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bioquÍmica FABÍOLA REGINA STEVAN B IO Q U ÍM IC A F A B ÍO L A R E G IN A S T E V A N ISBN 978-65-5821-156-3 9 786558 211563 Código Logístico I000692 Bioquímica Fabíola Regina Stevan IESDE BRASIL 2022 © 2022 – IESDE BRASIL S/A. É proibida a reprodução, mesmo parcial, por qualquer processo, sem autorização por escrito da autora e do detentor dos direitos autorais. Projeto de capa: IESDE BRASIL S/A. Todos os direitos reservados. IESDE BRASIL S/A. Al. Dr. Carlos de Carvalho, 1.482. CEP: 80730-200 Batel – Curitiba – PR 0800 708 88 88 – www.iesde.com.br CIP-BRASIL. CATALOGAÇÃO NA PUBLICAÇÃO SINDICATO NACIONAL DOS EDITORES DE LIVROS, RJ S866b Stevan, Fabíola Regina Bioquímica / Fabíola Regina Stevan. - 1. ed. - Curitiba [PR] : IESDE, 2022. 144 p. : il. Inclui bibliografia ISBN 978-65-5821-156-3 1. Bioquímica. I. Título. 22-78329 CDD: 572.3 CDU: 577 Fabíola Regina Stevan Doutora e mestre em Ciências (Bioquímica) pela Universidade Federal do Paraná (UFPR). Graduada em Licenciatura em Ciências Biológicas também pela UFPR. Professora da graduação nas disciplinas de Bioquímica Geral e Clínica, Biofísica, Fisiologia Humana, Imunologia Geral e Clínica, Microbiologia, além de Psicofarmacologia. Professora da pós-graduação, tendo ministrado aulas nas disciplinas de Bioquímica Celular e de Fisiologia do Trabalho. Na pesquisa científica, tem experiência na área de Bioquímica, atuando principalmente nos seguintes temas: química de carboidratos, enzimologia e atividade biológica de princípios bioativos de plantas medicinais. SUMÁRIO 1 Energia celular 9 1.1 O que estuda a Bioquímica? 10 1.2 pH e tampões 11 1.3 Equilíbrio ácido-básico 15 1.4 Distúrbios do equilíbrio ácido-básico 18 1.5 Bioenergética 21 1.6 Carboidratos 26 2 Moléculas responsáveis pela estrutura e metabolismo da célula 35 2.1 Aminoácidos, peptídeos e proteínas 35 2.2 Estrutura de proteínas 42 2.3 Enzimas 46 2.4 Lipídeos de armazenamento 52 3 Metabolismo de carboidratos 61 3.1 Respiração celular 61 3.2 Ciclo do ácido cítrico 70 3.3 Fosforilação oxidativa 76 3.4 Rendimento energético 80 3.5 Gliconeogênese 83 3.6 Glicogênese e Glicogenólise 88 4 Transporte e utilização de lipídeos e proteínas 94 4.1 Lipoproteínas 94 4.2 Lipólise 101 4.3 Lipogênese 105 4.4 Metabolismo de aminoácidos 110 4.5 Destino do grupo amino e ciclo da ureia 113 5 Integração do metabolismo 117 5.1 Mecanismo de ação hormonal 117 5.2 Bioquímica do estado alimentado e do jejum 125 5.3 Metabolismo na obesidade, na dieta, no câncer e no diabetes mellitus 130 Resolução das atividades 139 APRESENTAÇÃO Vídeo Bem-vindo(a) ao mundo da Bioquímica, uma ciência que abrange os conhecimentos adquiridos dentro da química – em especial na química orgânica – e é a base para todas as outras ciências presentes nas Ciências Biológicas e nas Ciências da Saúde. A compreensão das macromoléculas e dos metabolismos envolvidos em cada organismo permitirá a integração com outras ciências. Nesta obra, você estudará os principais temas relacionados com a integração das moléculas dentro da célula, culminando com o controle e a integração dos órgãos. No primeiro capítulo, vamos avaliar como a quantidade de íons de hidrogênio é controlada nos líquidos corporais, em especial no sangue, e a manutenção do pH para que ocorra a homeostase celular e corporal. Além disso, vamos avaliar como alterações do pH sanguíneo podem ocasionar doenças relacionadas aos distúrbios de ácido básico. Em seguida, vamos entender o que é e quais os tipos de metabolismo encontrados na célula, entendendo como a energia interfere na espontaneidade das reações químicas e como ocorre a atuação das moléculas transportadoras de energia. Depois disso, iniciaremos os estudos das macromoléculas, começando com os carboidratos, desde a sua estrutura básica, classificação e funções. No segundo capítulo, entenderemos as estruturas e funções dos aminoácidos, seguido da formação das proteínas. Essas macromoléculas são encontradas em todos os compartimentos celulares e do organismo e têm a maioria das funções mais importantes. A função enzimática será detalhada, explicando a relação entre as proteínas e o metabolismo celular, assim como os seus mecanismos de funcionamento e controle, chamados de cinética enzimática. Ainda nesse capítulo, entenderemos como são os lipídeos e suas funções. No terceiro capítulo, o foco principal é a obtenção de energia a partir dos carboidratos, no processo chamado de respiração celular. Transitaremos pelas reações químicas e alterações metabólicas dentro da respiração aeróbia e da anaeróbia. O processo de respiração celular ocorre em três estágios distintos. No primeiro estágio ocorre o início da degradação dos substratos energéticos, carboidratos, lipídeos e proteínas, cada um com seu metabolismo específico. Existe em alguns casos um estágio intermediário com formação de acetil-CoA. O segundo estágio envolve a oxidação da molécula de acetil-CoA no ciclo do ácido cítrico e formação de moléculas transportadoras de elétrons, flavina adenina dinucleotídeo (FADH2) e nicotinamida adenina dinucleotídeo (NADH). No terceiro estágio, o NADH e FADH2 serão oxidados na cadeia transportadora de elétrons nas cristas mitocondriais. Nesse último estágio, ocorre o consumo de oxigênio e a formação da maior quantidade de ATP, e para que a formação de ATP seja mantida, é necessário controlar a glicemia. A glicogênese ocorre retirando 8 Bioquímica a glicose do sangue e aumentando a concentração hepática e muscular de glicogênio. Por outro lado, temos a glicogenólise, que é a quebra do glicogênio, e no jejum prolongado temos a gliconeogênese, formação de glicose a partir de outros metabólitos, que controla o aumento da glicemia. No quarto capítulo, vamos estudar como os lipídeos chegam aos tecidos por meio das lipoproteínas plasmáticas, depois de serem ingeridos ou sintetizados, onde cada lipoproteína tem funções e estruturas distintas. Em seguida, estudaremos o metabolismo dos lipídeos em diferentes situações nutricionais e hormonais, como a lipogênese e a lipólise. Dependendo desse estado nutricional, os aminoácidos também podem ser utilizados como fonte de energia. Uma coisa importante é que, para utilizar os aminoácidos como fonte de energia, é necessário a retirada do grupo amina, que na matriz mitocondrial se transforma em amônio. Essa transformação ocorre somente em dois tecidos: nos rins e no fígado. Os rins liberam o amônio diretamente na urina, sem precisar de outras transformações, enquanto o fígado precisa transformar o amônio em ureia, por meio do ciclo da ureia. Isso se justifica, pois o amônio é toxico para a maioria dos seres vivos, e eliminar o nitrogênio na forma de ureia é mais seguro, especialmente para os mamíferos. No quinto capítulo, vamos estudar a integração do metabolismo dos vários órgãos, entendendo como os hormônios coordenam essas atividades. A análise será feita em vários estados nutricionais aprofundando o que foi citado anteriormente – no estado alimentado e de jejum. Também estudaremos o que ocorre no organismo quando em diferentes estados: quando há um estado de obesidade, durante uma dieta sem o uso de carboidratos e em doenças como o câncer e o diabetes mellitus. Aproveite ao máximo seu estudo das estruturas moleculares e do metabolismo da célula, além de avaliar a integração entre eles. Bons estudos! Energia celular 9 1 Energia celular A bioquímica é, por si só, um mundo muito vasto, pois envolve todas as reações químicas que ocorrem no organismo, desde o metabolismo celular até o controle feito nos órgãos. Além disso, ela é o alicerce para todas as outras ciências que estão dentro das Ciências Biológicas e das Ciências da Saúde. A compreensão desse fato facilitará bastante o entendimentode muitas outras disciplinas e o caminhar pela profissão. Neste capítulo, passearemos por dentro da célula, analisaremos seu funcionamen- to molecular e iniciaremos o entendimento sobre a bioquímica e sua importância para todos os organismos vivos. Em seguida, definiremos o que é pH e explicaremos como ele é controlado na célula e a importância da sua manutenção para a homeostase celular e corporal. Também relacio- naremos os resultados dos exames de avaliação do equilíbrio ácido-básico com os valores de referência e identificaremos as causas dos distúrbios ácidos-básicos. Ao definirmos o que é o metabolismo e conceituarmos os seus tipos, poderemos explicar o conceito de energia livre de Gibbs e sua relação com as reações químicas do organismo, além de conceituar as moléculas transportadoras de energia e explicar como se dá o processo de transferência de energia na célula. Em seguida, definiremos a função dos carboidratos e a sua estrutura básica, classi- ficaremos e os monossacarídeos e descreveremos a reação de ciclização descrevendo a formação da ligação glicosídica, definindo e classificando os oligossacarídeos de inte- resse humano. Assim, teremos condições de entender a relação entre os vários órgãos. Com o estudo deste capítulo, você será capaz de: • entender o conceito de bioquímica e sua importância para todos os organismos vivos; • definir o que é pH, compreender seu controle na célula e sua importância para a homeostase celular e corporal; • relacionar os resultados dos exames de avaliação do equilíbrio ácido-básico com os valores de referência; • identificar as causas dos distúrbios ácidos-básicos; • definir e conceituar os tipos de metabolismo; assimilar o conceito de energia livre de Gibbs e sua relação com as reações químicas do organismo; tratar das moléculas transportadoras de energia; entender como ocorre a transferência de energia na célula; • definir e tratar da função e estrutura básica dos carboidratos; classificar os mo- nossacarídeos e descrever sua reação de ciclização; descrever a formação da ligação glicosídica; definir e classificar os oligossacarídeos e os polissacarídeos de interesse humano. Objetivos de aprendizagem 10 Bioquímica 1.1 O que estuda a Bioquímica? Vídeo A análise da bioquímica é muito importante para o entendimento do organismo como um todo, principalmente considerando a interação entre nutrição, metabo- lismo, genética e ambiente. Você já parou para pensar no porquê de o corpo dos mamíferos possuir mais de 70% de água? Essa porcentagem indica o quão impor- tante essa molécula é para a vida no planeta. Por isso, é necessário aprendermos um pouco mais sobre a molécula da água. 1.1.1 Análise físico-química da molécula de água A água é formada por dois átomos de eletronegatividade muito diferentes, por isso ela é chamada de molécula polar. Desses dois átomos, o oxigênio é o segundo mais eletronegativo da tabela periódica (3,44); já o hidrogênio possui uma eletro- negatividade mais baixa (2,44). Essa diferença faz com que o oxigênio atraia o único elétron do hidrogênio para mais próximo do seu núcleo. Com isso, o ângulo entre as duas ligações covalentes passa a ser de 104,5º, ou seja, menor que 180º. Além disso, a aproximação do elétron de cada hidrogênio causa a formação de carga negativa no oxigênio e positiva nos hidrogênios, pro- movendo a interação da água com íons presentes na solução por meio de uma interação dipolo-dipolo. A estrutura também permite a interação por ligação de hidrogênio, tanto com outras moléculas de água quanto com outras moléculas que tenham um átomo eletronegativo, geralmente oxigênio ou nitrogênio. Figura 1 Estrutura da molécula de água e interação por ligação de hidrogênio IE SD E Br as il S/ A O H H 104,5º Ligação de hidrogênio 0,177 nm Ligação covalente 0,0965 nm : : (a) (b) Energia celular 11 As interações moleculares – tanto por dipolo-dipolo quanto por ligações de hi- drogênio – permitem mudanças no estado físico da água. Quando a temperatura aumenta, as agitações moleculares se intensificam, e um exemplo disso ocorre na evaporação, em que essas agitações são tão intensas que rompem as ligações de hidrogênio, formando o vapor d’água. Por outro lado, quando a água é resfriada, as agitações moleculares diminuem, aumentando a quantidade de pontes de hidrogênio. O gelo é um exemplo desse processo, pois as pontes de hidrogênio estão na sua maior quantidade possível, fazendo com que as moléculas de água fiquem praticamente imobilizadas. Já no estado líquido, a quantidade de ligações de hidrogênio permite um certo movimen- to das moléculas, ao mesmo tempo que permanecem próximas umas às outras. Por esse motivo, para que haja vida, é necessário que a solução aquosa esteja sempre no estado líquido. Isso é garantido pelo alto calor de vaporização, pois são necessárias 596 calorias para cada grama de água virar um grama de vapor e, devi- do a isso, a tendência é que a maior parte da água permaneça em estado líquido. É necessário reforçar que todas as reações químicas no organismo vivo só ocorrem nesse estado físico da água. Outra característica da água que permitiu que a vida se estabelecesse foi o alto calor específico, padronizado da seguinte forma: uma caloria para aquecer um grama de água em um grau Celsius. Isso significa que a temperatura da água tende a permanecer mais tempo estável, característica que facilita que as reações quími- cas sejam mais efetivas, pois cada reação química necessita de uma determinada temperatura da solução. 1.2 pH e tampões Vídeo A análise da quantidade de água presente nos seres vivos mostra que todas as reações químicas necessitam estar em solução aquosa, e essa solução deve sempre estar na forma líquida. A interação entre as moléculas de água e as estruturas celu- lares é influenciada tanto pela estrutura da H2O quanto pelo pequeno grau de ioni- zação, originando os elementos da sua dissociação, H+ e OH–, o que gera o equilíbrio: H2O H + + OH– O grau de ionização da água no equilíbrio é de duas moléculas para cada 109 moléculas a 25ºC, mas o fato de isso acontecer determina a propriedade de muitos solutos, inclusive influenciando no pH de muitas soluções. Além disso, as propriedades físico-químicas da água interferem no reconhecimento entre as biomoléculas. Algumas propriedades físicas da água – como ponto de fusão, de ebulição e de calor de vaporização altos – ajudam a manter o solvente no estado líquido e com temperatura mais estável, permitindo uma maior interação entre a água e os solutos. A capacidade da água de interagir por ligação de hidrogênio e interação eletrostática complementa as qualidades que favorecem a ocorrência das reações químicas. 12 Bioquímica A quantidade de H+ – também chamado de próton – de uma solução pode influenciar em muitas estruturas e reações das células. É possível medir essa quantidade de H+ de uma solução aquosa por meio do pH, e para que ocorra um maior entendimento sobre a quantidade de H+, é necessário fazer uma análise da constante de equilíbrio da água: Keq = [H +][OH–] [H2O] Ao considerar a água pura, observamos que a concentração da água equivale a 55,5 M, o que corresponde a (1000 g/L) / (18,015 g/mol). Com a pequena taxa de ionização da água – como mostrado anteriormente – o valor de 5,55 M pode ser substituído na expressão da constante de equilíbrio: Keq = [H +][OH–] [55,5 M] Rearranjando, fica: 55 5, �M Keq H OH Kw� �� � � �� �� �� �� � � � Al ho vik /S hu tte rs to ck Escala de pH Ácido Neutro Alcalino Portanto, Kw (constante da água) corresponde ao produto iônico da água a 25ºC, e essa constante é a base para a escala de pH. O pH é uma maneira de determinar a concentração de H+ e de OH–, em qualquer solução aquosa, com as concentrações de 1 M de H+ e 1 M de OH–. A expressão a seguir define o que é pH: pH = log 1 = – log [H+] [H+] Para fins de ilustração, ao se avaliar o valor de pH emuma concentração de H+ de 1 × 10–7M, o pH é calculado da seguinte forma: pH = log 1 = 7,0 [1 x 10–7] Seguindo cálculos semelhantes para as outras concentrações de H+, chegamos à seguinte escala de pH: Energia celular 13 Tabela 1 Escala de pH Tabela de escala de pH [H+] (M) pH [OH–] (M) pOH 100 (1) 0 10–14 14 10–1 1 10–13 13 10–2 2 10–12 12 10–3 3 10–11 11 10–4 4 10–10 10 10–5 5 10–9 9 10–6 6 10–8 8 10–7 7 10–7 7 10–8 8 10–6 6 10–9 9 10–5 5 10–10 10 10–4 4 10–11 11 10–3 3 10–12 12 10–2 2 10–13 13 10–1 1 10–14 14 100 (1) 0 Fonte: Nelson; Cox, 2014, p. 60. Avalie que existe uma relação direta entre as concentrações de H+ de uma solu- ção aquosa e o valor de pH, não se tratando, portanto, de valores aleatórios. Outro fator que deve ser observado é o fato de a escala de pH ser expressa em logaritmo, por isso a variação de uma unidade equivale a uma diferença na concentração de H+ de cerca de dez vezes. A diferença de concentração de H+ pode interferir na estrutura e função de di- versas moléculas orgânicas devido à mudança na ionização dessas moléculas. Por esse motivo, deve ser feito o controle da quantidade de H+ – e, por consequência, do pH – o que mantém a estrutura molecular, bem como a atividade enzimática, e permite que as reações químicas aconteçam. Se as células conseguem executar seu papel, as atividades dos órgãos e sistemas ficam preservadas. Há vários mecanismos para que o pH esteja controlado, sendo o químico o mais rápido, porém ele necessita que existam ácidos e bases na solução aquosa para que possam liberar e segurar prótons, respectivamente. 1.2.1 Sistemas tampões O controle do pH nas soluções aquosas é necessário principalmente nos sistemas orgânicos. Para que esse controle seja feito, é preciso a presença de uma solução tampão, solução essa que promove resistência contra pequenas adições de ácido ou base, e, com isso, o pH pode ser mantido com poucas alte- rações. Essa solução é formada por um ácido fraco e sua base conjugada, com cada uma delas apresentando uma constante de dissociação chamada pKa, que significa o valor de pH em que a solução que tem a concentração de ácido e base O valor de pOH é utilizado para determinar a alcalinidade, sendo que a expressão pOH log OH� � ��� � �� � �� � é semelhante à expressão do pH. Para que haja liberação ou ligação com o próton, é necessária a presença de um ácido ou de uma base. No entanto, a acidez é exercida pelo íon H+ livre no sistema aquoso, e não pela própria molécula do ácido. Porém, é importante lembrar que os ácidos se dividem em fortes, que alteram totalmente o pH de uma solução, e fracos, que têm feitos brandos em soluções aquosas. Saiba mais Alguns ácidos fracos fazem parte no corpo humano, como o ácido carbônico e o ácido dihidrogenofosfato. O ácido carbônico participa do tampão bicarbonato, enquanto o ácido dihidro- genofosfato participa do tampão fosfato. Importante 14 Bioquímica está exatamente igual. Um bom exemplo é o sistema tampão acetato, que apre- senta um pKa de 4,76, significando que esse tampão controla o pH da solução aquosa desde o pH 3,76 até 5,76. Para entendermos melhor sobre a solução tampão, devemos fazer uma análise da curva de titulação, como mostrado na Figura 2. Nessa curva, observamos a faixa de controle de pH do sistema tampão que corresponde desde um ponto abaixo até um ponto acima do valor de pKa. Quando o pH da solução estiver dentro dessa faixa de controle – mesmo que sejam feitas pequenas adições de H+ ou OH– –, isso exerce pouco efeito sobre o valor de pH. No entanto, se o pH da solução estiver fora da zona de controle, essa mesma quantidade de H+ ou OH– adicionada promo- ve uma grande alteração do pH. Figura 2 Curva de titulação da solução tampão acetato. IE SD E Br as il S/ A CH3COO – [CH3COOH] = [CH3COO –] CH3COOH 1 0 0 0,1 0,2 0 50 100% 0,3 0,4 0,5 0,6 0,7 0,8 0,9 1,0 2 3 4 5 6 7 8 9 OH– adicionado (equivalentes) pH = pKa = 4.76 Percentual de titulação Região de tamponamentopH pH 5,76 pH 3,76 Quando analisamos o gráfico da curva de titulação de uma solução tampão, é perceptível que, com aumento de H+ e a tendência de o pH de baixar, a base segura prótons, fazendo com que o pH volte ao normal. Por outro lado, quando a quan- tidade de H+ diminuir – ou seja, o pH tender a subir, – o ácido libera prótons para baixar o pH, voltando novamente ao normal. Entretanto, com essa análise, surge uma pergunta: todos os sistemas tampões apresentam o mesmo valor de pKa? A resposta é não: para cada ácido (HA) e sua base conjugada (A–), existe um pKa dife- rente e, consequentemente, uma zona na qual esse tampão é efetivo. Energia celular 15 Para ajudar a descrever a curva de titulação de qualquer ácido ou base, pode ser utilizada a equação de Henderson-Hasselbalch, descrita a seguir: pH = pKa + log [A –] [HA] Nessa equação, é feita a relação entre o pKa, isto é, o pH e a concentração do tampão. Essa é uma forma de reescrever a equação da constante de ionização de um ácido, usada para avaliar as propriedades da relação ácido-base conjugada uti- lizada para controlar o pH de uma solução. Uma coisa importante a se notar é que, quanto menor for o pKa do ácido, mais forte ele é. Assim, ao analisar a equação, devemos perceber que o pH da solução será igual ao pKa do ácido fraco quando possuir quantidades iguais de ácido e da sua base conjugada. Para ser um tampão, as variações de pH não podem ser bruscas; devido a isso, como já vimos, somente ácidos fracos fazem parte de um sistema tampão. 1.3 Equilíbrio ácido-básico Vídeo Para que ocorra um bom funcionamento tanto das células quanto de todos os líquidos corporais em um organismo vivo, é necessário que ocorra a manutenção do pH nesses locais. A manutenção do pH fisiológico – que deve girar em torno de 7,0 para a maioria dos líquidos nos seres vivos – é feita por vários tipos de substâncias. Alguns animais, como os mamíferos, não podem apresentar grandes variações no pH em todos os líquidos corporais – o sangue apresenta uma faixa de variação de pH de apenas 0,1 ponto. Para continuarmos o estudo, precisamos avaliar os pHs em compartimentos corporais específicos dos seres humanos (Tabela 2). Observe que, quanto maior é a concentração de H+ livre, menor é o pH. Um excelente exemplo disso é o suco gástrico, que contém HCl (ácido clorídrico), um ácido forte, que libera uma grande concentração de próton, deixando a solução com o pH muito ácido. Tabela 2 pH dos compartimentos corporais Tabela do pH em compartimentos corporais Compartimentos corporais pH Sangue 7,35 – 7,45 Líquido intersticial 7,35 – 7,45 Suco gástrico 0,8 – 2,0 Intestino delgado 8,0 – 9,0 Urina 4,5 a 8,0 Citoplasma 6,0 a 7,4 Matriz mitocondrial 7,4 Fonte: Adaptada de Hall, 2011. 16 Bioquímica Na maioria dos compartimentos corporais e celulares existe mais do que um tipo de sistema tampão ao mesmo tempo. Nesses sistemas, as concentrações de ácidos fracos e suas bases conjugadas devem ser suficientes para controlar o pH. Esse é o caso do sistema tampão fosfato, que possui o ácido dihidrogenofosfato (H2PO4 –) e a sua base conjugada chamada de fosfato (HPO4 –2), pKa de 6,86. A quan- tidade desse tampão nas células é grande, e, por esse motivo, ele funciona mui- to bem nesse local. Além do sistema tampão fosfato, as células possuem grandes quantidades de proteínas que apresentam grupos funcionais com capacidade de liberar ou captar prótons. Como vimos anteriormente, o pH do sangue não pode sofrer grandes variações, e em razão disso são necessários três tampões que trabalham juntos: o tampão fosfato, as proteínas sanguíneas e o sistema bicarbonato-ácido carbônico. O tampão fosfato, que também está nas células, apresenta-se em concentra- ção insuficiente no sangue, logo ele não estabiliza o pH sozinho. Além dele, temos as proteínas sanguíneas, que por sua vez auxiliam na manutenção do pH, masa quantidade desses dois sistemas tampões não pode ser alterada. Dessa forma, o principal tampão sanguíneo é o sistema bicarbonato-ácido carbônico, com pKa de 6,1. Para que esse sistema tampão se inicie, é necessário que o dióxido de carbono produzido nas células reaja com a água do citoplasma da hemácia, local onde essa reação é catalisada pela enzima anidrase carbônica, conforme a reação a seguir: CO2 + H2O H2CO3 H + + HCO3– Anidrase carbônica O gás carbônico gerado nas células vai para o sangue e entra nas hemácias, nas quais a reação descrita no esquema anterior ocorre. O H+ liberado no final da reação poderia diminuir o pH da hemácia, mas, para que isso não ocorra, ele se liga na hemoglobina. O HCO3– gerado na reação sai para o plasma sanguíneo pela troca com um Cl–, e, como apenas o bicarbonato vai para o plasma sanguíneo, a concen- tração dessa base aumenta, podendo reagir com o H+ que estiver em excesso, o que reverte a reação para a formação de CO2 novamente. A concentração de ácido carbônico é de cerca de 1,25 x 10–3 M e a de bicarbonato, de 25 x 10–3 M. Colocan- do-se esses dados na equação de Henderson-Hasselbalch – e lembrando que o pKa do ácido carbônico é 6,1 –, o pH obtido fica da seguinte forma: pH = 6,1 + log [HCO3–]/[H2CO3] = 6,1 + log 25 x 10 –3/1,25 x 10–3 = 6,1 + log 20 = 7,4 Na equação anterior, não é considerada a concentração de dióxido de carbono, mas ele ainda é necessário para a formação de ácido carbônico. Portanto, um au- mento da pressão parcial de CO2 (pCO2) aumenta diretamente a concentração de ácido carbônico e, em seguida, libera H+ e a base bicarbonato. Energia celular 17 Tendo em vista que a produção de gás carbônico é constante e variável, é preci- so que haja eliminação do gás para controlar o excesso de H+ livre no sangue, sen- do necessária a ativação do processo de ventilação pulmonar para isso. É preciso também controlar diretamente a quantidade de H+ livre e de bicarbonato, processo feito pelo sistema renal. É importante notar que a ventilação alveolar pode modificar a concentração de CO2 e H +, e o aumento da concentração de gás carbônico e de prótons ativa o sistema, circunstância que promove estimulação na movimentação muscular respiratória. Isso significa que, se ocorrer um aumento na quantidade de H+, a taxa de ventilação aumenta; porém, quando ocorre aumento do pH, a taxa de ventilação não diminui na mesma proporção. Isso se deve à interferência de vários fatores, como a pO2. Percebemos, então, que a resposta respiratória à diminuição do pH é muito mais efetiva em relação à do aumento do pH, chegando a uma eficiência desse sistema de controle que fica entre 50 e 75%. Um fato importante é que alterações geradas pelo sistema respiratório são sem- pre imediatas. Desse modo, alterações abruptas do pH sanguíneo são controladas, mas esse sistema apresenta limitação de amplitude, tendo em vista que, se ocorrer uma maior frequência respiratória, o ar não chega aos alvéolos pulmonares, e se a diminuição da ventilação pudesse ser grande, pararia a movimentação dos mús- culos respiratórios, o que faria com que não houvesse troca gasosa e o indivíduo viesse a óbito. Por essas limitações de amplitude, apesar da rapidez, é necessário que haja a participação do sistema renal para corrigir a falha no sistema. Como foi visto na tabela de pH (Tabela 2), a urina pode ter pH ácido ou básico, dependendo de como estava o pH sanguíneo. Os processos de filtração, reabsorção e secreção renal promovem um controle na quantidade de H+ e HCO3– no sangue. O HCO3– passa do sangue para a urina por filtração nos glomérulos renais, já o H + é reabsorvido ou secretado nas células tubulares, de acordo com a necessidade de controle do equilíbrio ácido-base do organismo. Assim, se a quantidade de HCO3– filtrado for maior que de H+ secretado, a urina se tornará básica e o sangue, mais ácido. Por outro lado, se a quantidade de H+ secretado for maior do que de HCO3– filtrado, a urina torna-se ácida e o sangue, mais básico. Além do gás carbônico, o organismo produz moléculas ácidas, que podem alte- rar o pH sanguíneo. Diferentemente do CO2, esses outros ácidos não conseguem ser eliminados no sistema respiratório, o que é feito pelos rins. A eliminação desses ácidos é acompanhada da reabsorção de bicarbonato; por outro lado, quando o bicarbonato é eliminado, ocorre reabsorção do H+. Quando acontece aumento do HCO3–, ocorre reação com o H + no meio extracelular, o que faz com que o pH do meio extracelular e do sangue seja controlado. Cerca de 80 a 90% desse processo ocorre no túbulo proximal, os outros 10% restantes são reabsorvidos no túbulo dis- tal. Entretanto, quando algum desses mecanismos está descompensado, surgem alterações no pH sanguíneo, além de nos valores de referência, circunstância que caracteriza doenças – e estas, se não compensadas pelo organismo e/ou tratadas, podem levar ao óbito do indivíduo. Quando o pH sanguíneo está abaixo de 7,35, o indivíduo entra em acidose. Esse quadro pode alterar a ionização dos aminoácidos, o funcionamento cardíaco e cerebral. Em uma situação em que o pH sanguíneo se encontra acima de 7,45, ele está em alcalose, podendo ocorrer parada cardíaca. No entanto, a urina apresenta pH alterado e somente indica o que estava aconte- cendo com o pH sanguíneo, o que não afeta a saúde. Saiba mais 18 Bioquímica 1.4 Distúrbios do equilíbrio ácido-básico Vídeo Em situações nas quais o pH sanguíneo está fora da faixa de referência – e o organismo não consegue retornar sozinho –, ocorre o distúrbio do equilíbrio ácido- -base. Quando o pH está abaixo de 7,35, o indivíduo está em acidose; já quando o pH sanguíneo está acima de 7,45, o indivíduo está em alcalose. A acidose ocorre quando a quantidade de H+ no sangue está elevada; para o rim compensar isso, é necessário que ocorra a reabsorção de todo o bicarbonato filtrado, além da produção de ainda mais bicarbonato, aumentando a quantidade de base no sangue. Para que a correção seja efetiva, a eliminação de sais e de H+ nos túbulos renais também aumenta. No processo de acidose, ocorre a inibição dos transportadores de eliminação de potássio, ocasionando acúmulo de K+ nas células. Em razão disso, nessa situação é necessário eliminar o H+, mantendo, dessa forma, a eletroneutralidade sanguínea. Portanto, nesse processo, a eliminação de H+ aumenta a reabsorção de K+; e mes- mo ele acontecendo, na acidose não ocorre uma hipercalemia 1 significativa. Na alcalose, por sua vez, a concentração plasmática de potássio diminui; sendo assim, a reabsorção de K+ ocasiona a saída de H+. Esses transportes de potássio e prótons ocorrem em quase todos os túbulos renais, exceto nas porções finais descendentes e ascendentes da alça de Henle, como ilustrado na figura a seguir. Figura 3 Processo de secreção de HCO3 – e reabsorção de H+ nos túbulos do néfron durante a alcalose IE SD E Br as il S/ A Anidrase carbônica Excretado na urina ATP ATP + H H + + + H + K + K + H + Sangue Células intercalares do tipo B Lúmen do ducto coletor Espaço intersticial [H ] baixa Ocorre quando há uma presença de altos níveis de potássio no sangue. 1 Energia celular 19 Alterações do equilíbrio ácido-base podem ter várias causas, caracterizando diversas doenças. Se as causas modificarem a quantidade de gás carbônico, a doença gerada será uma acidose ou uma alcalose respiratória. Por outro lado, se for uma causa que altere diretamente os níveis de H+ ou bicarbonato, então pode se tratar de uma acidose ou alcalose metabólica. A análise dos sintomas ajuda a iniciar o diagnóstico, mas eles podem ser confundidos entre si. A única maneira de fazer a diferenciação correta é por meio de exames laboratoriais chamados de gasometria. Esse procedimento correspon- de à análise da pO2, da pCO2, do pH sanguíneo, da concentração de bicarbonato, de outros componentes – como excesso de bases (BE) – e do ânion gap.Somente após avaliação de todos esses parâmetros é possível fechar o diagnóstico e iniciar um tratamento. Existem diferenças nos valores de gasometria dependendo do tipo de sangue analisado, que pode ser arterial ou venoso, e isso se deve principalmente à me- nor quantidade de gás carbônico presente no sangue arterial – que é, portanto, o melhor para essa análise. Existem alguns fatores que interferem na gasometria, como: heparinização excessiva na amostra arterial, mistura de sangue venoso e arterial, atraso no envio da amostra, bolhas de ar na seringa e má perfusão (DONN; SINHA, 2006). Depois de todos os valores serem obtidos e com os sintomas avaliados, pode ser utilizado o normograma (Figura 4) para fechamento do diagnóstico, com limites de confiança de 95%. Figura 4 Normograma ácido-base IE SD E Br as il S/ A Acidose respiratória crônica Alcalose metabólica Alcalose respiratória aguda Alcalose respiratória crônica Acidose metabólica Normal Acidose respiratória aguda 120 100 90 80 70 60 50 4060 56 52 48 44 40 36 32 28 24 20 16 12 7,0 7,1 7,2 7,3 7,4 pH 7,5 7,6 7,7 7,8 8 4 0 35 30 20 15 10 [HCO3 –] Equilíbrio ácido base PCO2 20 Bioquímica Alterações graves no trato respiratório ocasionadas por doenças podem ge- rar acidose respiratória. Existem várias doenças capazes de ocasionar acidose respiratória, por exemplo: a doença pulmonar obstrutiva crônica (DPOC), escle- rose múltipla, poliomielite, fraqueza dos músculos respiratórios e até mesmo depressão do sistema respiratório ocasionada por medicamentos ou drogas. Em todas as doenças citadas aqui, pode ocorrer retenção de gás carbônico, e isso pro- move deslocamento do equilíbrio da reação do tampão bicarbonato para a direita, aumentando a formação de H+ e diminuindo o pH sanguíneo. ↑CO2 + H2O H2CO3 ↑H + + ↑HCO3– O deslocamento da reação – causado pelo problema respiratório – faz com que o sistema renal elimine uma maior quantidade de H+ para a urina, assim como aumenta a reabsorção de bicarbonato. Com esses dois processos acontecendo ao mesmo tempo, o pH sanguíneo sofre um aumento moderado. Devido a isso, o pH não retorna para a faixa normal se a causa respiratória persistir, ocasionando aumento de HCO3– e H + na acidose respiratória descompensada. Na acidose metabólica, a quantidade de H+ aumenta muito porque o corpo aca- ba produzindo uma grande quantidade de ácidos e não consegue eliminá-los na mesma velocidade. As principais causas da acidose metabólica são: diarreia grave, acidose láctica – causada pelo excesso de produção de ácido láctico –, insuficiência renal e diabetes mellitus, quando ocorre aumento excessivo da produção de ácido acetoacético e ácido β-hidroxibutírico – os chamados cetoácidos. Para avaliar a gasometria de um indivíduo, é preciso relembrar a equação do sistema tampão bicarbonato. Quando ocorre uma acidose metabólica, é possível observar que a quantidade de H+ produzido é maior do que a de bicarbonato no sangue, fazendo com que o pH sanguíneo baixe, como mostra a reação a seguir: ↑CO2 + H2O H2CO3 ↑H + + ↓HCO3– Com a diminuição do pH e o aumento de pCO2, ocorre ativação do reflexo da respiração – o que causa a taquipneia no indivíduo. O aumento da eliminação do gás carbônico desvia a reação para a esquerda, diminuindo os níveis de H+ do siste- ma e, assim, tentando fazer o pH voltar ao normal. Porém, isso ocorrerá apenas se o indivíduo não apresentar nenhuma doença pulmonar. Quando acontece aumento da ventilação em um indivíduo – independentemente do motivo –, a eliminação de gás carbônico também aumenta. Isso desloca a rea- ção do tampão bicarbonato, estimulando a maior produção de CO2, o que acaba diminuindo a concentração de H+ no sangue e ocasiona uma alcalose respiratória. A hiperventilação pode ser causada por diversos motivos, seja voluntariamen- te, por uma crise de ansiedade, por ventilação mecânica feita de modo errado, por anemia etc. Nesse processo, ocorre uma grande eliminação de gás carbônico Energia celular 21 – ocasionando o processo de deslocamento que vimos também na taquipneia –, e isso diminui a quantidade de H+, levando à alcalose. ↓CO2 + H2O H2CO3 ↓H + + ↓HCO3– O organismo promove a compensação da alcalose respiratória por via renal. Com isso, aumenta a liberação de bicarbonato na urina e a reabsorção do próton, o que auxilia na tentativa de correção da alcalose. Por outro lado, vômitos, ingestão excessiva de bicarbonato – em caso de antiá- cidos, mas também pela hipocalemia – podem acarretar uma redução da quanti- dade de H+ do plasma e um aumento na quantidade de bicarbonato, gerando uma alcalose metabólica. ↓CO2 + H2O H2CO3 ↓H + + ↑HCO3– Essa diminuição de H+ promove o deslocamento da reação para a direita, ge- rando a diminuição do CO2 e o aumento da concentração de HCO3–. O organismo rapidamente promove a compensação por meio do sistema respiratório – ocasio- nando bradipneia. A diminuição da taxa respiratória causa aumento na retenção de CO2, aumentando também a quantidade de prótons, diminuindo o pH e fazendo-o voltar aos níveis normais. Em causas diferentes da hipocalemia, os rins promovem liberação de bicarbonato e retenção de H+. Na hipocalemia, a falta de potássio é ocasionada pela mesma proteína que faz a eliminação de próton, e isso causa a alcalose. Como foi visto, a manutenção do pH dos líquidos corporais é fundamental para que o organismo possa funcionar perfeitamente, ou seja, estar em homeostase. Porém, somente isso não é suficiente para manter a vida. 1.5 Bioenergética Vídeo O funcionamento celular depende de transformações energéticas na célula, e, para tanto, é necessário que os nutrientes que entram por meio da membra- na plasmática sejam transformados para fornecer energia à célula. Os alimentos fornecem essas moléculas, mas elas são muito complexas para serem utilizadas diretamente como fonte energética. Para que isso ocorra, é necessário que as mo- léculas provenientes dos alimentos sejam transformadas em outras mais simples e que a energia liberada seja armazenada em moléculas de transporte energético. Estas servirão para transportar a energia para processos de síntese de molécu- las estruturais ou de armazenamento. As transformações devem ser realizadas de maneira controlada e direcionada, formando o metabolismo celular. Todos esses processos são estudados pela bioenergética, como mostram Nelson e Cox (2014, p. 506): “A Bioenergética é o estudo das variações energéticas que ocorrem nas 22 Bioquímica reações químicas. Esse estudo possibilita compreender por que determinadas reações acontecem espontaneamente e outras precisam de energia externa para acontecer”. 