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Autor: Prof. Euclides Pedrozo Jr. Colaborador: Prof. Mauricio Felippe Manzalli Organização Industrial / Regulação da Concorrência Re vi sã o: R ic ar do D ua rt e - Di ag ra m aç ão : L uc as M an sin i - d at a 27 /0 7/ 20 17 Professor conteudista: Euclides Pedrozo Jr. Economista pela Universidade São Judas Tadeu (1993). Mestre e doutor em Economia pela Fundação Getulio Vargas (FGV São Paulo, 2004, 2010). Atualmente, é professor titular da Universidade Paulista (UNIP) no curso de Ciências Econômicas. Também leciona como professor convidado nos cursos de mestrado profissionalizante em Economia da Escola de Economia de São Paulo (EESP-FGV) e de pós-graduação em Direito dos Contratos na FGV Direito SP (GVlaw). Como pesquisador e consultor, tem larga experiência em avaliação de impacto socioeconômico de políticas públicas, organização industrial e economia internacional. Autor dos seguintes livros-textos para a EaD: Microeconomia em Concorrência Perfeita, Microeconomia em Concorrência Imperfeita, Economia Internacional e Desenvolvimento Socioeconômico. © Todos os direitos reservados. Nenhuma parte desta obra pode ser reproduzida ou transmitida por qualquer forma e/ou quaisquer meios (eletrônico, incluindo fotocópia e gravação) ou arquivada em qualquer sistema ou banco de dados sem permissão escrita da Universidade Paulista. Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP) P372o Pedrozo Junior, Euclides. Organização industrial/Regulação da Concorrência. / Euclides Pedrozo Junior. – São Paulo: Editora Sol, 2017. 164 p., il. Nota: este volume está publicado nos Cadernos de Estudos e Pesquisas da UNIP, Série Didática, ano XXIII, n. 2-099/17, ISSN 1517-9230. 1. Organização industrial. 2. Regulação da concorrência. 3. Concentração industrial. I. Título. CDU 658 Re vi sã o: R ic ar do D ua rt e - Di ag ra m aç ão : L uc as M an sin i - d at a 27 /0 7/ 20 17 Prof. Dr. João Carlos Di Genio Reitor Prof. Fábio Romeu de Carvalho Vice-Reitor de Planejamento, Administração e Finanças Profa. Melânia Dalla Torre Vice-Reitora de Unidades Universitárias Prof. Dr. Yugo Okida Vice-Reitor de Pós-Graduação e Pesquisa Profa. Dra. Marília Ancona-Lopez Vice-Reitora de Graduação Unip Interativa – EaD Profa. Elisabete Brihy Prof. Marcelo Souza Prof. Dr. Luiz Felipe Scabar Prof. Ivan Daliberto Frugoli Material Didático – EaD Comissão editorial: Dra. Angélica L. Carlini (UNIP) Dra. Divane Alves da Silva (UNIP) Dr. Ivan Dias da Motta (CESUMAR) Dra. Kátia Mosorov Alonso (UFMT) Dra. Valéria de Carvalho (UNIP) Apoio: Profa. Cláudia Regina Baptista – EaD Profa. Betisa Malaman – Comissão de Qualificação e Avaliação de Cursos Projeto gráfico: Prof. Alexandre Ponzetto Revisão: Amanda Casale Ricardo Duarte Elaine Pires Re vi sã o: R ic ar do D ua rt e - Di ag ra m aç ão : L uc as M an sin i - d at a 27 /0 7/ 20 17 Sumário Organização Industrial / Regulação da Concorrência APRESENTAÇÃO ......................................................................................................................................................7 INTRODUÇÃO ...........................................................................................................................................................9 Unidade I 1 ESTRUTURA DE MERCADO, BEM-ESTAR E INDICADORES DE PODER DE MERCADO .......... 11 1.1 Modelo estrutura-conduta-desempenho (ECD) ...................................................................... 14 1.2 Definição de mercados ....................................................................................................................... 20 1.3 Poder de mercado ................................................................................................................................ 24 1.3.1 Poder de mercado e bem-estar ......................................................................................................... 24 1.3.2 Lucro econômico e taxa de retorno sobre o investimento .................................................... 29 1.3.3 Ineficiência-X............................................................................................................................................ 32 1.3.4 Rent-seeking ............................................................................................................................................. 33 2 MEDIDAS DE CONCENTRAÇÃO DE MERCADO .................................................................................... 33 2.1 Medidas de poder de monopólio ................................................................................................... 35 2.1.1 Índice de monopólio de Lerner ......................................................................................................... 35 2.1.2 Índice de monopólio de Bain ............................................................................................................. 38 2.1.3 Índice de monopólio de Rothschild ................................................................................................ 39 2.2 Razão de concentração ...................................................................................................................... 39 2.3 Índice Herfindahl-Hirschman .......................................................................................................... 42 2.4 Limitações das medidas de concentração .................................................................................. 45 3 EQUILÍBRIO DE LIVRE ENTRADA ................................................................................................................ 46 3.1 A solução de Cournot ......................................................................................................................... 46 3.2 Quantidade de empresas sob livre entrada ............................................................................... 50 3.3 Número socialmente ótimo de competidores .......................................................................... 55 3.4 Número eficiente de competidores .............................................................................................. 58 4 COMPORTAMENTO ESTRATÉGICO ............................................................................................................ 62 4.1 Decisões estratégicas ao longo do tempo .................................................................................. 63 4.2 Jogo de Stackelberg ............................................................................................................................ 66 4.3 Diferenciação de produtos ............................................................................................................... 72 Unidade II 5 BARREIRAS ESTRATÉGICAS À ENTRADA ................................................................................................ 82 5.1 Estratégia competitiva ....................................................................................................................... 82 5.2 Estratégia do preço-limite ................................................................................................................ 88 Re vi sã o: R ic ar do D ua rt e - Di ag ra m aç ão : L uc as M an sin i - d at a 27 /0 7/ 20 17 5.2.1 Modelo Bain-Sylos ................................................................................................................................. 88 5.2.2 Teorias estratégicas de preço-limite ...............................................................................................90 5.3 Prevenção estratégica à entrada: o modelo de Dixit ............................................................. 94 5.4 Barreiras à saída .................................................................................................................................... 99 6 INTEGRAÇÃO VERTICAL ..............................................................................................................................100 6.1 Vantagens e desvantagens da integração vertical ...............................................................102 6.2 Monopolização vertical ...................................................................................................................105 6.3 Integração vertical e discriminação de preços .......................................................................109 6.4 Integração vertical e informação assimétrica ........................................................................110 7 CONCENTRAÇÃO HORIZONTAL ................................................................................................................111 7.1 Análise custo-benefício de fusões horizontais ......................................................................111 7.1.1 Análise custo-benefício da fusão considerando competição perfeita no estágio pré-fusão ......................................................................................................................................114 7.1.2 Análise custo-benefício da fusão considerando competição imperfeita no estágio pré-fusão ......................................................................................................................................118 7.2 O uso de indicadores de concentração na análise da concentração horizontal ......119 7.3 Conluio ...................................................................................................................................................124 7.3.1 A estratégia do gatilho ...................................................................................................................... 