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Ana Beatriz Figuerêdo Almeida - Medicina 2022.2 Página | 1 Proliferação celular IV SP 1.3 – TRAVA OU SOLTA... 1) DESCREVER A FISIOPATOLOGIA, DIAGNÓSTICO E PROGNÓSTICO DAS POLIPOSES; A maioria das neoplasias colorretais, independentemente de sua etiologia, surge de pólipos adenomatosos. O pólipo é uma protrusão visível da superfície da mucosa e pode ser classificado patologicamente como hamartoma não neoplásico (p. ex., pólipo juvenil), proliferação hiperplásica da mucosa (pólipo hiperplásico) ou pólipo adenomatoso. Apenas os adenomas são claramente prémalignos e apenas a menor parte dos pólipos adenomatosos evolui para o câncer. Os pólipos adenomatosos podem ser encontrados no cólon de cerca de 30% das pessoas de meia-idade e 50% dos idosos. No entanto, menos de 1% dessas lesões se tornam malignas. A maioria dos pólipos é assintomática e não provoca sinais clínicos. Menos de 5% dos pacientes com pólipos apresentam sangue oculto nas fezes. Várias alterações moleculares são observadas nos pólipos adenomatosos e nas neoplasias colorretais. Elas parecem refletir um processo em múltiplas etapas da evolução da mucosa colônica normal até ao carcinoma invasivo potencialmente fatal. Algumas etapas desse processo de carcinogênese são (mas não estão restritas a elas): mutações pontuais no proto- oncogene K-ras; hipometilação do DNA, levando à ativação de genes; perda de DNA (perda alélica) no local de um gene supressor tumoral (o gene de polipose adenomatosa do cólon [APC, de adenomatous polyposis coli]), no braço longo do cromossomo 5 (5q21); perda alélica no local de um gene supressor tumoral localizado no cromossomo 18q (o gene deletado no câncer colorretal [DCC, de deleted in colorectal cancer]); e perda alélica no cromossomo 17p, associada a mutações do gene supressor tumoral p53 (ver Fig. 67-2). Assim, as alterações do padrão proliferativo na mucosa colônica – que acarretam progressão para pólipo e, em seguida, para carcinoma – podem envolver a ativação mutacional de um oncogene, seguida e combinada à perda de genes que normalmente suprimem a tumorigênese. Ainda não se sabe se essas aberrações genéticas ocorrem sempre na mesma ordem. Com base nesse modelo, acredita-se que o câncer ocorra apenas nos pólipos onde a maior parte desses eventos mutacionais (se não todos eles) ocorre. Clinicamente, a possibilidade de um pólipo adenomatoso evoluir para câncer depende de seu aspecto macroscópico, das características histológicas e do tamanho. Os pólipos podem ser pedunculados ou sésseis (com base plana), adenomatosos ou serrilhados. Os cânceres invasivos desenvolvem-se, com mais frequência, em pólipos sésseis e serrilhados (i.e., “planos”). À histologia, os pólipos adenomatosos podem ser tubulares, vilosos (i.e., papilares) ou tubulovilosos. Os adenomas vilosos, a maioria dos quais é séssil, apresentam três vezes mais chances de se tornarem malignos do que os adenomas tubulares. A probabilidade de uma lesão polipoide do intestino grosso conter um câncer invasivo está relacionada ao tamanho do pólipo, sendo diminuta (< 2%) em lesões com < 1,5 cm, intermediária (2-10%) em lesões com 1,5 a 2,5 cm e considerável (10%) em lesões com > 2,5 cm. Após a detecção de um pólipo adenomatoso, todo o intestino grosso deve ser examinado na endoscopia, pois lesões sincrônicas são observadas em cerca de um terço dos casos. Em seguida, deve-se repetir periodicamente a colonoscopia, mesmo na ausência de câncer previamente documentado, pois esses pacientes têm 30 a 50% de chance de desenvolver outro adenoma e um risco acima da média de desenvolver câncer colorretal. Os pólipos adenomatosos necessitam de > 5 anos para crescer antes de se tornarem clinicamente significativos; a colonoscopia não deve ser realizada com uma frequência inferior a 3 anos para a maioria dos pacientes. 2) IDENTIFICAR A EPIDEMIOLOGIA DOS TUMORES DE COLORRETAIS; Nos Estados Unidos, só o câncer de pulmão mata mais que o câncer do intestino grosso. Em 2017, ocorreram 135.430 casos novos e 50.260 mortes por câncer de cólon. A taxa de incidência diminuiu de modo significativo nos últimos 25 anos, provavelmente devido, em grande parte, a um aprimoramento dos métodos de triagem e à maior adesão à sua prática. Do mesmo modo, as taxas de mortalidade nos Estados Unidos diminuíram cerca de 25%, como resultado, em grande parte, da detecção precoce e dos aperfeiçoamentos no tratamento. O câncer de cólon representa uma das neoplasias malignas de maior incidência e mortalidade, sendo o terceiro câncer mais comum no mundo. No ano de 2009, nos Estados Unidos, houveram cerca de 106.100 casos novos e 49.920 mortes. No Brasil, para 2012 se estimou 30.140 casos novos. A faixa etária de maior incidência do câncer de cólon é dos 60 aos 70 anos, acometendo ligeiramente mais homens do que mulheres. Ana Beatriz Figuerêdo Almeida - Medicina 2022.2 Página | 2 3) IDENTIFICAR OS FATORES DESENCADEANTES E DE PREVENÇÃO DESTES TUMORES; FATORES DESENCADEANTES DIETA A etiologia da maioria dos casos de câncer de cólon parece relacionada a fatores ambientais. A doença é mais comum em populações de nível socioeconômico superior e que vivem em áreas urbanas. A mortalidade por câncer colorretal está diretamente relacionada ao consumo per capita de calorias, proteínas de carne, bem como gorduras e óleo na dieta e a elevações no colesterol sérico e mortalidade por doença arterial coronariana. As variações geográficas na incidência não possuem relação com diferenças genéticas, pois grupos de imigrantes tendem a ter a mesma incidência de câncer de cólon dos países para onde imigraram. Além disso, em alguns grupos populacionais, como os mórmons ou os adventistas do sétimo dia, com estilo de vida e hábitos alimentares diferentes dos de seus vizinhos, a incidência e a mortalidade por câncer colorretal são significativamente menores do que as esperadas. A incidência de câncer colorretal aumentou no Japão a partir do momento em que o país começou a adotar uma dieta mais “ocidentalizada”. Já foram propostas pelo menos três hipóteses para explicar a relação com a dieta, mas nenhuma é inteiramente satisfatória. → Gorduras animais: Uma hipótese é de que a ingestão de gorduras animais encontradas em carnes vermelhas ou carnes processadas aumenta a proporção de bactérias anaeróbias na microflora intestinal, o que possibilita a conversão dos ácidos biliares normais em carcinógenos. Vários relatos de aumento na quantidade de bactérias anaeróbias nas fezes de pacientes com câncer colorretal apoiam essa intrigante hipótese. As dietas ricas em gorduras animais (porém não em gorduras vegetais) também estão associadas a elevações do colesterol sérico, que, por sua vez, estão ligadas ao aumento do risco de adenomas e carcinomas colorretais. → Resistência à insulina: O grande número de calorias nas dietas ocidentais, associado à inatividade física, está relacionado a uma prevalência maior de obesidade. Os indivíduos obesos desenvolvem resistência à insulina, com aumento dos níveis circulantes de insulina, resultando em concentrações circulantes mais elevadas do fator de crescimento semelhante à insulina tipo I (IGF-I, de insulin-like growth factor type I). Esse fator de crescimento parece estimular a proliferação da mucosa intestinal. → Fibras: Contrariando crenças anteriores, os estudos randomizados e de casos-controle falharam em demonstrar qualquer valor para as fibras dietéticas ou dietas ricas em frutas e vegetais na prevenção da recorrência de adenomas colorretais ou no desenvolvimento de câncer colorretal. No entanto, o conjunto das evidências epidemiológicas indica que a dieta é o principal fator etiológico do câncer colorretal, principalmente as dietas ricas em gorduras animaise calorias. NEOPLASIAS HEREDITÁRIAS DO INTESTINO GROSSO Até 25% dos pacientes com câncer colorretal apresentam história familiar da doença, o que sugere predisposição hereditária. Essas podem ser divididas em dois grupos principais: as síndromes de polipose bem-estudadas, porém raras, e as síndromes não polipose mais comuns. → Polipose adenomatosa colônica: A polipose adenomatosa colônica (polipose familiar do cólon) é uma doença rara, caracterizada pelo surgimento de milhares de pólipos adenomatosos por todo o intestino grosso. A predisposição genética apresenta uma herança autossômica dominante; os pacientes eventuais, sem história familiar, provavelmente sofreram mutação espontânea que originou a2 doença. A polipose adenomatosa colônica está associada à supressão do braço longo do cromossomo 5 (incluindo o gene APC) nas células neoplásicas (mutação somática) e normais (mutação da linha germinativa). A perda desse material genético (perda alélica) resulta em ausência