1.5.1 Leis da termodinâmica Os processos orgânicos seguem muitas leis físicas, entre elas as da termodinâ- mica, mas, para uma melhor compreensão, precisamos definir essa lei: nos primór- dios, essa ciência estudava as alterações que o calor ocasionava nas estruturas, porém, com o decorrer do tempo, os cientistas perceberam que essa análise não era suficiente. Por esse motivo, segundo Heneine (2010, p. 55), modificaram o con- ceito dizendo que a “termodinâmica estuda toda e qualquer mudança que ocorra no Universo”. Existem duas leis para a termodinâmica: • 1ª Lei: para que qualquer mudança física ou química ocorra, a quantidade total de energia no universo permanece constante, ela pode se alterar ou ser transportada entre regiões, mas não pode ser criada ou destruída (NELSON; COX, 2014). • 2ª Lei: a entropia total de um sistema deve aumentar quando um proces- so ocorre de modo espontâneo, isto é, sem interferência externa (MURRAY et al., 2013). Essa lei também trata da transferência de energia entre os sis- temas, afirmando que a energia sempre se desloca de onde tem mais para onde tem menos. Podemos entender melhor as leis com base em alguns exemplos, começando pela primeira lei. Imagine um guepardo correndo. Para que ele possa fazer isso, primeiro oprimeiro passo é ter se alimentado adequadamente. O alimento passa pelo processo de digestão e, em especial, os aminoácidos são liberados; o fígado do guepardo transforma alguns aminoácidos em glicose, e depois essa glicose vai para as células, incluindo as do músculo estriado esquelético. Na célula muscular, ocorre transferência de energia da glicose para o ATP (ade- nosina trifosfato); na hora da corrida do animal, o ATP é hidrolisado, propiciando o movimento muscular. Perceba que em todas essas transformações energéticas ocorre liberação de calor, esquentando o corpo do animal; entretanto, além disso, a energia armazenada no ATP diminui, e o animal precisa de nova alimentação e repouso pouco tempo depois. Agora trazendo a segunda lei em palavras mais simples, ela descreve um pro- cesso natural do movimento energético; a energia sempre se desloca do meio mais energético para o menos energético. Exemplificando: quando um indivíduo sai de um ambiente frio e entra em outro com temperatura maior do do que seu corpo, em pouco tempo o corpo se aque- ce. Isso ocorre porque a energia térmica está aumenta- da no ambiente quente e é transferida para o corpo do indivíduo. Br ai nC ity Ar ts /S hu tte rs to ck QUENTE Transferência de calor FRIO Energia celular 23 Os processos de modificação de energia nas células demandam a ocorrência de várias reações químicas, muitas delas sequenciais. Essas reações são chamadas em conjunto de metabolismo. 1.5.2 Tipos de metabolismo O metabolismo é dividido em dois tipos: catabolismo e anabolismo. O catabo- lismo se inicia com a modificação de macromoléculas em produtos mais simples. Nesse caso, como ocorre quebra de ligações químicas, acontece liberação de ener- gia. Já o anabolismo acontece quando moléculas pequenas sofrem várias reações formando moléculas mais complexas. O anabolismo promove formação de liga- ções químicas para fazer a síntese da macromolécula e, na grande maioria dos casos, utiliza energia de outra fonte – como o ATP ou mesmo transportadores de elétrons, como o NADPH. Esses dois tipos de metabolismo apresentam reações químicas catalisadas por enzimas distintas, não sendo apenas processos inversos. Para compreender melhor esse processo, analise o princípio geral da bioenergética O princípio geral da bioenergética verifica como ocorre integração entre cata- bolismo e anabolismo, pois a energia liberada pela quebra de ligações químicas no catabolismo é utilizada para formar as ligações no anabolismo, como mostrado na figura a seguir. Figura 5 Integração entre as reações de quebra e síntese na célula IE SD E Br as il S/ A Macromoléculas celulares Proteínas Polissacarídeos Lipídios Moléculas precursores Aminoácidos Açúcares Ácidos graxos Nutrientes liberadores de energia Carboidratos Gorduras Proteínas Produtos finais pobres em energia CO2 H2O Anabolismo Catabolismo Energia química ATP NADH NADPH FADH2 ADP + HPO NAD+ NADP+ FAD 2– 4 24 Bioquímica Um exemplo do processo de catabolismo é a quebra de glicose que ocorre quando a célula necessita de ATP para seu funcionamento. Nesse processo, além de se formar o ATP, forma-se NADH – os dois são moléculas transportadoras de energia, mas possuem suas diferenças. O ATP é uma molécula rica em grupos fosfato e pode ser utilizado por várias proteínas, seja para fazer transporte ativo de membrana, para outras reações químicas, para a contração muscular etc. Já o NADH, que é uma molécula transportadora de elétrons e hidrogênio, pode ser utilizado em reações químicas apenas. As reações de síntese são endergônicas (armazenam energia), enquanto as de quebra são as exergônicas (liberam energia). Todos os processos da célula seguem outras leis físicas, como: a entropia (S), a entalpia (H) e a relação entre elas, chamada variação de energia livre de Gibbs (∆G). Heneine (2010, p. 59) explica esses processos da célula: A Entalpia compreende o conteúdo de calor de um sistema, a Entropia é a qualidade de energia incapaz de realizar, o que significa que existe uma tendência ao caos no sistema. Energia livre (∆G) relaciona a entalpia com a entropia e analisa quanta energia consegue realizar trabalho, sempre anali- sando quando a temperatura e a pressão estiverem constantes. Considere a equação a seguir: ∆G = ∆H – T ∆S O ∆H é a variação da entalpia, ∆S é a variação da entropia e T é a temperatura absoluta. Quando verificamos essa equação, devemos analisar o valor final de ∆G que corresponde à energia livre do sistema. Nessa análise, temos que notar se a rea- ção química será ou não espontânea. Quando ∆G possui valor negativo, a reação é exergônica e, portanto, espontânea. Já se o ∆G for positivo, é necessário que outra fonte energética esteja na reação, portanto a reação é endergônica e não espontânea. Porém, se o ∆G for igual a zero, a reação está no equilíbrio químico perfeito. As moléculas transportadoras de energia fazem com que não ocorra perda energética entre catabolismo e anabolismo, e cada uma delas apresenta especi- ficidades com enzimas e o tipo de metabolismo. Existem dois tipos de moléculas que apresentam essa função: as moléculas transportadoras de elétrons e hidro- gênios e as moléculas com fosfato rico em energia. Para que as reações de óxido-redução – ou seja, de troca de elétrons – ocorram, são necessários transportadores de elétrons e hidrogênios. Algumas dessas mo- léculas são ativadores enzimáticos e derivadas de vitaminas do complexo B; entre elas estão a nicotinamida adenina dinucleotídeo (NAD+) e a nicotinamida adenina dinucleotídeo fosfato (NADP+) – que são derivadas da niacina – e a flavina adenina dinucleotído (FAD), derivada da riboflavina. O NAD+ é considerado o carreador de elétrons mais importante; seu anel de nicotinamida é a estrutura molecular que pode reagir com um próton e dois elé- trons, ocasionando oxidação do substrato. Energia celular 25 Figura 6 Nicotinamida adenina dinucleotídeo IE SD E Br as il S/ A A NN CC NHNH2 NHNH2OO OO OO OO PP PP OO– OO– OO OO OO OHOH OHOH OO OHOH OHOH NN NN NN NN NN NN RR RR NAD+ B NADH (Oxidado) (Reduzido) CC CC 2H2HOO OOHH HH NHNH2NHNH2 A: Estrutura da nicotinamida adenina dinucleotídeo (NAD+) oxidada B: Reação de acepção de elétrons e hidrogênio pelo NAD+. Como mostrado na Figura 6, o NAD+ auxilia nas reações de desidrogenação, recebendo um H+ da molécula doadora e sendo reduzida para formar NADH, enquanto o outro H+ fica livre na solução aquosa. A reação de redução do NAD+ é mostrada a seguir: NAD+ + 2 H+ + 2 elétrons NADH + H+ O NADP+ possui a mesma origem vitamínica em relação ao NAD+, e, por esse motivo, a reação entre elas é muito semelhante. Existe, porém, uma diferença fun- damental entre esses dois transportadores: enquanto o NAD+ é utilizado em rea- ções de catabolismo, o NADP+ é utilizado em reações de anabolismo. O FAD é outra molécula transportadora de prótons e elétrons; a parte da molé- cula que possibilita a reação no FAD é o anel isoalaxazina. De modo semelhante ao NAD+, o FAD pode aceitar dois elétrons e dois prótons, mas os dois H+ são captados diretamente pelo anel, formando a molécula reduzida FADH2. 26 Bioquímica FAD+ + 2 e– + 2 H+ FADH2 Outros tipos de moléculas que transportam energia são aquelas que possuem nucleotídeos contendo ribose e fosfato rico em energia. Esse tipo de molécula é essencial para o funcionamento da célula, pois funcionam como uma moeda de troca. Em reações não espontâneas, é necessário que exista um doador externo de energia, assim ocorre quebra do ATP ou de outro transportador de fosfato, acarre- tando a liberação de energia para que possa acontecer a reação. Existem vários doadores de fosfato, e cada um deles recebe e fornece energia com a catálise de enzimas específicas. O ATP é um nucleotídeo composto por adenina, D-ribose e três grupos fosforil; a ligação dos dois últimos grupos fosforil possui alta energia, e, quando a quebra dessa ligação acontece,ocorre uma libera- ção de energia – apresentando ∆G negativo. Depois que ocorre a hidrólise do ATP, libera-se ADP (adenosina difosfato) e Pi (fosfato inorgânico). Esses dois elementos são reciclados na célula e unidos nova- mente, entretanto o processo de síntese é muito complexo, sendo chamado de respiração celular, com ∆G geral positivo. Além do ATP, existem mais três moléculas importantes que funcionam de modo similar, são elas: a guanosina trifosfato (GTP), a uridina trifosfato (UTP) e a citosina trifosfato (CTP). Cada uma dessas moléculas participa de metabolismos específicos. Dessas, o GTP é usado em muitos processos celulares, sendo um bom exemplo a utilização dessa molécula pela Proteína G no processo de sinalização celular. 1.6 Carboidratos Vídeo Existem vários tipos de moléculas que fornecem energia para as células, porém os carboidratos são muito importantes para a execução dessa ação. Além da função energética, servindo como fonte e armazenamento (por exemplo, o glicogênio nos animais e o amido nos vegetais), eles apresentam também funções na síntese de outros componentes celulares e como elementos estruturais. São as macromoléculas existentes em maior quantidade na natureza, com mais da me- tade do carbono fixado nas moléculas orgânicas. Além dessas funções, há muitas outras descritas como atividades biológicas e que ocorrem por causa da grande diversidade estrutural apresentada pelos carboidratos. 1.6.1 Monossacarídeos Para entender melhor como são os carboidratos, é necessário saber que existem três classes estruturais: os monossacarídeos, os oligossacarídeos e os polissacarí- deos. Os monossacarídeos são os carboidratos mais simples, considerados as me- Energia celular 27 nores unidades desse tipo. Para formar os oligossacarídeos, ocorre a união entre dois a dez monossacarídeos – mais do que isso é considerado um polissacarídeo. Os monossacarídeos apresentam como fórmula geral Cn(H2O)n, em que existem muitas hidroxilas (polihidroxilados) que estão ligadas a carbonos quirais, e esse fato acaba dando origem a vários isômeros. Além das hidroxilas, podem existir dois tipos de grupos estruturais importantes: 1. se o monossacarídeo apresentar no primeiro carbono um grupo aldeído, ele é chamado de aldose; 2. se no segundo carbono houver um grupo cetona, ele será chamado de cetose. De modo geral, são moléculas cristalinas, incolores e muitas possuem sabor adocicado (NELSON; COX, 2011). Figura 7 Aldose e cetose IE SD E Br as il S/ A OH C H H C C C C OH OH O OH H H H H OHH C Gliceraldeído Diidroxiacetona Aldose Cetose Quanto à quantidade de carbonos, os monossacarídeos podem ter de três a nove carbonos, sendo chamados de trioses, tetroses, pentoses, hexoses, heptoses, octoses e nonoses, respectivamente. Entre todas essas, as hexoses são as mais abundantes, e dentro desse grupo das hexoses, a glicose é o monossacarídeo mais abundante da natureza. A presença de carbonos quirais – ou anoméricos – é um ponto importante dos monossacarídeos. Isso produz uma grande quantidade de isômeros ópticos. O úni- co monossacarídeo que não apresenta nenhum centro quiral é a diidroxiacetona. A quantidade de carbonos quirais varia nos monossacarídeos, dependendo do número de carbonos da molécula e também se é uma aldose ou uma cetose. Um exemplo é a menor das aldoses, o gliceraldeído apresentado (Figura 7) e que possui apenas um carbono quiral. Como o gliceraldeído apresenta esse único centro qui- ral, observe que existem dois enantiômeros: o D-gliceraldeído e o L-gliceraldeído. Você pode questionar: como identificar se o enantiômero é dextrogiro (D-) ou levogiro (L-)? Para chegar a essa resposta, é necessário observar a posição da hidro- xila (-OH) no carbono quiral. Quando a hidroxila estiver do lado direito do carbono quiral, a molécula é D-; no entanto, se a hidroxila estiver do lado esquerdo do car- bono quiral, a molécula será L-. É necessário, porém, analisar também o caso da diidroxiacetona, que, por sua vez, não possui nenhum centro quiral. Nesse caso, ela não apresenta isômeros, logo ela não pode ser denominada dextrogira ou levogira. Isômeros são compostos que contêm o mesmo número dos mesmos áto- mos, porém eles estão em arranjos diferentes. Existem vários tipos de isomeria, como a de função, geomé- trica, óptica, entre outras. Já os estereoisômeros são imagens especulares chamadas de enantiômeros; os pares de estereoisôme- ros que não são imagens especulares são chamados de diastereoisômeros. Saiba mais 28 Bioquímica Entretanto, se o monossacarídeo apresentar mais do que um centro quiral, para caracterizar se a molécula é D- ou L-, deve-se observar o último quiral da cadeia de carbonos e, em seguida, observar a mesma regra descrita anteriormente. Verifique as duas hexoses da Figura 8: a aldose possui quatro carbonos quirais, e a cetose possui três carbonos quirais, mas o último centro quiral da estrutura – nos dois casos – estão com a hidroxila para o lado direito, portanto as duas moléculas são dextrogiras (-D). Figura 8 Hexose OH C C C C C CH2OH OH H OH OH H HO H H C C C CH2OH H O OH OH HO H H C CH2OH D-Glucose D-Fructose Aldose Cetose Observe na Figura 8 que as duas hexoses são semelhantes, porém, como a ce- tose possui o grupo funcional no carbono dois, ela apresenta um carbono quiral a menos. Quando dois monossacarídeos são diferentes apenas na posição da hidro- xila de apenas um carbono quiral, eles são chamados de epímeros – a D-glucose e a D-manose são alguns exemplos. Observe as várias aldoses (Figura 9) e cetoses (Figura 10) de seis carbonos apresentadas e verifique se consegue identificar ou- tros epímeros. IE SD E Br as il S/ A Figura 9 Aldoses OH H H H H C OH OH OH OH CH2OH D-Allose OH HO H H H C H OH OH OH CH2OH D-Altrose D-Idose OH HO H HO H C H OH CH2OH H OH D-Gulose OH H H HO H C OH OH CH2OH H OH D-Mannose OH HO HO H H C H H CH2OH OH OH D-Glucose OH H HO H H C OH H CH2OH OH OH D-Talose OH HO HO HO H C H H CH2OH H OH OH H HO HO H C OH H CH2OH H OH D-Galactose C C C C C C C C C C C C C C C C C C C C C C C C C C C C C C C C IE SD E Br as il S/ A Energia celular 29 Figura 10 Cetoses H H H C OH O CH2OH OH OH CH2OH D-Psicose HO H H C H O CH2OH OH OH CH2OH D-Fructose HO HO H C H O CH2OH H OH CH2OH D-Tagatose H HO H C OH O CH2OH H OH CH2OH D-Sorbose C C C C C C C C C C C C Para que possamos continuar o estudo, é necessário lembrar que o formato real descrito para os átomos de carbono não é como o mostrado nas duas figuras anteriores. O formato correto do carbono é tetraédrico, como mostrado na figura a seguir. Figura 11 Estrutura tridimensional do carbono A C Y X B A C X B X X X C A B A A X X B A Y C X B A C X B Y Imagem especular da molécula original Molécula original Imagem especular da molécula original Molécula original Molécula quiral: a molécula girada não pode ser sobreposta à sua imagem especular Molécula não quiral: a molécu- la girada pode ser sobreposta à sua imagem especular (a) (b) Por esse motivo, os monossacarídeos, quando estão em solução aquosa, não possuem uma cadeia de carbonos reta. A cadeia de carbonos se dobra, fazendo a aproximação do carbono que possui a dupla ligação – que contém o grupo funcio- nal principal – com o último carbono quiral da cadeia de carbonos. Dessa forma, o oxigênio do último carbono reage com o carbono da dupla ligação por meio de um ataque ao núcleo desse átomo (ataque nucleofílico). Esse ataque promove o deslocamento da dupla ligação, unindo o carbono que tinha a dupla com o oxigênio do último quiral, e essa reação forma uma molécula cíclica. Para manter a estabilidade de todos os átomos envolvidos, o hidrogênio, que estava ligado ao oxigêniodo último quiral, é transferido para o oxigênio que tinha a dupla ligação antes, formando uma nova hidroxila. Quando a hidroxila é IE SD E Br as il S/ A IE SD E Br as il S/ A 30 Bioquímica formada, o carbono se torna um centro quiral. A reação de ciclização é mostrada na figura a seguir. Figura 12 Reação de ciclização da D-Glicose IE SD E Br as il S/ A OH C C C C C OH OH H H H HHO CH2OH 1 2 3 4 5 6 OH OH OH HH HO H H H O C C C C C CH2OH6 5 4 1 23 OH OH OH HO H HO H H H C C CC C CH2OH 2 1 3 4 5 6 α-D-Glicopiranose OH OH H OHO H HO H H H C C CC C CH2OH 2 1 3 4 5 6 β-D-Glicopiranose D-Glicose OH Um fato importante a se abordar é que, dependendo do tamanho da cadeia de carbonos, o formato da dobra mudará, tornando-se cíclica ou não. A cicliza- ção ocorre em aldoses com mais de quatro carbonos e em cetoses com mais de cinco carbonos. A reação de ciclização ocorre de dois modos: entre um aldeído e um álcool, ou entre um grupo cetona e um álcool. Com isso, forma-se um hemiacetal ou hemicetal; a formação do hemiacetal é fundamental para que ocorra ligação glicosídica. Lembre-se de que carbono hemiacetal é um carbono quiral e, dependendo da posição da hidroxila, pode ficar ao final da reação de ciclização, modificando o formato (conformação) da molécula e formando anômeros, que possuem nomes e características diferentes. Quando a hidroxila do hemiacetal fica para cima, a molécula está na forma α, mas se essa hidroxila estiver para baixo, a molécula está na forma β. As formas α e β, em solução aquosa, sofrem mutarrotação. Outra informação importante se refere ao formato do anel da estrutura do monossacarídeo na forma cíclica. Piranose é o nome do anel com seis lados, e furanose, de um anel de cinco lados (Figura 13). Em análises químicas, obser- vamos que anéis piranosídicos são mais estáveis do que os furanosídicos para uma hexose. Energia celular 31 Figura 13 Piranoses e furanoses H H H H H H HH HH H H HH HH HH HH H H CH2OH CH2OH CH2OH CH2OH HOCH2 HOCH2 OH OH OHOH OHOH OH OH OH OH OH OH HO HO HOHO HOHO 5 54 43 32 21 1 6 6 α-D-Glicopiranose β-D-Glicopiranose β-D-Frutofuranose α-D-Frutofuranose OO OO OO OO A forma cíclica pode ser representada de várias maneiras; a Figura 13 mostra a fórmula de perspectiva de Haworth, em que o anel de seis lados é plano. Porém, em solução aquosa, a forma molecular é diferente, pois os ângulos de- vem seguir a conformação do átomo de carbono. Por isso, a molécula pode estar em duas conformações, as chamadas formas de cadeira ou de barco. Essas duas conformações podem se interconverter, mas a forma mais estável é a de cadeira, pois todos os átomos estão na maior distância possível. Essa diferença é ilustrada na figura a seguir. Figura 14 Diferentes conformações da molécula de glicose H H H HH HH HH H H H H CH2OH CH2OH OH OH OH HO HO HO HO HO 55 44 33 2 2 1 1 6 6 Conformação de cadeira Conformação de barco OO OO IE SD E Br as il S/ A IE SD E Br as il S/ A 32 Bioquímica Os monossacarídeos apresentam várias funções biológicas, e a mais importan- te delas, como comentado anteriormente, é a função energética; entretanto, ou- tros monossacarídeos – como a ribose – podem servir para formar nucleotídeos, seja como ribose ou perdendo o oxigênio do carbono dois e se transformando em desoxirribose. Além das funções como moléculas isoladas, os monossacarídeos, tanto origi- nais quanto modificados, podem formar polímeros de diversos tamanhos, consti- tuindo oligossacarídeos e polissacarídeos. 1.6.2 Oligossacarídeos e polissacarídeos A formação de polímeros simples ou complexos é fundamental para que os carboidratos possam exercer várias funções nos organismos. Os polímeros com- plexos podem ser unidos também com outras macromoléculas, como proteínas – formando as glicoproteínas ou as proteoglicanas – e lipídeos – quando forma os glicolipídeos. Porém, para que ocorra a formação do polímero de monossacarídeos original, é necessário que eles sejam unidos por uma ligação glicosídica. Para ser formada, a ligação glicosídica – o hemiacetal, ou hemicetal, do primei- ro monossacarídeo – reagirá com uma das hidroxilas do outro monossacarídeo, retirando uma molécula de água para formar a ligação glicosídica, o que forma a ligação O-glicosídica. Essa ligação é do tipo covalente e a reação de condensação forma o acetal. O composto formado é chamado glicosídeo. Para separar os monossacarídeos, é necessário quebrar a ligação glicosídica por meio de hidrólise, ou seja, entrando água e quebrando a ligação, o que resulta na liberação dos compostos originais. O segundo monossacarídeo da ligação glicosí- dica possui muitas hidroxilas possíveis para a ligação, assim como o carbono he- miacetal pode ser α ou β, sendo necessário nominar corretamente a ligação. Isso permite que, mesmo ligados, seja possível identificar como eram os monossacarí- deos originais. Por exemplo, na lactose, a primeira molécula de galactose é beta, a segunda molécula é uma glicose, e elas estão ligadas aos carbonos um e quatro, portanto a ligação é β (1→ 4). Outras maneiras de representar essa mesma ligação são: β (1,4) ou β 1,4. Os oligossacarídeos são classificados dessa maneira quando possuem entre dois e dez monossacarídeos unidos, mas existem alguns na natureza – como a lactose – que são mais importantes para a saúde humana. Além dela, a sacarose – um dissacarídeo composto por frutose e glicose em ligação α (1→2) – é muito utilizada na culinária de um modo geral. A quantidade de oligossacarídeos na natureza não é muito alta, mas, diferen- temente disso, os polissacarídeos são encontrados em abundância. Para uma molécula ser considerada um polissacarídeo, é necessário que tenha mais de dez monossacarídeos formando um polímero, por isso possuem peso molecular mé- dio ou alto. Sua classificação depende do tipo de unidades repetitivas encontradas e da presença ou não de ramificações. Quando há unidades de apenas um tipo de monossacarídeo, ele é chamado de homopolissacarídeo, mas se o polímero for formado por dois ou mais monossacarídeos diferentes, é um heteropolissacarídeo. Energia celular 33 A síntese dos polissacarídeos varia de espécie para espécie, e, por consequên- cia, a enzima presente é que determina a presença ou não de ramificações, assim como o tamanho da molécula final. Essas variações estruturais determinam a função do polissacarídeo na célula e no próprio organismo. Um bom exemplo são os polissacarídeos de armazenamento: amido e glicogê- nio. Eles são homopolissacarídeos, porém variam em tamanho e principalmente em grau de ramificação. O glicogênio tem a função de armazenar moléculas de gli- cose nos tecidos animais e serve para o músculo estriado esquelético obter energia rapidamente, principalmente no exercício. O glicogênio do fígado tem como prin- cipal função manter a glicemia e a taxa de glicose no sangue. O amido, por outro lado, é o polissacarídeo principal de armazenamento de energia nos vegetais, e por esse motivo ele é utilizado como fonte alimentar de glicose. Há outros polissacarídeos com muitas variações estruturais e com muitas funções biológicas. Podemos citar as heterofucanas (com função antitumoral), a heparina (muito utilizada pela medicina como anticoagulante), entre outros. Se você quer aprender bio- química, o livro Princípios de Bioquímica de Lehninger, de David Nelson e Michael Cox, é um dos mais importantes para essa ciência; e como o próprio título diz, ele é o princípio para os estudos. A obra apresenta em de- talhes todos os processos bioquímicos, em especial o que acontece na célula. NELSON, D.; COX, M. Princípios de bioquímica de Lehninger. Porto Alegre: Artmed, 2018. Livro CONSIDERAÇÕES FINAIS Neste capítulo percebemos que existem muitos elementos necessários para o bom funcionamento das células e do corpo de umindivíduo. A manutenção do pH de todos os compartimentos celulares é crucial para que as reações químicas possam acontecer. Além disso, a transferência e a produção de energia entre as moléculas são fundamentais para a manutenção da vida. Entre as moléculas transportadoras de energia, o ATP é a principal, e existem vários combustíveis para que possamos obtê-la, como os lipídeos e os aminoácidos, mas principalmente os carboidratos. Portanto, concluímos que, para manter a vida, é necessário que ocorra troca de nutrientes na célula e que as reações químicas aconteçam na quantidade e no momento corretos. ATIVIDADES Atividade 1 Um indivíduo ingeriu cerca de 500 ml de suco de limão (pH 2,0). Explique por que o pH do sangue não é alterado com essa ingestão. Atividade 2 Francini sofre com um distúrbio alimentar que a induz ao vômito. Ao chegar no hospital, constata-se ela está muito magra e com respiração abaixo do normal, isto é, com bradipneia. O HCO3 – é de 72 meq/L (valor de referência: 24-29 meq/L), PCO2 é de 58 mmHg (ref.: 35 – 45 mmHg), e pH do sangue de 7,62. Ao analisar esse caso clínico, você pode indicar qual é o distúrbio do equilíbrio ácido-base apresentado por Francini? Justifique. 34 Bioquímica HH H HH HHOHOH OH HH HH H H H CH2OH OHOH OH O OO CH2 Atividade 3 Promova a quebra da ligação glicosídica do dissacarídeo a seguir e diga o nome da ligação glicosídica indicada na flecha: OO OO REFERÊNCIAS BERG, J. M.; TUMOCZKO, J. L.; STRYER, L. Bioquímica. 7 ed. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 2014. COGAN, M. G.; RECTOR, F. C. Acid-base disorders. In: BRENNER, B. M.; RECTOR, F. C. (ed.). The kidney. Philadelphia: WB Saunders, 1991. DONN, S. M.; SINHA, S. K. Neonatal respiratory care. 2. ed. Philadelphia: Mosby Elsevier, 2006. HALL, J. E. Guyton & Hall: tratado de fisiologia médica. 12. ed. Rio de Janeiro: Elsevier, 2011. HENEINE, I. F. Biofísica básica. 2. ed. São Paulo: Atheneu, 2010. KOEPPEN, B. M.; STANTON, B. A. Berne & Levy: fisiologia. 6. ed. Rio de Janeiro: Elsevier, 2009. MURRAY, R. K. et al. Bioquímica ilustratada de Harper. 29 ed. Porto Alegre: Artmed, 2013. NELSON, D. L.; COX, M. M. Princípios de bioquímica de Lehninger. 6. ed. Porto Alegre: Artmed, 2014. SILVERTHORN, D. U. Fisiologia humana: uma abordagem integrada. 5. ed. Porto Alegre: Artmed, 2010. Moléculas responsáveis pela estrutura e metabolismo da célula 35 2 Moléculas responsáveis pela estrutura e metabolismo da célula @As células são formadas por macromoléculas com funções distintas e importan- tes. Entre essas moléculas estão os carboidratos, as proteínas, os lipídeos e os ácidos nucleicos. Proteínas são as moléculas mais importantes e abundantes nos organismos vivos, importância essa que vem do fato de elas serem responsáveis pela maioria das funções celulares e do próprio organismo. Suas menores unidades são os aminoáci- dos, os quais são unidos para formar essas macromoléculas. As enzimas são proteínas com função de aceleração das reações químicas e são fundamentais para que os orga- nismos vivos possam fazer o metabolismo. Outra molécula fundamental para a estrutura, o funcionamento celular e o próprio organismo são os lipídeos, que apresentam funções muito variadas e fundamentais para que o organismo seja formado e seu funcionamento ocorra. Com o estudo deste capítulo, você será capaz de: • analisar a estrutura, a característica química e a classificação dos aminoácidos; • descrever a formação da ligação peptídica; classificar as proteínas; descrever os níveis crescentes de complexidade das estruturas proteicas e a desnaturação proteica; • definir a função e as características das enzimas na célula e no organismo hu- mano; descrever os mecanismos de catálise enzimática; definir enzimas alosté- ricas e descrever o seu funcionamento; definir o papel das enzimas na clínica; explicar como a velocidade das reações enzimáticas pode ser alterada por dife- rentes fatores; • classificar os lipídeos de acordo com a sua função biológica; definir as estrutu- ras dos triacilglicerois e dos ácidos graxos; classificar os ácidos graxos; definir a estrutura básica dos fosfolipídeos e glicolipídeos; definir a estrutura básica dos esteroides e a estrutura do colesterol. Objetivos de aprendizagem 2.1 Aminoácidos, peptídeos e proteínas Vídeo As moléculas mais funcionais do organismo são as proteínas, que nada mais são do que polímeros de aminoácidos, ou seja, são constituídas de aminoácidos liga- dos entre si. Para receber o “título” de proteína, é necessário que o polímero tenha mais de 70 resíduos de aminoácidos; se tiver entre 2 e 69 aminoácidos unidos são chamados de peptídeos. Porém, para iniciarmos o estudo das proteínas, é necessá- 36 Bioquímica rio entendermos primeiro as principais características dos aminoácidos, tendo em vista que eles são as unidades formadoras dos peptídeos. Os peptídeos e as proteínas apresentam como estrutura primária os aminoáci- dos, sendo derivada da combinação de apenas 20 tipos de aminoácidos diferentes. Além de formarem os polímeros, alguns aminoácidos apresentam outras funções importantes, como precursores de neurotransmissores e hormônios (triptofano e tirosina), neurotransmissores (aspartato e glutamato) e transportadores de nitro- gênio no sangue (glutamato, glutamina e alanina). Quando são modificados, eles podem se tornar hormônios, como a tri-iodotironina (T3), a tetraiodotironina ou a tiroxina (T4), que são derivados da tirosina. 2.1.1 Aminoácidos Uma molécula para ser considerada aminoácido deve ter uma estrutura básica comum com algumas propriedades químicas importantes: a estrutura em si é composta de um carbono central – chamado de carbono alfa (α) – ligado a quatro substituintes, sendo três deles fixos e um variável. Os grupos fixos são: grupamen- to amina, de caráter básico (ganha H+); grupamento carboxila, de caráter ácido (perde H+); e hidrogênio. Por fim, temos a cadeia lateral, ou grupamento R, que é o elemento variável; a partir desse grupo químico diferenciamos um aminoácido de outro. Figura 1 Estrutura básica de um aminoácido As propriedades químicas dos aminoácidos, denominadas estereoisomeria, iden- tificam essas moléculas pela natureza do radical e a verificação se o carbono α é quiral ou não. Podemos observar no caso dos aminoácidos o grupo amina na posição para análise. Esse é o único grupo com característica química distinta, por apresentar caráter básico e átomo de nitrogênio, comparado aos grupos fixos do aminoácido; por isso, quando o grupo amina está à direita, o aminoácido é dextrogiro (-D) – desvia a luz para a direita. No entanto, quando ele está à esquer- da, a molécula é levogira (-L) – desvia a luz para a esquerda – como mostramos na Figura 2. IE SD E Br as il S/ A Na isomeria óptica, o carbo- no deve estar com quatro diferentes substituintes para ser considerado um carbono assimétrico ou quiral. Uma molécula com somente um carbono quiral pode ter dois estereoisômeros; quando dois ou mais (n) carbonos quirais estão presentes, então podem existir 2n estereoisômeros. Já quando dois estereoisômeros são imagens especulares um do outro são chamados de enantiômeros; e pares de estereoisômeros que não são imagens especulares um do outro são denomina- dos diastereoisômeros. Saiba mais Moléculas responsáveis pela estrutura e metabolismo da célula 37 Figura 2 Estereoisômeros no aminoácido alanina (a) (b) Ainda, é importante notarmos a existência de mais de vinte tipos de aminoáci- dos, e as proteínas podem chegar a ter mais de cinco mil resíduos de aminoácidos. Um polímero desse tamanho, quando é identificado e seus aminoácidos colocados em sequência, gera uma quantidade imensa de informação, mas somente se o nome de cada um dos aminoácidos for inserido por completo para representá-los e classificá-los. Por esse motivo foram criados símbolos de três letras e, posterior- mente, símbolos de uma letra para conseguirmos identificar essesaminoácidos, como demonstramos no Quadro 1. Quadro 1 Nome vulgar e simbologia de alguns aminoácidos Nome vulgar Símbolo (três letras) Símbolo (uma letra) Glicina Gly G Alanina Ala A Leucina Leu L Valina Val V Isoleucina Ile I Prolina Pro P Fenilalanina Phe F Serina Ser S Treonina Thr T Cisteína Cys C Tirosina Tyr Y Asparagina Asn N Glutamina Gln Q IE SD E Br as il S/ A (Continua) 38 Bioquímica Nome vulgar Símbolo (três letras) Símbolo (uma letra) Aspartato ou ácido aspártico Asp D Glutamato ou ácido glutâmico Glu E Arginina Arg R Lisina Lys K Histidina His H Triptofano Trp W Metionina Met M Fonte: Elaborado pela autora. Apesar de os aminoácidos apresentarem estrutura básica comum, suas proprie- dades químicas podem ser diferentes, se o grupo radical for alterado. As proprie- dades de polaridade e de comportamento em relação à água também afetam sua solubilidade, por isso o grupo radical indicará se o aminoácido é hidrofílico e polar (solúvel em água) ou hidrofóbico e apolar (insolúvel em água). 2.1.2 Classificação dos aminoácidos Quando analisamos as propriedades químicas dos diferentes aminoácidos, conse- guimos entender de que forma essa classificação, em que os aminoácidos são orga- nizados de acordo com sua polaridade e presença ou não de cargas no grupamento radical, interfere na estrutura e na função de um peptídeo ou proteína. Logo, é possível dividirmos esses aminoácidos em alguns grupos. O primeiro grupo de aminoácidos apresenta grupamentos apolares e alifáticos; nele, os radicais têm apenas átomos de carbono e hidrogênio, com exceção da metionina, por isso são insolúveis em água. A metionina é uma exceção, pois tem um átomo muito eletronegativo, o enxofre, que até poderia fornecer a característica polar, se não estivesse entre dois carbonos. Nessa situação, a eletronegatividade de dois átomos iguais em posições opostas acaba anulando a eletronegatividade do enxofre, fazendo com que a metionina se torne apolar e alifática. Os aminoácidos desse grupo normalmente são encontrados na porção interna das proteínas, sem contato direto com a água. Entre os aminoácidos desse gru- po vale também destacarmos a prolina – a única que apresenta cadeia fechada e, quando está em uma proteína, confere rigidez ao local onde está. COO– COO– COO– COO– COO–COO– COO– CH3 CH3 CH3 CH3 CH3 CH3 CH2 CH2 S CH CH2 CH2 CH CH2 CH CH2 CH3CH3H2C H H H H H H H HC C C C CC CH3N H3N H3N H3N H3NH2N H3N + + + + + + + Glicina Alanina Prolina Valina Metionina IsoleucinaLeucina Figura 3 Grupos de apolares alifáticos IE SD E Br as il S/ A O segundo grupo dos aminoácidos apresenta um anel aromático (fenílico) no seu grupamento radical. A presença desse anel confere apolaridade à estrutura Moléculas responsáveis pela estrutura e metabolismo da célula 39 e, portanto, baixa solubilidade em água. A seguir, listamos os três aminoácidos encontrados nesse grupo, que diferem pela presença ou não de átomos eletrone- gativos ligados ao grupo fenil. • Fenilalanina: não tem nenhum átomo eletronegativo, por isso é o aminoáci- do mais apolar desse grupo. • Tirosina: tem um grupo hidroxila ligado ao anel fenílico. • Triptofano: apresenta um anel indol. Essa substituição faz com que a tirosina e o triptofano sejam significativamente mais polares do que a fenilalanina. Fenilalanina Tirosina Triptofano COO– COO– COO– H H HC C CH3N H3N H3N + + + CH3 CH2 OH CH2 C CH NH Figura 4 Grupos aromáticos IE SD E Br as il S/ A O terceiro grupo de aminoácidos são os caracterizados como polares e não car- regados. Eles têm átomos eletronegativos, como oxigênio, nitrogênio e enxofre, os quais aumentam a solubilidade na água; além disso, a estrutura do radical não apre- senta carga elétrica. Desse grupo, vale destacarmos o aminoácido cisteína, que tem um grupo sulfidrila – o enxofre da sulfidrila está na ponta da cadeia lateral, possibili- tando a ocorrência de uma ligação covalente com outra cisteína, mas somente quan- do os hidrogênios desse grupo são retirados. Em caso de retirada, ocorre a formação de uma ligação dissulfeto (ponte dissulfeto) e, normalmente, esse tipo de ligação promove a estabilização da estrutura tridimensional de um peptídeo ou proteína. COO– COO– COO–COO– COO– CH2 CH2 CH2 H2N H2N CH2 OH O O CH3 SH OHH H H HH HC C C C CH2 C C C C H3N H3N H3NH3N H3N + + ++ + Serina Treonina Cisteína Asparagina Glutamina Figura 5 Grupos polares não carregados IE SD E Br as il S/ A Os próximos grupos de aminoácidos são aqueles que apresentam carga no ra- dical, a presença dessas cargas confere polaridade e solubilidade em água: o quar- to grupo apresenta carga positiva em suas cadeias laterais, pois tem um grupo amina com característica de base. Dentro desse grupo estão três aminoácidos, a lisina, a arginina e a histidina. 40 Bioquímica Figura 6 Grupos R carregados positivamente IE SD E Br as il S/ A Arginina Lisina Histidina COO– COO– COO– CH2 NH NH N NH2 +*NH3 NH2 CH2 CH2 CH2 CH2 CH2 CH C C H CH2 CH2 C H H HC C CH3N H3N H3N + + + No quinto grupo estão o glutamato e aspartato, esses dois aminoácidos têm carga negativa, visto que contêm um grupo carboxila no radical que tem caráter ácido. Aspartato Glutamato COO– COO– COO– COO– CH2 CH2 CH2 H HC CH3N H3N + + Figura 7 Grupos R carregados negativamente IE SD E Br as il S/ A + Os aminoácidos também podem ser classificados quanto à necessidade de obtenção na dieta; nesse caso, eles são divididos em essenciais, não essenciais e condicionalmente essenciais. Os aminoácidos essenciais são aqueles obtidos exclusivamente via alimentação, devido ao fato de o nosso organismo não ter as suas vias de síntese. Por outro lado, a síntese dos aminoácidos não essenciais é possível porque nossas células têm vias metabólicas para realizar esse processo. Já os aminoácidos condicionalmente essenciais são produzidos pelo organismo, porém a quantidade não é suficiente em determinados períodos da vida, como no crescimento, na gestação e na amamentação, por isso devem ser suplementados na dieta. 