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Instrumento: InIcIação à Flauta Doce Prof. Welington Tavares dos Santos Prof.ª Pamela Lopes Nunes Indaial – 2019 1a Edição Copyright © UNIASSELVI 2019 Elaboração: Prof. Welington Tavares dos Santos Prof.ª Pamela Lopes Nunes Revisão, Diagramação e Produção: Centro Universitário Leonardo da Vinci – UNIASSELVI Ficha catalográfica elaborada na fonte pela Biblioteca Dante Alighieri UNIASSELVI – Indaial. Impresso por: SA237i Santos, Welington Tavares dos Instrumento - iniciação à flauta doce. / Welington Tavares dos Santos; Pamela Lopes Nunes. – Indaial: UNIASSELVI, 2019. 202 p.; il. ISBN 978-85-515-0332-4 1. Flauta doce - Instrução e estudo. – Brasil. I. Nunes, Pamela Lopes. II. Centro Universitário Leonardo Da Vinci. CDD 780.7 III apresentação Caro acadêmico! Seja bem-vindo à disciplina “Instrumento: Iniciação à Flauta Doce”! A flauta doce é um instrumento de sopro muito antigo e bastante popular, cuja sonoridade suave e melodiosa causa encantamento entre pessoas de diferentes idades. Considerada como um instrumento de fácil aquisição e utilizada largamente no processo de iniciação musical, aprender a tocar flauta doce exige técnica e tempo de estudo. Nesse contexto, a iniciação à flauta doce pode ser considerada uma oportunidade significativa de profissionalização instrumental, bem como uma estratégia para aprofundar conceitos importantes relacionados aos estudos de teoria e performance musical. A disciplina tem, portanto, um duplo objetivo: refletir sobre a importância da flauta doce como instrumento potencializador do processo de ensino e aprendizagem e orientar o percurso inicial de estudo e técnica instrumental. A primeira unidade abordará o contexto histórico da flauta doce, origem, desenvolvimento do instrumento, mudanças de sonoridade, transformações que surgiram com a incorporação de novas tecnologias e seus usos nas produções musicais contemporâneas. Com igual importância também serão tratadas as temáticas relacionadas aos usos da flauta doce em diferentes contextos, bem como as estratégias que podem auxiliar o estudo individual e/ou em grupo. Na segunda unidade iniciam-se as atividades de prática musical utilizando a flauta doce soprano. Nesse sentido é proposto uma série de exercícios técnicos para desenvolver maior consciência e controle da postura, embocadura, respiração, sonoridade e dedilhado da flauta doce. Por meio das atividades propostas será possível executar melodias de baixa complexidade individualmente e em grupo. Essa unidade também apresenta propostas didáticas para o uso da flauta doce em sala de aula. Na terceira unidade, aprofundam-se as atividades práticas com a flauta soprano, apresentando melodias de média complexidade, além de dicas e sugestões para seleção e organização de músicas para ampliação do repertório pessoal de flauta doce. Essa unidade foi especialmente estruturada para auxiliar os estudos individuais em preparação para as atividades em grupo. Os trechos melódicos utilizados são do cancioneiro popular infantil com arranjos para duetos de flautas, trios ou quartetos. IV Você já me conhece das outras disciplinas? Não? É calouro? Enfim, tanto para você que está chegando agora à UNIASSELVI quanto para você que já é veterano, há novidades em nosso material. Na Educação a Distância, o livro impresso, entregue a todos os acadêmicos desde 2005, é o material base da disciplina. A partir de 2017, nossos livros estão de visual novo, com um formato mais prático, que cabe na bolsa e facilita a leitura. O conteúdo continua na íntegra, mas a estrutura interna foi aperfeiçoada com nova diagramação no texto, aproveitando ao máximo o espaço da página, o que também contribui para diminuir a extração de árvores para produção de folhas de papel, por exemplo. Assim, a UNIASSELVI, preocupando-se com o impacto de nossas ações sobre o ambiente, apresenta também este livro no formato digital. Assim, você, acadêmico, tem a possibilidade de estudá-lo com versatilidade nas telas do celular, tablet ou computador. Eu mesmo, UNI, ganhei um novo layout, você me verá frequentemente e surgirei para apresentar dicas de vídeos e outras fontes de conhecimento que complementam o assunto em questão. Todos esses ajustes foram pensados a partir de relatos que recebemos nas pesquisas institucionais sobre os materiais impressos, para que você, nossa maior prioridade, possa continuar seus estudos com um material de qualidade. Aproveito o momento para convidá-lo para um bate-papo sobre o Exame Nacional de Desempenho de Estudantes – ENADE. Bons estudos! A disciplina de “Instrumento: Iniciação à Flauta Doce” apresenta um conjunto de informações que exigirão dedicação e estudo com a flauta doce, no entanto, o processo de aprendizagem em qualquer instrumento musical também exige paciência e persistência, elementos essenciais para atingir a excelência do aprendizado musical. Bons estudos! Prof. Welington Tavares dos Santos Prof.ª Pamela Lopes Nunes NOTA V Olá acadêmico! Para melhorar a qualidade dos materiais ofertados a você e dinamizar ainda mais os seus estudos, a Uniasselvi disponibiliza materiais que possuem o código QR Code, que é um código que permite que você acesse um conteúdo interativo relacionado ao tema que você está estudando. Para utilizar essa ferramenta, acesse as lojas de aplicativos e baixe um leitor de QR Code. Depois, é só aproveitar mais essa facilidade para aprimorar seus estudos! UNI VI VII UNIDADE 1 – HISTÓRIA E ASPECTOS GERAIS DA FLAUTA DOCE ..................................... 1 TÓPICO 1 – CONTEXTO HISTÓRICO DA FLAUTA DOCE ........................................................ 3 1 INTRODUÇÃO ..................................................................................................................................... 3 2 BREVE HISTÓRIA DA FLAUTA DOCE ......................................................................................... 3 3 REPERTÓRIO DA FLAUTA DOCE NOS DIFERENTES PERÍODOS HISTÓRICOS ........... 5 3.1 ANTIGUIDADE ............................................................................................................................... 6 3.2 RENASCIMENTO ........................................................................................................................... 7 3.3 IDADE MODERNA ......................................................................................................................... 11 RESUMO DO TÓPICO 1........................................................................................................................ 18 AUTOATIVIDADE ................................................................................................................................. 19 TÓPICO 2 – FLAUTA DOCE COMO INSTRUMENTO MUSICALIZADOR ............................ 21 1 INTRODUÇÃO ..................................................................................................................................... 21 2 O QUE É PERFORMANCE MUSICAL? ........................................................................................... 21 2.1 A PERFORMANCE DA FLAUTA DOCE NOS DIAS ATUAIS ................................................ 23 3 FLAUTA DOCE E SEUS USOS .......................................................................................................... 25 4 FLAUTA DOCE NO PROCESSO DE ALFABETIZAÇÃO MUSICAL ....................................... 27 4.1 CONTEXTOS DE ENSINO ............................................................................................................ 29 RESUMO DO TÓPICO 2........................................................................................................................ 31 AUTOATIVIDADE ................................................................................................................................. 32 TÓPICO 3 – ENSINO COLETIVO DE FLAUTA DOCE ..................................................................35 1 INTRODUÇÃO ..................................................................................................................................... 35 2 METODOLOGIA DO ENSINO DA FLAUTA DOCE ................................................................... 35 2.1 OBJETIVOS PARA EDUCAÇÃO BÁSICA .................................................................................. 37 2.2 FLAUTA DOCE COMO RECURSO DIDÁTICO ........................................................................ 40 3 A AULA DE FLAUTA DOCE .............................................................................................................. 42 3.1 ESTRATÉGIAS DE ESTUDO PARA PEQUENO E GRANDE GRUPO ................................... 46 LEITURA COMPLEMENTAR ............................................................................................................... 48 RESUMO DO TÓPICO 3........................................................................................................................ 50 AUTOATIVIDADE ................................................................................................................................. 52 UNIDADE 2 – INTRODUÇÃO AO ESTUDO TÉCNICO DA FLAUTA DOCE ......................... 55 TÓPICO 1 – ASPECTOS GERAIS INTRODUTÓRIOS À PRÁTICA DO INSTRUMENTO ..... 57 1 INTRODUÇÃO ..................................................................................................................................... 57 2 FAMÍLIA DA FLAUTA DOCE E SUAS CARACTERÍSTICAS ESTRUTURAIS ..................... 57 2.1 FLAUTA DOCE SOPRANO ........................................................................................................... 59 2.2 FLAUTA DOCE SOPRANINO ...................................................................................................... 60 2.3 FLAUTA DOCE CONTRALTO ..................................................................................................... 