dos genes supressores de tumor, cujos produtos proteicos inibiriam, em condições normais, o crescimento neoplásico. A presença de polipose adenomatosa colônica associada a tumores dos tecidos moles e dos ossos, hipertrofia congênita do epitélio pigmentar retiniano, tumores desmoides no mesentério e neoplasias ampulares caracterizam um subconjunto das poliposes colônicas denominado síndrome de Gardner. O surgimento de tumores malignos do sistema nervoso central associados à polipose adenomatosa colônica define a síndrome de Turcot. Em todas essas doenças, os pólipos colônicos são raros antes da puberdade, mas, aos 25 anos, já estão presentes nos indivíduos acometidos. Se a polipose não for tratada cirurgicamente, ocorrerá desenvolvimento de câncer colorretal em quasae todos os pacientes com < 40 anos de idade. A polipose adenomatosa colônica se deve a um defeito na mucosa colônica que leva a um padrão proliferativo anormal e à deficiência dos mecanismos de reparo de DNA. Uma vez detectados os pólipos Ana Beatriz Figuerêdo Almeida - Medicina 2022.2 Página | 3 múltiplos, os pacientes devem ser submetidos à colectomia total. O tratamento clínico com medicamentos anti-inflamatórios não esteroides (AINEs), como sulindaco, e com inibidores seletivos da cicloxigenase 2, como celecoxibe, pode diminuir o número e o tamanho dos pólipos. Entretanto, esse efeito é apenas temporário, e a utilização de AINEs não reduz o risco de câncer. A colectomia continua sendo o principal tratamento/prevenção. Os descendentes de pacientes com polipose adenomatosa colônica, em geral pré-púberes quando o diagnóstico é feito no progenitor, apresentam 50% de chance de desenvolver essa doença pré-maligna, devendo ser cuidadosamente avaliados com sigmoidoscopia flexível anual até os 35 anos. A proctossigmoidoscopia é suficiente para o rastreamento, pois a distribuição dos pólipos tende a ser uniforme do ceco ao ânus, o que torna supérfluo o uso de técnicas mais caras e invasivas, como a colonoscopia ou o enema opaco. A pesquisa de sangue oculto nas fezes é inadequada para a triagem. Se for identificada uma mutação do APC de linhagem germinativa causadora em um membro afetado da família, um método alternativo para a identificação de portadores consiste em testar o DNA em células mononucleares do sangue periférico para a presença da mutação específica do APC. A detecção dessa de linhagem germinativa pode levar a um diagnóstico definitivo antes do desenvolvimento de pólipos.3 → Polipose associada a MYH: A polipose associada a MYH (MAP, de MYHassociated polyposis) é uma síndrome autossômica recessiva rara causada por uma mutação bialélica no gene MUT4H. Ela pode ter várias apresentações clínicas, semelhantes à polipose adenomatosa colônica ou ao câncer retal que ocorre em indivíduos mais jovens, sem polipose. As diretrizes para triagem e colectomia para essa síndrome não são tão bem definidas quanto para a polipose adenomatosa colônica, mas uma colonoscopia de vigilância anual ou bianual costuma ser recomendada, começando com a idade de 25 a 30 anos. → Câncer de cólon hereditário sem polipose (HNPCC): Também chamado de síndrome de Lynch, é outro traço de caráter autossômico dominante. Apresenta como característica a presença de três ou mais parentes com câncer colorretal confirmado histologicamente, sendo um deles parente de primeiro grau dos outros dois; um ou mais casos de câncer colorretal na família diagnosticados antes dos 50 anos; e câncer colorretal em pelo menos duas gerações. Diferentemente da polipose adenomatosa colônica, o HNPCC está associado a uma frequência elevada de câncer no cólon proximal. A mediana de idade para o surgimento de um adenocarcinoma encontra-se antes dos 50 anos, 10 a 15 anos menos do que a mediana de idade esperada para a ocorrência na população geral. Apesar de pouco diferenciados, com aparência histológica mucinosa, os tumores do cólon proximal que caracterizam o HNPCC apresentam melhor prognóstico do que os tumores esporádicos para pacientes de idades semelhantes. Famílias com HNPCC em geral apresentam indivíduos com múltiplas neoplasias primárias. Em mulheres, é especialmente importante destacar a associação de câncer colorretal a carcinomas de ovário e endométrio. Já foi relatado o aparecimento de tumores gástricos, de intestino delgado, urogenitais, pancreatobiliares e de glândulas sebáceas cutâneas. Recomenda-se que os membros dessas famílias façam colonoscopia anual ou bianual a partir dos 25 anos, devendo-se oferecer ultrassonografia pélvica e biópsia do endométrio, realizadas de maneira intermitente, a mulheres em risco. Contudo, essa estratégia de rastreamento ainda não foi validada. O HNPCC está associado a mutações na linhagem germinativa de vários genes, em particular o hMSH2 no cromossomo 2 e o hMLH1 no cromossomo 3. Essas mutações levam a erros na replicação do DNA e resultam em sua instabilidade, pois o reparo defeituoso do pareamento do DNA leva a um crescimento celular anormal e ao desenvolvimento do tumor. A realização de testes em células tumorais por meio de análise molecular do DNA para “instabilidade de microssatélites” ou detecção imuno-histoquímica de3 deficiência de proteínas de reparo de mau pareamento em pacientes com câncer colorretal e história familiar positiva de câncer colorretal ou de endométrio pode identificar probandos com HNPCC. DOENÇA INFLAMATÓRIA INTESTINAL Pacientes com doença inflamatória intestinal (DII) de longa duração apresentam um maior risco de câncer do intestino grosso. As neoplasias desenvolvem-se mais comumente em pacientes com retocolite ulcerativa do que naqueles com colite granulomatosa (i.e., doença de Crohn), mas essa impressão pode resultar, em parte, de dificuldades ocasionais para diferenciar essas duas condições. O risco de doença colorretal em um paciente com DII é relativamente baixo nos primeiros 10 anos da doença, mas, em seguida, parece aumentar entre 0,5 e 1% ao ano. Após 25 anos de doença, 8 a 30% dos pacientes podem ter câncer. O risco é maior em pacientes jovens com pancolite. As estratégias de vigilância em pacientes com DII são insatisfatórias. Sintomas como diarreia sanguinolenta, cólicas abdominais e obstrução, que podem indicar o surgimento de um tumor, são semelhantes às queixas Ana Beatriz Figuerêdo Almeida - Medicina 2022.2 Página | 4 provocadas por exacerbação da doença de base. Nos pacientes com ≥ 15 anos de doença e que continuam a sofrer exacerbações, a colectomia pode reduzir bastante o risco de câncer, bem como eliminar o órgão- alvo da doença gastrintestinal crônica subjacente. O valor de técnicas de triagem, como a colonoscopia com biópsia da mucosa e escovados citológicos em indivíduos oligossintomáticos com DII, é incerto. A heterogeneidadenos critérios patológicos que caracterizam a displasia e a falta de dados sobre a influência do rastreamento na redução do aparecimento de neoplasias fatais geraram controvérsia em torno dessa dispendiosa rotina. OUTRAS CONDIÇÕES DE ALTO RISCO → Bacteremia por Streptococcus bovis: Por motivos desconhecidos, os indivíduos com endocardite ou sepse causada por essa bactéria fecal apresentam alta incidência de tumores colorretais ocultos e também, provavelmente, de neoplasias gastrintestinais altas. A triagem endoscópica ou radiológica parece aconselhável. → Tabagismo: O fumo está associado ao surgimento de adenomas colorretais, principalmente após uso de tabaco por mais de 35 anos. Ainda não foi proposta uma explicação biológica para essa associação. PREVENÇÃO PREVENÇÃO PRIMÁRIA Foi proposta a utilização de vários medicamentos de uso oral para inibir o câncer de cólon. Os mais eficazes na quimioprevenção são o ácido acetilsalicílico e outros AINEs. Acredita-se que eles inibam a proliferação celular ao bloquearem a síntese de prostaglandinas. O uso regular de ácido acetilsalicílico reduz o risco de adenomas e carcinomas de cólon, bem como o de morte por câncer do intestino grosso. Esses medicamentos parecem diminuir também a possibilidade do surgimento de outros adenomas pré- malignos após o tratamento com sucesso de um carcinoma de cólon. Esse efeito do ácido acetilsalicílico na carcinogênese colônica aumenta de acordo com a duração do uso e a dosagem do medicamento. Dados recentes que associam a presença de níveis plasmáticos adequados de vitamina D a uma redução do risco de pólipos adenomatosos e câncer colorretal parecem ser promissores. O valor da vitamina D, como forma de quimioprevenção, ainda está sendo investigado. As vitaminas antioxidantes, como o ácido ascórbico, os tocoferóis e o β-caroteno, são inefetivos em reduzir a incidência de adenomas subsequentes em pacientes nos quais se removeu um adenoma colônico. A terapia de reposição com estrogênio foi associada