2.1.3 Análise físico-química dos aminoácidos Após essas classificações, você deve estar se perguntando como os aminoáci- dos que comemos ou saem das células podem ser transportados no sangue? O pH sanguíneo (com média de 7,4) permite que ocorra a ionização dos grupos amina e carboxila do aminoácido. O grupamento amina (-NH2) recebe o H + (próton) do meio aquoso, recebendo uma carga positiva e passa a ser NH3 +. Por outro lado, a carboxila (-COOH), de caráter ácido, doa seu H+ (próton), com isso fica com uma carga negativa (-COO-), gerando uma molécula carregada, e quanto maior a pre- sença de cargas na molécula, mais solúvel em água ela é. No pH do sangue, esses dois grupos estão ionizados e geram uma forma híbrida, ou zwitteriônica 1 Zwitterion é uma palavra de origem alemã que significa “íon dipolar”, ou seja, na mesma molécula está um grupo com carga positiva e outro com carga negativa. 1 , o que permite o transporte livre de qualquer aminoácido na corrente sanguínea. Moléculas responsáveis pela estrutura e metabolismo da célula 41 Com base nessa observação, levantamos outra pergunta importante: como ana- lisar cada um dos aminoácidos para saber em qual pH ele será solúvel em água? Além disso, existe uma consideração relevante: com a presença de grupos ácidos e básicos em cada um dos aminoácidos, eles podem exercer a função de sistema tampão e, com isso, controlar o pH da solução aquosa. Contudo, para avaliar em qual faixa de pH que ocorre o controle, é necessário avaliar a curva de titulação de cada aminoácido. Na Figura 8, vamos avaliar um exemplo de curva de titulação, e para isso o aminoácido escolhido foi a glicina. Glicina 13 pH 0 0,5 1 15 2 7 pK1 = 2,34 pK2 = 9,60 pl = 5,97 A B COOH COO– COO– CH2 CH2 CH2 NH3 NH3 NH2pK1 pK2 OH– (equivalentes) Figura 8 Curva de titulação da glicina IE SD EBr as il S/ A+ + Na Figura 8, o ponto A corresponde ao valor de pKa do grupo carboxila da glicina, enquanto o ponto B corresponde ao valor de pKa do grupo amina desse aminoá- cido. Em cada um desses valores de pKa, há uma faixa de controle do pH, situada desde hum (1) ponto acima até hum (1) ponto abaixo de cada valor de pKa. Outra característica importante é o chamado ponto isoelétrico (PI) do aminoácido. O PI é o valor de pH em que a carga total da molécula de aminoácido é zero, e para a glicina é de 5,97; observe que a glicina não tem um radical ionizável. Em aminoácidos que apresentam radical com essa característica de ser ionizável é sempre importante também avaliar o pKa do radical. Quando os aminoácidos são unidos para formar peptídeos ou proteínas, os gru- pos amina e carboxila, que estão ligados ao carbono α, não terão mais a capacidade de tamponamento. Portanto, em polímeros, apenas os aminoácidos que apresen- tam radicais ionizáveis podem ter a função de controle de pH da solução aquosa. 42 Bioquímica 2.2 Estrutura de proteínas Vídeo A formação de um peptídeo ou de uma proteína requer a união entre os ami- noácidos, união essa que é feita pela ligação peptídica – que é covalente, do tipo amida, extremamente estável e com caráter de dupla ligação. Apesar de existirem diferentes tipos de aminoácidos, a reação de formação da ligação covalente será sempre feita da mesma forma: a hidroxila da carboxila do primeiro aminoácido reage com o hidrogênio do grupamento amina do segundo aminoácido. O resulta- do dessa reação sempre será uma molécula de água. Figura 9 Formação da ligação peptídica IE SD E Br as il S/ A R1 R2H CH CHNOH H2O H2O H O C COO–+H3N + R1 R2H CH CHN O C COO–H3N + Lembre-se de que essa reação de formação da ligação peptídica ocorre no ri- bossomo, por esse motivo a ligação de outros aminoácidos para formar um peptí- deo depende do código de RNA mensageiro presente no ribossomo. Além disso, a entrada de um novo aminoácido ocorre sempre pelo mesmo lugar no ribossomo, ou seja, a nova ligação peptídica será entre a carboxila do dipeptídeo com o grupo amina do aminoácido que está chegando. Após a formação da ligação peptídica, os aminoácidos são chamados de resíduos. A quantidade de aminoácidos ligados para formar um peptídeo ou uma pro- teína depende de vários fatores, mas o principal é a codificação trazida pelo RNA mensageiro; além disso, o número de aminoácidos no polímero é o critério utiliza- do para classificar e nomear as estruturas das proteínas. Um peptídeo contendo entre 2 e 10 aminoácidos ligados é chamado de oligopeptídeo (oligo = poucos), por outro lado, com mais de 10 aminoácidos ligados é denominado polipeptídeo (poli = muitos). Vale destacarmos que para chamar o polipeptídeo de proteína é neces- sário que o polímero tenha mais de 70 resíduos de aminoácido, com massa molar maior do que 10 kDa. Outra coisa é que a atividade biológica pode ser encontrada tanto em oligopeptídeos quanto em polipeptídeos e proteínas. 2.2.1 Classificação das proteínas A classificação das proteínas pode ser feita de acordo com sua composição química e de acordo com o número de cadeias polipeptídicas presentes. A classi- ficação feita quanto à composição apresenta como critério a presença de somente aminoácidos na estrutura – são as chamadas proteínas simples – ou aquela que, além de aminoácidos, contém grupos de outra origem química, sendo que essas são denominadas proteínas conjugadas. Moléculas responsáveis pela estrutura e metabolismo da célula 43 Os grupamentos presentes nas proteínas conjugadas são nomeados de grupos prostéticos e podem ser bem variados em termos de estruturas químicas, temos os lipídeos, os carboidratos, os metais, entre outros. Esses grupos são essenciais para a atividade biológica da proteína, e a classe da proteína conjugada depende direta- mente desse grupo, como exemplificamos no Quadro 2. Quadro 2 Classes das proteínas segundo seu grupo prostético CLASSE GRUPO PROSTÉTICO EXEMPLO Lipoproteínas Lipídeos β1-Lipoproteína sanguínea Glicoproteínas Carboidratos Imunoglobulina G Fosfoproteínas Grupos fosfato Caseína do leite Hemoproteínas Heme (porfirina férrica) Hemoglobina Flavoproteínas Nucleotídeos de flavina Succinato desidrogenase Metaloproteínas Ferro Zinco Cálcio Molibdênio Cobre Ferritina Álcool desidrogenase Calmodulina Dinitrogenase Plastocianina Fonte: Adaptado de Nelson; Cox, 2014, p. 89. Algo importante de notarmos em alguns polipeptídeos e em algumas proteínas é o fato de que, para elas exercerem suas funções, é necessário mais de uma cadeia polipeptídica, logo a quantidade de cadeias polipeptídicas presentes na proteína para exercer sua função é outro critério para a classificação dessas macromoléculas. Com apenas uma cadeia polipeptídica, a proteína é chamada de monomérica, com mais de uma cadeia polipeptídica ela é denominada oligomérica e, normal- mente, são proteínas com estrutura complexa. Figura 10 Estrutura da mioglobina (a) e da hemoglobina (b) (a) (b) Na Figura 10, mostramos exemplos de proteínas monoméricas; é importante notarmos que a mioglobina tem apenas uma cadeia polipeptídica e um grupo pros- tético – representado em rosa – nomeado de grupo heme. Já a hemoglobina tem quatro cadeias proteicas diferentes (duas α e duas β), estruturas essas que são IE SD E Br as il S/ A 44 Bioquímica mantidas unidas por meio de ligações intermoleculares do tipo dissulfeto. Cada uma das quatro cadeias polipeptídicas da hemoglobina apresenta um grupo heme. As duas proteínas apresentam função de ligação com o oxigênio, porém a mio- globina está presente no músculo e ajuda esse tecido a permanecer mais tempo oxigenado. Já a hemoglobina está no sangue, com a função de transportar oxigênio dos pulmões para o tecido e gás carbônico dos tecidos para os pulmões. Portanto, ao analisar essas duas proteínas, observamos que, além de terem a classificação que acabamos de ver, elas podem ser classificadas como proteínas conjugadas; classificação essa que se deve à presença de grupo prostético. Vale a pena destacarmos que é o grupo prostético que tem a função de ligar oxigênio às duas proteínas, portanto se ocorresse separação desse grupo da proteína, ela não exerceria sua função. Outro fator importante é que o formato (conformação) de uma proteína é fun- damental para que ela exerça sua função específica, sendo que conformação é o formato espacial gerado pelos grupos químicos presentes nessa estrutura. 2.2.2 Estruturas das proteínas No momento que uma proteína é sintetizada pelos ribossomos, ocorre um ar- ranjo da cadeia polipeptídica que assume estruturas conformacionais mais com- plexas, que por sua vez surgem com o dobramento e enovelamento da cadeia primária de aminoácidos. Para que a conformação permaneça estável, nessas es- truturas mais complexas ocorrem interações moleculares fracas, do tipo ligação de hidrogênio e Van der Waals. A Figura 11 mostra os níveis estruturais crescentes de complexidade adquiridos por uma proteína. Figura 11 Estrutura de uma proteína IE SD E Br as il S/ A (Continua) Moléculas responsáveis pela estrutura e metabolismo da célula 45 Como mostramos na Figura 11, existem quatro níveis estruturais possíveis em uma proteína, e a seguir falaremos sobre esses tipos de estruturas mais detalha- damente. A estrutura primária é a sequência de aminoácidos de uma proteína, sendo codificada pelo RNA mensageiro no processo de tradução. A ordem dos ami- noácidos em uma cadeia polipeptídica determina as interações entre os aminoá- cidos próximos e, consequentemente, a estrutura tridimensional da proteína. Por isso, se ocorrer uma alteração na estrutura primária, todos os outros níveis estru- turais são alterados e, assim, a função da proteína também. A estrutura secundária é a sequência de aminoácidos que pode adquirir dois formatos possíveis, são eles: α hélice e conformação β. Esses formatos são manti- dos pelo impedimentoestérico (impedimento espacial) e pelas interações eletros- táticas (interações entre cargas). Na α hélice, a sequência de aminoácidos promove interações que fazem com que o polipeptídeo assuma o formato helicoidal, que é estabilizado principalmente pela ligação de hidrogênio; cada volta da α hélice con- tém aproximadamente 3,6 aminoácidos e 0,54 ηm. A cadeia polipeptídica com conformação β apresenta uma estrutura em zigue-zague, que pode estar disposta lado a lado (folha β) ou conectar pedaços (do- bras β). Nessa conformação, os resíduos de aminoácidos estão com os radicais em direções opostas, o que promove uma organização em zigue-zague; a estabilização da estrutura também ocorre por meio de ligações de hidrogênio. Em uma mesma proteína podem coexistir, em regiões distintas da cadeia po- lipeptídica, diferentes tipos de estrutura secundária e, quando a interação entre esses dobramentos e estruturas ocorre, produz a estrutura terciária. Os aminoá- cidos que estão mais distantes na cadeia polipeptídica podem interagir de diversas formas, modificando sua conformação espacial e estabilizando a estrutura. Sua estabilização é obtida por meio de interações eletrostáticas, hidrofóbicas, pontes dissulfeto e intermoleculares. A estrutura terciária pode ocorrer de duas maneiras: o dobramento pode ser fibroso, com baixa solubilidade em água, ou com dobramento globular, com gran- de solubilidade em água. As proteínas fibrosas têm cadeias proteicas que estão organizadas na forma de filamentos, ao passo que, nas globulares, as cadeias do- bram-se adquirindo forma esférica. As proteínas fibrosas geralmente têm funções 46 Bioquímica de suporte, força e proteção celular. As outras funções celulares são realizadas pelas proteínas globulares. Quando uma proteína apresenta mais do que uma cadeia polipeptídica, ou seja, tem a união de duas ou mais estruturas terciárias, forma a estrutura quaternária. A união de várias cadeias polipeptídicas ocorre por meio de interações moleculares, como ligações de hidrogênio, interação dipolo-dipolo e força de Van der Waals. Em proteínas que apresentam estrutura quaternária, sua função só é exercida quando as subunidades estão juntas. É importante destacarmos novamente que a estrutura adquirida pelas proteí- nas é fundamental para sua atividade biológica. Quando a estrutura quaternária e ou terciária é perdida, a função não será mais exercida: esse processo é chamado de desnaturação proteica. Existem algumas condições que promovem desnatura- ção, entre elas estão o aumento excessivo na temperatura, extremos de pH, solven- tes orgânicos e metais pesados. Na desnaturação, a estrutura globular se torna fibrosa e, portanto, insolúvel em água. Um bom exemplo disso ocorre ao fritarmos um ovo: a clara do ovo tem ovoalbumina, uma proteína globular que faz com que a clara seja transparente. Quando você aquece na frigideira, a ovoalbumina perde a estrutura terciária glo- bular e se torna fibrosa, por isso ela fica branca e você consegue pegar o ovo frito com o garfo, diferente de quando ele está in natura. Um dado importante é que na desnaturação não ocorre perda da estrutura pri- mária na sequência de aminoácidos, mas somente a perda da conformação es- pacial. Caso haja perda da estrutura primária, ocorre uma hidrólise, ocasionando degradação proteica. 2.3 Enzimas Vídeo Entre as funções das proteínas a função enzimática é uma das mais importan- tes. O termo enzima significa uma proteína com ação catalítica, porém vale ressal- tarmos que as enzimas não são as únicas moléculas com esse tipo de função na célula. Alguns RNAs – chamados de ribozimas – têm essa função catalítica, entre eles estão pequenos RNAs e os ribossomos, que são constituídos principalmente por RNA ribossômico. As enzimas, por serem proteicas, apresentam o tipo de es- trutura e processo de desnaturação, como estudamos anteriormente. Outra coisa importante a destacarmos é que em uma reação que é catalisada por enzima, os reagentes passam a ser nomeados de substrato. No início do estudo das enzimas, os pesquisadores deram nomes que dificulta- vam a identificação de qual era a reação catalisada por ela; devido a isso, hoje em dia a identificação de uma enzima é feita colocando o sufixo -ase no nome dela. Além disso, o nome da enzima deve indicar qual reação é catalisada, por isso o nome deve incluir o substrato da reação que ela catalisa ou da reação de que participa. Um bom Moléculas responsáveis pela estrutura e metabolismo da célula 47 exemplo disso é a enzima lipase, que catalisa a hidrólise dos lipídeos; e a descarboxi- lase, que catalisa a retirada do grupo químico carboxila de uma molécula. Por causa dessas regras de nomenclatura, elas foram classificadas de acordo com o tipo de reações que catalisam, a seguir veremos mais detalhadamente essa classificação. 2.3.1 Classificação das enzimas A classificação das enzimas é dividida em seis grupos, que se referem ao tipo reação química catalisada por elas: o grupo um são as oxidorredutases, grupo de enzimas que catalisam reações de oxidorredução, ou seja, troca de elétrons entre moléculas. O grupo dois são as transferases, que catalisam a transferência de gru- pos químicos entre moléculas. Existem vários subgrupos das transferases, porém o subgrupo quinase, ou cinase, são os mais importantes a serem destacados. As cinases se destacam devido à sua função, pois elas catalisam a transferência de grupos fosfato entre moléculas. O grupo três são as hidrolases, que são as responsáveis pela catálise de rea- ções de hidrólise, ou seja, a quebra de uma ligação química por inserção da água. O grupo quatro são as liases, que participam de reações de clivagem de ligação C-C, C-N, C-O ou outras ligações por eliminação, por rompimento de ligações duplas ou anéis, ou adição de grupos por ligação tripla. O grupo cinco são as isomerases, que catalisam a transferência de grupos den- tro da mesma molécula, produzindo isômeros. Por fim, o grupo seis são as ligases, essas enzimas catalisam as ligações C-C, C-N, C-S, C-O, C-S por reações de conden- sação acopladas à hidrólise de ATP ou cofatores similares. A catálise feita pelas enzimas é altamente eficaz, porém necessita de condições ótimas de temperatura, pH adequado e cada enzima pode catalisar várias vezes a mesma reação. Outro fator é que as enzimas são específicas para cada substrato e cada reação química e, para que essa especificidade seja possível, existe um lugar próprio para que o substrato se ligue. Esse lugar é chamado de sítio ativo, centro ativo ou sítio catalítico, e quando o substrato está ligado nesse lugar, forma-se o complexo enzima-substrato. Para que a enzima possa reconhecer seu substrato, há duas maneiras para fa- zer isso: a primeira é por afinidade química; e a segunda, por complementariedade. A ligação de uma molécula na enzima só ocorrerá se ela tiver afinidade química com os grupamentos radicais dos aminoácidos do sítio ativo; além disso, a confor- mação dessa molécula deve ser complementar ao sítio ativo, de forma estéreo es- pecífica. A ligação por complementariedade ocorre quando o formato do sítio ativo é complementar ao formato do substrato. Portanto, quando o substrato se ligar à enzima, tanto por afinidade química quanto por complementariedade, a afinidade da enzima pelo substrato será alta. Na Figura 12, exemplificamos a forma de liga- ção do substrato à sua enzima. 48 Bioquímica Figura 12 Enzima e seu substrato A análise do mecanismo de catálise das enzimas em uma reação química deve ser feita do ponto de vista energético. Para entendermos um pouco melhor esse processo, devemos lembrar que uma reação química precisa de energia para que os reagentes se encontrem, formem um complexo de ativação e, depois, formem produto, inclusive todas as reações químicas precisam dessas características. O que muda de uma reação para outra é a quantidade de energia necessária para formar o complexo de ativação. Quanto maior a energianecessária para formar esse complexo, maior o tempo que a formação de produto demora para acontecer. As enzimas, como catalisadores, promovem a formação do complexo de ativa- ção com maior facilidade, diminuindo a entropia, e organizando o sistema da rea- ção química. Com isso, o tempo para formação do complexo de ativação é menor e a formação de produto é mais rápida. Esse processo é mostrado no gráfico cha- mado diagrama de coordenada de reação (Figura 13); lembrando que ΔGǂ equivale à energia de ativação. Estado de transição (≠) ΔG≠ não catalisada Coordenada da reação S ES EP P En er gi a liv re , G ΔG≠ catalisada Figura 13 Diagrama de coordenada de reação IE SD E Br as il S/ A Um dado importante diz respeito à complementariedade entre enzima e subs- trato. A hipótese proposta por Linus Pauling e Jenks afirma que isso ocorre somen- te no estado de transição da reação. Nesse caso, a ligação inicial entre o substrato e a enzima induz a mudança de conformação do sítio ativo permite a complemen- tariedade com o substrato (NELSON; COX, 2014). Outra maneira de fazer a catáli- IE SD E Br as il S/ A Moléculas responsáveis pela estrutura e metabolismo da célula 49 se em algumas enzimas é chamada de catálise ácido-básica, covalente e por íons metálicos. Nesse tipo de catálise ocorre interações do tipo covalente, onde grupos químicos específicos na enzima facilitam a troca de grupos ou elétrons. As enzimas descritas até aqui foram descobertas por Leonor Michaelis e Maud Menten e, para que ocorra a formação de produto, precisam de pH e temperatura ótimos e de uma quantidade adequada de substrato, sendo nomeadas de enzimas de Michaelis-Menten ou enzimas não alostéricas. Outro tipo de enzima importante é a denominada enzima alostérica, que tem um grupamento não peptídico ligado à sua cadeia polipeptídica, essencial para ativar sua atividade enzimática, chamado de cofator. O cofator pode ser de dois tipos: íons inorgânicos, chamados sais mine- rais (Mg2+, Cu2+, Fe2+, Zn+) e os orgânicos, também denominados coenzimas, que são derivadas de vitaminas hidrossolúveis. 2.3.2 Cinética enzimática Cinética enzimática é o termo que se usa para determinar a velocidade da reação das enzimas com variação nos parâmetros experimentais (NELSON; COX, 2014). Ao analisarmos a alteração de temperatura em relação à atividade enzimática, verificamos que quando a temperatura está baixa, a atividade também está pe- quena. Porém, quando a temperatura aumenta, a atividade enzimática também aumenta até um ponto máximo, chamado de temperatura ótima da enzima. Nesse ponto, você deve estar se perguntando: então isso significa que se continuar au- mentando a temperatura a atividade acompanha? A resposta é não. Nesse caso, após atingir a temperatura ótima – que é uma característica da enzima –, a ativida- de diminuirá até que ocorra a desnaturação. Com a desnaturação, a enzima perde sua atividade biológica e, portanto, não terá nenhuma velocidade de reação. Outro fator importante é a alteração do pH de onde a enzima está localizada. Lembre-se de que o pH controla a ionização dos aminoácidos que estão na enzima, em especial a ionização do grupamento radical; com isso, alterações de pH interfe- rem diretamente na atividade enzimática. Cada enzima funciona corretamente em determinado valor de pH, chamado de pH ótimo. Quando o pH fica mais ácido, ou mesmo mais alcalino do que o pH ótimo, a atividade enzimática diminui até que a enzima desnature. Isso também mostra o quão importante é a manutenção do pH em cada compartimento celular e corporal. Os fatores que explicamos no parágrafo anterior são fundamentais para a ati- vidade tanto das enzimas não alostéricas quanto para as alostéricas. Outro fator que interfere nesses dois tipos enzimáticos é a variação da concentração de subs- trato; nesse parâmetro, observamos que, com o aumento na concentração, ocorre também aumento da velocidade da reação; aumento esse que continuará até não ocorrer mais alteração, mesmo com o crescimento da concentração de substrato. Podemos notar esse tipo de comportamento em todas as enzimas, e isso ocorre devido ao fato de que todas as enzimas disponíveis estão ligadas ao substrato (ES); com isso, elas atingem a velocidade máxima da reação e seu ponto de saturação pelo substrato. 50 Bioquímica Ao analisarmos o gráfico referente à alteração na concentração de substrato sobre a velocidade de reação, podemos obter um novo parâmetro de análise, o KM. Observe que a constante KM é a concentração de substrato capaz de fazer a enzima atingir metade de sua velocidade máxima (NELSON; COX, 2014). Vmáx. Vmáx./2 Concentração de substrato [S] Concentração de substrato [S] Ve lo ci da de d a re aç ão (V 0) Ve lo ci da de d a re aç ão (V 0) KM Vmáx. Figura 14 Efeito da concentração de substrato sobre a velocidade de uma reação enzimática – a) enzima não alostérica e b) enzima alostérica IE SD E Br as il S/ A a) b) A relação entre essas variáveis é observada em uma equação matemática obti- da por Michaelis-Menten para enzimas com um único substrato: V V S S Kmáx M 0 � � � � �� � � �. Sendo que: Vmax = velocidade máxima; [S] = concentração de substrato; V0 = velocidade inicial. Observe que as enzimas que apresentam uma relação hiperbólica de sua velocidade, em relação à concentração de substrato, seguem a cinética de Michaelis-Menten. Enquanto isso, enzimas alostéricas apresentam uma relação sigmoide para o mesmo parâmetro. De maneira geral, para enzimas com um único substrato, o KM é uma medida de afinidade da enzima pelo seu substrato: quanto menor for, maior será a afinidade pelo substrato. Outro parâmetro cinético importante é o KCAT, também chamado de número de renovação. O KCAT é uma medida da quantidade de moléculas de substrato conver- tidas em produto por unidade de tempo por uma molécula de enzima (NELSON; COX, 2014). Outra análise que pode ser feita é KCAT/ KM, que indica uma medida da eficiência catalítica, a qual permite comparar a preferência de uma enzima para diferentes substratos, ou seja, é a constante de especificidade. Observe que, quanto maior o valor de KCAT/KM, maior será a especificidade da en- zima por aquele substrato. Nesse caso, perceba que a quimotripsina tem maior afi- Moléculas responsáveis pela estrutura e metabolismo da célula 51 nidade por uma clivagem perto de cadeias laterais hidrofóbicas volumosas (BERG; TYMOCZKO; STRYER, 2014). Quadro 3 Preferência da quimotripsina por vários tipos de substrato Aminoácido em éster Cadeia lateral de aminoácido KCAT/KM (s-1 m-1) Glicina H 1,3 X 10-1 Valina CH2CHCH2 2,0 Norvalina CH2CH2CH3 3,6 X 10 2 Norleucina CH2CH2CH2CH3 3,0 X 10 3 Fenilalanina H2C 1,0 X 10 5 Fonte: Berg; Tymoczko; Stryer, 2014, p. 411. Além dessas análises, existem muitas outras extrapolações matemáticas que podem ser feitas com os dados encontrados principalmente no gráfico de KM, au- mentando a compreensão de como a enzima funciona. 2.3.3 Inibição enzimática Existem moléculas que promovem diminuição e até parada na atividade enzimá- tica, são os chamados inibidores enzimáticos. Além de os inibidores serem utilizados para melhor entendimento das propriedades e características enzimáticas, muitas moléculas são da classe de fármacos e são utilizadas no tratamento de várias doen- ças, como os medicamentos da classe das estatinas. Esses fármacos são inibidores parciais da enzima HMG-CoA redutase, que é a enzima-chave da biossíntese de colesterol. Em pacientes que usam esses fármacos ocorre maior controle do nível de LDL no sangue. Há também dois tipos de inibição: a reversível e a irreversível, vamos explicar a seguir sua formação e suas subdivisões. A começar pela inibição reversível, há três subtipos: a inibição competitiva, a não competitiva e a mista. Na inibição competitiva, o inibidor liga-se ao sítio ativo da enzima, o que impede a formação do produto. Podemos notar que esse inibi- dortem a conformação semelhante ao substrato, por isso consegue ligar-se ao sítio ativo, ocupando o espaço. Essa inibição competitiva ocorre tanto em enzimas alostéricas quanto não alostéricas e, para fazer com que a enzima funcione nova- mente, deve ser aumentada a concentração de substrato. Com esse aumento da concentração de substrato, o inibidor é deslocado e a enzima volta a funcionar. Um exemplo disso é o metanol, inibidor competitivo da enzima etanol desidrogenase. Para que a enzima funcione novamente e o paciente seja curado, é necessário au- mentar a concentração do substrato etanol. Na inibição não competitiva, o inibidor liga-se a outro local na enzima, normal- mente no sítio do ativador. O substrato pode até se ligar ao sítio ativo da enzima, porém o formato do sítio ativo não tem encaixe perfeito com o substrato, fazendo com que a enzima não possa se converter em produto. Já na inibição mista, o inibidor pode ligar-se diretamente à enzima (EI) ou ao complexo enzima-substrato (ESI) e, como nos tipos de inibição anteriores, a formação de produto é diminuída. 52 Bioquímica Figura 15 Distinção entre inibidores reversíveis Enzima Enzima Enzima Os inibidores irreversíveis são aqueles que o inibidor liga-se de forma estável na enzima, normalmente por ligações covalentes. O local de ligação é diferente de enzima para enzima, porém ocorre uma inibição por modificar definitivamente a conformação do sítio ativo. As enzimas alostéricas participam diretamente da coordenação dos processos metabólicos na célula. A grande maioria dos metabolismos precisa de pelo menos uma enzima regulatória, para que a formação dos produtos ocorra de acordo com as necessidades celulares. Esse processo regulatório pode ocorrer de duas ma- neiras: pelo controle da atividade das enzimas e pela quantidade de enzimas dis- poníveis. A quantidade de enzimas é regulada por meio da expressão genética da célula. Por outro lado, o controle da atividade de uma enzima pode acontecer por meio dos inibidores e dos moduladores enzimáticos que existem na própria célula e, muitas vezes, fazem parte do mesmo metabolismo. Uma maneira muito comum de controle do metabolismo ocorre quando alte- rações são induzidas por ligações covalentes. Nesse caso, grupamentos químicos são adicionados ou removidos em aminoácidos específicos da enzima. Os grupos mais comuns a serem introduzidos são sulfato, fosforil, acetil etc., e como a ligação desses grupos modifica a conformação enzimática, é necessário que a remoção seja catalisada por outra enzima. Nas vias metabólicas, as enzimas regulatórias são fundamentais para a regu- lação da formação de produto nas quantidades necessárias pela célula, regulação essa que é essencial para a manutenção da homeostase celular. 2.4 Lipídeos de armazenamento Vídeo Os lipídeos são biomoléculas que apresentam funções muito diferentes umas das outras e são fundamentais para os organismos vivos, algumas dessas funções são reserva de energia, isolamento térmico e composição de membranas biológicas. Ou- tras funções são a produção de hormônios esteroides, vitaminas lipossolúveis, agen- tes emulsificantes; por fim, também são utilizados como mensageiros intracelulares. Com relação às estruturas químicas, os lipídeos apresentam grandes diferenças, porém todos são moléculas anfipáticas, têm uma parte polar e outra apolar, mas predomina sempre a parte apolar, que confere baixa solubilidade em água. Essa IE SD E Br as il S/ A Moléculas responsáveis pela estrutura e metabolismo da célula 53 baixa solubilidade em meio aquoso é muito importante para a formação das células, tanto procariontes quanto eucariontes. Isso ocorre porque o fato de terem grande estrutura apolar causa separação entre o meio externo e interno das células ou sepa- ração de compartimentos celulares, formando as membranas celulares. De acordo com a estrutura, ocorrem classificações diferentes entre os lipídeos, classificações que veremos mais detalhadamente a seguir. 2.4.1 Triglicerídeos Os triglicerídeos, ou também conhecidos como triacilgliceróis, são formados por uma molécula de glicerol substituída por três ácidos graxos. Nos mamíferos, o ar- mazenamento ocorre no tecido adiposo. Para que possamos entender a função dos triglicerídeos e de outros lipídeos é necessário estudarmos primeiro suas menores unidades: os ácidos graxos. Eles são ácidos carboxílicos que apresentam uma cadeia de carbonos ligados a hidro- gênio com no mínimo 4 e no máximo 36 carbonos. A carboxila presente nessas estruturas tem característica hidrossolúvel e a cadeia carbônica é hidrofóbica. Os ácidos graxos, além de variarem no tamanho da cadeia de carbonos, podem ter mais uma variação estrutural. Na cadeia carbônica, as ligações entre os carbo- nos podem ser somente de ligações simples, nesse caso chamadas de ácido graxo saturado. Outra possibilidade é existir uma ou mais duplas ligações na cadeia de carbonos, sendo chamadas de insaturado. Se houver somente uma dupla ligação será denominada monoinsaturado, porém se houver mais do que uma será cha- mada de poli-insaturado. Por causa dessas diferenças estruturais, foi necessária a criação de duas regras para nomear os ácidos graxos. • 1ª regra: sempre inserir primeiro o número de átomos de carbono presentes na cadeia carbônica. • 2ª regra: somente após a inserção do número de átomos de carbono é que colocamos o número de duplas ligações presentes. Um exemplo da aplicação dessa regra: um ácido graxo com 16 carbonos e sem dupla ligação seria representado como 16:0; já um ácido graxo representado por 18:1 significa que apresenta 18 carbonos e uma dupla ligação. Figura 16 Ácidos graxos saturados (a) – ácido esteárico 18:0; Insaturado (b) – ácido oleico (18:1 ∆9) IE SD E Br as il S/ A 54 Bioquímica Uma observação importante é a que a convenção das regras que explicamos anteriormente não mostra em qual posição está a dupla ligação. Por esse motivo, existe outra maneira de representar: além de colocar a quantidade de carbonos e a quantidade de duplas, acrescentamos o símbolo delta (Δ) com a posição dessa dupla na cadeia carbônica. Por exemplo, 18:1 (Δ9) significa que esse ácido graxo apresenta 18 carbonos e uma dupla ligação que está entre os carbonos 9 e 10 da cadeia carbônica. Aqui vale lembrarmos que a contagem do número de carbonos sempre inicia na ponta mais próxima à dupla ligação, nesse caso a carboxila que será o carbono 1. Além avaliar a presença ou não da dupla, verificamos se a configuração na iso- meria é de um desses tipos: cis ou trans. Essa característica isomérica diz respeito à posição espacial dos átomos de hidrogênio na dupla ligação, se estão do mesmo lado na estrutura espacial, a dupla será do tipo cis; caso estejam em lados opostos, a dupla tem configuração trans. Ao avaliarmos a estrutura geral dos ácidos graxos, notamos que a maior parte dos ácidos graxos naturais é do tipo cis. Por outro lado, os ácidos graxos trans são geralmente produzidos pela indústria, portanto não são naturais. Um dado importante é que o consumo dessa gordura trans provoca au- mento dos níveis da lipoproteína LDL, que é um importante fator de risco para doenças cardiovasculares. O tamanho da cadeia de carbonos dos ácidos graxos tem grande importância no metabolismo e estrutura celulares, por isso eles são classificados pelo tamanho de suas cadeias. Com 4 a 6 carbonos, são considerados de cadeia curta; entre 7 e 12 carbonos são os de cadeia média; entre 13 e 18 carbonos está o de cadeia longa; e os de cadeia muito longa são aqueles que têm mais de 18 carbonos. Para que ocorra o armazenamento dos ácidos graxos com finalidade de re- serva energética, é necessário que eles estejam na forma de triacilgliceróis. Os triglicerídeos são formados quando ocorre substituição das hidroxilas de um gli- cerol por três ácidos graxos. A reação de esterificação forma ligações éster entre os ácidos graxos e o glicerol. Como a quantidade de ácidos graxosna molécula do triglicerídeo é grande, ele é muito apolar e hidrofóbico, por isso tem baixa solu- bilidade em água. Os tipos de ácidos graxos presentes no triglicerídeo podem ser bem variáveis, por isso a nomenclatura dessas moléculas deve ser feita indicando qual é o ácido graxo presente e a posição que está ligado à molécula de glicerol, por exemplo: 1 – estearoil 2 – linoleil 3 – palmitoil-glicerol Nesse triacilglicerol, o resíduo do ácido esteárico está na posição 1, o ácido li- noleico na posição 2 e o ácido palmitoleico na posição 3. Podemos perceber que a terminação -eico ou -ico são substituídas por -oil quando o ácido graxo é incorpo- rado ao glicerol. Os termos cis e trans são usados para denominar composto da isomeria geo- métrica, o qual ocorre em compostos de cadeia aber- ta que apresentam dupla ligação entre dois átomos de carbono. Além disso, em cada átomo de carbono da dupla estão ligados grupos diferentes. Cis denomina o composto que tem grupos ligantes iguais que estão situados do mesmo lado do plano espacial; trans denomina a substância cujos grupos ligantes iguais estão em lados opostos do plano espacial. Importante Moléculas responsáveis pela estrutura e metabolismo da célula 55 OH O C OH2CH 2CH 1CH2 1CH23CH2 3CH2 HO C C O O O O O Glicerol (a) (b) 1-estearoil, 2-linoleoil, 3-palmitoil-glicerol, um triacilglicerol misto Figura 17 Glicerol (a) e triglicerídeo (b) IE SD E Br as il S/ A Fonte: Adaptada de Nelson; Cox, 2014, p. 360. Lembre-se de que os triglicerídeos são armazenados em grandes quantidades das células do tecido adiposo, chamadas adipócitos. Esse tecido está em várias re- giões do corpo e, dependendo da sua localização e quantidade de triglicerídeos armazenados, pode também ter função de isolante térmico e proteção contra im- pactos, principalmente nos órgãos internos. 2.4.2 Lipídeos estruturais e funcionais Além das funções de reserva de energia, proteção mecânica e isolamento tér- mico, os lipídeos têm outras funções importantes. Eles podem ser constituintes de estruturas celulares e, ainda, ser utilizados como precursores para a biossíntese de outras moléculas. A capacidade dos lipídeos de interagirem pouco com as moléculas de água faz com que eles possam ser utilizados para formar membranas biológicas. Para isso, sua estrutura deve conter uma grande cabeça polar e duas caudas apolares, uma estrutura que tem um formato cilíndrico e que permite a formação de uma dupla camada de lipídeos. Com isso, as caudas apolares permanecem em contato, den- tro da bicamada, sem estarem em contato com o meio aquoso interno e externo, o que permite a separação desses dois meios. Por outro lado, as grandes cabeças polares dos fosfolipídeos permitem às moléculas polares – como as de água e de íons – poderem interagir com os lipídeos de membrana. Essa característica anfi- pática dos lipídeos de membrana foi essencial para o desenvolvimento dos seres vivos. Eles são chamados de fosfolipídeos por terem um grupamento fosfato em sua estrutura, tornando a cabeça ainda mais polar. 