124 7.3.2 Formas de cooperação ....................................................................................................................... 133 8 INTRODUÇÃO A POLÍTICAS ANTITRUSTE E REGULAÇÃO ECONÔMICA ....................................137 8.1 Políticas públicas antitruste ...........................................................................................................137 8.2 Análise de antitruste no Brasil ......................................................................................................139 8.3 Fundamentos de regulação econômica ....................................................................................141 8.3.1 Monopólios naturais ........................................................................................................................... 142 8.3.2 Externalidades ....................................................................................................................................... 149 8.4 Regulação no Brasil ...........................................................................................................................154 7 Re vi sã o: R ic ar do D ua rt e - Di ag ra m aç ão : L uc as M an sin i - d at a 27 /0 7/ 20 17 APRESENTAÇÃO Era uma vez um industrial brasileiro que chegou a ser apontado como o oitavo mais rico do mundo. Foi celebrado como um dos maiores empresários do Brasil e tornou-se ídolo de novos milionários e políticos. Orgulhava-se de gerar empregos e competir honestamente. Entretanto, após investigações sobre a sua conduta e declarações sobre a inviabilidade de seus negócios, o império construído por esse industrial ruiu. Foi revelada uma série de fraudes que contribuíram para o seu enriquecimento, como prejuízos impostos a acionistas minoritários, exploração da fragilidade de agências reguladoras, financiamentos sem garantias em bancos públicos e capitalização de recursos a partir de fundos de pensão controlados por estatais. Essa fábula sobre empresários inescrupulosos mostra que a negligência de uma economia de mercado leva a um mau funcionamento das instituições legais, políticas e regulatórias. O efeito dessas más ações empresariais sobre o bem-estar da sociedade é a maior ineficiência da economia e uma maior desigualdade entre ricos e pobres. Em outras palavras, é importante uma compreensão lógica e útil a respeito do modo de operação das firmas e indústrias no mundo em que vivemos, e este é o objetivo primordial da disciplina Organização Industrial / Regulação da Concorrência. A disciplina ganha corpo não apenas pela curiosidade e interesse teóricos que suscita sobre a questão da concorrência na economia, mas primordialmente em função da necessidade prática de obtenção de subsídios analíticos para a formulação e avaliação das políticas públicas de fiscalização, regulação e ordenação dos fenômenos de mercado. O interesse científico sobre o comportamento e o desempenho das firmas e indústrias tornou-se mais efetivo a partir de meados do século XVIII, com os avanços tecnológicos e as repercussões sociais que marcaram a primeira Revolução Industrial. As invenções provenientes dessa época propiciaram e estimularam um forte movimento de urbanização e concentração das atividades econômicas, com o desenvolvimento de métodos de organização dos recursos compatíveis que, em larga medida, ainda deixam traços sobre as firmas e indústrias hoje observadas. As primeiras argumentações sobre a operação dos mercados, que semearam as bases da teoria da organização industrial (OI), foram propostas por Adam Smith em sua obra Uma Investigação sobre a Natureza e as Causas da Riqueza das Nações (1776/1996). Os referenciais encontrados nessa obra permanecem fundamentais na análise teórica sobre a prática dos mercados e o comportamento dos agentes econômicos. Alfred Marshall, tentando evitar argumentos de natureza político-filosófica recorrentes nos trabalhos de Smith, reservou em seus Princípios de Economia (1920/1996) grande espaço à análise da organização industrial. Com sua peculiar objetividade e pragmatismo, Marshall abordou mais detalhadamente as questões da eficiência produtiva, das tecnologias, da localização fabril e dos investimentos produtivos, antecipando importantes aspectos da base temática com a qual posteriormente se ocuparia a moderna teoria da firma, em especial a OI. 8 Re vi sã o: R ic ar do D ua rt e - Di ag ra m aç ão : L uc as M an sin i - d at a 27 /0 7/ 20 17 Deve-se notar, entretanto, que a OI só ganha feições de disciplina relativamente autônoma e delimitada do ponto de vista científico no período posterior à Segunda Guerra Mundial, processo que envolve nomes importantes, como Edward Chamberlin, Ronald Coase, Joe Bain, Edward Mason e John Nash. Mais atualmente, alguns autores procuram estabelecer uma fronteira entre as disciplinas de Microeconomia e OI. Richard Schmalensee (1988), por exemplo, entende que a OI está voltada para aspectos dinâmicos, como aqueles associados ao aparecimento e desenvolvimento histórico de firmas e indústrias. Por outro lado, a teoria dos preços neoclássica, base do estudo da Microeconomia tradicional, tem como foco a análise das estruturas de mercado sob uma perspectiva estática. Feitas essas considerações, é possível definir OI como o estudo da lógica de operação e comportamento das firmas nos mais diferentes mercados, enfatizando-se a busca de implicações sobre o bem-estar da sociedade, bem como a formulação, implementação e avaliação de políticas públicas que possam regulamentar a ação dessas firmas. Este livro-texto não tem como objetivo principal seguir rigorosamente todos os modelos microeconômicosassociados à OI. Ele servirá, porém, para o propósito de traçar os modelos básicos que descrevem os processos de aparecimento e desenvolvimento das firmas, bem como as análises sobre regulação dos mercados. Por conta disso, sempre que possível, indica-se ao aluno complementar os tópicos contidos aqui com a leitura de livros indispensáveis sobre o assunto, como dos autores Carlton e Perloff (2004), Church e Ware (2000), Kupfer e Hasenclever (2013), Shy (1995) e Viscusi, Vernon e Harrington (2005). O aluno poderá encontrar casos de regulação econômica e de ações antitruste específicos para o Brasil em Mattos (2003). Por ser uma obra condensada, o texto corrido é substituído pela apresentação de modelos, gráficos e muitos exemplos de aplicação. Para aqueles alunos com dificuldade na utilização de ferramentas microeconômicas e de teoria dos jogos, é indicada a leitura, respectivamente, de Pindyck e Rubinfeld (2014) e Bierman e Fernandez (1998). Por fim, embora o conhecimento dos modelos econômicos e a realização dos exercícios sejam essenciais para a formação do aluno, também é preciso que você absorva a intuição por trás dos modelos. Ou seja, é necessário ter uma compreensão elementar sobre o funcionamento do desenvolvimento econômico das diversas nações. As ferramentas aqui apresentadas são utilizadas para analisar algumas das questões mais importantes da firma contemporânea, como crescimento industrial, ações antitruste e regulação econômica. Sem recorrer a gráficos e equações, alguns livros de divulgação da ciência econômica ajudam bastante a entender esses problemas de maneira objetiva – por exemplo, Chang (2015), Harford (2007, 2016) e Wheelan (2014). Bons estudos! 9 Re vi sã o: R ic ar do D ua rt e - Di ag ra m aç ão : L uc as M an sin i - d at a 27 /0 7/ 20 17 INTRODUÇÃO A disciplina Organização Industrial / Regulação da Concorrência auxilia o aluno a analisar o posicionamento e as estratégias da firma sob o enfoque da interdependência e da complexidade dos mercados. A disciplina tem como objetivo principal avaliar o desenvolvimento e a aplicação de algumas teorias modernas de oligopólio, incluindo a teoria dos jogos. Este curso enfatiza dois aspectos fundamentais das empresas capitalistas modernas: em primeiro lugar, o fato de que essas empresas mostram uma evolução (quanto à determinação de preços, margens de lucro, crescimento, inovação tecnológica etc.) que reflete as mudanças da estrutura industrial em que elas se inserem; em segundo lugar, o fato de que a própria estrutura pode ser afetada pelo comportamento das grandes empresas, através da formação de cartéis e outras formas de conluio. Serão enfatizadas tanto a análise das organizações industriais e sua interação com instituições encontradas no mundo real quanto a análise da regulação governamental e da prática antitruste. Começaremos por conceitos necessários para o entendimento da disciplina. Introduziremos conceitos básicos da Microeconomia Neoclássica e mostraremos de que forma eles podem ser desdobrados em novas categorias analíticas. Nessa primeira parte do livro, também consideraremos: • A análise do modelo estrutura-conduta-desempenho. • A questão da concentração dos mercados e suas medidas. • O efeito de bem-estar decorrente da concentração de mercados. • A interação estratégica entre empresas pertencentes a um mercado, no sentido de que a decisão de cada empresa tem consequências sobre as demais, ao mesmo tempo que as decisões das demais determina a forma de atuação da indústria. Veremos, a seguir, as políticas e a regulação dos mercados. Trataremos essencialmente das políticas que fundamentam os princípios que devem nortear a intervenção do Estado nos mercados, bem como da institucionalidade específica da economia brasileira. Serão expostos em detalhes nessa etapa: • Questões relativas a barreiras à entrada e aspectos que dizem respeito a formas de prevenção, poder de mercado e conluio. • O impacto de fusões horizontais e integrações verticais. • Tópicos de análise antitruste. • Questões relacionadas às políticas públicas de regulação econômica. 