Baixe o app para aproveitar ainda mais
Prévia do material em texto
‘ DOCÊNCIA EM SAÚDE ATENÇÃO FARMACÊUTICA AO PACIENTE DIABÉTICO 1 Copyright © Portal Educação 2013 – Portal Educação Todos os direitos reservados R: Sete de setembro, 1686 – Centro – CEP: 79002-130 Telematrículas e Teleatendimento: 0800 707 4520 Internacional: +55 (67) 3303-4520 atendimento@portaleducacao.com.br – Campo Grande-MS Endereço Internet: http://www.portaleducacao.com.br Dados Internacionais de Catalogação na Publicação - Brasil Triagem Organização LTDA ME Bibliotecário responsável: Rodrigo Pereira CRB 1/2167 Portal Educação P842a Atenção farmacêutica ao paciente diabético / Portal Educação. - Campo Grande: Portal Educação, 2013. 77p. : il. Inclui bibliografia ISBN 978-85-8241-816-1 1. Diabetes – Medicamentos. 2. Diabetes Mellitus. I. Portal Educação. II. Título. CDD 616.462 2 SUMÁRIO 1 INTRODUÇÃO ................................................................................................................................. 8 2 DIABETES MELITO ........................................................................................................................ 9 2.1 HISTÓRIA DO DIABETES MELITO .............................................................................................. .9 2.2 EPIDEMIOLOGIA ......................................................................................................................... 13 2.2.1 Realidade Mundial ..................................................................................................................... 14 2.2.2 Diabetes no Brasil ...................................................................................................................... 14 2.2.3 Importância social ...................................................................................................................... 16 2.3 CLASSIFICAÇÃO ......................................................................................................................... 17 2.3.1 Diabetes melito tipo um.............................................................................................................. 17 2.3.2 Diabetes melito tipo dois ............................................................................................................ 18 2.3.3 Diabetes melito gestacional (DMG) ........................................................................................... 18 2.3.4 Outros tipos de DM .................................................................................................................... 19 3 DIAGNÓSTICO ................................................................................................................................ 21 3.1 DETECÇÃO PRECOCE ............................................................................................................... 21 3 3.2 SINAIS E SINTOMAS DO DM ...................................................................................................... 21 3.3 FATORES DE RISCO PARA O DM .............................................................................................. 22 3.4 DIAGNÓSTICO DO DM ................................................................................................................ 23 3.5 DIAGNÓSTICO DO DIABETES GESTACIONAL ......................................................................... 23 3.5.1 Fatores de risco para o diabetes gestacional ............................................................................. 24 3.6 RASTREAMENTO DO DM ........................................................................................................... 24 4 FISIOPATOLOGIA .......................................................................................................................... 26 4.1 PÂNCREAS ENDÓCRINO ........................................................................................................... 26 4.2 SECREÇÃO DE INSULINA .......................................................................................................... 27 4.2.1 Fatores estimulantes .................................................................................................................. 27 4.2.2 Fatores inibidores ...................................................................................................................... 28 4.3 AÇÕES DA INSULINA .................................................................................................................. 29 4.3.1 Resistência à insulina ................................................................................................................ 30 5 COMPLICAÇÕES DIABÉTICAS ..................................................................................................... 32 5.1 COMPLICAÇÕES AGUDAS DO DM ............................................................................................ 32 4 5.2 COMPLICAÇÕES CRÔNICAS DO DM ........................................................................................ 32 5.2.1 Microangiopatias ........................................................................................................................ 33 5.2.2 Macroangiopatias ....................................................................................................................... 33 5.2.3 Neuropatia diabética .................................................................................................................. 33 5.2.3.1 Classificação clínica ................................................................................................................ 34 6 TERAPÊUTICA ............................................................................................................................... 35 7 CRENÇAS E MITOS ....................................................................................................................... 36 8 ORIENTAÇÃO DIETÉTICA ............................................................................................................. 37 9 EXERCÍCIOS FÍSICOS ................................................................................................................... 39 10 EDUCAÇÃO .................................................................................................................................. 41 11 TERAPÊUTICA MEDICAMENTOSA............................................................................................. 42 12 SENSIBILIZADORES DE INSULINA ............................................................................................ 45 12.1 BIGUANIDAS .............................................................................................................................. 45 12.1.1 Indicações e eficácia ................................................................................................................ 45 12.1.2 Restrições de uso e contraindicações...................................................................................... 46 5 12.2 GLITAZONAS ............................................................................................................................. 46 12.2.1 Indicações e Eficácia ............................................................................................................... 46 12.2.2 Restrições de uso e contraindicações...................................................................................... 47 13 SECRETORES DE INSULINA ...................................................................................................... 48 13.1 INDICAÇÕESE EFICÁCIA ......................................................................................................... 49 13.2 RESTRIÇÕES DE USO E CONTRAINDICAÇÕES .................................................................... 49 14 INIBIDORES DE ALFAGLICOSIDASES ....................................................................................... 50 14.1 INDICAÇÕES E EFICÁCIA ......................................................................................................... 50 14.2 RESTRIÇÕES DE USO E CONTRAINDICAÇÕES .................................................................... 50 15 INSULINAS.................................................................................................................................... 51 15.1 VIAS DE ADMINISTRAÇÃO ....................................................................................................... 52 15.1.1 Subcutânea .............................................................................................................................. 52 15.1.2 Intravenosa .............................................................................................................................. 53 15.1.3 Intramuscular ........................................................................................................................... 53 15.2 PREPARAÇÃO DA INSULINA .................................................................................................... 54 6 15.2.1 Condições que alteram a absorção ......................................................................................... 54 15.2.2 Aplicação de insulina ............................................................................................................... 55 15.3 INÍCIO DO TRATAMENTO ......................................................................................................... 