56 Bioquímica Os fosfolipídeos apresentam duas classes: os glicerolipídeos e os esfingolipídios. Os glicerolipídeos têm como base o glicerol (ligado a dois ácidos graxos), e na terceira hidroxila o grupamento fosfato, que está ligado a uma molécula de álcool, conferindo para a molécula um grupo (cabeça) de alta polaridade. Os esfingolipídeos têm uma molécula de esfingosina ligada a uma molécula de ácido graxo e a um grupamento polar. Entre os esfingolipídeos, as esfingomielina são os fosfolipídeos que formam as membranas das células que constituem as bainhas de mielina dos axônios. Na Figura 18, temos a estrutura dos fosfolipídeos mais comuns. H H H N+ N+ HN O OH O O O O O O O O P P O– O– Fosfocolina Esfingomielina Fosfatidilcolina (a) (b) Fosfocolina Figura 18 Estrutura dos fosfolipídeos: (a) glicerolipídio e (b) esfingolipídio IE SD E Br as il S/ A Portanto, os fosfolipídeos apresentam uma parte da molécula com característi- ca apolar e outra porção, representada pelo grupamento fosfato, com característica polar. Essa dupla característica dos fosfolipídeos, denominada anfipática, é funda- mental em uma molécula que participa da formação das membranas celulares. A parte polar fica para os lados externo e interno da célula, diretamente em contato com os meios extra e intracelular, essencialmente aquosos. A porção apolar, por sua vez, fica no lado interno da bicamada lipídica, sem contato com o meio aquoso. Os fosfolipídeos podem sofrer outras substituições na estrutura polar que trazem funções específicas para eles. Nesse tipo de lipídeo estrutural, a parte polar está ligada a outros grupos polares, como os carboidratos e o grupo sulfato. Por isso, os glicerolipídeos são divididos em galactolipídeos e/ou sulfo- lipídeos. Já e os esfingolipídeos recebem diferentes estruturas de carboidratos, formando os glicoesfingolipídeos. Os galactolipídeos – que recebem esse nome por conterem resíduos de galacto- se – são ligados à molécula de glicerol que está no glicerolipídeo. No entanto, nos sulfolipídeos, a substituição é feita por uma glicose sulfonada ligada ao glicerol. Esses dois tipos de glicolipídios são abundantes nas células vegetais. Os glicoesfingolipídeos são os esfingolipídeos que têm a esfingosina ligada a monossacarídeos ou oligossacarídeos e a um ácido graxo. Entre os glicoesfingolipí- deos os mais importantes são os cerebrosídeos e globosídeos, por terem monossa- carídeos na estrutura. Cerebrosídeos são esfingolipídeos complexos e fazem a união da esfingosina com glicose ou galactose, eles são os principais glicoesfingo- lipídeos no tecido cerebral e são fonte de complexas ceramidas. Os gangliosídeos Moléculas responsáveis pela estrutura e metabolismo da célula 57 são os esfingolipídeos que têm oligossacarídeos em sua estrutura, suas funções conhecidas são principalmente de reconhecimento celular e, como o próprio nome indica, estão distribuídas nos tecidos neurais, assim como os cerebrosídeos. Podemos observar que os lipídeos estruturais e de reserva apresentam ácidos graxos em sua estrutura, mas existe outra classe de lipídeos que não tem ácidos graxos e apresenta funções importantes aos organismos: os esteroides, que são lipídeos presentes na maioria dos eucariotos. Na estrutura dos esteroides, existe um núcleo comum, chamado núcleo esteroi- de ou ciclopentanoperhidrofenantreno; núcleo esse que é formado por quatro anéis conjugados, nomeados A, B, C e D, com uma estrutura química que apresenta nu- meração específica dos átomos de carbono. HO H H H H 1 2 3 4 5 A B C D 6 7 810 19 9 11 12 18 13 14 17 16 15 27 252320 21 22 24 26H Núcleo esteroide Cadeia lateral alquila Grupo cabeça polar Figura 19 Núcleo esteroide IE SD E Br as il S/ A Esse núcleo é um precursor comum de muitas moléculas, como vitaminas liposso- lúveis, pigmentos, hormônios esteroides e sais biliares. Existem diversos tipos de este- roides que apresentam variação na quantidade e localização de carbonos ligados ao núcleo esteroide: nos vegetais, o principal é o estigmasterol; nos fungos, o ergosterol; e nas células animais, o colesterol. Ainda, o colesterol é o principal precursor de todas essas moléculas nos animais, além de ter papel na estrutura e controle de fluidez das membranas celulares. O colesterol pode tanto ser produzido na maioria dos tecidos por uma via metabólica específica quanto obtido na dieta. O colesterol apresenta o núcleo esteroide substituído no carbono 17 por uma cadeia carbônica alquila, além de uma hidroxila no carbono 3. A hidroxila é o grupo com caráter polar, enquanto o restante da estrutura é essencialmente hidrofóbica, sendo, portanto, anfipática; por isso, apesar de ser uma estrutura tão distinta, ele está classificado como um lipídeo. A molécula do colesterol pode ser encontrada no organismo de duas formas:como colesterol, com sua hidroxila livre; e como éster de colesterila, mais liposso- lúvel. Para que o colesterol esteja na forma de éster, a hidroxila do carbono 3 é esterificada com um ácido graxo. Essa reação é catalisada por duas enzimas, a leci- tina colesterol acil transferase (LCAT), que está no plasma sanguíneo, ou a acil-CoA colesterol acil transferase (ACAT), que está no citoplasma das células. Uma confusão muito comum entre as pessoas que estão começando a estudar bioquímica é acharem que o colesterol é sempre ruim, mas para desfazer esse engano, é necessário lembrarmos que a molécula de colesterol tem várias funções 58 Bioquímica benéficas. O que acontece é que os lipídeos, para poderem chegar às células, pre- cisam ser transportados na corrente sanguínea e – como eles são anfipáticos, com predomínio da porção apolar (hidrofóbica) – é necessário que um transportador facilite o transporte. As moléculas que apresentam essa função são proteínas espe- cíficas, que quando ligadas aos lipídeos, formam as lipoproteínas. 2.4.3 Lipoproteínas Existem quatro tipos principais de lipoproteínas: quilomícrons, VLDL, LDL e HDL. As diferenças principais são os tipos de lipídeos transportados, tipos de proteínas existentes em cada um deles e órgão/tecidos de destino dos lipídeos transportados. De modo geral, as lipoproteínas são compostas de uma porção externa conten- do fosfolípideos, colesterol livre e apoproteínas (estrutura proteica); ainda, compos- tas de um núcleo hidrofóbico, que contém quantidades variáveis de triacilglicerol e ésteres de colesterila, dependendo do tipo de lipoproteína estudada. Como estudamos anteriormente, dependendo da lipoproteína, ocorre variação na quantidade de lipídeos em relação ao seu teor de apoproteínas, característica fundamental para determinar a densidade final da lipoproteína. É importante no- tarmos que, quanto maior o teor de lipídeos, menor será a densidade da lipoproteí- na; esse foi o fator utilizado para a nomenclatura das lipoproteínas. O quilomícron é o de mais baixa densidade, ele é produzido no intestino del- gado, depois da absorção dos lipídeos da dieta. No próprio enterócito (célula do intestino delgado) ocorre a remontagem dos triglicerídeos absorvidos, e a união destes e do colesterol às apoproteínas específicas. O quilomícron, depois de sair do intestino delgado, desloca-se pelo sistema linfático e, então, segue seu caminho no sistema circulatório por meio da veia subclávia. No sistema circulatório, a principal função do quilomícron é entregar triglicerí- deos, principalmente ao tecido adiposo. O quilomícron que sobra depois disso é chamado de remanescente e vai para o fígado. O VLDL (do inglês Very Low Density Lipoprotein) é uma lipoproteina de densidade muito baixa, pois contém uma gran- de quantidade de triglicerídeos que são transportados do fígado, onde ocorre a biossíntese a partir de outras moléculas para outros tecidos, em especial o teci- do adiposo. Já o LDL (Low Density Lipoprotein) é a lipoproteína de baixa densidade, caracterizada por conter poucos triacilgliceróis, e grande quantidade de éster de colesterila e colesterol livre. Sua principal função é transportar o colesterol, nas suas duas formas, para os tecidos periféricos. Vale a pena ressaltarmos que es- ses tecidos precisam ter um receptor de membrana (proteína específica) que se ligue à apoproteína do LDL (Apo-B100) para que o colesterol seja entregue. A reti- rada de colesterol em excesso do sistema circulatório é feita pelo HDL (High Density Lipoprotein), a lipoproteína de alta densidade. Essa lipoproteína tem menor quantidade de lipídeos em relação à quantidade de proteínas existentes, e sua principal função é levar o colesterol em excesso dos tecidos periféricos para o fígado. O fígado, ao receber esse colesterol, pode fazer a biossíntese de sais biliares, que por sua vez servirão para a emulsificação dos lipí- Bioquímica ilustrada de Harper , uma das obras mais clássicas e impor- tantes da área, escrita por Victor Rodwell, David Bender, Kathleen Botham, Peter Kenelly e Anthony Well, traz a explicação sobre os aspectos mais relevantes da área de modo conciso e bem aplicado, mantendo-se o mais fiel possível à obra original, publicada em 1939. RODWELL, V. W. et al. Porto Alegre: AMGH, 2021. Livro Moléculas responsáveis pela estrutura e metabolismo da célula 59 deos no intestino delgado. Na Tabela 1, é possível conferirmos o conteúdo de cada lipídeo presente nas lipoproteínas. Tabela 1 Principais classes de lipoproteínas humanas Lipoproteína Densidade (g/ml) Composição (% do peso) Proteínas Fosfolipídeos Colesterol livre Ésteres de colesterila Triacilgliceróis Quilomícrons < 1,006 2 9 1 3 85 VLDL 0,95-1,006 10 18 7 12 50 LDL 1,006-1,063 23 20 8 37 10 HDL 1,063-1,210 55 24 2 15 4 Fonte: Adaptada de Nelson; Cox, 2014, p. 865. A entrega de triglicerídeos feita pelos quilomícrons e pelo VLDL ocorre por meio da quebra dos triacilgliceróis pela lipoproteína lipase presente nos capilares pró- ximo ao tecido de entrega, geralmente o tecido adiposo. Porém, se o músculo es- triado esquelético estiver precisando de energia, a quebra dos triglicerídeos pela lipoproteína lipase libera ácidos graxos livres, que serão utilizados para gerar ATP. CONSIDERAÇÕES FINAIS Neste capítulo, falamos sobre moléculas que têm muitas de funções nos organismos vivos: as proteínas, as enzimas e os lipídeos. As proteínas e as enzimas são formadas por aminoácidos e suas estruturas influenciam diretamente em suas funções. As enzimas – que são tipos especiais de proteínas – são responsáveis pela catálise das reações bio- químicas. Outras moléculas fundamentais são os lipídeos, que, dependendo da estrutu- ra, apresentam funções diferentes. Os triglicerídeos têm funções de reserva energética, proteção mecânica e térmica. Já os fosfolipídeos apresentam função de formar as mem- branas biológicas, enquanto os esteroides têm várias funções, como formar hormônios esteroides, sais biliares, vitaminas lipossolúveis e alguns pigmentos. ATIVIDADES Atividade 1 Os aminoácidos apresentam dois ou mais pKs, dependendo do grupo químico que está presente no radical. Os grupos que apresentam essa característica podem ser ionizados ou não, dependendo do pH da solução. As letras indicam em cada ponto da tabela a seguir como deve estar cada grupo químico no pH solicitado. Analise como deve estar a carga do aminoácido naquele pH e, depois, relacione a letra com o estado que deve estar cada grupo químico. Aminoácido pH -COOH (pK 1,96) -NH2 (pK 10,28) Radical (pK 8,18) Carga do aminoá- cido H3N + C COO- H CH2 SH Cisteína pH 1,0 A B C D pH 7,4 E F G H pH 12,5 I J K L 60 Bioquímica Atividade 2 Os inibidores enzimáticos são compostos que podem diminuir a atividade de uma enzima. O medicamento sinvastatina diminui os níveis de LDL-colesterol e de triglicerídos. As estatinas são inibidores competitivos da hidroximetilglutaril- -co-enzima A (HMG-CoA) redutase. Explique o que acontece com uma enzima quando ela está sofrendo inibição competitiva. Atividade 3 O LDL em excesso causa formação de placas de aterosclerose. O colesterol que está dentro do LDL tem funções fisiológicas importantes. Avalie e explique sobre as funções fisiológicas (normais) do colesterol. REFERÊNCIAS ATCKINS, P. Princípios de química: questionando a vida moderna e o meio ambiente. 7. ed. Porto Alegre: Bookman, 2018. BERG, J. M.; TYMOCZKO, J. L.; STRYER, L. Bioquímica. 7. ed. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 2014. CAMPBELL, M. K.; FARRELL, S. O. Bioquímica combo. 5. ed. São Paulo: Thomson Cengage Learning, 2007. COGAN, M. G. de.; RECTOR, F. C. Acid-base disorders. In: BRENNER, B. M.; RECTOR, F. C. (ed.). The kidney. Filadelfia: WB Saunders, 1991. DEVLIN, T. M. Manual de bioquímica com correlações clínicas. 7. ed. Blucher: São Paulo, 2011. DONN, S. M.; SINHA, S. K. Neonatal respiratory care. 2. ed. Filadelfia: Mosby Elsevier, 2006. HALL, J. E.Guyton & Hall: tratado de fisiologia médica. 12. ed. Rio de Janeiro: Elsevier, 2011. HENEINE, I. F. Biofísica básica. 2. ed. São Paulo: Atheneu, 2010. KOEPPEN, B. M.; STANTON, B. A. Berne & Levy: fisiologia. 6. ed. Rio de Janeiro: Elsevier, 2009. NELSON, D. L.; COX, M. M. Lehninger: princípios de bioquímica. 6. ed. Porto Alegre: Artmed, 2014. SILVERTHORN, D. U. Fisiologia humana: uma abordagem integrada. 5. ed. Porto Alegre: Artmed, 2010. VIEGAS, C. A. A. Gasometria arterial. J Pneumol, v. 28, supl. 3, p. S333-S338, out. 2002. VOET, D.; VOET, J. G.; PRATT, C. W. Fundamentos de bioquímica: a vida em nível molecular. 2. ed. Porto Alegre: Artmed, 2008. Metabolismo de carboidratos 61 3 Metabolismo de carboidratos As células obtêm energia de diversas fontes, a partir dos carboidratos, dos lipídeos e dos aminoácidos. Porém, os carboidratos – em especial a glicose – são os principais combustíveis utilizados para a produção de ATP. Esse processo de produção do ATP é chamado de respiração celular, que é justamente o que iremos estudar nesse capítulo. A respiração celular possui dois tipos: a respiração aeróbica e a anaeróbica, e os seres que produzem energia utilizando essas duas formas são denominados quimiotróficos. A respiração exclusivamente anaeróbica ocorre em poucos seres vivos, sendo que a grande maioria pode fazer esse tipo de respiração apenas por pouco tempo. Todos os processos de formação de ATP são necessários para a manutenção da estrutura e metabolismo celular, além da própria manutenção da energia corporal. Porém, além da própria produção de energia, é necessário manter os níveis glicêmicos, para fornecimento de glicose para as células. Nos momentos de jejum, alguns metabolismos são essenciais para manter os níveis energéticos nesse momento, como a glicogenólise (quebra do glicogênio) e a gliconeogênese (formação de glicose a partir de outros metabólitos). Com o estudo deste capítulo, você será capaz de: • Explicar a importância, as reações e a utilização de outros monossacarídeos na via glicolítica; descrever os processos de fermentação alcoólica, acética e láctica; descrever o processo de formação do acetil-CoA e sua regulação; des- crever as reações do ciclo do ácido cítrico, sua regulação e seu papel anabólico; definir a estrutura da cadeia respiratória mitocondrial e descrever o processo de transferência de elétrons. Descrever o processo de formação do ATP pela teoria quimiosmótica. • Realizar o cálculo do rendimento energético do processo de respiração celular. • Descrever o processo de formação da glicose a partir de compostos que não são carboidratos e sua regulação. • Explicar o processo de formação e degradação do glicogênio e sua regulação. Objetivos de aprendizagem 3.1 Respiração celular Vídeo Os carboidratos são as fontes mais importantes de energia para a maioria das células, com os monossacarídeos sendo um dos mais importantes. Entre os carboidratos existentes na natureza, o principal deles é a glicose. Poucos são os tecidos humanos que não a utilizam para produção de ATP, por exemplo, para as 62 Bioquímica hemácias, a glicose é o único combustível possível, já para os neurônios cerebrais é o combustível preferencial. Nesse último caso, a diminuição excessiva do nível de glicose no sangue ocasiona sintomas diversos, como tremedeira, sudorese, tontura, desmaio; e em níveis glicêmicos muito baixos pode ocorrer a indução ao coma. A respiração celular se divide em duas: a respiração aeróbica e a respiração anaeróbica, a seguir falaremos mais detalhadamente sobre processos metabólicos envolvidos nesses tipos de respiração. 3.1.1 Glicólise A glicose será transformada em piruvato em um processo chamado via glicolítica ou glicólise, em que a energia é extraída desse monossacarídeo e ela é transferida para o ATP. Essa via metabólica ocorre por meio de uma sequência de dez reações que convertem a glicose em duas moléculas de piruvato, e a energia desse monossacarídeo é transferida para o ATP e para o NADH. Esse processo metabólico ocorre de modo igual em todos os tipos celulares, mas em algumas células ele é preferencial, como para as hemácias e neurônios. Em outros casos, como o tecido cardíaco, ele é uma forma alternativa de produção de ATP. O início da glicólise ocorre com a entrada da glicose na célula por meio do transportador de glucose (GLUT), por diferença de concentração. Depois disso, ocorre o início da fase preparatória, em que a primeira reação ocorrerá quando a glicose é catalisada pela enzima hexocinase. Essa catalise promove a transferência do grupo fosfato, que advém do ATP, para o carbono 6 do monossacarídeo, como mostra a Figura 1. Figura 1 Reação da hexocinase HH OHOH HH HH HH HO HO CH CH22 HH OHOH OHOH HOHO 5 4 3 2 1 6 HH OHOH HH HH HH OO O O CH CH22 HH OHOH OHOH HOHO 5 4 3 2 1 6 P ADP Glicose-6-fosfato Hexocinase Glicose ATP 1 OO A colocação do fosfato no carbono 6 da glicose é necessária para que o GLUT não possa reconhecer a molécula e a glucose, fazendo com que ela fique no citosol e possa continuar sendo transformada. A hexocinase IV (glicoquinase) é uma en- IE SD E Br as il S/ A Metabolismo de carboidratos 63 zima alostérica, isso é, ela pode regular a glicólise, processo que pode ser feito de duas formas. 1. Na primeira forma, ocorre a menor entrada de glicose no fígado, devido à diminuição da glicemia. A proteína reguladora sequestra a glicoquinase para o núcleo, com isso, a via glicolítica não consegue ter continuidade. Sem glicose disponível, a célula hepática passa a utilizar outros combustíveis, como os lipídeos, para manter os níveis de ATP no momento em que a glicemia aumentar novamente, o que leva à maior entrada de glicose na célula. Isso faz com que a proteína reguladora libere a glicoquinase, que retorna ao citosol, permitindo que a glicólise continue. 2. A segunda forma de fazer a regulação específica é essa enzima apresentar várias isoenzimas em tecidos diferentes. As isoformas mais estudadas são: a hexocinase I, encontrada em vários tecidos, como cérebro e hemácias; e a glicocinase (hexocinase IV), presente no fígado. Essas isoenzimas apresentam KM, inibição e ativação específicas, o que confere especificidade e velocidade de reação. A segunda reação é catalisada pela fosfo-hexose isomerase e transforma a glucose 6-fosfato em frutose 6-fosfato. Nessa reação, ocorre rompimento da ligação entre o oxigênio do ciclo e o carbono 1 da glucose 6-fosfato. Logo depois disso, o oxigênio do ciclo se liga ao carbono 2, deixando o carbono 1 para fora do ciclo. O hidrogênio que está no carbono 2 é transferido para o carbono 1. Figura 2 Reação da fosfo-hexose isomerase H OH H H H O O CH2 H OH OH HO 5 4 3 2 1 6 P OH H H H O O CH2 CH2 OH HO OH 5 4 3 2 6 1 P Frutose-6-fosfato Glicose-6-fosfato Fosfo-hexose- -isomerase 2 A terceira reação é catalisada pela fosfofrutocinase-1. A reação ocorre quando o fosfato do ATP é transferido para o carbono que está para fora do ciclo, ou seja, no carbono 1 da frutose 6-fosfato, formando a frutose 1,6-bifosfato. Essa enzima é regulatória, é inibida pelo ATP e pelo citrato, e é ativada pelo AMP e pela frutose 2,6 bifosfato. A frutose 2,6 bifosfato é produzida pela enzima fosfofrutoquinase-2 quando existe uma glicemia alta. A concentração de fosfofrutoquinase-2 é controlada pelo IE SD E Br as il S/ A 64 Bioquímica próprio substrato, o que é chamado de controle alostérico, e acaba sofrendo controle hormonal via modificação covalente. Como a inibição da fosfofrutoquinase-1 promove um acúmulo de frutose 6-fosfato e, por consequência, de glucose 6-fosfato, se a fosfofrutoquinase-1 estiver inibida, a hexoquinase também estará. Figura 3 Reação da fosfofrutocinase-1 Fosfofrutocinase-1 3 OHOH HH HH HH OO O O CH CH22 CHCH2 2 OH OH HOHO OHOH 5 4 3 2 6 1 P Frutose-6-fosfato Frutose-1,6-Bifosfato ADP ATP OHOH HH HHHH OO O O CH CH22 CHCH2 2 O O HOHO OHOH 5 4 3 2 6 1 P P A quarta reação é catalisada pela aldolase, fazendo com que a frutose 1,6 bifosfatose quebre e libere diidroxicetona-fosfato e gliceraldeído 3-fosfato. É importante notarmos que ao final da glicólise devem ser produzidas duas moléculas de piruvato. Por isso, a diidroxicetona-fosfato deve ser transformada em gliceraldeído 3-fosfato. Portanto, na quinta reação, que é catalisada pela triosefosfato isomerase, a segunda molécula de gliceraldeído 3-fosfato é formada a partir de diidroxicetona fosfato. Figura 4 Reações da aldolase e da triosefosfato isomerase Frutose-1,6-Bifosfato Gliceraldeído-3-fosfato + Di-hidroxiacetona-fosfato (2) Gliceraldeído-3- -fosfato Aldolase Tiosefosfato- -isomerase 4 5 OH OH H H H O O CH2 O CH2 CH C O CH2 C CH2OH CH2 O HO OH 5 4 3 2 6 1 P P P P O H OH O CH2 CH CP O H O (2) A segunda fase da via glicolítica, também chamada de compensação ou de pagamento, tem todos os substratos das enzimas duplicados e é iniciada em conjunto IE SD E Br as il S/ A IE SD E Br as il S/ A Metabolismo de carboidratos 65 com a sexta reação, que é quando a enzima gliceraldeído 3-fosfato desidrogenase catalisa a transferência do hidrogênio do carbono 1 do gliceraldeído 3-fosfato para o NAD+, formando NADH e H+. Além disso, ocorre a entrada de uma molécula de fosfato inorgânico no local em que estava o hidrogênio, formando, com isso, o 1,3-bifosfoglicerato. Figura 5 Reação da gliceraldeído 3-fosfato desidrogenase OH O CH2 CH CP O H (2) OH O CH2 CH CP O O (2) P (2) Gliceraldeído-3- -fosfato (2) 1,3-bifosfoglicerato 6 Gliceraldeído-3- -fosfato- -desidrogenase NADH + 2H+ 2NAD+ 2P i 2 Na sétima reação, catalisada pela fosfoglicerato cinase, ocorre a transferência do grupo fosfato que está no carbono 1 da molécula de 1,3-bifosfoglicerato para o ADP, formando ATP e 3-fosfoglicerato. Como todos os substratos estão duplicados, ocorre a formação de duas moléculas de ATP nessa reação, pagando o que foi gasto na primeira etapa dessa via. Figura 6 Reação da fosfoglicerato quinase (2) 1,3-bifosfoglicerato (2) 3-fosfoglicerato 7 Fosfoglicerato- -cinase ATP 2ADP 2 OH O CH2 CH CP O (2) O P OH O CH2 CH CP O O (2) A Figura 7 ilustra a oitava reação, que é catalisada pela fosfoglicerato mutase. Como uma enzima da classe das isomerases, essa enzima catalisa a mudança de posição do fosfato que passa do carbono 3 para o carbono 2, e o hidrogênio do carbono 2 para o carbono 3, produzindo o 2-fosfoglicerato. Figura 7 Reação da fosfoglicerato mutase (2) 3-fosfoglicerato (2) 2-fosfoglicerato 8 Fosfoglicerato- -mutase OH O CH2 CH CP O O (2) OOH CH2 CH C P O O (2) IE SD E Br as il S/ A IE SD E Br as il S/ A IE SD E Br as il S/ A 66 Bioquímica A seguir, vemos a nona reação, catalisada pela enolase, em que o 2-fosfoglicerato sofre a retirada de uma molécula de água, formando o fosfoenolpiruvato. Figura 8 Reação da enolase (2) 2-fosfoglicerato (2) Fosfoenolpiruvato 2H 2 O 9 Enolase O CH2 CH C P O OH O (2) O P O O (2) CH2 C C A figura 9 mostra a décima reação – e última – da glicólise, catalisada pela piruvato cinase. Nessa reação, o grupo fosfato do fosfoenolpiruvato é transferido para o ADP, formando ATP e piruvato. Essa enzima possui várias isoformas que apresentam regulação diferente: a forma L (fígado, em inglês, liver) e a M (músculo, em inglês, muscle) são inibidas pelo ATP e pelo aminoácido alanina; e a forma R (hemácias, em inglês, red blood cells) que é inibida pela fosforilação reversível, controlada pelo glucagon. Figura 9 Reação da piruvato cinase O CH2 C C P O O (2) O CH3 C C O O (2) (2) Fosfoenolpiruvato (2) Piruvato 10 Piruvato- -cinase ATP 2ADP 2 Além da glicose, alguns outros monossacarídeos também podem ser metabolizados na glicólise, entre eles estão a frutose, galactose e a manose. A frutose é catalisada diretamente pela hexocinase, formando a frutose 6-fosfato, que continua as reações da via glicolítica. De maneira semelhante, a manose recebe o fosfato pela catálise da hexocinase formando manose 6-fosfato, que posteriormente é transformada em frutose 6-fosfato, essa última reação é catalisada pela fosfomanose isomerase. A galactose possui uma reação anterior à glicólise e ela precisa ser unida ao nucleotídeo UTP, formando UDP-glucose. Em seguida, o uridina difosfato (UDP) é retirado, e entra um grupo fosfato no carbono 1. Depois, a enzima fosfoglicomutase catalisa a transferência do grupo fosfato do carbono 1 para o carbono 6, formando IE SD E Br as il S/ A IE SD E Br as il S/ A Metabolismo de carboidratos 67 glicose 6-fosfato, que entra na via glicolítica. A possibilidade de utilização de outros monossacarídeos permite com que a célula mantenha a produção de ATP por meio dos carboidratos por mais tempo. Após a formação do piruvato, o ATP pode ser transformado de diferentes maneiras. Um dos eventos que pode acontecer é o piruvato ser transformado em oxaloacetato pela catálise da piruvato carboxilase. Essa reação é necessária para manter a quantidade de oxaloacetato na mitocôndria, permitindo que o ciclo do ácido cítrico continue funcionando. Outra possibilidade ocorre no fígado e nos rins. O estímulo hormonal do glucagon e do cortisol nesses dois tecidos incita a entrada do piruvato na gliconeogênese, formando glicose novamente. 3.1.2 Fermentação Quando a célula está em processo de respiração aeróbica, o piruvato, que está no citosol, vai para a mitocôndria e continua a respiração celular. Na falta de oxigênio na célula, ou mesmo quando não existe mitocôndria, ocorre a respiração anaeróbica, o que promove um acúmulo de piruvato no citosol. Com isso, o processo de fermentação é ativado. Existem duas transformações possíveis para o piruvato quando ele é desviado para a fermentação: a fermentação alcoólica e a fermentação láctica. É importante notarmos que essa fermentação depende da espécie que será estudada, isso é, o tipo de fermentação pode não ser o mesmo para diferentes espécies de organismos. A fermentação alcoólica ocorre em espécies como o Saccharomices cereviseae 1 ; o piruvato que acumula no citosol é catalisado pela piruvato descarboxilase, formando o acetaldeído com liberação de gás carbônico. Depois disso, uma segunda reação ocorre e o acetaldeído é catalisado pela enzima álcool desidrogenase e transformado em etanol, usando NADH e liberando NAD+. Caso o etanol fique em um ambiente aberto, esporos da bactéria do gênero Acetobacter ou do fungo Micoderma acetii podem realizar uma alteração da fermentação láctica, processo esse chamado de fermentação acética (uma variação da fermentação alcoólica). Nesse tipo de fermentação, o etanol é transformado em ácido acético, o que justifica a formação de vinagre a partir do álcool de cereais ou até mesmo do vinho. Figura 10 Fermentação alcoólica Etanol C O C O O CH3 C O H CH3 TPP, Piruvato Acetaldeído Mg2+ Piruvato- descarboxilase Álcool- desidrogenase NADH + H+ NAD+ CH3 CH2 OH CO2 Este é um fungo micros- cópico que, ao fazer respiração anaeróbica e fermentação, produz gás carnônico e etanol. Esse organismo é utilizado como fermento natural desde os primórdios da humanidade e não causa nenhuma patologia no organismo humano. 1 IE SD E Br as il S/ A 68 Bioquímica A fermentação láctica, que acontece em todos os vertebrados, ocorre quando o piruvato é catalisado pela enzima etanol desidrogenase, usando NADH, liberando NAD+ e ácido láctico. Figura 11 Fermentação láctica IE SD E Br as il S/ A lactato- -desidrogenase NADH + H+ NAD+ C O C O O CH3 Piruvato L-Lactato HO C H C O O CH3 No processo de respiração anaeróbica, o piruvato não consegue ir para a mitocôndria e acumula no citosol,fazendo com que ocorra o processo de fermentação. Porém, se existir oxigênio na célula, o piruvato vai para a mitocôndria, continuando o processo de respiração celular, e é transformado em acetil-CoA para depois possibilitar o início do ciclo do ácido cítrico. 3.1.3 Formação de acetil-CoA Quando a célula possui mitocôndria e o oxigênio está presente, o piruvato entra na mitocôndria por um transportador específico, que é uma translocase específica de piruvato e OH–. Depois disso, o complexo enzimático da piruvato desidrogenase catalisa a transformação de piruvato em acetil-CoA. Figura 12 Reação geral catalisada pelo complexo da piruvato desidrogenase Complexo da piruvato-desidrogenase (E1 + E2 + E3) NADHNAD+ TPP, lipoate, FAD CoA-SH C O C O O CH3 Acetil-CoA ΔG’° = –33,4 kJ/mol CH3 C O S-CoA Piruvato CO2 + O complexo da piruvato desidrogenase é composto de três enzimas dife- rentes: a piruvato desidrogenase (etapa 1, E1); a di-hidrolipoil transacetilase (etapa 2, E2); e a di-hidrolipoil desidrogenase (etapa 3, E3). Todos os partici- pantes do processo, incluindo as distintas enzimas e as coenzimas, são funda- mentais para formação de acetil-CoA a partir de piruvato. Essa conversão ocorre em três etapas principais, dentro do complexo da piruvato desidrogenase: IE SD E Br as il S/ A Metabolismo de carboidratos 69 1. Na primeira etapa da reação, ocorre transferência de uma molécula de piruvato para a tiamina pirofosfato (TPP), que está na estrutura da E1. Ao mesmo tempo em que ocorre a ligação do grupo acetil do piruvato ao TPP, também acontece a retirada da carboxila do piruvato, formando o CO2 e hidroxietil-TPP. 2. A segunda etapa ocorre quando o grupamento acetil formado previamente e dois elétrons são transferidos para a forma oxidada do lipoato na enzima 2 (E2) formando acetil-di-hidrolipoamida. 3. Na terceira etapa, o grupo acetil é conjugado com a coenzima A, formando acetil-CoA. Em seguida, dois elétrons e dois prótons do lipoato fazem a redução da flavina adenina dinucleotídeo (FAD) até FADH2, sendo uma reação catalisada pela enzima di-hidrolipoil-desidrogenase (E3). Para terminar, ocorre a transferência de dois elétrons e dois prótos do FADH2 para o NAD +, ocasionando a redução para NADH. Todo esse processo está indicado na Figura 13, mas é importante notarmos que os substratos do complexo foram marcados com vermelho e os produtos com azul. Figura 13 Reação geral catalisada pelo complexo da piruvato desidrogenase Piruvato-desidrogenase, E1 Di-hidrolipoil-transacetilase, E2 Di-hidrolipoil-desidrogenase, E3 O complexo da piruvato desidrogenase sofre regulação para controlar a produção de acetil-CoA, de acordo com as necessidades da célula. Os produtos NADH e acetil-CoA controlam o complexo de forma alostérica e por ligação covalente. O aumento da quantidade de acetil-CoA, NADH e ATP promovem uma inibição alostérica da piruvato desidrogenase. Entretanto, existe a regulação por modificação covalente, processo esse em que ocorre a colocação e retirada de um grupo fosfato (fosforilação/desfosforilação). A adição do grupo fosfato na piruvato desidrogenase (PD) é catalisada pela cinase que promove a inibição da atividade da PD. A ativação da enzima ocorre pela retirada do grupo fosfato que é catalisada pela piruvato fosfatase e ativada pela estimulação da insulina. A formação do acetil-CoA encerra a primeira fase da respiração celular. A segunda fase inicia-se com a oxidação dessa molécula em uma via metabólica cíclica, denominada ciclo do ácido cítrico. IE SD E Br as il S/ A 70 Bioquímica 3.2 Ciclo do ácido cítrico Vídeo O acetil-CoA, formado a partir de diversas fontes, será oxidado no ciclo do ácido cítrico, também chamado de ciclo de Krebs ou ciclo dos ácidos tricarboxílicos. Anteriormente, falamos sobre a formação de acetil-CoA a partir de piruvato, mais à frente abordaremos a formação de acetil-CoA a partir de ácidos graxos (lipídeos), processo chamado de β-oxidação dos ácidos graxos, além da oxidação de alguns aminoácidos. Depois que o acetil-CoA entra no ciclo do ácido cítrico, e é modificado, ocorre a forma- ção de transportadores de elétrons reduzidos, como o NADH e FADH2. Esses transporta- dores apresentam diversas funções na célula, porém a mais importante ocorre por meio da oxidação no processo de fosforilação oxidativa que ocorre nas cristas mitocondriais. O ciclo do ácido cítrico é uma via metabólica cíclica, pois o oxaloacetato, que é o composto inicial da via, é regenerado após oito reações (NELSON; COX, 2014). No início do ciclo, o primeiro substrato será, após uma série ordenada de reações enzimáticas, convertido no último produto, que é igual ao primeiro. Podem ocorrer oito reações pelo ciclo do ácido cítrico que veremos a seguir. 3.2.1 Reações do ciclo do ácido cítrico Na primeira reação do ciclo ocorre a união (condensação) de três moléculas: do grupamento acetil do Acetil-CoA, da água e do oxaloacetato; sendo que o resul- tado dessa reação é a liberação da coenzima A e a formação do citrato. A enzima citrato sintase catalisa essa reação – que é irreversível e possui um ∆G de 32,2 kJ/ mol – e a energia liberada por ela não permite que se forme novamente o acetil- -CoA e o oxaloacetato com a mesma enzima. Figura 14 Reação da citrato sintase Acetil-CoA Oxaloacetato Citrato CoA-SHH2O O S-CoA CH2 COO HO C COOO C COO CH2 COO CH2 COO Citrato-sintase 1(1) Condesação de Claisen: grupo metil de acetil-CoA convertido a metileno no citrato. CH3 C A segunda reação ocorre pela catálise da enzima aconitase e ela é dividida em duas etapas: na primeira etapa, o cis-aconitato sofre desidratação, ou seja, perde uma molécula de água. Na segunda etapa, uma molécula de água entra na reação e o cis-aconitato é reidratado, fazendo com que ocorra a formação do isocitrato. IE SD E Br as il S/ A Metabolismo de carboidratos 71 Figura 15 Reação da aconitase Citrato Isocitrato cis-Acotinato H 2 O CH2 COO HO C COO CH2 COO CH2 COO CH2 COO COO Aconitase Aconitase 2b2a (2a) Desidratação/reidratação: grupo —OH do citrato reposicionado no isocitrato preparando para a descarboxilação da próxima etapa. (2b) Reidratação H 2 O C COO H C COO HO C H C COO H Depois que o isocitrato é formado, ocorre a terceira reação, em que a enzima isocitrato desidrogenase catalisa a formação de α-cetoglutarato. Para isso, é necessária a descarboxi- lação do isocitrato, liberando CO2 e α-cetoglutarato, conforme mostra a Figura 16. Figura 16 Reação da isocitrato desidrogenase (3) Descarboxilação oxidativa: grupo —OH oxidado a carbonil, o que, por sua vez, facilita a descarboxilação do carbânion formado no carbono adjacente. Isocitrato- desidrogenase Isocitrato CH2 COO COO H C COO– HO C H α-Cetoglutarato CH2 COO COO CH2 C O 3 NADH CO2 Na reação da isocitrato desidrogenase ocorre a formação de um intermediário chamado oxalosuccinato. Para a formação dele, é necessária a presença de Mn2+, presente no sítio ativo e que interage com o grupo carbonil desse intermediário. Além disso, o Mn2+ é também necessário para estabilizar o enol que é formado transitoriamente após a descarboxilação. Depois, o grupo carbonil é liberado na forma de CO2 e, em seguida, forma o α-cetoglutarato. Essas reações são muito conservadas na maioria das células de quase todos os seres vivos, porém, existem duas formas diferentes de isocitrato-desidroge- nase: uma necessita de NAD+ e a outra de NADP+. Nas células eucarióticas, é ne- cessária a presença de NAD+, que está situada na matriz mitocondrial. A enzima dependente de NADP+ é encontrada tanto na matriz mitocondrial quanto no cito- sol, e é essencial para as reações redutoras anabólicas, mas ela não participa do ciclo do ácido cítrico. A quarta reação do ciclo do ácido cítrico é catalisada pela α-cetoglutarato desidrogenase que catalisa a descarboxilação do α-cetoglutarato com a entrada de umacoenzima A, formando succinil-CoA. Nessa reação, ocorre a retirada de dois elétrons e dois hidrogênios pelo NAD+, formando NADH. Além disso, é liberada mais uma molécula de CO2 na reação. IE SD E Br as il S/ A IE SD E Br as il S/ A 72 Bioquímica Figura 17 Reação da α-cetoglutarato desidrogenase (4) Descarboxilação oxidativa: mecanismo similar a piruvirato- desidrogenase; depende do carbonil no carbono adjacente. α-Cetoglutarato Succinil-CoA CH2 COO COO CH2 C O 4 CH2 COO O CH2 C S-CoA Complexo α-cetoglutarato- -desidrogenase NADH CO2CoA-SH Na quinta reação do ciclo, ocorre a catalise da enzima succinil-CoA sintetase. Nessa reação, ela é transformada em succinato, o que libera coenzima A reduzida. Para que a reação aconteça, é necessário que a energia liberada pela quebra da liga- ção da coenzima A com o succinil seja transferida para a guanosina difosfato (GDP) e, então, unida ao fosfato inorgânico (Pi), formando guanosina trifosfato (GTP). Figura 18 Reação da succinil-CoA sintetase Succinil-CoA Succinato CH2 COO O CH2 C S-CoA (5) Fosforilação ao nível do substrato: energia do tioéster conservada na ligação fosfoanidrido do GTP ou ATP. Succinil-CoA- sintatetase 5 CH2 COO CH2 COO CoA-SH GDP (ADP) +Pi GTP (ATP) A sexta reação é catalisada pela succinato desidrogenase, que está no complexo II da cadeia respiratória na membrana da crista mitocondrial. Essa enzima catalisa a oxidação do succinato formando fumarato, e possui flavina adenina dinucleotídeo (FAD) como grupo prostético. O FAD recebe dois elétrons e dois prótons do succinato, formando FADH2. Figura 19 Reação da succinato desidrogenase (6) Desidrogenação: introdução da ligação dupla inicia a sequência de oxidação do metileno. Succinato Fumarato Succinato-desidrogenase 6 CH2 COO CH2 COO FADH2 COO CH COO HC A sétima reação é catalisada pela enzima fumarase. Nessa reação, ocorre uma hidratação da molécula de fumarato, formando o malato. IE SD E Br as il S/ A IE SD E Br as il S/ A IE SD E Br as il S/ A Metabolismo de carboidratos 73 Figura 20 Reação da fumarase Fumarato Malato (7) Hidratação: a adição de água à ligação dupla introduz o grupo —OH para a próxima etapa de oxidação. Fumarase 7 COO CH COO HC COO HO CH COO CH2 H2O Por fim, a oitava reação é catalisada pela malato desidrogenase. Nessa reação, ocorre retirada de dois elétrons e dois prótons do malato, que são doados para o NAD+, formando NADH, e regenerando o oxaloacetato. Figura 21 Reação da malato desidrogenase Malato Oxaloacetato COO– HO CH COO– CH2 Malato-desidrogenase (8) Desidrogenação: oxidação do —OH completa a sequência de oxidação; carbonil gerado posicionado para facilitar a condensação de Claisen na próxima etapa.8 NADH CH2 COO – O C COO– Além da função energética que acabamos de descrever, o ciclo do ácido cítrico possui papel central no metabolismo celular, e justamente por ter esse papel, a falta de intermediários pode ocasionar um colapso celular. Por isso, existem outras reações que não permitem que os intermediários sejam depletados e esse tipo de metabolismo celular é chamado de anaplerótico. 