11 Re vi sã o: R ic ar do D ua rt e - Di ag ra m aç ão : L uc as M an sin i - d at a 27 /0 7/ 20 17 ORGANIZAÇÃO INDUSTRIAL / REGULAÇÃO DA CONCORRÊNCIA Unidade I 1 ESTRUTURA DE MERCADO, BEM-ESTAR E INDICADORES DE PODER DE MERCADO Este capítulo introduz o aluno aos conceitos básicos de organização industrial (OI). Esses conceitos serão analisados a partir de novas definições microeconômicas, além daquelas tratadas na visão tradicional neoclássica. Existem ao menos duas grandes abordagens no estudo de OI: • A teoria neoclássica de preços. • O modelo estrutura-conduta-desempenho (ECD). O primeiro modelo analisa os incentivos econômicos, caracterizados pelo preço de mercado dos mais diversos bens e serviços com que indivíduos e firmas se defrontam. Stigler (1968) foi o grande proponente dessa abordagem analítica da OI, que emprega a teoria microeconômica para delinear os estudos empíricos de mercado e os efeitos das políticas públicas utilizadas para combater o poder de mercado excessivo dos agentes econômicos. Atualmente, tal análise é aprofundada pelas ferramentas estudadas na disciplina Microeconomia em Concorrência Imperfeita. Mais recentemente, essa abordagem foi estendida por mais três aplicações teóricas específicas: • A teoria dos custos de transação. • A teoria dos jogos. • A teoria dos mercados contestáveis. Os custos de transação podem ser entendidos como as despesas relativas à negociação entre partes, despesas que estão além dos custos de produção que determinam os preços de negociação do bem, como: • Custos de negociar, elaborar e fazer valer contratos (enforcement). • Custos de mensuração e fiscalização dos direitos de propriedade. • Custos de monitoramento do desempenho e da eficiência de determinada atividade econômica. • Custos de organização das atividades, de modo geral. 12 Re vi sã o: R ic ar do D ua rt e - Di ag ra m aç ão : L uc as M an sin i - d at a 27 /0 7/ 20 17 Unidade I Observação Direitos de propriedade são conjuntos de leis que estabelecem o que os agentes econômicos podem fazer com suas respectivas propriedades. Enforcement de contratos é o custo para executar eficientemente as cláusulas compactuadas entre os agentes econômicos. Os custos de transação, portanto, são aqueles não ligados à produção, mas que aparecem à medida que os agentes se relacionam, quando surgem problemas de coordenação de suas ações. A teoria dos custos de transação tem início com os estudos efetuados, ainda na década de 1930, por Ronald Coase. Ele propôs que as firmas e os mercados podem ser vistos como meios alternativos de organização dos recursos econômicos. O argumento de Coase (1960) parte da ideia de que, quando os custos de transação são altos, as firmas se colocam como alternativas mais interessantes do que a utilização dos mercados na organização dos recursos. Os empresários, dessa forma, comparam os custos de produção dos insumos e serviços produtivos dentro da empresa com os custos da aquisição destes através dos mercados (ou seja, de terceiros). Saiba mais O economista britânico Ronald H. Coase foi agraciado, em 1991, com o Prêmio Nobel de Economia pelos trabalhos sobre a teoria da firma e a análise econômica do Direito. Coase demonstrou, pelo teorema de Coase, que existe a possibilidade de uma solução privada ótima às externalidades, isto é, uma solução sem a intervenção do Estado que maximiza o bem-estar social. Coase afirmou que, para lidar com externalidades, deve-se atentar para os direitos depropriedade, de modo que as ineficiências passem a ser identificadas e que seus custos de transação sejam negociáveis. Confira: COASE, R. H. The problem of social cost. Journal of Law and Economics, Chicago, v. 3, p. 1-44, Oct. 1960. Outro economista proponente da abordagem dos custos de transação, Oliver Williamson (1975), destaca pelo menos três conceitos básicos que fundamentam a análise de Ronald Coase: • A utilização dos mercados ou dos recursos próprios por parte de uma firma é determinada pelo custo correspondente à sua escolha. • Os custos de transação relativos a meio ambiente, direitos de propriedade e execução de contratos complexos variam, por um lado, com as características dos agentes tomadores de decisão envolvidos na transação (fatores humanos) e, por outro, com as particularidades de cada mercado (fatores ambientais). 13 Re vi sã o: R ic ar do D ua rt e - Di ag ra m aç ão : L uc as M an sin i - d at a 27 /0 7/ 20 17 ORGANIZAÇÃO INDUSTRIAL / REGULAÇÃO DA CONCORRÊNCIA • Esses fatores humanos e ambientais afetam os custos de transação entre os mercados e entre as próprias empresas. Portanto, Williamson propõe que os custos de transação sejam uma categoria abrangente, podendo ser classificados em ambientais e humanos. Os custos ambientais estão associados à incerteza contratual e à quantidade de firmas envolvidas nas negociações de mercado. Para operações de mercado simples – de resolução imediata, como uma compra de material de escritório ou a contratação de uma assistência técnica de informática por uma consultoria –, o pagamento e a instalação por parte de terceiros são suficientes para eliminar a maior parte das incertezas envolvidas, sendo também fácil substituir o fornecedor ou o comprador caso esse relacionamento de mercado seja por algum motivo frustrado, uma vez que há uma infinidade de demandantes e ofertantes. Havendo grande incerteza e poucos agentes envolvidos, as dificuldades contratuais aumentam significativamente, dificultando (ou tornando mais custosa) a preparação, redação e controle dos contratos. Em diversas situações, esses fatores ambientais justificam a opção pela prestação direta dos serviços pelo próprio fabricante ou a decisão por fazer em vez de comprar. Os fatores humanos estão ligados à dificuldade que o Homem tem em lidar com situações complexas e fazer previsões. Essa característica é referida na literatura da Psicologia Econômica pela expressão bounded rationality (racionalidade limitada). Um fator tipicamente humano que cria obstáculos ao uso dos mercados decorre, por exemplo, da possibilidade de comportamentos oportunistas por uma ou por várias das partes contratantes na vigência dos contratos. As incertezas e os problemas estratégicos entre os agentes econômicos, para além dos problemas de custos de transação, são úteis à racionalização de diversos outros fenômenos na OI. A teoria dos jogos é a área da Economia que cuida da avaliação dessas interações estratégicas. Sua utilização nas Ciências Econômicas foi amadurecida a partir do argumento descrito pelos autores John von Neumann e Oskar Morgenstern (1944) sobre a teoria da utilidade esperada em interações estratégicas. Assim, os jogos cooperativos, por exemplo, podem ser usados para explicar a existência de conluios e cartéis. Os jogos não cooperativos, por sua vez, têm inúmeras configurações e aparecem como ferramenta auxiliar para a compreensão das práticas de mercado (lícitas e/ou ilícitas). Os agentes econômicos têm mostrado, ao longo do tempo, uma grande diversidade de estratégias na condução de suas negociações. Frequentemente suas táticas incorporam ações e reações esperadas tanto de seus concorrentes quanto do próprio governo. Ainda que esses jogos possam assumir alta complexidade e sofisticação, a teoria dos jogos tem se revelado um instrumento útil para a compreensão científica da conduta dos agentes, fazendo atualmente parte inseparável da moderna OI. Por fim, a teoria dos mercados contestáveis procura explicar a importância das barreiras para o processo de competitividade das firmas. Como será observado ao longo deste livro, o estudo das barreiras à entrada e saída nos mercados contribuirá muito para a compreensão dos processos competitivos. Demsetz (1968) e Baumol, Panzar e Willig (1982) enfatizam que segmentos industriais, ainda que compostos de poucas firmas (ou até mesmo uma), podem ser competitivos caso exista a ameaça de entrada de novas firmas. 