61 2.4 FLAUTA DOCE TENOR ................................................................................................................. 62 2.5 FLAUTA DOCE BAIXO ................................................................................................................. 63 sumárIo VIII 3 ASPECTOS TÉCNICOS PARA TOCAR FLAUTA DOCE ............................................................ 65 3.1 POSTURA ........................................................................................................................................ 65 3.2 EMBOCADURA ............................................................................................................................... 67 3.3 ARTICULAÇÃO DA LÍNGUA ..................................................................................................... 67 3.4 SONORIDADE ................................................................................................................................ 68 3.5 RESPIRAÇÃO ................................................................................................................................. 69 RESUMO DO TÓPICO 1........................................................................................................................ 71 AUTOATIVIDADE ................................................................................................................................. 72 TÓPICO 2 – PREPARAÇÃO: LEITURA MELÓDICA UTILIZANDO A FLAUTA DOCE ....... 75 1 INTRODUÇÃO ..................................................................................................................................... 75 2 DIGITAÇÃO OU DEDILHADO ....................................................................................................... 75 2.1 POSIÇÕES NA FLAUTA DOCE SOPRANO ............................................................................... 79 2.2 MÃO ESQUERDA (SOL - LÁ - SI - DÓ) ....................................................................................... 82 2.3 MÃO DIREITA (DÓ - RÉ - MI - FÁ) ............................................................................................. 84 3 EXECUÇÃO DE EXERCÍCIOS PREPARATÓRIOS ....................................................................... 85 4 PRESERVAÇÃO E CUIDADOS COM A FLAUTA DOCE ........................................................... 92 RESUMO DO TÓPICO 2........................................................................................................................ 94 AUTOATIVIDADE ................................................................................................................................. 95 TÓPICO 3 – EXECUÇÃO: PRATICANDO FLAUTA DOCE SOPRANO ..................................... 97 1 INTRODUÇÃO ..................................................................................................................................... 97 2 ESTUDOS INDIVIDUAIS .................................................................................................................. 97 3 ESTUDOS EM DUPLA E TRIOS ....................................................................................................... 100 4 JOGOS E BRINCADEIRAS MUSICAIS EM SALA DE AULA ................................................... 101 4.1 ECOS RITMICOS E MELÓDICOS ................................................................................................ 105 4.2 OSTINATOS ...................................................................................................................................... 106 LEITURA COMPLEMENTAR ............................................................................................................... 108 RESUMO DO TÓPICO 3........................................................................................................................ 112 AUTOATIVIDADE ................................................................................................................................. 114 UNIDADE 3 – PRÁTICA MUSICAL ................................................................................................... 117 TÓPICO 1 – REPERTÓRIO PARA PRÁTICA DE FLAUTA DOCE .............................................. 119 1 INTRODUÇÃO ..................................................................................................................................... 119 2 ESCOLHA DO REPERTÓRIO DE FLAUTA DOCE ...................................................................... 119 2.1 CANTIGAS DE RODA ................................................................................................................... 123 2.2 ACALANTOS ................................................................................................................................... 130 3 JOGOS DE IMPROVISAÇÃO ........................................................................................................... 136 3.1 BLOCOS CRIATIVOS ...................................................................................................................... 138 3.2 SONORIZAÇÃO DE HISTÓRIAS ................................................................................................. 140 3.3 CONTO SONORO ........................................................................................................................... 141 RESUMO DO TÓPICO 1........................................................................................................................ 143 AUTOATIVIDADE ................................................................................................................................. 145 TÓPICO 2 – PRÁTICAS METODOLÓGICAS DO ENSINO DA FLAUTA DOCE ................... 147 1 INTRODUÇÃO ..................................................................................................................................... 147 2 MÉTODO SUZUKI VOLTADO À FLAUTA DOCE ...................................................................... 148 2.1 DEFINIÇÃO E OBJETIVOS ............................................................................................................150 2.2 ENCAMINHAMENTOS METODOLÓGICOS ........................................................................... 151 2.3 PROPOSTAS DE ATIVIDADES ..................................................................................................... 152 IX 3 A ABORDAGEM C(L)A(S)P COMO NORTEADORA DE UM ENSINO MUSICAL INTEGRAL ............................................................................................................................................. 154 3.1 DEFINIÇÃO E OBJETIVOS ............................................................................................................ 154 3.2 CONTRIBUIÇÕES PARA O PROCESSO DE ENSINO E APRENDIZAGEM DE FLAUTA DOCE ................................................................................................................................ 155 3.3 COMPOSIÇÃO ................................................................................................................................. 156 3.4 TÉCNICA E EXECUÇÃO ............................................................................................................... 157 3.5 APRECIAÇÃO .................................................................................................................................. 158 3.6 PERFORMANCE ............................................................................................................................. 159 3.7 LITERATURA ................................................................................................................................... 161 RESUMO DO TÓPICO 2........................................................................................................................ 163 AUTOATIVIDADE ................................................................................................................................. 165 TÓPICO 3 – PRÁTICAS CONTEMPORÂNEAS PARA ENSINO E APRENDIZAGEM DA FLAUTA DOCE .......................................................................................................... 167 1 INTRODUÇÃO ..................................................................................................................................... 167 2 EDUCAÇÃO MUSICAL CONTEMPORÂNEA .............................................................................. 168 2.1 HANS-JOACHIM KOELLREUTTER ........................................................................................... 169 2.2 CONTRIBUIÇÕES PARA O PROCESSO DE ENSINO E APRENDIZAGEM DE FLAUTA DOCE ................................................................................................................................ 171 2.3 RAYMOND MURRAY SCHAFER ................................................................................................. 173 3 CONTRIBUIÇÕES PARA O PROCESSO DE ENSINO E APRENDIZAGEM DE FLAUTA DOCE ..................................................................................................................................... 175 3.1 EXPLORANDO AS POSSIBILIDADES SONORAS DA FLAUTA DOCE ............................... 178 3.2 JOGOS DE ESCUTA ........................................................................................................................ 181 3.3 SONORIZAÇÃO DE TEXTOS, IMAGENS E PAISAGENS ....................................................... 182 3.4 COMPOSIÇÃO PARA FLAUTA DOCE ....................................................................................... 183 3.5 ELABORANDO UMA PARTITURA PARA FLAUTA DOCE COM NOTAÇÃO NÃO CONVENCIONAL ............................................................................................................... 184 LEITURA COMPLEMENTAR ............................................................................................................... 