3.2.2 Reações anapleróticas A função das reações anapleróticas é de repor os intermediários do ciclo que são desviados para outras vias metabólicas. A enzima piruvato carboxilase catalisa uma das reações anapleróticas mais importantes: a produção oxaloacetato a partir do piruvato. Se o oxaloaceteto estiver em falta na mitocôndria, ocorre um acúmulo de acetil-CoA, o que ativa a enzima piruvato carboxilase. Essa enzima está em grande quantidade em tecidos como o fígado e o córtex renal, que são os tecidos que fazem a gliconeogênese. Outros intermediários do ciclo do ácido cítrico podem ser produzidos por outras vias metabólicas. Um exemplo disso é a transformação de diferentes aminoácidos que podem gerar vários intermediários, assim como os ácidos graxos ímpares podem gerar succinil-CoA. Essas reações estão ilustradas na Figura 22. IE SD E Br as il S/ A IE SD E Br as il S/ A 74 Bioquímica Figura 22 Papel do ciclo do ácido cítrico no anabolismo: reações anapleróticas ) IE SD E Br as il S/ A Como foi falado anteriormente, o ciclo do ácido cítrico possui um papel muito importante no catabolismo de açúcares, lipídeos e proteínas. Além da função catabólica, o ciclo apresenta uma função anabólica, em que são retirados os intermediários do ciclo para formação de outros compostos, como aminoácidos, glicose e ácidos graxos. Quando um ciclo possui tanto a função catabólica quanto a anabólica, ele é chamado de anfibólico. Devido a isso, o ciclo do ácido cítrico apresenta funções cruciais para quase todos os metabolismos da célula, o que faz com que ele seja estritamente regulado, principalmente pelos níveis de NADH e ATP celular. A ativação do ciclo ocorre pelo aumento do acetil-CoA na matriz mitocondrial. Além disso, as enzimas citrato sintase, isocitrato desidrogenase e α-cetoglutarato desidrogenase são enzimas regulatórias desse ciclo. A enzima citrato sintase é inibida por altos níveis de ATP, NADH, acetil-CoA e ácidos graxos, sendo ativada pelo aumento da quantidade de acetil-CoA, AMP, coenzima A e o cofator Ca2+. A enzima isocitrato desidrogenase é inibida pelo excesso de ATP e ativada pelo ADP. Já a α-cetoglutarato desidrogenase é inibida pelos seus produtos – NADH e succinil-CoA – e ativada pelo cofator cálcio. Metabolismo de carboidratos 75 Figura 23 Regulação do ciclo do ácido cítrico Em vermelho estão marcados os agentes que causam inibição da enzima. Em verde estão marcados os agentes que causam ativação da enzima. Analisando todas as reações do ciclo do ácido cítrico, elas iniciam pela entrada de uma molécula de acetil-CoA e uma de água, fazendo com que surja a formação de três moléculas de NADH, uma de FADH2 e uma de GTP, também liberando dois CO2. A seguir, falaremos sobre a maneira como a célula transfere energia dos transportadores de elétrons e prótons para o ATP, sendo essas as moléculas transportadoras de elétrons em energia química (ATP). IE SD E Br as il S/ A 76 Bioquímica 3.3 Fosforilação oxidativa Vídeo A maior formação de ATP na célula quando estiver em presença de oxigênio ocorre no processo de fosforilação oxidativa, que acontece na membrana interna (cristas) da mitocôndria. As moléculas NADH e FADH2 formadas anteriormente são oxidadas e suas energias são transferidas para o ADP se unir ao fosfato inorgânico e formar ATP. Como a localização das estruturas onde ocorre a fosforilação oxidativa é bem específica, é necessário lembrarmo-nos como são as estruturas morfológicas da mitocôndria. Ela é formada por duas membranas, uma externa e outra interna, chamado de espaço intermembranoso. A estrutura química e funções de cada uma das membranas são diferentes. A membrana externa possui alta permeabilidade a eletrólitos e moléculas pequenas (Mw < 5000) e não contém invaginações. Já a membrana interna é altamente invaginada e não deixa a maioria dos íons atravessar sem um transportador específico, e é nela que estão os complexos enzimáticos da cadeia respiratória, além da ATP sintase. Membrana interna Membrana externa Espaço intermembrana Espaço intermembrana Cristais mitocondriais Figura 24 Estrutura mitocondrial CF CF /W ik im ed ia Co m m on s A cadeia respiratória que está nas cristas mitocondriais possui complexos enzimáticos e proteínas transportadoras de elétrons, sendo também o local final de produção de ATP da respiração celular aeróbica. A cadeia respiratória é formada por quatro complexos enzimáticos que são chamados de citocromos. Os citocromos são proteínas que possuem grupo Heme e Ferro-enxofre na sua estrutura e funcionam como transportadores de elétrons. Essas proteínas transportadoras de elétrons são organizadas em complexos multienzimáticos, chamados de complexos I, II, III e IV. É importante destacarmosque esses complexos são transmembranas, o que permite, além do transporte de elétrons, o transporte ativo de prótons da matriz mitocondrial para o espaço entre as membranas. O complexo II é uma proteína integral, ou seja, não atravessa a membrana interna, Metabolismo de carboidratos 77 por isso ele não apresenta a função de transporte ativo de prótons, somente o transporte de elétrons. Além dos carreadores de elétrons, a cadeia respiratória também possui outro transportador lipofílico o qual é chamado de ubiquinona. Esse transportador, ou coenzima Q (QH2), é uma benzoquinona lipofílica que se desloca no interior da membrana interna da mitocôndria e possui a capacidade de transportar um elétron (semiquinona) ou dois elétrons (ubiquinol) do complexo I para o II, e do II para o III. Cada complexo enzimático recebe elétrons de uma molécula e transmite para outra. Por esse motivo, o nome de cada complexo deve indicar esse processo: o complexo I recebe elétrons do NADH e transmite para a coenzima Q, fazendo com que seu nome seja NADH-CoQ oxidorredutase. O complexo II recebe elétrons do succinato, passa para o FAD e, em seguida, para a coenzima Q, por isso o seu nome é succinato-CoQ oxidorredutase. O complexo III recebe elétrons da coenzima Q e transmite para o citocromo c, recebendo o nome de CoQH2-citocromo c oxidorredutase. Por fim, o complexo IV recebe elétrons do citocromo c e transmite-os para o O2, sendo chamado de citocromo oxidase. Figura 25 Estrutura da cadeia respiratória e ATP sintase Para que ocorra a produção de ATP, os complexos enzimáticos criam um gradiente de prótons no espaço entre as membranas. Os prótons devem voltar à matriz e isso acontece na maior parte dos tecidos por meio de um outro complexo enzimático chamado de ATP sintase (ou complexo V). A enzima ATP sintase é um complexo transmembrana, com a função de síntese de ATP e que apresenta duas porções: uma inserida na membrana mitocondrial interna, denominada Fo (sendo o de oligomicina, um inibidor dessa fração); e a porção F1, que está voltada para a matriz. A porção F1 possui sete subunidades: internamente, existe a subunidade γ, que funciona como um eixo de rotação, e ela está envolta para outras três subunidades α alternadas e outras três subunidades β. Sobre a subunidade γ, está a subunidade δ, que fixa a subunidade b2 e permite que o eixo rode sobre si, mesmo enquanto a energia do gradiente de prótons é transferido para unir ADP e Pi para formar ATP. IE SD E Br as il S/ A 78 Bioquímica Figura 26 Estrutura da ATP sintase Lado P Lado N O entendimento do funcionamento da cadeia respiratória é crucial para a avaliação do processo de respiração aeróbica. A estrutura do complexo I é formada por várias coenzimas e grupos prostéticos que possibilitam a função de transportadores de elétrons. Entre esses grupos prostéticos estão o ferro-enxofre e a coenzima flavina mononucleotídeo (FMN). O NADH doa elétrons para o complexo I, algo que ocorre em várias etapas de ordem crescente de potencial de redução, depois disso, eles são encaminhados para a coenzima Q. Cada passagem de dois elétrons do NADH até a ubiquinona por meio do complexo I promove a passagem de quatro prótons (H+) da matriz mitocondrial para o espaço intermembranas. Quando o complexo I recebe elétrons do NADH, quatro H+ são transferidos para o espaço entre as membranas. Em seguida, os elétrons são encaminhados para a coenzima Q, que quando recebe os elétrons, ela se transforma em ubiquinol e promove a transferência para o complexo III. Ele transfere os elétrons por meio de um processo de diferença de potencial de redução, processo o qual está acoplado ao bombardeamento simultâneo de quatro H+ da matriz para o espaço intermembranas. Após os prótons passarem para o espaço entre as membranas, eles são encaminhados para o citocromo C e depois para o complexo IV, que ao receber os elétrons, ele transfere dois H+ para o espaço entre as membranas. Depois, os elétrons vão para a molécula de oxigênio, que sofre redução e acaba formando água. Ao somarem todos os prótons transportados para cada dois elétrons que passam pela cadeia respiratória a partir do NADH, verificamos um total de dez H+. A cadeia respiratória possui duas entradas independentes de elétrons: a primeira pelo complexo I, que vimos anteriormente; e a segunda entrada de elétrons ocorre quando o succinato entrega os elétrons ao complexo II, que é uma flavoproteína, ou seja, possui um FAD como grupo prostético. O FAD recebe os elétrons do succinato formando FADH2, que transfere os elétrons para a coenzima Q e os leva para o complexo III. Após isso, os passos ocorrem da mesma maneira que vimos na explicação sobre o processo no complexo I. IE SD E Br as il S/ A Metabolismo de carboidratos 79 Figura 27 Transferência de elétrons na cadeia respiratória mitocondrial IE SD E Br as il S/ A Perceba que as transferências dos elétrons do NADH e FADH2 geram um grande aumento na quantidade de prótons no espaço entre as membranas, o que gera um gradiente de prótons, contudo nesse processo ainda não ocorreu a síntese do ATP, que é o objetivo principal da respiração celular. Ao analisar esses protestos, Peter Mitchel propôs a chamada teoria quimiosmótica, que explica a relação entre esse gradiente de prótons com a síntese de ATP. A teoria quimiosmótica explica a transferência de energia que ocorre na cadeia respiratória para formar o gradiente de prótons no espaço entre as membranas. Esse gradiente gera uma força próton-motriz com dois componentes: um elétrico e outro químico. A diferença de potencial elétrico (ΔΨ) é gerada pela diferença de cargas entre o espaço, entre as membranas e entre a matriz mitocondrial. O componente químico é composto pela energia potencial química, que é gerada pela diminuição do pH no espaço intermembranas. O acúmulo de H+ nesse espaço deixa a região ácida, diferente da matriz mitocondrial, que possui pH 7,4. Essa diferença de pH forma uma diferença de potencial químico (ΔpH) e somando esses dois potenciais ocorre a força próton-motriz. Figura 28 Teoria quimiosmótica IE SD E Br as il S/ A Existem muitos venenos que bloqueiam os complexos da cadeia respiratória. Um deles é o cianeto, que é um veneno tóxico encontrado na natureza. Esse veneno inibe a citocromo c-oxidase, impedindo a entrega do elétron para o oxigênio e, por isso, a produção de ATP é impedida, ocasionando a morte celular. Saiba mais 80 Bioquímica A força próton-motriz impulsiona os prótons a voltarem para a matriz mitocondrial. Nesse processo, ocorre a transferência de energia que promove uma mudança na conformação da porção F1 da ATP sintase. Essa mudança conformacional ocorre promovendo movimento de girar para a porção F1. Com isso, a energia é transferida para uma molécula de ADP, permitindo a ela se unir com um fosfato inorgânico (Pi), formando ATP. 3.4 Rendimento energético Vídeo Como vimos, a respiração ocorre em várias etapas, e em cada uma delas é produzida uma quantidade diferente de ATP. Além disso, dependendo de qual seja o substrato energético utilizado, a quantidade de ATP formado varia. No processo de respiração anaeróbica, que culmina na fermentação, são geradas apenas duas moléculas de ATP. Já na respiração aeróbica, devemos considerar qual dos transportadores entrega os elétrons e, por consequência, qual complexo inicia a cadeia respiratória. A oxidação do NADH gera mais ATP comparada à oxidação do FADH2, e a transferência dos elétrons do NADH para o complexo I libera dez prótons para o espaço entre as membranas. A transferência de seis H+ ocorre com a transferência dos elétrons do succinato para o FADH2 no complexo II. O acoplamento do gradiente de prótons, gerando a força próton-motriz com a atividade ATP sintase, promove a síntese de ATP. Devido a isso, quanto mais prótons passarem para o espaço entre as membranas, maior será a força próton-motriz e a produçãode ATP. Figura 29 Cálculo da geração de ATP a partir da glicose Glicose 2 NADH 2 NADH 6 NADH 2 GTP 2 ATP 3 ATP 15 ATP 5 ATP 2 ATP 5 ATP 2 FADH2 2 Piruvato 2 Acetil-CoA IE SD E Br as il S/ A Metabolismo de carboidratos 81 Além de ATP, nas etapas da respiração também é formado NADH, mas é importante lembrarmo-nos que a glicólise produz dois ATP, e dois NADH no citosol, além do piruvato. Depois dessa formação, a transformação de cada piruvato para acetil-CoA na matriz mitocondrial gera mais uma molécula de NADH, e como cada molécula de glicose produz dois piruvatos, nessa reação são formados dois NADH. Cada acetil-CoA entra no ciclo do ácido cítrico, e cada ciclo forma três NADH, um GTP (ATP) e um FADH2. Como a partir de cada molécula de glicose obtemos seis NADH, dois GTP e dois FADH2, então, ao final do ciclo do ácido cítrico é obtido dez NADH, dois FADH2 e quatro ATP. A contabilização da quantidade de ATP gerado é feita diferentemente se for a partir do NADH ou do FADH2. Cada NADH gera 2,5 ATP durante seu processo de oxidação na cadeia respiratória, e cada FADH2 gera 1,5 ATP. Portanto, faze- mos a seguinte conta. Percebamos que, ao fazermos o cálculo do número de ATP gerados pela degradação da glicose, utilizamos dois NADH formados durante a via glicolítica, porém, assim como ocorre no citosol, esses dois NADH não entram diretamente na mitocôndria, pois, a membrana interna é impermeável ao NADH. Isso faz com que seja necessária a presença de lançadeiras, que são elas: a malato-aspartato e a glicerol-fosfato. Essas lançadeiras acabam contornando o problema de entrada na membrana, principalmente quando a célula necessita de ATP. A seguir, falaremos sobre o que são e a função específica dessas lançadeiras. 3.4.1 Lançadeiras Como vimos, existem dois tipos de lançadeiras. Na malato-aspartato, o NADH citosólico transferirá seus elétrons e prótons para o oxaloacetato, ainda no citosol. Após isso, o oxaloacetato é reduzido a malato pela catálise da malato desidrogenase. A mitocôndria é permeável ao malato, por meio do transportador malato-α-cetoglutarato, por isso, ele consegue entrar na mitocôndria, ao estar no interior, o malato entra no ciclo do ácido cítrico por meio da malato desidrogenase. Essa lançadeira é encontrada em mitocôndrias do fígado, dos rins, e do coração. 10 NADH + 2 FADH2 + 4 ATP 10 (2,5 ATP) + 2 (1,5 ATP) + 4 ATP 25 ATP + 3 ATP + 4 ATP = 32 ATP 82 Bioquímica Figura 30 Lançadeira malato-aspartato Espaço intermembrana (lado P) Matriz (lado N) 2 Aspartato- -aminotransferase Aspartato- -aminotransferase malato-desidrogenase malato-desidrogenase IE SD E Br as il S/ A Já na lançadeira glicerol-fosfato, encontrada no tecido cerebral e muscular, o NADH, que está no citosol, transfere os elétrons para a di-hidroxiacetona fosfato formando glicerol-3-fosfato, que depois de formado, ele atravessa a membrana externa e transfere diretamente os elétrons para o FAD que está no complexo II. É importante notarmos que nessa lançadeira não ocorre entrada por meio do ciclo do ácido cítrico. Figura 31 Lançadeira glicerol-fosfato IE SD E Br as il S/ A Metabolismo de carboidratos 83 Analisando todas as possibilidades de entrada de elétrons para a geração da força próton-motriz, o rendimento energético, após degradação da molécula de glicose, pode variar entre 30 a 32 ATP. 3.5 Gliconeogênese Vídeo A manutenção da glicemia é um processo fundamental para a obtenção de ATP na maioria dos tecidos, porém, existem algumas células que são mais dependentes da molécula de glicose para manterem os níveis de ATP. Esse metabolismo não é exclusivo dos mamíferos, também podendo ocorrer em outros animais, vegetais, fungos e micro-organismos, entretanto, ela é fundamental no jejum prolongado dos mamíferos, ocorrendo principalmente no fígado (90%) e nos rins (10%). Existem vários hormônios que controlam a atividade das enzimas da gliconeogênese, entre as quais estão o glucagon e o cortisol. As moléculas que entram na gliconeogênese podem variar dependendo da espécie. Os micro-organismos utilizam propionato, acetato e lactato, que estão presentes no meio de crescimento. Os vegetais podem utilizar os lipídeos e aminoácidos por vias metabólicas distintas, incluindo a gliconeogênese. Os animais utilizam vários aminoácidos, sejam aqueles que vêm da dieta ou do músculo esquelético, no caso de um processo de jejum prolongado. Quadro 1 Aminoácidos glicogênicos agrupados segundo o local de entrada Ao analisarmos os 20 aminoácidos que produzem proteínas, apenas a leucina e a lisina não são capazes de fornecer carbonos para a síntese da glicose. * Esses aminoácidos também são cetogênicos. Piruvato 𝛼𝛼-Cetoglutarato Alanina Arginina Cisteína Glutamato Glicina Glutamina Serina Histidina Treonina Prolina Triptofano* Fumarato Succinil-CoA Fenilalanina* Isoleucina* Tirosina* Metionina Oxaloacetato Treonina Asparagina Valina Aspartato Fonte: Adaptado de Nelson; Cox, 2014, p. 574. A necessidade de formação de glicose para manter a glicemia em mamíferos permite a entrada de outros compostos além dos aminoácidos, como o lactato, o piruvato ou o glicerol. O processo da gliconeogênese envolve muitas enzimas uti- lizadas na glicólise, apesar de existir três etapas em que enzimas exclusivas da gli- coneogênese estão presentes, o que justifica o fato de apenas dois órgãos fazerem esse metabolismo em mamíferos. A Figura 32 faz um comparativo entre a glicólise e a gliconeogênese. 84 Bioquímica Figura 32 Vias opostas da gliconeogênese e da glicólise em fígado de rato Glicólise Gliconeogênese Glicose Glicose- -6-fosfato Frutose- -6-fosfato Frutose-1,6- -bifosfato (2) Gliceraldeído-3- -fosfato ATP ATP Di-hidroxiacetona- -fosfato Di-hidroxiacetona- -fosfato ADP H2O H2OADP 2Pi 2Pi Pi Pi 2NAD+ 2NAD+ 2ADP 2ADP 2ADP 2ADP 2GDP 2GTP 2ATP 2ATP 2ATP 2ATP (2) 3-Fosfoglicerato (2) 2-Fosfoglicerato (2) Fosfoenolpiruvato (2) Piruvato 2NADH + 2H+ 2NADH + 2H+ (2) 1,3-Bifosfoglicerato Hexocinase Glicose-6-Glicose-6- -fosfatase-fosfatase Frutose-1,6-Frutose-1,6- -bifosfatase-1-bifosfatase-1 PEP- -carboxicinase Piruvato- -carboxilase Fosfofrutocinase-1 Piruvato- -cinase (2) Oxaloacetato IE SD E Br as il S/ A Metabolismo de carboidratos 85 Observe na Figura 32 que apesar da gliconeogênese ser quase o oposto da glicólise, existem três reações irreversíveis que necessitam de enzimas específicas, em que algumas delas são regulatórias. Para iniciar a gliconeogênese, a maioria dos precursores da glicose é convertida em piruvato ou em intermediários do ciclo do ácido cítrico, como o oxaloacetato. Uma exceção é o glicerol, advindo da quebra de triglicerídeos do tecido adiposo, sendo ele primeiramente transformado em diidroxicetona fosfato, que está na metade da via. Com relação aos triglicerídeos, somente o glicerol pode ser utilizado na gliconeogênese, os ácidos graxos não são substratos para a gliconeogênese. Isso é justificável, pois os animais não possuem enzimas para transformar ácidos graxos em glicose. A formação da glicose, a partir do piruvato, precisa passar pela fase de transformação de piruvato para fosfoenolpiruvato. No entanto, a reação não ocorre de maneira direta, pois o piruvato precisa inicialmente ser transformado em oxaloacetato, para depois formar o fosfoenolpiruvato, porém, a transformação de piruvato em oxaloacetato só pode acontecer na matriz mitocondrial. Por conta disso, o piruvato, que está no citosol, entra primeiro na matriz mitocondrial ou, ainda, ele pode ser formado pelo processo de transaminação a partir do aminoácido alanina, dentro da mitocôndria. Nesse último caso, o grupo amina do aminoácido é transferido para um α-cetoácido carboxílico para depois ocorrer a formação do piruvato. 3.5.1 Etapas da gliconeogênese Na primeira etapa da gliconeogênese, que ocorre na matriz mitocondrial, a enzima piruvato carboxilase é dependente da biotina ecatalisa a transformação de piruvato a oxaloacetato. A biotina presente na enzima é fosfotilada pelo ATP e tem a função de transportador de bicarbonato. O fosfato que entrou é retirado, formando o oxaloacetato, que por sua vez é formado na mitocôndria e não consegue ser transferido ao citosol, fazendo com que ele seja catalisado pela malato desidrogenase para formar malato. O malato é levado ao citosol para continuar o processo. Quando ele chega ao citosol, a malato desidrogenase citosólica catalisa novamente a formação de oxaloacetato. Depois, a fosfoenolpiruvato carboxiquinase catalisa a transformação de oxaloacetato em fosfoenolpiruvato (PEP) e essa enzima necessita de Mg2+ como cofator. Nessa reação, ocorre a retirada de CO2 e, para isso, existe a necessidade de gasto de GTP. Nesse mecanismo, a relação [NADH]/[NAD+] é cerca de dez vezes menor no citosol que na mitocôndria. Com isso, o malato deve sair da mitocôndria para virar oxaloacetato, portanto, esse é um ponto crucial nesse metabolismo e a formação de glicose não pode ocorrer, a não ser que exista NADH disponível. Outro aspecto importante é que nessa fase da gliconeogênese foram utilizados dois compostos ricos em energia: GTP e ATP, havendo, portanto, consumo de moléculas energéticas. Para ser ultrapassada essa falta de NADH e ter uma outra maneira possível de transformar piruvato em fosfoenolpiruvato (PEP), o precursor para a glicose deve ser o lactato. Com isso, a transformação de lactato em piruvato forma NADH no citosol, não sendo necessária a formação do malato. Nesse caso, o piruvato, que está na 86 Bioquímica mitocôndria, é transformado em oxaloacetato e, em seguida, ele vira PEP. A enzima que catalisa essa reação é a fosfoenolpiruvato carboxiquinase mitocondrial. O PEP formado na mitocôndria é transferido para o citosol, dando sequência à gliconeogênese. Figura 33 Vias alternativas da transformação do piruvato em fosfoenolpiruvato Quando o fosfoenolpiruvato é formado, as mesmas enzimas da via glicolítica fazem a reversão das reações até a formação de frutose 1,6-bifosfato. Essas transformações não são consideradas etapas da gliconeogênese, pois elas utilizam enzimas compartilhadas. Na segunda etapa da gliconeogênese ocorre a retirada do fosfato do carbono 1 da frutose 1,6-difosfato resultando na frutose 6-fosfato, que ao ser formada leva IE SD E Br as il S/ A Metabolismo de carboidratos 87 a catálise da fosfohexose isomerase. Essa é uma enzima da via glicolítica que catalisa a modificação de frutose 6-fosfato para glicose 6-fosfato, como a enzima é compartilhada com a glicólise, essa reação é considerada uma etapa intermediária. A glicose 6-fosfato entra no retículo endoplasmático liso por meio de um transportador específico. Nessa organela, ocorre a terceira etapa da gliconeogênese em que a glicose 6-fosfatase catalisa a reação de retirada do fosfato da glicose 6-fosfato, liberando glicose. Isso ocorre gradualmente e quando a concentração de glicose aumenta no interior do retículo endoplasmático liso, o transportador de glicose desloca rapidamente para o citosol e, em seguida, a GLUT2 permite a saída de glicose para o plasma sanguíneo por diferença de concentração, aumentando a glicemia. Figura 34 Reação da glicose 6-fosfatase no retículo endoplasmático liso Citosol Membrana plasmática Concentração sanguínea de glicose aumentada Capilar Transportador de G6P (T1) G6P Glicose-6-fosfatase Transportador de glicose (T2) Glicose Glicose Lúmen do RE Pi Pi G6P Transportador de Pi (T3) GLUT2 A gliconeogênese é muito regulada, especialmente pelo fato de ela e a glicólise serem processos inversos e, portanto, regulados reciprocamente. No entanto, a gliconeogênese possui várias enzimas exclusivas da gliconeogênese, com algumas delas sendo regulatórias. A enzima piruvato carboxilase é inibida pelo ADP e ativada pelo acetil-CoA. Outra enzima inibida pelo ADP é a fosfoenolpiruvato carboxiquinase. Por outro lado, na glicólise, a piruvato quinase é ativada pelo excesso de frutose 1,6-bifosfato e ela é inibida pelo ATP e pela alanina. Além dessas enzimas, observamos que a frutose 1,6-bifosfatase é a enzima mais regulada da gliconeogênese. Ela é inibida pela adenosina monofosfato (AMP) e ativada pelo citrato. Além disso, a frutose 2,6-bifosfato, que é produzida pela catálise da fosfofrutocinase-2 por meio da transformação de frutose 6-fosfato, controla a atividade da frutose 1,6 bifosfatase. Essa molécula aumenta quando o indivíduo está com a glicemia alta e ocorre estimulação da insulina, com isso, a fosfofrutoquinase-1 está ativada, privilegiando a via glicolítica. No jejum prolongado, ocorre diminuição da glicemia e o glucagon é liberado, mas não ocorre a formação de frutose 2,6-difosfato, mantendo a frutose 1,6-bifosfatase ativada, e estimulando a gliconeogênese. IE SD E Br as il S/ A 88 Bioquímica 3.6 Glicogênese e Glicogenólise Vídeo O controle da glicemia e da quantidade de ATP celular também é feito por meio da reserva do polissacarídeo glicogênio, essa reserva existe tanto nos animais quanto em muitos micro-organismos. O armazenamento do glicogênio ocorre de maneira a ficar condensado em grandes grânulos citosólicos que estão ancorados na proteína glicogenina. Os animais possuem uma pequena quantidade de glicogênio na maioria das células, porém, os principais locais de armazenamento são o fígado e o músculo estriado esquelético. No fígado, o polissacarídeo representa cerca de 10% do peso total do órgão, enquanto no músculo é de aproximadamente 1 a 2%. Dito isso, é perceptível que, em termos de porcentagem, o fígado possui a maior quantidade de glicogênio. Além disso, ele possui a importante função de manter a glicemia em períodos de jejum inicial, podendo ser depletado entre 12 e 14 horas; ou em exercício, em torno de 40 min. Além disso, o glicogênio muscular é utilizado somente para manutenção energética desse órgão, não contribuindo para a manutenção da glicemia. Quando a glicemia está alta e ocorre estímulo da insulina na célula, a glicose que estiver em excesso no citosol será encaminhada para armazenamento, preferencialmente na forma de glicogênio. Para que a glicose, que entrar na célula, seja armazenada na forma de glicogênio, deve ser formado o nucleotídeo de açúcar: UDP-glicose. Para iniciar a síntese de UDP-glicose, primeiro é formado a glicose 6-fosfato, com a mesma enzima da primeira reação da glicólise que será catalisada no fígado pela hexoquinase IV, e no músculo pela hexoquinase II. Em seguida, a enzima fosfoglicomutase transferirá o fosfato do carbono 6 da glicose 6-fosfato para o carbono 1, formando a glicose 1-fosfato. Depois disso, a enzima UDP-glicose-pirofosforilase catalisará a entrada de um UTP na glicose 1-fosfato, liberando pirofosfato (PPi) e UDP-glicose. Depois que ocorre a formação do UDP-glicose, as condições para formação do glicogênio exigem o ancoramento da molécula de glicose na glicogenina. Além de fazer a ancoragem, essa proteína possui uma enzima na sua estrutura chamada glicosil-transferase, ela inicia uma nova cadeia de glicogênio quando é transferida de um resíduo de glicose do UDP-glicose (nucleotídeo açúcar) para o grupo hidroxil da tirosina (Tyr194) da glicogenina. Depois disso, ocorre o alongamento da cadeia em até sete resíduos de glicose, ainda catalisadas pela glicogenina. Mesmo após esse aumento, a enzima citosólica glicogênio sintase continua aumentando a cadeia do glicogênio. A glicogênio sintase catalisa a retirada do UDP do carbono 1 da molécula de glicose e transfere a ligação para o carbono 4 da última glicose do polímero, com liberação da molécula de UDP. O glicogênio é um polissacarídeo de arma- zenamento de moléculas de glicose que está unido por ligações α(1,4) e α(1,6), formando ramificações dependendo do estado nutricional e a quantidade de moléculas de glicose ar- mazenadas, mas isso pode variar. No estado alimen- tado, cada grânulopode apresentar até cerca de 55 mil resíduos de glicose e, aproximadamente, duas mil unidades não redutoras. Saiba mais Metabolismo de carboidratos 89 Figura 35 Reação da glicogênio sintase ––O O P P O O P P O O –– O O CH CH2 O O HH HH HH OHOH OHOH HH HH O O O O UDP-glicose UDP Glicogênio alongado com n + 1 resíduos Extremidade não redutora Extremidade não redutora da cadeia do glicogênio com n resíduos (n > 4) Glicogênio-sintase HH OO HH HH HH OO 66CHCH22OHOH HH OHOH HOHO HOHO 5 4 3 2 1 HH HH HH HH OO CHCH22OHOH HH OHOH OHOH HOHO OO OO OO 4 1 HH HH HH HH HH HH HH HH OO OO CHCH22OHOH CHCH22OHOH HH HH OHOH OHOH OHOH OHOH 4 41 1 HOHO OO OO HH HH HH HH HH HH HH HH OO OO CHCH22OHOH CHCH22OHOH HH HH OHOH OHOH OHOH OHOH 4 41 1 Uracila Com a atividade sequencial da enzima glicogênio sintase, ocorre a produção um polissacarídeo linear com apenas ligações α (1,4). Para que não seja formado um polímero linear e uma menor quantidade de espaço na célula seja ocupada, é necessário que ocorra a formação de ramificação com ligações α (1,6). Para isso, ocorre a catálise da enzima glicosil (4,6) transferase, também chamada de amilo (1,4–1,6) transglicosilase. Quando a ponta não redutora ter aproximadamente 11 resíduos de glicose, essa enzima catalisa a transferência de seis para sete desses resíduos de glicose para o grupo hidroxil do carbono 6 da glicose, que está em uma posição mais interna, ou para outra cadeia do glicogênio. Essa transferência forma a ligação α (1,6) e a consequente ramificação, como mostra a Figura 36. Figura 36 Ação da enzima glicosil (4,6) transferase IE SD E Br as il S/ A HO Extremidade não redutora Núcleo do glicogênio Núcleo do glicogênio Extremidade não redutora (𝛼1⟶6) (𝛼1⟶4) Extremidade não redutora Ponto de ramificação OO OO OO OO OO OO OO OO OO OO OO OO OO OO OO OO OO OO OO OO OO OO OO OO OO OO OO OO OO OO Enzima de ramificação do glicogênio OO OOOO OO OO OO OO OO OO OO OO OO HO HO IE SD E Br as il S/ A 90 Bioquímica Depois da formação da ramificação, a glicogênio sintase continua catalisando o aumento da cadeia polissacarídica. Esse processo ocorre enquanto a insulina estimular a célula, e as moléculas de glicose continuarem entrando. Quando a glicemia começa a diminuir, a insulina diminui e o glucagon aumenta, fazendo com que o processo quebra do glicogênio seja iniciado, chamado de glicogenólise. Esse processo é muito importante para o organismo dos animais, pois contribui para manutenção da glicemia no jejum inicial, preservando o funcionamento de algumas células, como as hemácias, que são dependentes exclusivamente de glicose, além do sistema nervoso, que tem a glicose como combustível preferencial. Porém, vale lembrarmo-nos que apenas o fígado pode contribuir com o aumento da glicemia. Para iniciar a quebra do glicogênio, a enzima glicogênio fosforilase catalisa a entrada de um fosfato inorgânico (Pi) na ligação α (1,4) da ponta não redutora do glicogênio, fazendo com que ocorra a retirada de uma glicose 1-fosfato. A reação prossegue até que fiquem quatro resíduos de glicose próximos a um ponto de ramificação ou da glicogenina. Após essa reação, a fosforilase para de funcionar. Com isso, ao reiniciar a síntese de glicogênio, na glicogênese, já existe um ponto de partida para a quebra do glicogênio. Figura 37 Atividade da glicogênio fosforilase Extremidades não redutoras Ligação (α1→4) Ligação (α1→6) Glicogênio Glicogênio-fosforilase Moléculas de glicose-1-fosfato As moléculas de glicose 1-fosfato que são liberadas sofrem a catálise da fosfoglicomutase, acarretando a transferência do fosfato do carbono 1 para o carbono 6, formando glicose 6-fosfato. Caso essa molécula tenha sido formada no músculo, a glicose 6-fosfato entra na via glicolítica, mas se o processo ocorrer no fígado, existem duas alternativas: a primeira, se o hepatócito estiver com baixa quantidade de ATP, a glicose 6-fosfato entrará na via glicolítica; a segunda, se a glicemia estiver baixa, a enzima glicose 6-fosfatase do retículo endoplasmático liso catalisa a retirada do fosfato, liberando glicose. IE SD E Br as il S/ A Metabolismo de carboidratos 91 A continuação da glicogenólise ocorre depois que a glicogênio fosforilase diminuiu o tamanho da ramificação. A enzima transferase desramificadora transfere as três últimas moléculas de glicose, que estão em ligação α(1,4), para a ponta não redutora mais próxima. Depois de feita a transferência, fica apenas um resíduo de glicose em ligação α(1,6) Figura 38 Atividade da transferase Moléculas de glicose-1-fosfato Atividade de transferase da enzima de desramificação O resíduo de glicose que permaneceu na ramificação sofre a catálise da enzima α(1,6) glicosidase, ocorrendo a quebra da ligação glicosídica, liberando glicose. Depois a glicogênio fosforilase continua catalisando a retirada das ligações α(1,4) e a liberação de glicose 1-fosfato, até que fiquem quatro resíduos de glicose ligados na glicogenina. Figura 39 Atividade da α(1,6) glicosidase Polímero (𝛼1⟶4) não ramificado; substrato para nova ação da fosforilase Glicose Atividade de glicosidase (𝛼1⟶6) da enzima de desramificação A manutenção da glicemia é um fator muito importante para o organismo de qualquer animal, por isso, a síntese e a degradação do glicogênio são muito bem reguladas. Para controle da glicemia no jejum inicial, o fígado auxilia liberando glicose que estava armazenada como glicogênio, mas o músculo esquelético não contribui para o aumento da glicemia. Entretanto, quando o indivíduo está no estado alimentado e, com a glicemia alta, a síntese do glicogênio acontece no fígado. IE SD E Br as il S/ A IE SD E Br as il S/ A 92 Bioquímica O músculo utiliza as moléculas de glicose do glicogênio para fornecer energia durante o exercício, quando prevalece a glicogenólise. A reposição do glicogênio muscular ocorre durante o relaxamento, prevalecendo, desse modo, a glicogênese. Por essa grande necessidade do corpo em relação ao metabolismo do glicogênio, esse último necessita de uma regulação enzimática estrita a qual é estimulada pela insulina, pelo glucagon e pela adrenalina. Quando a glicemia está aumentada e a insulina está circulante, ocorre estimulação nas células hepática e muscular, ativando a enzima glicogênio sintase. Nesse caso, ocorre a fosforilação da enzima glicogênio sintase cinase 3 (GSK3), tornando-a inativa, fazendo com que a glicogênio sintase permaneça sem grupamento fosfato, ficando ativa e formando as ligações α(1,4) do glicogênio. Com a glicogênio sintase ativada, o processo de síntese de glicogênio continua e a glicose que entra na célula pode ser armazenada na forma de polissacarídeo. A glicogenólise também é regulada pelos processos de fosforilação/desfosforilação. Quando ocorre a estimulação da adrenalina (no músculo) ou do glucagon (no fígado), uma série de reações que levam a fosforilação da enzima é iniciada, ativando a glicogênio fosforilase. Para isso acontecer, esses dois hormônios aumentam a quantidade de AMP cíclico (AMPc), o que, por sua vez, ativa a proteína cinase A. Ao ativar a enzima proteínacinase A (PKA), ocorre a fosforilação da enzima glicogênio fosforilase, tornando a PKA ativa. Com o aumento da liberação de glicose proveniente do glicogênio, ocorre aumento da glicemia. Outra maneira de controlar as enzimas é pelo aumento da quantidade de AMP, depois da quebra do ATP, tanto no músculo quanto no fígado. O AMP se liga à glicogênio fosforilase fazendo a enzima ficar ativada e aumentar a liberação de glicose, acarretando o aumento da quantidade de ATP no músculo, bloqueando o sítio do AMP na enzima glicogênio fosforilase. Isso torna a enzima inativa, parando a glicogenólise, porém, no repouso, a enzima fosforilase α fosfatase do músculo (PP1) retira o fosfato da enzima glicogênio fosforilase α, tornando-ainativa. CONSIDERAÇÕES FINAIS Neste capítulo, estudamos o processo respiração celular, além da formação do ATP na presença e ausência de oxigênio. Durante a respiração anaeróbica ocorre acúmulo de piruvato, que é desviado para o processo de fermentação. Na respiração aeróbica, ocorrem três metabolismos principais acoplados, há a glicólise quando ocorre o consumo de carboidrato na respiração celular e, em seguida, o piruvato entra na mitocôndria, sendo ele convertido à acetil-CoA. O acetil-CoA entra no ciclo do ácido cítrico no qual são formadas a maior quantidade de moléculas CO2. Nas reações de formação de acetil-CoA e no ciclo do ácido cítrico, os elétrons e os hidrogênios são transferidos para o NAD+ e o FAD, formando NADH e FADH2. Esses transportadores de hidrogênio e elétrons entram no processo de fosforilação oxidativa que é o terceiro estágio da respiração no qual ocorre a maior formação de ATP. Se você quer aprender bio- química, o livro Bioquímica é o mais importante para esta ciência, sendo o princí- pio para os estudos. A obra escrita por Jeremy Berg, John Tymoczko e Lubert Styer apresenta em deta- lhes todos os processos bioquímicos, em especial o que acontece na célula. BERG, J.; TYMOCZKO, J.; STYER, L. Barueri: Guanabara Koogan, 2014. Livro Metabolismo de carboidratos 93 Neste capítulo, também vimos os metabolismos para a manutenção da glicemia. No jejum inicial, é utilizada a quebra do glicogênio armazenado no fígado, regulado pelo glucagon, e pela adrenalina no músculo. A formação do glicogênio ocorre pelo estímulo da insulina, tanto no músculo quanto no fígado. No jejum prolongado, o glicogênio já foi depletado anteriormente, por esse motivo, é necessário sintetizar a glicose a partir de outras fontes, como os aminoácidos, o glicerol, o lactato e o piruvato. Esse processo é chamado de gliconeogênese e é estimulado pela insulina e pelo cortisol. ATIVIDADES Atividade 1 Imagine a segunda situação: um estudante estava em uma excursão e, por consequência de uma brincadeira, acabou ingerindo cerca de 30g/kg da planta conhecida como vassoura vermelha (Dodonea viscosa) que possui altos níveis de rotenona em sua composição. Considerando essa situação, explique como age a rotenona na membrana mitocondrial e qual a consequência da ação desse composto. Atividade 2 A enzina enolase é inibida pelo flúor e pode levar a vários sintomas em pacientes com intoxicação grave. Devido a isso, explique qual é a função da enzima enolase e o que sua inibição causa no organismo. Atividade 3 Explique como devem estar os níveis de glucagon e insulina para que a glicogênio sintase, uma enzima envolvida na biossíntese de glicogênio, esteja ativada no organismo. REFERÊNCIAS BERG, J. M.; TYMOCZKO, J. L.; STRYER, L. Bioquímica. 7. ed. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 2014. DEVLIN, T. M. Manual de bioquímica com correlações clínicas. 7. ed. Blucher: São Paulo, 2011. HALL, J. E. Guyton & Hall: tratado de fisiologia médica. 12. ed. Rio de Janeiro: Elsevier, 2011. KOEPPEN, B. M.; STANTON, B. A. Berne & Levy: fisiologia. 6. ed. Rio de Janeiro: Elsevier, 2009. NELSON, D. L.; COX, M. M. Lehninger: princípios de Bioquímica. 6. ed. Porto Alegre: Artmed, 2014. SILVERTHORN, D. U. Fisiologia Humana: uma abordagem integrada. 5. ed. Porto Alegre: Artmed, 2010. VOET, D.; VOET, J. G.; PRATT, C. W. Fundamentos de Bioquímica: a vida em nível molecular. 2. ed. Porto Alegre: Artmed, 2008. 