANDEMIA DA COVID-19 Fonte: marcozero.org Durante a pandemia da Covid-19, foram implementadas diversas medidas relativas às transferências monetárias de caráter assistencial – BPC, PBF e criação do Auxílio Emergencial – como forma de mitigar os prejuízos socioeconômicos derivados da pandemia. O aumento da vulnerabilidade gerada pelo choque econômico demandou a rápida implementação de uma iniciativa mais ampla de transferência de renda, cuja discussão foi protagonizada pelo Legislativo nacional. Ao mesmo tempo, levou o governo federal a realizar repasse de financiamento extraordinário para os serviços 31 socioassistenciais, ainda que isso tenha ocorrido com atrasos no repasse dos recursos ordinários para oferta dos serviços continuados. A necessidade de garantir a segurança sanitária de trabalhadores e usuários também levou à elaboração de diretrizes e orientações para o atendimento e abrigamento dos usuários, sendo algumas delas divulgadas apenas meses depois do início da pandemia e outras recebidas com polêmica, como a mobilização de comunidades terapêuticas (CTs) para o atendimento da população de rua (IPEA, 2021). Auxílio Emergencial Criado pela Lei no 13.982/2020, de 2 de abril de 2020, o Auxílio Emergencial figura como a medida assistencial de maior destaque e abrangência em resposta à Covid-19. Num primeiro momento, o governo anunciou a criação de um auxílio no valor de R$ 200,00 por pessoa, para apoiar trabalhadores informais, desempregados e microempreendedores individuais (MEIs) que integrem família de baixa renda, por três meses, o que beneficiaria de 15 milhões a 20 milhões de pessoas. Com a pressão do Congresso e da sociedade, o substitutivo apresentado no Legislativo propôs um auxílio no valor de R$ 500,00. A discussão da medida avançou no sentido da ampliação e detalhamento do seu público-alvo, além de majorar para R$ 600,00 o valor de cada parcela. Após sua aprovação e sanção, a lei definiu a concessão do auxílio monetário aos indivíduos maiores de 18 anos sem vínculo de emprego formal, cuja renda familiar mensal seja de até meio SM per capita ou até 3 SMs no total. Apesar de ser limitado a dois beneficiários por família, o auxílio pode ser pago em dobro para arranjos monoparentais femininos. Sua operação definiu-se com base em três grupos: i) beneficiários do PBF; não beneficiários PBF inscritos no CadÚnico até 2 de abril de 2020; e ii) cidadãos não inscritos no CadÚnico (chamado informalmente de extracad). A concessão inicial foi de três parcelas mensais, sendo posteriormente ampliada para mais duas parcelas (Brasil, 2020b, art. 9-A). Com o prolongamento do contexto pandêmico, em setembro de 2020, foi instituído o Auxílio Emergencial Residual,48 no valor de R$ 300,00, pago de maneira subsequente à quinta parcela do 32 Auxílio Emergencial, mensalmente, até 31 de dezembro de 2020, no limite de quatro parcelas. O Auxílio Residual independeu de requerimento, pois foi concedido a todos os beneficiários do Auxílio Emergencial inseridos nos novos critérios de elegibilidade e limitadores de acesso ao benefício. A concessão do Auxílio Emergencial foi praticamente automática tanto para beneficiários PBF quanto para demais inscritos no CadÚnico. Após cruzamento com outros registros administrativos federais com vistas à verificação da elegibilidade, sondou-se a eventual existência de conta- corrente ou poupança na Caixa Econômica Federal (CEF) ou no Banco do Brasil (BB) por parte da pessoa elegível e, em caso positivo, o depósito era efetuado. Em caso negativo, gerava-se uma poupança digital na CEF. Para o terceiro grupo (extracad), o requerimento foi necessário, tendo sido criado o aplicativo Auxílio Emergencial da CEF, no qual o requerente informa seu CPF, dados de seu rendimento monetário e composição familiar, declarando estar ciente da necessidade de registrar as informaçõesfidedignas. O solicitante também cadastrou a