189 RESUMO DO TÓPICO 3........................................................................................................................ 191 AUTOATIVIDADE ................................................................................................................................. 192 REFERÊNCIAS ......................................................................................................................................... 193 X 1 UNIDADE 1 HISTÓRIA E ASPECTOS GERAIS DA FLAUTA DOCE OBJETIVOS DE APRENDIZAGEM PLANO DE ESTUDOS A partir do estudo desta unidade, você deverá ser capaz de: • conhecer a história da flauta doce desde sua origem até a contemporaneidade e os diferentes repertórios utilizados em cada período histórico; • refletir sobre a utilização dinâmica e significativa da flauta doce no processo de ensino e aprendizagem em música; • aprofundar conceitos referentes ao estudo de flauta doce e os elementos- chaves sobre o trabalho pedagógico musical para sala de aula; • conhecer as possibilidades de uso da flauta doce em diferentes contextos de ensino; • estudar os conceitos de musicalidade e performance musical em flauta doce; • refletir sobre estratégias e metodologias de estudo, seleção e organização de repertório para flauta doce; • conhecer dicas e propostas tanto para o estudo como para o ensino coletivo de flauta doce. Esta unidade está dividida em três tópicos. No decorrer da unidade você encontrará autoatividades com o objetivo de reforçar o conteúdo apresentado. TÓPICO 1 – CONTEXTO HISTÓRICO DA FLAUTA DOCE TÓPICO 2 – FLAUTA DOCE COMO INSTRUMENTO MUSICALIZADOR TÓPICO 3 – ENSINO COLETIVO DE FLAUTA DOCE 2 3 TÓPICO 1 UNIDADE 1 CONTEXTO HISTÓRICO DA FLAUTA DOCE 1 INTRODUÇÃO A flauta doce é um instrumento com uma vasta história, perpassando diferentes períodos, cada um com um significado e importância distinta. Em seus primeiros registros pela história da humanidade foi muito difundida, principalmente na Europa, hoje pode-se distribuir esta função musical pelo mundo todo, não só pela utilização performática em músicas de câmara e concertos solistas, mas como recentemente descoberta como um ótimo meio para a iniciação musical formal. Há muito tempo a flauta foi considerada um instrumento quase que exclusivo para repertório de música antiga, porém, a reconstrução estética da música proporcionou um olhar diferente para o instrumento, tanto que, hoje existem mais de cinco mil composições contemporâneas para flauta doce (GROSMANN, 2011). Neste tópico, você conhecerá mais da história da flauta doce, sua origem e desenvolvimento desde a antiguidade até a contemporaneidade. Além disso, também serão apresentadas informações sobre pesquisas pela busca por novos timbres e sonoridades, que resultaram na inserção desse instrumento no ambiente da música erudita contemporânea. Tais informações poderão contribuir de modo significativo no processo de formação em música, pois ajudará a compreender historicamente o valor desse instrumento que se reinventou no decorrer de vários séculos de existência. 2 BREVE HISTÓRIA DA FLAUTA DOCE A flauta doce, conhecida também como flauta de bisel (posição do orifício responsável pela produção do som) é considerada um dos instrumentos mais antigos da história. Acredita-se que as primeiras flautas construídas eram feitas de ossos e presas de animais. Recentemente, pesquisadores das Universidades de Oxford e Tübingen encontraram o fragmento de quatro flautas numa caverna de um sítio arqueológico em Swabia sudoeste da Alemanha, estas eram feitas de ossos de aves e presas de mamutes, estimam que o instrumento data cerca de 42 mil anos, nos revelando que nossos ancestrais neandertais já faziam música através da flauta (RIBAS, 2009). UNIDADE 1 | HISTÓRIA E ASPECTOS GERAIS DA FLAUTA DOCE 4 FIGURA 1 – FLAUTA DE OSSO ANIMAL FONTE: <https://hypescience.com/wp-content/uploads/2009/06/flauta-prehistorica-grande. jpg>. Acesso em: 20 set. 2018. Para localizarmos a utilização da flauta doce durante a evolução musical, vale lembrar os períodos históricos da música ocidental. De acordo com Gama (2005), a música Ocidental pode ser divididaem períodos, de acordo com a quantidade de instrumentos e com o estilo da música. As datas são apenas indicativas, pois entre um período e outro há sempre uma transição. • Idade Média (música medieval), até 1450. • Renascimento, 1450-1600. • Barroco, 1600-1750. • Classicismo, 1750-1810. • Romantismo, 1810-1900. • Moderno, 1900-2000. • Contemporâneo, 2000 até os dias atuais. Apesar da flauta doce ser o instrumento datado mais antigo, e ter sua utilização até os dias atuais, sua performance não se estendeu por todos os períodos históricos. Durante a Renascença e o Barroco, a flauta doce foi amplamente desenvolvida e utilizada para as mais diversas finalidades: religiosa, danças, festas, eventos de cunho político etc. A partir de 1750, com a exploração de diferentes técnicas e a busca por novas sonoridades, a história da música ganha um cunho diferente com o surgimento dos instrumentos de orquestra com mais recursos sonoros e ressonância, a flauta doce foi caindo em desuso por não possibilitar uma tessitura e ressonância amplas diante os demais instrumentos. TÓPICO 1 | CONTEXTO HISTÓRICO DA FLAUTA DOCE 5 Após 150 anos praticamente em silêncio, a flauta doce reapareceu no cenário musical, através do trabalho de músicos e colecionadores de instrumentos e música antiga. Ganhando um caráter totalmente diferente do adotado no renascimento e barroco, através da música moderna, a flauta doce é utilizada como instrumento executante de músicas com técnicas estendidas. Logo após esta redescoberta, começa então sua utilização também como instrumento para educação musical coletiva, fazendo com que a flauta fosse novamente adotada como instrumento de performance (BENASSI, 2013). A pergunta que se faz desde criança referente à flauta doce é: “por que ela é chamada de flauta doce?” A história da flauta doce está ligada à origem do seu nome em inglês: RECORDER, que vem do latim RECORDARI, que significa lembrar, recordar, trazer à memória. Em italiano a palavra RICORDO também significa lembrança, memento; e daí, talvez a primeira referência à flauta doce num livro de contas do Rei Henrique IV, em 1388, por pagar uma “fístula nomine ricordo” (uma flauta chamada ricordo) (LANDER, 1996). Por não termos instrumentos desta época que tenham chegado aos nossos dias, as nossas fontes de informação são as gravuras em madeira ou pedra, desenhos em manuscritos e referências ao instrumento na literatura antiga, por exemplo, no romance “Squyr of Lowe Degre” (c. 1400), no qual aparece como “dulcet pipes”, provavelmente o nome da flauta doce no século XIV e também provavelmente do francês flûte douce (LANDER, 1996). Note-se que esse mesmo instrumento recebe outras denominações conforme a região ou o período histórico: Na França tem o nome flûte a bec (flauta de bico), na Alemanha, Blockflöte (flauta de bloco), em Portugal flauta de bizel e recorder (gravador) em países de língua inglesa. Em geral, a flauta doce assim é chamada por causa de sua sonoridade melodiosa, suave e harmônica, características atribuídas aos instrumentos musicais torneados em madeira. 3 REPERTÓRIO DA FLAUTA DOCE NOS DIFERENTES PERÍODOS HISTÓRICOS Assim como a cultura no geral, a evolução da estética musical se modificava a cada período, novos materiais eram utilizados para a construção da flauta doce, dos ossos dos neandertais às resinas modernas, a evolução traz a necessidade de adaptação de novas técnicas, o belo é construído culturalmente a partir dos recursos e necessidades de cada período. Assim, convidamos você a conhecer um pouco do estilo e repertório utilizado em diferentes períodos históricos. UNIDADE 1 | HISTÓRIA E ASPECTOS GERAIS DA FLAUTA DOCE 6 3.1 ANTIGUIDADE Não há registros documentais de peças musicais nesse período. Contudo, a ilustração mais antiga e incomparável seja a de uma flauta doce que está no “The Mocking of Jesus” de data aproximada a 1315. FIGURA 2 – THE MOCKING OF JESUS (A ZOMBARIA DE JESUS) FONTE: <https://i0.wp.com/musicaeadoracao.com.br/recursos/imagens/tecnicos/ instrumentos/flauta_doce_01.jpg>. Acesso em: 10 dez. 2018. É um afresco da Igreja de Staro Nagoricvino, perto de Kumanova na Youguslávia - Macedônia, pintada pela casa de pintores Michael e Eutychios no qual um músico toca uma flauta de tubo cilíndrico, com o window/labium claramente visível, e ao pé da qual há um buraco aberto para o dedo mindinho. Outras ilustrações de tubos semelhantes ao que hoje conhecemos como flauta doce aparecem em ilustração antigas como a Dança de Salomé (cerca de 1020 d.C.). FIGURA 3 – HILDESHEIM, DOM, CHRISTUSSÄULE – SALOME DANCING FONTE: <https://www.alamy.com/stock-photo-dance-of-salome-romanesque-bronze-relief-on- the-bernward-column-bernwardssule-173552882.html>. Acesso em: 25 dez. 2018. TÓPICO 1 | CONTEXTO HISTÓRICO DA FLAUTA DOCE 7 A obra, também conhecida como a Coluna de Bernward, constitui-se de um elenco de bronze da Catedral de Hildesheim (Alemanha), na qual Salomé dança ao acompanhamento de um estreito tubo cilíndrico que tem quatro buracos visíveis, os mais baixos ligeiramente deslocados. Este instrumento é segurado com as duas mãos e na parte de cima há uma pequena abertura (window). O bocal é de bico moldado, e o tocador (um homem) não tem a característica de bochechas sopradas dos tocadores de shawm. FIGURA 4 – PILAR DA IGREJA BOUBON-L’ACHAMBAULT, ST GEORGE, FRANÇA FONTE: <https://musicaeadoracao.com.br/25185/a-historia-da-flauta-doce/>. Acesso em: 25 abr. 2019. Há vários outros exemplos do século XI, inclusive uma escultura do décimo primeiro século que descreve os músicos em um pilar de pedra na igreja Boubon-l’Achambault, St. George, França (repr. Thomson 1974) que mostra um tubo parecido que pode ser uma flauta-tubo, flageolet, ou flauta doce, acompanhada por rabeca e harpa (LANDER, 2000). Shawm é um instrumento