94 Bioquímica 4 Transporte e utilização de lipídeos e proteínas Os lipídeos são macromoléculas muito importantes para a maioria das células do organismo, porém, alguns tipos de lipídeos, como os triglicerídeos, são sintetizados em tecidos específicos e precisam ser armazenados em outros. Para seu transporte no sangue, é necessário que proteínas específicas sejam utilizadas. A utilização dos lipídeos como fonte de energia pode ser feita em vários tecidos no processo de β-oxidação dos ácidos graxos. Além deles, os aminoácidos também podem ser utilizados como fonte de energia. Para que isso aconteça, é necessário que existam condições nutricionais e hormonais específicas, porém isso leva a formação de amônio, que deve ser transformado em ureia no fígado. Isso é justificado devido ao amônio ser tóxico para a maioria dos seres vivos, portanto, eliminar o nitrogênio na forma de ureia é mais seguro, especialmente para os mamíferos. Portanto, neste capítulo, veremos detalhadamente o processo de formação das lipoproteínas, de que maneiras ocorre o transporte dos triglicerídeos no organismo, assim como o processo de formação dos aminoácidos, o que é, e como funciona o processo conhecido como ciclo da ureia. Com o estudo deste capítulo, você será capaz de: • descrever a formação das lipoproteínas plasmáticas e seu metabolismo; • descrever o processo de mobilização de triacilgliceróis do tecido adiposo, a β-oxidação dos ácidos graxos e suas respectivas regulações; • descrever o processo de síntese de ácidos graxos e de colesterol e suas respec- tivas regulações; • compreender o processo de oxidação, de formação de corpos cetônicos e de síntese dos aminoácidos; • descrever as reações do ciclo da ureia e sua regulação. Objetivos de aprendizagem 4.1 Lipoproteínas Vídeo Quando ingerimos vários tipos de lipídeos, eles são absorvidos no intestino e armazenados ou utilizados no organismo. Apesar das estruturas químicas dos lipídeos serem muito diferentes entre si, eles apresentam uma característica em comum: a baixa solubilidade em água. Devido a isso, para que seja possível o transporte dessas moléculas pelo organismo, é necessária a ligação com proteínas Transporte e utilização de lipídeos e proteínas 95 especiais chamadas de lipoproteínas, que têm a função de aumentar a solubilidade dessas moléculas em água, o que permite o transporte efetivo dos lipídeos na corrente sanguínea. As lipoproteínas têm uma grande quantidade de lipídeos muito apolares em seu interior, formando um núcleo hidrofóbico que possui basicamente moléculas de triacilglicerol e ésteres de colesterila que não devem estar em contato com a água, justamente por apresentarem essa característica da baixa solubilidade. Para que o transporte possa ocorrer, na estrutura externa estão os fosfolipídeos, o colesterol livre e as apo-proteínas. Figura 1 Estrutura de lipoproteínas St ev en M cD ow el l/S hu tte rs to ck Ésteres de colesterila Fosfolipídios Triglicerídeos Colesterol livre Apoproteínas Fonte: Elaborada pela autora A estrutura de todas as lipoproteínas é semelhante, o que muda entre elas será o tipo de apo-proteína e a quantidade de cada um dos lipídeos que será transportada. Por esse motivo, cada lipoproteína possui uma função, um local de formação e uma composição de lipídeos e apo-proteínas específicas. A avaliação da densidade final de uma lipoproteína depende especialmente da sua constituição lipídica, pois quanto maior o teor de lipídeos, menor será a densi- dade da lipoproteína. Logo, a densidade é que irá determinar a classificação delas, que por sua vez são divididas da seguinte maneira: a lipoproteína de muito baixa densidade, em inglês: Very Low Density Lipoprotein (VLDL); a lipoproteína de densi- dade intermediária, em inglês: Intermediary Density Lipoprotein (IDL); a lipoproteína de baixa densidade, em inglês: Low Density Liprotein (LDL); e por fim, a lipoproteína de alta densidade, em inglês: High Density Lipoprotein (HDL). Além dessas, temos uma classificação extra chamada de quilomícron, que é a lipoproteína de mais bai- xa densidade entre todas as outras. As lipoproteínas possuem apo-proteínas específicas que apresentam várias funções, como o transporte de lipídeos pela circulação sanguínea e a comunicação com órgãos específicos e controle de algumas enzimas. Um exemplo dessas apo- proteínas são as lipases lipoproteicas que são ativadas pela apo-proteína C-II e 96 Bioquímica inibidas pela apoC-III. Outro exemplo de enzima controlada éa lecitina colesterol acil-transferase (LCAT) que é ativada por Apo A-I e inibida por A-II. Outra coisa importante é a atuação das apo-lipoproteínas no reconhecimento celular. Por exemplo, a apo-proteína B-100, presente no LDL, é reconhecida pelos receptores presentes no tecido periférico, o que promove a endocitose dessa lipoproteína e entrega colesterol para esses tecidos. Na Tabela 1, mostramos o conteúdo de lipídeo e o tipo de apo-proteínas presentes em cada lipoproteína. Tabela 1 Composição das lipoproteínas plasmáticas Quilomícron VLDL IDL LDL HDL Densidade (g/ml) <0,95 0,95-1,006 1,006-1,019 1,019-1,063 1063-1,210 Proteína (%) 2 8 15 22 40-55 Triglicerídeo (%) 86 55 31 6 4 Colesterol livre (%) 2 7 7 8 4 Ésteres de colesterol (%) 3 12 23 42 12-20 Fosfolipídeos (%) 7 18 22 22 25-30 Composição de apopro- teinas A-I, A-II,B-48, C-I, C-II, C-III B-100, C-I, C-II, C-III, E B-100, C-I, C-II, C-III, E B-100 A-I, A-II, C-I, C-II, C-III, D, E Fonte: Adaptada de Voet; Voet; Pratt, 2014, p. 660. A seguir, explicaremos o processo de formação de cada uma dessas lipoproteínas. 4.1.1 Formação do quilomícron A principal função das lipoproteínas é de transportar lipídeos na circulação sanguínea. O quilomícron, que é a lipoproteína de menor densidade entre todas, é formado no intestino a partir da união dos lipídeos absorvidos por meio da dieta, com lipoproteínas específicas produzidas pela célula intestinal (enterócito). A formação do quilomícron é complexa e segue uma sequência bem estruturada. Essa formação tem início quando ingerimos lipídeos na dieta alimentar, mas é necessário que primeiro eles sejam digeridos em moléculas menores para serem absorvidos. Para isso, os sais biliares, que são produzidos pelo fígado a partir do colesterol, emulsificam essas gorduras e as separam em porções menores. Depois dessa separação, as lipases pancreáticas quebram os triacilgliceróis, o que libera ácidos graxos livres e glicerol. Na sequência, as moléculas de ácidos graxos livres conseguem atravessar as microvilosidades intestinais por difusão simples, e ao entrarem no enterócito, vão para o retículo endoplasmático liso, onde são unidos novamente ao glicerol para formar os triglicerídeos. Após essa união, essas novas moléculas são encaminhadas ao complexo de Golgi, onde acontecerá a união com os outros lipídeos e com as apo-proteínas. Essas são sintetizadas no retículo endoplasmático rugoso e posteriormente serão unidas aos lipídeos para formar os quilomícrons. Os quilomícrons são constituídos principalmente por triacilgliceróis, que constituem cerca de 85% do seu peso, sendo essa a causa da sua baixa densidade. Transporte e utilização de lipídeos e proteínas 97 Figura 2 Formação dos quilomícrons Os sais biliares provenientes do fígado cobrem as gotas de gordura. A lipase e colipase pancreáticas quebram gorduras em monoacilgli- ceróis e ácidos graxos estocados em micelas. Monoacilgliceróis e ácidos graxos movem-se para fora das micelas e entram nas células por difusão. O colesterol é transportado para dentro das células por um transpor- tador de membrana. Os lipídeos absorvidos combinam- -se com o colesterol e proteínas nas células intestinais para formar os quilomícrons. Os quilomícrons são liberados dentro do sistema linfático. 1 3a 3b 2 4 5 1 3a 3b 2 5 Triacilgliceróis + colesterol + proteínas Sais biliares provenientes do fígado Grandes glóbulos provenientes do estômago Emulsão Lípase e colípase Lúmen do instestino delgado Reciclagem de sais biliares Micelas RE liso Célula do intestino delgado Aparelho de Golgi Quilomícron Lactífero Líquido intersticial Linfa para a veia cava Capilar 4 Como os quilomícrons são estruturas muito grandes, eles vão para a circulação linfática, e depois chegam à circulação sanguínea pela veia cava esquerda. Para que ocorra a entrega de triglicerídeos aos tecidos, a apo-proteína C-II ativa a lipoproteína lipase no capilar do tecido, onde será feita a entrega. A lipoproteína lipase catalisa a quebra das ligações éster dos triacilgliceróis, o que gera ácidos graxos livres que entram nas células por difusão simples. Esses ácidos graxos podem ser utilizados para a geração de energia, ou podem ser novamente armazenados (reesterificados) na forma de triacilgliceróis no tecido adiposo. 4.1.2 Formação da VLDL Com a entrega dos triglicerídeos aos tecidos, em especial ao tecido adiposo, os quilomícrons ficarão com tamanho menor, passando a ser chamados de quilomícrons remanescentes que são retirados da circulação pelo fígado. Nesse IE SD E Br as il S/ A 98 Bioquímica órgão, existem três possibilidades de encaminhamento dos ácidos graxos que ainda sobraram no quilomícron: 1. eles podem ser utilizados para formar ATP; 2. podem ser utilizados como precursores para outras moléculas; ou 3. podem ser unidos a outros lipídeos e apo-proteínas, formando a lipoproteína VLDL. A formação da lipoproteína de muito baixa densidade (VLDL) ocorre nos he- patócitos após a união dos lipídeos provenientes do quilomícron remanescente, com os lipídeos sintetizados no fígado e as apo-proteínas específicas (apoB-100, apoC-I, apoC-II, apoC-III e apoE). Como vimos na Tabela 1, o VLDL possui cerca de 55% de triacilgliceróis, sendo a maior parte deles sintetizados no fígado a partir da estimulação da insulina, devido ao excesso de carboidratos. Os triacilgliceróis serão transportados até os adipócitos e ao músculo pela VLDL. A apoC-II presente no VLDL ativa a lipoproteína lipase presente no endotélio vascular do tecido para possibilitar a quebra dos triacilgliceróis e a liberação dos ácidos graxos para ocorrer a entrega ao tecido. 4.1.3 Formação da LDL Depois da entrega dos triglicerídeos, o VLDL será convertido em IDL, sendo que esse último termina de levar os triacilgliceróis para os tecidos, um processo que continua até que o conteúdo principal de lipídeo seja somente o colesterol e que a única apo-proteína seja a apo-B-100. Quando isso acontecer, ele passa a ser chamado de lipoproteína de baixa densidade (LDL). Com isso, notamos que a formação de IDL e de LDL ocorre na circulação, a partir do VLDL. O LDL é uma estrutura que possui cerca de 8% de colesterol livre e 42% de ésteres de colesterila, tendo como principal função levar colesterol para as células dos tecidos periféricos. Figura 3 Lipoproteína LDL IE SD E Br as il S/ A Transporte e utilização de lipídeos e proteínas 99 A única apo-proteína do LDL é a B-100, sendo que nos tecidos periféricos e hepatócitos são encontrados receptores específicos para ela, para que ocorra a entrega do colesterol. A Figura 4 mostra o processo de endocitose do LDL na célula do tecido periférico. Figura 4 Endocitose da LDL mediada pelo receptor para Apo-B-100 IE SD E Br as il S/ A Membrana plasmática ApoB-100 Ésteres de colesterila Partícula LDL O receptor de LDL liga apoB-100 da LDL, iniciando a endocitose. Golgi Lisossomo RE O receptor de LDL sintetizado no retículo endoplasmático rugoso move-se para a membrana plasmática via sistema de Golgi. Enzimas líticas no lisossomo degradam apoB-100 e ésteres de colesterila, liberando aminoácidos, ácidos graxos e colesterol. Núcleo Aminoácidos Ácidos graxos Colesterol Gotículas de gordura O receptor de LDL é segregado em vesículas e reciclado na superfície. LDL é internalizado em um endossomo. O endossomo com LDL fusiona-se com o lisossomo. 1 2 2 3 4 5 6 A LDL será retirada da circulação quando a apoB-100 se ligar aos seus receptores hepáticos e sofrer recaptação por endocitose. Qualquer alteração no receptor para B-100 no hepatócito, e/ou alteração da conformação da Apo-B-100 impactará diretamente a remoção da LDL da circulação sanguínea. O colesterol que retorna ao fígado pela LDL é fundamental para controlar a síntese de colesterol nesse órgão pela inibição tanto da enzima reguladora da síntese de colesterol,hidroximetilglutaril (HMG)-CoA redutase, quanto da expressão proteica dos receptores hepáticos de Apo-B-100. 4.1.4 Formação da HDL A retirada do excesso de colesterol do sistema circulatório é feita pela lipoproteína de alta densidade (HDL). O colesterol que volta ao fígado pelo HDL poderá ser utilizado como precursor, por exemplo, para a síntese de sais biliares. O HDL é produzido no intestino delgado e no fígado e contém pouco colesterol livre, pois, na sua estrutura, há a presença da enzima LCAT, que é responsável pela formação dos ésteres de colesterila e apo-proteínas específicas, como: apoA-I, apoA-II, apoA-IV, entre outras. 100 Bioquímica O HDL, quando está no sangue, capta o colesterol das partículas de quilomícrons, da VLDL e das células dos tecidos periféricos presentes na circulação sanguínea. A baixa quantidade de colesterol livre na HDL é justificada pela ação da LCAT que converte o colesterol livre em ésteres de colesterila. No fígado, os receptores SR-BI interagem com o HDL, e o colesterol é usado por esse órgão para fazer sais biliares. Figura 5 Transporte de colesterol e triacilgliceróis no sangue Colesterol e gordura da dieta Fígado Sais biliares Colesterol fecal LRP Biossíntese de triglicerídeos e colesterol Retorno do colesterol Intestino Vaso linfático Quilomícrons Quilomícrons remanescentes VLDL (remanescente) Capilares Triaciglicerois Colesterol Camada hidrolica (proteínas fosfolipdídios, etc.) Hidrólise dos triacilgliceróis nos capilares Capilares Ressíntese e estoque no tecido adiposo Colesterol Tecidos periféricos (Músculos e outros órgãos) Receptor de LDL Lipoproteína lipase Lipoproteína lipase Legenda: HDL B-48 A C E B-48 A C E B-48 A C E B-100 C E B-100 C E B-100 C E B-100 B-100 B-100 B-100 B-100 E B-100 E B-100 E B-100 E B-100 C E B-48 E B-48 EB-48 E B-48 E B-48 E LCAT A-I LCAT A-I LCAT A-I LCAT A-I LCAT A-I LCAT A-I LCAT A-I LDL IDL Glicerol Ácidos graxos Transporte pela albumina do soro β-Oxidação nos tecidos periféricos Retorno ao fígado para síntese de glicose IE SD E Br as il S/ A O entendimento de como os lipídeos são transportados no sangue é necessário para o cálculo do fator de risco para doenças cardiovasculares. O excesso de LDL e a falta de HDL estão relacionados ao desenvolvimento da placa de aterosclerose. A aterosclerose é a doença caracterizada pela formação da placa aterosclerótica, que é uma doença inflamatória crônica, multifatorial e ocorre principalmente em artérias de médio e grande calibres (XAVIER, 2013). Para que a placa de aterosclerose seja formada (aterogênese) são necessários dois fatores: uma presença de uma lesão endotelial e a presença de uma grande quantidade de LDL. A ocorrência dessa lesão estimula a resposta inflamatória crônica, o que acaba formando a placa. Os principais fatores de risco relacionados à formação da placa aterosclerótica são: tabagismo, hipertensão arterial e, como vimos, níveis aumentados da lipoproteína LDL. O excesso de LDL é interiorizado na túnica íntima dos vasos e não consegue retornar à circulação, com isso, a LDL sofre a ação do estresse oxidativo Transporte e utilização de lipídeos e proteínas 101 gerando uma partícula chamada de LDL oxidada (LDLox). A partir disso, são atraídas células de defesa para a região, como linfócitos e monócitos. Os monócitos se diferenciam em macrófagos que fazem a fagocitose das LDLox, e após esse processo de fagocitose, os macrófagos passam a serem chamadas de células espumosas. Os macrófagos passam a secretar citocinas que ativam a proliferação e a migração das células musculares lisas da túnica média. Esse evento forma uma capa fibrosa ao redor da placa aterosclerótica ao longo do tempo. Hiperglicemia – Hipercolesterolemia – Hipertensão Macrófago Difusão endotelial Inflamação LDL Citocinas pró- inflamatórias Estresse oxidativo Espécies reativas de oxigênio (ROS) Célula muscular lisa Células espumosas LDLox Estresse oxidativo Figura 6 Formação da placa aterosclerótica AL EI SF /W ik im ed ia Co m m on s sPLA2 sPLA2 ag-LDL A placa jovem apresenta poucas células espumosas e não possui um núcleo necrótico, podendo ela ser revertida se o excesso de LDL for diminuído para os níveis normais. Caso isso não aconteça, continua havendo o depósito de LDL na camada íntima das artérias formando uma capa de musculatura lisa mais espessa e um núcleo necrótico. Essa placa pode causar a obstrução da passagem de sangue no vaso sanguíneo, o que leva ao rompimento dessa estrutura e provoca o extravasamento de seu conteúdo altamente trombogênico para a circulação sanguínea. Por esses motivos, a placa aterosclerótica é a maior causa de infarto agudo do miocárdio e de acidentes vasculares cerebrais. 4.2 Lipólise Vídeo O processo de lipólise ocorre para degradar as moléculas de triacilglicerol liberando ácidos graxos livres e glicerol, no processo de mobilização dos triglicerídeos do tecido adiposo. Os ácidos graxos livres formam acetil-CoA quando chegam ao tecido de degradação. Esses ácidos podem ser oxidadas no ciclo do ácido cítrico e gerar NADH e FADH2, que, por meio da fosforilação oxidativa, vão originar as moléculas de ATP (NELSON; COX, 2014). 102 Bioquímica Os triacilgliceróis são armazenados no tecido adiposo em forma de gotículas no citoplasma das células e, dependendo da estimulação hormonal, os triglicerídeos sofrem reações de lipólise (degradação) ou de síntese. Os principais hormônios relativos à lipólise são o glucagon e a adrenalina. Esses dois hormônios se ligam a receptores de membrana celular dos adipócitos, o que desencadeia a liberação de AMP cíclico e ativa a enzima proteína cinase. Após isso, essa última enzima ativa a enzima triacilglicerol lipase, também chamada de lipase hormônio sensível. A função dessa última enzima é catalisar a quebra das ligações éster das moléculas de triacilglicerol e liberar ácidos graxos livres (AGL) e glicerol. Figura 7 Mobilização dos triacilgliceróis P P P P P P P CGI CGI CGI HSL HSL Lipase sensível a hormônio ATGL MGL Triacilglicerol Diacilglicerol Gotículas de lipídeo Monoacilglicerol Transportador de ácidos graxos Glucagon Adenilil ciclase 4 2 1 9 10 11 6 7 5 8 3 ATP ATP cAMP PKA Gs Receptor Adipócito Ácido graxos Miócito Albumina sérica β oxidação ciclo do ácido cítrico cadeia respiratória CO2 Corrente sanguínea IE SD E Br as il S/ A Depois da quebra dos triacilgliceróis, os ácidos graxos livres e o glicerol liberados vão para a circulação sanguínea. O glicerol será captado da circulação pelas células do fígado e dos rins e será convertido à succinil-CoA em uma série de reações, cuja enzima principal é chamada de glicerol quinase, que está presente apenas nos hepatócitos e células renais. Após isso, essa enzima principal é encaminhada à gliconeogênese. Quando vão para a circulação, os ácidos graxos livres se ligam à albumina do soro e, dessa maneira, eles podem ser transportados até às células-alvo. Para que os ácidos graxos entrem nas células, eles devem passar por um transportador de membrana específico. Quando já estão dentro das células, o ácido graxo será degradado no interior da mitocôndria, em um processo chamado de β-oxidação dos ácidos graxos. A β-oxidação é uma via metabólica presente na maioria das células eucarióticas que possuem mitocôndria. Essa via tem a função de degradar os ácidos graxos liberando acetil-CoA, NADH e FADH2, um processo que é muito importante em Transporte e utilização de lipídeos e proteínas 103 células específicas, como o músculo esquelético e as células cardíacas. No entanto, existem células em que esse processo não ocorre, como as hemácias, já que elas não conseguem metabolizar os lipídeos, justamente por não possuírem mitocôndria. No tecido adiposo, a barreira hematoencefálica não permite a chegada dos ácidosgraxos às células. Devido a isso, esse tecido utiliza preferencialmente glicose e alternativamente os corpos cetônicos. A β-oxidação ocorre em três estágios: ativação, transporte para a mitocôndria e degradação. Os ácidos graxos são ativados no citoplasma. Após a ativação, são transportados até a matriz mitocondrial por meio de um transportador específico. Já a degradação ocorre no interior da mitocôndria. Os ácidos graxos de cadeia carbônica pequena ou média, por meio da difusão simples, passam pelas duas membranas da mitocôndria e são ativados na matriz mitocondrial, formando acil-CoA. Já a ativação dos ácidos graxos de cadeia longa ocorre no citoplasma e acontece pela catálise da enzima acil-CoA sintetase. A rea- ção ocorre quando o ácido graxo livre reage com a coenzima A. No entanto, para que essa reação ocorra, é necessário o consumo de ATP, liberando AMP e PPi (di- fosfato inorgânico). Após a formação do acil-CoA (R–CO–SCoA) do ácido graxo de cadeia longa, ele deve ultrapassar a membrana externa. Ao chegar no espaço entre as membranas, esse ácido é unido à carnitina, transportador específico de grupamentos acil ativados, pela catálise da enzima carnitina acil-transferase I, formando acil- carnitina (R–CO–carnitina). O transportador acil-carnitina/carnitina está presente na membrana interna da mitocôndria e transporta o acil-carnitina para a matriz mitocondrial. Na matriz, o acil-carnitina será convertido em acil-CoA (R–CO–SCoA) outra vez pela catálise da carnitina acil-transferase II. Figura 8 Transporte do acil-CoA de cadeia longa para a matriz mitocondrial Citosol Carnitina R — C O Carnitina Membrana mitocondrial interna Matriz Espaço intermembrana Carnitina-aciltransferase I Carnitina-aciltransferase II Transportador CoA – SH S – CoAS – CoA CoA – SH R — C O R — C O R — C O Carnitina Carnitina Membrana mitocondrial externa IE SD E Br as il S/ A Na mitocôndria, o acil-CoA (R–CO–SCoA) é degradado no processo de β-oxidação dos ácidos graxos, que ocorre em uma sequência cíclica de quatro reações. As três primeiras reações têm a função de introduzir no carbono β (terceiro carbono depois da dupla ligação do carbono ligado à coenzima A) um oxigênio ligado por uma outra dupla ligação com o carbono, para possibilitar a ligação de uma outra coenzima A. 104 Bioquímica 1. A primeira reação ocorre por catálise da enzima acil-CoA desidrogenase, o que leva a formação de FADH2 e forma uma ligação dupla entre os carbonos α e β dos ácidos graxos. 2. Na segunda reação, catalisada pela enzima enoil-CoA hidratase, ocorre quebra da dupla pelo processo de hidrólise. A hidroxila da água entra no carbono β e o hidrogênio no carbono α. 3. Na terceira reação, que é catalisada pela enzima β-hidroxiacil-CoA desidratase, ocorre novamente uma reação de oxidação, em que ocorre a saída de dois prótons e dois elétrons do carbono β para o NAD+, formando NADH e resultando na formação da dupla ligação do oxigênio com o carbono β. 4. Na quarta reação da β-oxidação, catalisada pela tiolase, ocorre a quebra da ligação entre os carbonos α e β pela ligação de uma coenzima A ao carbono β. Ao final dessas quatro reações de β-oxidação, ocorre a formação de uma molécula de acetil-CoA e um acil-CoA com dois carbonos a menos quando comparado ao início da via metabólica, um NADH e um FADH2. Ao analisar o processo inteiro, é possível observar que existia um acil-CoA com 16 carbonos e o palmitoil-CoA, que forma – depois de oito ciclos de β-oxidação – oito moléculas de acetil-CoA, oito de NADH e oito de FADH2. Figura 9 Reações da β-oxidação dos ácidos graxos trans - Δ2- Enoil-CoA L-β-Hidroxiacil-CoA Co A- SH β-Hidroxiacil-CoA- -desidrogenase (C16) R CH2 CH2 CH2 C S-CoA αβ OPalmitoil-CoA FA D NAD + FA D H 2 NADH H 2O Acil-CoA- -desidrogenase Enoil-CoA- -hidratase R CH2 C C C S-CoA OH H R CH2 C CH2 C S-CoA O OH H β-Cetoacil-CoA R CH2 C CH2 C S-CoA OO (C14) R CH2 C S-CoA + O Acetil-CoA CH3 C S-CoA O Acil-CoA (miristoil-CoA) Acil-CoA- -acetiltransferase (tiolase) IE SD E Br as il S/ A Os ácidos graxos com dupla ligação precisam de duas etapas extras que são catalisadas por uma isomerase e uma redutase, respectivamente. Essas reações são fundamentais, pois a maioria dos nossos ácidos graxos é insaturada. Quando o ácido graxo possui cadeia ímpar de carbonos ocorre o processo de β-oxidação até a formação do propionil-CoA. Esse composto que será convertido, a partir de uma série de reações, em succinil-CoA, que entra no ciclo do ácido cítrico. Quando a mobilização de ácidos graxos está elevada, como no jejum prolongado ou na diabetes mellitus descompensada, a quantidade de acetil-CoA formado no fígado é alta. Com isso, o acetil-CoA é desviado para a formação de corpos cetônicos, que são três moléculas: a acetona, o ácido acetoacético e o ácido β-hidroxibutírico. Essas três vão para a circulação sanguínea e são levadas para outros tecidos, onde são utilizadas como fontes de energia. O β-hidroxibutirato e o acetoacetato são Transporte e utilização de lipídeos e proteínas 105 utilizados pelas células como fonte de acetil-CoA, e a acetona, que é uma molécula volátil, é eliminada pelos pulmões, fazendo com que os indivíduos que estão com alta produção de corpos cetônicos tenham hálito característico. Para formar os corpos cetônicos, primeiramente ocorre a condensação de duas moléculas de acetil-CoA com a formação do acetoacetil-CoA, reação essa que é catalisada pela enzima tiolase. O acetoacetil-CoA reage com mais uma molécula de acetil-CoA, formando hidroximetilglutaril-CoA (HMG-CoA), reação que é catalisada pela enzima HMG-CoA sintetase. Na reação seguinte, o HMG-CoA é reduzido para formar o acetoacetato, libe- rando acetil-CoA, após isso, o acetoacetato pode seguir dois caminhos: ir para a circulação sanguínea ou ser utilizado como substrato para a formação de β-hidroxi- butirato e acetona. A reação de produção de β-hidroxibutirato a partir do acetoace- tato é reversível, ou seja, dependendo das condições, a enzima é capaz de catalisar a reação para os dois lados. A enzima responsável pela catálise da reação de pro- dução de acetoacetato é a HMG-CoA liase, já pela produção são: a β-hidroxibutirato e a β-hidroxibutirato desidrogenase. Figura 10 Produção hepática de corpos cetônicos acetoacetato acetona oxidação dos ácidos graxos 3-hidróxi-3-metil-glutaril CoA (HMG CoA) H M G C oA si na se H M G C oA li as e 2x CH3 C CH2 C S CoA OOH CH2 COO CH3 C CH2 C O OOH CH3 CH CH2 COO OH CH3 C CH3 O β-hidroxibutirato β- hi dr ox ib ut ira to de si dr og en as e CoA acetil CoA Co A CO2 acetil CoA N AD + ac et il Co A N AD H +H + Após serem produzidos no fígado, os corpos cetônicos são utilizados pelas células como fonte de acetil-CoA para o ciclo do ácido cítrico. Nas células, o β-hidroxibutirato é reconvertido em acetoacetato, formando duas moléculas de acetil-CoA ao final. Os corpos cetônicos são importantes fontes de energia, em especial às do sistema nervoso central (SNC), durante o jejum prolongado ou na diabetes mellitus descompensada. IE SD E Br as il S/ A 4.3 Lipogênese Vídeo Todos os processos que promovem síntese de lipídeos são chamados de lipogênese. Vários tipos de lipídeos são sintetizados pelos vertebrados, entre eles estão os fosfolipídeos, os triglicerídeos e o colesterol, mas apesar desses lipídeos terem funções fisiológicas distintas, existe o mesmo precursor para a síntese de todos eles: o acetil-CoA. 106 Bioquímica A síntese dos ácidos graxos ocorre no citoplasma das células que além de utilizar o acetil-CoA para formar o precursor (Malonil-CoA), utiliza também NADPH, sendo ele proveniente da via das pentoses fosfato e da ação da enzima málica. A degradação da glicose é a principal fonte de acetil-CoA para a síntese de ácidos graxos, que é estimulada pela insulina. Quando a degradação de glicose aumentaos níveis de ATP celular, o excesso de acetil-CoA é desviado para a síntese de lipídeo. A formação do acetil-CoA ocorre na matriz mitocondrial, porém, a síntese dos ácidos graxos ocorre no citoplasma. Como os compartimentos são diferentes, é necessário acontecer o transporte da matriz para o citoplasma, mas não existe transportador para o acetil-CoA, então, por conta disso, ele reage com o oxaloacetato, formando citrato, em uma reação que é catalisada pela enzima citrato sintase. Mesmo com o citrato sendo formado, ele não consegue continuar no ciclo do ácido cítrico se a célula estiver com níveis adequados de ATP, porque o ciclo do ácido cítrico estará inibido, por isso, o citrato se acumula na matriz mitocondrial. Nessa situação, o transportador de citrato reconhece-o, levando-o para o citosol. Nele, esse citrato é transformado em oxaloacetato e acetil-CoA. Essa reação é catalisada pela enzima citrato liase. Depois, o oxaloacetato é convertido à malato, que pode retornar, dessa maneira, à matriz ou ser convertido à piruvato, que volta à matriz. Matriz Membrana interna Membrana externa Citosol Transportador de citrato Citrato Citrato Citrato-liase Oxaloacetato Oxaloacetato Matato-desidrogenase Matato-desidrogenase Malato Malato Acetil-CoA (múltiplas fontes) Acetil-CoA Transportador de piruvato Piruvato Piruvato Transportadorde malato-α-cetoglutarato Piruvato- -carboxílase Enzima málica Citrato-síntase NADH + H+NADH + H+ ATP ATP NADPH + H+ NAD+NAD+ NADP+ CO2CO2 CoA–SH CoA–SH ADP + Pi ADP + Pi Síntese de ácidos graxos IE SD E Br as il S/ AFigura 11 Lançadeira para a transfe- rência de grupos acetil da mitocôndria para o citosol Para que ocorra a biossíntese de ácidos graxos, é necessário produzir malonil-CoA a partir de acetil-CoA e de bicarbonato. Essa reação é catalisada pela enzima acetil-CoA carboxilase, que possui biotina como coenzima, conforme ilustra a Figura 12. Transporte e utilização de lipídeos e proteínas 107 Proteína carreadora de biotina Proteína carreadora de biotina A D P + P i O C C NH + NH S HN O Malonil-CoA C CH2 O C –O O S-CoA Proteína carreadora de biotina CH3 O C S-CoA O O C C N NH S HN O Acetil-CoA HCO–3 + ATP C O– Proteína carreadora de biotina O O C C N NH NH S O C O– O C C N H H N H N S O Transcarboxilase Transcarboxilase Biotina-carboxilase Biotina-carboxilase Braço de biotina Cadeia lateral da Lys IE SD E Br as il S/ A Figura 12 Produção do malonil-CoA Depois que ocorre a formação do malonil-CoA, a síntese dos ácidos graxos é iniciada. Para isso, a enzima do ácido graxo sintase catalisa o aumento da cadeia de carbonos de dois em dois carbonos, catalisação a qual ocorre em um ciclo de quatro reações que se repetem sucessivamente (Figura 13). Figura 13 Sequência de reações de síntese dos ácidos graxos CC –O O O O Grupo malonil Grupo acetil (primeiro grupo acil) Ácido graxo-sintase Condensação 1 2 3 Redução Desidatração SCH2 CO 2 C S KS ACP CH3 C OO HS HS αβ SCH2CCH3 C OO HS SC C H CH3 C OO OH SCH2CCH3 H 2O 3 Desidatração H 2O 4 Redução Grupo acila saturado, aumentando em dois carbonos HS C O SCH2CH2CH3 N A D PH + H + N A D P+ N A D PH + H + N A D P+ IE SD E Br as il S/ A O grupo malonil do malonil –CoA é unido ao sítio ACP da ácido graxo sintase, enquanto o grupo acetil do acetil–CoA se liga no sítio KS. Em seguida, começa a primeira reação na qual ocorre a união dos dois carbonos do acetil com dois carbonos do malonil e a liberação de uma molécula de CO2. A segunda reação é a redução, pois nela ocorre a introdução de dois hidrogênios do NADPH no carbono β-cetônico, com formação de uma hidroxila. Na terceira reação, acontece perda de uma molécula de água e a formação de uma dupla ligação entre os carbonos α e 108 Bioquímica β. Na quarta reação, uma molécula de NADPH é utilizada para quebrar a ligação dupla. Ao final dessas quatro reações, o grupo acil está com quatro carbonos. Para formar o palmitoil com 16 carbonos, é necessário que ocorram mais oito ciclos de reações. Ao formá-lo, o grupamento acil se desliga do complexo enzimático da ácido graxo sintase formando o ácido palmítico, que é sempre produzido pelo ácido graxo sintase. Para os organismos que precisam de ácidos graxos mais longos, as enzimas que estão no retículo endoplasmático liso e na mitocôndria catalisam o alongamento dos ácidos graxos. São acrescentadas duplas ligações por catálise da acil-CoA graxo dessaturase, sendo que essas são enzimas que colocam duplas em posições específicas nas cadeias dos ácidos graxos (AG), como a introdução no carbono 9. Outros ácidos graxos com duplas ligações em posições que as dessaturases não catalisam são considerados ácidos graxos essenciais e, portanto, eles devem ser ingeridos pelos mamíferos. Como o armazenamento não ocorre utilizando os ácidos graxos livres, é necessário formar os triacilgliceróis por meio de reações de esterificação, adicionando três ácidos graxos ao glicerol. Para que os ácidos graxos possam formar os triacilgliceróis, é necessário que se tenha a molécula de glicerol 3-fosfato, sendo que essa molécula pode ser oriunda da glicólise ou da produção da enzima glicerol-quinase. Ao glicerol 3-fosfato são unidos dois grupamentos acil, uma reação que é catalisada pela enzima acil-transferase, formando o ácido fosfatídico. Esse ácido pode ser utilizado para formar várias moléculas, como o triacilglicerol e os glicerofosfolipídeos. Para a formação dos triglicerídeos são necessárias duas enzimas: ácido fosfatídico fosfatase, para formar o diacilglicerol; e acil-transferase, para a formação do triacilglicerol. Para a formação de glicerofosfolipídeos, é adicionado um grupo cabeça polar ao diacilglicerol. As reações de síntese dos triacilgliceróis são estritamente reguladas de acordo com as necessidades celulares de energia. Figura 14 Biossíntese do diacilglicerol e dos triglicerídeos IE SD E Br as il S/ A C H 2 O C R 1 C H 2 O C R 1 C H 2 O C R 2 C H 2 O C R 2 C H 2 O H 1,2-Diacilglicerol Ácido fosfatídico Ligação do grupo polar (serina, colina, etanolamina etc.) Ácido fosfatídico- -fosfatase (lipina) Acil- -transferase Glicerofosfolipídeo Triacilglicerol C H 2 O P O – O O O O O O– C H 2 O C R 1 C H O C R 2 C H 2 O P O O O O O– C H 2 O C R 1 C H O C R 2 C H 2 O C R 3 O O O R3 C O S-CoA CoA-SH Grupo Polar Os ácidos graxos essenciais podem ser encontrados em vários alimentos: o ômega 6 é encontrado em óleos de milho, girassol, soja e semente de algodão, por exemplo; ômega 3 na linhaça, canola, nozes, castanhas, peixes oleosos (como salmão, tainha, sardinha, bacalhau, atum, cavala, arenque, truta) e peixes de água fria. Saiba mais Transporte e utilização de lipídeos e proteínas 109 O ponto-chave de regulação da síntese de ácidos graxos é a atividade da enzima acetil-CoA carboxilase. Essa regulação pode ocorrer pela modificação covalente ou pela regulação alostérica. A regulação que ocorre por modificação covalente é feita pelo controle dos hormônios insulina, glucagon e adrenalina. A insulina ativa a desfosforilação da acetil-CoA carboxilase, dessa maneira, o glucagon e a adrenalina inibem sua atividade por fosforilação. A regulação alostérica é feita pelo citrato, que ativa a acetil-CoA carboxilase, mas, em contrapartida, o palmitoil-CoA inibe a formação do malonil-CoA por meio de um mecanismo de retroalimentação. O colesterol é outro lipídeo muito importante para várias funções celulares. Sua síntese ocorre em todas as nossas células, sendo seu precursor a molécula do mevalonato, que é proveniente do acetil-CoA. São necessárias cerca de 30 reações para formar o colesterol, para isso, são necessárias quatro etapas principais até a sua formação. Na primeira etapa, ocorre a síntese doisopreno a partir da união de duas moléculas de acetil-CoA (acetato) e da formação do acetoacetatil-CoA. O acetoacetil- CoA reage com mais um acetil-CoA formando hidroximetilglutaril-CoA (HMG-CoA). Nessa etapa, a enzima HMG-CoA redutase catalisa a conversão de HMG-CoA em mevalonato, essa é a reação regulatória da velocidade dessa via metabólica e o principal local de síntese que sofre regulação. Depois disso, na segunda etapa, o mevalonato reage com três ATP, formando o isopreno ativado. Em seguida, na terceira etapa, seis unidades de isopreno ativado sofrem condensação para formar o esqualeno, que após uma série de reações formará o colesterol, na quarta etapa. Figura 15 Resumo da biossíntese do colesterol 3 C H 3 C O O – Acetato 1 2 2 – O O C C H 2 C C H 2 C H 2 O H C H 3 O H Mevalonato Isopreno Isopreno ativado Esqualeno Colesterol C H 2 C C H 2 C H 2 O P O P O – C H 3 O – O – O O 3 4 H O O colesterol pode ser precursor de várias moléculas, como: hormônios sexuais, mineralocorticoides (aldosterona) e glicocorticoides (cortisol). Por fim, ele também pode ser utilizado como constituinte das membranas celulares. IE SD E Br as il S/ A 110 Bioquímica 4.4 Metabolismo de aminoácidos Vídeo As reações de biossíntese de aminoácidos, que servem como matéria-prima para a formação de proteínas, são extremamente complexas. Porém, todos os precursores para a formação dos aminoácidos são oriundos da glicólise, do ciclo do ácido cítrico ou da via das pentoses-fosfato. Alguns aminoácidos chamados de não essenciais são sempre sintetizados, enquanto aqueles chamados de condicionalmente essenciais são sintetizados apenas se não entrarem no organismo por meio da dieta. Por outro lado, os aminoácidos essenciais sempre devem ser fornecidos pela dieta. Nas reações de catabolismo, as proteínas existentes em alguns tecidos ou da dieta podem fornecer aminoácidos, que podem ser utilizados como fonte geradora de ATP para os animais. Um aspecto importante de suas reações catabólicas é que, independentemente do tipo de aminoácido, todas geram a liberação de um grupamento amino e uma cadeia de carbonos. 