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LEGISLAÇÃO E DIREITO ESPORTIVO Programa de Pós-Graduação EAD UNIASSELVI-PÓS Autoria: Ivan Tesck CENTRO UNIVERSITÁRIO LEONARDO DA VINCI Rodovia BR 470, Km 71, no 1.040, Bairro Benedito Cx. P. 191 - 89.130-000 – INDAIAL/SC Fone Fax: (47) 3281-9000/3281-9090 Reitor: Prof. Hermínio Kloch Diretor UNIASSELVI-PÓS: Prof. Carlos Fabiano Fistarol Coordenador da Pós-Graduação EAD: Prof. Ivan Tesck Equipe Multidisciplinar da Pós-Graduação EAD: Carlos Fabiano Fistarol Ilana Gunilda Gerber Cavichioli Cristiane Lisandra Danna Norberto Siegel Camila Roczanski Julia dos Santos Ariana Monique Dalri Bárbara Pricila Franz Marcelo Bucci Revisão de Conteúdo: Márcio Moisés Selhorst Revisão Gramatical: Iara de Oliveira Diagramação e Capa: Centro Universitário Leonardo da Vinci – UNIASSELVI Copyright © UNIASSELVI 2013 Ficha catalográfica elaborada na fonte pela Biblioteca Dante Alighieri UNIASSELVI – Indaial. 796.026 T337l Tesck, Ivan Legislação e direito esportivo / Ivan Tesck. Indaial : Uniasselvi, 2013. 112 p. : il ISBN 978-85-7830-686-1 Ebook 978-85-7141-272-9 1. Esportes – Doutrina e legislação. I. Centro Universitário Leonardo da Vinci. Impresso por: Ivan Tesck Possui Graduação em Direito pelo Centro Universitário Leonardo da Vinci – UNIASSELVI (2008), Pós-graduação em Direito Penal pelo Centro Universitário Leonardo da Vinci – UNIASSELVI (2012) e é Pós-graduando em Educação a Distância: Gestão e Tutoria pelo Centro Universitário Leonardo da Vinci – UNIASSELVI. Atualmente é Professor-tutor do curso a distância de Pós-graduação em Direito Penal pelo Centro Universitário Leonardo da Vinci – UNIASSELVI. Sumário APRESENTAÇÃO ..........................................................................07 CAPÍTULO 1 Relações jurídicas que Envolvem o Desporto Profissional ...............................................................09 CAPÍTULO 2 Contratos Desportivos .............................................................39 CAPÍTULO 3 CAPÍTULO 4 Lei no 9.615/1998 (Lei Pelé) e Lei no 10.671/2003 (Estatuto do Torcedor) .............................................................73 Justiça Desportiva .......................................................................93 APRESENTAÇÃO Caro(a) pós-graduando(a): Este caderno de estudos contém textos e reflexões relacionados ao Direito Desportivo Brasileiro. Os textos são apresentados dentro de uma metodologia dialógica e abordam temas de grande relevância sobre o assunto. A disciplina de Legislação e Direito Desportivo proporcionará ao(à) pós-graduando(a) uma visão sistêmica do desporto em suas múltiplas manifestações no mundo do direito. O presente caderno de estudos é composto por 4 (quatro) capítulos. O primeiro capítulo apresentará como o desporto está inserido no mundo globalizado, os direitos fundamentais relacionados ao desporto, os direitos fundamentais do torcedor sob a ótica dos direitos difusos e coletivos, a responsabilidade civil no desporto, a responsabilidade civil relacionada à segurança do torcedor e a segurança do torcedor como dever e responsabilidade do Estado. O segundo capítulo abordará temas concernentes à relação de trabalho entre o atleta profissional e a entidade de prática desportiva, bem como as relações obrigacionais existentes no âmbito do direito civil. No terceiro capítulo estudaremos os principais assuntos relacionados à Lei Pelé ou Lei Geral Sobre Desporto e ao Estatuto do Torcedor. Por fim, no quarto e último capítulo trataremos da justiça desportiva, expondo ao(à) pós-graduando(a) suas características peculiares, seu funcionamento, sua competência, seus órgãos oficiais, seus princípios, as vedações e os critérios para seus membros e as sanções passíveis de aplicação. O autor. CAPÍTULO 1 Relações jurídicas que Envolvem o Desporto Profissional A partir da perspectiva do saber fazer, neste capítulo você terá os seguintes objetivos de aprendizagem: � Compreender como o desporto está inserido no mundo globalizado. � Conhecer os direitos e garantias fundamentais relacionados ao desporto. � Interpretar os direitos e garantias fundamentais relacionados ao torcedor- consumidor. � Aprender os fundamentos básicos da responsabilidade civil relacionada ao desporto, distinguindo seus atores e identificando os responsáveis por danos aos direitos protegidos. 10 LEGISLAÇÃO E DIREITO ESPORTIVO 11 Relações jurídicas que Envolvem o Desporto Profissional Capítulo 1 Contextualização O objetivo inicial desse capítulo é demostrar como está inserido o desporto na sociedade contemporânea. Posteriormente, daremos início a uma abordagem do desporto como direito e garantia fundamental do cidadão, inclusive, fazendo uma análise dele sob a ótica do Estatuto do Torcedor e do Código de Defesa do Consumidor. Por fim, analisaremos a responsabilidade civil das entidades envolvidas nas atividades desportivas, bem como o dever do Estado em prestar a devida segurança quando da realização de eventos desportivos. O Desporto e o Mundo Globalizado O fenômeno desportivo, antes de tudo, representa um fator cultural enraizado em praticamente todas as classes sociais. É prática universal, muitas vezes, migrando de seu país de origem para praticamente todo o mundo. Trata-se de um fenômeno de grande amplitude, envolvendo paixões, amor, carisma, consumo, política e interesses sociais diversos, inclusive jurídicos, evoluindo ao longo da história até atingirem proteção jurídica constitucional em uma sociedade globalizada. Esteves (1998, p. 7) discorre, abordando uma visão crítica acerca do tema, e destaca os principais aspectos sociais do desporto ao longo da história: [...] o desporto de competição a todo custo, ou da competição- hostilidade, é um simples aspecto da sociedade agressiva, competitiva e de consumo, e que fomos condicionados na oposição de uns-contra-os-outros. Nesta sociedade produzem-se quantias, cada vez mais amplas e variadas, de artigos de consumo, dentre os quais, atraentes espetáculos de características desportivas. Nestes, como no resto, o culto da “vedeta”, é fundamental; ou é o mesmo da exaltação da pequena minoria de “vencedores” dos que sobressaem na multidão imensa dos “vencidos”. A sua popularidade, do Desporto, não resulta, apenas, de ser uma luta imediata e direta, de adversários e inimigos, mas duma luta encerrada com rituais de grande expectativa, emoção e partidarismo. O desporto supera qualquer limite de valores estabelecido e, aliado com a importância dedicada ao assunto, acaba agregando integrantes de uma sociedade no sentido de um objetivo comum, qual seja: prestigiar e fomentar o desporto de forma ética e pacífica. 