a uma redução no risco de câncer colorretal em mulheres, provavelmente por seu efeito na síntese e na composição de ácidos biliares ou pela diminuição da síntese de IGF-I. 4) EXPLICAR OS SINAIS E SINTOMAS APRESENTADOS DURANTE A EVOLUÇÃO DOS TUMORES COLORRETAIS; CARACTERÍSTICAS CLÍNICAS Sintomas de apresentação: Os sintomas variam de acordo com a localização anatômica do tumor. Como as fezes ainda estão relativamente líquidas ao passarem pela valva ileocecal e entrarem no cólon direito, os tumores do ceco e do cólon ascendente podem crescer bastante antes de causarem sintomas obstrutivos ou outras alterações nos hábitos intestinais. As lesões do cólon direito costumam ulcerar, causando perda sanguínea crônica e insidiosa, mas que não altera o aspecto das fezes. Portanto, os pacientes com tumores do cólon direito apresentam, muitas vezes, sintomas como fadiga, palpitação ou até angina pectoris, além de anemia hipocrômica e microcítica, indicando deficiência de ferro. Como os cânceres podem apresentar um padrão de sangramento intermitente, uma pesquisa aleatória de sangue oculto nas fezes pode ser negativa. Assim, a presença inexplicada de anemia ferropriva em qualquer adulto (com a possível exceção de uma mulher multípara na prémenopausa) exige uma avaliação endoscópica e/ou radiológica detalhada de todo o intestino grosso. Como as fezes são formadas ao passarem pelos cólons transverso e descendente, os tumores que surgem nessa região tendem a obstruir sua passagem, provocando cólicas abdominais, obstruções eventuais e até perfuração. As radiografias do abdome muitas vezes revelam lesões constritivas anulares (em “maçã mordida” ou em “anel de guardanapo”). As neoplasias que surgem no retossigmoide estão muitas vezes associadas a hematoquezia, tenesmo e diminuição do calibre das fezes. Anemia é um achado incomum. Tais sintomas podem levar o paciente ou o médico a suspeitar de hemorroidas, porém o surgimento de sangramento retal ou de alteração dos hábitos intestinais exige investigação imediata com toque retal e proctossigmoidoscopia. 5) CARACTERIZAR O RASTREAMENTO, DIAGNÓSTICO E ESTADIAMENTO DO CA COLORRETAL; RASTREAMENTO A justificativa para programas de rastreamento para o câncer colorretal baseia-se no fato de que a remoção de pólipos adenomatosos prevenirá o câncer colorretal e de que a detecção precoce de neoplasias superficiais Ana Beatriz Figuerêdo Almeida - Medicina 2022.2 Página | 5 e localizadas, em pacientes assintomáticos, aumentará a taxa de cura cirúrgica. Esses programas de rastreamento são particularmente importantes para indivíduos com uma história familiar de doença em parentes de primeiro grau. O risco relativo para o desenvolvimento de câncer colorretal aumenta para 1,75 nesses indivíduos e pode ser ainda maior se seu parente tiver sido afetado pela doença antes dos 60 anos. Anteriormente, o rastreamento era feito com a proctossigmoidoscopia rígida, uma vez que 60% das lesões precoces se localizam no retossigmoide. No entanto, por motivos desconhecidos, a proporção de neoplasias do intestino grosso que surgem no reto tem diminuído nas últimas décadas, com um correspondente aumento da proporção de neoplasias no cólon descendente, mais proximal. Por isso, tem-se questionado se a proctossigmoidoscopia rígida é capaz de detectar um número suficiente de neoplasias ocultas para tornar a razão custo/benefício do procedimento favorável. Estratégias de rastreamento para o câncer colorretal → Exame por toque retal → Exame das fezes Sangue oculto DNA fecal → Exames de imagem Enema baritado com contraste Virtual (i.e., colonografia por tomografia computadorizada) → Endoscopia Sigmoidoscopia flexível Colonoscopia Muitos programas de detecção precoce do câncer colorretal consistiam no exame de toque retal e na pesquisa de sangue oculto nas fezes (i.e., guáiaco nas fezes). O toque retal deve ser parte do exame físico de rotina de qualquer adulto com mais de 40 anos. Ele serve para o rastreamento do câncer de próstata em homens e é parte do exame pélvico em mulheres, constituindo uma manobra de baixo custo para a detecção de massas retais. Entretanto, em função da migração proximal dos tumores colorretais, seu valor no rastreamento global do câncer colorretal tornou-se limitado. O desenvolvimento da pesquisa de sangue oculto nas fezes facilitou muito a detecção de sangue nas fezes. Infelizmente, mesmo quando realizada de modo adequado, a pesquisa de sangue oculto nas fezes apresenta limitações importantes como técnica de rastreamento. Cerca de 50% dos pacientes com câncer colorretal documentado apresentam um teste negativo, compatível com o padrão de sangramento intermitente desses tumores. Quando foram testadas coortes randômicas de pacientes assintomáticos, 2 a 4% dos pacientes apresentaram pesquisa positiva para sangue oculto nas fezes. Desses casos “positivos”, < 10% tiveram câncer colorretal e outros 20 a 30% apresentaram pólipos benignos. Assim, a maioria dos indivíduos assintomáticos com sangue oculto nas fezes não apresenta neoplasia colorretal. No entanto, as pessoas identificadas com teste para sangue oculto nas fezes positivo acabam sendo encaminhadas, rotineiramente, para avaliação clínica, incluindo sigmoidoscopia e/ou colonoscopia – procedimentos não apenas desconfortáveis e caros, mas também associados a um pequeno risco de complicações significativas. O custo adicional desses exames seria justificável se o pequeno número de pacientes, identificados pelo rastreamento com a pesquisa de sangue oculto nas fezes, mostrassem um melhor prognóstico e aumento da sobrevida. Prospectivamente, os ensaios controlados têm mostrado uma redução estatisticamente significativa nataxa de mortalidade por câncer colorretal para os indivíduos submetidos à triagem anual das fezes com guáiaco. No entanto, esse benefício só apareceu após mais de 13 anos de acompanhamento e sua obtenção foi caríssima, pois foi feita colonoscopia sempre que os testes foram positivos (sendo a maioria deles falsos positivos). E, ainda, é provável que esses exames colonoscópicos ofereceram a oportunidade para prevenção do câncer através da remoção de pólipos adenomatosos potencialmente pré-malignos, pois o surgimento de novos tumores diminuiu 20% na coorte submetida ao rastreamento anual. Com o reconhecimento de que o processo carcinogênico que leva à progressão da mucosa intestinal normal à formação de um pólipo adenomatoso e, em seguida, ao câncer é o resultado de uma série de alterações moleculares, os pesquisadores examinaram o DNA fecal para a presença de mutações associadas a essas alterações moleculares como evidência da presença oculta de lesões précancerosas ou verdadeiramente malignas. Essa estratégia foi utilizada em > 4 mil indivíduos assintomáticos, cujas fezes foram avaliadas para pesquisa de sangue oculto e de presença de 21 possíveis mutações no DNA fecal; eles também foram submetidos à colonoscopia. Embora a pesquisa de DNA fecal tenha sido capaz de mostrar a presença de mais adenomas avançados e neoplasias do que o teste de sangue oculto nas fezes, a sensibilidade global, utilizando a colonoscopia como padrão, foi inferior a 50%, diminuindo o entusiasmo Ana Beatriz Figuerêdo Almeida - Medicina 2022.2 Página | 6 para o prosseguimento do exame de DNA fecal. A utilização de exames de imagem para rastreamento do câncer colorretal também foi avaliada. Enemas de bário com duplo contraste foram utilizados para identificar a fonte do sangramento oculto antes do advento da endoscopia com fibra óptica. O desconforto e a inconveniência do procedimento para os pacientes limitaram sua adoção mais abrangente. A introdução do exame de tomografia computadorizada (TC) levou ao desenvolvimento da colonografia virtual (i.e., TC) como alternativa ao uso crescente das técnicas de triagem endoscópicas. A colonografia virtual foi proposta como sendo equivalente em sensibilidade à colonoscopia e está disponível de forma mais ampla, pois não exige o mesmo grau de especialização do operador como na videoendoscopia. Entretanto, ela necessita da mesma preparação com catárticos que limitou a aceitação generalizada da colonoscopia endoscópica. A colonografia virtual é diagnóstica, mas não terapêutica (i.e., os pacientes com lesões suspeitas devem ser submetidos a um procedimento endoscópico para polipectomia ou biópsia), e, na prática radiológica geral, parece ser uma técnica de triagem menos sensível quando comparada aos procedimentos endoscópicos. Com a avaliação da inadequação dos testes de sangue oculto nas fezes isolados, as preocupações com a praticidade dos exames de imagem e uma maior adoção de exames endoscópicos pelos médicos de atenção primária, foram alteradas as estratégias para rastreamento de pacientes