14 Re vi sã o: R ic ar do D ua rt e - Di ag ra m aç ão : L uc as M an sin i - d at a 27 /0 7/ 20 17 Unidade I Com efeito, quando as barreiras à entrada em determinado mercado – podendo ser incluídos, também, os custos esperados de uma provável reversão dos investimentos realizados – são baixas, diz- se que esse mercado é altamente contestável. Caso contrário, se as barreiras à entrada são altas, o mercado é chamado de reduzidamente contestável. Diversos trabalhos mostram que a alta contestabilidade disciplina a conduta das firmas que efetivamente participam do mercado, uma vez que a tentativa de elevar preços ou reduzir as quantidades ofertadas pode ser rapidamente suprimida pela entrada de novos concorrentes ou potenciais entrantes. Essa questão – que é um elemento básico no estudo da OI – será retomada ao longo do livro. Como pode ser verificado nos três tipos de análise estudados, pertencentes à abordagem da teoria de preços de mercado, o instrumental da OI vem sendo construído aos poucos, de modo que já se dispõe, atualmente, de um conjunto de ferramentas bastante vigoroso para a organização e o desenvolvimento das ideias sobre o funcionamento das firmas e dos segmentos industriais. Em virtude de sua importância para o estudo da OI, a análise do modelo ECD será reservada para a próxima seção. 1.1 Modelo estrutura-conduta-desempenho (ECD) Um panorama dos temas tratados pela OI aparece esquematizado no modelo ECD, idealizado por Edward S. Mason na década de 1930 e posteriormente aperfeiçoado por diversos seguidores. O modelo ECD explora diferenças fundamentais entre a Microeconomia tradicional e a OI, além de revelar um modo geral de organização do estudo da disciplina. Esse modelo propõe: • Uma contextualização histórica da firma, bem como de sua relação com os segmentos industriais. • Um maior detalhamento e fundamentação em testes empíricos para a formulação e avaliação dos argumentos econômicos sobre o desempenho da empresa. Mason (1939) deixa claros esses pontos ao propor a utilização de uma classificação das estruturas de mercado como passo necessário à compreensão das práticas empresariais e posterior avaliação do desempenho da indústria. Observação A estrutura de mercado representa as características aparentes do setor ao qual pertence a firma, como: concorrência perfeita, concorrência monopolística (produtos diferenciados), monopólio, mercado com firmas dominantes, oligopólio não cooperativo ou concorrencial e oligopólio cooperativo ou cartel. 15 Re vi sã o: R ic ar do D ua rt e - Di ag ra m aç ão : L uc as M an sin i - d at a 27 /0 7/ 20 17 ORGANIZAÇÃO INDUSTRIAL / REGULAÇÃO DA CONCORRÊNCIA A abordagem ECD assume uma relação estável entre as variáveis estruturais da indústria (concentração de mercado e barreiras à entrada) e o desempenho do mercado (em geral, medido pelo grau de poder de mercado). A ideia central do modelo, portanto, é classificar as diferentes estruturas de mercado, tentando associá-las a tipos de conduta empresarial observados e, por fim, ao desempenho econômico das firmas envolvidas. Versões mais modernas dessa abordagem incluem, ainda, as condições básicas de ofertae demanda no mercado e o papel das políticas públicas nos mercados analisados. Essa esquematização pode ser observada na figura a seguir: Demanda Elasticidade Substitutos Sazonalidade Taxa de crescimento do PIB Localização Quantidade de pedidos Método de aquisição Quantidade de compradores e vendedores Barreiras à entrada de novas firmas Diferenciação do produto Integração vertical Diversificação Propaganda Pesquisa e desenvolvimento Precificação Investimento em capital fixo Táticas legais Escolha do nível de produção Conluio Fusões e aquisições Regulação Políticas antitruste Barreiras à entrada (políticas e fitossanitárias) Impostos e subsídios Políticas creditícias e parafiscais Incentivos ao investimento Incentivos ao emprego Políticas macroeconômicas Preço Eficiência produtiva Eficiência alocativa Quantidade produzida Nível de progresso técnico Lucratividade Oferta / Produção Tecnologia Matérias-primas Organização administrativa Durabilidade do produto Localização Economias de escala Economias de escopo Condições básicas Estrutura Conduta Políticas públicas Desempenho Figura 1 – Modelo estrutura-conduta-desempenho O modelo ECD apresenta inicialmente as condições básicas necessárias para a definição da estrutura de mercado. Faz parte dessa análise, por exemplo, a avaliação das condições de produção ou oferta, como: o controle das tecnologias de produção, a identificação das potenciais economias de 16 Re vi sã o: R ic ar do D ua rt e - Di ag ra m aç ão : L uc as M an sin i - d at a 27 /0 7/ 20 17 Unidade I escala e escopo, a localização das plantas, a durabilidade do produto, o acesso a matérias-primas e o poder de organização dos trabalhadores. Além disso, o arcabouço legal e institucional existente no país também é útil para a contextualização dos aspectos básicos que condicionam os ofertantes de determinados mercados. Pela ótica da demanda do consumidor, surgem como potenciais definidores de estruturas de mercado observadas na indústria: a especificação dos produtos e substitutos próximos disponíveis, a partir do conhecimento prévio das elasticidades próprias e cruzadas da demanda; a presença de sazonalidade ou ciclos nas compras; a distribuição espacial ou geográfica dos consumidores; a taxa de crescimento na demanda; a frequência das compras; e os canais de distribuição típicos. A estrutura de mercado normalmente é caracterizada pelo número de ofertantes e demandantes. A figura que se segue descreve as diversas estruturas de mercado a partir da quantidade de ofertantes num mercado: COMPETIÇÃO PERFEITA OLIGOPÓLIO DUOPÓLIO MONOPÓLIO ESTÁTICO NÃO COOPERATIVO COURNOT BERTRAND MOVIMENTOS SIMULTÂNEOS MOVIMENTOS SEQUENCIAIS COOPERATIVO JOGOS REPETIDOS ND NDD D DINÂMICO COMPETIÇÃO IMPERFEITA (comportamento: tomador de preços) Decisão: quantidade produzida (cada firma obtém a demanda residual) (o mesmo do duopólio) (modelos líder-seguidor) Decisão: quantidade ou preço Nota D = discriminação de preços; ND = não discriminação de preços Decisão: quantidade ou preço Decisão: quantidade Decisão: preço CARTEL: CONLUIO (conluio no preço ou na quantidade) Estruturas de mercado (cada firma obtém a demanda residual) (obtém a demanda de mercado) Figura 2 – Estruturas de mercado: classificação quanto ao número de ofertantes 17 Re vi sã o: R ic ar do D ua rt e - Di ag ra m aç ão : L uc as M an sin i - d at a 27 /0 7/ 20 17 ORGANIZAÇÃO INDUSTRIAL / REGULAÇÃO DA CONCORRÊNCIA Observa-se, nesse esquema, que uma estrutura de mercado competitiva apresenta muitos vendedores, mas o bem ofertado deve ser perfeitamente homogêneo (portanto, sem substitutos próximos). Nesse caso, os agentes econômicos são tomadores de preços, e o máximo bem-estar pode ser atingido com as transações econômicas entre esses agentes. Se houver alguma diferenciação no produto vendido, mesmo em mercados com muitos ofertantes, a estrutura de mercado passará a ser chamada de concorrência monopolística. Quando o mercado é composto apenas de alguns vendedores (dois ou mais, mas não muitos), a estrutura de mercado é denominada de oligopólio. Nessa estrutura, os participantes podem concorrer entre si via definição de quantidades produzidas e/ou preços. No monopólio, por sua vez, existe apenas um único vendedor de um produto único para inúmeros compradores, de modo que ele é capaz de obter a totalidade da demanda de mercado. Em cada uma dessas estruturas, o bem-estar da sociedade é reduzido em função da ineficiência produzida pela imperfeição dos mercados. A definição de uma estrutura de mercado também depende da presença (ou ausência) de barreiras à entrada e/ou saída. Essas barreiras são representadas por qualquer ação que impede um empresário de criar (ou fechar) uma firma instantaneamente. Existem as mais variadas formas de criação de barreiras, podendo ser tanto governamentais quanto privadas. As barreiras estruturais mais comuns são as seguintes: • Vantagem absoluta de custos: normalmente associada à existência de licenças, patentes, investimentos em pesquisa e desenvolvimento (P&D) e autorizações especiais de exploração de algum recurso natural. • Estruturas de custos com significativas economias de escala: economias de produção em larga escala requerem maiores gastos com capital. • Diferenciação de produtos: relacionada aos bens e serviços que têm variações em suas características para que os consumidores não os vejam como substitutos. • Patentes e concessões: são proteções legais para o uso exclusivo do produto pela empresa que o desenvolveu, permitindo a recuperação dos investimentos assumidos e fomentando a inovação. • Poder de influência nos mercados: a imposição da marca ou conquista de consumidores (fidelização) a partir de anúncios, publicidade e merchandising, em geral, pode tornar uma entrada no mercado mais dispendiosa. • Restrições do comércio internacional: é o caso de tarifas e quotas estabelecidas para proteger os ofertantes situados no mercado doméstico. Afora o número de ofertantes e a existência de barreiras, a estrutura de mercado também pode ser influenciada pelo tipo de produto ofertado (padronizado, único ou diferenciado), pelo poder que a firma tem de afetar os preços e por outras estratégias de competição que não a determinação de preços (non- price competitions). O quadro a seguir resume as características das principais estruturas de mercado: 18 Re vi sã o: R ic ar do D ua rt e - Di ag ra m aç ão : L uc as M an sin i - d at a 27 /0 7/ 20 17 Unidade I Quadro 1 – Características das estruturas básicas de mercado Estrutura de mercado Quantidade de ofertantes Tipo de produto Barreiras