de sopro de cana cônica de dupla palheta, fabricado na Europa desde o século XII. Atingiu o seu pico de popularidade durante os períodos medieval e renascentista. NOTA 3.2 RENASCIMENTO Registros históricos apontam que a produção de conjuntos de flautas doce e outros instrumentos em diferentes tamanhos ocorreu no século XV. A flauta doce desenvolvida nesse período ficou conhecida como flauta doce da Renascença, que alcançou seu apogeu em meados do século XVI (LANDER, 2000). UNIDADE 1 | HISTÓRIA E ASPECTOS GERAIS DA FLAUTA DOCE 8 FIGURA 5 – FLAUTA DOCE MADEIRA – SÉCULO XV FONTE: <https://musicaeadoracao.com.br/recursos/imagens/tecnicos/instrumentos>. Acesso em: 10 dez. 2018. Estas flautas doces têm uma escala limitada para uma oitava e um sexto, com timbre rico e de qualidade em nível dinâmico ao longo da escala. Elas eram fabricadas idealmente para um desempenho da música vocal e instrumental polifônica do século XV décimo quinto ao início do século XVII, misturando prontamente e em equilíbrio entre si com conjuntos inteiros ou contrastando em condições iguais com outros instrumentos renascentistas ou vozes (LANDER, 2000). De acordo com um estudo publicado por Polk (2005), no século XV, a flauta doce era utilizada por três diferentes categorias de executantes. A primeira delas, formada por músicos profissionais, que tocavam os instrumentos suaves, ou seja, que faziam música de câmara, na qual a flauta doce era empregada como instrumento único em um conjunto misto (TETTAMANTI, 2015). A segunda categoria, compreendia os profissionais que trabalhavam nos grupos oficiais de charamelas, como os piffaride Veneza. Segundo Polk (2005, p. 19), tais músicos costumavam adquirir flautas doces em famílias e frequentemente são descritos, pelos relatos da época, tocando-as em conjuntos completos. O terceiro grupo é constituído pelos dilettanti, ou seja, músicos amadores, príncipes, aristocratas e membros das elites urbanas que, seguindo o ideal do cortesão perfeito, pois incluíam a música e diversas outras artes em sua educação (TETTAMANTI, 2015). TÓPICO 1 | CONTEXTO HISTÓRICO DA FLAUTA DOCE9 DICAS Música de câmara é a música erudita composta para um pequeno grupo de instrumentos ou vozes que tradicionalmente podiam acomodar-se nas câmaras de um palácio. Atualmente, a expressão é usada para qualquer música executada por um pequeno número de músicos. 1. Sebstian Virdung (c. 1465-?): Música getutscht und ausgezogen (Strasburg e Basel, 1511). Dizia que as flautas doces eram geralmente feitas em três tamanhos: “diskant” em sol, tenor em dó e baixo em fá. 2. Martius Agricola (1486-1556): Música instrumentalis deudsch (Wittenberg, 1528 e 1545). Mostrava 4 diferentes flautas: diskantus, altus, tenor e bassus. 3. Sylvestro GAnassi del Fontego (1492-?): Fontegara, la quale insegna di sonare di flauto (Veneza, 1535). Foi o primeiro livro de instruções para flauta doce. Nessa época o instrumento não tinha fabricação em série e ele adverte seu leitor para as possíveis modificações de dedilhados, principalmente nas notas agudas. Ele também trata de respiração, articulação e divisions (variações de complexidade crescentes para o intérprete executar). 4. Philibert Jambe de Fer (1515-1566): Epitome musical des tons, sons et accordz, es voix humaines, fleustes d’Alleman, fleustes a neuf trous, viole e violons (Lyons, 1556). Trata além da música em geral e da voz, da “fleutte d’Alleman ou des fleuttes a neuf trouz appellies par les italiens flauto”. Primeiramente ele fala sobre as diferenças da flauta doce e transversal, da pressão respiratória exigida pela flauta doce, dedilhados. Sobre a flauta de 9 furos uma tapeçaria da época nos mostra exemplos tocadas por canhotos. Esta flauta podia ser tocada por canhotos e destros cobrindo-se o furo não utilizado com cera. NOTA UNIDADE 1 | HISTÓRIA E ASPECTOS GERAIS DA FLAUTA DOCE 10 5. Michael PRAETORIUS (c.1571-1.621): Syntagma musicum (Wittenberg, 1615-19). Já nos mostra uma família de flautas doces bem maior, começando pela grande baixo em fá, baixo em si bemol, basset em fá, tenor em do, alto em sol, diskants em dó e ré, exilent em sol e até a garklein. 6. Marin MERSENNE (1588-1648): Harmonie Universelle (Paris, 1636). Divide as flautas em 2 grupos: o pequeno conjunto (4 pés) composto por um dessus (alto em fá), taille e hautcontre (tenores em do) e basse (basset em fá); e o grande conjunto (8 pés) composto por uma basset, 2 basses (si bemol) e 1 double bass (em fá). FONTE: <http://www.helciomuller.mus.br/flauta-doce/historico/>. Acesso em: 10 dez. 2018. Geralmente, a música escrita para conjuntos instrumentais, nessa época, não especificava que instrumentos deveriam ser utilizados, isso só ocorreria no final do século XVI e começo do século XVII. Pode ser citado como exemplo “consort lessons” de Thomas Morley (1557-1602), em 1599, uma “sonada a 3 fiauti et organo” com baixo contínuo (c. 1620), uma “sonatella a 5 flauti et organo” de Antonio Bertali (1605-1669) e uma “sonata a 7 flauti” de J. H. Schmelzer (1623- 1680) (MÜLLER, 2017). Com relação ao repertório, o flautista deveria imitar a voz humana e aprender com ela, remetendo-nos para a origem vocal de grande parte do repertório instrumental de sua época. Polk (2005), já em 1468, apresenta registros de músicos profissionais da corte de Borgonha que tocavam canções a várias vozes, incluindo em seu repertório versões instrumentais de famosas obras da época. Diversos relatos do final do século XV mencionam também os instrumentistas, cujo repertório incluía música sacra, secular. TÓPICO 1 | CONTEXTO HISTÓRICO DA FLAUTA DOCE 11 DICAS Que tal ouvir uma pouco de música do período renascentista? Essa obra, Sola Soleta, originalmente composta para flauta e instrumentos de corda da época (alaúde, cittern e pandora), é de autoria do compositor italiano Girolamo Conversi. Acesse em: <https://youtu.be/vEm7opagnIg> e ouça essa belíssima composição do século XVI. FONTE: <https://youtu.be/vEm7opagnIg>. Acesso em: 7 abr. 2019. 3.3 IDADE MODERNA Durante o século XVII, a flauta doce foi completamente redesenhada para uso como instrumento solo. Antes feita em uma ou duas partes, era agora feita em três o que permitiu fazê-la com uma forma mais acurada. Foi feita uma furação mais precisa que feita anteriormente e tinha assim uma escala cromática precisa de duas oitavas e finalmente se alcançavam as duas oitavas e um quinto. FIGURA 6 – MODELO DE FLAUTA DOCE – SÉCULO XVII FONTE: <https://musicaeadoracao.com.br/recursos/imagens/tecnicos/instrumentos/flauta_ doce_09.jpg>. Acesso em: 15 dez. 2018. UNIDADE 1 | HISTÓRIA E ASPECTOS GERAIS DA FLAUTA DOCE 12 Nesta forma a flauta doce sobreviveu como um instrumento profissional no século XVIII e como um instrumento amador de algum modo no século XIX, quando a flauta transversal ocupava lugar de destaque. A flauta foi largamente utilizada na Renascença e no Barroco, períodos em que floresceu o seu uso na música de câmara. Mas inflexões de um novo estilo musical no Barroco exigiram dos instrumentos tessitura mais ampla, maior contraste dinâmico e maior flexibilidade para expressar totalmente o novo estilo. A flauta doce, por não apresentar tais características, foi esquecida pelos músicos e estudiosos da época. Seu declínio começou ainda no Barroco, mas foi em 1750 que ela desapareceu do cenário musical. Segundo Benassi (2013, p. 16), “por um período de 150 anos, a flauta ficou em silêncio”, ressurgindo no cenário musical no século XIX, graças ao trabalho de músicos, colecionadores e interessados em música e instrumentos antigos. Um deles, o mais importante, foi Arnold Dolmetsch, cuja contribuição não foi só em construir novamente o instrumento, mas também em difundi-lo. Os precursores na composição de obras musicais de vanguarda para flauta foram os alemães e os holandeses. As primeiras peças contemporâneas escritas para flauta tiveram um caráter de experimentação que apresentaram resultados imediatos na performance dos principais flautistas da época, entre eles Michael Vetter e Frans Brügger. Mas esse novo repertório não foi grande nem interessante o suficiente para atrair e servir de base para uma carreira solista de novos instrumentistas. O desenvolvimento do repertório da flauta durante as últimas três décadas tem sido, obviamente, o resultado dos esforços de alguns músicos dedicados, cujas ideias inovadoras provaram ser os catalisadores da mudança. Carl Dolmetsch tem sido uma das mais influentes personalidades no desenvolvimento da flauta, continuando o trabalho iniciado por seu pai Arnold Dolmetsch. Carl tem viajado o mundo difundindo o instrumento por meio de palestras, sempre acompanhado por outros membros da família que também se dedicam a flauta (BENASSI, 2013, p. 18). Outra figura de extrema importância para a flauta moderna é Frans Brügger, que é considerado um dos melhores flautistas da atualidade. De renome internacional, Brügger ganhou notoriedade como um dos mais influentes instrumentistas, sendo também a figura mais importante da flauta no século XX. Foi a partir de meados do século passado que Brügger passou a desenvolver um estilo próprio de tocar a flauta, a partir de estudos de documentos históricos da Renascença e do Barroco. Seu estilo é amplamente difundido no mundo inteiro, tendo recebido as melhores críticas, pois é muito expressivo e flexível e tecnicamente muito apurado. TÓPICO 1 | CONTEXTO HISTÓRICO DA FLAUTA DOCE 13 Tem sido a principal influência no desenvolvimento do que é agora considerado como a escola "holandesa" de tocar, em que a maioria dos melhores flautistas de hoje e professores foram treinados. No Brasil, o grupo de maior destaque é o Quinta Essentia Quarteto. Um dos principais representantes da prática Brasileira da flauta doce, o Quinta Essentia é fruto da experiência musical consolidada em festivais de música pelo Brasil. Ganhador de diversos prêmios, lançou seu primeiro álbum em 2008. Após