4.4.1 Oxidação dos aminoácidos Como os animais não são capazes de armazenar proteínas com a função de reserva energética, é necessário que elas sejam degradadas e criadas dependendo da necessidade e estímulo hormonal. Os aminoácidos podem sofrer oxidação e gerar energia nos animais em duas situações diferentes. A primeira condição ocorre durante as reações de síntese e degradação de proteínas celulares. A segunda condição ocorre quando o glucagon está aumentado, como em casos de jejum prolongado ou de diabetes mellitus descompensado, quando há utilização dos aminoácidos, principalmente do músculo esquelético, como fonte de ATP. O grupamento amino, que tenha vindo da degradação de aminoácidos do músculo esquelético, precisa ser transportado no sangue, e, após esse transporte, é transformado em alanina. A alanina entra no ciclo glicose-alanina para facilitar o transporte do grupamento amino, que sofreu as reações de transaminação de aminoácidos degradados no músculo esquelético. Os aminoácidos são degradados no músculo esquelético para servirem como energia, porém, é necessário retirar o grupo amina, formando glutamato. No músculo, o glutamato transfere o grupamento amino para o piruvato e, em seguida, ocorre a formação alanina, que vai para a circulação sanguínea e chega até o fígado. Transporte e utilização de lipídeos e proteínas 111 Figura 16 Ciclo glicose-alanina Músculo Proteína muscular Aminoácidos NH4 + NH4 + Glutamato Glutamato Alanina-aminotransferase Alanina-aminotransferase α-Cetoglutarato α-Cetoglutarato Glicose Glicose Glicose Piruvato Piruvato Alanina Alanina Alanina sanguíneaGlicose sanguínea Ciclo da ureia Ureia Gliconeogênese Fígado IE SD E Br as il S/ A Tanto a alanina, proveniente do músculo, quanto os outros aminoácidos vindos da dieta vão para o fígado ou para os rins para serem oxidados, porém, aminoácidos liberados por outros órgãos, como o cérebro, são transformados em glutamina para transporte no sangue. Para que isso aconteça, o grupo amina, quando liberado, forma amônia, que reage com o glutamato e forma glutamina no tecido. Essa glutamina no hepatócito originará novamente o glutamato devido à ação da enzima glutaminase, que se encontra na mitocôndria do hepatócito. A oxidação ocorre no fígado e nos rins e é necessário que o grupamento amino dos aminoácidos seja transferido para o α-cetoglutarato e para a formação de glutamato, o que libera um α-cetoácido (aminoácido sem grupamento amino). Essa reação é catalisada pelas aminotransferases, um grupamento amino será eliminado pelos rins diretamente na urina ou participará de uma sequência de reações que culminará com a produção de ureia no fígado e posterior eliminação renal. Existem muitos tipos de aminoácidos, por isso existem diferentes tipos de aminotransfereases que se diferem de acordo com o tipo de aminoácido, como a alanina aminotransferase. É importante ressaltarmos que a atividade de todas as aminotransferases é dependente de piridoxal fosfato (PLP). 112 Bioquímica Figura 17 Reação de transaminação de aminoácidos COO– PLP Amino- trasferase COO– C O C H 2 C H 2 C O O – C O R COO– + COO– H 3 N C H C H 2 C H 2 α-Cetoglutarato α-Cetoácido L-Glutamato L-Aminoácido C O O – + H 3 N C H R O glutamato, formado na transaminação, transporta o grupamento amino para dentro da mitocôndria da célula. Enquanto isso, os α-cetoácidos são formados quando os aminoácidos perdem seus grupamentos amino, e esses possuem três caminhos possíveis no fígado: a gliconeogênese, a cetogênese ou o ciclo do ácido cítrico. Nos rins, apenas a gliconeogênese e o ciclo do ácido cítrico são possíveis, tendo em vista que a cetogênese só ocorre no fígado. Os aminoácidos que podem originar glicose na gliconeogênese são chamados de glicogênicos, já aqueles que formam acetil-CoA e podem originar corpos cetônicos são denominados cetogênicos. Figura 18 Oxidação de aminoácidos Proteínas intracelulares Esqueletos de carbono Biossíntese de aminoácidos, nucleotídeos e aminas biológicas Carbamoil- -fosfato Proteínas da dieta Aminoácidos α-Cetoácidos NH4 + Ciclo da ureia Ciclo do ácido cítrico CO2 + H2O + ATP Ureia (produto de excreção do nitrogênio) Glicose (sintetizada na gliconeogênese) Oxaloacetato Circuito do aspartato-arginino- -succinato do ciclo do ácido cítrico IE SD E Br as il S/ A IE SD E Br as il S/ A Transporte e utilização de lipídeos e proteínas 113 Observe na Figura 18 que os α-Cetoácidos são encaminhados para o ciclo do ácido cítrico, que podem ter vários destinos dependendo da estimulação hormonal no fígado. Porém, o glutamato, que entra no fígado ou no rim, sofre a retirada do grupo amina e tem destinos diferentes. 4.5 Destino do grupo amino e ciclo da ureia Vídeo Vimos que o glutamato é um transportador de grupamentos amino que foram transferidos durante a oxidação de aminoácidos nas células. No fígado, ocorre a retirada do grupo amino do glutamato na matriz mitocondrial para formar ureia, com posterior eliminação urinária. A reação na qual o glutamato sofre a retirada do grupo amino na matriz mitocondrial é catalisada pela glutamato desidrogenase, isso libera amônia e forma α-cetoglutamato. O grupamento amino que vem da oxidação dos aminoácidos pode ser levado ao fígado por intermédio de três transportadores: glutamato, alanina e glutamina. Na matriz mitocondrial, o grupo amino forma amônio, que é um composto extremamente tóxico para as células e para o sangue. Devido a essa toxicidade, quando está no fígado, ele precisa ser transformado em uma molécula menos tóxica para poder ir para a corrente sanguínea e depois ser eliminado nos rins. Essa conversão de amônio em ureia pelos hepatócitos ocorre em uma via metabólica chamada de ciclo daureia. 4.5.1 Ciclo da ureia O ciclo da ureia é fundamental para os organismos produtores de amônia, pois essa é uma substância tóxica e que precisa ser convertida em um composto que pode ser excretado pelos rins, que nesse caso é a ureia. O ciclo em si ocorre em dois lugares, uma parte ocorre na mitocôndria e a outra no citosol da célula. Quando o grupo amino foi retirado do glutamato ou da glutamina pela catálise da glutaminase, ele sofre a primeira reação do ciclo da ureia e é catalisada pela enzima carbamoil-fosfato-sintetase I. Essa enzima catalisa a união do amônio com o bicarbonato e com o ATP para formar o carbamoil-fosfato. Além disso, é necessário mais uma molécula de ATP para que as ligações sejam formadas e ocorra a união dessas moléculas. O carbamoil-fosfato é catalisado pela enzima ornitina transcarbamoilase para ser unido com a ornitina e formar a citrulina. Lembremo-nos que a ornitina foi formada no citosol da célula e que o carbamoil- fosfato foi formado na matriz mitocondrial, por isso a ornitina deve entrar na matriz para ser catalisada pela ornitina transcarbamoilase. Depois disso, a citrulina sai da mitocôndria e é catalisada pela enzima argininosuccinato sintetase. Nessa reação que ocorre em duas etapas, a citrulina reage com o ATP, formando primeiro o citrulil-AMP. Em seguida, o aspartato, que está no citosol, reage com o citrulil- AMP, forma o argininossuccinato e libera o AMP. Essa reação foi necessária, pois para formar o argininosuccinato, é necessário ligar o aspartato, mas, para isso, é necessário a energia do ATP. 114 Bioquímica O argininossuccinato é quebrado, pela catálise da argininosuccinase, e libera arginina e fumarato, sendo que esse último entra na mitocôndria para retornar ao ciclo do ácido cítrico. A arginina é catalisada pela arginase, ocorrendo a quebra da molécula e liberando ornitina e ureia. A ureia formada no citoplasma dos hepatócitos vai para a circulação sanguínea, sendo excretada por meio de filtração glomerular pelos rins. Figura 19 Ciclo da ureia C CH 2 CH 2 CH CO O – R CH CO O – CH 3 CH CO O – + NH 3 + NH 3 + NH 3 H 2N O α-Cetoglutarato α-Cetoácido α-Ceto- glutarato Glutamina (dos tecidos extra-hepáticos) Amoniácidos Alanina (do músculo) Glutamina Glutamato Aspartato Oxaloacetato Glutamato Glutaminase Glutamato- -desidrogenase Aspartato-aminotransferase Carbamoil- -fosfato sintetase I Carbamoil- fosfato Matriz mitocondrial Ornitina Citosol Ornitina Arginina Aspartato Fumarato Arginino succinato Citrulina Citrulina Ciclo da ureia –O O C CH 2 CH 2 CH CO O – + NH 3 H 2 N C O P O – O – O O + NH 3 H 2N C N H ( C H 2) 3 C H C O O – O ++ NHNH 33 – O O C C H 2 C H C O O – ++ NHNH 33 – O O C C H 2 C H C O O – – O O C C H C H C O O – Pi PPi NH4 + HCO 3 2 A DP + P i 2 AT P AT P + NH 3 H 3N (CH 2) 3 CH CO O – + + NH 3 H 3N (CH 2) 3 CH CO O – + + NH 3 HH 22NN C N H ( C H 2) 3 C H C O O – + NH 2 Ureia O HH 22NN C N H 2 + NH 2COO – + NH 3 – O O C C H 2 C H N HN H C N H ( C H 2) 3 C H C O O – – O O C C H 2 C C O O – O Intermediário citrulil-AMP CHCH2 H H OH OH H H O O O + NH 3 H N C N H ( C H 2) 3 C H C O O – O P O – NH 2 N N N N 1 2a 3 4 2b AMP H2O Se você quer aprender bioquímica esse livro, Funda- mentos de Bioquímica: A Vida em Nível Molecular, escrito por Donald Voet, Judith Voet e Charlotte Pratt – é o mais importante para essa ciência, e como o próprio título diz ele é o princípio para os es- tudos. A obra apresenta em detalhes todos os processos bioquímicos, em especial o que acontece na célula. VOET, D.; VOET, J. G.; PRATT, C. W. Porto Alegre: Artmed, 2014. Livro IE SD E Br as il S/ A Transporte e utilização de lipídeos e proteínas 115 A formação de ureia pelo fígado ocorre constantemente em nosso organismo, porém, o aumento de ingestão de proteínas, assim como algumas situações metabólicas e patológicas, podem influenciar a formação da ureia. O ciclo da ureia é regulado de duas maneiras: a primeira ocorre por meio da expressão das enzimas do ciclo e a segunda pela regulação alostérica da carbamoil- fosfato sintetase I. A dieta regula diretamente a expressão das enzimas do ciclo da ureia. Portanto, indivíduos com dietas com baixo conteúdo proteico inibem a expressão das enzimas do ciclo da ureia e dietas ricas em proteínas possuem aumento na expressão das enzimas do ciclo. Outra maneira é a regulação alostérica que ocorre na carbamoil-fosfato sintetase I. O N-acetil glutamato ativa a carbamoil-fosfato sintetase I, enquanto o aumento de carbamoil fosfato inibe a enzima. CONSIDERAÇÕES FINAIS Neste capítulo vimos que os lipídeos precisam ser transportados por estruturas especiais, chamadas de lipoproteínas. Essas estruturas são compostas basicamente de um núcleo apolar, composto por triglicerídeos e ésteres de colesterol, e uma estrutura mais externa, que é polar, composta por fosfolipídeos, colesterol e apoproteínas. As apo-proteínas são fundamentais para o transporte de lipídeos na circulação sanguínea e importantes para o entendimento do metabolismo lipídico. Existem dois processos antagônicos no metabolismo de lipídeos: a lipogênese e a lipólise. Para que ocorra o processo de lipogênese é necessária a estimulação da insulina pelo fígado e um excesso de acetil-CoA. O acetil-CoA forma o malonil-CoA. Ao final de vários ciclos de reação enzimática, ele forma o ácido palmítico. Outros ácidos graxos podem ser formados a partir dele, porém, vários ácidos graxos precisam chegar ao corpo por meio da dieta. A biossíntese do colesterol também foi estudada. Observamos a necessidade de estimulação da insulina para que a enzima regulatória dessa biossíntese, a enzima HMG-CoA redutase, iniciasse o processo de lipólise. Nesse processo, ocorre primeiramente a mobilização dos triglicerídeos do tecido adiposo. Essa mobilização precisa da sinalização do glucagon ou da adrenalina. Nos tecidos, em especial no músculo, os ácidos graxos sofrem o processo de β-oxidação, liberando NADH, FADH2, e acetil-CoA. Porém, se no fígado ocorrer muita β-oxidação dos ácidos graxos, ocorre a liberação de uma grande quantidade de acetil-CoA que será desviado para a cetogênese. Além do metabolismo de lipídeos, estudamos também a degradação e síntese das proteínas. Nas reações de oxidação dos aminoácidos, que ocorrem durante a renovação normal de proteínas celulares e no jejum prologado, ocorre formação dos α-cetoácidos e de amônio. O amônio pode ter vários destinos metabólicos, porém, com a grande liberação dessa molécula no fígado, é necessário que ocorra a formação do carbamoil-fosfato, que entra no ciclo da ureia, que é eliminada pelos rins. 116 Bioquímica ATIVIDADES Atividade 1 Uma mulher foi hospitalizada com infarto agudo do miocárdio. Os exames mos- traram colesterol plasmático da paciente, 12,0 mmol/L (valor de referência: 3,1-5,7 mmol/L). Os LDL estavam bastante aumentados e a angiografia das coronárias mostrou aterosclerose nas três artérias coronárias. Considerando isso, qual é o provável mecanismo de hipercolesterolemia nesse caso? Apenas uma dieta pobre em colesterol pode ser suficiente para corrigir os casos de hipercolesterolemia? Por quê? Atividade 2 Ingerindo uma dieta de 800 calorias, a paciente tem um déficit energético. De que forma isso contribui para o emagrecimento da paciente? Atividade 3 Uma criança de dez anos começou a apresentar episódios de vômitos aos quatro anos de idade. Desde então, ela apresenta alterações no comportamento, com alternância de períodos com letargia em episódios que duram de um a três dias. Histórico familiar: o bisavô por parte de mãe e a avó por parte de pai apresentaram sintomas semelhantes. Os exames de sangue mostraram: amonemia – 300 μM (N: 15-30 μM); pH – 7,54 (N: 7,35-7,45); pCO2 – 28 mmHg (35- 40 mmHg); HCO3 – 23 mM (N: 20-25 mM). Depois de analisar o caso clínico, indique de qual enzima do ciclo da ureia está deficientena criança. REFERÊNCIAS DEVLIN, T. M. Manual de bioquímica com correlações clínicas. 7. ed. Blucher: São Paulo, 2011. NELSON, D. L.; COX, M. M. Lehninger Princípios de bioquímica. 6. ed. Porto Alegre: Artmed, 2014. SCRIVER, C. R. et al. The metabolic and molecular bases of inherited disease. 8 ed. Nova York: McGraw Hill Education, 2001. SILVERTHORN, D. U. Fisiologia humana: uma abordagem integrada. 5. ed. Porto Alegre: Artmed. 2010. VOET, D.; VOET, J. G.; PRATT, C. W. Fundamentos de bioquímica: a vida em nível molecular. 2. ed. Porto Alegre: Artmed, 2008. XAVIER, H. T. et al. V Diretriz brasileira de dislipidemias e prevenção da aterosclerose. Arquivos Brasileiros de Cardiologia, v. 101, n. 4, supl. 1, out. 2013. Disponível em: https://www.scielo.br/j/abc/a/ GGYvjtdbVFRQS4JQJCWg4fH/?lang=pt. Acesso em: 7 jun. 2022. Integração do metabolismo 117 5 Integração do metabolismo Em nossos estudos, observamos que as células têm vários metabolismos, alguns destes são comuns a todas elas – como a via glicolítica –, e outros são exclusivos, como a cetogênese no fígado. Porém, uma pergunta importante deve ser respondida: como os vários órgãos se comunicam para fazer o trabalho em conjunto? Existem vários ti- pos de comunicação celular, desde os neurotransmissores, liberados pelos neurônios do sistema nervoso, até os hormônios, que por meio da corrente sanguínea chegam às células-alvo e ativam ou inibem cascatas de reações. Neste capítulo, considerando essas informações sobre o metabolismo celular, veremos como os hormônios promovem a comunicação entre os vários tecidos. Também estudaremos como o organismo responde quando está no estado alimen- tado, no jejum com até 12 horas e no jejum prolongado – com mais de 12 horas de duração. Modificações no metabolismo podem ser encontradas tanto quando há estado de obesidade quanto de emagrecimento, por meio de dieta sem carboidratos. Além disso, vamos analisar o que acontece no organismo em um estado avançado de câncer e de diabetes mellitus. Com o estudo deste capítulo, você será capaz de: • diferenciar os mecanismos de ação dos hormônios polares e apolares; • descrever o mecanismo de ação dos hormônios esteroides e tiroideanos; • descrever o mecanismo de ação de hormônios peptídicos que utilizam segun- dos mensageiros; • descrever o mecanismo de funcionamento do receptor tirosina quinase; • definir as alterações bioquímicas ocasionadas no estado alimentado; definir as alterações bioquímicas ocasionadas no estado de jejum; • relacionar o metabolismo no estado de jejum e no alimentado com a obesidade, a dieta alimentar, o câncer e o diabetes mellitus. Objetivos de aprendizagem 5.1 Mecanismo de ação hormonal Vídeo Quando falamos de hormônios, alguns nomes vêm à mente de forma espon- tânea – como a insulina e a testosterona –, mas o que são essas moléculas? Os hormônios são definidos como mensageiros químicos liberados pelas células en- dócrinas para a corrente sanguínea e que agem em uma célula-alvo, a qual apre- senta um receptor para eles. Para que ocorra a ação na célula-alvo é necessário que 118 Bioquímica os hormônios interajam com um receptor proteico, o que desencadeia cascatas de reações diferentes – dependendo do tipo de hormônio envolvido –, promovendo uma modificação nessa célula. A quantidade de moléculas hormonais liberadas e sua ação no receptor são fatores preponderantes para que o hormônio possa agir. Ainda, a concentração de receptores na célula-alvo é importante para sua ação, além da afinidade do receptor pelo hormônio. Para que o hormônio possa agir na célula-alvo, ele deve chegar a ela por meio do sangue e, para isso, a estrutura química do hormônio interfere na maneira como essa molécula se desloca, algo que depende principalmente da sua pola- ridade. Existem basicamente quatro tipos de hormônios, de acordo com sua es- trutura química: peptídicos, catecolaminas, tiroideanos e esteroides. Esses quatro tipos são agrupados de acordo com a sua polaridade molecular, sendo polares os hormônios peptídicos e as catecolaminas; pouco apolares os tiroideanos; e muito apolares os esteroides. Os hormônios polares – como os peptídeos e as catecolaminas – podem in- teragir diretamente com a água presente no sangue e não requerem estruturas especializadas para seu deslocamento. Por outro lado, os hormônios apolares ne- cessitam de proteínas específicas para interagir com a água e chegar às células-alvo. Uma exceção a essas regras das ligações é o hormônio peptídeo semelhante à in- sulina, que, apesar de ser polar, necessita de uma ligação com uma proteína para realizar o seu transporte. O mecanismo de ação de cada hormônio também varia conforme sua estrutura química. Nos hormônios polares, os receptores estão localizados na membrana plasmática; com isso, esses hormônios não entram na célula, mas acabam ativan- do uma cascata de reações. Para isso, existem duas possibilidades: o aumento da quantidade de segundos mensageiros no citosol, ou o próprio receptor – que é uma enzima – ativa diretamente a cascata. Devido a essas características, os hor- mônios polares apresentam mecanismo de ação rápida, mas pelo fato de estarem livres no sangue são mais suscetíveis à degradação e, por isso, têm meia-vida curta. Por outro lado, os hormônios apolares precisam estar ligados a transportado- res proteicos para estarem no plasma sanguíneo, o que faz com que a meia-vida deles seja maior, pois as enzimas que degradam essas moléculas não conseguem reconhecê-los. Para que o hormônio possa agir na célula-alvo é necessário que ele se desligue da proteína transportadora, fazendo com que ele se torne a forma ativa do hormônio, que atravessa a membrana por difusão simples e ativa os receptores intracelulares. Geralmente é o fígado que faz a remoção dos hormônios do sangue, processo que ocorre em duas fases, com a intenção de aumentar a solubilidade do hormônio e levar à sua inativação; após isso, o hormônio desativado é eliminado na urina ou nas fezes. Alguns hormônios podem ser degradados no lisossomo da célula-alvo, e apenas uma pequena porção do hormônio é liberada sem nenhuma modificação por via urinária ou fecal. Meia-vida do hormônio é a quantidade de tempo que a metade da quantidade do hormônio é degradada. A meia-vida é mais curta se ele estiver livre no plasma, e mais longa quando trans- portado por uma proteína carreadora. Importante Integração do metabolismo 119 5.1.1 Mecanismo de ação dos hormônios esteroides e tiroideanos Como vimos, os hormônios apolares têm meia-vida longa e são divididos em dois tipos: hormônios esteroides, que são derivados do colesterol; e os tiroidea- nos, derivados do aminoácido tirosina. Devido às características de suas estruturas químicas, eles necessitam de proteínas carreadoras específicas para serem trans- portados na corrente sanguínea, que é onde eles se separam da proteína, por dife- rença de concentração, e atravessam a membrana por difusão simples. Existem diferenças de mecanismo de ação entre os hormônios esteroides e os tiroideanos, justamente por apresentarem estruturas químicas distintas. Os este- roides chegam no citosol da célula-alvo e encontram seus receptores – chamados de complexos multiméricos –, que têm diferentes sítios de ligação: um sítio para o hormônio, e sítios específicos para o ácido desoxirribonucleico (ADN, ou, na sigla em inglês, DNA), sendo que cada um apresenta uma sequência específica de reco- nhecimento do ADN. Após o hormônio se ligar ao receptor no citosol da célula, o complexo hormô- nio-receptor atravessa o poro nuclear e se liga ao ADN nos sítios específicos. Com isso, há o início da síntese ARN mensageiro (RNAm) e ocorre a síntese de proteínas específicas, como mostrado na Figura 1. Observe que em cada tecido são ativados genes específicos para produzir as proteínas características de cada um. Apenas poucos hormônios esteroides utilizam receptores de membrana e a via de segun- dos mensageiros,algo que será explicado adiante. Figura 1 Mecanismo de ação dos hormônios esteroides A maioria dos esteroides hidrofóbicos está ligada a proteínas carreadoras plasmáticas. Somente hormônios não ligados podem difundir-se para dentro das células-alvo. Os receptores de hormônios esteroides estão no citoplasma ou no núcleo. Alguns hormônios esteroides também se ligam a receptores de membrana que usam sistema de segundo mensageiro para criar respostas celulares rápidas. O complexo hormônio-receptor liga-se ao DNA e ativa ou inibe um ou mais genes. Genes ativados produzem novos RNAm que se movem de volta para o citoplasma. A tradução produz novas proteínas para os processos celulares. 1 2 3 4 5 2a 1 2a 2 3 4 5 A transcrição produz RNAm Receptor nuclear Tradução Receptor na surperfície da célula Vaso sanguíneo Hormônio esteroide Líquido intersticial Membrana celular Receptor citoplasmático Retículo endoplasmático Novas proteínas Proteína carreadora Núcleo DNA IE SD E Br as il S/ A 120 Bioquímica Outros hormônios apolares importantes para o organismo são os hormônios tiroideanos (derivados do aminoácido tirosina), os quais apresentam estrutura quí- mica anfipática, porém o que predomina é a parte apolar, como ilustra a Figura 2. Por isso, tanto o T4 (também chamado de tetraiodotironina ou tiroxina) quanto o T3 (denominado de triiodotironina) atravessam a membrana plasmática por difusão simples. Figura 2 Hormônios tiroideanos Tiroxina (Tetraiodotironina, T4) HO O C H H H H OHO H C C N I I I I Tri-iodotironina (T3) HO O C H H H H OHO H C C N I I I IE SD E Br as il S/ A Ao chegar ao citosol, o T4 sofre a catálise da enzima desiodinase, sendo trans- formado em T3, e cerca de 80% do T4 é transformado em T3 na célula-alvo. Já o T3 presente no citoplasma – vindo diretamente do sangue ou da transformação do T4 – vai para o núcleo e liga-se ao receptor nuclear (TR – receptor tiroideano), que já está acoplado ao ADN, com esse último reconhecendo a sequência AGGTCA(N) nAGGTCA por apresentar o sítio TER. O receptor tiroideano está acoplado ao receptor retinoide X (RXR) e tem a fun- ção de formar heterodímeros, que aumentam a interação aos elementos de res- posta ao hormônio da tireoide (TREs). Para que não ocorra processo de transcrição errado, o TR está ligado a uma molécula correpressora que impede o processo de transcrição do ADN, antes do T3 se ligar a ele. Porém, a ligação do T3 ao TR desloca o correpressor e uma molécula coativadora se liga em seu lugar. Com isso, a ARN polimerase reconhece a molécula coativadora e inicia a síntese de ARN mensagei- ro e, consequentemente, a síntese de enzimas específicas. Por esse motivo, o T3 regula o metabolismo, quanto maior a quantidade de enzimas, mais ativo está o metabolismo. 5.1.2 Mecanismo dos hormônios peptídicos – segundos mensageiros Hormônios peptídicos são moléculas hidrofílicas e, por isso, não precisam de proteínas para serem transportados no plasma sanguíneo. Pela característica quí- mica desses hormônios, os receptores proteicos estão na membrana plasmática, logo necessitam aumentar a quantidade de segundos mensageiros no citosol da célula, mensageiros esses que são sinalizadores intracelulares que ativam uma cas- cata de reações na célula. Há vários tipos de receptores de membranas; cada um deles é específico para um tipo de hormônio e desencadeia uma cascata de reações características. Alguns desses receptores utilizam segundos mensageiros, que são liberados no citosol, e Integração do metabolismo 121 a característica em comum entre esses receptores é o fato de estarem acoplados à Proteína G – proteína heterodimérica, que apresenta três subunidades: α, β e γ. A subunidade α tem atividade de GTPase, a qual promove a regulação de moléculas efetoras, como enzimas e canais iônicos, como mostramos na Figura 3. Figura 3 Receptores de membrana que aumentam os segundos mensageiros citoplasmáticos Legenda AE = enzima ampli�cadora G = Proteina G Hormônios peptídeos (H) não podem entrar nas suas células-alvo e devem ligar-se a receptores de membrana (R) para iniciar o processo da transdução de sinal. Abre canais iônicos Sistema de segundo mensageiro Proteínas Resposta celular Fosforila AE R G H Quando o receptor não está ligado ao hormônio, as três subunidades da Proteí- na G ficam unidas e ligadas ao receptor de membrana; já a subunidade α fica ligada a uma guanosina difosfato (GDP). Quando o hormônio liga-se ao receptor e ocasio- na uma mudança de conformação, isto é, na forma, ocorre ativação da Proteína G, liberação do GDP e um GTP se liga em seu lugar. O GTP tem a função de dar energia para que a subunidade α se desloque na membrana, podendo ativar um canal iônico ou uma enzima de membrana. Depois da ativação ocasionada pela subunidade α, a subunidade catalisa a quebra o GTP por meio de sua ação de GTPase e retorna à posição original com o GDP para pos- sibilitar o início de um novo ciclo de ativação, quando outra molécula do hormônio se ligar ao receptor. O aumento da quantidade de segundos mensageiros no citosol desencadeia uma cascata específica de reações. Os principais segundos mensageiros são o Ca++ e o AMPc (AMP cíclico) e algumas moléculas, como o diacilglicerol e o inositol-trifosfato, produzidas pelos receptores aco- plados à fosfolipase c (PLC), que têm funções relacionadas como segundos mensageiros. De todos os segundos mensageiros, o AMPc é o mais importante, e para que ocor- ra um aumento da sua quantidade no citosol, a Proteína G, ativada após o hormônio IE SD E Br as il S/ A 122 Bioquímica ligar-se ao receptor, ativa a adenilil ciclase, que catalisa a transformação de ATP em AMPc. O AMPc sempre ativará a enzima proteína quinase A (PKA); esta, quando ativa, catalisará a fosforilação de várias proteínas da célula, como mostramos na Figura 4. Figura 4 Ativação do receptor de membrana com formação de AMPc Receptor proteico Hormônio Membrana celular Proteina G ATP α α αβ γ Adenilil ciclase AMPc AMPc Proteina cinase A (ativa) + PPi Subunidade inibitória Subunidade inibitória Proteína quinase (inativa) Ativação de enzimas especí�cas Inativação de enzimas especí�cas Fosforilação de enzimas Outro segundo mensageiro importante é o cálcio, pois dependendo da célula, ele age como segundo mensageiro, mas isso depende da sua quantidade. O aumento do cálcio no citosol pode ocorrer de duas maneiras, sendo proveniente do meio extra- celular ou do retículo endoplasmático liso. Para abrir canais de cálcio na membrana plasmática, o receptor é ativado pelo hormônio; em seguida, a Proteína G desloca a su- bunidade α e ativa diretamente o canal de cálcio. O aumento da concentração de cálcio ativa diretamente a proteína quinase c (PKC) e, ao mesmo tempo, ativa a calmodulina. A PKC ativada promove a fosforilação de várias enzimas, mas a calmodulina é uma proteína que muda sua conformação ao se ligar com o cálcio e tem a função de ativar outras enzimas ou proteínas, um exemplo disso é a proteína quinase, de- pendente de calmodulina (CaM-quinases). Quando as CaM-quinases são ativadas, podem fosforilar outras enzimas na célula. O complexo Ca++-calmodulina ativa a bomba de cálcio, que promove a diminuição dos níveis citosólicos de cálcio, restau- rando o estado original da célula. Outra maneira de ocasionar o aumento do cálcio citosólico ocorre quando esse íon é liberado do retículo endoplasmático liso. Para isso, o receptor de membrana que foi ativado pelo hormônio ativa Proteína G da mesma maneira que foi mostra- da anteriormente, porém agora a subunidade α ativa a fosfolipase c (PLC). Essa en- zima catalisa a quebra de fosfolipídeos, liberando diacilglicerol e inositol-trifosfato (IP3), sendo que o inositol-trifosfato ativa os canais de Ca ++ do retículo endoplasmá- tico liso, liberando o cálcio no citosol. Esse aumento na concentração de cálcio e a ação conjunta do diacilglicerolativam a PKC, desencadeando várias fosforilações enzimáticas e fazendo o controle metabólico. IE SD E Br as il S/ A Integração do metabolismo 123 Figura 5 Cálcio como segundo mensageiro proveniente do retículo endoplasmático liso IE SD E Br as il S/ A Receptor proteico Hormônio PLC Membrana celular Proteina G Citoplasma Ca++ Ca++ Ca++ Ca++ Ca++ Ca++ Ca++ Ca ++ Ca++ Retículo endoplasmático liso IP3 É importante notarmos que o cálcio é um segundo mensageiro, tendo em vista que existem duas maneiras de a concentração desse íon aumentar no citoplasma da célula. 5.1.3 Mecanismo de ação do receptor tirosina quinase O receptor tirosina quinase não utiliza segundos mensageiros, como alguns re- ceptores mostrados anteriormente, e apresenta ação enzimática, o que justifica seu nome. Existem vários tipos de receptores tirosina quinase, com cada um deles presente em um tecido específico, e todos têm função de enzima tirosina quinase, que ativa várias enzimas no citosol. Figura 6 Receptores tirosina quinase IE SD E Br as il S/ A α β Domínio de interação com o ligante INSR VEGFR PDGFR EGFR TrkA FGFR Fora Dentro Domínio tirosina-cinase Domínio rico em cisteína Domínio rico em leucina Domínio semelhante à lg Região rica em Asp/Glu 124 Bioquímica Entre os vários receptores, o receptor de insulina apresenta uma função muito importante, ele é do tipo INSR e se divide em quatro subunidades, duas α e duas β. As subunidades β são estruturas transmembranas e apresentam duas funções: a porção que está no citosol tem função de tirosina cinase; e a porção que está no meio extracelular se liga à subunidade α. As subunidades α estão inteiramente no meio extracelular, ligadas à subunidade β, e tem função de ligar-se à insulina. Para ativar o receptor, a insulina liga-se às subunidades α do receptor e, em seguida, ocorre a ativação da atividade de tirosina quinase, sendo que essa ativida- de, quando aumentada, promove autofosforilação das subunidades β, causando exposição do sítio ativo da enzima. Isso permite que ela coloque grupo fosfato em outras proteínas, sempre nos resíduos de tirosina. Sem a ativação ocasionada pela insulina, o receptor tirosina quinase permanece com a atividade enzimática inibida. Isso é possível devido ao receptor ter uma sequência autoinibitória ligada ao sítio ativo, que só é retirada quando a enzima sofre autofosforilação. Depois de ativado, o receptor de insulina causa duas cascatas de reação paralelas, gerando ações gênicas e não gênicas. A proteína IRS-1 é a primeira a ser fosforilada após o receptor sofrer autofosforilação e ela que desencadeia os dois tipos de ação na célula-alvo. Ao ativar a IRS-1 por fosforilação, ela passa a ativar outras proteínas. A ação gênica do receptor de insulina inicia com a ligação da IRS-1 com a Pro- teína Grb2 (Src homology 2) e, em seguida, esse complexo liga-se à proteína SOS, sendo que essa última é formada catalisando a troca de GDP por GTP na Proteína G Ras. A Proteína G Ras faz parte da família das Proteínas G pequenas, que fica ati- va quando está ligada ao GTP. Em seguida, a Proteína G Ras ativa a Raf-1, fazendo com que ocorra a ativação da MEK, que por sua vez fosforila a ERK, ativando essa última. Por fim, a ERK, quando ativada, entra no núcleo e ativa alguns fatores de transcrição, iniciando a transcrição de cerca de 100 genes. As ações não gênicas da insulina ativam ações citoplasmáticas, que iniciam com a ativação da IRS-1. Essa enzima ativa a enzima PI-3K – fosfoinositol 3-quinase –, que promove fosforilação do fosfatidilinositol-4,5-bifosfato (PIP2), transformando em PIP3 – fosfatidilinositol-3,4,5-trifosfato. Ao formar PIP3, a cabeça polar do fosfo- lipídeo passa a ficar disponível para a ligação da proteína cinase B (PKB) no citosol. Com a ligação da PKB ao complexo proteico, a enzima PDK1 pode fosforilar a PKB, que por sua vez também pode fosforilar várias outras proteínas, incluindo a glico- gênio sintase cinase (GSK3). A GSK3 apresenta a interessante função de controlar a enzima glicogênio sinta- se (GS), sendo que essa última permanece inativa quando está fosforilada, mas é ativada novamente quando perde o fosfato. Isso faz com que a enzima responsá- vel pela colocação de fosfato na GS seja a GSK3. Portanto, quando a PKB inativa a GSK3, a GS fica ativa, guardando as moléculas de glicose que entrarem na célula na forma de glicogênio, uma ação gênica da insulina ocorre principalmente no fígado e no músculo estriado esquelético. Ainda no músculo e no tecido adiposo, ocorre outra ação não gênica da insulina, um processo que se inicia quando a PKB está ativada, culminando com a exocitose da GLUT4, transportador de glicose, que permite a entrada de glicose na célula. Integração do metabolismo 125 Quando a insulina faz sua ação e sai do receptor tirosina quinase, o proces- so termina; para isso, a fosfatase retira o fosfato do PIP3, gerando novamente PIP2, interrompendo a cascata de ativação, tanto na ação gênica quanto na ação não gênica. 5.1.4 Controle da quantidade de hormônio por retroalimentação A quantidade de hormônios na corrente sanguínea deve ser muito bem regu- lada, pois, como vimos, ocasiona ações diretas nas células-alvo, o que interfere no funcionamento do organismo. O processo de síntese e secreção regula imediata- mente os níveis hormonais, principalmente se forem hormônios apolares, que não ficam armazenados na célula endócrina e são liberados de modo lento e contínuo. Os hormônios polares ficam armazenados em vesículas de secreção na célula en- dócrina, e uma sinalização específica faz com que eles sejam liberados em grande quantidade e rapidamente. Para regular a liberação de alguns hormônios polares e a produção dos apola- res, ocorre o processo chamado de retroalimentação negativa e positiva. A retroa- limentação negativa diminui a quantidade de hormônio na corrente sanguínea e, para ocorrer o aumento da quantidade de um hormônio ou do produto, inibe a liberação do primeiro. Por exemplo, quando a quantidade de T3 e T4 aumenta no plasma, promovem a inibição tanto da secreção de TRH do hipotálamo quanto da secreção de TSH da hipófise. Contudo, a diminuição da concentração de T3 e T4 promove a elevação da secreção de TRH e TSH. No processo de retroalimentação positiva, se a quantidade do hormônio esti- mulador aumentar, o hormônio estimulado também crescerá, em vez de diminuir. Um exemplo disso é o processo de ovulação em mamíferos, um aumento do nível de FSH e LH na primeira fase do ciclo menstrual aumenta mais quantidade de es- trógeno, e quando os três hormônios estiverem no máximo, ocorre a ovulação. Depois desse evento, o processo reverte para retroalimentação negativa e diminui a quantidade dos três hormônios logo em seguida. Esses processos de retroalimentação controlam de modo efetivo a quantidade de hormônios no sangue, controlando também a homeostase do organismo. Esse controle ocorre em vários estados nutricionais, como no estado alimentado, no estado de jejum, na obesidade e na dieta, e o seu descontrole pode potencializar algumas doenças, como o câncer. 5.2 Bioquímica do estado alimentado e do jejum Vídeo As principais vias metabólicas sofrem interferências de hormônios que variam com o estado nutricional do indivíduo. Isso se deve à necessidade de manutenção da glicemia, principalmente para que o cérebro e as hemácias continuem tendo esse monossacarídeo disponível para a produção de ATP. 126 Bioquímica A seguir, veremos de que forma o corpo humano reage quando passa por dois es- tados de nutrição distintos: o estado alimentado e o estado de jejum. O estado de je- jum apresenta suas próprias características, dependendo do seu tempo de duração. 