12 LEGISLAÇÃO E DIREITO ESPORTIVO O desporto induz ao tratamento igualitário. Procura propiciar harmonia, união e prazer entre todos envolvidos, independente de qualquer tipo de discriminação existente em uma sociedade globalizada. Rosado (1999, p. 38) discorre acerca dos ideais éticos voltados ao espírito olímpico, vejamos: Na realidade, o Olimpismo pretende que o Desporto seja colocado a serviço da humanidade, que seja um projeto educativo, onde, através do Desporto, se afirme o combate a qualquer forma de discriminação (nomencladamente entre raças, sexos, crenças ideológicas e políticas), se combata a violência do Desporto, a utilização do “doping”, a exploração do homem pelo homem e as desigualdades sociais, valorizando- se a ética desportiva (fair-play) e uma filosofia de vida que enaltece o desenvolvimento harmonioso do ser humano. Apesar disso, não são raras as vezes em que verificamos o espírito do desporto se distanciando de sua ética e até mesmo da moral comum pregada pela sociedade contemporânea. Por exemplo, lemos e ouvimos sobre ou assistimos a inúmeros acontecimentosrelacionados com brigas de torcidas em jogos de futebol. No cenário atual, é preciso haver uma profunda reflexão acerca do sentido dos valores sociais face aos princípios preconizados pelo desporto, pois é salutar estabelecer diretrizes claras de envolvimento entre o mercado econômico, as paixões e a ética desportiva. Novamente Esteves (1998, p. 21) aborda o tema: Só há uma forma de entender o fenômeno desportivo: na perspectiva das estruturas sociais. O que há de característico e fundamental no desporto é, justamente, o que define e caracteriza a sociedade em que ele se pratica e se envolve. No tipo atual de relacionamento humano, é, naturalmente, um fenômeno de alienação, ou desumanização, em que homens se batem por uma vantagem – de dinheiro, e decorrentes, concretos, benefícios de ‘prestigio’, ou estatuto social – à custa ou com prejuízos correspondentes, dos seus adversários-inimigos. O doutrinador Sergio (2003, p. 43), aponta valores que devem nortear o sentido e a razão humana do desporto para atingir seus verdadeiros ideais, conforme segue: a) No campo do treino desportivo, isto é, no campo de preparo físico-técnico-tático, acentuará que a tecnocracia é uma das muitas variantes de desprezo do homem pelo homem e que o treino não deve submeter o praticante a outros fins que não sejam os do próprio enriquecimento pessoal do atleta; O desporto induz ao tratamento igualitário. Procaura propiciar harmonia, união e prazer entre todos envolvidos, independente de qualquer tipo de discriminação existente em uma sociedade globalizada. 13 Relações jurídicas que Envolvem o Desporto Profissional Capítulo 1 b) No campo da política federativa e clubista, contribui também para que se confundam os meios com os fins, por isso que o clube desportivo com educação através do grupo deverá ser esquematizado e defendido; c) No campo do Desporto competitivo e agonístico, revelará que o desporto não pode perder seu carácter lúdico para descambar em veículos de interesses publicitários, econômicos e políticos, continuando, neste caso, o atleta a ser manejado como “coisa”, como produto secundário, alienando-o de seu valor pessoal e social. d) No campo permanente educacional, apresentará o desporto como uns dos meios de maior valia na educação permanente do indivíduo... fundamentará a vocação irresistível do ser humano ao exercício lúdico, como caminho de libertação e como modo insuperável de escolha e adesão. É preciso entender que as sociedades evoluem constantemente e o homem está continuamente modificando suas formas de pensar e agir ao longo do tempo. Assim, o desporto como movimento social tende a acompanhar os passos da sociedade, seja alterando suas regras ou adaptando novas tecnologias derivadas do comportamento da sociedade globalizada. Portanto, é importante haver uma compreensão do desporto para além do prazer dos praticantes e admiradores, sejam eles profissionais, amadores, investidores ou empresários. O desporto não envolve somente valores contextuais, mas, também, apresenta caráter normatizador, que traz como consequência a positivação do Direito para os contornos da prática desportiva. Assim, o desporto como movimento social tende a acompanhar os passos da sociedade, seja alterando suas regras ou adaptando novas tecnologias derivadas do comportamento da sociedade globalizada. Figura 1 – Foto da Propaganda da Empresa Claro Fonte: Disponível em: <http://www.allejo.com.br/claro-neymar/>. Acesso em: 01 mar. 2013. 14 LEGISLAÇÃO E DIREITO ESPORTIVO O marketing como estratégia de consumo aguça a imaginação, associando feitos heroicos de atletas para se inserir no universo econômico mundial. O Marketing Desportivo não está restrito somente às empresas que atuam no mesmo ramo, pois há pessoas jurídicas que não estão envolvidas diretamente com o desporto, mas que se associam a uma determinada modalidade no intuito de se aproximar do mercado formado pelo público cativo e apaixonado. Figura 2 – Foto do Símbolo do Direito Fonte: Disponível em: <http://www.direitodesportivo.com. br/index1.html>. Acesso em: 01 mar. 2013. Ora, ao mexer com a emoção das pessoas o esporte acelera o processo de fidelização do consumidor, ou seja, ao associar a marca do produto ao esporte cria-se uma identificação do consumidor com o que está sendo anunciado. O esporte é um dois maiores meios de propaganda mundial, não só pelo fato de associar indivíduos, mas, também, por caracterizar uma imagem de saúde, sucesso e superação de limites estabelecidos. O desporto é algo essencial ao ser humano, já que nasce do jogo. O jogo, por sua vez, distingue-se do desporto porque aquele é construção humana, puramente natural, enquanto este é construção de ordem cultural. Vargas (2007, p. 79) aduz acerca do caráter fundamental do jogo em relação ao homem: Porque se trata de algo anterior ao construtivismo; o lúdico é inerente à natureza humana e teve sua gênese na instância lúdica através da codificação e institucionalização do jogo. O construtivismo no esporte traduz a contribuição do próprio homem à humanidade quando sistematizou o jogo. Ao adjetivar o jogo com valores do seu tempo, o homem construiu o esporte, e a ele emprestou e o impregnou de signos culturais. O desporto é algo essencial ao ser humano, já que nasce do jogo. O jogo, por sua vez, distingue-se do desporto porque aquele é construção humana, puramente natural, enquanto este é construção de ordem cultural. 15 Relações jurídicas que Envolvem o Desporto Profissional Capítulo 1 No Brasil e principalmente em camadas menos favorecidas da sociedade, o desporto também aparece como possível ascensão à cidadania, à humanização e a possibilidade de abandonar uma situação menos favorecida. Em uma sociedade extremamente plural como a brasileira, é essencial haver um delineamento do direito desportivo, pois as normas jurídicas são fundamentais para garantir os direitos dos participantes e intervenientes, bem como de toda a sociedade consumidora. Novamente, Vargas (2006, p. 39) argumenta: [...] a humanização do ser humano através do Desporto não pode ser enfrentada como uma missão impossível. Acreditar que é possível realizar o impossível é uma contribuição que está ao alcance de cada um de nós. Portanto, temos que o fenômeno cultural do desporto em uma sociedade globalizada é composto, em sua essência, por pessoas e a sua prática deve ser exercida com finalidades positivas, que ultrapassam qualquer barreira política, econômica, mercadológica, social e outras. Atividades de Estudos: 1) É correto afirmar que o desporto tem caráter universal e resulta de um fenômeno cultural? Justifique sua resposta. __________________________________________________ __________________________________________________ __________________________________________________ __________________________________________________ __________________________________________________ __________________________________________________ __________________________________________________ 2) Qual a diferença fundamental entre desporto e jogo? __________________________________________________ __________________________________________________ __________________________________________________ __________________________________________________ __________________________________________________ __________________________________________________ __________________________________________________ 16 LEGISLAÇÃO E DIREITO ESPORTIVO Direitos Fundamentais Relacionados ao Desporto A Constituição Federal de 1988 trata o desporto como sendo direito social e garantia fundamental. Devemos entender que o desporto não se restringe somente ao esporte, mas possui também um sentido de recreação, lazer e diversão. O artigo 217, § 3º, da Constituição Federal, preleciona que o Estado incentivaráo lazer como forma de promoção social. Vejamos: Art. 217. É dever do Estado fomentar as práticas desportivas formais e não formais, como direito de cada um, observados: [...] § 3º. O Poder Público incentivará o lazer, como forma de promoção social. O direito ao lazer está arrolado no artigo 6º da Constituição Federal. Trata-se de direito social e apresenta íntima relação com a ideia de qualidade de vida. Art. 6. São direitos sociais a educação, a saúde, a alimentação, o trabalho, a moradia, o lazer, a segurança, a previdência social, a proteção à maternidade e à infância, a assistência aos desamparados, na forma desta Constituição. Araújo e Nunes Júnior (2006, p. 493) discorrem sobre os direitos sociais, dizendo: Os direitos sociais objetivam a formação do ser humano integral: agente da sociedade, das relações de trabalho, construtor do mundo moderno e, ao mesmo tempo, um ser relacional, humano, que, desse modo, deve integrar sua vida com lazer, quer como parte de atividade educativa, quer ainda em caráter profissional, foi incorporado ao nosso sistema jurídico no patamar de norma constitucional. O desporto é direito fundamental e obrigação do Estado. É considerado indispensável à pessoa humana e necessário para assegurar a todos uma existência digna, livre e igual. Pois bem, os direitos fundamentais são classificados em gerações. Direitos fundamentais de primeira geração (naturais) são: limitação aos governantes, respeito aos cidadãos, direito à vida, sobrevivência, propriedade e, principalmente, liberdade. Os direitos fundamentais de segunda geração (políticos) tratam dos direitos sociais do cidadão, na área econômica, visando ao coletivo para atender melhor à sociedade Devemos entender que o desporto não se restringe somente ao esporte, mas possui também um sentido de recreação, lazer e diversão. O desporto é direito fundamental e obrigação do Estado. É considerado indispensável à pessoa humana e necessário para assegurar a todos uma existência digna, livre e igual. 17 Relações jurídicas que Envolvem o Desporto Profissional Capítulo 1 e proporcionar uma paridade entre todos. Os direitos fundamentais de terceira geração (sociais) tratam da fraternidade. São direitos inerentes à sociedade organizada, como, por exemplo: meio ambiente, direito do consumidor, proteção aos idosos, crianças e deficientes, e o desporto. A Constituição Federal trata o desporto junto à educação e à cultura, pilares base de qualquer sociedade em desenvolvimento. Também podemos encontrar referencias ao desporto na legislação infraconstitucional, como, por exemplo, nos artigos 4º, 15 e 16, inciso IV e 71, da Lei no 8.069/1990 (Estatuto da Criança e do Adolescente). Vejamos: Art. 4º. É dever da família, da comunidade, da sociedade em geral e do Poder Público assegurar, com absoluta prioridade, a efetivação dos direitos referentes à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao esporte, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e a convivência familiar e comunitária. Art. 15. A criança e o adolescente têm direito à liberdade, ao respeito e à dignidade como pessoas humanas em processo de desenvolvimento e como sujeitos de direitos civis, humanos e sociais garantidos na Constituição e nas leis. Art. 16. O direito a liberdade compreende os seguintes aspectos: [...] IV – brincar, praticar esportes e divertir-se; Art. 71. A criança e o adolescente têm direito a informação, cultura, lazer, esportes, diversões, espetáculos e produtos e serviços que respeitem sua condição peculiar de pessoa em desenvolvimento. A Lei no 8.069/1990 (Estatuto da Criança e do Adolescente), assim como outras normas infraconstitucionais, demostram haver uma integralidade dos direitos constitucionais fundamentais em vários tipos de ordenamentos. O esporte aliado ao lazer, à cultura e à educação deve ser motivado. No ambiente escolar a prática de atividades físicas faz parte do currículo escolar, pois trata-se de matéria importante que proporciona desenvolvimento além do campo físico e fomenta a integração social de todos sem qualquer discriminação. O esporte também está presente para proporcionar a integração da pessoa portadora de necessidades especiais. O artigo 46, incisos III, IV, V e VI, e o artigo 48, parágrafo único, incisos I, II, III e IV, do Decreto no 3.298/1999, que regulamentou a Lei no 7.853/1989, são exemplos: 18 LEGISLAÇÃO E DIREITO ESPORTIVO Art. 46. Os órgãos e as entidades da Administração Pública Federal direta e indireta responsáveis pela cultura, pelo desporto, pelo turismo e pelo lazer dispensarão tratamento prioritário e adequado aos assuntos objeto deste Decreto, com vista a viabilizar, sem prejuízo de outras, as seguintes medidas: [...] III - incentivar a prática desportiva formal e não formal como direito de cada um e o lazer como forma de promoção social; IV - estimular meios que facilitem o exercício de atividades desportivas entre a pessoa portadora de deficiência e suas entidades representativas; V - assegurar a acessibilidade às instalações desportivas dos estabelecimentos de ensino, desde o nível pré-escolar até à universidade; VI - promover a inclusão de atividades desportivas para pessoa portadora de deficiência na prática da educação física ministrada nas instituições de ensino públicas e privadas; Art. 48. Os órgãos e as entidades da Administração Pública Federal direta e indireta, promotores ou financiadores de atividades desportivas e de lazer, devem concorrer técnica e financeiramente para obtenção dos objetivos deste Decreto. Parágrafo único. Serão prioritariamente apoiadas a manifestação desportiva de rendimento e a educacional, compreendendo as atividades de: I - desenvolvimento de recursos humanos especializados; II - promoção de competições desportivas internacionais, nacionais, estaduais e locais; III - pesquisa científica, desenvolvimento tecnológico, documentação e informação; e IV - construção, ampliação, recuperação e adaptação de instalações desportivas e de lazer. Está presente na legislação que tutela o direito do idoso (Lei no 10.741/2003, Estatuto do Idoso) e sua prática ajuda manter a saúde mental e física. Abaixo seguem transcritos artigos da citada legislação que abordam o tema: Art. 3º. É obrigação da família, da comunidade, da sociedade e do Poder Público assegurar ao idoso, com absoluta prioridade, a efetivação do direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, à cultura, ao esporte, ao lazer, ao trabalho, à cidadania, à liberdade, à dignidade, ao respeito e à convivência familiar e comunitária. [...] 