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Neonatologia - Filho de mãe diabética - É certo que a gravidez na diabética pode apresentar complicações que normalmente não ocorrem na mulher sem diabete. - Entretanto, tais complicações são minimizadas caso algumas recomendações sejam seguidas de forma rotineira. - Essas recomendações giram em torno do controle da glicemia e da pesquisa de complicações do próprio diabete, como retinopatia e nefropatia. - Apesar dos avanços no resultado perinatal, a mortalidade dos filhos de mães diabéticas é ainda cerca de 10 vezes maior que a observada em gestantes normais. - A macrossomia fetal é uma das complicações mais frequentes em gestantes diabéticas e tem relação com os níveis de insulina e eritropoietina no líquido amniótico, o que sugere que, quanto maior o peso fetal, maior é o risco de hipóxia crônica. - Estudos clínicos e experimentais mostraram que tanto a hiperglicemia como a hiperinsulinemia fetais podem, de modo independente, causar hipóxia fetal por aumentar o consumo fetal de oxigênio. Regulação da glicose em uma gestação saudável: - Início da gestação: sensibilidade à insulina; - Segunda metade da gestação: resistência à insulina. Diagnóstico da diabetes gestacional: 1- Glicemia de Jejum (Primeira Consulta): - Objetivos: diagnosticar DM 2 e DMG - ≥ 126 mg/DL – DM 2; - ≥ 92 e ≤ 125 mg/DL – DMG ; - < 92 – realizar TOTG 75 g (24 a 28 semanas); 2- Teste oral de tolerância à glicose (TOTG): - Realizar pela manhã (75 g); - Idade gestacional: 24 a 28 semanas; - Jejum de pelo menos 8 horas; - DMG se: - Glicemia em jejum ≥ 92; - Glicemia 1h ≥ 180; - Glicemia 2h ≥ 153. Se DM prévio: - Glicemia jejum ≥ 126 mg/dL; - TOTG ≥ 200 após 2 horas; - Glicemia sérica ≥ 200 mg/dL em qualquer momento; - Hemoglobina glicada ≥ 6,5%. Complicações: - Alteração do crescimento fetal (40%), principalmente macrossomia. - Hipoglicemia (25 a 50%). - Prematuridade (15%). - Asfixia (15%). - Doença das membranas hialinas (15%). - Abortamentos espontâneos no 1º trimestre. - Policitemia e hiperviscosidade (5%). - Hiperbilirrubinemia (25%). - Anomalias congênitas (5%) - A macrossomia é consequência da grande oferta de glicose para as células e os órgãos fetais, acarretando hiperplasia e hipertrofia de adipócitos e aumento do tamanho de vários órgãos, com exceção do cérebro. - Além da macrossomia, a restrição do crescimento intrauterino pode estar presente em 20% dos filhos de mães diabéticas insulinodependentes. Essa restrição do crescimento pode ocorrer por alterações bruscas da glicemia materna, hipertensão, vasculopatia e hipofluxo placentário. - A asfixia que pode ocorrer nestes RN decorre da diminuição do fluxo sanguíneo placentário e consequente hipóxia fetal. - A hipoglicemia ocorre por hiperinsulinemia, pois, para sobreviver em um ambiente hiperglicêmico, o feto passa a produzir mais insulina e, ao nascimento, com a falta de substrato, os níveis glicêmicos caem rapidamente, o que produz importante hipoglicemia que pode, inclusive, ser sintomática. - A hipocalcemia pode ocorrer em 20 a 50% dos filhos de mães diabéticas, normalmente após 24 horas de vida, com caráter transitório. Esse distúrbio metabólico ocorre por produção inadequada dos hormônios responsáveis pela homeostase do cálcio. - A hipomagnesemia pode acompanhar a hipocalcemia, também como decorrência da produção inadequada do paratormônio. - Outra complicação do filho de mãe diabética é a policitemia/hiperviscosidade, que ocorre em 10 a 20% dos casos e aumenta o risco de trombose de veias renais. O aumento dos glóbulos vermelhos pode ser explicado pela hipoxemia crônica, que leva à maior produção renal de eritropoietina, com consequente aumento do número de eritrócitos. - A hiperbilirrubinemia, presente em 25 a 50% dos casos dos filhos de mães diabéticas, apresenta relação direta com a macrossomia e com a policitemia. - Os filhos de mães diabéticas apresentam incidência maior de afecções respiratórias. Entre essas, se destacam a doença das membranas hialinas, a hipertensão pulmonar persistente e a taquipneia transitória do RN. - A maior incidência da doença das membranas hialinas é explicada pela ação da hiperinsulinemia sobre o pulmão fetal, a qual reduz a síntese de surfactante pelos pneumócitos tipo II, pois o excesso de insulina inibe a síntese de enzimas que participam da síntese dos fosfolípides do surfactante. - A cardiomiopatia hipertrófica por depósito de glicogênio nas fibras do miocárdio aparece em 25 a 35% dos filhos de mães diabéticas, normalmente