assintomáticos. Atualmente, tanto a American Cancer Society quanto a National Comprehensive Cancer Network sugerem a pesquisa de sangue oculto nas fezes anualmente e a sigmoidoscopia flexível a cada 5 anos, ou a colonoscopia a cada 10 anos, começando aos 50 anos em pacientes assintomáticos, sem história pessoal ou familiar de pólipos ou câncer colorretal. A recomendação para inclusão da sigmoidoscopia flexível é fortemente apoiada em resultados recentemente publicados de três ensaios randomizados, realizados nos Estados Unidos, no Reino Unido e na Itália, envolvendo mais de 350 mil indivíduos, que mostraram de modo consistente que os exames sigmoidoscópicos periódicos (mesmo isolados), após mais de uma década de acompanhamento médio, levaram a uma redução aproximada de 21% no desenvolvimento do câncer colorretal e uma redução acima de 25% na mortalidade por doença maligna. Menos de 20% dos participantes desses estudos se submeteram a uma nova colonoscopia. Em contraste à preparação catártica, necessária para procedimentos colonoscópicos, que só podem ser realizados por especialistas treinados, a sigmoidoscopia flexível necessita apenas de enema como preparação e pode ser realizada com precisão por médicos não especialistas. Estudos randomizados de rastreamento com sigmoidoscopia flexível levaram a estimativas de que cerca de 650 indivíduos deveriam ser submetidos a rastreamento para evitar uma morte por câncer colorretal. Esse fato contrasta com os dados para mamografia, em que o número necessário de mulheres submetidas a rastreamento para evitar uma morte por câncer de mama é de 2.500, reforçando a eficácia da vigilância endoscópica para rastreamento do câncer colorretal. Provavelmente, os benefícios do rastreamento sigmoidoscópico resultam da identificação e da remoção dos pólipos adenomatosos. É intrigante que esse benefício tenha sido alcançado utilizando uma técnica que não permite a visualização da metade proximal do intestino grosso. Ainda não se sabe se a vigilância colonoscópica para rastreamento do câncer colorretal, que vem aumentando em popularidade nos Estados Unidos, provará ser mais eficaz do que a sigmoidoscopia flexível. Ensaios randomizados em andamento na Europa abordam essas questões. Embora a sigmoidoscopia flexível seja capaz de visualizar apenas a metade distal do intestino grosso, e assumindo-se que a colonoscopia representa uma abordagem com mais informações, parece que a colonoscopia é menos precisa para rastreamento do cólon proximal do que do cólon distal, talvez devido a considerações técnicas, mas também possivelmente em função de uma maior frequência de pólipos serrados (i.e., “planos”) no cólon direito, que são mais difíceis de serem identificados. No momento, a colonoscopia a cada 10 anos tem sido realizada em alternativa à pesquisa anual de sangue oculto nas fezes e sigmoidoscopia periódica (a cada 5 anos). A colonoscopia mostrou-se superior ao enema baritado com duplo contraste, sendo também mais sensível na detecção de adenomas vilosos ou displásicos ou neoplasias do que a estratégia com pesquisa de sangue oculto nas fezes e sigmoidoscopia flexível. Ainda não está determinado se a colonoscopia realizada a cada 10 anos, iniciando aos 50 anos, é clinicamente superior e economicamente equivalente à sigmoidoscopia flexível. ESTADIAMENTO, FATORES PROGNÓSTICOS E PADRÕES DE DISSEMINAÇÃO O prognóstico dos pacientes com câncer colorretal depende da profundidade da invasão tumoral na Ana Beatriz Figuerêdo Almeida - Medicina 2022.2 Página | 7 parede intestinal, do acometimento dos linfonodos regionais e de metástases a distância. Essas variáveis são incorporadas em um método de classificação TNM, em que T representa a profundidade de penetração do tumor, N, a presença de comprometimento de linfonodos, e M, a presença ou ausência de metástases a distância. • As lesões superficiais que não envolvem os linfonodos regionais e não penetram a submucosa (T1) ou a muscular (T2) são denominadas doença em estágio I (T1-2N0M0); • Os tumores que penetram a muscular, mas não se disseminam para os linfonodos, são chamados de doença em estágio II (T3-4N0M0); • O envolvimento de linfonodos regionais define a doença em estágio III (TXN1-2M0); • E a disseminação metastática para locais como fígado, pulmões ou ossos indica doença em estágio IV (TXNXM1). Não é possível determinar com precisão o estágio da doença antes da ressecção cirúrgica e do estudo histopatológico das peças cirúrgicas, exceto nos casos em que há doença metastática evidente. A maioria das recidivas após a ressecção cirúrgica de um tumor do intestino grosso ocorre nos primeiros 4 anos,o que torna a sobrevida após 5 anos um indicador bastante confiável de cura. A probabilidade de sobrevida em 5 anos dos pacientes está associada ao estadiamento do tumor e melhorou durante as últimas décadas, quando foram comparados estágios cirúrgicos semelhantes. A explicação mais plausível para essa melhora é um estadiamento cirúrgico e patológico mais cuidadoso. Em especial, uma maior atenção aos detalhes patológicos revelou que o prognóstico após a ressecção de câncer colorretal não está associado apenas à presença ou à ausência de comprometimento de linfonodos regionais; em vez disso, o prognóstico pode ser mais preciso quando associado ao número de linfonodos comprometidos (1-3 linfonodos [“N1”] vs. 4 ou mais linfonodos [“N2”]) e ao número de nódulos examinados. Um mínimo de 12 amostras de linfonodos é considerado necessário para definir com acurácia o estágio do tumor, e quanto maior o número de linfonodos examinados, melhor. Outros fatores que indicam um prognóstico ruim após a ressecção cirúrgica total são a penetração do tumor através da parede intestinal até a gordura pericólica, a histologia pouco diferenciada, a perfuração e/ou a aderência do tumor aos órgãos adjacentes (que aumenta o risco de recidiva anatomicamente adjacente), bem como a invasão venosa pelo tumor. Seja qual for o estágio clinicopatológico, uma elevação pré-operatória dos níveis plasmáticos do antígeno carcinoembrionário (CEA, de carcinoembryonic antigen) indica uma recidiva subsequente do tumor. A presença de aberrações cromossômicas específicas, particularmente uma mutação no gene b- raf nas células tumorais, parece prever um risco maior de disseminação metastática. Já a detecção de instabilidade de microssatélites em tecidos tumorais indica evolução mais favorável. Os tumores que surgem no cólon esquerdo estão associados a um melhor prognóstico do que aqueles que se desenvolvem cólon direito, provavelmente devido a diferenças nos padrões moleculares. Diferentemente da maioria dos outros tumores, o prognóstico do câncer colorretal não depende do tamanho da lesão primária, quando ajustado para o comprometimento linfonodal e a diferenciação histológica. Preditores de prognósticos mais reservados após ressecção cirúrgica total do câncer colorretal: • Disseminação do tumor para linfonodos regionais; • Número de linfonodos regionais envolvidos; • Penetração de tumor através da parede intestinal • Histologia pouco diferenciada; • Perfuração Aderência do tumor a órgãos adjacentes • Invasão venosa; • Elevação pré-operatória do título de CEA (> 5 ng/mL); • Supressão cromossômica específica (p. ex., mutação do gene b-raf); • Localização do tumor primário do lado direito. 6) CARACTERIZAR OS TRATAMENTOS QUIMIO E RADIOTERÁPICOS REALIZADOS PARA ESSES TUMORES; Ana Beatriz Figuerêdo Almeida - Medicina 2022.2 Página | 8 Quando se detecta uma lesão maligna no intestino grosso, o tratamento ideal é a ressecção total do tumor. Antes da cirurgia, contudo, deve-se realizar uma avaliação para presença de doença metastática, incluindo exame físico completo, avaliação bioquímica da função hepática, determinação dos níveis plasmáticos do CEA e uma TC de tórax, abdome e pelve. Se possível, deve-se fazer uma colonoscopia total, com visualização de todo o cólon, para procurar neoplasias sincrônicas e/ou pólipos. A detecção de metástases não deve contraindicar a cirurgia em pacientes com sintomas como sangramento gastrintestinal ou obstrução, porém frequentemente indicam uma cirurgia menos radical. Ainda há controvérsias sobre a abordagem de ressecção do tumor primário em pacientes assintomáticos com doença metastática. Durante a laparotomia, é necessário examinar toda a cavidade peritoneal, com inspeção minuciosa do fígado, da pelve e do hemidiafragma, bem como palpação cuidadosa de todo o intestino grosso. Após a recuperação de uma ressecção completa, deve-se proceder a uma avaliação cuidadosa do paciente por 5 anos, com exame físico semestral e bioquímica de sangue anual. Se uma colonoscopia total não tiver sido feita no pré- operatório, ela deve ser realizada nos primeiros