19 Relações jurídicas que Envolvem o Desporto Profissional Capítulo 1 Art. 10. É obrigação do Estado e da sociedade, assegurar à pessoa idosa a liberdade, o respeito e a dignidade, como pessoa humana e sujeito de direitos civis, políticos, individuais e sociais, garantidos na Constituição e nas leis. § 1º. O direito à liberdade compreende, entre outros, os seguintes aspectos: [...] IV – prática de esportes e de diversões; A Lei Pelé (Lei no 9.615/1998), por sua vez, aponta os princípios individuais do direito desportivo e classifica as modalidades de desporto, conforme segue: Art. 2º. O desporto, como direito individual, tem como base os princípios: [...] II – da autonomia, definido pela faculdade e liberdade de pessoas físicas e jurídicas organizarem-se para a prática desportiva; III – da democratização, garantido em condições de acesso às atividades desportivas sem quaisquer distinções ou formas de discriminação; IV – da liberdade, expresso pela livre prática do desporto, de acordo com a capacidade e interesse de cada um, associando- se ou não a entidade do setor; V – do direito social, caracterizado pelo dever do Estado em fomentar as práticas desportivas formais e não-formais; VIII – da educação, voltada para o desportointegral do homem como ser autônomo e participante, e fomentado por meio da prioridade dos recursos públicos ao desporto educacional; Art. 3º. O desporto pode ser reconhecido em qualquer das seguintes manifestações: I - desporto educacional, praticado nos sistemas de ensino e em formas assistemáticas de educação, evitando-se a seletividade, a hipercompetitividade de seus praticantes, com a finalidade de alcançar o desenvolvimento integral do indivíduo e a sua formação para o exercício da cidadania e a prática do lazer; II - desporto de participação, de modo voluntário, compreendendo as modalidades desportivas praticadas com a finalidade de contribuir para a integração dos praticantes na plenitude da vida social, na promoção da saúde e educação e na preservação do meio ambiente; III - desporto de rendimento, praticado segundo normas gerais desta Lei e regras de prática desportiva, nacionais e internacionais, com a finalidade de obter resultados e integrar pessoas e comunidades do País e estas com as de outras nações. 20 LEGISLAÇÃO E DIREITO ESPORTIVO Parágrafo único. O desporto de rendimento pode ser organizado e praticado: I - de modo profissional, caracterizado pela remuneração pactuada em contrato formal de trabalho entre o atleta e a entidade de prática desportiva; II - de modo não profissional, identificado pela liberdade de prática e pela inexistência de contrato de trabalho, sendo permitido o recebimento de incentivos materiais e de patrocínio. Desse modo, o desporto pode ser classificado como formal, não formal (artigo 217, da Constituição Federal), educacional, de participação, de rendimento, de rendimento profissional e de rendimento não profissional (Lei Pelé no 9.615/1998). • O desporto não formal possui como principal característica a liberdade lúdica dos participantes, incentivando principalmente à prática de jogos, brincadeiras e diversão. • O desporto educacional é aquele praticado no âmbito da escola e de caráter educacional, evitando a discriminação e competitividade excessiva, buscando desenvolver e exercitar a prática da cidadania cumulativamente com o lazer. • Já o desporto de participação é aquele praticado de modo voluntário, aquele comumente chamado de amador. A prática de diversas modalidades de esporte busca a interação dos participantes, incentiva à convivência social e o cuidado com a saúde. • Desporto de rendimento é o desporto de competição. Deve observar as normas nacionais e internacionais relacionadas ao tema, inclusive a Lei Pelé (Lei no 9.615/1998), tudo no intuito de integrar os indivíduos de um mesmo país ou deste para com outras nações. Recebe tratamento diferenciado determinado pelo artigo 217, III, da Constituição federal: Art. 217. É dever do Estado fomentar as práticas desportivas formais e não formais, como direito de cada um, observados: [...] III – o tratamento diferenciado para o desporto profissional e o não profissional. • Desporto de rendimento profissional caracteriza-se pela existência de pacto formal de contrato de trabalho entre o atleta e a instituição de prática desportiva, havendo, assim, consequentemente, remuneração, inclusive na forma de patrocínio. Desse modo, o desporto pode ser classificado como formal, não formal (artigo 217, da Constituição Federal), educacional, de participação, de rendimento, de rendimento profissional e de rendimento não profissional (Lei Pelé no 9.615/1998). 21 Relações jurídicas que Envolvem o Desporto Profissional Capítulo 1 • Desporto de rendimento não profissional caracteriza-se pela inexistência de contrato de trabalho e o atleta possui liberdade na prática desportiva, podendo haver incentivos na forma de patrocínio e outros materiais. Sendo assim, tem-se que o desporto alcançou patamar de direito subjetivo fundamental e constitucional, bem como foi acompanhado por inúmeras normas infraconstitucionais reguladoras do tema, propiciando sua prática dentro das diversas modalidades existentes com obediência aos princípios preconizados. Atividades de Estudos: 1) O direito desportivo está restrito somente ao esporte ou possui sentido mais amplo, relacionado a outros princípios de natureza fundamental constitucional? Justifique sua resposta utilizando o texto constitucional. ____________________________________________________ ____________________________________________________ ____________________________________________________ ____________________________________________________ ____________________________________________________ ____________________________________________________ ____________________________________________________ 2) Cite exemplos de legislação infraconstitucional que abordam o tema desporto e apresente algumas de suas caraterísticas. ____________________________________________________ ____________________________________________________ ____________________________________________________ ____________________________________________________ ____________________________________________________ ____________________________________________________ ____________________________________________________ 22 LEGISLAÇÃO E DIREITO ESPORTIVO Dos Direitos Fundamentais do Torcedor Sob a Ótica dos Direitos Difusos e Coletivos O desporto é de grande aceitação popular e o cidadão figura como um dos maiores fomentadores de sua prática. O torcedor torna-se um dos principais elementos para sobrevivência e desenvolvimento do esporte, sofrendo indubitavelmente suas consequências, entre elas, muitas vezes, o desrespeito aos direitos humanos e aos direitos do consumidor. O torcedor é o verdadeiro financiador do esporte e merece o devido respeito, que é garantido pelas normas vigentes. O desporto é efetivamente um interesse difuso e coletivo da população, uma vez que pode ser enquadrado nas