concertos e divulgação do La Marca, o Quinta Essentia realizou a sua primeira turnêInternacional em 2009. NOTA FONTE: <http://quintaessentia.com.br/>. Acesso em: 1 jan. 2019. Graças às inovações técnicas e tecnológicas a flauta doce, na contemporaneidade, ganhou novas sonoridades, ampliando ainda mais as possibilidades de performance e execução musical. Esses recursos concederam ao instrumento novo status no campo da música seja em atividades solo, duetos ou com acompanhamento orquestral. Um novo repertório surgiu, dando ao flautista doce uma opção de carreira no instrumento. Alguns pesquisadores, por exemplo, Franco e Landim, dedicam- se a disseminar o uso da flauta doce por meio do projeto “Duo Brasil, música erudita brasileira para flauta doce e piano”. Apesar das possibilidades atuais, segundo Benassi (2013, p. 14), [...] atualmente, o repertório de música contemporânea brasileira para a flauta ainda é pequeno. Ao ouvir gravações de parte desse repertório, pode-se constatar que as técnicas expandidas não são utilizadas, ou são utilizadas em pequena escala, ficando o uso restrito a pequenas passagens, graças ao tradicionalismo e apreço pela melodia lírica, conservada por alguns compositores. UNIDADE 1 | HISTÓRIA E ASPECTOS GERAIS DA FLAUTA DOCE 14 Não raramente alguns músicos desconhecem a produção para flauta doce para música contemporânea, sobretudo, porque permanece a tradição de utilizar esse instrumento em músicas antigas, barrocas e renascentistas. Já é possível adquirir flautas sonoramente mais potentes que permitem um maior controle de dinâmica. Recentemente, o fabricante francês de flauta doce Philippe Bolton desenvolveu uma flauta doce eletroacústica para música contemporânea, jazz etc., que pode ser amplificada, ou tocada sem amplificação. Há um buraco no lado e ao topo da junta da cabeça na qual um microfone pode ser atarraxado (LANDER, 2000). FIGURA 7 – FLAUTA DOCE ELETROACÚSTICA DE PHILIPPE BOLTON FONTE: <https://musicaeadoracao.com.br/recursos/imagens/tecnicos/instrumentos/flauta_ doce_25.jpg>. Acesso em: 26 abr. 2019. A flauta doce eletroacústica também pode ser conectada a um processador de efeitos, dando uma paleta de sons mais ampla para uso em música contemporânea, ou qualquer outro contexto no qual tal efeito pode ser útil. Para liberdade completa de movimento, um sistema sem fios substitui o cabo tradicional que conduz ao amplificador. Quando nenhuma amplificação é requerida, uma tomada especial pode ser conectada ao instrumento em vez do microfone, convertendo-a em uma flauta doce normal. TÓPICO 1 | CONTEXTO HISTÓRICO DA FLAUTA DOCE 15 DICAS Música das palavras para flautas eletroacústicas é uma composição coletiva de Marina Cyrino e Felipe Amorim. Essa obra foi composta em 2014 e tem como pano de fundo trechos do livro A Morte de Virgílio de Hermann Broch. Assista ao vídeo disponível em: <https:// youtu.be/pEpn-yjRCNM>. Acesso em: 7 abr. 2019. Um outro exemplo são os instrumentos de Sopro Eletrônicos (EWI) feitos por Akai, Casio, CSSSounds, Yamaha, entre outros. Eles são todos controlados pela respiração e vários equipados com buracos sensíveis à pressão, chaves ou blocos. Eles podem ser programados para produzir o som de quase qualquer instrumento, inclusive a flauta doce (LANDER, 2000). FIGURA 8 – EWI DA YAMAHA FIGURA 9 – LYRICON FONTE: <https://musicaeadoracao.com.br/recursos/imagens/tecnicos/instrumentos/flauta_ doce_26.jpg />. Acesso em: 26 abr. 2019. FONTE: <https://musicaeadoracao.com.br/recursos/imagens/tecnicos/instrumentos/flauta_ doce_27.jpg>. Acesso em: 26 abr. 2019. UNIDADE 1 | HISTÓRIA E ASPECTOS GERAIS DA FLAUTA DOCE 16 Alguns equipamentos podem ser programados para tocar com as digitações de vários instrumentos acústicos. O primeiro EWI foi denominado de “Steinerphone” desenvolvido do Instrumento de Válvula Eletrônico (EVI ou trompete eletrônico) protótipo de Nyle Steiner. Steiner vendeu os protótipos depois a Akai que continuou o seu desenvolvimento. Outros antigos EWIs incluem o Lyricon da Computone Inc. (1972) e seus derivados, culminando nos sintetizadores Yamaha de sopro (LANDER, 2000). A importação desses instrumentos eletrônicos ou de flautas doces modernas é muito onerosa, haja vista que sua venda por importadores atacadistas não é financeiramente interessante, restando ao mercado brasileiro particularmente, a opção de adquirir flautas convencionais de luthiers brasileiros ou de oficinas alemãs e japonesas (BENASSI, 2013). DICAS Tipos de flautas e suas características As flautas são instrumentos de sopro que fazem parte da história há bastante tempo e ainda fascinam as várias gerações de músicos. Existem diversos tipos de flautas que, além da aparência diferenciada, emitem sons diversos e podem até exigir técnicas diferentes. FLAUTA TRANSVERSAL Seu nome original é flauta ocidental de concerto, mas é conhecida como flauta transversal justamente pela maneira que é tocada (em posição transversal). Sendo um dos tipos de flautas mais conhecidos e usados atualmente, foi originalmente produzida em madeira, mas hoje é mais comum encontrá-la em metal na maioria das suas versões. FONTE: <http://blog.multisom.com.br/wp-content/uploads/2018/02/2-sopro.jpg>. Acesso em: 10 jan. 2019. TÓPICO 1 | CONTEXTO HISTÓRICO DA FLAUTA DOCE 17 FLAUTA PICCOLO Também chamada de flautim, a flauta piccolo tem nome de origem italiana, que pode ser traduzido como “pequena flauta”. É bastante semelhante à flauta transversal, principalmente quanto ao sopro e ao dedilhado. A principal diferença, além do menor porte, é que o piccolo tem um tubo cônico (diferente do tubo das flautas mais modernas, que é cilíndrico) e consegue produzir sons mais agudos. FONTE: <http://blog.multisom.com.br/wp-content/uploads/2018/02/3-sopro-768x432. jpg>. Acesso em: 10 jan. 2019. FLAUTA TRAVERSO BARROCO O transverso barroco também é tocado de modo transversal, mas é diferente porque tem o seu uso mais limitado às músicas do período barroquino – o que define seu nome. É produzido em madeira e tem apenas uma chave. O instrumento foi, com o tempo, substituindo a flauta doce dentro das músicas de concerto. FONTE: <http://blog.multisom.com.br/wp-content/uploads/2018/02/5-sopro.jpg>. Acesso em: 10 jan. 2019. TIN WHISTLE Traduzindo do inglês, significa “apito de latão”, o que remete aos materiais utilizados na sua fabricação: metais mais baratos, como o cobre e o níquel. Já o bico é feito de madeira ou plástico. A origem dessa flauta é irlandesa e apesar de ser muito semelhante à flauta doce, a diferença está na menor quantidade de orifícios do instrumento e no menor número de tonalidades que podem ser tocadas. FONTE: <http://blog.multisom.com.br/wp-content/uploads/2018/02/7-sopro.jpg>. Acesso em: 10 jan. 2019. 18 Neste tópico, você aprendeu que: • Há muito tempo a flauta foi considerada um instrumento quase que exclusivo para repertório de música antiga, porém, a reconstrução estética da música proporcionou um olhar diferente para o instrumento, tanto que, hoje existem mais de 5 mil composições contemporâneas para flauta doce. • Em geral, a flauta doce assim é chamada por causa de sua sonoridade melodiosa, suave e harmônica, características atribuídas aos instrumentos musicais torneados em madeira. • Durante a Renascença e o Barroco, a flauta doce foi amplamente desenvolvida e utilizada para as mais diversas finalidades: religiosa, danças, festas, eventos de cunho político etc. • A flauta doce, graças às pesquisas e avanços tecnológicos, passou por transformações físicas e sonoras redefinido seus usos em repertórios de diferentes períodos históricos até chegar aos dias atuais. • Não há registros documentais de peças musicais para flauta doce na antiguidade. Contudo, a ilustração mais antiga e incomparável seja a de uma flauta doce que está no “The Mocking of Jesus” de data aproximada a 1315. • No período renascentista a flauta doce era utilizada por três diferentes categorias de executantes: músicos profissionais que faziam música de câmara;músicos que trabalhavam em grupos oficiais de charamelas, como os piffaride e os dilettanti, músicos amadores, príncipes, aristocratas e membros das elites urbanas. • Com relação ao repertório, o flautista deveria imitar a voz humana e aprender com ela, remetendo-nos para a origem vocal de grande parte do repertório instrumental de sua época. • Os precursores na composição de obras musicais de vanguarda para flauta foram os alemães e os holandeses. As primeiras peças contemporâneas escritas para flauta tiveram um caráter de experimentação que apresentaram resultados imediatos na performance dos principais flautistas da época, dentre eles Michael Vetter e Frans Brügger. • Graças às inovações técnicas e tecnológicas a flauta doce, na contemporaneidade, ganhou novas sonoridades, ampliando ainda mais as possibilidades de performance e execução musical. RESUMO DO TÓPICO 1 19 1 Acredita-se que as primeiras flautas construídas eram feitas de ossos e presas de animais, portanto a flauta doce também é considerada um dos instrumentos mais antigos da história. Note-se que esse mesmo instrumento recebe outras denominações conforme a região ou o período histórico, das quais se destacam: a. Flauta de bisel. b. Flûte a bec (flauta de bico). c. Blockflöte (flauta de bloco). d. Recorder. Associe esses nomes à região a qual pertencem: a) ( ) Alemanha. b) ( ) Portugal. c) ( ) França. d) ( ) Estados Unidos. 