56 15.3.1 Esquemas terapêuticos............................................................................................................ 56 15.4 COMPLICAÇÕES DA INSULINOTERAPIA ................................................................................ 58 15.4.1 Alergia à insulina e resistência à insulina ................................................................................. 58 15.4.2 Hipoglicemia ............................................................................................................................ 58 15.4.3 Hiperglicemia ........................................................................................................................... 59 15.4.4 Fenômeno do Alvorecer (Dawn Phenomenon) e Efeito Somogyi ............................................ 59 16 OUTROS FÁRMACOS .................................................................................................................. 61 17 NOVAS PERSPECTIVAS.............................................................................................................. 62 18 ATENÇÃO FARMACÊUTICA ....................................................................................................... 63 18.1 METODOLOGIA DÁDER ............................................................................................................ 63 18.2 OFERECIMENTO DO SERVIÇO ................................................................................................ 65 18.3 REGISTRO DE PROCEDIMENTOS ........................................................................................... 65 7 18.4 COLETA DE DADOS .................................................................................................................. 65 18.5 DETECÇÃO DE PRMs ............................................................................................................... 66 18.6 INTERVENÇÃO FARMACÊUTICA ............................................................................................. 67 18.7 ORIENTAÇÃO FARMACÊUTICA ............................................................................................... 69 18.8 ACOMPANHAMENTO FARMACOTERAPÊUTICO .................................................................... 70 18.9 PARÂMETROS DE CONTROLE ................................................................................................ 70 18.9.1 Hemoglobina glicada (HbA1c) ................................................................................................. 71 18.10 AVALIAÇÃO DA ADESÃO TERAPÊUTICA .............................................................................. 72 18.11 PREVENÇÃO DAS COMPLICAÇÕES DIABÉTICAS ............................................................... 72 18.12 OBSERVAÇÕES IMPORTANTES ............................................................................................ 73 19 CONCLUSÃO ................................................................................................................................ 76 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS .................................................................................................. 77 8 1 INTRODUÇÃO O Diabetes Melito (DM) constitui-se em um dos mais sérios problemas de saúde na atualidade. Apresenta-se como um dos principais fatores de risco para doenças cardiovasculares (principal causa de morbimortalidade), envolvendo alto custo no seu controle e tratamento de suas complicações. Este caderno contém informações necessárias para o acompanhamento farmacoterapêutico do paciente diabético conforme preconizam os conceitos de Atenção Farmacêutica. Entretanto, a proposta é que não seja uma receita única de como fazer, mas sim um guia para a execução do serviço. Na prática diária cada profissional poderá desenvolver a sua forma de executar tal tarefa, visto que há diversos aspectos envolvidos, relativos ao DM, ao farmacêutico, aos recursos disponíveis e ao paciente. A Atenção Farmacêutica ao paciente diabético exige conhecimentos diversos que se estendem além da farmacologia dos agentes antidiabéticos. Considerando que se trata de uma doença crônica, multifatorial e progressiva, cada paciente necessita de uma avaliação individual do seu estado de saúde para a escolha do tratamento adequado. Essa avaliação também leva em conta aspectos socioculturais do paciente, visto que é essencial educá-lo para que ele se transforme no principal agente do seu tratamento. Inicialmente, estão dispostas informações sobre o DM desde a sua história até a sua terapêutica. Posteriormente, encontram-se conceitos sobre atenção farmacêutica e a utilização da metodologia Dáder para o acompanhamento farmacoterapêutico do paciente diabético. Há discussões e observações importantes sobre os problemas mais frequentes constatados durante esse acompanhamento, relativos ao paciente, ao tratamento e aos riscos na utilização de fármacos. A avaliação será feita sob a forma de casos clínicos em consonância com os objetivos do curso. O conteúdo apresentado é suficiente para que se conheça o que é diabetes, como se controla e se previne complicações, enfim, para que se compreenda o contexto exato da conduta adequada a cada paciente. Apesar da grande quantidade de informações, à medida que se estuda o assunto vê-se que todas elas são relevantes e certamente servirão de base para o farmacêutico, na educação do paciente e no entendimento da terapêutica. O Diabetes Melito é mais bem definido como um conjunto de síndromes de caráter 9 progressivo que envolve diversas áreas da ciência médica para o seu controle. Compreende-se, por isso, tratar-se de um assunto abrangente. 2 DIABETES MELITO O DM é uma síndrome de etiologia múltipla, resultante da falta parcial ou absoluta de insulina e/ou da incapacidade dela exercer de forma adequada os seus efeitos nos tecidos-alvo. Tais deficiências são originadas da redução da secreção pancreática de insulina. Constantemente apresenta-se acompanhada dedislipidemia, hipertensão arterial e disfunção endotelial. A característica fundamental é a hiperglicemia crônica além do metabolismo alterado de carboidratos, lipídeos e proteínas. O termo “Diabetes” deriva da palavra grega diabétés, que significa “sifão” e indica passagem “através de” para denotar abundante produção de urina observada em pacientes diabéticos. O termo “Melito” originário da palavra grega mellitus (“com mel”) foi acrescentado posteriormente para distinguir a doença do diabetes insípido, causada por deficiência do hormônio antidiurético. O estado hiperglicêmico mantido provoca complicações agudas e crônicas conforme o tempo e os níveis de glicose circulantes. As complicações agudas variam de acordo com a classificação do diabetes (tipo um ou tipo dois) e podem ser graves ou até fatais. As consequências desse estado, em longo prazo, provocam alterações micro e macrovasculares e neuropáticas, originando danos a tecidos, órgãos e nervos. O diabetes é uma enfermidade crônica que requer cuidado clínico contínuo e educação, para a prevenção de complicações agudas e para a redução do risco de complicações. Indivíduos diabéticos frequentemente usam variados tipos de medicamentos e necessitam de orientação adequada quanto à utilização dos mesmos. Nesse contexto, o farmacêutico pode se integrar à equipe contribuindo para o uso adequado de medicamentos, a prevenção das complicações diabéticas e a educação do paciente. 2.1 HISTÓRIA DO DIABETES MELITO 10 Trata-se de uma doença conhecida há mais de 3.000 anos pelos egípcios, mas foram dois médicos romanos, Arateus e Celsus (entre 30 e 90 anos da era cristã) que a denominaram diabetes. Cullen (1709 – 1790) acrescentou ao termo diabetes o adjetivo mellitus para distinguir a doença do diabetes insípido. No Brasil, essas expressões foram adaptadas para Diabetes Melito cujo significado, evidentemente é “sifão de mel”. O papiro Ebers, documento médico egípcio escrito cerca de 1.500 a.C., faz referência a uma doença caracterizada por emissão frequente e abundante de urina. O médico romano Celsus (30 anos a.C. até o ano 50 da era cristã), descreveu o diabetes como “uma poliuria indolor, mas com emagrecimento extremo e perigoso”. Arateus, médico romano (ano 30 – 90 da era cristã), descreveu uma doença cujos principais sintomas eram eliminação copiosa de urina (poliuria), sede incontrolável (polidipsia) e fraqueza (poliastenia) atribuindo-a a influências perniciosas que afetariam a bexiga e os rins. Observou ainda que, frequentemente, pessoas que apresentavam esses sintomas entravam em coma antes da morte. Estava consciente da gravidade daquele estado cuja falta de energia corporal não se revertia com farta alimentação. No século VI, os hindus relataram detalhadamente alguns sintomas da doença, mencionando, pela primeira vez, o sabor adocicado da urina, a qual denominaram madhumeda (urina doce). Avicena (980 – 1.027) atribuiu a perda das funções sexuais como um dos sintomas do diabetes. Pensava que o fígado estivesse comprometido nessa enfermidade e relacionou o furúnculo e a tuberculose como complicações frequentes da doença, mencionando a gangrena diabética e o sabor adocicado da urina. Willis (1621 – 1675) relacionou o diabetes a uma doença do sangue e distinguiu o diabetes melito do diabetes insípido. Brüner, em 1682, observou que a retirada do pâncreas provocava poliuria e polidipsia, sem, contudo, correlacionar este achado com o diabetes. Em 1788, Cawley estabeleceu a correlação entre diabetes e pâncreas ao observar, durante a autópsia de um diabético, a destruição desse órgão. Já em 1796, Rollo, médico pioneiro na proposta de restrição dietética para o tratamento de diabetes, identificou em um paciente, o hálito cetônico (“maçã passada”). Chevreul, em 1815, observou a relação de identidade entre o açúcar da urina dos diabéticos e o açúcar de uva, ao qual Peligot, em 1838, atribuiu o nome de glicose. 