à entrada Poder de afetar preços Outras estratégias de competição Concorrência perfeita Muitos Padronizado Nenhuma Nenhum Nenhuma Concorrência monopolística Muitos Diferenciado Baixa Baixo Publicidade e diferenciação Oligopólio Poucos Padronizado ou diferenciado Alta Médio Publicidade intensiva, diferenciação e inovação tecnológica Monopólio Um Produto único Muito alta Alto Publicidade Adaptado de: Carlton e Perloff (2004, p. 7). Determinadas, ainda que parcialmente, pelas condições básicas de estrutura de mercado, as condutas ou práticas mercadológicas fazem parte da essência do modelo ECD. A conduta de mercado refere-se aos padrões de comportamento que as firmas seguem para se ajustar ao mercado no qual operam. Especificamente, a conduta das firmas pode levar a um distanciamento (ou a umaaproximação) das condições de concorrência perfeita. Tais condutas podem ser relacionadas a: • Técnicas de determinação de preços (discriminação de preços em primeiro, segundo e terceiro graus). • Estratégias de escolha de produtos e propaganda. • Investimentos com pesquisa e desenvolvimento. • Acordos entre concorrentes (acordos horizontais, fusões e aquisições) e entre agentes que operam em diferentes elos da cadeia produtiva (integração e restrições verticais). • Práticas propositalmente formuladas para fragilizar ou disciplinar concorrentes (preços predatórios, conluios e cartéis). O desempenho de mercado refere-se aos resultados finais atingidos pelas firmas em função da estrutura e da conduta do mercado no qual se encontram. Esse desempenho não pode ser aferido de forma unidimensional. São atributos tradicionalmente usados para sua avaliação: • A eficiência na produção e na alocação de recursos – por exemplo, a ausência de desperdício e a adequação em quantidade e qualidade às demandas de mercado. • Os padrões de preço e lucro observados. • Os efeitos do investimento em pesquisa e desenvolvimento no progresso tecnológico. • A justiça na distribuição dos resultados gerados no mercado específico. 19 Re vi sã o: R ic ar do D ua rt e - Di ag ra m aç ão : L uc as M an sin i - d at a 27 /0 7/ 20 17 ORGANIZAÇÃO INDUSTRIAL / REGULAÇÃO DA CONCORRÊNCIA Por fim, o esquema ECD é complementado pelas políticas governamentais, que impactam, direta ou indiretamente, no livre funcionamento do mercado. Entre as inúmeras possibilidades de intervenção governamental, podem-se destacar as políticas macroeconômicas, de incentivo ao investimento (incluindo políticas creditícias), à educação ou ao emprego, bem como os impostos e subsídios e as barreiras ao comércio internacional. Tais ações, muitas vezes, compõem um pacote amplo conhecido como políticas industriais e visam, de modo geral, à obtenção de ganhos de desempenho industrial considerado desejável socialmente. Merecem especial atenção, principalmente por afetar a OI diretamente, as políticas públicas de defesa da concorrência e de regulação. Os governos providenciam a defesa da concorrência a partir de políticas antitruste, com os seguintes objetivos: • Reforço dos mecanismos de mercado. • Foco mais restrito em eficiência alocativa. • Ações mais tópicas para restabelecer os mecanismos de mercado. Lembrete Legislação antitruste é o conjunto de leis utilizadas pelos países e aplicadas pelos órgãos de defesa da concorrência para restringir a ação de monopólios ou de práticas contrárias à competição dos mercados. A criação de marcos regulatórios pelas agências governamentais, por sua vez, tem como objetivo limitar e regulamentar a substituição dos mecanismos de mercado em virtude da presença de monopólios naturais. Nesse caso, os governos atuam traçando metas mais amplas, como universalização dos serviços, integração regional, proteção ambiental e promoção de ações contínuas de fiscalização e controle. Lembrete Marco regulatório é o conjunto de leis utilizadas pelos países e aplicadas pelas agências reguladoras para disciplinar mercados em monopólio natural. Em suma, o modelo ECD integra a análise das seguintes questões: • Quanto uma estrutura de mercado se distancia da concorrência perfeita? • Qual a natureza da conduta dos agentes quando estes não são tomadores de preço? • Como o desempenho desses mercados se afasta da eficiência dos mercados competitivos? 20 Re vi sã o: R ic ar do D ua rt e - Di ag ra m aç ão : L uc as M an sin i - d at a 27 /0 7/ 20 17 Unidade I 1.2 Definição de mercados São objeto de análise da OI a firma e a indústria. A firma ou empresa é representada por uma unidade voltada para a produção de bens ou serviços com um duplo objetivo: satisfazer as necessidades ou o bem-estar dos demandantes nos mercados e atender o próprio bem-estar da firma e de seus proprietários ou acionistas, via maximização de lucros. Indústria é o conjunto de firmas envolvidas na produção de um mesmo bem ou serviço. Os mercados são ambientes em que atuam as firmas e as indústrias, quer como demandantes, quer como ofertantes. Nas aplicações práticas, é necessário delimitar rigorosamente esses mercados em relação: • Ao leque de produtos ou serviços envolvidos. • Aos seus limites geográficos. • Aos fatores demográficos (sexo, faixa etária etc.). • Ao nível de rendimento. Exemplo de aplicação Extensão de um mercado Quando o produto é bem conhecido, ou seja, quando se conhece perfeitamente sua utilização, suas correlações e sua vida útil, é possível determinar sem grande dificuldade quais são os consumidores potenciais do produto. Assim, para determinarmos um mercado, devemos definir quais compradores e quais vendedores devem ser incluídos nele. A seguir, mostramos alguns exemplos de extensão de mercado para certos segmentos industriais: 1) Em relação ao leque de produtos: • Gasolina: comum, aditivada, alta octanagem, para aviação. • Transportes: veículos terrestres (de passeio, de carga, de transporte coletivo, agrícolas, ferroviários etc.); aeronaves (aeroplanos, aviões, helicópteros etc.); veículos marítimos (navios, balsas, lanchas, iates etc.). • Confecções: linha lar (cama, mesa e banho); vestuário (roupas e acessórios); linha técnica (sacarias, encerados, fraldas, correias, automotivos etc.). 2) Em relação aos limites geográficos: • Gasolina comum: local. • Aeronaves: nacional e/ou internacional. 21 Re vi sã o: R ic ar do D ua rt e - Di ag ra m aç ão : L uc as M an sin i - d at a 27 /0 7/ 20 17 ORGANIZAÇÃO INDUSTRIAL / REGULAÇÃO DA CONCORRÊNCIA • Vestuário: local, regional, nacional e internacional, podendo ainda ser delimitado pela forma de comercialização (física, eletrônica ou por catálogo). 3) Em relação aos fatores demográficos: • Gasolina comum: qualquer gênero; faixa etária: maiores de 18 anos. • Veículos de passeio sedãs: qualquer gênero; faixa etária: adultos de meia idade (40 anos ou mais). • Vestuário: moda feminina e/ou masculina; faixa etária: linhas infantil, juvenil e adulta. 4) Em relação ao nível de rendimento: • Gasolina aditivada versus gasolina comum. • Veículos de passeio de luxo (Mercedes-Benz, BMW etc.) versus veículos de passeio populares (automóveis com motorização 1.0). • Acessórios de luxo de vestuário feminino (bolsa Louis Vuitton, bota Burberry etc.) versus acessórios populares de vestuário feminino (bolsa Corello, calçados Arezzo etc.). Os mercados, de modo geral, podem ser entendidos como o ambiente em que ocorrem interações entre agentes econômicos ofertantes e demandantes, que buscam realizar, de forma voluntária, trocas mutuamente benéficas. Na perspectiva da OI, um mercado é composto de empresas que produzem um mesmo produto (bem ou serviço) ou um conjunto de bens ou serviços relacionados entre si. Logo, o conjunto de produtos pertencentes a determinado mercado inclui apenas os produtos cujos preços afetam a demanda ou a oferta de outros produtos nesse mercado. Uma das maneiras de delimitar um mercado é considerar as elasticidades-preço cruzadas. Observação A elasticidade-preço cruzada da demanda εij é a variação percentual na quantidade demandada Q do produto i devido a uma variação percentual no preço P do produto j: ij i j Q P % % 22 Re vi sã o: R ic ar do D ua rt e - Di ag ra m aç ão : L uc as M an sin i - d at a 27 /0 7/ 20 17 Unidade I A elasticidade de substituição pode ser um número positivo ou negativo,de modo que: se εij > 0, o bem é substituto; se εij < 0, o bem é complementar; e se ij aprox . 