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Psicologia.pt ISSN 1646-6977 Documento publicado em 04.03.2018 Maria Eduarda Cardoso Nunes Coutinho 1 facebook.com/psicologia.pt VIOLÊNCIA DOMÉSTICA CONTRA A MULHER: UMA QUESTÃO DE GÊNERO 2017 Maria Eduarda Cardoso Nunes Coutinho Graduanda em Psicologia pela Faculdade de Ciências Humanas de Olinda – FACHO (Brasil) E-mail de contato: dudisscardoso@gmail.com RESUMO O presente artigo é um estudo de revisão bibliográfica. Tem por objetivo promover uma ligação sobre as questões da desigualdade de gênero à violência doméstica sofrida por mulheres dentro da sociedade brasileira. Para a pesquisa foram realizadas consultas a artigos, livros e materiais de apoio, estes que foram publicados tendo como foco as discussões referentes ao tema. Foi possível observar que a violência doméstica que grande parte das mulheres brasileiras sofre tem suas raízes na desigualdade de gênero e no quadro de submissão que foi delegado às mulheres por parte da sociedade como um todo. Observou-se também que a Psicologia precisa da produção de conhecimento e olhar mais atento voltado para os casos de violência doméstica. Palavras-chave: Violência doméstica, gênero, psicologia social. Copyright © 2018. This work is licensed under the Creative Commons Attribution International License 4.0. https://creativecommons.org/licenses/by-nc-nd/4.0/ https://www.facebook.com/psicologia.pt mailto:dudisscardoso@gmail.com https://creativecommons.org/licenses/by-nc-nd/4.0/ Psicologia.pt ISSN 1646-6977 Documento publicado em 04.03.2018 Maria Eduarda Cardoso Nunes Coutinho 2 facebook.com/psicologia.pt 1. INTRODUÇÃO O fenômeno da violência tem caráter comum em diferentes classes sociais e culturas. Pode ser considerado como um elemento inserido dentro de todas as sociedades, onde se manifesta de diversas formas. A violência contra a mulher acarreta graves consequências, comprometendo como um todo a vida da vítima, deixando principalmente sequelas psicológicas e constituindo-se como uma atitude que fere os direitos humanos. A violência doméstica contra mulher tem sua manifestação baseada em diferentes campos, sendo os principais: física, psicológica, moral, sexual e patrimonial. (Lei n. 11340, 2006.) Na sociedade brasileira atual, os casos de violência contra a mulher sofrem intenso aumento, como mostra a pesquisa feita pelo Data Folha (2016) e publicada pelo jornal Folha de São Paulo (2017), onde os dados mostram que 503 mulheres foram vítimas de agressão física por hora no ano de 2016. As manchetes jornalísticas mostram, a cada dia, casos mais cruéis e premeditados, e por vezes mostram também a falha da justiça em punir de forma correta, sob a lei, os agressores. A questão de desigualdade de gênero pode ser um dos aspectos que influenciam na crescente recorrência e aprimoramento de casos de violência contra a mulher, destacando-se os casos de violência doméstica e o necessário posicionamento da Psicologia enquanto fonte de apoio para a mulher agredida. 2. A QUESTÃO DE GÊNERO Quando as pessoas nascem, são apresentadas a elas rumos para serem seguidos sobre o que é ser homem e o que é ser mulher. Essa definição de papéis está tão enraizada na sociedade, que não é percebida a sua reprodução e as consequências dela. Dentro dessa separação e desigualdade de orientações propostas para a formação do homem e da mulher, foi delegado para o homem o conceito de virilidade, de agressividade, de chefe do lar, enquanto para as mulheres foram delegadas a passividade, obediência, o cuidado dos filhos e da casa. O espaço doméstico fica conceituado como o espaço feminino (Saffioti, 1987). Nas sociedades patriarcais, definindo o patriarcado como um sistema que garante a subordinação feminina ao homem (Saffioti,1987), o conceito de família foi construído sobre a base da desigualdade entre os gêneros, já que a questão gênero não era considerada de importância tal que fosse abordada e discutida nas sociedades mais antigas. As famílias, e por consequência, as https://www.facebook.com/psicologia.pt Psicologia.pt ISSN 1646-6977 Documento publicado em 04.03.2018 Maria Eduarda Cardoso Nunes Coutinho 3 facebook.com/psicologia.pt sociedades se reproduziram em cima do discurso de inferiorização da mulher. Saffioti traz em seu livro: O poder do Macho (1987), a constatação de que a inferioridade da mulher foi atribuída socialmente, ou seja, a sociedade trouxe para a mulher o status de inferior, de fragilidade e tal processo foi naturalizado com o passar da história. Devido a naturalização da mulher enquanto ser frágil e subordinado, tornou-se gigante a violência de gênero. Werba e Strey (2001, p.72) definem tal violência como as “ações ou circunstâncias que submetem unidirecionalmente, física e/ou emocionalmente, visível e/ou invisivelmente as pessoas em função do seu sexo”. Com a naturalização desse processo de inferiorizar as mulheres, os homens tomaram posse não somente dos locais de poder em suas sociedades como também o poder sobre a autonomia de suas filhas e esposas. 