11 Von Fehling, em 1848, elaborou o reagente que tomou o seu nome, para a pesquisa de glicose na urina. Bouchardat (1806 – 1886) introduziu métodos de fermentação e redução do cobre para a pesquisa da glicose na urina. Valorizou a dieta no tratamento do diabetes, enfatizando a restrição de carboidratos e aconselhando a substituir a gordura, o álcool e os vegetais verdes. Recomendava, além disso, dias de jejum. Petters, em 1857, identificou a acetona na urina, em um caso de coma diabético, sendo Kussmaul em 1874, quem registrou a presença no sangue. A função glicogênica do fígado, considerada uma secreção interna, foi descoberta por Claude Bernard (1813 – 1878), que acabou por determinar que o diabetes apresentava um excesso de produção de açúcar por aquele órgão, demonstrando a importância do sistema nervoso na regulação da glicemia. Cantani (1837 -1893) adotou a restrição dietética e o jejum no tratamento do diabetes. A ele atribui-se a frase: “os remédios para o diabético devem ser procurados na quitanda e não na farmácia”. Langerhans, em 1869, observou estruturas celulares pancreáticas, às quais deu o nome de ilhotas, originando o nome ilhotas de Langerhans. Entretanto, na época, confundindo- as com gânglios linfáticos. Lancewraux e Lapièrre, em 1877, relataram a atrofia pancreática no diabetes. Pavy (1829 – 1911) percebeu a relação entre o nível de glicemia o grau de glicosúria e elaborou uma solução para a determinação de glicose na urina. A expressão “acidose”, para designar o aumento de corpos cetônicos no organismo, foi criada por Nauyn, em 1886. Analisando a importância do pâncreas na digestão das gorduras, os cirurgiões Mering e Minkowski, em 1889, constataram que, no cão, a retirada do órgão causava sintomas semelhantes ao do diabetes humano. A dieta da aveia foi criada por Von Noorden em 1985 e é considerada revolucionária no tratamento do diabetes. A correlação entre a degeneração das ilhotas de Langerhans e o diabetes foi estabelecida por Opie, em 1900, assim como o reconhecimento de função endócrina e a diferenciação do tecido acinoso pancreático. A obtenção de um extrato de ilhotas foi considerada possível, por meio da ligadura dos 12 canais excretores do pâncreas, resultando na atrofia do tecido acinoso. Tal extrato possivelmente poderia ser utilizado no tratamento de diabéticos. Esse feito atribui-se a Sobbolew e Schulze em 1902. Em 1907, Lane diferenciou pela primeira vez as células alfa das células beta nas ilhotas de Langerhans. O experimento de Massiglia, em 1912, comprovou que a glicosúria observada no diabetes deve-se à destruição das ilhotas de Langerhans e não do tecido acinoso do pâncreas. Fez tentativas de tratamento do diabetes com extratos desse órgão. Banting e Best, no ano de 1921, conseguiram descobrir e isolar a insulina, denominada na época por isletina em razão de sua origem nas ilhotas de Langerhans. Partiram do pressuposto que a secreção das ilhotas poderia ser destruída pela secreção do tecido acinoso. Esses pesquisadores experimentaram o extrato obtido, insulina, em cães pancreactomizados, melhorando consideravelmente os sintomas da doença. A descoberta da insulina representa a maior conquista para o tratamento da doença. Banting recebeu o Prêmio Nobel de Medicina pela descoberta. A primeira injeção de insulina foi realizada em 11 de janeiro de 1922 em um homem chamado Leonard Thompson, com finalidade terapêutica. A correlação entre hipófise e pâncreas foi demonstrada por meio de hipofisectomia e melhora do diabetes; e injeção de extratos hipofisários com agravamento da doença. Experimento realizado por Houssay e seus colaboradores em 1929 e que lhe valeu o Prêmio Nobel de Fisiologia. A retirada das glândulas suprarrenais de cães e gatos pancreatectomizados promove a melhora do diabetes. Fato comprovado por Long e Lukens, em 1936. A insulinasob a forma cristalina foi obtida em 1926 por Abel. O grupo de pesquisa dinamarquês de Hagerdorn, em 1936, foi o primeiro a obter um efeito prolongado da insulina por meio da ligação a uma proteína extraída do esperma de um tipo de peixe. Isso proporcionava a redução do número de injeções diárias necessárias ao tratamento. O efeito foi prolongado ainda mais com a adição de zinco à insulina/protamina, por Scott e Fisher no mesmo ano. No ano de 1937, Young, em continuidade aos trabalhos de Houssay, constatou que as injeções de doses elevadas de extrato do lobo anterior da hipófise, provocaram diabetes permanente em animais. 13 A injeção da substância aloxânio, em pesquisa realizada por Dunn, Sheehhan e McLetchie, em 1943, causou diabetes em animais, pela destruição específica das células beta do pâncreas. A insulina NPH (insulina, neutra, protamina de Hagerdorn, nome dado em homenagem ao pesquisador dinamarquês Hagerdorn) foi sintetizada por Krayebhul e Rosemberg em 1946, que proporcionou um avanço extraordinário na terapêutica insulínica. Hallas-Möller, entre 1951 e 1952, e seus colaboradores obtiveram as insulinas lentas, pela revisão da interação insulina-zinco, tornando-se desnecessária a adição de qualquer outra substância. A obtenção do glucagon sob a forma cristalina ocorreu em 1953, por Staub e colaboradores. O efeito hipoglicemiante das sulfonilureias foi redescoberto por Frank e Fuchs, ocasião em que foram elaboradas diversas drogas desse grupo de medicamentos. Unger, no ano de 1957, contribuiu para a obtenção das biguanidas, posteriormente banida do arsenal terapêutico devido a reações adversas graves. A insulina tem sua configuração química conhecida, descoberta por Sanger, em 1959, fato que lhe valeu o Prêmio Nobel de Química. A elaboração de insulinas purificadas e pouco imunogênicas, obtidas por meio de processos eletroforéticos e cromatográficos, fora realizada simultaneamente por dois grupos de pesquisa: o Schlichkrull (dinamarquês) e o Galloway (americano). A Dinamarca passou a produzir em escala industrial insulinas altamente purificadas, praticamente abolindo problemas decorrentes do uso como: lipodistrofia, alergia e resistência à insulina. Por meio da técnica de DNA recombinante, um grupo de pesquisadores de Boston, em 1977, e o grupo californiano, no ano seguinte, conseguiram a produção de insulina de rato e de insulina humana. A partir daí, por meio da técnica de DNA recombinante, aboliu-se as reações imunológicas com a utilização de insulinas humanas. 2.2 EPIDEMIOLOGIA O crescimento da incidência de diabetes no mundo preocupa as autoridades de saúde 14 de modo a considerá-la um grave problema de saúde pública. Tal fato levou a Organização Mundial da Saúde a classificar essa doença como epidemia emergente. A evolução tecnológica contribui, de forma decisiva, para a propagação de hábitos alimentares inadequados e ao sedentarismo, levando milhões de pessoas à obesidade. Essas circunstâncias, somadas ao estresse da vida moderna, acarretam o desenvolvimento do DM. 2.2.1 Realidade Mundial Dados atuais apontam para 171 milhões de pessoas portadoras de diabetes no mundo. Estimativas indicam que esse número será maior que o dobro em 2030; A incidência de DM na população em geral varia de 8% a 14%. Em faixas etárias acima de 60 anos cresce de 17% a 30%; Por volta de 3,2 milhões de mortes ocorridas a cada ano são atribuídas ao diabetes, isso equivale a seis mortes por minuto; A lista dos países que possuem maior número de doentes inclui: Índia, China, Estados Unidos da América, Indonésia, Japão, Paquistão, Rússia, Brasil, Itália e Bangladesh. Custos diretos para o tratamento do diabetes variam de 2,5% a 15% do orçamento da saúde, dependendo do local de prevalência e da sofisticação dos meios disponíveis para o tratamento. 2.2.2 Diabetes no Brasil No Brasil, o DM destaca-se dentre os principais agravos de saúde, pelo aumento da sua prevalência e pelas consequências a ele associadas. Há projeções para uma população de 11 milhões de diabéticos em 2010 no país. Dados do estudo multicêntrico de diabetes demonstraram uma taxa de prevalência de 7,6% na população de 30 a 69 anos. A tendência da taxa de prevalência de diabetes melito é 15 ascendente. Na maioria dos locais, um dos principais fatores a ser considerado nessa tendência é o envelhecimento progressivo da população. Um aspecto interessante é a importância da dieta alimentar como determinante no desenvolvimento do diabetes. Estudos com emigrantes japoneses e seus descendentes, nos EUA e no Brasil, indicam diferenças no perfil epidemiológico de morbimortalidade ao encontrado no país de origem. Tal fato se deve à adoção dos hábitos alimentares ocidentais. Alimentação japonesa constituída de soja e seus derivados, peixe e chá verde têm sido associados a fatores de proteção para doença isquêmica do coração e possivelmente diabetes. O Ministério da Saúde apresenta a taxa de 7,6% (1987) de prevalência na população brasileira. A dificuldade na atualização desses dados é pela frágil estrutura para realização de inquéritos populacionais, abrangentes e periódicos. Estudos amostrais são caros e necessitam de locais de apoio, examinadores capacitados, além de materiais, possibilidade de processamento e análise de dados. Para que se tenha uma ideia da variabilidade dos índices de prevalência, apresentamos, a seguir, uma tabela de algumas capitais brasileiras e suas respectivas taxas de prevalência de DM. FIGURA 1 - TAXA ESTIMADA DE PREVALÊNCIA DE DIABETES MELITO, AJUSTADA POR IDADE, NA POPULAÇÃO DE 30 A 69 ANOS, PARA O BRASIL E ALGUMAS CAPITAIS BRASILEIRAS, NO ANO DE 1988 Local Taxa (%) Brasil 7,60 Brasília 5,22 Belém 7,16 Fortaleza 6,48 João Pessoa 7,95 Recife 6,42 Salvador 7,87 Rio de Janeiro 7,47 São Paulo 9,66 Porto Alegre 8,89 FONTE: Estudo multicêntrico sobre a prevalência do diabetes melito no Brasil (BRASIL, 1991). 