meses do pós-operatório. Alguns especialistas defendem a determinação dos níveis plasmáticos de CEA em intervalos de 3 meses, pois se trata de um teste sensível que permite identificar recidiva não detectável por outros meios. Está indicada a reavaliação endoscópica subsequente do intestino grosso, provavelmente a cada 3 anos, pois os pacientes curados de um câncer colorretal apresentam 3 a 5% de chance de desenvolver outro câncer de cólon durante a vida e um risco de mais de 15% de surgimento de pólipos adenomatosos. As recidivas anastomóticas (na “linha de sutura”) são incomuns em pacientes com câncer colorretal quando as bordas da ressecção cirúrgica são adequadas e estão livres de tumor. O valor da TC periódica de abdome à procura de uma indicação assintomática precoce de recidiva tumoral, apesar de incerto, tem sido recomendado anualmente nos 3 primeiros anos do pós-operatório. Recomenda-se a radioterapia da pelve em pacientes com câncer retal, uma vez que ela reduz a probabilidade de 20 a 25% de recidiva regional após ressecção cirúrgica completa de tumores nos estágios II ou III, principalmente se tiverem penetrado através da serosa. Acredita-se que a altíssima taxa de recidiva local se deva ao fato de que o espaço anatômico restrito na pelve limita a extensão da ressecção e porque a rica rede linfática da parede pélvica lateral pode facilitar a disseminação precoce de células malignas para áreas inacessíveis à cirurgia. Nas neoplasias do reto, o uso de dissecção cortante, em vez de divulsionamento (excisão mesorretal total), parece reduzir o risco de recidiva local para cerca de 10%. A radioterapia pré ou pós-operatória reduz a probabilidade de recidiva pélvica, mas parece não aumentar a sobrevida. A combinação de radioterapia e quimioterapia com 5-fluoruracila (5-FU), preferivelmente antes da ressecção cirúrgica, diminui as taxas de recorrência local e melhora a sobrevida geral. A radioterapia préoperatória está indicada para pacientes com tumores retais extensos e potencialmente irressecáveis; essas lesões podem diminuir o suficiente para permitir a sua remoção cirúrgica subsequente. A radioterapia não é eficaz como tratamento primário do câncer de cólon. A terapia sistêmica para pacientes com câncer colorretal tornou-se mais eficaz. A 5-FU continua sendo a base do tratamento dessa doença. São obtidas respostas parciais em 15 a 20% dos pacientes. A possibilidade de resposta tumoral parece ser um pouco maior em pacientes com metástases hepáticas quando se infunde o quimioterápico diretamente na artéria hepática, mas o tratamento intra-arterial é tóxico e dispendioso, parecendo não prolongar de maneira notável a sobrevida. A administração simultânea de ácido folínico (leucovorina [LV]) melhora a eficácia da 5-FU em pacientes com câncer colorretal avançado. O provável mecanismo de ação é o aumento da afinidade da 5-FU pela sua enzima-alvo, a timidilatosintase. A administração de 5-FU costuma ser intravenosa, mas também pode ser por via oral, na forma de capecitabina, com eficácia aparentemente semelhante. O irinotecano (CPT-11), um inibidor da topoisomerase 1, tem sido acrescentado à 5-FU e LV (p. ex., FOLFIRI), resultando em melhora das taxas de respostas e sobrevida de pacientes com doença metastática. O esquema FOLFIRI é o seguinte: irinotecano, 180 mg/m2 na forma de infusão de 90 min no dia 1; LV, 400 mg/m2, em infusão de 2 horas durante a administração do irinotecano, seguida imediatamente de 5-FU, em bolus de 400 mg/m2 e infusão contínua de 2,4 a 3 g/m2 durante 46 horas, a cada 2 semanas. O principal efeito colateral doirinotecano é a diarreia. A oxaliplatina, análogo da platina, também aumenta a taxa de resposta quando adicionada à 5-FU e à LV (FOLFOX) como tratamento inicial em pacientes com doença metastática. O esquema FOLFOX é o seguinte: infusão de LV durante 2 Ana Beatriz Figuerêdo Almeida - Medicina 2022.2 Página | 9 horas (400 mg/m2 ao dia), seguida de 5-FU em bolus (400 mg/m2 ao dia) e infusão de 22 h (1.200 mg/m2), a cada 2 semanas, juntamente com oxaliplatina, 85 mg/m2 em infusão de 2 horas no dia 1. A oxaliplatina com frequência provoca uma neuropatia sensitiva, dependente da dose que muitas vezes, mas não sempre, desaparece com a interrupção do tratamento. O FOLFIRI e o FOLFOX apresentam eficácia semelhante. Na doença metastática, esses esquemas poderão levar a uma sobrevida média de 2 anos. Os anticorpos monoclonais também são eficazes em pacientes com câncer colorretal avançado. O cetuximabe e o panitumumabe são direcionados contra o receptor do fator de crescimento epidérmico (EGFR, de epidermal growth factor receptor), uma glicoproteína transmembrana envolvida nas vias de sinalização que afetam o crescimento e a proliferação das células tumorais. Tanto o cetuximabe quanto o panitumumabe, quando administrados de modo isolado, apresentaram benefícios para uma pequena proporção de pacientes anteriormente tratados, e o cetuximabe parece ter sinergia terapêutica com agentes quimioterápicos, como o irinotecano, mesmo em pacientes previamente resistentes a esse fármaco, o que sugere que o cetuximabe possa reverter a resistência celular à quimioterapia citotóxica. Os anticorpos não são efetivos em cerca de 65% do subgrupo de tumores do cólon que contêm mutações nos genes ras ou braf. O uso de cetuximabe e panitumumabe pode levar a um exantema semelhante à acne, sendo o desenvolvimento e a gravidade do exantema correlacionados à probabilidade da eficácia antitumoral. Os inibidores do EGFR tirosina-cinase, como o erlotinibe ou o sunitinibe, não são eficazes no câncer colorretal. O bevacizumabe é um anticorpo monoclonal dirigido contra o fator de crescimento do endotélio vascular (VEGF, de vascular endothelial growth factor) e atua como um agente de antiangiogênese. A adição de bevacizumabe às combinações contendo irinotecano e ao FOLFOX parece, inicialmente, melhorar de modo significativo os resultados observados com a quimioterapia isolada, mas estudos subsequentes sugerem um menor grau de benefício. O uso de bevacizumabe pode levar à hipertensão, a proteinúria e ao aumento da probabilidade de eventos tromboembólicos. Os dados preliminaries sugerem que o uso de inibidores de checkpoints (i.e., PD-1 e PD-2) como imunoterapia é efetivo no pequeno subgrupo de pacientes com câncer colorretal metastático, cujos tumores têm deficiência da proteína de reparo de mau pareamento (i.e., microssatélites instáveis). Os pacientes com metástases hepáticas solitárias, sem evidências clínicas ou radiográficas de envolvimento adicional do tumor, devem ser considerados para ressecção parcial de fígado, uma vez que esses procedimentos estão associados a taxas de 25 a 30% de sobrevida em 5 anos quando realizados em indivíduos selecionados por cirurgiões experientes. A administração de 5-FU e LV durante 6 meses após a ressecção do tumor em pacientes com doença em estágio III leva a 40% de redução das taxas de recidiva e 30% de melhora de sobrevida. A probabilidade de recidiva foi ainda mais reduzida quando a oxaliplatina foi combinada com 5-FU e LV (p. ex., FOLFOX), particularmente em pacientes cujo tumor sofreu disseminação para 4 ou mais linfonodos regionais (N2). De modo inesperado, o acréscimo de irinotecano à 5- FU e à LV, bem como a adição de bevacizumabe ou cetuximabe ao esquema FOLFOX, não melhorou significativamente os resultados. Os pacientes com tumores em estágio II não parecem se beneficiar muito da terapia adjuvante, sendo o uso de tal tratamento em geral restrito aos que apresentam características biológicas (p. ex., tumores perfurantes, lesões T4, invasão linfovascular) que os colocam em alto risco de recorrência. A adição de oxaliplatina ao tratamento adjuvante para pacientes com > 70 anos e para aqueles com doença em estágio II não parece fornecer qualquer benefício terapêutico. No câncer retal, a administração de terapias pré e pós-operatórias combinadas (5-FU ou capecitabina mais radioterapia) reduz o risco de recidiva e aumenta a chance de cura para pacientes com tumores em estágios II e III, sendo a abordagem pré-operatória mais bem tolerada. 