hipóteses delimitadoras de sua abrangência protetiva, conforme veremos em seguida. O artigo 81, parágrafo único, incisos I e II, do Código de Defesa do Consumidor (Lei no 8.078/1990), define os interesses difusos e coletivos, conforme segue: Art. 81. A defesa dos interesses e direitos dos consumidores e das vítimas poderá ser exercida em juízo individualmente, ou a título coletivo. Parágrafo único. A defesa coletiva será exercida quando se tratar de: I – interesses ou direitos difusos, assim entendidos, para efeitos deste Código, os transindividuais, de natureza indivisível, de que sejam titulares pessoas indeterminadas e ligadas por circunstâncias de fato; 3) Cite as principais diferenças entre o desporto de rendimento profissional e o desporto de rendimento não profissional. ____________________________________________________ ____________________________________________________ ____________________________________________________ ____________________________________________________ ____________________________________________________ ____________________________________________________ ____________________________________________________ O desporto é de grande aceitação popular e o cidadão figura como um dos maiores fomentadores de sua prática. O torcedor torna-se um dos principais elementos para sobrevivência e desenvolvimento do esporte, sofrendo indubitavelmente suas consequências, entre elas, muitas vezes, o desrespeito aos direitos humanos e aos direitos do consumidor. O torcedor é o verdadeiro financiador do esporte e merece o devido respeito, que é garantido pelas normas vigentes. 23 Relações jurídicas que Envolvem o Desporto Profissional Capítulo 1 II – interesses ou direitos coletivos, assim entendidos, para efeitos deste Código, os transindividuais de natureza indivisível de que seja titular grupo, categoria ou classe de pessoas ligadas entre si ou com parte contrária por uma relação jurídica base; [...] Mancuso (1997, p. 55)explica os requisitos necessários para a caracterização dos interesses coletivos: a) um mínimo de organização, a fim de que os interesses ganhem a coesão e identificação necessárias; b) a afetação desses interesses a grupos determinados (ou ao menos determináveis), que serão os seus portadores; c) um vínculo jurídico básico, comum a todos os participantes, conferindo-lhes situação jurídica diferenciada. No tocante aos interesses difusos, Smanio (2007, p. 11- 12) destaca: O fato é que, atualmente, o sistema jurídico deixou de ser fundado na tutela do indivíduo, dos chamados direitos subjetivos, e passou a ser baseado na tutela das classes ou categorias em que os indivíduos estão agrupados e normatizados. Podemos, assim, conceituar os interesses difusos como sendo aqueles interesses metaindividuais, essencialmente indivisíveis, em que há uma comunhão de que participam todos os interessados, que se predem a dados de fato, mutáveis, acidentais, de forma que a satisfação de um deles importa na satisfação de todos e a lesão do interesses importa na lesão a todos os interessados, indistintamente. A proteção dos interesses difusos não ocorre em função de vínculos jurídicos, a indivisibilidade não decorre de relações jurídicas, mas da própria natureza dos interesses de forma que não é possível que exista satisfação de apenas alguns dos interessados, mas da sua totalidade. Não obstante a caracterização do desporto como interesse difuso e coletivo, os artigos 5º, inciso XXXII e 170, inciso V, da Constituição Federal, asseguram a tutela das relações jurídicas do cidadão consumidor e exigem para sua aplicabilidade a existência de relação jurídica de consumo, prevista nos moldes do Código de Defesa do Consumidor (Lei no 8.078/1990). Art. 5º. Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança, e a propriedade, nos seguintes termos: 24 LEGISLAÇÃO E DIREITO ESPORTIVO [...] XXXII – o Estado promoverá, na forma da lei, a defesa do consumidor; Art. 170. A ordem econômica, fundada na valorização do trabalho humano e na livre iniciativa, tem por fim assegurar a todos existência digna, conforme os ditames da justiça social, observados os seguintes princípios: [...] V – defesa do consumidor; Os artigos 2º, parágrafo único, 3º, 17 e 29, do Código de Defesa do Consumidor (Lei no 8.078/1990), estabelecem os conceitos de consumidor e fornecedor, conforme segue: Art. 2º. Consumidor é toda pessoa física ou jurídica que adquire ou utiliza produto ou serviço como destinatário final. Paragrafo único. Equipara-se a consumidor a coletividade de pessoas, ainda que indetermináveis, que haja intervindo nas relações de consumo. Art. 3º. Fornecedor é toda pessoa física ou jurídica, pública ou privada, nacional ou estrangeira, bem como os entes despersonalizados, que desenvolvem atividades de produção, montagem, criação, construção, transformação, importação, exportação, distribuição ou comercialização de produtos ou prestação de serviços. Art. 17. Para efeitos desta seção, equiparam-se aos consumidores todas as vítimas do evento. Art. 29. Para os fins deste Capítulo e do seguinte, equiparam- se aos consumidores todas as pessoas determináveis ou não, expostas às práticas nele previstas. Podemos dizer, então, que as relações jurídicas estabelecidas pelo torcedor face seu clube, organizadores do evento e fornecedores de produtos/serviços que exploram a cobertura das atividades desportivas são abrangidas pelas normas do Código de Defesa do Consumidor (Lei no 8.078/1990). Apesar da aparente facilidade de interpretação e aplicação das normas consumeristas, existe certa resistência e desconhecimento quando relacionados ao desporto. Sodré (2009, p. 57) aduz que: [...] em apenas duas décadas, praticamente todos os países latino-americanos legislaram sobre este tema de forma genérica e sistemática. Tal não significa que a implementação do direito do consumidor esteja acontecendo em grande escala nestes países do terceiro mundo. O que se vê, na verdade, é que em toda América Latina, como é típico dos países de terceiro mundo, existem dois momentos distintos: (i) o primeiro 25 Relações jurídicas que Envolvem o Desporto Profissional Capítulo 1 é o da aprovação das leis, o que já ocorreu na maioria dos países; (ii) o segundo é o da sua implementação, que é o que se busca atualmente na maioria dos países. Essa é uma fase muito mais difícil e complexa. Desse modo, para inserir as normas consumeristas no âmbito do desporto e delimitar sua abrangência havia necessidade de criar-se lei específica regulando a matéria. Para tanto, publicou-se a lei Pelé ou Lei Geral de Desportos (no 9.615/1998) que, em seu artigo 42, parágrafo 3º, equipara espectador pagante de evento desportivo ao patamar de consumidor: Art. 42. Pertence às entidades de prática desportiva o direito de arena, consistente na prerrogativa exclusiva de negociar, autorizar ou proibir a captação, a fixação, a emissão, a transmissão, a retransmissão ou a reprodução de imagens, por qualquer meio ou processo, de espetáculo desportivo de que participem. [...] § 3º. O espectador pagante, por qualquer meio, de espetáculo ou evento desportivo equipara-se, para todos os efeitos legais, ao consumidor, nos termos do art. 2º da Lei nº 8.078, de 11 de setembro de 1990. Em que pese o esforço da Lei Pelé (Lei