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Geovana Sanches, TXXIV ISOIMUNIZAÇÃO PELO SISTEMA RH INTRODUÇÃO Sinônimos • Doença hemolítica perinatal • Eritroblastose fetal Histórico Na década de 30, observou-se que alguns bebês nasciam completamente edemaciados (hidropsia fetal) e evoluíam com icterícia neonatal grave nos primeiros dias de vida, inclusive com impregnação do SNC (kernicterus). Grande parte dessas crianças morriam ainda no período neonatal, com importante anemia. A partir disso, começou-se a investigar os motivos pelos quais esse quadro acontecia. Em 1940, foi descoberto a correlação desse quadro com a isoimunização pelo sistema Rh, na qual uma gestante Rh negativo, progenitora de um feto Rh positivo, produzia anticorpos contra as células vermelhas do bebê. Para que isso ocorra, faz-se necessário o contato do sangue materno com o fetal, condição que foi demonstrada em 1957 através do teste de eluição ácida (Teste de Kleihauer): • 75% das gestantes apresentaram hemácias fetais na circulação materna • Em 60% das gestantes, o volume de sangue fetal na circulação materna foi inferior a 0,1 mL (porém esse é suficiente para que ocorra a sensibilização da gestante) Além de demonstrar a existência da hemorragia feto-materna, esse estudo também verificou que a sensibilização da gestante (ou seja, a produção de anticorpos contra as células vermelhas Rh+ do feto) ocorria a partir da 28ª semana de gestação. Lâmina demonstrando a presença de células fetais na circulação da gestante Outros fatores importantes são que na 4ª semana de gestação, a circulação fetal já está completamente formada e, a partir da 10ª semana já podemos encontrar eritrócitos fetais na circulação materna. Sendo assim, mesmo nos casos em que a gestação é interrompida por algum motivo (p. ex. após os sangramentos da primeira metade da gestação - gestação ectópica, abortamento ou mola), as células fetais podem permanecer na circulação materna e gerar sensibilização posteriormente. O risco de sensibilização da gestante após um abortamento espontâneo é de 2%, enquanto no abortamento induzido (provocado), chega a 5% devido a maior mistura entre o sangue materno e fetal. Assim, faz-se necessário o acompanhamento dessa mulher e aplicação de imunoglobulinas quando há risco de sensibilização. PATOGÊNESE A eritroblastose fetal ocorre a partir de uma segunda gestação, quando a gestante é Rh- e o feto Rh+. Isso pois, na primeira gestação, as células vermelhas do feto adentram a circulação materna e estimulam o sistema imune, resultando na produção de anticorpos IgM (não ultrapassam a barreira placentária). Esse bebê não nasce com problema algum, pois os anticorpos não chegam até seu sangue. Já numa segunda gestação, quando as células vermelhas do 2º feto chegam à circulação materna, as células de memória são ativadas e há liberação de anticorpos IgG, os quais passam a barreira placentária e destroem as hemácias do feto. Hidropsia fetal A partir da hemólise maciça, com destruição das células vermelhas do feto, duas condições são desencadeadas: • Cor anêmico: leva a anasarca, contribuindo para formação da hidropsia fetal • Eritropoiese extra-medular: o fígado e o baço do feto cessam suas atividades para produção exclusiva de células vermelhas. Geovana Sanches, TXXIV Esse esforço não é eficaz, tendo em vista que os anticorpos seguem destruindo as células formadas. Além disso, deixam de produzir albumina, levando a hipoalbuminemia que culmina com ascite e, portanto, com a hidropsia fetal. Icterícia Com a hemólise maciça, há liberação de grandes quantidades de grupo heme, o qual sofre ação da hemeoxigenase e se transforma em biliverdina. A biliverdina, por sua vez, sofre ação da biliverdina redutase e se transforma em bilirrubina indireta. A bilirrubina indireta deveria ser conjugada no fígado para bilirrubina direta pela ação da glucuroniltransferase. Como o fígado fetal cessou todas as suas atividades para produção de glóbulos vermelhos, a ação dessa enzima está prejudicada e há acúmulo de bilirrubina indireta. Assim, o bebê evolui com hiperbilirrubinemia indireta e icterícia, podendo inclusive cursar com kernicterus. Placentomegalia Os fetos com doença hemolítica perinatal apresentam uma placenta de grandes dimensões. Isso pois, a hemólise maciça é um estímulo para a hipertrofia da placenta, na tentativa de trazer mais sangue oxigenado para o feto. Há maior passagem de sangue, porém junto a ele vem os anticorpos Anti-Rh maternos, causando uma destruição cada vez maior dos glóbulos vermelhos do feto. AVALIAÇÃO DA GESTANTE A identificação da sensibilização prévia da gestante é possível através do teste de Coombs indireto, o qual pesquisa a presença de anticorpos