7) CARACTERIZAR OS PRINCIPAIS SÍTIOS METASTÁTICO DOS TUMORES COLORRETAIS; As neoplasias do intestino grosso em geral se disseminam para os linfonodos regionais ou para o fígado pela circulação da veia porta. O fígado é o sítio mais comum de metástase visceral. Cerca de um terço das recidivas a distância de tumores colorretais se iniciam no fígado. No momento da morte, mais de dois terços desses pacientes apresentam doença hepática. Em geral, o câncer colorretal raramente se dissemina para os pulmões, os linfonodos supraclaviculares, os ossos ou o cérebro sem antes ter se disseminado para o fígado. A maior exceção a essa regra ocorre em pacientes com tumores primários do reto distal, de onde as células tumorais podem se disseminar pelo Ana Beatriz Figuerêdo Almeida - Medicina 2022.2 Página | 10 plexo venoso paravertebral, escapando do sistema venoso portal e atingindo os pulmões ou os linfonodos supraclaviculares, sem acometer o fígado. A sobrevida mediana após a detecção de metástases a distância aumentou nesses últimos 30 anos, de 6 a 9 meses (hepatomegalia, bioquímica hepática anormal) para 27 a 30 meses (pequeno nódulo hepático identificado inicialmente por níveis elevados de CEA e TC subsequente), com terapia sistêmica cada vez mais efetiva melhorando ainda mais esse prognóstico. Os esforços para utilizar os perfis de expressão gênica na identificação de pacientes com risco de recorrência ou daqueles com particular tendência a se beneficiar da terapia adjuvante ainda não forneceram resultados para alterar a prática. Apesar da existência de ampla literatura examinando um conjunto de fatores prognósticos, o estacionamento patológico no momento do diagnóstico é a melhor indicação do prognóstico de longo prazo. Pacientes com invasão linfovascular e níveis de CEA pré-operatórios elevados tendem a apresentar uma evolução clínica mais agressiva. 8) DISCUTIR AS POSSÍVEIS COM PLICAÇÕES DO TRATAMENTO QUIMIOTERÁPICO, COMO MUCOSITE, NEUTROPENIA FEBRIL E SÍNDROME DA LISE TUMORAL; MUCOSITE A mucosite é definida como uma inflamação e uma ulceração da mucosa bucal e gastrintestinal. O quadro clínico de mucosite severa pode levar à necessidade de modificações nos protocolos de tratamento, além de administração de medicamentos intravenosos ou nutrição parenteral e sonda nasogástrica. Uma avaliação profissional da cavidade bucal antes do início do tratamento oncológico é muito recomendada e pode resultar em ganhos em termos de qualidade de vida para os pacientes, além de menores interrupções no tratamento. A mucosite é definida como uma consequência debilitante da terapia antineoplásica caracterizada por inflamação e ulceração da mucosa bucal e gastrintestinal (GI), e representa um dos efeitos colaterais mais importantes do tratamento contra o câncer. Clinicamente, a mucosite varia de lesões eritematosas pouco sintomáticas a quadros severos de ulceração e dor, que pode levar à modificação do tratamento antineoplásico ou até à necessidade da interrupção do mesmo, promovendo, assim, uma redução da qualidade de vida e/ou a sobrevida do paciente. A real prevalência da mucosite é difícil de ser estabelecida, tendo em vista a ampla variedade depopulações estudadas, diagnósticos, formas de relatar seu aparecimento, protocolos de tratamento, tempo e sistemas de graduação utilizados nos diversos trabalhos acerca desse tema. Entretanto, sabe-se que a mucosite é uma complicação especialmente comum em pacientes que recebem quimioterapia mieloblástica agressiva como, por exemplo, durante o condicionamento para transplante de medula óssea (TMO) e em pacientes que recebem terapia com radiação para cânceres de cavidade bucal, orofaringe, nasofaringe e de glândulas salivares. Pacientes com neoplasias hematológicas, como a doença de Hodgkin, têm mais propensão a desenvolver mucosite que os pacientes com tumores sólidos, talvez porque essas doenças atingem mais pacientes jovens e pelas drogas utilizadas, geralmente mucosite- indutoras. A incidência de mucosite em crianças e pacientes jovens é maior do que em pacientes idosos, mesmo quando submetidos a regimes de tratamento com quimioterápicos semelhantes e para o mesmo tipo de neoplasia, provavelmente devido ao maior índice mitótico do epitélio dos mesmos. De acordo com Sonis et al., a incidência de mucosite varia de 12%, nos casos de pacientes que recebem quimioterapia adjuvante, ou até 100%, nos casos em que os pacientes submetidos a TMO que recebem TBI (do inglês total body irradiation) associada a drogas quimioterápicas em altas doses. Alguns fatores tais como o tipo de doença, as condições de higiene oral, o tipo, a dose e a frequência da administração das drogas, associadas ou não com a radioterapia, podem modificar a incidência da mucosite. Pacientes com mucosite bucal severa têm significantemente mais chances de perder peso, pois possuem maiores dificuldades para deglutição e, muitas vezes, necessitam de gastrostomia para se alimentar. Elting et al. relataram que pacientes nessas condições podem necessitar de internações durante o tratamento e, consequentemente, há aumento nos custos do mesmo. Dependendo da severidade da mucosite bucal, esses custos podem variar entre U$1.700,00 a U$6.000,00 por indivíduo tratados com radioterapia para região de cabeça e pescoço Sonis et Ana Beatriz Figuerêdo Almeida - Medicina 2022.2 Página | 11 al relata que em protocolos de tratamento para pacientes de alto risco, as lesões bucais são tão severas, que, em muitos casos, se faz necessária a modificação do tratamento antineoplásico ou até mesmo a necessidade da interrupção do mesmo, promovendo, assim, uma redução da qualidade de vida e/ou a sobrevida do paciente. Manifestações clínicas As manifestações clínicas da mucosite variam de formas leves a severas, mas representam um espectro da mesma doença. Em sua forma leve, apresenta-se como lesão atrófica, eritematosa, na qual a mucosa permanece intacta. Nesses casos, o paciente pode ter sensibilidade, como a observada nos casos de queimadura por alimentos quentes, e pode ser facilmente tratado. Em contrapartida, pacientes com formas mais severas de mucosite desenvolvem ulcerações que penetram profundamente na submucosa e causam dor severa, o que rotineiramente exige uso de analgésicos potentes. Nesses quadros, observam-se exacerbação da dor nos momentos de higienização e respiração bucal do paciente. O quadro clínico de mucosite severa pode levar a modificações nos protocolos de tratamento, necessitando de administração de medicamentos intravenosos ou nutrição parenteral e sonda nasogástrica (SNG). Isso vem sempre acompanhado de sintomas gerais, tais como náuseas, vômitos, diarreia associada a dor, aumento do desconforto dificultando o sono e trazendo anorexia, e a perda de peso, com a queda drástica na qualidade de vida do paciente. Classificação de mucosite bucal da OMS - Graduação da mucosite Grau 0 → Mucosa normal; Grau 1 → Dor, com ou sem eritema. Sem ulceração. Paciente se alimenta com dieta sólida; Grau 2 → Presença de ulceração e eritema, porém ainda se alimenta com dieta sólida; Grau 3 → Ulceração e eritema. Já não se alimenta com dieta sólida; Grau 4 → Ulceração e impossibilidade de se alimentar. O sistema de graduação mais utilizado atualmente é o da Organização Mundial da Saúde (OMS) no qual se levam em consideração critérios objetivos e subjetivos, que consideram o estado geral físico e nutricional do paciente bem como a inspeção da cavidade bucal. Segundo esse órgão, a mucosite varia do grau 0 ao 4 da seguinte forma: • inexistência de alterações da mucosa; • inflamação e eritema; • eritema e úlceras (paciente consegue ingerir sólidos); • ulceração (ingestão apenas de líquidos); e • impossível a alimentação bucal. A mucosite afeta principalmente as superfícies não queratinizadas da mucosa bucal, provavelmente devido ao menor índice de renovação celular dessas áreas. As lesões tendem a recorrer na mesma localização em cada episódio de mucosite. Tendo em vista que a boca possui uma ampla variedade de micro-organismos, a perda da integridade epitelial, como ocorre em alguns casos de mucosite (graus 3 e 4), aumenta marcadamente o risco de bacteremia, fungemia e sepse. Em pacientes submetidos a TMO, observa-se um risco maior de desenvolvimento de febre e infecções sistêmicas na presença de mucosite, quando comparado aos pacientes sem mucosite. Paralelamente, a necessidade de nutrição parenteral e analgesia com narcóticos também aumenta. De acordo com Elting et al e Trotti et al, os níveis de infecção estão aumentados na presença de mucosite bucal quimioinduzida em pacientes com tumores sólidos e que recebem TMO, respectivamente, assim como a duração da hospitalização e os custos do tratamento. NEUTROPENIA FEBRIL Pacientes com câncer que recebem terapia antineoplásica citotóxica suficiente para afetar adversamente a mielopoiese e a integridade do desenvolvimento da mucosa gastrointestinal estão em risco de infecção invasiva devido a colonização de bactérias e/ou fungos que translocam através das superfícies da mucosa intestinal. Como a magnitude do componente mediado por neutrófilos da resposta inflamatória pode ser silenciada em pacientes neutropênicos, uma febre pode ser o primeiro e único sinal de infecção. É essencial reconhecer precocemente a febre neutropênica e iniciar prontamente a terapia antibacteriana sistêmica empírica, a