no 9.615/1998) no sentido de reforçar a aplicabilidade das normas consumeristas ao desporto, tem-se que ela acabou por limitar as referidas garantias, uma vez que considerou consumidor somente aquele espectador pagante. Então, posteriormente, foi promulgado o Estatuto de Defesa do Torcedor (Lei no 10.671/2003), no sentido de criar isonomia entre consumidores e torcedores. Foi criado para que todo cidadão que aprecie, apoie, associe-se a qualquer entidade de prática desportiva ou que acompanhe a prática de determinada modalidade esportiva no País, ainda que não compareça ao evento desportivo, tenha assegurados os direitos do consumidor, afastando, assim, qualquer dúvida quanto à aplicação das regras de consumo nas relações comerciais. Assim dispõe o artigo 2º, parágrafo único e o artigo 3º, do Estatuto de Defesa do Torcedor (Lei no 10.671/2003): Art. 2º. Torcedor é toda pessoa que aprecie, apoie ou se associe a qualquer entidade de prática desportiva do País e acompanhe a prática de determinada modalidade desportiva. Parágrafo único. Salvo prova em contrário, presume-se a apreciação, o apoio ou acompanhamento de que trata o caput deste artigo. Art. 3º. Para todos os efeitos legais, equiparam-se a fornecedor, nos termos da Lei n. 8.078, de 11 de setembro de 1990, a entidade responsável pela organização da competição, bem como a entidade de prática desportiva detentora do mando de jogo. 26 LEGISLAÇÃO E DIREITO ESPORTIVO Por fim, resta claro o entendimento de que a norma consumerista referente aos interesses difusos e coletivos relacionados ao torcedor-consumidor alcança o desporto e atinge competições que envolvam relações jurídicas de consumo, tutelando, assim, direitos e garantias fundamentais. Atividades de Estudos: 1) Aponte duas características capazes de demostrar que o desporto trata-se de um direito difuso e coletivo protegido pelo Código de Defesa do Consumidor (Lei no 8.078/1990). __________________________________________________ __________________________________________________ __________________________________________________ __________________________________________________ __________________________________________________ __________________________________________________ __________________________________________________ 2) É correto afirmar que as normas de defesa do consumidor relacionadas ao desporto tutelam apenas os direitos dosespectadores pagantes? Justifique sua resposta e fundamente com o texto de lei. __________________________________________________ __________________________________________________ __________________________________________________ __________________________________________________ __________________________________________________ __________________________________________________ __________________________________________________ Da Responsabilidade Civil no Desporto Primeiramente, é de suma importância fixar que a relação jurídica estabelecida entre espectador-torcedor e o fornecedor de serviços configura relação de consumo. 27 Relações jurídicas que Envolvem o Desporto Profissional Capítulo 1 Trata-se de contrato no qual o fornecedor de serviços compromete-se, ou melhor, obriga-se, mediante pagamento de determinada quantia, a realizar e a exibir ao espectador-torcedor determinada manifestação desportiva. Também configura típica modalidade de contrato de adesão, ou seja, aquele contrato em que as cláusulas são estabelecidas de forma unilateral por uma das partes, no caso o fornecedor de serviços, restando ao espectador-torcedor somente a faculdade de aderir ou não sem qualquer possibilidade de discussão acerca do seu conteúdo. Assim, pode-se dizer que as principais obrigações do fornecedor de serviços desportivos são promover o espetáculo, fornecer instalações adequadas e zelar pela segurança dos espectadores/torcedores. Havendo o descumprimento do contrato firmado pela parte do prestador de serviços para com as obrigações estabelecidas, resta configurado vício no serviço, respondendo este civilmente pelos danos causados. Tudo conforme os ditames estabelecidos no artigo 20, I, II e III, § 1º e § 2º, do Código de Defesa do Consumidor (Lei no 8.078/1990). Art. 20. O fornecedor de serviços responde pelos vícios de qualidade que os tornem impróprios ao consumo ou lhes diminuam o valor, assim como por aqueles decorrentes da disparidade com as indicações constantes da oferta ou mensagem publicitária, podendo o consumidor exigir, alternativamente e à sua escolha: I – a reexecução dos serviços, sem custo adicional e quando cabível; II – a restituição imediata da quantia paga, monetariamente atualizada, sem prejuízo de eventuais perdas e danos; III – o abatimento proporcional do preço; § 1º. A reexecução dos serviços poderá ser confiada a terceiros devidamente capacitados, por conta e risco do fornecedor. § 2º. São impróprios os serviços que se mostrem inadequados para os fins que razoavelmente deles se esperam, bem como aqueles que não atendam as normas regulamentares de prestabilidade. Os artigos 186 e 187 do Código Civil (Lei no 10.406/2002) disciplinam os atos ilícitos passíveis de ressarcimento ou reparação: Assim, pode- se dizer que as principais obrigações do fornecedor de serviços desportivos são promover o espetáculo, fornecer instalações adequadas e zelar pela segurança dos espectadores/ torcedores. 28 LEGISLAÇÃO E DIREITO ESPORTIVO Art. 186. Aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar direito ou causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito. Art. 187. Também comete ato ilícito o titular de um direito que, ao exercê-lo, excede manifestamente os limites impostos pelo seu fim econômico ou social, pela boa-fé ou pelos bons costumes. Marques (2003, p. 94) discorre com propriedade acerca da desnecessidade de pagamento de ingresso por parte do espectador-torcedor para configuração da responsabilidade civil quando leciona que “[...] o termo ‘remuneração’ significa um ganho direito ou indireto para o fornecedor, o que não implica necessariamente a obrigação correlata de pagamento por parte do consumidor”. Pode-se dizer, então, que inúmeras são as pessoas passíveis de serem afetadas de forma danosa pelo exercício de atividade desportiva. Podem ser pagantes ou não de ingresso, podem ser determináveis (pessoas ligadas diretamente ou indiretamente aos espetáculos desportivos) e podem ser indetermináveis (lesão aos interesses difusos e coletivos). A ideia de responsabilidade civil está relacionada à noção de não prejudicar o outro. A responsabilidade civil pode ser entendida como a aplicação de medidas que obriguem alguém a reparar o dano causado a outrem em razão de sua ação ou omissão. Nas palavras de Stoco (2007, p. 114) temos que: A noção da responsabilidade pode ser haurida da própria origem da palavra, que vem do latim respondere, responder a alguma coisa, ou seja, a necessidade que existe de responsabilizar alguém pelos seus atos danosos. Essa imposição estabelecida pelo meio social regrado, através dos integrantes da sociedade humana, de impor a todos o dever de responder por seus atos, traduz a própria noção de justiça existente no grupo social estratificado. Revela-se, pois, como algo inarredável da natureza humana. Segundo a definição de Silva (2008, p. 642), responsabilidade civil é: Dever jurídico, em que se coloca a pessoa, seja em virtude de contrato, seja em face de fato ou omissão, que lhe seja imputado, para satisfazer a prestação convencionada ou para suportar as sanções legais, que lhe são impostas. Onde quer, portanto, que haja obrigação de fazer, dar ou não fazer alguma coisa, de ressarcir danos, de suportar sanções legais ou penalidades, há a responsabilidade, em virtude da qual se exige a satisfação ou o cumprimento da obrigação ou da sanção. Quando falamos de responsabilidade civil subjetiva devemos ter em mente a necessidade de comprovação dos seus pressupostos, quais sejam: o ato ilícito, o dano, a culpa e o nexo de causa entre o dano e o ato ilícito. Quando falamos de responsabilidade civil subjetiva devemos ter em mente a necessidade de comprovação dos seus pressupostos, quais sejam: o ato ilícito, o dano, a culpa e o nexo de causa entre o dano e o ato ilícito. 