contra as células Rh positivo na circulação da grávida. Quando o teste apresenta resultados positivos, é indicativo de que já ocorreu a sensibilização, ou seja, ela já produz anticorpos contra os glóbulos vermelhos Rh+. Caso esses níveis sejam > 1/16 (nível crítico), considera-se risco fetal. COMPROMETIMENTO FETAL A identificação de alguma das alterações fetais mencionadas abaixo em gestantes coombs indireto positivo, indica isoimunização do sistema Rh com comprometimento fetal. • Placentomegalia o Ocasionada pela hipertrofia da placenta na tentativa de levar maior aporte de oxigênio para o feto • Duplo contorno da bexiga o Indica edema de bexiga • Hidrocele • Hepatoesplenomegalia o Demonstra a produção exacerbada de glóbulos vermelhos pelo fígado e baço • Derrame pleural • Derrame pericárdico • Ascite • Edema de tegumento o No ultrassom, é identificado duplo contorno fetal, o qual é ocasionado pelo descolamento da pele do feto devido ao edema intenso • Polidrâmnio o A placenta hipertrofiada traz um maior aporte sanguíneo para o feto. Com isso, os rins filtram maior quantidade de líquido e produzem maior urina, culminando com maior formação de líquido amniótico • Edema na nuca do bebê, com descolamento da pele Geovana Sanches, TXXIV Hepatoesplenomegalia Edema cerebral, com alongamento da cabeça do feto Descolamento entre o couro cabeludo e o crânio, demonstrado pelo duplo contorno na cabeça do feto As setas indicam a pele do feto, a qual descolou do corpo do bebê Placentomegalia Atualmente, com o conhecimento da fisiopatologia da doença e o trabalho para impedir a isoimunização das gestantes, é muito raro encontrarmos casos com comprometimento fetal intenso. PROTOCOLO DE ATENDIMENTO Inicialmente, deve-se realizar tipagem ABO e Rh da mãe, seguida pela tipagem ABO e Rh do pai nos casos em que a mãe é negativa. Além do teste tradicional para Rh, nas gestantes avalia-se o Du, fração antigênica de maior importância do sistema Rh – quando essa fração é negativa, mesmo que o Rh seja positivo, consideramos a paciente como negativa. No pedido do exame, devemos indicar que a paciente é gestante para que esse teste seja realizado. Geovana Sanches, TXXIV Indicações de estudo fetal precoce • Casal incompatível o Mãe Rh negativo ou Du negativo E Pai Rh positivo ou Du positivo • Condições o Coombs+ com anti-D > 1/16 o Antecedente de filho com forma moderada (icterícia neonatal) ou grave (hidropsia fetal) da doença o Sinais de comprometimento fetal na ultrassonografia • Conduta o Estudo fetal precoce, entre 18 e 22 semanas de gestação o Avaliação do grau de anemia do feto Método do estudo fetal Na presença de qualquer sinal ultrassonográfico que sugira a doença hemolítica perinatal, faz-se necessário saber o valor real da hemoglobina do feto, o que é possível através da cordocentese: guiado pelo ultrassom, punciona-se o cordão umbilical para identificar o valor da Hb. Se o exame apresentar Hb < 10g/dL, está indicada a transfusão fetal intra-útero(TIU), pois caso contrário há risco de óbito fetal. Por outro lado, caso o feto não apresente nenhum sinal de comprometimento, mas a mãe possui coombs indireto > 1/16 ou antecedente de filho com forma moderada ou grave da doença, indica-se a realização do Doppler da artéria cerebral do feto, o qual tem correlação com os valores de hemoglobina, nos trazendo uma medida indireta. Indicações de exames mensais • Casal incompatível o Mãe Rh negativo ou Du negativo E Pai Rh positivo ou Du positivo • Condições o Coombs+ com anti-D < 1/16 o Antecedente de filho com forma leve da doença (não necessitou de tratamento, pois se recuperou da anemia após cessar o contato com os anticorpos) • Conduta: ultrassonografia e Coombs indireto mensalmente o Caso haja alteração do ultrassom em algum dos exames, indica-se a cordocentese o Caso haja aumento do Coombs indireto para titulação > 1/16, indica-se o doppler da artéria cerebral média o Caso não haja alteração alguma durante toda a gestação, faz-se o seguimento normal e o parto a termo Indicação de aplicação de imunoglobulina ante- natal • Casal incompatível e mãe com Coombs indireto negativo (não sensibilizada) • Conduta o 1. Realização de Coombs indireto mensalmente o 2. Entre a 28ª e a 30ª semana, caso o Coombs permaneça negativo, indica-se aplicação do anti-D 300µg (imunoglobulina Rogan) pelo risco de sensibilização nesse período Importante • O anti-D não apresenta efeito cumulativo, estando indicado em todas as vezes que houver sangramento importante e o Coombs seguiu negativo. • Após o nascimento do bebê, caso seja confirmado o Rh+, temos até 72 horas para aplicar novamente a imunoglobulina na puérpera.
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