fim de evitar a progressão para uma síndrome de sepse e possivelmente a morte. A definição de neutropenia pode variar de instituição para instituição, mas geralmente é definida como uma contagem absoluta de neutrófilos (CAN)<1500 ou 1000 células/microL, neutropenia grave como um CAN <500 células/microL ou CAN que é esperado diminuir para Ana Beatriz Figuerêdo Almeida - Medicina 2022.2 Página | 12 <500células/microL nas próximas 48 horas e neutropenia profunda como CAN<100 células/microL. O risco de infecção clinicamente importante aumenta a medida que a contagem de neutrófilos cai abaixo de 500 células/microL e é maior naqueles com uma duração prolongada de neutropenia (> 7 dias). Além disso, o risco de infecção bacterêmica aumenta a medida que o CAN diminui abaixo de 100 células/microL. Entende-se por neutropenia a presença de 500 ou menos neutrófilos x mm3 no sangue periférico, (grau 4 da Organização Mundial da Saúde - OMS). A neutropenia é caracterizada pela diminuição de células brancas do sangue, com contagem de neutrófilos abaixo de 1,5x109/L. A ocorrência desse evento varia de 16 a 81% entre os pacientes submetidos ao tratamento quimioterápico. As complicações da mielossupressão resultam das sequelas previsíveis da função das células ausentes. A neutropenia febril refere-se à manifestação clínica de febre (temperatura ≥ 38,5°C ou três leituras ≥ 38°C, porém ≤ 38,5°C por 24 horas) em um paciente neutropênico com neoplasia descontrolada que acomete a medulaóssea, ou, mais comumente, em um paciente submetido a tratamento com agentes citotóxicos. A taxa de mortalidade por infecção descontrolada varia inversamente à contagem de neutrófilos. Se a contagem mínima de neutrófilos for >1.000/μL, o risco será pequeno; se for <500/μL, o risco de morte será bem maior. O tratamento da neutropenia febril tem incluído, convencionalmente, uma cobertura empírica com antibióticos durante a duração do processo de neutropenia. A Sociedade de Doenças Infecciosas da América define febre em pacientes neutropênicos como uma temperatura oral única de ≥38,3 °C (101 ° F) ou uma temperatura de ≥38,0 °C (100,4 ° F) mantida por um período de uma hora. Os pacientes neutropênicos febris podem ser estratificados de forma ampla em dois grupos de prognóstico. O primeiro, com expectativa de neutropenia de curta duração e sem evidências de hipotensão ou sintomas abdominais ou outros sintomas localizados, pode ter um prognóstico favorável, mesmo com esquemas orais, por exemplo, ciprofloxacino ou moxifloxacino, ou amoxicilina mais ácido clavulânico. O grupo de prognóstico menos favorável inclui pacientes com expectativa de neutropenia prolongada, evidência de sepse e comprometimento de órgãos-alvo, em particular pneumonia. Com frequência, procede-se ao acréscimo empírico de agentes antifúngicos, se a febre e a neutropenia persistirem por 7 dias, sem identificação de um microrganismo ou sítio adequadamente tratados. É um dos principais Eventos Adversos (EA) da quimioterapia antineoplásica e o que mais interfere na dosagem dos quimioterápicos. A ocorrência de neutropenia está associada ao aumento da mortalidade, morbidade e custos do tratamento, além de não ser possível prever quais pacientes irão apresentá-la. O manejo deste EA induzido pela quimioterapia é administrado de diferentes formas na prática clínica. As estratégias, em geral, são limitadas à redução da dose dos agentes quimioterápicos, ao adiamento entre os ciclos e ao uso de fatores estimuladores de colônia, porém, são consideradas práticas clínicas comuns durante o tratamento de pacientes com câncer primário de mama que apresentaram EAs, como episódios de neutropenia. SÍNDROME DE LISE TUMORAL A síndrome de lise tumoral reflete-se em uma ampla variedade de alterações eletrolíticas resultantes da liberação de conteúdo intracelular na corrente sanguínea. São constituintes da síndrome: hiperpotassemia, hiperfosfatemia, hipocalcemia, hiperuricemia e acidose metabólica. A insuficiência renal aguda pode se instalar como resultado direto da síndrome de lise tumoral. Síndrome de lise tumoral - Alterações metabólicas: • Hiperpotassemia • Hiperfosfatemia • Hiperuricemia • Hipocalcemia • Acidose metabólica A síndrome de lise tumoral ocorre na maioria das vezes após a administração de quimioterapia efetiva, que resulta na rápida destruição das células tumorais. Dessa forma, algumas situações e patologias apresentam maior risco para o desenvolvimento de síndrome de lise tumoral, e medidas preventivas devem ser adotadas de forma a tentar evitar ou minimizar sua ocorrência. Algumas situações clínicas podem aumentar o risco de ocorrência, como pacientes portadores de tumores sólidos que apresentem grande volume de doença, pacientes que Ana Beatriz Figuerêdo Almeida - Medicina 2022.2 Página | 13 apresentem valores elevados da enzima lactato desidrogenase (LDH) e tumores com taxa elevada de crescimento ou alta sensibilidade à quimioterapia. Pacientes idosos ou que já apresentem disfunção renal antes do início do tratamento também apresentam risco aumentado por possuírem uma taxa de filtração glomerular renal diminuída e, assim, mais suscetível a distúrbios eletrolíticos. É essencial identificar os pacientes com risco de desenvolvimento de lise tumoral para que medidas profiláticas possam ser adotadas. Devem-se eliminar ou minimizar os riscos associados à lise tumoral, evitar a administração de drogas nefrotóxicas, além de avaliar e corrigir prontamente a volemia. Risco de lise tumoral por tipo histológico: • Risco elevado Leucemia mieloide aguda Linfoma linfoblástico Leucemia linfoide aguda Linfoma de Burkitt • Risco intermediário Linfoma difuso de grandes células Leucemia mieloide crônica Linfomas de baixo grau Carcinoma de pequenas células de pulmão Câncer de mama Tumores germinativos O objetivo principal deve ser evitar a hiperuricemia e manter o débito urinário com o objetivo de aumentar a excreção de potássio e fósforo, e diminuir a possibilidade de precipitação do ácido úrico e cálcio no parênquima renal. A volemia deve ser mantida por meio da hidratação venosa na taxa de 4 a 5 L/dia, iniciando-se 24 a 4 horas antes do início da quimioterapia, e deve ser mantida durante o período de tratamento. Pode-se administrar alopurinol na dose de 300 a 600mg 1 vez ao dia, tomando-se cuidado para reajustar a dose em pacientes com insuficiência renal ou em diálise. A rasburicase deve ser avaliada em substituição ao alopurinol, por proporcionar controle mais rápido e maior controle dos níveis séricos de ácido úrico, particularmente em crianças. A hemodiálise precoce deve ser avaliada nos casos em que a insuficiência renal e os distúrbios bioquímicos não forem corrigidos pelas medidas conservadoras instituídas. → Hiperpotassemia: A hiperpotassemia é a principal e mais grave alteração eletrolítica presente na síndrome de lise tumoral, e pode resultar em arritmia ventricular cardíaca fatal decorrente da arritmia ventricular. Ela é resultante da liberação de depósitos intracelulares decorrente da lise celular e raramente resulta em arritmias quando os níveis séricos de potássio estão abaixo de 7,5 mmol/L. O tratamento a ser instituído dependerá dos níveis séricos de potássio. Deve ser realizado eletrocardiograma em todos os pacientes e devem ser evitados os medicamentos que interfiram com o metabolismo do potássio, tais como os anti- inflamatórios não hormonais e inibidores da enzima conversora da angiotensina. Nos casos de hiperpotassemia leve assintomática, podem ser utilizadas resinas orais que promovem a troca de potássio e sódio no trato gastrintestinal. A hiperpotassemia grave deve ser tratada como emergência médica. A administração de gluconato de cálcio endovenoso tem como finalidade diminuir a excitabilidade da membrana celular, porém seu efeito é fugaz. A administração de glicose com insulina, na dose de 10 a 20 UI de insulina com 25 a 50 g de glicose, tem a capacidade de reduzir os níveis de potássio sérico, por redirecionar o potássio para o meio intracelular, mas deve ser utilizada com cuidado nos pacientes com hiperglicemia. A hemodiálise é o método mais eficaz no controle da hiperpotassemia, sendo o procedimento de escolha nos pacientes com doença renal prévia ou insuficiência renal. → Hiperfosfatemia: Assim como na hiperpotassemia, a hiperfosfatemia resulta da liberação do fosfato intracelular. O tratamento consiste na expansão da volemia, que levará a um aumento da excreção do fosfato pelos rins. Antiácidos orais à base de alumínio são também eficazes no tratamento por meio da ligação com o fósforo no tubo digestivo e a diminuição da absorção. → Hipocalcemia: Apesar de um número significativo de pacientes oncológicos apresentar hipocalcemia, apenas 10% apresentarão