29 Relações jurídicas que Envolvem o Desporto Profissional Capítulo 1 A culpa se configura em três modalidades, ou seja, imprudência, negligência e imperícia. Novamente citamos o doutrinador Stoco (2007, p. 133), que conceitua a culpa: Quando existe a intenção deliberada de ofender o direito, ou de ocasionar prejuízo a outrem, há o dolo, isto é, o pleno conhecimento do mal e o direto propósito de o praticar. Se não houvesse esse intento deliberado, proposital, mas o prejuízo veio a surgir, por imprudência ou negligencia, existe a culpa (stricto sensu). Porém, em certos casos, a legislação brasileira admite que seja dispensada a comprovação da culpa, configurando, assim, aquilo que se chama de responsabilidade civil objetiva. O artigo 927, parágrafo único, do Código Civil (Lei no 10.406/2002), é exemplo de responsabilidade civil objetiva, pois quando a atividade normalmente desenvolvida pelo autor do dano implicar, por sua natureza, riscos para os direitos de outrem, a comprovação da culpa é dispensada. Vejamos: Art. 927. Aquele que, por ato ilícito (arts. 186 e 187), causar dano a outrem, fica obrigado a repará-lo. Parágrafo único. Haverá obrigação de reparar o dano, independentemente de culpa, nos casos especificados em lei, ou quando a atividade normalmente desenvolvida pelo autor do dano implicar, por sua natureza, riscos para os direitos de outrem. O artigo 14, § 1º, incisos I, II e II, do Código de Defesa do Consumidor (Lei no 8.078/1990), também responsabiliza o fornecedor de serviços independentemente da existência de culpa, conforme segue: Art. 14. O fornecedor de serviços responde, independentemente da existência de culpa, pela reparação dos danos causados aos consumidores por defeitos relativos à prestação de serviços, bem como por informações insuficientes ou inadequadas sobre sua fruição e riscos. § 1º. O serviço é defeituoso quando não fornece a segurança que o consumidor dele pode esperar, levando-se em consideraçãoas circunstâncias relevantes, entre as quais: I – o modo de seu fornecimento; II – o resultado e os riscos que razoavelmente dele se esperam; III – a época em que foi fornecido. Já o artigo 19, do Estatuto do Torcedor (Lei no 10.671/2003), determina a responsabilização solidária e objetiva das entidades responsáveis pela organização da competição e pelo mando de jogo juntamente com seus dirigentes quando ocorrem prejuízos ao torcedor causados por falhas de segurança, conforme segue: Porém, em certos casos, a legislação brasileira admite que seja dispensada a comprovação da culpa, configurando, assim, aquilo que se chama de responsabilidade civil objetiva. 30 LEGISLAÇÃO E DIREITO ESPORTIVO Art. 19. As entidades responsáveis pela organização da competição, bem como seus dirigentes respondem solidariamente com as entidades de que trata o art. 15 e seus dirigentes, independentemente da existência de culpa, pelos prejuízos causados a torcedor que decorram de falhas de segurança nos estádios ou da inobservância do disposto deste capítulo. Por outro lado, inexistindo defeito no serviço prestado ou havendo culpa exclusiva do espectador-torcedor tem-se afastada a responsabilidade civil do fornecedor de serviços desportivos. Também será afastada a responsabilidade civil do fornecedor de serviços desportivos em caso de culpa exclusiva de terceiro, tudo conforme preleciona o artigo 14, § 3º, incisos I e II, do Código de Defesa do Consumidor (Lei no 8.078/1990): Art. 14. O fornecedor de serviços responde, independente da existência de culpa, pela reparação dos danos causados aos consumidores por defeitos relativos à prestação dos serviços, bem como por informações insuficientes ou inadequadas sobre sua fruição ou riscos. [...] § 3º. O fornecedor de serviços só não será responsabilizado quando provar: I – que, tendo prestado o serviço, o defeito inexiste; II – culpa exclusiva do consumidor ou de terceiro. A responsabilidade civil do prestador de serviços desportivos pode ser concorrente e, consequentemente, minorada a quantia indenizatória devida, isto por que o espectador-torcedor pode concorrer culposamente para com o evento danoso. Vejamos o que diz o artigo 946, do Código Civil (Lei no 10.406/2002): Art. 946. Se a vítima tiver concorrido culposamente para o evento danoso, a sua indenização será fixada tendo-se em conta a gravidade de sua culpa em confronto com a do autor do dano. Dessa forma, resta patente que o torcedor-espectador ao experimentar danos de ordem material ou moral, em virtude do inadequado fornecimento de serviços relacionados à atividade esportiva, possui pleno direito ao ressarcimento ou reparação destes no âmbito civil, restando afastada a responsabilidade quando inexiste defeito no serviço prestado ou há culpa exclusiva da vítima ou de terceiro pelo dano causado. Há, também, que ser relativizada a culpabilidade e, consequentemente, minorada a indenização civil devida, quando o torcedor- expectador concorre de forma culposa para a ocorrência do dano sofrido. Inexistindo defeito no serviço prestado ou havendo culpa exclusiva do espectador-torcedor tem-se afastada a responsabilidade civil do fornecedor de serviços desportivos. Também será afastada a responsabilidade civil do fornecedor de serviços desportivos em caso de culpa exclusiva de terceiro. 