2 Polk (2005), já em 1468, apresenta registros de músicos profissionais da corte de Borgonha que tocavam canções a várias vozes, incluindo em seu repertório versões instrumentais de famosas obras da época. Diversos relatos do final do século XV mencionam também os instrumentistas, cujo repertório incluía música sacra e secular. Sobre esse período é correto afirmar: I- A música escrita para conjuntos instrumentais nessa época trazia algumas especificações sobre quais instrumentos deveriam ser utilizados, essa prática se tornou mais efetiva no final do séc. XVI e começo do séc. XVII. II- O flautista deveria imitar a voz humana e aprender com ela, remetendo- nos para a origem vocal de grande parte do repertório instrumental de sua época. III- No século XV, a flauta doce era utilizada por seis diferentes categorias de executantes. Assinale a alternativa CORRETA: a) ( ) As afirmativas I, II e III estão corretas. b) ( ) As afirmativas II e III estão corretas. c) ( ) Somente a afirmativa II está correta. d) ( ) As afirmativas I e III estão corretas. AUTOATIVIDADE 20 21 TÓPICO 2 FLAUTA DOCE COMO INSTRUMENTO MUSICALIZADOR UNIDADE 1 1 INTRODUÇÃO A flauta doce é um dos instrumentos mais utilizados por instituições de ensino públicas ou privadas, em projetos sociais, ONGs ou igrejas no processo de iniciação musical. A flauta doce na Renascença e no Barroco foi largamente utilizada e desenvolvida, período em que seu uso começou a declinar, até que em 1750 desapareceu do cenário musical. Somente no século XIX, a flauta doce recuperou seu prestígio e passou a ser difundida por meio do ensino. Neste tópico, o foco principal é apresentar algumas informações sobre a flauta doce enquanto instrumento musical capaz de potencializar o processo de ensino e aprendizagem em música. Você terá a oportunidade de aprofundar conceitos importantes para o aprendizado de flauta doce, bem como elementos- chave sobre o trabalho pedagógico musical em sala de aula. Também serão abordadas questões referentes aos usos da flauta doce e os diferentes contextos de ensino como forma de embasar futuras reflexões sobre seu papel como professor de música no processo de alfabetização musical, tendo como suporte a aprendizagem instrumental. 2 O QUE É PERFORMANCE MUSICAL? Para tratar de performance musical é necessário que se tenha clareza de um outro conceito, o de musicalidade. Musicalidade é uma palavra comumente utilizada entre os profissionais da música, porém pouco se reflete sobre o seu significado para o contexto de ensino e aprendizagem. O termo musicalidade é utilizado indistintamente em diferentes situações para referir-se à “habilidade”, “aptidão”, “potencial” ou até mesmo “talento” (HALLAN, 2006). Essa dificuldade em definir com precisão o significado do termo é devido ao fato de não haver na língua portuguesa uma expressão que possa traduzir do inglês palavras como musicality, algo próximo de “talento natural”, e musicianship, que pode ser entendido como “habilidade adquirida e sensibilidade”. UNIDADE 1 | HISTÓRIA E ASPECTOS GERAIS DA FLAUTA DOCE 22 Independentemente das tentativas de traduções, o importante é ter em mente que no processo de ensino e aprendizagem, musicalidade deve ser compreendida como um conhecimento que pode ser desenvolvido e potencializado na aula de música, pois é permeada por um conjunto de elementos inter-relacionados, os quais resultarão em uma performance musical expressiva (CUERVO, 2009, p. 54). Com base nesse conceito, o de musicalidade, é possível perceber melhor a relação existente entre musicalidade e performance. Na performance o músico expressa uma maneira particular de interpretar e sentir a música, criando para si e para os ouvintes uma experiência subjetiva por meio da expressão musical. Essa capacidade de expressão é o que classificamos de musicalidade, algo que pode ser desenvolvido no processo de ensino e aprendizagem e, sobretudo, melhorado com a maturidade profissional. Expressar-se através da música é a capacidade de poder interpretar ou criar a sua versão para uma obra, imprimindo um caráter pessoal e transmitindo algo de si mesmo ao ouvinte. Esse ouvinte poderá receber a interpretação percebendo-a com distintos significados, e essa se caracteriza por uma experiência subjetiva e fascinante que a música proporciona (CUERVO, 2009, p. 55). Cada pessoa tem um jeito próprio para se expressar, e por esse motivo dizemos que existem diferentes performances, no entanto, existem alguns fatores objetivos que podem ajudar no bom desempenho performático, ou seja, no fazer musical. Os princípios básicos para todo estudante de música é definição de repertório, ensaio e motivação. Para Cuervo (2009, p. 57) qualquer pessoa pode desenvolver musicalidade, desde que haja um contexto favorável, seja o ambiente familiar, escolar cultural ou social. Sobre o desenvolvimento da musicalidade, é sensato argumentar que esse processo não inicia repentinamente, mas é construído passo a passo, na interação do sujeito com o objeto, nesse caso, a música. Mesmo que não haja condições favoráveis, a musicalidade “corre pela veia de todos” (BARCELÓ, 2003, p. 218). Maffioletti (2005) afirma que a Educação Musical começa a perceber que existem outras formas da criança aprender música além da escola, e que “existem outros saberes musicais, tão válidos quanto aqueles tradicionalmente aceitos pelas escolas de música” (MAFFIOLETTI, 2005, p. 237). Reconhecer que o processo de ensino e aprendizagem em música começa antes mesmo da criança entrar no ensino formal permite que se amplie as possibilidades de compreensão do processo de desenvolvimento musical da criança, ou seja, como ela aprende e o quê. Tais informações também são úteis para perceber objetivamente a influência dessa vivência prévia na performance musical. TÓPICO 2 | FLAUTA DOCE COMO INSTRUMENTO MUSICALIZADOR 23 Apesar de não haver consenso quanto ao termo musicalidade, Cuervo (2009) afirma a existência de uma tendência que considera musicalidade como característica humana. Partindo desse princípio todos possuem capacidade para desenvolver musicalidade, mas isso será potencializado ou contido conforme o contexto social e cultural. Enquanto Blacking (1976) afirma que as pessoas são musicais conforme os valores de um determinado contexto, e que umas apresentam maior musicalidade do que outras, para Sacks (2007) “o talento musical é muito variável, mas existem indícios de que praticamente toda pessoa é dotada de alguma musicalidadeinata” (p. 103). Segundo ele, a expressão pela música está intimamente ligada à natureza do ser humano, assim como a linguagem (CUERVO, 2009, p. 59). A performance musical, portanto, é resultado de um conjunto de fatores que constituem o processo de ensino e aprendizagem, possibilitando no caso da arte musical condições para comunicação e expressão por meio da música. Tal processo está intimamente relacionado à musicalidade, cujo conceito foi exaustivamente discutido neste tópico. DICAS Veja a performance do estudante do curso de flauta doce ao executar a obra Czardas, de Vittorio Monti. Essa obra foi escrita em 1904, baseada no folclore húngaro e foi originalmente composta para violino, bandolim ou piano. Assista ao vídeo: <https://youtu.be/ MQj0vDjIDqo>. Acesso em: 14 abr. 2019. 2.1 A PERFORMANCE DA FLAUTA DOCE NOS DIAS ATUAIS Performance em flauta doce é uma das preocupações que acompanham o processo de ensino e aprendizagem do instrumento. Isso significa ir além da reprodução técnica e permitir maior liberdade ao instrumentista para criação, interpretação e fruição durante a apresentação musical. UNIDADE 1 | HISTÓRIA E ASPECTOS GERAIS DA FLAUTA DOCE 24 O saber fazer, ao contrário do que pregam algumas linhas da Educação Musical, não está separado do pensar, mas implica variada gama de necessidades e desafios cognitivos, como sugere Swanwick (2003). Essa é uma importante contribuição de uma educação musical engajada: proporcionar a música como forma de expressão e comunicação e, acima de tudo, incentivar o aluno a inventar um próprio modo de fazê-lo (CUERVO, 2009 p. 55). Um dos objetivos da educação musical é promover o pensamento crítico e criativo, possibilitando ao estudante condições para que ele aprenda musicalmente, ou seja, fazendo música e refletindo sobre a própria ação. Nesse contexto, o estudo de flauta doce também pode contribuir significativamente para um aprendizado de qualidade em música. É desejável que no processo de estudo instrumental haja atitude musical, ou seja, a capacidade de perceber e dar forma a sons e a habilidade resultante de comunicar sentido, significado e sentimentos (CUERVO, 2009, p. 65). Ressalta-se que a musicalidade na performance de flauta doce pode ser entendida como a habilidade de gerar significados através da música. Para tanto, é necessário estar atento para as seguintes características que, também se constituem em indicadores importantes no processo performático: sonoridade, fraseado, fluência da execução musical e interação. Sonoridade Uma sonoridade de qualidade resulta da perfeita relação entre técnica de digitação, articulação da língua e sopro, sendo esse último o controle da pressão na emissão de ar. Além disso também é necessário considerar a qualidade do próprio instrumento que está sendo utilizado pois, algumas flautas, devido à baixa qualidade do material utilizado na confecção, têm a sonoridade alterada o que influencia diretamente na afinação do instrumento. Fraseado Em música, chama-se de fraseado uma sequência de notas musicais organizadas de modo sistemático e intencional. A condução do fraseado, pelo flautista é o que pode dar sentido ao “discurso” musical. Para Cuervo (2009, p. 65) “Sua boa execução engloba, também, a otimização de recursos técnicos como articulação, afinação, respiração, convergindo na clareza estrutural da frase ao apresentar elementos como ápice e declínio ou a dicotomia tensão-relaxamento”. Fluência da execução musical A fluência musical decorre do equilíbrio entre a técnica e a musicalidade seja na interpretação de uma obra musical conhecida ou em momentos de improvisação. Para haver fluência é importante que tenha havido primeiramente uma perfeita compreensão do discurso musical, ou seja, aquilo que está sendo executado precisa fazer sentido para o instrumentista. TÓPICO 2 | FLAUTA DOCE COMO INSTRUMENTO MUSICALIZADOR 25 Interação Considerando que o processo de ensaio, ensino e aprendizagem ocorrem, na maioria das vezes, de modo coletivo, a interação permite ao grupo realizar trocas significativas de experiências e saberes. Dessa forma há, entre os interagentes, fortalecimento na autonomia de pensamento, autoestima e criatividade, dentre outros aspectos do desenvolvimento musical. É muito significativo o fazer musical em grupo, pois além de ser notoriamente uma excelente estratégia de socialização entre as pessoas, as trocas coletivas também favorecem a aprendizagem, pois envolve a observação, a imitação, comparação etc. Haja vista que somos fortemente motivados ao observar os outros, e tendemos a "competir" com nossos colegas, os momentos de trabalho em grupo se constituem em importantes estratégias para o ensino e aprendizagem em música. DICAS Assista ao vídeo disponível em: <https://youtu.be/hggISFswKcw?t=522> e observe as características ou indicadores importantes no processo performático: sonoridade, fraseado, fluência da execução musical e interação. Composição de Antônio Vivaldi: Concerto RV 443, Maurice Steger, Cappella Gabetta. 