16 A variação das taxas de prevalência sugere que diversos fatores podem interferir no desenvolvimento do DM, como hábitos de vida, condições ambientais e hereditariedade. A obtenção desses dados é fundamental para o planejamento das intervenções em saúde de forma eficaz e objetiva. 2.2.3 Importância social O DM é um preocupante problema de saúde pública, uma vez que dados epidemiológicos atingem proporções epidêmicas, associados a complicações que prejudicam a qualidade de vida, a sobrevida e a capacidade produtiva das pessoas. Envolve altos custos para o seu controle metabólico e cuidado com suas complicações. Abaixo, estão os dados mais relevantes sobre a importância do DM no contexto da saúde pública: Principal motivo de amputações de membros inferiores; Principal causa de cegueira adquirida; Cerca de 30% dos pacientes que se internam em Unidades Coronarianas Intensivas com dor precordial são diabéticos; É a sexta causa mais frequente de internação hospitalar como diagnóstico primário e é responsável (30% a 50%) por outras causas como cardiopatia isquêmica, insuficiência cardíaca, colecistopatias, acidente vascular cerebral e hipertensão arterial; Por volta de 26% dos pacientes dos programas de hemodiálise são portadores de DM. Doença frequentemente assintomática na fase inicial, debilitante, leva a complicações graves, permanentes e até fatais. Não raro, na ocasião do diagnóstico o paciente já se encontra com lesões permanentes como insuficiência renal, visual, vascular e/ou muitas outras. Em vista disso é necessário priorizar a prevenção e o diagnóstico precoce como medidas fundamentais para reduzir a morbimortalidade dos pacientes diabéticos. 17 2.3 CLASSIFICAÇÃO A classificação do DM está fundamentada na etiologia e não na terapêutica,como era anteriormente. Em vista disso, não se usa mais as expressões DM insulinodependente (IDDM) e não insulinodependente (NIDDM). A utilização de insulina como referência para a classificação gerava dúvidas em razão de existir circunstâncias em que ela é utilizada em pacientes que ainda produzem esse hormônio. O DM classifica-se em diabetes tipo um e dois, o gestacional e seis outros tipos menos frequentes: 2.3.1 Diabetes melito tipo um DM tipo um surge pela destruição das células beta produtoras de insulina, causada por uma resposta autoimune ou por causa desconhecida. Caracteriza-se por uma deficiência absoluta na produção de insulina. A forma que se instala mais rapidamente tem incidência maior em crianças e adolescentes. Em adultos, ela ocorre de forma mais lentamente progressiva e é conhecida como diabetes latente autoimune do adulto (LADA). A hiperglicemia permanente se manifesta quando 90% das ilhotas são destruídas. Dessa forma, o tratamento do DM tipo um, obrigatoriamente, tem que ser feito por meio da insulinoterapia. Uma característica marcante dos diabéticos tipo um é que esses têm tendência à cetose, podendo a cetoacidose diabética ser a manifestação inicial da doença em até 30% dos casos. O DM tipo um ocorre mundialmente com uma incidência bastante variável (corresponde a taxas entre 5% e 10% dos casos). Mostra-se mais comum na Finlândia, num patamar de 30 para cada 100.000 pessoas ao ano, e menor no Japão, com cinco para cada 100.000 pessoas ao ano. Nos Estados Unidos, a incidência anual é de aproximadamente 15 para 100.000 crianças, com uma prevalência de 2-3 para 1.000. No Brasil, a estimada incidência anual é de 8,4 para 100.000. A doença predomina em crianças e adolescentes com cerca de 18 80% dos casos surgindo antes dos 18 anos e, nos Estados Unidos, a idade pico para o diagnóstico situa-se entre 10 e 14 anos. Contudo, pode surgir em qualquer idade. As causas do DM tipo um ainda não estão inteiramente definidas. São encontrados vários fatores que estão ligados ao diabetes tipo um; incluem-se, entre eles, a suscetibilidade genética, os autoanticorpos, infecções virais (rubéola, caxumba e Coxsackie B4), o leite de vaca utilizado em crianças abaixo de dois anos e os radicais livres do oxigênio. 2.3.2 Diabetes melito tipo dois Doença insidiosa, predominantemente assintomática na fase inicial. Responsável por 80% a 90% dos casos de diabetes. Caracteriza-se pela resistência à insulina (diminuição da capacidade da insulina exercer os seus efeitos) acompanhada de redução da capacidade secretora das células beta. É diagnosticada frequentemente a partir dos 40 anos de idade. Existem formas menos comuns de DM tipo dois, tais como o de início precoce (que se manifesta entre os 25 e 40 anos). Além disso, nos últimos anos, tem havido em alguns países, como os Estados Unidos, um aumento dramático e quase exponencial na incidência do DM tipo dois em crianças e adolescentes. Tal fato parece estar diretamente relacionado a um aumento na taxa de obesidade nesse grupo. Doença cujos pacientes apresentam acidose apenas em ocasiões especiais, como em infecções graves. Estados hiperglicêmicos tendem ao coma hiperosmolar. Dentre as causas do DM tipo dois, o fator hereditário é mais determinante que no tipo um. Aliada a isso, ocorre uma forte evidência da influência decisiva com obesidade e sedentarismo. Estimativas apontam que 60% a 90% dos diabéticos tipo dois sejam obesos. 2.3.3 Diabetes melito gestacional (DMG) O diabetes gestacional é a alteração dos níveis glicêmicos que aparece ou é detectada pela primeira vez na gravidez. É definido como qualquer grau de intolerância à glicose com início ou detecção durante a gravidez. Habitualmente reverte após o parto, mas tende a recorrer em 19 gravidezes subsequentes. As gestantes com DMG estão sujeitas a complicações obstétricas, principalmente polidrâmnio, toxemia gravídica e ruptura prematura de membranas amnióticas e a uma maior frequência de parto cesárea. Além disso, há aumento do risco para desenvolverem no futuro DM tipo um e, sobretudo, tipo dois, bem como dislipidemia e hipertensão – aumento da morbidade e mortalidade perinatal também são encontrados. Macrossomia (peso > quatro quilos) é a anormalidade fetal mais característica, sendo observada em até 30% dos casos; pode predispor a traumas obstétricos e distocia de ombro se o parto for por via transvaginal. As causas do DMG são semelhantes às do DM tipo dois. A seguir, estão relacionados os fatores de risco para essa síndrome: Idade superior a 25 anos; Ganho excessivo de peso ou obesidade na gravidez atual; Aumento excessivo de gordura visceral; Parentes de 1º grau com diabetes; Baixa altura (1,50 m); Crescimento fetal excessivo, hipertensão ou pré-eclâmpsia na gravidez atual; Antecedentes obstétricos de morte fetal ou neonatal, de macrossomia (peso excessivo do bebê) ou de diabetes gestacional. Representa a principal complicação metabólica da gravidez e é observada em 1% a 14% das gestantes, dependendo da população estudada e do critério diagnóstico utilizado. Nos EUA, a prevalência é de aproximadamente 4% (cerca de 135.000 casos/ano) enquanto no Estudo Brasileiro sobre Diabetes Gestacional esse percentual foi de 7,6%. 2.3.4 Outros tipos de DM Ocorrem com menor frequência que os tipos um, dois e gestacional. Diversos fatores concorrem para o surgimento desse tipo de diabetes. Sabe-se que defeitos genéticos aliados a outras formas de doenças ou que o uso de fármacos diabetogênicos desencadeiam essa doença. 20 Resumidamente estão relacionados os principais tipos de DM, na figura seguinte, com suas respectivas classificações: Tipo um: doença autoimune com destruição das células betapancreáticas, incapacitando o pâncreas de produzir insulina; frequentemente surge na infância. Tipo dois: apresenta redução na produção de insulina, frequentemente acompanhada de resistência insulínica. Diabetes gestacional: surge na gravidez com resistência insulínica e relativa redução secretória, ou uma deficiência predominantemente secretória, com ou sem resistência insulínica. Outros tipos específicos: Defeitos genéticos na ação da insulina; Defeitos genéticos funcionais da célula beta; Doenças do pâncreas exócrino; Endocrinopatias; Induzidos por fármacos e agentes químicos; Infecções; Formas incomuns de diabetes imunomediado; Síndromes genéticas associadas. 21 3 DIAGNÓSTICO Na ocasião do atendimento aos pacientes, frequentemente serão solicitadas ao farmacêutico, opiniões a respeito de exames laboratoriais. Parâmetros de diagnóstico e de controle, do DM, permitem identificar indivíduos tratados erroneamente como “diabéticos” e ainda, detectar pré-diabéticos ou diabéticos não tratados. Grande parte dos pacientes possui um cartão de registro de suas glicemias de controle. O diabético, por mais estabilizado que esteja, manifestará pelo menos algum nível glicêmico acima do normal. Sempre que um paciente apresentar, constantemente, valores normais de glicemias e hipoglicemias o farmacêutico deverá suspeitar, inclusive do diagnóstico. 