conta corrente ou poupança para acessar o auxílio e caso não tivesse, foi criada uma conta poupança social digital sem comissões. Posteriormente, foi identificado um subgrupo de beneficiários considerados particularmente vulneráveis entre o público extracad, que recebeu atendimento pessoal para realizar um cadastro assistido em uma unidade dos Correios. A Secretaria de Cidadania foi responsável por administrar o socorro emergencial e direcionar as despesas decorrentes em , Seu trabalho é compartilhado pela Empresa de Tecnologia e Informação Previdenciária (Dataprev)., responsável pela análise da elegibilidade da pessoa ao benefício e pela geração da folha de pagamento; e CEF, a quem cabe disponibilizar as plataformas para requerimento e pagamento. Segundo o Ministério da Cidadania, o pagamento do Auxílio Emergencial alcançou um público de 68,2 milhões de pessoas, para os quais foram distribuídos cerca de R$ 294 bilhões em 2020, conforme tabela. Vale dizer que isso equivale a 32% da população brasileira. Mais da metade do auxílio (56%) foi pago ao público extracad, que anteriormente não figurava em situação de pobreza na base do CadÚnico. Cerca de 95% dos beneficiários do Bolsa Família receberam o Auxílio Emergencial, pois este configurou vantagem para aqueles. 33 Fonte: IPEA, 2021. A PNAD Covid-19 (IBGE), por sua vez, informa que, em agosto de 2020 – mês da quinta e última parcela para quem começou a receber o Auxílio Emergencial desde abril de 2020 – 43,9% de domicílios foram alcançados pelo Auxílio Emergencial. O valor médio do benefício naquele mês foi de R$ 908,00, sendo maior nas regiões Norte (R$ 972,00) e Nordeste (R$ 965,00), em que logrou alcançar a maior parte dos domicílios, conforme tabela: Nos meses seguintes, além de seguir o pagamento das parcelas finais do Auxílio Emergencial para quem começou a recebê-lo até julho de 2020, iniciou-se o pagamento das parcelas do Auxílio Emergencial Residual, o qual teve público beneficiário e, principalmente, valor mais restrito. Por essa razão, em novembro de 34 2020, o percentual de domicílios beneficiados caiu um pouco, chegando a 41%, com um valor médio do benefício bem inferior, de R$ 558,00 (IPEA, 2021). Cabe apontar também alguns problemas que afetaram a gestão do Auxílio Emergencial, muitos dos quais detalhados por Bartholo et al. (2020). Foram identificadas limitações de ordem tecnológica – execução do requerimento via app, seu tempo de análise e acesso ao benefício para aqueles sem vínculo anterior com o sistema bancário – e operacional – filas excessivas e aglomerações para saque do benefício, expondo os beneficiários e aumentando o risco de propagação do vírus causador da Covid-19. O indeferimento das solicitações também careceu, no início, de maior detalhamento do motivo para os cidadãos que, mesmo depois de equacionado pelo app, continuou com teor muito técnico, dificultando sua compreensão por pessoas de baixa escolaridade. Nesse sentido, é de salientar que foram criadas oportunidades de recurso contra decisões de indeferimento do auxílio emergencial, por motivos que poderiam ser reanalisados a partir de bases de dados atualizadas mensalmente. Nesse caso, o cidadão poderia se candidatar novamente ou interpor recurso por requerimento ou extrajudicial, por meio de convênio com o Ministério Público Federal (DPU). O manuseio de aplicativos digitais passa longe de ser trivial para a população vulnerável à pobreza, seja por falta de acesso ou problemas do aparelho celular, ou ainda de conexões à internet, seja pela falta de familiaridade com este tipo de tecnologia ou dificuldades de leitura e interpretação de texto, principalmente entre a população mais idosa. Neste sentido, cabe destacar a estranheza causada pela falta de articulação dos serviços assistenciais – acostumados a lidar com o público de baixa renda – no fluxo de concessão do Auxílio Emergencial, tendo em vista