3 FLAUTA DOCE E SEUS USOS A flauta doce é um dos instrumentos mais utilizados em propostas de musicalização e projetos de escolas regulares para o ensino de música, no entanto, esse instrumento ao mesmo tempo em que ganha popularidade, perde em prestígio enquanto opção para profissionalização, sendo frequentemente considerado como um simples meio de iniciação musical. Essa questão deve ser considerada desde o primeiro contato com o instrumento, a fim de afastar todo e qualquer tipo de preconceito. O estudo de flauta para ser bem-sucedido exige, além da aquisição de flautas de qualidade, dedicação, pesquisa e várias horas de apreciação musical, ou seja, audição de gravações ou vídeos de grandes flautistas da história. Outra dica é, na medida do possível, manipular flautas de diferentes tamanhos e conversar com pessoas qualificadas, especialistas em flauta, sobre atuação profissional. UNIDADE 1 | HISTÓRIA E ASPECTOS GERAIS DA FLAUTA DOCE 26 O aprendizado em flauta doce pode ser um promissor caminho para a profissionalização, um preparatório para a excelência ou alta performance musical. Tocar flauta doce, nesse sentido, deixa de ser uma atividade de entretenimento e passa a ser entendido como uma oportunidade séria de formação musical. Ressalta-se, porém, que via de regra a flauta doce é usada como uma alternativa para a inclusão do ensino instrumental na escola devido ao fato de ser um instrumento de fácil aquisição e de custo baixo, além de propiciar uma produção musical breve, devido à facilidade de aprendizagem. Essa visão sobre a flauta doce como forma de introduzir o instrumento musical na escola foge do objetivo que deve ser alcançado na aula de música, que é o fazer musical (MENDES; SILVA, 2010). Segundo Beineke (1997, p. 86), "...questão que diferencia o trabalho com a flauta doce na escola é que a aula de música é o centro da proposta". A autora afirma que o trabalho com a flauta doce nas aulas de música tem objetivos mais profundos, ou seja, o de envolver o aluno musicalmente, despertando o interesse e a motivação pelo ouvir, aprender e praticar flauta doce, atingindo o fazer musical (MENDES; SILVA, 2010). Sabe-se que a flauta doce não é o único instrumento a auxiliar a educação musical, mas pode se observar que o trabalho com ela é diferenciado, começando com a manipulação do som a partir do manuseio e exploração, resultando no fazer musical. Além disso, o estudo da flauta doce pode ser realizado com turmas de tamanho e faixa etária diversificada, o que não é possível em relação a outros instrumentos (MENDES; SILVA, 2010). A flauta doce, em sala de aula ou fora dela, traz também a oportunidade de se fazer música em pequenos grupos, coletivamente. Essa experiência de poder tocar junto torna o aprendizado musical bastante divertido e significativo, pois oportuniza a testagem, experimentação, a predisposição para errar e aprenderjunto com o colega. Vale destacar também que as atividades em grupo permitem a inclusão de pessoas com diferentes níveis e habilidades na flauta doce, o que estrategicamente valoriza a participação de todos no processo. Na prática de conjunto instrumental, por exemplo, isso significa a valorização da participação de cada um, ou seja, os alunos não tocam todos a mesma coisa. Cada um contribui com a sua parte, com aquilo que já é capaz de fazer. Independentemente de se estar tocando algo mais simples ou mais complexo, a participação de todos é igualmente importante. Isso provoca outro tipo de engajamento e compromisso com o trabalho, pois, se uma criança faltar, o resultado musical não será o mesmo, ela realmente “faz falta”, o que não acontece quando todos tocam a mesma coisa juntos (BEINEKE, 2003, p. 94). TÓPICO 2 | FLAUTA DOCE COMO INSTRUMENTO MUSICALIZADOR 27 Os usos da flauta doce no processo de educação musical, sobretudo, no fazer musical podem contribuir tanto no conhecimento de aspectos formais da música, sua história e teorias como na formação integral da pessoa por meio de atividades desafiadoras, que potencializem o trabalho em grupo por meio da criação, colaboratividade e performance musical. Alguns alunos “tiram músicas de ouvido”, geralmente aquelas que fazem parte de suas vivências, que fazem parte do contexto social no qual estão inseridos, são as músicas que mais lhes interessam produzir e socializar com os colegas. Em pesquisas realizadas por Mendes e Silva (2010), identificou-se que a flauta doce nas mãos de estudantes motivados os desperta para pesquisa, promovendo um aprendizado a partir da curiosidade, de modo autônomo e solitário. A partir daí o aluno motiva o colega a tocar também, e passa a assumir o papel de colaborador interagindo com o outro, levando-o a socialização de conhecimento e aprendizado. 4 FLAUTA DOCE NO PROCESSO DE ALFABETIZAÇÃO MUSICAL Uma primeira questão muito importante é definir o que se entende por alfabetização musical. O termo é muito utilizado pela pedagogia da música, para fazer referência ao aprendizado das figuras, sinais e símbolos utilizados na grafia musical, mas, não é somente isso. O termo também pode ser compreendido como forma de preparar as pessoas para expressarem ideias ou conceitos utilizando outra forma de comunicação, ou seja, os sons. Importa saber se o estudante de música, além de decodificar pautas, cifras e regras gerais de harmonia ou contraponto também é capaz de se comunicar utilizando seus conhecimentos musicais. O estudo da flauta doce pode facilitar a implementação desse processo de alfabetização, por ser um valioso instrumento para desenvolver a sensibilidade musical. Quando se fala em ouvir e entender música, Mendes e Silva (2010) dizem que existem três aspectos diferentes para o ato de ouvir música. Geralmente usa-se a expressão “ouvir música”, mas segundo Mendes e Silva (2010), pode-se ouvir, escutar e entender música. Diante dessas informações se faz necessário ressaltar cada um desses aspectos, durante as práticas musicais, mencionados pelo autor: UNIDADE 1 | HISTÓRIA E ASPECTOS GERAIS DA FLAUTA DOCE 28 Ouvir: perceber sons pelo ouvido (ato sensorial), ou seja, o som é percebido, mas sem interesse aparente, por exemplo, o som de vozes de pessoas em um local livre, ou uma música tocando enquanto se faz compras, geralmente as pessoas não param para dar atenção a essa música. Escutar: dar atenção ao que se ouve (ato de interesse), ou seja, ficar atento ao que lhe é explicado ou exposto. No ato de escutar observa-se e presta-se atenção a uma conversa que é de interesse da pessoa, ou a uma orientação que deve ser seguida. Entender: tomar consciência do que se ouve. Ou seja, absorver, tomar para si o que lhe é dito, assimilar de fato o que está senso escutado. A articulação desses três aspectos do ouvir música constitui o que se chama de percepção musical. Segundo Mendes e Silva (2010), entende-se como percepção o processo através do qual o ser humano organiza e vivencia informações, e a percepção acontece quando a pessoa ouve, entende e compreende o que lhe é apresentado. Para que uma pessoa seja considerada alfabetizada musicalmente, é necessário que ela se aproprie desse conjunto de competências, qual seja: ler, escrever e interpretar música. Note que há similaridade com o processo de alfabetização linguística. Trata-se de um meio de comunicação que não utiliza letras ou palavras, somente sons e suas propriedades como altura, duração, timbre intensidade. As propriedades do som podem ser melhor compreendidas no fazer musical, e para isso a flauta doce, não somente ela, pode ser muito útil nas atividades que serão desenvolvidas. Contudo, é importante observar: • as práticas musicais: esse conhecimento será de grande valia na atividade prática com a flauta doce, pois na medida em que os estudos avançam maior deve ser o tempo de dedicação para o instrumento. • fluência musical: nas atividades com a flauta doce deve-se deixar fluir a expressividade musical, evitando atividades repetitivas. Técnicas que visem à memorização são cansativas e monótonas, não permitindo a fluidez do pensamento e a expansão cultural do estudante. • atitude criativa nas práticas musicais: é uma ação que permite ao estudante maior liberdade de exploração das possibilidades sonoras do instrumento. Nesse sentido é recomendável criar o próprio repertório com músicas indo além do que é apresentado em sala de aula. • motivação para aprender: sem motivação, não haverá o entendimento musical e a aprendizagem será sem sentido. Essas ações, no processo de estudo e prática de flauta doce, podem contribuir para a formação em música, fortalecendo a autoestima para a performance por meio da autoconfiança e desenvolvimento do potencial musical e criativo. TÓPICO 2 | FLAUTA DOCE COMO INSTRUMENTO MUSICALIZADOR 29 O fazer musical torna-se, portanto, prazeroso, desafiador e rico em significados tornando o estudante mais ativo e responsável pelo próprio processo de aprendizagem. A flauta doce, nesse contexto, é utilizada de modo responsável e coerente com o nível de exigência que o fazer musical e os estudos em instrumentos exigem. 