0 , o bem é neutro. Dessa forma, se as elasticidades-preço cruzadas entre determinado bem e outros produzidos pelas demais empresas forem próximas de zero (em valor absoluto), as mudanças no preço cobrado terão muito pouco efeito sobre a demanda pelos produtos fornecidos por outras empresas. Observação Os produtos que estão no mesmo mercado têm alta elasticidade-preço cruzada da demanda e da oferta e baixa elasticidade-preço cruzada em relação aos produtos que não compõem o mercado. Essa regra teórica é baseada no conceito relativo à elasticidade-preço da demanda. Mas nem sempre é fácil aplicar tal regra. Em muitas situações, por facilidade de acesso a informações por segmento industrial, consideram-se como do mesmo mercado empresas que apresentam características similares, definidas a priori. No Brasil, essas características são determinadas pela Classificação Nacional de Atividade Econômica (CNAE). A CNAE é a classificação oficialmente adotada pelo Sistema Estatístico Nacional e pelos órgãos da administração pública que são gestores de registros administrativos, como o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) e a Secretaria da Receita Federal (SRF). As estatísticas do IBGE relativas a atividades econômicas estão todas referenciadas à CNAE, que se encontra na versão 2.0. A estrutura da CNAE 2.0 é composta de cinco níveis: • 1º nível – Grande setor: 21 seções. • 2º nível – Setor: 87 divisões. • 3° nível – Subsetor: 285 grupos. • 4º nível – Segmento: 673 classes. • 5º nível – Indústria: 1.301 subclasses. Abaixo do quarto ou do quinto nível, conforme o caso, encontram-se as unidades de produção ou firmas. De acordo com a CNAE: A atividade econômica das unidades de produção deve ser entendida como um processo, isto é, uma combinação de ações que resulta em certos tipos de produto ou, ainda, uma combinação de recursos que gera bens e serviços específicos. Logo, uma atividade é caracterizada pela entrada de recursos, um processo de produção e uma saída de produtos (bens e serviços) (IBGE, 2007, p. 20). 23 Re vi sã o: R ic ar do D ua rt e - Di ag ra m aç ão : L uc as M an sin i - d at a 27 /0 7/ 20 17 ORGANIZAÇÃO INDUSTRIAL / REGULAÇÃO DA CONCORRÊNCIA Portanto, uma unidade de produção é enquadrada numa classe ou subclasse da CNAE quando sua atividade econômica atende à definição dessa classe ou subclasse, conforme se dá seu processo produtivo. Exemplo de aplicação Extensão de um mercado pela CNAE O critério básico de classificação das unidades de produção em categorias da CNAE consiste em classificar cada firma de acordo com sua atividade principal. A natureza hierárquica da CNAE permite a identificação instantânea das categorias em que a unidade está classificada nos demais níveis da classificação: subclasse, classe, grupo, divisão e seção. O nível mais alto de agregação da CNAE 2.0, também chamado de seção, está organizado em 21 categorias, discriminadas no quadro a seguir: Quadro 2 – Seções da CNAE Seção Denominação A Agricultura, pecuária, produção florestal, pesca e aquicultura B Indústrias extrativas C Indústrias de transformação D Eletricidade e gás E Água, esgoto, atividades de gestão de resíduos e descontaminação F Construção G Comércio; reparação de veículos automotores e motocicletas H Transporte, armazenagem e correio I Alojamento e alimentação J Informação e comunicação K Atividades financeiras, de seguros e serviços relacionados L Atividades imobiliárias M Atividades profissionais, científicas e técnicas N Atividades administrativas e serviços complementares O Administração pública, defesa e seguridade social P Educação Q Saúde humana e serviços sociais R Artes, cultura, esporte e recreação S Outras atividades de serviços T Serviços domésticos U Organismos internacionais e outras instituições extraterritoriais Fonte: IBGE (2017). 24 Re vi sã o: R ic ar do D ua rt e - Di ag ra m aç ão : L uc as M an sin i - d at a 27 /0 7/ 20 17 Unidade I Assim, por exemplo, uma fazenda de cultivo de arroz num município do estado do Rio Grande do Sul, a qual representa a menor unidade estatística, ou seja, a firma, faz parte da seguinte classificação: • Seção A: Agricultura, pecuária, produção florestal, pesca e aquicultura. • Divisão 01: Agricultura, pecuária e serviços relacionados. • Grupo 01.1: Produção de lavouras temporárias. • Classe 01.11-3: Cultivo de cereais. • Subclasse 0111-3/01: Cultivo de arroz. Outras estruturas de mercado, de acordo com a CNAE 2.0, podem ser verificadas em IBGE (2017). 1.3 Poder de mercado 1.3.1 Poder de mercado e bem-estar Um mercado é perfeitamente concorrencial quando ele é composto de muitos agentes econômicos comprando e vendendo determinado bem homogêneo, de modo que nenhum desses agentes individualmente consegue gerar um impacto significativo no preço de mercado do bem ou serviço. São seis as hipóteses básicas do modelo de concorrência perfeita: • Grande número de vendedores e compradores. • Produto homogêneo. • Ausência de barreiras à entrada e à saída. • Informações completas dos agentes. • Ausência de custos de transação. • Maximização de lucros e de bem-estar. Os produtos oferecidos por todas as empresas desse mercado são substitutos perfeitos, ou seja, não existe diferenciação dos produtos vendidos dentro do mercado relevante (o espaço composto de um grupo de empresas que produzem e comercializam o mesmo bem que seus concorrentes). 25 Re vi sã o: R ic ar do D ua rt e - Di ag ra m aç ão : L uc as M an sin i - d at a 27 /0 7/ 20 17 ORGANIZAÇÃO INDUSTRIAL / REGULAÇÃO DA CONCORRÊNCIA Observação Os agentes são tomadores de preço quando, num mercado com grande número de compradores e vendedores transacionando um bem homogêneo, cada empresa vende uma parte suficientemente pequena do total da produção desse mercado e cada consumidor adquire uma quantidade mínima dessa produção, sem que haja estoques nem escassez do produto. Nesse caso, os agentes econômicos não apresentam influência no preço de equilíbrio desse mercado, ou seja, aceitam o preço vigente. Eficiência e máximo bem-estar são propriedades desejáveis do equilíbrio de competição perfeita. A partir do primeiro teorema do bem-estar, é possível demonstrar que o mercado competitivo traz ganhos tanto para os consumidores quanto para os produtores de determinado bem ou serviço. Observação O primeiro teorema do bem-estar diz que todo equilíbrio competitivo gera alocações de recursos eficientes, independentemente da dotação inicial desses recursos. Isto é, se os agentes tomarem suas decisões livremente, em condições de competição perfeita, o resultado será eficiente e, portanto, maximizará o bem-estar da sociedade. No equilíbrio competitivo, o preço que prevalece é o de mercado (p*). O ganho da sociedade, nessas condições, é traduzido pela soma do excedente de consumidores (obtido a partir da maximização do bem-estar) com o de produtores (alcançado a partir da maximização dos lucros). Essa medida é máxima quando as quantidades produzidas e demandadas da sociedade (Q*) se estabelecem no nível eficiente, ou seja, no ponto de equilíbrio competitivo (ponto E da figura a seguir). Excedente do consumidor (EC) Excedente do produtor (EP) S D E 0 Q P Pmáx Pmín Ps = Pd = p* Q* = Qs = Qd Figura 3 – Equilíbrio de mercado e máximo bem-estar 26 Re vi sã o: R ic ar do D ua rt e - Di ag ra m ação : L uc as M an sin i - d at a 27 /0 7/ 20 17 Unidade I Se o mercado não for perfeitamente competitivo, isto é, se um dos agentes tiver excessivo poder de mercado (por exemplo, um monopolista), a alocação dos recursos não será eficiente. Esse fato aponta para a presença de desperdícios na atividade econômica, que implicam custos para a sociedade pelo fato de o mercado não funcionar perfeitamente. Note, no gráfico a seguir, que a produção Q1, fixada abaixo do nível ótimo, acarreta perdas de bem-estar para consumidores (área A) e ganhos para produtores (área C). Além disso, sobre a sociedade incide um custo extra (área B+D) devido à ineficiência decorrente de uma produção inferior ao socialmente ideal. A diferença de preços entre PS e P* é considerada a ineficiência do monopólio. Esse custo extra é conhecido como peso morto. Peso morto EC EP S D E 0 QQ*Q1 C D B A P Pmáx Pmín Ps Pd Ps = Pd = p* Figura 4 – Perda de bem-estar devido à ineficiência de mercado Lembrete Peso morto é o ônus infligido à sociedade em função da ineficiência de mercado, que faz o nível de produção ser menor do que o socialmente ótimo e os consumidores pagarem um preço maior do que o preço competitivo. 27 Re vi sã o: R ic ar do D ua rt e - Di ag ra m aç ão : L uc as M an sin i - d at a 27 /0 7/ 20 17 ORGANIZAÇÃO INDUSTRIAL / REGULAÇÃO DA CONCORRÊNCIA Exemplo de aplicação Monopólio versus competição perfeita Para reforçar os pontos sobre poder de mercado, podemos usar funções específicas de demanda e de custos. Em particular, vamos assumir: Demanda (D): P = 100 - Q Custo marginal (CMg) e custo médio (CMe) constantes: CMg = CMe = 20 Em primeiro lugar, devemos obter a receita marginal do monopolista a partir da derivação da função de receita total: RT P Q Q Q Q Q RMg RT Q Q 100 100 100 2 2 Um empresário racional maximiza seu lucro igualando a receita marginal ao custo marginal. Logo, as quantidades produzidas pelo monopolista (QM) e o preço por ele praticado (PM) serão: RMg CMg Q 100 2 20 Q e PM M40 100 2 20 60$ O equilíbrio competitivo (QCPe PCP) é obtido a partir do equilíbrio entre as curvas de demanda (D) e oferta (S), sendo que esta última é dada pela curva de custo marginal constante: D CMg Q 100 20 Q e PCP CP80 100 80 20$ Assim, o preço de equilíbrio competitivo é exatamente igual ao custo marginal. O gráfico que se segue mostra os resultados encontrados para as duas estruturas de mercado: 28 Re vi sã o: R ic ar do D ua rt e - Di ag ra m aç ão : L uc as M an sin i - d at a 27 /0 7/ 20 17 Unidade I QM = 40 PM = 60 CMg = CMe = S 100 P A 1 B 0 2 DRMg D C PCP = 20 QCP = 80 Q0 Figura 5 Os excedentes do consumidor (EC) e do produtor (EP) bem como o benefício líquido total (BLT), para cada estrutura de mercado, podem ser verificados a seguir: Monopólio: EC rea A EP rea B BL Á Á $ $ . 100 60 40 2 800 60 20 40 1 600 TT EC EP 800 1 600 2 400. $ . Concorrência perfeita: EC rea A B D EP BLT EC EP Á $ . $ . 