3. A VIOLÊNCIA SOFRIDA PELAS MULHERES A violência doméstica está definida como “qualquer ação ou omissão baseada no gênero que lhe cause morte, lesão, sofrimento físico, sexual ou psicológico e dano moral ou patrimonial.” segundo a Lei 11.340 (2006), popularmente conhecida como Lei Maria da Penha. Dentro da sociedade brasileira, de acordo com Letícia Chagas e Arnaldo Toni Chagas (2017), a Constituição de 1824 e o Código Civil de 1916, colocavam a mulher como ser inferior de tal forma que necessitava da aprovação masculina para realizar qualquer coisa. (Chagas L. & Chagas T. A. 2017). Mesmo com a mudança posterior das questões de direitos civis das mulheres dentro da sociedade brasileira, não houve mudanças significativas sobre o papel da mulher dentro das esferas sociais da época e tais valores de submissão e passividade feminina acabaram por perdurar, o que pode ser lido como um aval velado aos homens para terem direitos totais sobre as mulheres ao seu redor, tornando a violência contra a mulher um caso privado e naturalizado. Mulheres de classe social elevada ou mulheres de baixa classe social são suscetíveis a sofrer de violência. O fato do fenômeno não ficar isolado a apenas um grupo de mulheres, leva a crer que a violência é propagada justamente pela desigualdade de gênero existente em todas as classes sociais, que reitera-se, coloca mulheres como seres inferiores aos homens de modo natural, e tal colocação como ser inferior, em muitos casos, passa despercebida. Segundo a pesquisa Mulheres Brasileiras nos Espaços Público e Privado (FPA/Sesc, 2010), no Brasil há a estimativa de que a cada dois minutos, cinco mulheres são espancadas. Entretanto, apesar de alarmante, pode-se acreditar que por vezes não é entendido o quão grave para a segurança feminina, tal dado é. Dentro da sociedade brasileira, é propagado através do senso comum o ditado popular de que em briga de marido e mulher não se mete a colher. Tal propagação pode acabar por https://www.facebook.com/psicologia.pt Psicologia.pt ISSN 1646-6977 Documento publicado em 04.03.2018 Maria Eduarda Cardoso Nunes Coutinho 4 facebook.com/psicologia.pt mascarar os relacionamentos abusivos e situações de violência doméstica como brigas singelas de casais, bem como a omissão perante situação de violência contra a mulher é passível de ser considerada uma conduta criminosa, conforme o Art. 6º da Lei 11.340 (2006). Entretanto, considerando Bravo (1994, apud Narvaz & Kooler, 2006), a agressão sofrida por mulheres não é um caso isolado, torna-se objeto de preocupação de toda a sociedade. Logo, sua manifestação pode ser considerada ampla e não está presa a apenas uma esfera da sociedade. Seja por medo de falar ou reagir, por medo de ser agredidapelo marido, pai ou figura masculina em geral, com o apresentado neste artigo, pode-se perceber que as mulheres passaram a calar-se e por demonstrarem uma aparente passividade com o ato de calar, tornaram-se também culpadas pela agressão sofrida. A falta de conhecimento quanto aos seus direitos, a vergonha, a dependência econômica do parceiro agressor e o ideal de família unida, podem levar a mulher a permanecer na relação abusiva (Narvaz G. M. & Koller H. S., 2006). Quando a mulher decide reagir a violência que sofre e fazer a denúncia contra o seu parceiro, ela precisa ser acolhida e ter os seus relatos ouvidos com cuidado e atenção. Para romper com a relação abusiva, pode-se acreditar que a mulher necessite de todo apoio que puder encontrar durante o caminho até recuperar sua dignidade e liberdade, a partir daí pode-se perceber a importância de uma postura séria e acolhedora da Psicologia para com as mulheres que sofrem agressões. 4. A PSICOLOGIA E A MULHER AGREDIDA A inserção da psicologia nas questões de enfrentamento a este tipo de violência abrem um leque enorme de possibilidades que visem trazer opções para as mulheres que sofrem, visto que a psicologia tem um olhar amplo e diferenciado das outras áreas que compõem esta rede de enfrentamento, como a área policial (Cordeiro & Rocha, 2014). Segundo Valeska Zanello (2016): A saúde mental com enfoque na questão de gênero é uma discussão que, dentro da Psicologia, vem ganhando espaço pela sua importância e urgência. Uma escuta de gênero que considere as particularidades do que é ser mulher em uma sociedade majoritariamente machista e que reconheça que as causas desse sofrimento são, na maioria das vezes, violências historicamente naturalizadas e invisibilizadas (Zanello, 2016, p. 12). https://www.facebook.com/psicologia.pt Psicologia.pt ISSN 1646-6977 Documento publicado em 04.03.2018 Maria Eduarda Cardoso Nunes Coutinho 5 facebook.com/psicologia.pt A situação de sofrimento psicológico enfrentada por essas mulheres, quando não escutado de forma séria, com um olhar voltado para cada caso, pode acentuar o sentimento de abandono e a desistência das mulheres em trabalhar em uma recuperação psicológica. Somos levados a crer que não é necessária apenas a assistência da Psicologia para com as mulheres vítimas de violência doméstica, mas também a produção de pesquisas e leituras que façam uma ponte entre a questão de desigualdade de gênero, violência e psicologia. 