de caráter benigno e com regressão espontânea até o 6º mês de vida. Disfunção das células beta: - Células beta pancreáticas Ilhotas de Langerhans: armazenam e secretam insulina. - Disfunção: Produção excessiva e prolongada de insulina. - Resistência à insulina: Hiperglicemia. - Glicotoxicidade. - Resistência crônica à insulina: Ausência de resposta celular; translocação inadequada (GLUT 4); queda de 54% da captação. Redes Neuro-hormonais: - Regulação do apetite, gasto de energia e taxa metabólica; sinais centrais e periféricos; ciclo circadiano. - Leptina: Adipócitos; diminui apetite e aumenta gasto de energia; hiperleptinemia; placenta. - Adiponectina: Adipócitos; queda na DMG; limita o crescimento fetal. Abordagem clínica do RN: - O feto deve ser cuidadosamente avaliado por meio da ultrassonografia obstétrica, para o diagnóstico da vitalidade e detecção de alterações no crescimento (macrossomia ou retardo de crescimento intrauterino), bem como de malformações. - Uma vez indicada a resolução da gestação, o parto deve ser realizado em um local que possa oferecer os cuidados necessários à mãe e no qual os RN possam ser adequadamente monitorados para as complicações mais frequentes, dispondo de unidade de terapia intensiva (UTI) neonatal para quando for indicado. - Dos distúrbios metabólicos, a hipoglicemia é o mais comumente observado e temido nesses RN, ocorrendo entre a 1ª e a 5ª hora de vida. - Níveis glicêmicos devem ser aferidos precocemente por meio de fitas reagentes (Dextrostix®) já com 1 hora de vida, repetindo-se os controles com 3, 6, 12, 24 e 48 horas de vida. - O diagnóstico é feito quando se encontra um valor de glicemia capilar inferior a 40 mg/dL (ou inferior a 35 mg/dL no sangue. - A alimentação precoce nesses neonatos é fundamental, sendo iniciada sempre que possível até 3 horas de vida e com intervalos frequentes. Não se deve privá-lo do aleitamento materno, uma vez que o leite humano e o próprio colostro são muito ricos em glicose, além dos outros benefícios já conhecidos do aleitamento natural. - Uma vez feito o diagnóstico da hipoglicemia, independentemente da dieta enteral, deve-se iniciar o tratamento parenteral de imediato, com infusão intravenosa de glicose suficiente para suprir as necessidades metabólicas. - Quando os níveis glicêmicos forem inferiores a 25 mg/dL (independentemente de sintomatologia) ou menores que 35 mg/dL na presença de sintomas (tremores, cianose, má sucção, choro fraco), deve ser feita uma infusão rápida (push) de glicose a 10% – 2 mL/kg –, seguida da instalação de soro com velocidade de infusão de glicose (VIG) mínima de 4 mg/kg/minuto [seja para RN a termo (RNT), seja para pré-termo (RNPT)]. - Após uma hora da instalação do soro, realiza-se um novo controle da glicemia (fita reagente): havendo normalização, preconiza-se a manutenção da VIG durante o período mínimo de 12 horas, com controles subsequentes por fita em pelo menos 3 períodos diários (M/T/N). - Após esse período, com manutenção de níveis glicêmicos superiores a 60 mg/dL e assegurada uma alimentação adequada, inicia-se a redução gradual da VIG até uma infusão de 2 mg/kg/minuto para a suspensão. - Caso não haja normalização da glicemia, a VIG deverá ser progressivamente aumentada, mantendo-se os controles a cada hora, até a normalização. - Os menores níveis séricos de cálcio tipicamente ocorrem entre 24 e 72 horas de vida. Preconiza-se mesmo em RN assintomáticos a dosagem dos níveis séricos de cálcio e magnésio com 12 horas de vida. - Em casosconfirmados de hipocalcemia, mas assintomáticos, é extremamente controversa a necessidade ou não de tratamento, o qual seria feito com solução de gluconato de cálcio a 10% por via intravenosa ou oral. - A hipomagnesemia é definida como níveis séricos de magnésio inferiores a 1,5 mg/dL. De modo geral, é transitória, ocorre nos primeiros 3 dias de vida e está associada à hipocalcemia refratária. - A perda urinária de magnésio secundária ao diabete, com consequente hipomagnesemia materna, parece ser o fator causal dos baixos níveis de magnésio encontrados nestes RN. O tratamento também é controverso nos pacientes assintomáticos, pois há risco de superdosagem após a correção, causando hipotonia, torpor e apneia. - Quando indicado, o tratamento pode ser feito por via intramuscular ou endovenosa, com a solução de sulfato de magnésio disponível no serviço (10, 25 e 50%). - A policitemia é definida como hematócrito venoso acima de 65%, tem forte associação com a macrossomia e com a hipoglicemia