tratar de medida convergente com a segurança de renda, afiançada pela Política Nacional de Assistência Social – PNAS (2004). Isso se evidencia tanto pela concentração da sua operacionalização no sistema bancário quanto na parceria com os Correios para auxiliar no requerimento do público de ultravulneráveis – em vez de utilizar a estrutura dos CRAS, os quais operam o CadÚnico e estão familiarizados com o atendimento das pessoas em situação de pobreza. Além disso, deve-se notar que os riscos e vulnerabilidades que afetam as famílias e os indivíduos apresentam desafios e necessidades que podem ir além da dimensão de renda. Somente por meio da prestação simultânea de serviços a 35 assistência social pode garantir plenamente a promoção e a proteção de direitos, como a segurança do acolhimento, conforme estabelecido na PNAS (2004) e outros documentos orientadores da política (IPEA, 2021). Vale também destacar os mecanismos de controle adotados como forma de evitar o pagamento indevido do Auxílio Emergencial – mediante acordo de cooperação técnica firmado com o TCU – além da disponibilização de canal para devolução de valores e da obrigatoriedade de apresentar a declaração de ajuste anual relativa ao exercício de 2021 caso a renda anual em 2020 seja superior ao limite de isenção. Relatório de Acompanhamento do TCU apontou que, entre abril e julho de 2020, cerca de 440 mil beneficiários do auxílio apresentaram indícios de recebimento indevido, apurados a partir de cruzamentos com outros registros administrativos que apontaram o não cumprimento de algum critério de elegibilidade (TCU, 2020). O TCU apontou ainda diversos desafios relacionados à pouca efetividade dos controles de concessão do Auxílio Emergencial, como o fato de que a composição familiar seja auferida apenas com base nas declarações presentes no CadÚnico ou realizadas no aplicativo da CEF. O controle destes critérios apenas pela análise de dados é limitado, razão pela qual o relator recomenda ser “importante a volta das entrevistas e acompanhamento das famílias pela Rede Suas ao fim da pandemia, dentro das capacidades operacionais dos órgãos”. Em outras palavras, o próprio TCU dá a entender que as bases de dados disponíveis são insuficientes para se apurar os critérios legais para o recebimento do Auxílio Emergencial, cabendo à rede socioassistencial continuar acompanhando essas famílias, incluindo ou atualizando suas informações no CadÚnico. A rede, no entanto, tem sido alijada do processo de operacionalização do auxílio, o que foi reforçado por gestores municipais e estaduais em manifestações públicas. Diversos estudos têm conseguido constatar a importância do Auxílio Emergencial na mitigação dos efeitos da crise econômica decorrente da pandemia. Além de promover a bancarização inédita da população, o benefício aumentou a renda média domiciliar per capita em R$ 178,00 e conseguiu proteger os mais pobres, pelo menos em termos de privação financeira (Barbosa e Prates, 2020). Em agosto de 2020, pico dos pagamentos da ajuda emergencial, havia 50,2 milhões de pobres no Brasil, uma queda de 15 milhões em relação a 2019. Outros estudos estimaram o impacto do Auxílio Emergencial sobre o produto interno bruto (PIB), considerando que 36 as pessoas tendem a gastar esse dinheiro na compra de alimentos, vestuário, serviços, quitação de dívidas e outros itens que permitem a continuidade do funcionamento da economia, em especial nos municípios mais pobres. A estimativa era que, durante o prazo inicial de três meses, o auxílio seria responsável pela prevenção da perda de 3,1% do PIB em 2020, além de gerar 16,7 milhões de postos de trabalho (BRANCHER, MAGACHO E LEÃO, 2020). Por sua vez, Costa e Freire (2020) verificaram que o pagamento das cinco parcelas do auxílio representou um volume de recursos em proporção ao PIB nominalda ordem de 2,5%, sendo inclusive maior nas regiões Norte e