4.1 CONTEXTOS DE ENSINO A flauta doce, quando comparada a outros instrumentos de sopros apresenta resultados mais satisfatórios em menor tempo e esforço. Servindo, portanto, para atividades musicais ou de educação musical de crianças e adultos. Em contextos informais a experiência com a flauta resulta em experimentação do som, ou exploração dos manuais que trazem músicas do folclore brasileiro, entre outras que fazem parte do repertório pessoal ou contexto cultural de quem toca. No espaço escolar, contexto formal de ensino, também se faz necessário entrar em contato com produções mais elaboradas e específicas para flauta doce. É também nesse espaço que acontece a socialização e interação, no contato direto com os colegas. As atividades musicais na escola podem ter objetivos profiláticos, nos seguintes aspectos: Físico: oferecendo atividades capazes de promover o alívio de tensões devidas à instabilidade emocional e fadiga; Psíquico: promovendo processos de expressão, comunicação e descarga emocional através do estímulo musical e sonoro; Mental: proporcionando situações que possam contribuir para estimular e desenvolver o sentido da ordem, harmonia, organização e compreensão (GAINZA 1988, p. 25). Segundo o autor, o estudo da flauta pode contribuir também no aspecto físico, por meio de exercícios rítmicos, canções melodiosas e execução de peças descontraídas que exercem função relaxante sobre as tensões. No aspecto psíquico, a contribuição da música se dá por meio de atividades rítmico-sonoras, estimulando o indivíduo a reagir, expressar-se ou descarregar suas emoções. E no aspecto mental, a música também auxilia como estímulo, sendo de forma apaziguadora em diversas situações. UNIDADE 1 | HISTÓRIAE ASPECTOS GERAIS DA FLAUTA DOCE 30 A música possui um alto potencial terapêutico ainda não conhecido em sua totalidade por conta da falta de estudos na área da musicoterapia. Essa ciência já foi usada para melhoras cognitivas em doenças como Parkinson, demência senil e hiperatividade. Na epilepsia foi comprovado por meio de um estudo que incluiu 11 crianças de Taiwan com idade entre 2 a 14 anos com epilepsia refrataria. O estudo comparou as crises 6 meses antes do tratamento e 6 meses durante a exposição. Foi constatado que em 73% das crianças obteve-se uma melhora de 50% nas crises e em 2 pacientes a inexistência de crises durante o tratamento. A música pode promover a liberação de dopamina inundando assim os sistemas dopaminérgicos receptores de D2. Em pacientes com epilepsia do lobo temporal, a inundação de dopamina pode potencialmente se comportar como um anticonvulsivante. Que tal ler um pouco mais sobre o poder da música no cérebro? Acesse o artigo disponível em: <http://cienciasecognicao.org/neuroemdebate/?p=1201>. FONTE: MIRANDA, Caique. Music and epilepsy: a critical review. Disponível em: http:// cienciasecognicao.org/neuroemdebate/?p=1201. Acesso em: 8 abr. 2019. NOTA 31 RESUMO DO TÓPICO 2 Neste tópico você aprendeu que: • Para tratar de performance musical é necessário que se tenha clareza de um outro conceito, o de musicalidade. • Musicalidade deve ser compreendida como um conhecimento que pode ser desenvolvido e potencializado na aula de música, pois é permeada por um conjunto de elemento inter-relacionados, os quais resultarão em uma performance musical expressiva (CUERVO, 2009). • Na performance, o músico expressa uma maneira particular de interpretar e sentir a música, criando para si e para os ouvintes uma experiência subjetiva por meio da expressão musical. • Qualquer pessoa pode desenvolver musicalidade, desde que haja um contexto favorável seja o ambiente familiar, escolar cultural ou social. • Um dos objetivos da educação musical é promover o pensamento crítico e criativo, possibilitando ao estudante condições para que ele aprenda musicalmente, ou seja, fazendo música e refletindo sobre a própria ação. • A performance em e flauta doce possui as seguintes características: sonoridade, fraseado, fluência da execução musical e interação. • Os usos da flauta doce no processo de educação musical podem contribuir tanto no conhecimento de aspectos formais da música, sua história e teorias como na formação integral da pessoa por meio de atividades desafiadores que potencializem o trabalho em grupo por meio da criação, colaboratividade e performance musical. • Para que uma pessoa seja considerada alfabetizada musicalmente, é necessário que ela se aproprie de um conjunto de competências, ou seja, é desejável que ela saiba ler, escrever e interpretar música. • A flauta doce é um instrumento de fácil aquisição e de rápido aprendizado, e quando comparada a outros instrumentos de sopros ela apresenta resultados mais satisfatórios para emissão de sonora em menor tempo e esforço. 32 1 O termo musicalidade é utilizado indistintamente em diferentes situações para referir-se à “habilidade”, “aptidão”, “potencial” ou até mesmo “talento” (HALLAN, 2006). Essa dificuldade em definir com precisão o significado do termo é devido ao fato de não haver na língua portuguesa uma expressão que possa traduzir do inglês palavras como musicality, algo próximo de “talento natural”, e musicianship, que pode ser entendido como “habilidade adquirida e sensibilidade”. Sobre essa questão, classifique as sentenças em V para verdadeiras e F para as falsas. ( ) Musicalidade é um conceito pouco conhecido na educação musical e utilizada somente entre os profissionais da etnomusicologia. ( ) Existe uma estreita relação entre musicalidade e performance. ( ) Independentemente das tentativas de traduções, o importante é ter em mente que no processo de ensino e aprendizagem, musicalidade deve ser compreendida como um conhecimento que pode ser desenvolvido e potencializado na aula de música. ( ) Sobre o desenvolvimento da musicalidade, é sensato argumentar que esse processo não inicia repentinamente, mas é construído passo a passo, na interação do sujeito com o objeto, nesse caso, a música. Assinale a alternativa CORRETA: a) ( ) F, V, V, V. b) ( ) F, V, F, F. c) ( ) V, V, V, V. d) ( ) V, V, F, F. 2 A musicalidade na performance de flauta doce pode ser entendida como a habilidade de gerar significados através da música. Para tanto, é necessário estar atento para algumas características que são indicadores importantes no processo performático. Relacione as características às definições corretas: a) ( ) Sonoridade. b) ( ) Fraseado. c) ( ) Fluência da execução musical. d) ( ) Interação. I- Decorre do equilíbrio entre a técnica e a musicalidade seja na interpretação de uma obra musical conhecida ou em momentos de improvisação. II- Resulta da perfeita ralação entre técnica de digitação, articulação da língua e sopro. AUTOATIVIDADE 33 III- Permite ao grupo realizar trocas significativas de experiências e saberes. IV- Sua boa execução engloba, também, a otimização de recursos técnicos como articulação, afinação, respiração, convergindo na clareza estrutural da frase ao apresentar elementos como ápice e declínio ou a dicotomia tensão-relaxamento. Assinale a alternativa CORRETA: a) ( ) 2, 3, 4, 1. b) ( ) 1, 2, 4, 3. c) ( ) 1, 2, 3, 4. d) ( ) 2, 4, 1, 3. 3 A flauta doce é um dos instrumentos mais utilizados em propostas de musicalização e projetos de escolas regulares para o ensino de música, no entanto, esse instrumento ao mesmo tempo em que ganha popularidade perde em prestígio enquanto opção para profissionalização, sendo frequentemente considerado como um simples meio de iniciação musical. Elabore um comentário sobre a questão apresentada considerando os estudos realizados nesse tópico. 34 35 TÓPICO 3 ENSINO COLETIVO DE FLAUTA DOCE UNIDADE 1 1 INTRODUÇÃO O estudo coletivo de flauta doce, o ensino coletivo, se constitui, na contemporaneidade, em uma importante estratégia para popularizar a aprendizagem desse instrumento em diferentes contextos. Além de também ser uma forma de dinamizar as aulas de música. Parte-se do princípio de que a educação musical não restringe ao domínio de habilidades específicas e técnicas instrumentais na execução de músicas na flauta doce, mas se aventura na busca pelo desenvolvimento musical, incluindo diversas formas de interação com a música por meio de atividades de composição, execução e apreciação. Outra questão igualmente importante nesse processo são as estratégias e metodologias de estudo, seleção de repertório e organização da sala de aula. Neste tópico essas e outras questões serão abordadas com a finalidade de aprofundar ainda mais os aspectos didáticos envolvidos no processo de aprendizagem. 2 METODOLOGIA DO ENSINO DA FLAUTA DOCE Para tratar da temática deste tópico uma primeira questão que precisa ser verificada é a diferenciação necessária entre método e metodologia, haja vista o aprendizado significativo, dependerá destes dois pontos-chave. A discussão de fundo passa pela seguinte problemática, como se aprende música? Penna (2012, p. 9) ao tratar dessa questão apresenta a seguinte afirmação: É indispensável articular o que e como para ensinar efetivamente, quer dizer, para desenvolver um verdadeiro processo educativo, compreendido não apenas como transmissão de conteúdo, mas como um processo de desenvolvimento das capacidades (habilidades, competências) do aluno, de modo que ele se torne capaz de apropriar- se significativamente de diferentes saberes e fazer uso pessoal destes em sua vida. Note-se que o simples domínio do conteúdo de música não é suficiente para um efetivo processo de aprendizagem, é preciso dar forma a esse conteúdo. A articulação entre o “quê” e “como” se aprende refere-se à didática, aos encaminhamentos pedagógicos,
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