3.1 DETECÇÃO PRECOCE O diagnóstico precoce, evidentemente, é uma importante medida preventiva para se retardar o surgimento ou as complicações decorrentes do DM. Para a sua indicação, consideram-se os sinais, sintomas, fatores de risco para DM e componentes da Síndrome Plurimetabólica (condição clínica frequentemente associada ao diabetes, na qual o indivíduo apresenta hipertensão arterial, colesterol HDL baixo, doença cardiovascular e excesso de peso). 3.2 SINAIS E SINTOMAS DO DM Poliuria; Polidipsia; Polifagia; Emagrecimento; 22 Fraqueza/astenia/letargia; Prurido vulvar ou balanopostite; Redução brusca da acuidade visual; Hiperglicemia ou glicosúria em exames de rotina; Sinais ou sintomas relativos às complicações do DM (proteinúria, neuropatia periférica, retinopatia, ulcerações crônicas nos pés, doença vascular aterosclerótica, impotência sexual, paralisia oculomotora, infecções urinárias ou cutâneas de repetição). 3.3 FATORES DE RISCO PARA O DM Idade acima de 40 anos; História familiar (parentes próximos: pais, filhos, irmãos, etc.); Excesso de peso: índice de massa corpórea (IMC) >25 kg/m²; Obesidade (tipo androide ou central); Hipertensão arterial; Doença vascular aterosclerótica antes dos 50 anos; Hiperglicemia e/ou glicosúria anteriores; Abortos frequentes, partos prematuros, mortalidade perinatal, diabetes gestacional, polidrâmnio; Colesterol HDL baixo; Triglicerídeos acima de 200 mg/dl; Uso de medicamentos diabetogênicos (corticoides, anticoncepcionais, etc.); Sedentarismo. 23 3.4 DIAGNÓSTICO DO DM O desenvolvimento do DM passa por uma condição intermediária em que ele apresenta valores de glicemia de jejum alterados e tolerância à glicose diminuída. Para a avaliação desse estado utiliza-se o Teste Oral de Tolerância à Glicose (TTG). TABELA 1 - DIAGNÓSTICO DE DIABETES MELITO E TOLERÂNCIA À GLICOSE DIMINUÍDA (EM MG/DL) Jejum (8 horas no mínimo) 2h (após ingestão de 75g de glicose) Casual (a qualquer hora, sem jejum) Glicemia normal 70 - 99 <140 Tolerância à glicose diminuída 100 - 125 140 - 199 Diabetes melito ≥126 ≥200 ≥200 3.5 DIAGNÓSTICO DO DIABETES GESTACIONAL A gravidez exige parâmetros mais rígidos para o diagnóstico do diabetes. Rotineiramente, recomenda-se glicemia de jejum independentemente da presença de fatores de risco. O teste oral é indicado para gestantes com idade superior a 25 anos que se encontram entre a 24ª e 28ª semanas de gestação. O teste consiste na ingestão de 50 g de glicose e a dosagem no tempo basal e após 60 minutos. O diagnóstico positivo prevê: glicemia inicial ≥ 80 mg/dl ou, após uma hora da ingestão de 50g de glicose, ≥ 140 mg/dl. Nesse caso, exige-se a realização de um novo teste com a ingestão de 75 g de glicose. O teste será positivo caso: tempo inicial ≥126 mg/dl ou ≥ 140 mg/dl após a ingestão de 75g de glicose. Embora a glicemia 24 de jejum seja obrigatória no acompanhamento pré-natal, é importante que se conheça os fatores de risco para diabetes gestacional abaixo relacionados. 3.5.1 Fatores de risco para o diabetes gestacional Idade acima de 25 anos; Obesidade ou ganho de peso excessivo na gravidez atual; Deposição central excessiva de gordura corporal; História familiar de diabetes em parentes de 1º grau; Altura < 1,50 m; Hipertensão ou pré-eclâmpsia na gravidez atual, crescimento fetal excessivo e polidrâmnio; Morte fetal ou neonatal, macrossomia ou diabetes gestacional em ocasiões anteriores. 3.6 RASTREAMENTO DO DM A busca de possíveis diabéticos pode ser feita por meio de uma triagem por glicemia capilar na qual, casos suspeitos são orientados para exames de diagnóstico específico. Abaixo estão relacionados critérios para o rastreamento. Idade superior a 45 anos: a cada 3 - 5 anos; De 1 - 3 anos (história de diabetes gestacional, 2 ou mais componentes da síndrome plurimetabólica, 2 ou mais fatores de risco); Uma vez por ano, ou mais frequentemente quando: glicemia de jejum alterada ou tolerância à glicose diminuída (100 - 126 mg/dl); presença de complicações do DM. 25 TABELA 2 - NÍVEIS GLICÊMICOS PARA RASTREAMENTO DO DM (GLICEMIA CAPILAR) GLICEMIA DE JEJUM DE 4 – 8 HORAS Resultado Interpretação Até 99 mg/dl Normal 100 - 125 mg/dl Duvidoso 126 - 199 mg/dl Alterado 200 - 270 mg/dl Provável DM ≥ 270 mg/dl Muito provável DM TABELA 3 - GLICEMIA AO ACASO (EM QUALQUER HORA DO DIA) < 140 mg/dl Normal 140 – 199 mg/dl Duvidoso 200 – 270 mg/dl Provável DM ≥ 270 mg/dl Muito provável O exame de glicemia capilar não é aceito para diagnóstico, mas permite uma rápida avaliação da condição do indivíduo, possibilita o controle metabólico e a detecção de possíveis problemas. O TOTG é solicitado sempre que glicemias de jejum indicam o estado pré-diabético, condição na qual o indivíduo se encontra prestes a desenvolver DM. O diagnóstico para DM é confirmado por duas glicemias de jejum, em dias diferentes, com valores acima de 126mg/dl. 26 4 FISIOPATOLOGIA O curso clínico da DM apresenta consequências resultantes de hiperglicemias constantes. Essas determinam a causa de mortalidade por doença cardiovascular em torno de 50% de todos os óbitos de pacientes com diabetes. As alterações fisiológicas causadas pelo DM relacionam-se diretamente com as funções da insulina. Para melhor compreendê-las é importante recordar a fisiologia do pâncreas endócrino. 4.1 PÂNCREAS ENDÓCRINO O pâncreas é uma glândula endócrina e exócrina, ao mesmo tempo. Cerca de 99% de suas células têm função exócrina, as quais liberam enzimas digestivas para o duodeno, por meio de ductos pancreáticos. A porção endócrina é constituída de grupos de células insulares (ilhotas de Langerhans), heterogêneas, responsáveis pela síntese e secreção do glucagon (célulasα), de insulina (células β), de somatostatina (células ∂) e polipeptídio pancreático (células F). Cada um desses hormônios tem funções específicas que se encontram abaixo destacadas: Insulina: armazenamento energético; Glucagon: mobilizador de energia; Somatostatina: ações no trato gastrintestinal, sobre as células α e β; suprime as secreções de glucagon e de insulina; Peptídeo Pancreático: inibe a secreção das enzimas pelo componente exócrino do pâncreas. 27 4.2 SECREÇÃO DE INSULINA As ilhotas de Langherans são ricamente inervadas pelo sistema nervoso autônomo (simpático e parassimpático). O estímulo dos receptores α2 adrenérgicos inibe a secreção de insulina, enquanto o estímulo β2 adrenérgico e vagal aumentam a secreção de insulina. Geralmente, qualquer situação que ative o sistema nervoso autônomo (hipotermia, hipoxia, cirurgia, grandes queimados) suprime a secreção de insulina por estímulo α2 adrenérgico. Dessa forma, a liberação de insulina é aumentada por antagonistas α2 adrenérgicos e diminuída por β- bloqueadores. A concentração de glicose no sangue é o fator mais importante que regula a secreção de insulina. Quando a concentração plasmática de glicose aumenta, a secreção de insulina é estimulada. A glicose oral tem mais capacidade de estimular a secreção de insulina do que a administrada via intravenosa. A glicose entra na célula β, onde seu metabolismo aumenta os níveis intracelulares de ATP. Isso ocasiona o fechamento de um canal de K+ dependente de ATP na membrana plasmática despolarizando o potencial de membrana. Essa despolarização abre os canais de Ca++ dependentes de voltagem, ocasionando um aumento do [Ca++] intracelular. Esse aumento desencadeia a exocitose dos grânulos secretores contendo insulina. Liberada, a insulina inibe a gliconeogênese e aumenta a captação tecidual de glicose e, assim, mantém os níveis glicêmicos dentro dos limites de normalidade. Outros fatores também estimulam a secreção de insulina, como: ácidos graxos, aminoácidos, corpos cetônicos e diversos outros. O controle da secreção de insulina ocorre pela combinação de fatores estimulantes e inibidores, e na presença de ambos prevalece o estímulo da glicose. 4.2.1 Fatores estimulantes Glicose; Aminoácidos (arginina, leucina); 28 Hormônios liberados pelas células neuroendócrinas do intestino, durante a digestão; Ativaçãoseletiva dos receptores β; isoproterenol; Inibidores da monoaminaoxidase; Bloqueio dos receptores α: fentolamina; Drogas colinomiméticas e estímulo vagal; Xantinas; Prostaglandinas; Sulfonilureias. 4.2.2 Fatores inibidores Adrenalina, noradrenalina (receptores α); Estímulo dos receptores α: exercício, hipoxia, cirurgia, queimaduras graves; β-bloqueadores; Diazóxido; Somatostatina. Quando os níveis plasmáticos de glicose diminuem, o glucagon é liberado para degradar o glicogênio (glicogenólise), estimular a gliconeogênese hepática a partir dos aminoácidos. O glucagon ainda estimula a lipólise, no tecido adiposo, aumentando a oferta de ácidos graxos livres que são convertidos em glicose no fígado. O metabolismo de ácidos graxos produz cetoácidos. No tecido muscular, o glucagon promove a liberação de aminoácidos que serão utilizados na conversão de glicose. Resumidamente pode-se dizer que o glucagon estimula a glicogenólise e a gliconeogênese. O efeito final é a elevação dos níveis de glicose, ácidos graxos e cetoácidos, no sangue. Em condições fisiológicas, a liberação de insulina ou glucagon frente às variações dos níveis de glicose mantém a glicemia em concentrações normais. 