de mais difícil controle e é responsável pelo aspecto pletórico, pelo maior risco à síndrome de hiperviscosidade sanguínea e tromboses venosas. - É fundamental manter o estado de hidratação desses neonatos na tentativa de evitar os fenômenos trombóticos. O tratamento é indicado somente em casos específicos: hipoglicemia refratária e de difícil controle (mesmo com VIG altas) e/ou evidências clínicas de obstrução vascular. - Faz-se uma exsanguinotransfusão parcial, na qual determinado volume de sangue é retirado e igual volume de solução fisiológica é infundido até que se tenha a redução do hematócrito venoso e melhora dos sintomas. - A hiperbilirrubinemia é mais intensa e prolongada, no entanto, os níveis de bilirrubina indireta indicativos de fototerapia respeitam os já utilizados para outros RN: levam em consideração o peso de nascimento, o número de horas de vida e a existência ou não de agravos. - As malformações congênitas permanecem como a maior causa de mortalidade perinatal (50% dos óbitos). - Dois terços das anomalias congênitas encontradas nestes RN envolvem o sistema cardiovascular ou o SNC. Sistema Cardiovascular: - As malformações cardíacas representam um dos tipos mais comuns associados ao efeito teratogênico da hiperglicemia na gestante diabética (3 a 6% destas gestações). - Os efeitos da hiperglicemia ocorrem nos estágios iniciais da cardiogênese, podendo levar a anomalias cardiovasculares maiores. - Nas fases mais tardias (2º/3º trimestre), o diabete pode causar a cardiomiopatia hipertrófica. - Esses casos ocorrem em 25 a 30% dos RN de mães diabéticas, sendo assintomáticos em 15% dos casos, benignos na maioria das vezes, resolvendo-se com a normalização dos níveis plasmáticos de insulina. - Em poucos casos pode haver disfunção miocárdica grave com sinais de baixo débito e prognóstico desfavorável. - O diagnóstico é feito pelo ecocardiograma e, habitualmente, os achados ecocardiográficos desaparecem após 6 a 12 meses. - Malformações estruturais: persistência do canal arterial em 70% dos casos, forame oval pérvio em 68%, estenose pulmonar em 1%, tetralogia de Fallot em 1% e transposição dos grandes vasos em 1%. Sistema Nervoso Central: - As mais comuns são os defeitos do tubo neural, tendo predominância no sexo feminino. - São elas: anencefalia, encefalocele, espinha bífida, hidrocefalia, microcefalia e síndrome de regressão caudal. Rins: - Hidronefrose, agenesia renal, cistos e duplicação ureteral. Trato Gastrointestinal: - Atresia de duodeno e reto, síndrome do cólon esquerdo curto. Sistema Respiratório: - Os distúrbios respiratórios representam a única morbidade neonatal estatisticamente significante. - A evolução é benigna em 95% dos casos, o que sugere, na maioria das vezes, tratar-se de uma adaptação respiratória pós-natal. - Os graus de insuficiência respiratória são variáveis e dependentes da etiologia, devendo-se enfatizar que a doença de membranas hialinas ocorre cinco vezes mais em RN filhos de mães diabéticas, quando comparados aos RN de mães saudáveis. - A etiologia e a gravidade dos sintomas são determinantes da conduta terapêutica: necessidades de oxigênio e maior suporte ventilatório [pressão positiva contínua de vias aéreas (CPAP) nasal, intubação orotraqueal (IOT), uso de surfactante exógeno], coletas seriadas de gasometria arterial, realização de radiografias seriadas etc. - O tocotraumatismo e as implicações são particularmente frequentes, em decorrência da macrossomia fetal presente em quase todos os casos. Prognóstico: - Como as repercussões do diabete materno não se limitam ao período perinatal, o acompanhamento ambulatorial desses RN é muito importante, sobretudo no 1º ano de vida, devendo-se acompanhar o crescimento ponderoestatural e neuropsicomotor (DNPM). - Os RN grandes para a idade gestacional (GIG) parecem ter maior risco para obesidade aos 7 anos de idade (40% dos casos)14: há associação entre macrossomia fetal/neonatal e obesidade futura. A exposição intrauterina à hiperglicemia e hiperinsulinemia, pode afetar o desenvolvimento do tecido adiposo e das células betapancreáticas, o que explicaria a obesidade no futuro. - A maior frequência para o desenvolvimento do diabete melito na vida adulta permanece controversa, ocorrendo em até 2% dos casos. Pode estar associada ao desenvolvimento de resistência periférica à insulina. - O hiperinsulinismo fetal e a hiperglicemia, contribuem para o aumento da ocorrência de síndrome metabólica no adulto.
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