Nordeste, as quais concentram maior proporção de pessoas em situação de pobreza (no Maranhão, chegou a 8,6% do PIB). Além disso, estudo de Salata e Ribeiro (2020) com base na PNAD Covid-19 mostra que a desigualdade de renda caiu cerca de 11,3% na pandemia devido ao auxílio. Segundo os autores, a pandemia teria tido aumento próximo a 17,3%, alcançando 0,560 no coeficiente de Gini, caso este auxílio não tivesse sido implementado. É inegável que a concessão do Auxílio Emergencial tem sido fundamental para a mitigação dos efeitos da crise econômica decorrente do isolamento social necessário ao enfrentamento da pandemia, além de garantir a sobrevivência de boa parte da população brasileira que subitamente se viu privada dos seus meios de subsistência. Se, de um lado, não há como o estabelecimento de um benefício monetário de tamanha abrangência, criado em caráter emergencial, passar ileso a problemas de implementação; de outro, faz-se necessário incorporar seus aprendizados para que se possa continuar a garantir segurança de renda de maneira célere e eficiente aos novos contingentes que passaram a integrar o rol de pobreza em decorrência da pandemia (IPEA, 2021). 6.1 Pandemia da COVID-19 e o exercício profissional no SUAS Todo o cenário relatado sobre o SUAS e a prática profissional dos assistentes sociais está se deteriorando em 2020 pela regulamentação das emergências sanitárias no país devido à pandemia do COVID19. Quanto ao SUAS, o caminho traçado foi o desmonte da ordem pública, com ataques ao controle social, ao 37 financiamento e à precarização das condições de trabalho e atendimento à população nos serviços (FREITAS, 2021). Freitas e Avellar (2020) traçam um panorama desse momento antes do início do decreto: uma política pública a caminho é então considerada essencial para atender às necessidades incontornáveis da população. É importante, mas não foi financiado para ter um bom desempenho e não foram identificadas condições de trabalho decentes. A saúde dos trabalhadores da SBV não tem sido uma questão que tenha sido trazida à tona pelas administrações políticas ao longo dos anos. Diante das formas de contágio causadas pelo novo corona vírus, as orientações das organizações de saúde e trabalho foram e são pautadas na demanda por instalações sanitárias mesmo para serviços essenciais. Freitas e Avellar (2020) destacam orientações sobre o fornecimento e treinamento sobre o uso de equipamentos de proteção individual (EPI) e equipamentos de proteção coletiva (EPC) para trabalhadores em geral; afastamento imediato de especialistas dos chamados grupos de risco; Reorganização dos processos de atendimento à população para evitar aglomerações e manter distância mínima entre as pessoas no local de trabalho; apoio em locais ventilados, apoio remoto e por marcação, pausas no trabalho em grupo; Faça visitas domiciliares somente em situações de extrema necessidade e urgência; Redução de jornada de trabalho e rodízio entre profissionais dos mesmos setores. Essas diretrizes foram emitidas por órgãos como a Secretaria de Estado do Trabalho, a Secretaria da Cidadania e ratificadas pelo Conselho Federal de Assistência Social e pelos Conselhos Regionais de Assistência Social (CRESS). Destacamos a publicação de um “Manifesto CFESS”8 sobre o impacto do coronavírus no trabalho dos assistentes sociais, publicado em 23 de março de 2020, poucos dias após a decretação da emergência de saúde pública em nosso país. Observamos também que tanto o CFESS quanto diferentes CRESS mantêm áreas em seus sites onde um conjunto de diretrizes para a categoria de assistente social neste momento de nossa história está sendo estabelecido em diálogo com nossa prática profissional. É de extrema importância que os profissionais do serviço social se engajem no diálogo com seus órgãos representativos. Importante texto com reflexões sobre o exercício profissional dos assistentes