29 4.3 AÇÕES DA INSULINA A insulina é conhecida como um anabolizante natural, pela sua função de promover armazenamento de combustível orgânico. É liberada no sistema porta e metabolizada principalmente no fígado, rins e músculos. Os tecidos-alvos mais importantes de ação da insulina são: fígado músculo e tecido adiposo. A insulina liga-se a um receptor de membrana celular e exerce os seus efeitos nesse nível. Alguns receptores estão presentes em todas as células, incluindo aquelas onde a insulina é classicamente ativa (musculares, hepatócitos e adipócitos) e as células não dependentes de insulina (células sanguíneas, cérebro e células gonodais). Após a ligação insulina-receptor ocorre uma série de eventos no interior da célula promovidos pelo receptor de insulina (cascata de fosforilação, desfosforilação, geração de suposto mediador da ação de insulina e outros sinais) que, finalmente, resultam nos efeitos conhecidos da insulina no metabolismo dos carboidratos lipídeos e proteínas. TABELA 4 - EFEITOS DA INSULINA Tecidos Inibe ou diminui Estimula ou aumenta Hepático Glicogenólise; Gliconeogênese; Cetogênese. Síntese de glicogênio e ácidos graxos; Síntese de glicerol e ácidos graxos. Adiposo Lipólise. Síntese de glicerol e ácidos graxos. Muscular Catabolismo proteico; Efluxo de aminoácidos. Captação de aminoácidos; Síntese de proteínas; Síntese de glicogênio. 30 4.3.1 Resistência à insulina É um estado no qual a captação de glicose pelos tecidos (especialmente muscular e hepático) está diminuída frente à ação da insulina; em resposta, ocorre uma elevação compensatória dos níveis plasmáticos de insulina com a finalidade de manter a glicemia em concentrações normais. Na resistência à insulina observa-se uma correlação invertida entre os níveis de ácidos graxos livres circulantes e a sensibilidade à insulina. Acredita-se que as células adiposas volumosas tenham um ritmo acelerado de lipólise. Conquanto a isto, dislipidemias proporcionam altos níveis de ácidos graxos livres circulantes. Esses ácidos graxos aumentam a resistência à insulina por meio da competição de substratos, ou seja, aumentando a oxidação de lipídeos em detrimento da oxidação de glicose. Tal mecanismo de competição por substratos encontra na obesidade uma grande oferta de substratos gordurosos e torna-se a via de resistência à insulina. Descobriu-se que os ácidos graxos livres inibem o transporte de glicose para o interior da célula estimulada pela insulina, a fosforilação de glicose para a glicogênese e o ciclo de Krebs (inibição da atividade da síntese do glicogênio muscular). Considera-se também que os ácidos graxos livres alterem o conteúdo lipídico da membrana celular. Com isso, o acesso da insulina aos seus receptores modifica-se e, consequentemente, também a sua ligação e ação. A obesidade desempenha papel desencadeante na síndrome de resistência à insulina, cujo grau é maior quando o tecido adiposo está localizado na região central do corpo (obesidade androide). Nem todos os obesos são diabéticos, todavia, a maioria dos pacientes com DM tipo dois são obesos. A homeostase glicêmica em obesos não diabéticos é mantida à custa de hiperinsulinemia. Por esse motivo, entende-se obesidade como o principal fator ambiental desencadeante do DM tipo dois. Os pacientes diabéticos tipo um não apresentam fatores clássicos de risco vascular (obesidade central, hipertensão, dislipidemia), tão frequentemente observados em diabéticos tipo dois. Essa condição proporciona um risco menor de desenvolver complicações cardiovasculares que os diabéticos tipo dois. A fisiopatologia do DM decorre da diminuição dos efeitos da insulina, seja pela redução de oferta circulante, da resistência à insulina ou de ambos. Como se sabe, a deficiência insulínica diminui a captação tecidual de glicose, aumenta a neoglicogênese e, por conseguinte, 31 eleva os níveis de glicose sanguíneos. Quando a hiperglicemia resultante ultrapassa o limiar de reabsorção renal, a glicose é eliminada na urina (glicosúria). A hiperglicemia também aumenta a osmolaridade sanguínea acarretando a desidratação dos tecidos, que aliadas à glicosúria ocasiona diurese abundante (poliuria) e muita sede (polidipsia). O aumento do metabolismo lipídico e proteico, junto às perdas hidroeletrolíticas, estabelece emagrecimento, proporcional à deficiência insulínica encontrada. 32 5 COMPLICAÇÕES DIABÉTICAS Complicações agudas (elevação rápida) e crônicas (mesmo em níveis baixos) ocorrem por meio dos seguintes mecanismos: aumento na produção de espécies reativas de oxigênio; acúmulo de sorbitol pelo aumento na atividade da aldose-redutase; ativação da proteína C quinase (PKC); diminuição da produção de óxido nítrico; produtos finais de glicação avançada. 5.1 COMPLICAÇÕES AGUDAS DO DM No diabetes tipo um, os estados hiperglicêmicos tendem à cetose e, em casos mais graves, à cetoacidose pela deficiência acentuada de insulina resultando lipólise excessiva. Em diabéticos tipo dois, raramente ocorre cetose porque os níveis de insulina ainda são capazes de suprimir a lipólise excessiva. A hiperglicemia nesses pacientes tende ao coma hiperosmolar não cetótico (desidratação acentuada dos tecidos). 5.2 COMPLICAÇÕES CRÔNICAS DO DM Em longo prazo, as consequências do descontrole metabólico observado no DM determina o aparecimento das complicações crônicas. Contribuem ainda para o desenvolvimento dessas complicações os principais fatores de risco: longa duração da doença, mau controle metabólico, presença de hipertensão arterial sistêmica, tabagismo e alcoolismo, complicações preexistentes e gestação. A hiperglicemia crônica reúne condições de evolução para 33 microangiopatias, macroangiopatias, e neuropatias diabéticas cujas doenças associadas serão apresentadas a seguir. 5.2.1 Microangiopatias Doenças oculares como: retinopatia, catarata, glaucoma e ceratopatia (úlceras de córnea). Nefropatias (insuficiência renal) cujos fatores agravantes são: hipertensão arterial sistêmica, infecção urinária de repetição ou crônica, agentes nefrotóxicos (contrastes radiológicos endovenosos, anti-inflamatórios não hormonais, aminoglicosídeos). 5.2.2 Macroangiopatias Cardiopatia isquêmica; Doença coronária de pequenos vasos (insuficiência cardíaca e arritmias); Doença cerebrovascular (maior causa de morte); Doença vascular periférica. 5.2.3Neuropatia diabética Compreende um conjunto de síndromes que comprometem o sistema nervoso periférico sensitivo, motor e autonômico de inúmeras formas. É a complicação mais comum do DM e acomete 40% dos pacientes. 34 5.2.3.1 Classificação clínica Polineuropatias simétricas, difusas e persistentes: Sensitivo-motora simétrica distal; Autonômica; Fibras pequenas. Mononeuropatias focal/multifocal reversíveis: Craniana; Radiculopatia toracoabdominal; Amiotrofia (proximal motora, femural); Focal (membro); Compressiva; Formas mistas. Rapidamente Reversível Neuropatia de hiperglicemia (associada ao rápido controle glicêmico: insulina e hipoglicemiante oral). As complicações diabéticas constituem a causa do elevado risco de morbimortalidade do DM. Todas as medidas terapêuticas visam à redução desse risco. A noção das formas de evolução das complicações diabéticas, agudas ou crônicas, possibilita uma intervenção segura, de modo a prevenir complicações mais sérias. 35 6 TERAPÊUTICA Os objetivos terapêuticos visam controlar as complicações agudas e crônicas, reduzir mortalidade e promover qualidade de vida ao paciente. Dois experimentos clínicos importantes demonstraram a necessidade de trazer o controle glicêmico para níveis próximos da normalidade. O Diabetes Control and Complications Trial (DCCT), estudo de grande porte em diabéticos tipo um, demonstrou que o uso intensivo de insulina diminui o risco de desenvolvimento de retinopatia, nefropatia e de neuropatia. Da mesma forma o United Kingdom Prospective Diabetes Study (UKPDS) – ensaio clínico randomizado, controlado – demonstrou a importância do controle glicêmico na prevenção do desenvolvimento dessas mesmas complicações. Entretanto, as metas para o tratamento do DM incluem, além do controle glicêmico, o controle da dislipidemia, pressão arterial e a manutenção do índice de massa corpórea (IMC) dentro de 20 – 25 Kg/m². Para a obtenção das metas terapêuticas do DM utilizam-se, além de medicamentos, medidas não medicamentosas. Tais medidas são coadjuvantes indispensáveis em todos os casos de diabetes. Constituem-se de um plano alimentar e de atividade física adequados à condição individual de cada paciente. As medidas medicamentosas para o diabetes visam mimetizar a resposta pancreática ao estímulo da glicose, proporcionando uma quantidade maior de insulina conforme a elevação dos níveis de glicose; e visam ainda redução da resistência à insulina e redução da absorção de carboidratos. 36 7 CRENÇAS E MITOS Não são poucas as pessoas que, baseadas em crenças infundadas sobre o diabetes, não adotam as medidas terapêuticas necessárias. O farmacêutico deve modificar esses conceitos, trazendo a verdade científica ao paciente, de maneira respeitosa e inteligente. Inclusive a educação do paciente é parte do seu tratamento. O objetivo é obter adesão à melhor conduta terapêutica. Produtos naturais, como ervas medicinais, são popularmente indicados para o tratamento do diabetes. Eles não apresentam padronização da concentração de princípios ativos, ou ainda, são frequentemente confundidos, devido à grande diversificação das espécies. Constantemente observa-se, em pacientes diabéticos, a variação de sensibilidade frente a um mesmo medicamento quando produzido por laboratórios diferentes. Porquanto, não é recomendável a utilização dessas alternativas. O cuidado em desfazer crenças e mitos visa impedir que mais um fator possa interferir no difícil controle do DM. Os mais frequentes são: “A insulina vicia o paciente deixando-o insulinodependente”: absolutamente infundada; “A homeopatia cura o diabetes”: não há trabalhos científicos que comprovem a validade da terapêutica; Batata Yacón: resultados preliminares de estudos apontam para a sua capacidade de redução de glicose; Chás caseiros (pata de vaca, carqueja, alcachofra, jambolão): não há comprovação científica que atestem tanto a eficácia quanto a inocuidade. 