5. CONSIDERAÇÕES FINAIS Com o apontado no decorrer do artigo, podemos perceber que a mulher passou de ser significante nas sociedades, para ser submisso ao homem, o que propagou a desigualdade de gênero. Com a propagação da submissão feminina sendo repassada, as mulheres passaram a interiorizar tal condição de inferior. É possível pensar que a naturalização do patriarcado inferiorizando a mulher, tornou ela, de fato, inferior. A violência doméstica contra a mulher tem se mostrado acentuada dentro da sociedade brasileira. Para romper a permanência de tal violência, podemos entender que é necessária a quebra da desigualdade de gênero e dos valores patriarcais como base da sociedade, tendo por objetivo implantar o debate contra a naturalização dessa violência e ação efetiva sobre os casos de crimes cometidos contra mulheres. Logo, a Psicologia como um todo, principalmente a Psicologia Social deve olhar para estas mulheres que usam de resistência para ir contra o poder de dominação que sofrem e também para as que se encontram em estado de submissão, com um olhar de respeito, podendo transmitir um bom atendimento e confiança para as mulheres que sofrem, e por terem um lugar onde se sintam ouvidas e respeitadas e por consequência protegidas, elas possam romper com a situação abusiva. https://www.facebook.com/psicologia.pt Psicologia.pt ISSN 1646-6977 Documento publicado em 04.03.2018 Maria Eduarda Cardoso Nunes Coutinho 6 facebook.com/psicologia.pt REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS Brasil. Lei n. 11.340, de 7 de agosto de 2006 (2006). Cria mecanismos para coibir a violência doméstica e familiar contra a mulher, nos termos do § 8o do art. 226 da Constituição Federal, da Convenção sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação contra as Mulheres e da Convenção Interamericana para Prevenir, Punir e Erradicar a Violência contra a Mulher; dispõe sobre a criação dos Juizados de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher; altera o Código de Processo Penal, o Código Penal e a Lei de Execução Penal; e dá outras providências. Lex: Casa Civil da Presidência da República, Brasília, p.1, agosto, 2006. Chagas, L.; Chagas, T. A. A posição da mulher em diferentes épocas e a herança social do machismo no Brasil. Psicologia.pt – o portal dos psicólogos. 2017, p.1-8. Disponível em: <http://www.psicologia.pt/artigos/textos/A1095.pdf> Acesso em: 20 nov. 2017 Cordeiro, R. L. M.; Rocha, L. L. C. Inserção da psicologia na rede de enfrentamento à violência contra mulheres no Grande Recife –PE. In: ENCONTRO DA REDE FEMINISTA NORTE E NORDESTE DE ESTUDOS E PESQUISA SOBRE MULHER E RELAÇÕES DE GÊNERO, 18. Recife, 2014. Anais… UFRPE, 2014. p. 1052-1068. Disponível em: <http://www.ufpb.br/evento/lti/ocs/index.php/18redor/18redor/paper/viewFile/2022/693> Acesso em: 20 nov. 2017 Datafolha. 1 em 3 brasileiras diz ter sido vítima de alguma violência. Folha de São Paulo, São Paulo, p. 1b, 08 mar. 2017. Disponível em: <http://acervo.folha.uol.com.br/fsp/2017/03/08/871//6047244> Acesso em: 20 nov. 2017 Fundação Perseu Abramo; SESC. Mulheres brasileiras e gênero nos espaços público e privado. Ago. 2010. Disponível em: <http://csbh.fpabramo.org.br/node/7241> Acesso em: 20 nov. 2017 Narvaz G. M.; Koller S. H. Mulheres vítimas de violência doméstica: compreendendo subjetividades assujeitadas. Rio Grande do Sul: PSICO, v. 37, n. 1, 2006, p. 7-13, Disponível https://www.facebook.com/psicologia.pt http://acervo.folha.uol.com.br/fsp/2017/03/08/871/6047244 http://csbh.fpabramo.org.br/node/7241 Psicologia.pt ISSN 1646-6977 Documento publicado em 04.03.2018 Maria Eduarda Cardoso Nunes Coutinho 7 facebook.com/psicologia.pt em: <http://revistaseletronicas.pucrs.br/ojs/index.php/revistapsico/article/view/1405/1105> Acesso em: 19 nov. 2017 Saffioti, H. O poder do macho. São Paulo: Moderna, 1987. 120 p. Werba, G. C.; Strey, M. N. Longe dos olhos, longe do coração: ainda a invisibilidade da violência contra a mulher. In: Grossi P. K.; Werba G.C. (Orgs.) Violências e gênero: Coisas que a gente não gostaria de saber. Porto Alegre: Edipucrs. 2012, p. 71-82. Zanello, V. Saúde Mental e o Gênero: o adoecimento psíquico e as violências https://www.facebook.com/psicologia.pt
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