100 20 80 2 3 200 0 3 200 0 $$ .3 200 A área D representa a perda de eficiência devido à atuação do monopólio. Essa perda de eficiência equivale a: Peso morto = Área D = 60 20 80 40 2 800 $ 29 Re vi sã o: R ic ar do D ua rt e - Di ag ra m aç ão : L uc as M an sin i - d at a 27 /0 7/ 20 17 ORGANIZAÇÃO INDUSTRIAL / REGULAÇÃO DA CONCORRÊNCIA Uma política pró-mercado por parte do governo levaria a um aumento no benefício total de $ 2.400 para $ 3.200. Observe, no entanto, que o excedente do produtor cai de $ 1.600 para zero. O monopolista, dessa forma, é prejudicado. Os consumidores, por sua vez, ganham o suficiente para compensar a perda dos proprietários de monopólios e ainda ficar em melhor situação em termos de bem-estar. Isto é, os consumidores ganhariam $ 3.200 - $ 800 = $ 2.400. Em princípio, os consumidores poderiam compensar os proprietários de monopólios com, por exemplo, $ 1.600 e ainda ter um ganho líquido de: $ 2.400 - $ 1.600 = $ 800. Essa compensação, porém, não precisa ser realizada. A não compensação pode ser justificada caso o governo esteja preocupado com o nível de renda dos proprietários de monopólio (ou com aquilo que eles podem ofertar em termos de bens e serviços). Por outro lado, o governo pode lidar com essa preocupação diretamente por meio da política tributária. 1.3.2 Lucro econômico e taxa de retorno sobre o investimento Lucro econômico (π) é a diferença entre as receitas totais (RT) e o custo total de produção (CT): π = RT - CT Entende-se por custo total de produção o custo de oportunidade de todos os insumos. O custo total pode ser subdividido entre custos diversos com outros insumos (CD) e custo de capital (CK): CT = CD + CK Portanto, o lucro econômico pode ser definido como: π = RT - CD - CK Observação O custo de capital consiste na soma da depreciação econômica (δ) com a taxa de retorno do melhor investimento disponível (r). Assim, a soma desses dois custos, expressos em termos de percentagem, é igual à taxa de retorno do capital obtido de terceiros (i): i = r + δ No longo prazo, os lucros econômicos são um indicador de poder de mercado. Em mercados competitivos, os lucros econômicos tendem a zero no longo prazo devido à ausência de barreiras à entrada. Lucros de monopólios, por sua vez, só podem persistir no longo prazo se existirem barreiras à entrada que propiciem poder de mercado à empresa. 30 Re vi sã o: R ic ar do D ua rt e - Di ag ra m aç ão : L uc as M an sin i - d at a 27 /0 7/ 20 17 Unidade I No entanto, os lucros são um indicador imperfeito de poder de mercado, uma vez que uma empresa pode ter poder de mercado, mas não auferir lucros econômicos significativos ou, até mesmo, enfrentar prejuízos. Além disso, no curto prazo, as firmas tomadoras de preço podem alcançar lucros econômicos. A taxa de retorno sobre o investimento (r) é definida como a relação entre ganhos (ou rendimentos) líquidos e o investimento efetuado pela empresa. Matematicamente: r RT CD D K Em que RT e CD são, respectivamente, a receita total e o custo dos demais insumos, D é a depreciação econômica e K é o investimento total da empresa em ativos. Se o lucro econômico for positivo, a taxa de retorno da empresa será maior do que a taxa de retorno do mercado competitivo. Lucros econômicos e taxas de retorno altas indicam rentabilidade em excesso sobre o custo de oportunidade. Observação Custo de oportunidade não representa o custo absoluto da firma. Ele deve ser considerado como uma segunda melhor oportunidade de benefícios não aproveitados. Logo, quando a decisão de investir em um projeto A exclui a escolha de um melhor projeto B, podem ser considerados os benefícios não aproveitados decorrentes de B como um custo de oportunidade. Como a quantidade de investimento de capital varia de acordo com o conjunto de indústrias da economia, as taxas de retorno são muitas vezes a medida preferida de rentabilidade. Uma indústria pode ter grandes lucros econômicos por ser capital-intensiva, mesmo que sua taxa de retorno seja apenas marginalmente superior à alternativa de mercado competitivo. As taxasde retorno usadas para medir a lucratividade incluem a taxa de retorno sobre os ativos e a taxa de retorno sobre o patrimônio líquido (investimento). Exemplo de aplicação Retorno do investimento em serviços de transporte por aplicativo Um estudante de economia comprou um automóvel para utilizá-lo no transporte de pessoas via aplicativo de celular. O veículo custou $ 10.000 no início do ano. Seu valor de revenda no final do ano foi de $ 7.000, e o melhor investimento alternativo (por exemplo, uma aplicação financeira) representava um ganho de 10% ao ano. A taxa de retorno do capital de terceiros é de 40%, igual à soma da melhor taxa alternativa de retorno com a taxa de depreciação econômica (30%), ou seja: i r 0 10 0 30 0 40 40, , , %ou 31 Re vi sã o: R ic ar do D ua rt e - Di ag ra m aç ão : L uc as M an sin i - d at a 27 /0 7/ 20 17 ORGANIZAÇÃO INDUSTRIAL / REGULAÇÃO DA CONCORRÊNCIA O investimento inicial (K) foi de $ 10.000. Logo, o custo total do capital investido é igual à taxa de retorno do capital de terceiros multiplicada pelo investimento: CK = i x K CK = 0,40 x 10.000 = $ 4.000 No entanto, os investidores devem se preocupar com o retorno após a depreciação. Se a taxa de retorno realizada após o investimento fosse usada apenas para determinar a taxa de custo de capital (i), o lucro econômico da empresa seria igual a zero. Dessa forma, a taxa de retorno realizada após o investimento é aquela além da taxa de recuperação do capital. A taxa de retorno obtida pelo estudante de economia depende de suas receitas e outros custos. Suponha que as receitas do estudante com os serviços de transporte por aplicativo fossem $ 20.000, os custos de combustível $ 3.000, o seguro $ 2.000, e o custo de oportunidade relativo ao tempo destinado ao serviço prestado $10.000. Os lucros econômicos do estudante são receitas menos custos de oportunidade: RT CD CK 20 000 3 000 2 000 10 000 4 000 1 000. . . . . $ . Sabendo-se que a depreciação do investimento do estudante é igual a: D K D 0 30 10 000 3 000, . $ . A taxa de retorno realizada após o investimento é definida como: r RT CD D K r R ou 20 000 3 000 2 000 10 000 3 000 10 000 0 2 . . . . . . , 220% Portanto, quando uma empresa aufere lucro econômico, ela também obtém uma taxa de retorno maior do que a taxa competitiva de retorno (ou sua melhor alternativa) usada para definir o custo de capital de terceiros. Os lucros econômicos (π) igualam o investimento (K) da empresa ponderado pela diferença entre a taxa de retorno realizada (r) e o próximo melhor retorno alternativo utilizado para determinar a taxa de retorno do capital de terceiros (i). Para o nosso motorista: r i K 0 20 0 10 10 000 1 000, , . $ . 32 Re vi sã o: R ic ar do D ua rt e - Di ag ra m aç ão : L uc as M an sin i - d at a 27 /0 7/ 20 17 Unidade I 1.3.3 Ineficiência-X O conceito de ineficiência-X foi formulado por Leibenstein (1966) e refere-se à existência de uma relação positiva entre as pressões externas sobre uma empresa e o esforço despendido pelos funcionários. Em particular, Leibenstein propôs que há um custo social significativo devido ao poder de mercado exercido por uma empresa. Isso decorre da elevação dos custos da empresa monopolista, pois seus funcionários percebem que a maximização do esforço não é necessária. Essa relação exposta por Leibenstein é semelhante à hipótese levantada por Hicks (1935) sobre poder de mercado, em que “[…] o melhor de todos os lucros do monopólio é ter uma vida tranquila” (apud CHURCH; WARE, 2000, p. 145). Observação A hipótese de vida tranquila (quiet life hypothesis) sugere que a ineficiência gerencial, ou ineficiência-X, será maior quanto mais amplo for o poder de mercado praticado por uma empresa. Se isso for verdade, os custos sociais relacionados ao monopólio poderão ser ainda mais elevados. Suponha que o efeito da ineficiência-X aumenta os custos unitários de CMg0 para CMg1. Na figura a seguir, o excedente da sociedade perdido por conta do monopólio consiste em dois componentes. O nível socialmente ideal de produção é QCP e a área E + F é a perda de peso morto associada à produção de monopólio QM. Ademais, sobre a sociedade incide um custo adicional igual à área D devido ao desperdício de insumos causado pela ineficiência do monopolista em minimizar seus custos. QM PM CMg1 CMg0 P A 1 B 0 2 DRMg D E F C PCP QCP Q0 Figura 6 – Ineficiência-X 33 Re vi sã o: R ic ar do D ua rt e - Di ag ra m aç ão : L uc as M an sin i - d at a 27 /0 7/ 20 17 ORGANIZAÇÃO INDUSTRIAL / REGULAÇÃO DA CONCORRÊNCIA 1.3.4 Rent-seeking Rent-seeking refere-se aos custos sociais adicionais decorrentes dos esforços das empresas em adquirir e manter poder de mercado. Nessa visão de mundo, os lucros de monopólio são vistos como um prêmio – como aquele que se ganha em uma loteria. O rent-seeking diz respeito aos esforços das empresas em ganhar esse “concurso”. A hipótese de busca de renda consiste em duas possibilidades: • O desperdício: os gastos com rent-seeking representam um desperdício – os recursos utilizados pelas empresas para adquirir poder de monopólio são mal aproveitados. Em vez de produzir bens e serviços que podem ser consumidos pela sociedade, o