37 8 ORIENTAÇÃO DIETÉTICA Na ocasião da orientação ao paciente diabético não cabe ao farmacêutico prescrever um plano alimentar individualizado. Todavia, nessa oportunidade, podem ser esclarecidas e reforçadas orientações já recebidas de profissionais da área, visto que o plano alimentar é uma medida fundamental para um bom controle metabólico. Considerando diabéticos tipo dois, a dieta e a atividade física previnem o aparecimento do DM e levam os níveis glicêmicos à normalidade, especialmente na fase inicial da doença. Tais medidas são importantes, também, no controle da pressão arterial e dislipidemia, frequentemente associadas ao DM. É importante ressaltar que ações não farmacológicas (dieta e atividade física) são essenciais, também, para o controle metabólico do diabético tipo um. De acordo com as metas terapêuticas mencionadas anteriormente, é necessário manter o indivíduo com IMC nos limites de 20 - 25 kg/m². Por conseguinte, diabéticos com sobrepeso (IMC 25 - 30 Kg/m²) ou obesos (IMC acima de 30 Kg/m²) deverão ser orientados para a redução do peso. Diabéticos com IMC abaixo de 20 kg/m², conforme avaliações médicas poderão ser orientadas para a recuperação do peso e do bom estado nutricional. O risco aumentado de doenças cardiovasculares e comorbidades associadas (hipertensão arterial e dislipidemia) direcionam o diabético para uma dieta com restrição nas quantidades de sódio e alimentos ricos em gordura saturada e colesterol. O consumo diário de sal deve ser de cinco gramas na hipertensão controlada e dois gramas na hipertensão grave. As refeições devem ser fracionadas (DM tipo um: seis/dia, sendo três grandes e três pequenas; DM tipo dois: quatro - seis/dia) distribuindo a quantidade de carboidratos para evitar o risco de hipo ou hiperglicemias. Deve-se estimular o consumo de alimentos ricos em fibras (cereais integrais, frutas, verduras e legumes) porque promove maior controle dos lipídeos sanguíneos, melhora o trânsito intestinal e retarda o esvaziamento gástrico. A dieta alimentar deve ser individualizada considerando o estado nutricional e evolutivo do DM em cada paciente. Faz-se necessário considerar diversos aspectos relativos ao indivíduo como hábitos socioculturais, condição financeira, atividade física, profissão e doenças intercorrentes. 38 FIGURA 2 - OS DEZ PASSOS PARA A MANUTENÇÃO DO PESO SAUDÁVEL FONTE: Adaptado do Protocolo de Hipertensão Arterial Sistêmica e Diabetes Mellitus: Ministério da Saúde, 2002. Na educação alimentar, a proposta da redução do consumo de alimentos inadequados é mais aceita do que a restrição deles, entretanto, sempre que possível, deve-se estimular a substituição por alimentos mais saudáveis. Na orientação farmacêutica, o simples registro do peso do diabético, em cada visita, estimula a adesão ao plano alimentar. Nunca dizer ao paciente: “você está gordo, precisa emagrecer”, ou “você está com grande chance de sofrer um problema cardiovascular, a sua doença é grave”. Afirmações como essas fazem o paciente sentir-se discriminado e resulta em baixa adesão terapêutica. A maioria dos pacientes sabe da gravidade e dos elevados fatores de risco a que estão submetidos. É preciso estabelecer uma relação de respeito e confiança, esclarecendo as recomendações do plano alimentar estabelecido por profissionais médicos ou nutricionistas. 1) Comer frutas e verduras variadas, pelo menos duas vezes por dia; 2) Consumir feijão pelo menos quatro vezes por semana; 3) Evitar alimentos gordurosos como carnes gordas, salgadinhos e frituras; 4) Retirar a gordura aparente das carnes e a pele aparente do frango; 5) Nunca pular refeições, fazer três refeições e, pelo menos, um lanche por dia. Nolanche, escolher uma fruta; 6) Evitar alimentos ricos em açúcar simples como refrigerantes, doces e outras guloseimas; 7) Alimentar-se com calma e nunca diante da televisão; 8) Aumentar a atividade física. É possível movimentar-se em qualquer lugar; 9) Preferir escadas ao elevador. Caminhar sempre que possível. Evitar o sedentarismo; 10) Acumular trinta minutos de atividade física todos os dias. 39 9 EXERCÍCIOS FÍSICOS A atividade física proporciona enormes vantagens para o controle metabólico de todos os pacientes diabéticos. Sabe-se que ela previne ou retarda o aparecimento do diabetes tipo dois, diminui a resistência à insulina, podendo reduzir a necessidade de medicamentos. Entretanto, devem ser tomados alguns cuidados para se evitar complicações. Abaixo, estão relacionadas mais vantagens e cuidados na atividade física para diabéticos: Vantagens: Auxilia no controle da hipertensão arterial; Reduz os níveis séricos de triglicérides e aumenta o HDL colesterol; Ajuda no controle e na redução do peso; Diminui o estresse, a fadiga e a depressão. Cuidados: Supervisão médica (avaliação do estado geral do paciente) para determinar limitações da atividade e esforço adequados e, ainda, prescrever observações necessárias à condição específica; Não apresentar lesões nos pés (calos, traumas, micoses, etc.)1; O diabético deve ter consigo a identificação do seu estado (diabético) e orientações em caso de hipoglicemia (ingerir imediatamente um tablete de açúcar, suco com açúcar ou refrigerante não dietético); Apresentar níveis glicêmicos > 100 mg/dl e < 250mg/dl; Ser capaz de identificar hipoglicemia; Evitar exercícios em horários próximos aos picos de ação da insulina (evitar hipoglicemia); Atividade física superior a uma hora de duração requer alimentação suplementar. 1 Lesões nos pés podem desencadear uma complicação crônica (pé diabético) associada à neuropatia diabética (ocasiona insensibilidade) e à vasculopatia periférica (deficiência circulatória), responsável por 50 a 70% das amputações não traumáticas. 40 A caminhada é recomendada para se prevenir osteoporose. Aos pacientes que sentem dores, ocasionadas por essa atividade, recomenda-se a hidroginástica devidamente orientada. O tipo de exercício, a intensidade e a frequência devem ser determinados por profissionais habilitados. Como a hipoglicemia é um risco iminente, nessa atividade, faz-se necessário enunciar os principais sinais de hipoglicemia para diferenciá-los de uma hiperglicemia, cujas condutas terapêuticas são antagônicas. TABELA 5 Hipoglicemia Hiperglicemia Início rápido Polidipsia (muita sede) Polifagia (muita fome) Poliuria (urina abundante) Sudorese fria Polifagia (muita fome) Pele úmida ou normal Pele e boca secas Tremores frequentes Astenia Astenia (nem sempre) Cansaço Irritabilidade (nem sempre) Alterações da personalidade (nem sempre) O uso de betabloqueadores e a neuropatia autonômica podem mascarar sinais de hipoglicemia. A coincidência de alguns sinais pode gerar dúvidas na determinação do verdadeiro estado (hiper ou hipoglicemia). Nesses casos, a glicemia capilar é imprescindível. Como foi mostrado, há muitas restrições e cuidados a serem tomados na orientação de atividade física ao paciente diabético. A supervisão médica é indispensável. 41 10 EDUCAÇÃO A expressão “educação de paciente diabético” é frequentemente utilizada na terapêutica antidiabética. As medidas como dieta, atividade física e hábitos de vida saudáveis (abandono de vícios como cigarro e bebida) impõem disciplina ao indivíduo. Além disso, o paciente deve receber todas as orientações necessárias para tornar-se o mais importante agente no controle da sua saúde. O processo educativo deve ser gradativo, constante, respeitar as potencialidades e limitações de cada paciente. A educação do paciente pode ser avaliada utilizando-se como parâmetros o controle metabólico, as complicações agudas e crônicas e a adesão terapêutica. 42 11 TERAPÊUTICA MEDICAMENTOSA Quando as medidas não farmacológicas falham, utiliza-se a terapêutica medicamentosa para a obtenção do controle metabólico. A conduta terapêutica varia de acordo com o tipo de diabetes (um ou dois) e com a capacidade pancreática de secretar insulina. No caso do diabetes tipo um, sabe-se que o pâncreas é incapaz de responder satisfatoriamente a qualquer estímulo (secreção mínima ou nula) e a utilização de insulina é imediata. Todavia, podem ser utilizados agentes orais combinados à insulina: fármacos que atuam sobre a resistência à insulina (sensibilizadores de insulina) ou que reduzem a absorção de carboidratos (inibidores de alfaglicosidades) para evitar hiperglicemia pós-prandial. Durante a gravidez a insulina também pode ser indicada para normalizar os níveis glicêmicos não controlados pela dieta. Recomenda-se o uso de sensibilizadores de insulina aos diabéticos tipo dois que apresentam resistência à insulina (IMC ≥ 25 kg/m²). Constatada a elevação dos níveis glicêmicos adiciona-se outro agente podendo ser um inibidor de alfaglicosidases (hiperglicemia pós-prandial) ou um secretor de insulina (nos casos de redução da capacidade secretora pancreática). Deve-se considerar a glicotoxicidade ocasionada por níveis glicêmicos elevados e mantidos por muito tempo. Essa hiperglicemia diminui a capacidade de resposta pancreática a estímulos, sendo confundida com exaustão definitiva do pâncreas (incapacidade de produzir insulina). Esse evento deve ser tratado com insulina para restabelecer a função secretora pancreática, o que possibilita novamente o uso de agentes orais. O diabético tipo dois pode não responder adequadamente aos sensibilizadores de insulina (diabéticos tipo dois, magros) e utilizarem os secretores de insulina e posteriormente insulina. Enfim, o diabético tipo dois possui como alternativa terapêutica um variado número de agentes disponíveis. É importante ressaltar que pacientes magros não apresentam boa resposta aos sensibilizadores de insulina; o uso de secretores de insulina e insulina, em pacientes obesos, acarreta ganho de peso. A insulina pode ser utilizada (em diabéticos tipo dois) em intercorrências como cirurgias, infecções e acidente vascular cerebral. As metas terapêuticas para o controle do diabetes estão abaixo relacionadas. Quando o paciente apresenta resultados superiores aos limites estabelecidos é necessário intervir para se manter o controle metabólico. 