5.2.1 Bioquímica do estado alimentado Ao se alimentar, especialmente com carboidratos simples, ocorrem modifica- ções hormonais no metabolismo celular. Quando ocorre a absorção de grande quantidade de glicose pelas células intestinais,também denominadas enterócitos, elas entram pelo sistema porta hepático, que ativa a liberação de insulina. Devido à sua localização anatômica, a insulina chega primeiro ao fígado e, de- pois, vai para a circulação sistêmica. Os aminoácidos que entrarem pela alimen- tação também vão para o sistema porta hepático, enquanto os triglicerídeos são absorvidos no intestino e formam os quilomícrons. Em seguida, vão na circulação linfática para depois entrar na circulação sistêmica. Como o fígado é o primeiro órgão a receber os carboidratos absorvidos no intestino, a insulina age primeiro nesse órgão. O fígado tem um transportador de glicose que não precisa do auxílio da insulina para estar presente na membrana GLUT2; devido a isso, a glicose entra no hepa- tócito sempre que tiver muita glicose no sangue, como no estado alimentado. A glicose ao entrar será metabolizada pela via glicolítica para a formação de ATP, mas também pode ser usada na via das pentoses fosfato, gerando grande quantidade de NADPH, que será utilizado para síntese de lipídeos. A ativação das enzimas de vários metabolismos é feita pela insulina, e dependendo de quanto foi a ingesta de carboidrato em uma refeição, a glicose pode ter três destinos: ela pode ser com- pletamente consumida na respiração celular, ter uma parte armazenada na forma de glicogênio ou ser liberada no plasma para manter a glicemia. Entretanto, se a ingestão de glicose for excessiva, a insulina ativa a produção de ácidos graxos e, consequentemente, a síntese de triglicerídeos, que serão levados ao tecido adiposo pelo VLDL posteriormente. Já os aminoácidos, que chegam pelo sistema porta hepático, são usados prima- riamente para sintetizar as proteínas de suas próprias proteínas hepáticas. Os ami- noácidos em excesso são liberados para a circulação sistêmica para que todos os tecidos possam utilizar os aminoácidos essenciais que chegam pela alimentação. Depois que os nutrientes chegam à circulação sistêmica, outros tecidos podem utilizar esses componentes, como é o caso do tecido muscular, que utiliza os ami- noácidos para sua própria síntese proteica. Para a captação de glicose, o músculo necessita da estimulação da insulina para que o transportador de glicose específico – GLUT4 – possa estar na membrana plasmática e permitir que a glicose entre na célula. Ao entrar na célula muscular, a glicose é utilizada para a produção de ATP na glicólise; o restante é armazenado na forma de glicogênio até a quantidade de no máximo 1% do peso do tecido. Nessa situação de grande disponibilidade de glicose e presença de insulina, o metabolismo energético do músculo está desviado para o consumo de glicose; logo, nesse estado nutricional, os ácidos graxos não são utili- zados pelas células musculares e acabam armazenados no tecido adiposo. Integração do metabolismo 127 Assim como o músculo esquelético, o tecido adiposo só tem GLUT4 na membra- na se houver a estimulação da insulina, e a glicose que entra no adipócito é usada na glicólise. Os triacilgliceróis que chegam ao tecido adiposo transportados pelos quilomícrons ou pelo VLDL sofrem a hidrólise pela enzima lipoproteína lipase, que está na superfície das células endoteliais dos capilares do tecido adiposo, o que libera os ácidos graxos e glicerol. Os ácidos graxos entram no adipócito por difusão simples e são reesterificados com o glicerol 3-fosfato, derivado da via glicolítica para formar novamente triacilgliceróis e serem armazenados. Figura 7 Integração metabólica no estado alimentado Pâncreas (células β) Insulina Glicose Aminoácidos Intestino Veia porta Fígado Glicose Aminoácidos Piruvato Ureia Síntese de proteínas Lactato Gordura Quilomícron Quilomícrons remanescentes Gordura Gordura Linfáticos Cérebro Síntese proteica (todos os tecidos) CO2 + H2O CO2 + H2O VLDL Lactato Glicogênio Tecido adiposoEritrócitos Tecido muscular Glicogênio Podemos perceber que com todas essas ações ocorre manutenção da glicemia, evitando alterações cardiovasculares e, ao mesmo tempo, permitindo que o tecido muscular e o adiposo possam internalizar e metabolizar a glicose. 5.2.2 Bioquímica do jejum A manutenção da glicemia em todos os estados nutricionais é fundamental para o funcionamento de várias células do organismo humano. Por exemplo, é o que acon- tece com as hemácias que utilizam somente glicose; e com os neurônios que utilizam preferencialmente a glicose e alternativamente os corpos cetônicos para produção de ATP. Por esses motivos, a manutenção da taxa glicêmica é essencial. IE SD E Br as il S/ A 128 Bioquímica Quando o indivíduo não se alimenta por pelo menos quatro horas, ele entra em uma situação de jejum. Nesse caso, o hormônio glucagon é liberado no sistema porta hepático, ocasionando aumento de AMPc e desencadeando uma cascata de reações que ajuda a manter a glicemia. Entre os metabolismos ativados está a que- bra de glicogênio hepático e a gliconeogênese. A seguir, descrevemos as alterações metabólicas que ocorrem nos diferentes estágios de jejum. 5.2.1.1 Metabolismo no jejum inicial O estado de jejum inicial começa quando o indivíduo não se alimenta por apro- ximadamente 10 a 12 horas. Nesse estado, a glicemia começa a diminuir e, para conter essa queda, o organismo promove a liberação de glucagon – feita pelas célu- las α pancreática – para a veia porta hepática. O fígado é estimulado pelo glucagon, o que ativa a glicogenólise hepática e culmina com o aumento da glicemia. Figura 8 Inter-relação metabólica no jejum inicial IE SD E Br as il S/ APâncreas (células �) Glucagon Intestino Veia porta Fígado Lactato Linfáticos Cérebro CO2 + H2O Lactato Tecido adiposo Tecido muscular Linfáticos Glicogênio Piruvato Glicose Eritrócitos Alanina Podemos notar que a fonte de glicose para manter a glicemia no jejum inicial é o glicogênio hepático, mas como sua quantidade é pequena (cerca de 75 g para uma pessoa de 70 kg), se a pessoa permanecer sem se alimentar ele acaba e o indivíduo entra no jejum prolongado. Integração do metabolismo 129 5.2.1.2 Metabolismo no jejum prolongado Quando o indivíduo se mantém sem se alimentar por mais de doze horas, ele passa do estado de jejum inicial para o jejum prolongado. Isso promove aumento da liberação de glucagon no sistema porta hepático, fazendo com que esse hormô- nio chegue ao fígado e aos tecidos periféricos. Depois de ultrapassar esse tempo de jejum, o glicogênio hepático acaba – isto é, já foi depletado – e inicia a gliconeogênese do fígado. Para que a glicose seja pro- duzida “de novo” é necessário que aminoácidos glicogênicos – além do lactato ou do glicerol – cheguem ao fígado. Esse mecanismo está acoplado ao ciclo de cori e ao ciclo da alanina, apesar de que tanto o lactato (do ciclo de cori) quanto a alanina (do ciclo da alanina) apenas fazem a reposição da glicose convertida para essas mo- léculas em outros tecidos. Esse processo também permite que a transferência da energia gerada no processo de β-oxidação dos ácidos graxos, que ocorre no fígado, seja utilizada pelos tecidos periféricos na forma de carboidrato. A maior parte dos aminoácidos liberados é transformada em alanina ou em glutamina em processos metabólicos específicos, por isso a alanina e a glutamina estão em maior quantidade. No entanto, quando se utiliza qualquer aminoácido para o processo de gliconeogênese, é necessária a retirada do grupo amina, que entrará no ciclo da ureia. Logo, isso nos diz que a gliconeogênese e o ciclo da ureia estão interligados. No jejum prolongado, a quantidade de glicose cai bastante, a quantidade de insulina está muito diminuída. Essa diminuição em ambos estimula a liberação de glucagon, ativando a lipólise no tecido adiposo, o que leva ao aumento dos níveis de ácidos graxos no sangue. Esse aumento é necessário, pois vários tecidos, como o músculo cardíaco e o tecido esquelético, promovem o desvio de seu metabolismo para alipólise, deixando de consumir glicose. Os ácidos graxos também são consumidos pelo fígado, no processo de β-oxida- ção, o que produz grande quantidade de acetil-CoA, com o aumento desse último ativando a cetogênese, o que leva à produção de corpos cetônicos – acetona, ácido acetoacético e ácido β-hidroxibutírico. O aumento da concentração de corpos cetô- nicos na corrente sanguínea leva a uma alteração metabólica no sistema nervoso, que passará a usar esses novos corpos cetônicos como combustível alternativo para a formação de ATP. A quantidade de ATP gerada a partir dos corpos cetônicos no cérebro não é a mesma que a glicose fornece, por isso eles não podem ser utilizados indefinida- mente pelo sistema nervoso. Outro tecido que utiliza essas moléculas é o músculo estriado esquelético, e quando isso acontece o processo de proteólise e de oxida- ção dos aminoácidos é interrompido, diminuindo a liberação de alanina e prote- gendo o músculo contra perdas excessivas na massa muscular. No entanto, como efeito colateral, ocorre diminuição da gliconeogênese no fígado. A diminuição da gliconeogênese faz com que seja necessária uma compensação por parte da diminuição da utilização da glicose pelos tecidos. Por causa disso e da gliconeogênese que aconteceu anteriormente, a glicemia se mantém estável. 130 Bioquímica Figura 9 Inter-relação metabólica no jejum prolongado IE SD E Br as il S/ A Pâncreas (células α) Glucagon Intestino Veia porta Fígado Glicose Lactato Linfáticos Cérebro CO2 + H2O CO2 + H2O Lactato Tecido adiposoEritrócitos Tecido muscular Enterócitos Alanina Proteína Proteína Aminoácidos Corpos cetônicos Ureia Glicerol Glicerol Alanina Ácidos graxos Glutamina Aminoácidos Alanina Gordura Quando um indivíduo se alimenta após um longo jejum, a glicose que chega ao sangue vai preferencialmente para a circulação sistêmica, depois de passar pelo fígado. Por isso, não ocorre reposição direta do glicogênio hepático diretamente pelo processo alimentar. A glicose que é utilizada no tecido periférico acaba for- mando lactato, que volta ao fígado e entra na gliconeogênese, sendo convertido em glicose, que será armazenada como glicogênio. Além disso, os aminoácidos da dieta também entrarão na gliconeogênese, ajudando a repor o glicogênio de ma- neira secundária. Quando a glicemia aumenta, a gliconeogênese cessa e o glicogê- nio hepático passa a ser mantido pela glicose do sangue. 5.3 Metabolismo na obesidade, na dieta, no câncer e no diabetes mellitus Vídeo Alterações nutricionais, hormonais ou relacionadas à quantidade de células no organismo podem modificar o metabolismo celular e, muitas vezes, levar a doen- ças, como obesidade e diabetes mellitus. Por outro lado, alterações podem auxiliar a resolver um problema encontrado, como é o caso dos vários tipos de dietas cria- Integração do metabolismo 131 dos pelos nutricionistas. Nesta seção, vamos falar de três doenças comuns entre a população brasileira – obesidade, câncer e diabetes mellitus – e discutir os efeitos que um tipo específico de dieta causa no metabolismo corporal. 5.3.1 Obesidade Quando ingerimos mais alimentos do que a nossa necessidade de energia, o or- ganismo acaba armazenando o excesso de nutrientes para serem utilizados como uma reserva energética. Os triglicerídeos são armazenados diretamente no tecido adiposo, e o excesso de carboidratos e proteínas é convertido em triacilglicerol, que também é armazenado no tecido adiposo. O problema surge devido à capacida- de quase infinita de armazenamento desse tecido; logo, quando ocorre disfunção entre fome e saciedade do indivíduo, isso pode gerar casos graves de obesidade mórbida. A obesidade acontece quando a quantidade de calorias ingeridas é maior do que a gasta, um processo que envolve a falta de controle do sistema nervoso cen- tral em relação ao apetite, ao sedentarismo, à predisposição genética e a diversos outros fatores nutricionais e hormonais. Uma característica importante dos adipócitos é que o aumento do armazena- mento de triacilgliceróis ocasiona hipertrofia dessas células (aumento de tamanho) e a hiperplasia (aumento da quantidade de células) do tecido adiposo. Quando ocorre o emagrecimento, não existe morte celular, somente diminuição da quanti- dade de triglicerídeos, ou seja, se houver o aumento da ingesta, com pouco gasto, os triglicerídeos voltam a ser armazenados. O aumento da deposição de triglicerídeos no tecido adiposo leva à produção de várias citocinas inflamatórias, que ocasionam estimulação da deposição de ma- crófagos nesse tecido. Por esse motivo, a obesidade pode ser definida como um aumento da massa corporal além dos limites físicos, acumulando gordura na forma de triglicerídeos e tendo um aumento inflamatório corporal. Além da função de reserva energética, os adipócitos têm função endócrina. O hormônio leptina é liberado quando o triglicerídeo é armazenado, com isso, em situações normais, ocorre regulação da massa corporal e diminuição da ingesta alimentar, o que leva à saciedade no indivíduo e concomitante aumento do gasto energético. Por outro lado, o hormônio grelina, que é secretado pelo estômago, leva à diminuição da oxidação lipídica, desencadeando a fome e, consequentemen- te, o aumento da ingesta calórica, promovendo um papel inverso ao da leptina. A instalação da obesidade pode ser consequência de outras patologias, como o hipotireoidismo, o insulinoma e a síndrome de Cushing. Ao se estabelecer a obe- sidade, podem ocorrer também comorbidades, entre elas o paciente pode desen- volver diabetes mellitus, hipertensão, dislipidemia, síndrome do ovário policístico, apneia, doenças hepáticas (como a esteatose), osteoartrite, hiperatividade simpáti- ca, hiperinsulinemia e síndrome metabólica. A síndrome metabólica também é um processo prevalente na obesidade central e consiste em alterações metabólicas provocadas pelo sobrepeso. 132 Bioquímica Figura 10 Integração metabólica na obesidade Pâncreas (células β) Gordura Gordura VLDL Intestino Veia porta Fígado Glicose Glicose Linfáticos Cérebro Estômago Lactato Tecido adiposo Eritrócitos Quilomícrons Insulina Leptina (aumenta a saciedade) Grelina (aumenta a fome quando o estômago está vazio) Aminoácidos Aminoácidos IE SD E Br as il S/ A Com todas essas análises, podemos verificar que a etiologia da obesidade é multicausal e gerada por muitas interações entre fatores genéticos, fisiológicos, psicológicos, socioeconômicos, culturais e ambientais. 5.3.2 Dieta Para o indivíduo sair da obesidade e iniciar o processo de emagrecimento, deve haver um balanço energético negativo, assim como ajustes hormonais, se forem ne- cessários. Entretanto, na maioria dos processos de emagrecimento, menor ingesta de calorias e maior gasto calórico deve acontecer. O consumo de menor quantida- de de macronutrientes e de menos calorias não modifica significativamente o ciclo jejum-alimentação, pois isso depende da quantidade e do tipo de macronutrien- tes ingeridos. Um exemplo dessa modificação nula do ciclo é quando o indivíduo faz pouca ingestão de alimentos em geral e logo em seguida volta a permanecer no estado de jejum, isso libera menor quantidade de insulina, ocasionando pou- co armazenamento de glicogênio e triacilgliceróis. Outro exemplo é reduzindo a ingesta de triglicerídeos, que causa diminuição da síntese de quilomícrons e menor armazenamento desses lipídeos no tecido adiposo. No paciente que se submete a uma dieta com nenhuma quantidade de carboi- dratos – isto é, uma dieta cetônica, conhecida como zero carb – há aumento do me- tabolismo hepático, pois existe uma tendência de queda na glicemia, mesmo após a alimentação. Nesse caso, a relação hormonal ocorre como se o paciente estivesse em jejum prolongado, com aumento do glucagon. Com isso, ocorre maior mobili- Integração do metabolismo 133 zação de triglicerídeos do tecido adiposo, o fígadopassa a consumir lipídeos e há diminuição no consumo de glicose, aumentando a formação de corpos cetônicos e a gliconeogênese a partir da oxidação dos aminoácidos. Figura 11 Integração metabólica na dieta Pâncreas (células β) Glucagon Intestino Veia porta Fígado Glicose Corpos cetônicos Aminoácidos Aminoácidos Ureia Síntese proteíca Lactato Gordura Gordura Quilomícron Linfáticos Cérebro Síntese proteica (todos os tecidos) CO2 + H2O CO2 + H2O Lactato Glicogênio Glicogênio Tecido adiposo Quilomicrons remanecentes Eritrócitos Tecido muscular Podemos notar que com nenhuma ingesta de carboidratos ocorre aumento na ingesta de proteínas e, portanto, aumento da formação de ureia. Por esse motivo, o paciente que faz a dieta zero carb deve aumentar o consumo de água, uma vez que a ureia será eliminada para a urina, o que diminui o volume sanguíneo por maior excreção de urina, podendo iniciar um quadro de desidratação, com sobrecarga hepática e renal. 5.3.3 Bioquímica do câncer O câncer acontece quando uma célula é transformada, gerando mutações em seu código genético, mutações essas que são geradas por agentes carcinogênicos ou por outros motivos, que fazem essas células mutadas perderem a inibição por contato. Se o sistema imunológico passar a não reconhecer mais essa célula como parte do organismo, ela passa a se dividir muito, formando uma massa amorfa. Cé- lulas neoplásicas são aquelas que, além de crescerem em excesso, conseguem sair do tecido, ir à corrente sanguínea e colonizar outros tecidos, o que leva ao processo conhecido como metástase. IE SD E Br as il S/ A 134 Bioquímica No corpo humano existem determinados genes que, aparentemente, são os alvos mais comuns dos carcinógenos, tecidos esses que são conhecidos como pro- to-oncogenes e, em sua função normal, auxiliam no controle da proliferação e da diferenciação celular. Quando sofrem mutações, essas células passam a agir de forma descontrolada, possibilitando a formação de neoplasias. Esses genes que sofreram mutação são denominados de oncogenes. Para poder fazer todos esses processos, as células neoplásicas têm um funcio- namento diferente em relação às outras células do corpo, e não seguem o ciclo je- jum-alimentação, pois não são influenciadas pelos hormônios. Para poderem fazer muitos processos de mitose, é necessário grande quantidade de ATP, que é obtida preferencialmente por meio da glicose. Na anatomia do tumor, as células em sua periferia recebem oxigênio e podem metabolizar grande quantidade de glicose em processo aeróbico, porém as células do centro geralmente estão em hipóxia – isto é, sem acesso ao oxigênio –, fato que aumenta a produção do fator 1 de hipóxia, induzi- do α (HIF-1α), que faz aumentar a transcrição de GLUTs e de enzimas da via glicolítica. Toda essa modificação faz com que as células neoplásicas tenham grande vo- racidade em relação à glicose, e por não responderem a estímulos hormonais, mesmo no jejum, continuam drenando grande quantidade de glicose do plasma. Todavia, ainda existe a necessidade de muitos estudos, visto que, apesar de a vo- racidade por glicose, esse fato não explica completamente o estado de caquexia 1 Perda de tecido adiposo, muscular e ósseo, pacien- tes podem perder entre 10% e 20% do seu peso corporal. Alguns tipos de câncer – como o gástrico e o pancreático – produzem caquexia profunda. 1 , porque, muitas vezes, um pequeno tumor acaba levando a um grande emagreci- mento no paciente. Figura 12 Integração metabólica caquexia do câncer Ácidos graxos Fígado Glicose Glicose Corpos cetônicos Amino- -ácidos Lactato Glicogênio Tecido adiposo Tumor Tecido muscular Pro teín a CO2 CO2 CO2 Proteína Gordura Além disso, vários distúrbios hormonais são comumente encontrados em pa- cientes com câncer, pois alguns tumores podem ser secretórios de hormônios. A presença do tumor também induz à produção de citocinas inflamatórias, como a interleucina-1 (IL-1), a interleucina-6 (IL-6) e o fator de necrose tumoral α (TNF-α) pelas células do sistema imune. A presença do TNF-α causa o depauperamento do organismo (DEVLIN, 2007), mas o aumento do fator indutor de proteólise (PIF) veri- IE SD E Br as il S/ A Integração do metabolismo 135 ficado na neoplasia ocasiona a diminuição da quantidade de proteína muscular e a presença do fator mobilizador de lipídeo (LMF), o que estimula o catabolismo dos triglicerídeos do tecido adiposo (SILVA, 2006). 5.3.4 Diabetes mellitus A doença chamada de diabetes mellitus se caracteriza pelo fato de o paciente apresentar disfunções relacionadas aos hormônios pancreáticos, que ocasionam aumento da glicemia acima de 110mg/dL de sangue. Essa doença pode ser ocasio- nada por modificações no padrão de insulina e de glucagon nos pacientes diabéti- cos, o que provoca mudanças metabólicas significativas. Existem dois tipos básicos de diabetes mellitus: tipo 1 e tipo 2. O diabetes do tipo 1 é caracterizado pela falta total de insulina, devido a destruição das células β pancreáticas. Mais de 95% dos casos desse tipo de diabetes são causados por doença autoimune, denominado de tipo 1a, onde o próprio sistema imunológico do paciente promove destruição dessas células. Por outro lado, em menos de 5% ela é idiopática, e chamada de tipo 1b. Existe um pequeno grau de hereditariedade, tendo em vista que pessoas que têm familiares com diabetes tipo 1 apresentam risco de aproximadamente 6% de desen- volver a doença, enquanto em indivíduos que não apresentam nenhum familiar com a doença, o risco é de 3%. Como não existe insulina circulante, o glucagon é preva- lente durante todo o dia, logo a glicemia se mantém alta e ocorre catabolismo de gorduras e de proteínas, estimulando também o processo de cetogênese. Por conta dessa ação hormonal prevalente, o paciente diabético do tipo 1 é geralmente magro. Com a grande alteração glicêmica e presença de corpos cetônicos em abundância no plasma, o paciente pode apresentar cetoacidose diabética e entrar em estado de coma cetoacidótico e coma hiperosmolar. O tratamento para esse tipo de patologia é a administração subcutânea de insulina, dieta controlada e exercícios físicos. Figura 13 Integração metabólica Diabetes mellitus tipo 1 Glucagon Intestino Veia porta Fígado Glicose Glicose (acumula-se) Glicose Corpos cetônicos (acumulam-se) Ácidos graxos (acumulam-se) Triacilgliceróis (acumulam-se) Aminoácidos Amino- -ácidos Lactato Gordura Gordura Gordura Alanina VLDL Quilomícrons Glicogênio Tecido adiposo Tecido muscular Proteína Pâncreas (células α) IE SD E Br as il S/ A 136 Bioquímica O diabetes do tipo 2 é uma patologia na qual ocorre aumento na resistência ou mesmo uma deficiência parcial de insulina, e é uma patologia que se desenvolve a partir de múltiplos fatores, inclusive com uma prevalência ambiental e genética. Para entender melhor o diabetes, se define resistência à insulina como uma dimi- nuição da resposta tecidual esse hormônio, por isso ocorrem muitas alterações metabólicas. Como os receptores que são resistentes à insulina, os tecidos muscu- lar e adiposo não conseguem captar a glicose de modo adequado, o que gera hiper- glicemia. Com a hiperglicemia constante, ocorre secreção de insulina pelo pâncreas durante todo o tempo e, por consequência, baixa de glucagon. Com o aumento de insulina ocorre aumento da lipogênese no fígado e aumento de deposição de lipí- deos no tecido adiposo, gerando obesidade. Por esses motivos, os pacientes diabéticos tipo 2 geralmente apresentam obesi- dade, o que aumenta ainda mais a resistência à insulina, piorando o quadro. Figura 14 Integração metabólica Diabetes mellitus tipo 2 Pâncreas (células �) Insulina Intestino Veia porta Fígado Glicose Glicose (acumula-se) Amino- ácidos Gordura Gordura Gordura Linfáticos Quilomícrons Glicose Aminoácidos Triacilgliceróis (acumulam-se) CO2 + H2O (c) VLDL GlicogênioTecido adiposo Tecido muscular Linfáticos Quilo Um fato importante é que esses pacientes, por terem insulina alta quase o tempo todo, apresentam grande produção de colesterol pelo fígado, por isso ge- ralmente a taxa de LDL é alta, ocasionando formação de placas de aterosclerose. Por isso, fala-se que todo paciente diabético é considerado portador de placa de aterosclerose e, para um diagnóstico, esse fato deve ser avaliado sempre. O trata- mento ocorre pela utilização de medicamentos orais, entre eles estão os secretago- gos de insulina (como as sulfunilureias) e os sensibilizadores de insulina (como as biguanidas). Além do tratamento medicamentoso, é necessário um controle estrito na dieta e praticar exercícios físicos. O livro Fisiologia Endócrina, de Patrícia Molina, trata de maneira fácil e bem objetiva a questão dos hor- mônios, de que forma eles são regulados e doenças relacionadas a eles. MOLINA, P. E. Porto Alegre: AMGH, 2021. Livro IE SD E Br as il S/ A Integração do metabolismo 137 CONSIDERAÇÕES FINAIS Neste capítulo, estudamos os mecanismos de ação dos vários tipos de hormô- nios, que são divididos em quatro classes: peptídicos, catecolaminas, esteroides e tireoideanos. Além disso, eles também podem ser divididos em polares (peptídicos e catecolaminas) e apolares (esteroides e tiroideanos), com a diferença química interferindo na maneira como são transportados no sangue e onde se localizam seus receptores. Os hormônios polares podem ser transportados livres no plasma, com o receptor na membrana plasmática, o que permite que a ação desses hormônios seja rápida. Por outro lado, os hormônios apolares precisam ser transportados por proteínas específicas no plasma, e seu receptor é intracelular, o que ocasiona um mecanismo de ação lento. Modificações da quantidade de hormônios no plasma ocasionam alterações im- portantes no organismo do indivíduo, podendo modificar o metabolismo de vários órgãos, como ocorre no diabetes e no câncer. No entanto, as alterações hormonais podem ocorrer com modificações simples na ingesta alimentar, como verifica-se no estado alimentado, no jejum e na dieta. ATIVIDADES Atividade 1 Alguns hormônios produzem respostas fisiológicas ou bioquímicas imediatas, um exemplo disso é a liberação de glicose para o sangue feita pelo fígado, que ocorre segundos após a epinefrina (adrenalina) ser secretada para o plasma pela medula adrenal. No entanto, os hormônios da tireoide e os esteroidais promo- vem resposta máxima em células-alvo apenas após horas ou dias. Essa diferença no tempo de resposta corresponde à diferença no mecanismo de ação. Explique por que isso ocorre. Atividade 2 Uma mulher descobriu que está com câncer de mama há um ano e, nesse período, fez quimioterapia e radioterapia, porém observou um emagrecimento pronunciado cerca de um mês. Organize os eventos que acontecem desde a questão hormonal e o metabolismo que culminam na caquexia do câncer. Atividade 3 O diabetes mellitus (DM) tipo 2 é uma condição clínica associada ao risco ele- vado de doença cardiovascular; estudos epidemiológicos têm mostrado que a resistência à insulina e o conjunto de doenças associadas – como a dislipidemia, hipertensão arterial etc. – têm papel preponderante no início e gravidade da aterosclerose, com a doença cardiovascular (DCV) sendo a principal causa de morte nos diabéticos. Tendo em vista a grande prevalência de aterosclerose em pacientes diabéticos, diga quais nutrientes devem ser restringidos para esse tipo de paciente. 138 Bioquímica REFERÊNCIAS BERG, J. M.; TYMOCZKO, J. L.; STRYER, L. Bioquímica. 7. ed. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 2014. DEVLIN, T. M. Manual de bioquímica com correlações clínicas. 7. ed. Blucher: São Paulo, 2007. FOX, S. T. Fisiologia. 7 ed. Barueri: Manole, 2007. HALL, J. E. Guyton & Hall: tratado de fisiologia médica. 12. ed. Rio de Janeiro: Elsevier, 2011. KOEPPEN, B. M.; STANTON, B. A. Berne & Levy: fisiologia. 6. ed. Elsevier: Rio de Janeiro, 2009. SILVA, M. P. N. Síndrome da anorexia-caquexia em portadores de câncer. Revista Brasileira de Cancerologia, Rio de Janeiro, v. 52, n.1, p. 59-77, 2006. SILVERTHORN, D. U. Fisiologia humana: uma abordagem integrada. 5. ed. Porto Alegre: Artmed, 2010. VOET, D.; VOET, J. G.; PRATT, C. W. Fundamentos de bioquímica: a vida em nível molecular. 2. ed. Porto Alegre: Artmed, 2008. Resolução das atividades 139 Resolução das atividades 1 Energia celular 1. Um indivíduo ingeriu cerca de 500 ml de suco de limão (pH 2,0). Explique por que o pH do sangue não é alterado com essa ingestão. Apesar de o suco de limão possuir um pH muito ácido, quando chega ao duodeno, recebe uma grande quantidade de bicarbonato, o que fará com que o pH chegue a 9. O suco é absorvido e o pH sanguíneo não se altera, pois existem três sistemas tampões para manter o pH correto, sendo eles: sistema tampão fosfato, bicarbonato e proteínas. 2. Francini sofre com um distúrbio alimentar que a induz ao vômito. Ao chegar no hospital, constata-se ela está muito magra e com respiração abaixo do normal, isto é, com bradipneia. O HCO3– é de 72 meq/L (valor de referência: 24- 29 meq/L); PCO2, de 58 mmHg (ref.: 35 – 45 mmHg); e pH do sangue, de 7,62; .Ao analisar esse caso clínico, você pode indicar qual é o distúrbio do equilíbrio ácido-base apresentado por Francini? Justifique. O vômito em excesso ocasiona a perda de H+, o que faz com que o estômago precise retirar próton do sangue para fazer mais HCl, ocasionando falta desse elemento e excesso de bicarbonato, como mostrado nos exames. Com isso, ocorre aumento do pH sanguíneo, acarretando alcalose metabólica. 3. Promova a quebra da ligação glicosídica do dissacarídeo a seguir e diga o nome da ligação glicosídica indicada na flecha: HHHH HH HH HHOHOH OHOH HH HH HH HH HH OO CHCH2OHOH OHOH OHOH OO OO OOOO CHCH2 HH HH HH HH HH OO CHCH2OHOH OHOH OHOH OHOH OHOH HH HH HH HH HH OO CHCH2OHOH OHOH OHOH OHOH OHOH HH2OO O nome é Ligação glicosídica α(1,6) + 2 Moléculas responsáveis pela estrutura e metabolismo da célula 1. Os aminoácidos apresentam dois ou mais pKs, dependendo do grupo químico que está presente no radical. Os grupos que apresentam essa característica podem ser ionizados ou não, dependendo do pH da solução. As letras indicam 140 Bioquímica em cada ponto da tabela a seguir como deve estar cada grupo químico no pH solicitado. Analise como deve estar a carga do aminoácido naquele pH e, depois, relacione a letra com o estado que deve estar cada grupo químico. Aminoácido pH -COOH (pK 1,96) –NH2 (pK 10,28) Radical (pK 8,18) Carga do ami- noácido H3N + C COO– H CH2 SH Cisteína pH 1,0 A B C D pH 7,4 E F G H pH 12,5 I J K L Quando o valor de pH (variável) está abaixo do valor de pKa (fixo), o grupo químico está preferencialmente protonado – com próton – e quando o valor de pH está acima do pKa, o grupo químico está preferencialmente desprotonado – sem próton. No caso de um grupo ácido, como o ácido carboxílico (–COOH), protonado fica na forma molecular, ou seja, neutro, porém desprotonado ele adquire carga negativa. Porém, o grupo básico, que é o grupo amina (–NH2), quando está protonado ele fica com carga positiva; e quando está desprotonado fica na forma molecular (neutro). O grupo radical desse aminoácido é a sulfidrila (–SH); quando está protonado permanece na forma molecular; e quando está desprotonado adquire carga negativa. Aminoácido pH –COOH (pK 1,96) –NH2 (pK 10,28) Radical (pK 8,18) Carga do ami- noácido H3N + C COO– H CH2 SH Cisteína pH 1,0 A –COO– B –NH2 C –S– D Negativo pH 7,4 E –COO– F –NH3 + G –S– H Zwitteriônico pH 12,5 I –COOH J –NH3 + K –SH L Positivo 2. Os inibidores enzimáticos são compostos que podem diminuir a atividade de uma enzima. O medicamento sinvastatina diminui os níveis de LDL-colesterol e de triglicerídos. As estatinas são inibidores competitivos da hidroximetilglutaril- co-enzimaA (HMG-CoA) redutase. Explique o que acontece com uma enzima quando ela está sofrendo inibição competitiva. No caso da inibição competitiva o inibidor, que nesse caso é o medicamento, se liga no sítio ativo da enzima. Com isso, o HMG-CoA – que é o substrato dessa enzima – não pode realizar a sua ligação. Portanto, a quantidade de colesterol produzido é diminuída, tendo em vista que a enzima é inibida parcialmente nesse caso. 3. O LDL em excesso causa formação de placas de aterosclerose. O colesterol que está dentro do LDL possui, funções fisiológicas importantes. Avalie e explique sobre as funções fisiológicas (normais) do colesterol. O colesterol possui diversas funções biológicas, como: fazer parte da estrutura das membranas biológicas, em especial da membrana plasmática, diminuir fluidez de membrana, ser precursor de diversas moléculas. Dentre as moléculas que o colesterol é precursor estão os hormônios esteroides (testosterona, estrogênio, progesterona, cortisol, aldosterona), os sais e ácidos biliares, vitamina D e Vitamina K. Resolução das atividades 141 3 Metabolismo de Carboidratos 1. Imagine a segunda situação: um estudante estava em uma excursão e, por consequência de uma brincadeira, acabou ingerindo cerca de 30g/kg da planta conhecida como vassoura vermelha (Dodonea viscosa), que possui altos níveis de rotenona em sua composição. Considerando essa situação, explique como age a rotenona na membrana mitocondrial e qual a consequência da ação desse composto. A rotenona bloqueia o complexo I da cadeia respiratória, por conta disso, o fluxo de elétrons para. Quando é colocado succinato para o paciente, ocorre a entrada de elétrons pelo complexo II, restabelecendo a produção de ATP pela fosforilação oxidativa, por isso há a melhora no quadro do paciente. 2. A enzina enolase é inibida pelo flúor e pode levar a vários sintomas em pacientes com intoxicação grave. Devido a isso, explique qual é a função da enzima enolase e o que sua inibição causa no organismo. A enzima enolase catalisa a nona reação da via glicolítica, e quando ela está inibida, ela impede a produção de piruvato e de ATP da última reação da glicólise. Sem piruvato para entrar na mitocôndria, o ciclo do ácido cítrico para e a quantidade de ATP diminui ao mínimo, o que não é compatível com a vida. 3. Explique como devem estar os níveis de glucagon e insulina para que a glicogênio sintase, uma enzima envolvida na biossíntese de glicogênio, esteja ativada no organismo. A glicogênio sintase é uma enzima que se mantém inibida por fosforilação quando o glucagon está circulante. Por outro lado, ao diminuir o glucagon, e aumentar a insulina, a enzima GSK-3 fica inativa e por esse motivo a Glicogênio sintase permanece ativa e a glicose que entra será armazenada na forma de glicogênio. 4 Transporte e Utilização de lipídeos e proteínas 1. Uma mulher foi hospitalizada com infarto agudo do miocárdio. Os exames mostraram colesterol plasmático da paciente, 12,0 mmol/L (valor de referência: 3,1-5,7 mmol/L). Os LDL estavam bastante aumentados e a angiografia das coronárias mostrou aterosclerose nas três artérias coronárias. Considerando isso, qual é o provável mecanismo de hipercolesterolemia nesse caso? Apenas uma dieta pobre em colesterol pode ser suficiente para corrigir os casos de hipercolesterolemia? Por quê? Os níveis muito altos do colesterol da paciente indicam que ela apresenta hipercolesterolemia familiar, portanto, somente mudanças alimentares não diminuiriam o colesterol para níveis normais. Nesse caso, além das mudanças de hábito de vida, também é necessária a utilização de medicamentos. Por curiosidade, os medicamentos utilizados são da classe das estatinas, que são inibidores parciais da enzima regulatória da biossíntese de colesterol, a HMG-CoA sintetase. 142 Bioquímica 2. Ingerindo uma dieta de 800 calorias, a paciente tem um déficit energético. De que forma isso contribui para o emagrecimento da paciente? Com a ingestão de 800 calorias, a paciente rapidamente entra em jejum prolongado, o que provoca a liberação de glucagon. O glucagon estimula a mobilização dos triglicerídeos, por isso ela emagrece. 3. Uma criança de dez anos começou a apresentar episódios de vômitos aos quatro anos de idade. Desde então, ela apresenta alterações no comportamento, com alternância de períodos com letargia em episódios que duram de um a três dias. Histórico familiar: o bisavô por parte de mãe e a avó por parte de pai apresentaram sintomas semelhantes. Os exames de sangue mostraram: amonemia – 300 μM (N: 15-30 μM); pH – 7,54 (N: 7,35-7,45); pCO2 – 28 mmHg (35-40 mmHg); HCO3– 23 μM (N: 20-25 μM). Depois de analisar o caso clínico, indique de qual enzima do ciclo da ureia está deficiente na criança. Os sintomas de hiperamonemia podem ocorrer em deficiências de duas enzimas do ciclo da ureia: a carbamoil-fosfato sintetase I ou a ornitina transcarbamoilase. A deficiência da carbamoil-fosfato sintetase I ocasiona hiperamonemia I, com níveis de amônio no sangue superiores a 1000 μM. Com níveis próximos ao encontrado pelo paciente, caracteriza-se a hiperamonemia do tipo II que é a deficiência da ornitina transcarbamoilase. A deficiência dessa enzima também é percebida ao observar os casos familiares, tendo em vista que essa deficiência é autossômica recessiva. 5 Integração do metabolismo 1. Alguns hormônios produzem respostas fisiológicas ou bioquímicas imediatas, um exemplo disso é a liberação de glicose para o sangue feita pelo fígado, que ocorre segundos após a epinefrina (adrenalina) ser secretada para o plasma pela medula adrenal. No entanto, os hormônios da tireoide e os esteroidais promovem resposta máxima em células-alvo apenas após horas ou dias. Essa diferença no tempo de resposta corresponde à diferença no mecanismo de ação. Explique por que isso ocorre. Os hormônios peptídicos e catecolaminas (epinefrina, por exemplo) são polares, o que significa que estão livres no plasma. Com isso, o receptor de membrana reconhece o hormônio rapidamente, desencadeando imediatamente uma cascata de reações enzimáticas. Os hormônios esteroides e tiroideanos, por outro lado, são apolares, e precisam de proteínas para serem transportados no sangue. Quando chegam próximo da célula-alvo, se separam da proteína, entram na célula a agem no DNA e no núcleo, ativando a síntese de RNA mensageiro e posteriormente a síntese de proteínas. 2. Uma mulher descobriu que está com câncer de mama há um ano e, nesse período, ela fez quimioterapia e radioterapia, porém observou um magrecimento pronunciado cerca de um mês. Organize os eventos que acontecem desde a questão hormonal e o metabolismo que culminam na caquexia do câncer. As células tumorais utilizam, sem nenhum controle hormonal, grande quantidade de glicose, por isso acabam gerando uma situação de jejum prolongado no paciente o tempo inteiro. Com diminuição da glicemia a níveis acentuados, ocorre liberação intensa de glucagon, ocorre depleção (acaba) constante do Resolução das atividades 143 glicogênio, e o glucagon promove mobilização de lipídeos, além de proteólise muscular. Isso faz com que a paciente tenha perda também de massa magra, ocasionando inclusive fraqueza muscular generalizada. 3. O diabetes mellitus (DM) tipo 2 é uma condição clínica associada ao risco elevado de doença cardiovascular; estudos epidemiológicos têm mostrado que a resistência à insulina e o conjunto de doenças associadas – como a dislipidemia, hipertensão arterial etc. – têm papel preponderante no início e gravidade da aterosclerose, com a doença cardiovascular (DCV) sendo a principal causa de morte nos diabéticos. Tendo em vista a grande prevalência de aterosclerose em pacientes diabéticos, diga quais nutrientes devem ser restringidos para esse tipo de paciente. Pacientes com diabetes tipo 2 têm grande quantidade de insulina no organismo, isso ativa a síntese endógena de colesterol, sem controle da quantidade deLDL. Por esse motivo, deve ser restringida a quantidade de carboidratos para diminuir a glicemia e a quantidade de insulina, mas é necessário restringir alimentos de origem animal, por conterem colesterol, que é a molécula que está no LDL – e em excesso pode ocasionar aterosclerose. Além disso, o excesso de glicose atrai água para o sistema circulatório, aumentando a pressão arterial, o que ocasiona micro lesões no endotélio, aumentando a expressão de receptores de LDL, o que aumenta a possibilidade de formação de placa de aterosclerose. Por todos esses motivos, pacientes diabéticos são considerados portadores de placas de aterosclerose. bioquÍmica FABÍOLA REGINA STEVAN B IO Q U ÍM IC A F A B ÍO L A R E G IN A S T E V A N ISBN 978-65-5821-156-3 9 786558 211563 Código Logístico I000692 Página em branco Página em branco