sociais e a pandemia, escrito por Matos (2020) e amplamente distribuído na categoria. O autor escreve sobre o medo que pode assolar 38 os profissionais no atendimento pessoal à população, mas que é necessária uma ação ética pautada na razão emancipatória para enfrentar esse momento. Ressalta a importância da criatividade profissional e da criação de estratégias de comunicação com a população e educação em saúde. Afirma a relevância de socializar a informação neste momento e defender nossas prerrogativas profissionais. Segundo ele, o provavelmente entende as tendências de um momento de incerteza, embora possamos dizer que a pandemia é uma situação de calamidade e os assistentes sociais possam ser chamados a agir nessas situações, precisamos estar atentos à narrativa que defende que "todas as pessoas deveriam." fazer qualquer coisa" por causa do contexto. Ele argumenta que esse "aviso" protege nossa "conduta profissional" e desencoraja a desespecialização. Matos (2020) também alerta para a observação de possíveis infrações trabalhistas. E essa questão também ocupou grupos ligados à política previdenciária, como os Fóruns dos Trabalhadores do Sistema Único de Previdência Social e os conselhos de classe. Isso pode ser verificado em notas do Fórum Nacional dos Trabalhadores do SUAS (FNTSUAS) e FETSUAS RJ (2020). A nota e demais documentos emitidos pela FETSUAS RJ10 mostram que no início da portaria de emergência sanitária, segundo relatos dos trabalhadores, a maioria das comunidades do Rio de Janeiro não possuía plano ou planejamento de emergência e não emitiu nenhum protocolo sanitário e segurança para os trabalhadores do SUAS. Muitos não forneceram EPIs adequadamente. Alguns municípios não tinham regulamentação de seus eventuais benefícios (as) trabalhadores denunciam que os empregos já estavam sendo desfeitos antes da pandemia e se tornaram completamente insalubres dadas as diretrizes sanitárias atuais. E destacam as fragilidades de tudo isso em uma pandemia que ocorre em ano eleitoral, atualizando traços como o clientelismo, a cultura do favoritismo e, em alguns casos, o uso da previdência com um claro propósito eleitoral. A Fundação Getúlio Vargas realizou pesquisa sobre serviços de assistência social e a pandemia de COVID19 e constatou que mais de 90,66% dos profissionais de assistência social tinham medo de contrair COVID19; que mais de 80% não se sentiam prontos para atuar em meio à pandemia e que 87,2% não receberam treinamento para atuar nesse contexto. Apenas 38,5% dizem ter recebido os equipamentos necessários para enfrentar o coronavírus (LOTTA, 2020). 39 Esta informação está de acordo com a relatada pelos profissionais à FETSUAS RJ (2020). Em 24 de abril de 2020, o Conselho Federal de Assistência Social do CFESS emitiu parecer jurídico sobre a falta de EPI para assistentes sociais. A empresa explica que entre as situações relacionadas com as condições de trabalho durante a pandemia, “a queixa mais frequente foi a falta de fornecimento e/ou fornecimento insuficiente de EPI aos profissionais da política de segurança social” (CFESS, 2020, p.2). O Parecer explica que a maioria das reivindicações sobre as comunidades notificadas no país vem da política previdenciária e traz reflexões sobre esse aspecto e o desmonte que o SUAS vem sofrendo e porque a política previdenciária concentra um número maior de trabalhadores em relação a outros campos profissionais. Concordamos com esta opinião e lembramos que os assistentes sociais são profissionais assalariados e que as condições objetivas para a realização do seu trabalho dependem das instituições empregadoras. Constatamos nos relatos e pesquisas que a falta de EPI é um dos muitos outros pontos que evidenciam a falta de condições adequadas para o desenvolvimento do trabalho na SUAS. É importante salientar que o grupo CFESS/CRESS
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