43 TABELA 6 - METAS TERAPÊUTICAS PARA O DM TIPO 2 Glicose Plasmática (mg/dl) Ideal Aceitável Jejum 110 126 2 horas pós-prandial 140 160 Hemoglobina glicada (HbA1c %)2 Limite superior do método Colesterol (mg/dl) Total < 200 HDL > 45 LDL < 100 Triglicérides (mg/dl) < 150 Pressão Arterial (mmHg) Sistólica < 130 Diastólica < 80 Índice de Massa Corporal (kg/m²) 20 - 25 FONTE: adaptado de Atualização para Atenção Básica, Diabetes Mellitus e Hipertensão Arterial – casos clínicos: Ministério da Saúde, 2002. 2 HbA1c: determinação da porcentagem hemoglobina glicada, resultante da reação espontânea com a glicose. Quando elevada, indica que houve episódios hiperglicêmicos, ainda que a glicemia de jejum esteja normal. 44 FIGURA 3 - ESQUEMA TERAPÊUTICO DO DIABETES MELLITUS O UKPDS demonstrou a tendência degenerativa e progressiva do DM tipo dois. Observa-se, com o passar dos anos, a evolução para a falência secundária (quando os agentes orais tornam-se ineficazes para o tratamento) e a total dependência de insulina exógena. Adeterminação exata de cada fase é fundamental para a escolha da terapêutica adequada. Mudanças de estilo de vida Antidiabéticos orais em monoterapia Antidiabéticos orais em combinação e insulina Diabetes melito (diagnóstico) Insulina 45 12 SENSIBILIZADORES DE INSULINA Constituídos pelos grupos das biguanidas (metformina) e das glitazonas (rosiglitazona e pioglitazona). Erroneamente são chamados de “hipoglicemiantes orais”: não estão relacionadas a episódios hipoglicêmicos porque não interferem na quantidade de insulina circulante. Possui a capacidade de diminuir a resistência à insulina, esta descrita na fisiopatologia do DM. O mecanismo de ação, e as restrições de uso serão discutidos individualmente. 12.1 BIGUANIDAS Esse grupo é representado apenas pela metformina (Glifage®, Glucoformim®, Dimefor® e outros). Age reduzindo a resistência à insulina por meio dos seguintes mecanismos: Inibição da neoglicogênese (responsável por 75% de sua ação anti-hiperglicêmica); Melhora da sensibilidade periférica à insulina (que leva à redução da insulinemia); Redução do apetite e aumento da saciedade, o que contribui para a redução ponderal. 12.1.1 Indicações e eficácia A metformina está particularmente indicada como tratamento inicial dos pacientes obesos. Como monoterapia, a metformina reduz a glicemia de jejum em 20% a 30%, a glicemia pós-prandial em 30% a 40% e a HbA1c em 1% a 2% (valor absoluto). A sua eficácia é comparável a das sulfonilureias. Conforme demonstrado no UKPDS, a metformina foi à única droga capaz de reduzir a incidência de problemas cardiovasculares. Apresenta a vantagem de reduzir o peso, de dois a três quilos durante os primeiros seis meses de tratamento. 46 12.1.2 Restrições de uso e contraindicações Até 20% dos pacientes sentem desconforto gastrintestinal (diarreia, dor abdominal, paladar metálico, náuseas e anorexia); Contraindicada na presença de disfunção renal (creatinina > 1,5 mg/dl), doenças ou circunstâncias que predisponham à acidose láctica, uso abusivo do álcool, cirurgias e exames que utilizam contrastes radiográficos; A única interação clinicamente significativa é com a cimetidina, que pode elevar os níveis plasmáticos da metformina em até 40%. 12.2 GLITAZONAS Representado pela Rosiglitazona (Avandia®) e Pioglitazona (Actos®), melhora a resistência à insulina por meio dos seguintes mecanismos: Aumentam a disponibilidade de transportadores de glicose (GLUT4); Condicionam a transformação de adipócitos novos, mais sensíveis à ação da insulina; Age mais perifericamente (tecidos muscular e adiposo) do que no fígado. 12.2.1 Indicações e Eficácia Reduzem a glicemia em torno de 20%; Útil na síndrome metabólica por elevação dos níveis de HDL colesterol (5 a 10%) e redução dos níveis de triglicerídeos (10 a 15%); Não predispõem à acidose lática e podem ser utilizadas em pacientes, com insuficiência renal leve e moderada. 47 12.2.2 Restrições de uso e contraindicações Promovem ganho ponderal (dois a três quilos), especialmente quando utilizados em associação com insulina e sulfonilureias; Contraindicados na insuficiência hepática e renal, alcoolismo, insuficiência cardíaca e gravidez. 48 13 SECRETORES DE INSULINA São constituídos em dois grupos: as sulfonilureias (clorpropamida, glibenclamida, plipizida, gliclazida e glimepirida) e as glinidas (repaglinida e nateglinida). Podem ser denominados de “hipoglicemiantes orais”, pois são responsáveis pela elevação dos níveis de insulina. Quanto ao tempo de ação pode-se dizer que as sulfonilureias são secretores de ação prolongada e as glitazonas são secretagogos de ação rápida. As sulfonilureias diferem basicamente quanto à sua meia-vida, vida e potência, mas na dose plena têm eficácia semelhante. A clorpropamida, embora consagrada pelo tempo (mais antiga do grupo), está associada a níveis pressóricos elevados e alta incidência de hipoglicemias (especialmente em idosos) em função da sua meia-vida prolongada (36 horas). O UKPDS demonstrou não haver redução da incidência de retinopatia e nem de redução da mortalidade cardiovascular durante a utilização dessa droga. Mesmo não oferecendo um bom controle metabólico, a clorpropamida (Diabinese®) continua sendo muito utilizada. A sulfonilureias e glinidas comumente encontradas no mercado são: TABELA 7 Sulfoniureias Clorpropamida Diabinese® Glibenclamida Daonil® Glipizida Minidiab® Gliclazida Diamicron® e Diamicron MR® Glimepirida Amaryl® e Glymepil® Glinidas Repaglinida Novonorm®, Prandin® e Gluconorm® Nateglinida Starlix® 49 Atuam diretamente em receptores específicos (para sulfonilureias e glinidas distintamente), estimulam a secreção de insulina por meio de um mecanismo semelhante ao estímulo da glicose sobre a célula beta: Agem em um receptor celular específico, promovendo a abertura de um canal de K+; Com a saída do K+ ocorre a despolarização da membrana e abre-se um canal de Ca++ dependente de voltagem; A entrada do Ca++ resulta em secreção de insulina. 13.1 INDICAÇÕES E EFICÁCIA Indicados quando piora o controle glicêmico, apenas com sensibilizadores de insulina e medidas não medicamentosas (declínio na secreção de insulina). Reduzem a glicose plasmática em 60 a 70 mg/dl e a HbA1c de 1,5 a 2%. Por volta de 60% a 70% dos pacientes tratados apresentam boa resposta às sulfonilureias. 13.2 RESTRIÇÕES DE USO E CONTRAINDICAÇÕES Ganho de peso (três a cinco quilos); Hipoglicemias principalmente com sulfonilureias de ação prolongada (clorpropamida e glibenclamida); Insuficiência hepática ou renal; Diabetes melito tipo um; Gravidez; Infecções graves, grandes cirurgias, trauma e estresse; Acidose ou pré-acidose. 50 14 INIBIDORES DE ALFAGLICOSIDASES As alfaglicosidades intestinais (sacarase, glicoamilase, maltase e isomaltase) agem sobre os carboidratos para facilitar a absorção. A inibição dessas enzimas diminui a absorção de carboidratos e, por conseguinte, os níveis sanguíneos de glicose também são reduzidos. O mais conhecido representante do grupo é a acarbose (Glucobay). 14.1 INDICAÇÕES E EFICÁCIA Indicada a pacientes com hiperglicemia moderada (125 a 150 mg/dl), HbA1c aumentada (hiperglicemia pós-prandial); Utilizada em monoterapia ou associada às sulfoniureias ou metformina; Reduz a glicemia de jejum entre 25 e 30 mg/dl. 14.2 RESTRIÇÕES DE USO E CONTRAINDICAÇÕES Contraindicada em casos de hipersensibilidade, cetoacidose diabética, cirrose hepática, doença inflamatória intestinal, úlcera do cólon, obstrução intestinal, gravidez, lactação e uso em crianças; Provoca transtornos gastrintestinais (flatulência, meteorismo, diarreia) em aproximadamente 30% dos pacientes. 51 15 INSULINAS A insulina é uma molécula proteica, composta de cadeias de aminoácidos ligados por pontes de dissulfeto. É um hormônio relativamente estável, cuja potência se mantém até o prazo de validade quando armazenada entre 2 e 8 ºC. Insulina em uso pode ser mantida em temperatura ambiente (< 30º C) ao abrigo da luz e calor. Os variados tipos de insulina, disponíveis hoje, apresentam-se na concentração de U- 100 (cem unidades internacionais por ml). Cada UI (unidade internacional) corresponde a 36 μg de insulina. Quanto ao tempo de ação classificam-se em: ultrarrápida (UR), rápida (R) ou regular, intermediária (NPH, N) ou lenta (L), de ação prolongada ou ultralenta (UL) e a insulina glargina. Existem ainda as pré-misturas de insulinas (insulinas com diferentes tempos de ação, misturados): N+R
Compartilhar