rent-seeking procura apenas produzir lucros de monopólio, sem qualquer subproduto socialmente útil. • A dissipação completa do rendimento: às vezes, as empresas estão dispostas a incorrer em custos improdutivos até o valor total das receitas para obter poder de mercado, e todo o lucro de monopólio pode ser desperdiçado. Se ambos os casos forem verdadeiros, os custos sociais do monopólio não consistirão apenas na perda de peso morto devido aos preços de monopólio; além disso, o lucro de monopólio será uma medida dos recursos produtivos desperdiçados em atividades improdutivas. As duas proposições mencionadas dependem da fonte de poder de mercado – por exemplo, a natureza da barreira de entrada que protege o lucro de monopólio – e do tipo de concorrência. O comportamento de rent- seeking pode advir de lobby com o governo, suborno a funcionários públicos, pressão sobre as autoridades reguladoras e outros tipos de prática não competitiva, com o objetivo de obter empréstimos de bancos públicos com juros subsidiados, redução de impostos ou proteção tarifária. Muitas vezes, essas atividades não criam qualquer benefício para a sociedade: apenas redistribuem recursos dos indivíduos para o rent-seeker. Lembrete O comportamento de rent-seeking refere-se ao uso dos recursos de uma empresa, de uma organização ou de um indivíduo para obter ganhos econômicos de outros agentes sem reciprocidade em termos de geração de riqueza para a sociedade. 2 MEDIDAS DE CONCENTRAÇÃO DE MERCADO Uma vez conhecida a delimitação do mercado, é relevante medir o quanto ele é concentrado em uma ou mais firmas. À medida que o nível de concentração aumenta, ou seja, conforme cresce o poder de mercado, o grau de concorrência e o nível de eficiência tendem a diminuir. Além disso, com o aumento do grau de concentração do mercado, a probabilidade de observância de comportamentos de conluio entre empresas ou de atingir um monopólio também aumenta. 34 Re vi sã o: R ic ar do D ua rt e - Di ag ra m aç ão : L uc as M an sin i - d at a 27 /0 7/ 20 17 Unidade I As causas pelas quais um nível de concentração em determinadomercado é alto são diversas, sendo preponderantes aquelas relacionadas com: • A dimensão do mercado. • O comportamento estratégico das empresas. • A tecnologia da indústria, como a existência de economias de escala ou de escopo, que tendem a resultar em estruturas de mercado mais concentradas. •Os fenômenos de externalidades de rede. • A legislação específica sobre concorrência no mercado (leis antitruste). Observação Economias de escala estão associadas às firmas que apresentam custos médios de longo prazo decrescentes. Economias de escopo ocorrem sempre que o custo para produzir dois (ou mais) produtos conjuntamente por uma firma é menor do que o custo de produzir esses produtos por firmas diferentes. As medidas de concentração, portanto, buscam quantificar o poder de mercado, isto é, a proximidade da estrutura de um mercado relativamente às situações de monopólio ou de concorrência perfeita. As principais medidas de concentração são: • As medidas de poder de monopólio ou índices de lucratividade (índice de Lerner e índice de Bain). • As razões de concentração. • O índice Herfindahl-Hirschman. 35 Re vi sã o: R ic ar do D ua rt e - Di ag ra m aç ão : L uc as M an sin i - d at a 27 /0 7/ 20 17 ORGANIZAÇÃO INDUSTRIAL / REGULAÇÃO DA CONCORRÊNCIA Saiba mais Externalidades de rede ocorrem quando a utilidade proporcionada por determinado bem ou serviço depende não só das suas características intrínsecas, mas também da dimensão e/ou da tipologia da rede de consumidores instalada. Verifica-se esse tipo de externalidade em setores como telecomunicações, mídias, comércio eletrônico e, frequentemente, em indústrias com as características de two-sided markets (ou seja, firmas que dividem seu espaço em atividades tradicionais e em prestação de serviços). Para mais informações sobre esse fenômeno, consulte: VISCUSI, W. K.; VERNON, J. M.; HARRINGTON, J. E. Economics of regulation and antitrust. 4th ed. Cambridge: The MIT Press, 2005. chap. 9. 2.1 Medidas de poder de monopólio 2.1.1 Índice de monopólio de Lerner O equilíbrio do monopolista pode ser verificado na figura a seguir. O monopolista é o único fornecedor do produto Q e, assim, escolhe a quantidade QM, em que a receita marginal (RMg) é igual ao custo marginal (CMg). O lucro econômico do monopolista é representado pela área B + E. QM PM CMg CMe P A 1 B 0 D = RMeRMg E F Pmín Q0 Figura 7 – Equilíbrio do monopolista 36 Re vi sã o: R ic ar do D ua rt e - Di ag ra m aç ão : L uc as M an sin i - d at a 27 /0 7/ 20 17 Unidade I A análise de equilíbrio do monopólio contém, pelo menos, duas hipóteses: • O produto é homogêneo, e, portanto, nenhuma outra firma oferta produto similar. • Há barreiras à entrada, ou seja, a entrada nesse mercado é ignorada pelos demais ofertantes ou é bloqueada pelo empresário monopolista. Com base nessas informações, um monopolista pode ser facilmente identificado. Uma definição simples de poder de mercado do monopolista passa pela capacidade de a firma definir o preço de seu produto (Pi) acima do custo marginal (CMgi). Ao dividirmos a diferença entre preço e custo marginal pelo preço da mercadoria negociada pelo monopolista, podemos mensurar a intensidade de poder de mercado ou markup. Num mercado com n empresas, o poder de mercado de cada uma é conhecido como índice de Lerner (Li): L P CMg Pi i i i Os valores do índice de Lerner são estabelecidos no intervalo Li E [0,1). Quanto maior Li, maior o grau de poder de mercado em determinada indústria. Isto é, em certo mercado, quanto maior for o índice de Lerner, maiores serão, em média, as margens das empresas sobre o respectivo custo marginal. É importante observar que todos os valores do índice de Lerner são medidos a partir da quantidade produzida que maximiza o lucro da empresa. Sob a hipótese de maximização do lucro, o índice de Lerner também é igual ao inverso do valor da elasticidade-preço da demanda, denotado por εD P . L P CMg Pi i i i D P 1 Observação Elasticidade-preço da demanda representa a variação percentual na quantidade demandada de um bem (∆%QD) devido a uma variação percentual no próprio preço desse bem (∆%P). Matematicamente: D P D d DQ P P Q Q P % % Por exemplo, se o preço praticado pela firma monopolista for o dobro do custo marginal (P = 2CMg), o índice de Lerner será igual a 0,5 (L = 0,5). Podemos inferir, assim, que a elasticidade-preço da demanda, em valores absolutos, é 2: 37 Re vi sã o: R ic ar do D ua rt e - Di ag ra m aç ão : L uc as M an sin i - d at a 27 /0 7/ 20 17 ORGANIZAÇÃO INDUSTRIAL / REGULAÇÃO DA CONCORRÊNCIA 2 2 1 0 5 1 2 CMg CMg CMg D P D P D P , Desse resultado, segue-se que elasticidades muito grandes implicam muito pouco poder de monopólio. Com isso, o índice de Lerner proporciona os seguintes resultados: • L = 0: o preço tende ao custo marginal, e temos uma condição em que a firma opera de forma competitiva, pois D P . • L → 1: o preço tende a ser muito superior ao custo marginal, P > CMg (Q) e D P 0 . No limite, a firma tem condições de impor poder de mercado absoluto. Os órgãos antitruste – que regulam a atuação das empresas nos diversos mercados – utilizam o índice de Lerner para apurar o poder de monopólio de uma empresa. É comum o uso da seguinte classificação: • L > 0,5: há uma condição monopolista forte. • L < 0,5: há uma condição monopolista fraca. Exemplo de aplicação A curva de demanda de mercado por determinado bem é dada pela equação Q = 100P-4/3, em que Q é a quantidade demandada e P é o preço em unidades monetárias ($). Suponha que nesse mercado ocorra a oferta de apenas um produtor, cujo custo marginal constante é dado por CMg(Q) = 150. Desse modo, pergunta-se: a) Qual o preço ótimo que maximiza o lucro desse monopolista? Resolução Como a função de demanda é de elasticidade-preço constante (demanda isoelástica), essa função pode ser linearizada aplicando-se o logaritmo natural dos lados da expressão, ou seja: ln ln lnQ P 100 4 3 Nesse caso, a elasticidade-preço da demanda ( εD P ) é igual a: lnQ lnP 4 3 38 Re vi sã o: R ic ar do D ua rt e - Di ag ra m aç ão : L uc as M an sin i - d at a 27 /0 7/ 20 17 Unidade I Com εD P = -4/3 e aplicando-se a regra de precificação pelo inverso da elasticidade-preço da demanda, obtém-se: P CMg P P P P D P 1 150 1 4 3 600 / $ b) Qual o grau de monopólio de Lerner? Resolução O índice de Lerner pode ser calculado como: L = P- CMg P = 600 -150 600 = 0,75 Portanto, esse mercado apresenta uma condição monopolista forte, sendo passível de investigação pelos órgãos de defesa da concorrência. É importante ressaltar que um alto poder de monopólio não significa necessariamente que a firma obterá lucros altos ou mesmo algum lucro. O lucro econômico do monopolista (indicado pela área B+E na figura anterior) depende da relação entre custo total médio e preço. O poder de monopólio de curto prazo medido pelo índice de Lerner não deve ser relevante em medidas antitruste a menos que seja suficientemente grande e que se espere que persista por um período de tempo razoavelmente longo. Para que esses casos de persistência ocorram, devem existir barreiras ou obstáculos à entrada. 2.1.2 Índice
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