redução do cálcio iônico. Diversos fatores contribuem para a hipocalcemia assintomática, como a hipoalbuminemia, hemotransfusões repetidas que podem causar hipocalcemia transitória pelo uso de citrato como agente anticoagulante. A hipocalcemia prolongada pode, porém, ser responsável por sintomas clínicos importantes, como parestesias, hipotensão arterial, laringoespasmo, espamos musculares, tetania, convulsõese arritmia cardíaca. O tratamento principal é a correção da hiperfosfatemia com a correção do nível de fósforo sérico. O uso de calcitriol está recomendado nos casos de hipocalcemia persistente. → Acidose metabólica: A acidose metabólica é uma das complicações mais complexas e menos identificadas Ana Beatriz Figuerêdo Almeida - Medicina 2022.2 Página | 14 das emergências metabólicas nos pacientes com câncer. Pode estar presente em pacientes com doença metastática avançada, especialmente nos pacientes com múltiplas metástases hepáticas. Os sintomas clínicos mais frequentes são náuseas, vômitos, dor abdominal, diarreia, alteração do nível de consciência, desidratação, hipotensão e choque. Os exames laboratoriais mostrarão aumento do lactato sérico, pH arterial em valores inferiores a 7.25 e usualmente um anion gap maior que 22 meq/L. O objetivo principal do tratamento será a correção do pH, que não deverá ser corrigido para valores superiores a 7.2 e a manutenção do bicarbonato de sódio sérico entre 8 e 10 mmol/L por meio da administração de bicarbonato de sódio endovenoso. 9) DISCUTIR ACERCA DAS IMPLICAÇÕES PSICOLÓGICAS DE ADAPTAÇÃO À COLOSTOMIA. As estomias intestinais são indicadas quando alguma parte do intestino apresenta disfunção, obstrução ou lesão. A abordagem terapêutica contempla grande número de doenças, entre elas câncer colorretal, doença diverticular dos colos, doença inflamatória intestinal, incontinência anal, colite isquêmica, polipose, trauma abdominal com perfuração intestinal, megacólon e outras. O estoma recebe o nome de acordo com a porção intestinal envolvida, como ileostomia, colostomia etc. Colostomia Ascendente → É realizada com a parte ascendente do cólon (lado direito do intestino grosso). As fezes são líquidas ou semilíquidas, nos primeiros dias após a cirurgia, e pastosas após a readaptação intestinal. Colostomia Transversa → É realizada na parte transversa do cólon (porção entre o cólon ascendente e descendente). As fezes são de semilíquidas a pastosas. Colostomia Descendente → É realizada na parte descendente do cólon (lado esquerdo do intestino grosso). As fezes são de pastosas a sólidas e, no início, o funcionamento do estoma é irregular, podendo eliminar fezes várias vezes ao dia, em diferentes momentos. Com o tempo, o funcionamento pode se regularizar, mas será sempre involuntário. Colostomia Sigmoide → É realizada na parte do sigmoide. As fezes são de firmes a sólidas (semelhantes às fezes eliminadas pelo ânus) e também é possível adquirir regularidade. Colostomia Úmida em Alça → É realizada para permitir a saída de urina e de fezes pelo mesmo estoma. É uma alternativa para pessoas que necessitam de dupla derivação (aparelho urinário e digestório). Diversas tecnologias e ferramentas de trabalho podem ser adotadas pelos profissionais para viabilizar ações de cuidado à pessoa com estomia na Atenção Básica de média e alta complexidade, a depender do diagnóstico de funcionalidade e da presença de possíveis riscos e vulnerabilidades associados a essa pessoa. Projeto Terapêutico Singular. O PTS é “um conjunto de propostas de condutas terapêuticas articuladas para um sujeito individual ou coletivo, resultado da discussão da equipe interdisciplinar, com apoio matricial, se necessário”. O Projeto destina-se a orientar a condução do caso a partir dos diagnósticos realizados pelos profissionais, considerando as singularidades daquela pessoa com estomia, e inclui a definição de procedimentos, de metas, a divisão de responsabilidades e tarefas entre os membros da equipe. É fundamental para a sua elaboração o envolvimento de uma equipe multiprofissional, assim como da pessoa, da família e dos cuidadores. O acompanhamento sistemático do processo de reabilitação da pessoa com estomia deve ser pautado na avaliação das suas capacidades funcionais ao longo do tempo, por exemplo: na participação e no desempenho em atividades sociais cotidianas; na autonomia para mobilidade; na capacidade de autocuidado e de trabalho; na ampliação do uso de recursos pessoais e sociais; e na sensação da melhoria da qualidade de vida. A estomia pode ser permanente ou temporária e pode gerar medo, depressão, fobia social e generalizada, além de transtornos, como de ansiedade, de humor, do pânico e outros que precisam ser avaliados adequadamente em todas as fases da assistência, quer seja na primeira consulta ou no acompanhamento. As intervenções psicológicas devem focar as percepções individuais formadas em relação à estomia e à doença de base que levou a essa cirurgia. A mudança mais observada nas pessoas com estomia que fazem acompanhamento psicológico pré e/ou pós- cirúrgico é a redução da ansiedade, do medo e da tristeza. Notam-se, ainda, melhor aceitação, aumento da autoconfiança e da esperança. As pessoas que serão submetidas à cirurgia para colocação do estoma passam por avaliação e preparo psicológico antes do procedimento para abordar assuntos também relacionados à reinserção social, à vida sexual e à vida laboral. Em casos de cirurgias de emergência, o Ana Beatriz Figuerêdo Almeida - Medicina 2022.2 Página | 15 atendimento psicológico deve ser feito desde o pós- operatório imediato. A sexualidade da pessoa com estomia, do ponto de vista psicológico, traz como consequências alterações da imagem corporal. Essas alterações podem gerar estigma frente aos padrões culturais e sociais impostos, o que pode induzir os demais membros da família a tecer interpretações errôneas sobre o corpo modificado pelo estoma, comprometendo os relacionamentos nesse âmbito, e o sexual é um dos mais afetados. Dessa forma, alguns indivíduos com estomia consideram-se pouco atraentes, possuem medo da rejeição e evitam o contato sexual. O próprio parceiro pode acentuar esse afastamento ao evitar contato íntimo por medo de machucar ou por fatores psicológicos mais complexos. Algumas das alterações físicas que acometem as pessoas com estomia são consideradas implicações que podem ocorrer após a confecção da estomia. Em mulheres, pode haver diminuição e perda da libido e dificuldades no intercurso sexual, principalmente quando há ressecção de reto. Essas causas se relacionam com dor, presença de seios perineais, estenose vaginal, incontinência urinária e dispareunia. Nos homens com estomias, também é possível observar redução ou perda da libido, acrescida da diminuição ou da ausência da capacidade de ereção e de alterações na ejaculação. Isso ocorre devido à possível lesão dos nervos do sistema autônomo, que se dirigem aos órgãos genitais, principalmente nos tratamentos cirúrgicos do câncer de reto. Ter um estoma não elimina a sexualidade, e o fato de o profissional de saúde escutar e auxiliar a pessoa com estomia a expressar seus sentimentos e incertezas já representa grande forma de suporte. Os profissionais de saúde, por meio do aconselhamento sexual, ajudam a pessoa com estomia a lidar com os próprios preconceitos, estigmas e crenças, aprofundam conhecimentos sobre a condição dela e auxiliam em treinamentos específicos sobre a sexualidade humana, além de, evidentemente, proceder a uma avaliação adequada das demandas da pessoa com estomia e do parceiro. Em geral, a abordagem do tema sexualidade da pessoa com estomia é motivo de preocupação, tanto por parte dos profissionais que lhe prestam atendimento como por parte das pessoas com estomia, uma vez que as questões sexuais são consideradas tabus ou invasão de privacidade por algumas pessoas. É orientado que esse tema seja abordado antes e após a cirurgia, privilegiando o período pré-operatório. Dessa forma, é importante que os profissionais de saúde criem espaço para que as questões relacionadas à sexualidade sejam abordadas comas pessoas com estomia e seus parceiros, com a mesma relevância que a doença, a capacidade física, ou outra atividade de igual importância. Deve-se considerar a sexualidade do indivíduo como fator extremamente importante, elevando a moral, a autoestima e, consequentemente, promovendo a saúde dele. As orientações são responsáveis por uma melhor reabilitação e readaptação do sujeito. O processo de ensino-aprendizagem deve ser contínuo e constantemente reavaliado, passível de mudanças e aprimoramentos, sendo um processo evolutivo e coordenado, toda vez que se fizer necessário.
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