31 Relações jurídicas que Envolvem o Desporto Profissional Capítulo 1 Atividades de Estudos: 1) Quais são as três principais obrigações do fornecedor de serviços desportivos? __________________________________________________ __________________________________________________ __________________________________________________ __________________________________________________ __________________________________________________ __________________________________________________ __________________________________________________ 2) É correto afirmar que o contrato de prestação de serviços desportivos pactuado entre fornecedor e torcedor-espectador configura contrato de adesão? Em caso positivo, discorra acerca das características do contrato de adesão. __________________________________________________ __________________________________________________ __________________________________________________ __________________________________________________ __________________________________________________ __________________________________________________ __________________________________________________ 3) Para restar configurada a responsabilidade civil subjetiva do fornecedor de serviços desportivos precisam estar presentes três pressupostos essenciais. Em certos casos, devidamente autorizados pela legislação pátria, pode-se dispensar um dos três pressupostos (responsabilidade civil objetiva). Aponte qual pressuposto da responsabilidade civil do fornecedor de serviços desportivos pode ser dispensado e fundamente com o texto de lei. __________________________________________________ __________________________________________________ __________________________________________________ __________________________________________________ __________________________________________________ __________________________________________________ __________________________________________________ 32 LEGISLAÇÃO E DIREITO ESPORTIVO Da Responsabilidade Civil Concernente à Segurança do Torcedor A leitura conjunta dos artigos 2º, 3º, 13, 14, 15 e 19, do Estatuto do torcedor (Lei no 10.617/2003) não deixa dúvidas acerca da responsabilidade da entidade organizadora da competição, entidade detentora do mando de jogo (clube) e seus respectivos dirigentes quando falamos de segurança do torcedor-espectador antes, durante e após a realização de eventos desportivos. Art. 2º. Torcedor é toda pessoa que aprecie, apoie ou se associe a qualquer entidade de prática desportiva do País e acompanhe a prática de determinada modalidade desportiva. Art. 3º. Para todos os efeitos legais, equiparam-se a fornecedor, nos termos da Lei n. 8.078, de 11 de setembro de 1990, a entidade responsável pela organização da competição, bem como a entidade de prática desportiva detentora do mando de jogo. Art. 13. O torcedor tem direito a segurança nos locais onde são realizados os eventos desportivos antes, durante e após a realização das partidas. Art. 14. Sem prejuízo do disposto nos arts. 12 a 14 da Lei n. 8.078, de 11 de setembro de 1990, a responsabilidade pela segurança do torcedor em evento desportivo é da entidade de prática desportiva detentora do mando de jogo e de seus dirigentes [...] Art. 15. O detentor do mando de jogo será uma das entidades de prática desportiva envolvidas na partida, de acordo com os critérios definidos no regulamento da competição. 4) Quais são os casos em que a responsabilidade civil do fornecedor de serviços desportivos pode ser afastada? Fundamente sua resposta com o texto de lei. __________________________________________________ __________________________________________________ __________________________________________________ __________________________________________________ __________________________________________________ __________________________________________________ __________________________________________________ 33 Relações jurídicas que Envolvem o Desporto Profissional Capítulo 1 Art. 19. As entidades responsáveis pela organização da competição, bem como seus dirigentes respondem solidariamente com as entidades de que trata o art. 15 e seus dirigentes, independentemente da existência de culpa, pelos prejuízos causados a torcedor que decorram de falhas de segurança nos estádios ou da inobservância do disposto deste capítulo. Da leitura dos citados artigos, conclui-se, sem prejuízo às normas estabelecidas no Código de Defesa do Consumidor (Lei no 8.078/1990), que as entidades responsáveis pelaorganização da competição e seus dirigentes respondem solidariamente (possibilidade de exigir de todos os responsáveis a reparação do dano havido) e objetivamente (dispensada a necessidade de comprovação de culpa) com as entidades detentoras do mando de jogo (clube) e seus dirigentes. Então, caso um torcedor, durante o jogo, caia das arquibancadas em virtude de falta de manutenção da estrutura do local, por exemplo, surge a responsabilidade solidária e objetiva das entidades mencionadas acima, exceto se o evento deu-se por culpa única e exclusiva do torcedor-espectador ou de terceiro. Outro aspecto interessante da responsabilidade civil nos espetáculos desportivos refere-se aos danos causados por multidões. O organizador deve conhecer a regularidade com que tais incidentes ocorrem, não podendo alegar que tais fatos são imprevisíveis, pois estes constituem realidade que deve ser concebida dentro das medidas de segurança e prevenção a serem tomadas para realização dos eventos. Abaixo segue trecho da ementa do acórdão (decisão proferida por órgão colegiado), proferido pelo Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro, em ação de reparação de danos proposta por espectador que sofreu lesões corporais por grupos de torcedores no interior do estádio: [...] em tal hipótese, não há que se falar em excludente de responsabilidade, pois alguns acontecimentos que, em princípio seriam extraordinários, por mostrarem-se previsíveis, ante a sua repetição e evidência, transformam-se em fatos inerentes ao risco do negócio, permitindo a visão do nexo de causalidade [...] Sendo assim, comprovada a existência do evento danoso, da deficiência na prestação do serviço e do nexo de causa entre um e outro, resta configurado o dever de reparar o dano causado no interior da arena desportiva. As entidades responsáveis pela organização da competição e seus dirigentes respondem solidariamente (possibilidade de exigir de todos os responsáveis a reparação do dano havido) e objetivamente (dispensada a necessidade de comprovação de culpa) com as entidades detentoras do mando de jogo (clube) e seus dirigentes. O organizador deve conhecer a regularidade com que tais incidentes ocorrem, não podendo alegar que tais fatos são imprevisíveis, pois estes constituem realidade que deve ser concebida dentro das medidas de segurança e prevenção a serem tomadas para realização dos eventos. 34 LEGISLAÇÃO E DIREITO ESPORTIVO Atividade de Estudos: 1) Quais são as entidades responsáveis pela reparação civil por danos causados em espetáculo desportivo? Fundamente sua resposta com o texto de lei. __________________________________________________ __________________________________________________ __________________________________________________ __________________________________________________ __________________________________________________ __________________________________________________ __________________________________________________ A Segurança do Torcedor como Dever e Responsabilidade do Estado A responsabilidade prevista nos artigos 13 e 14, do Estatuto do Torcedor (Lei no 10.671/2003), não afasta o dever do Estado de proporcionar a segurança dos torcedores/espectadores nos eventos desportivos. Os artigos 6º e 144, da Constituição Federal, disciplinam o direito do cidadão à segurança e o dever do Estado em proporcioná-la, conforme abaixo transcrito: Art. 6º. São direitos sociais a educação, a saúde, a alimentação, o trabalho, a moradia, o lazer, a segurança, a previdência social, a proteção à maternidade e à infância, a assistência aos desamparados, na forma desta Constituição. Art. 144. A segurança pública, dever do Estado, direito e responsabilidade de todos, é exercida para a preservação da ordem pública e da incolumidade das pessoas e do patrimônio [...] Nesse sentido, cabe à entidade detentora do mando de jogo (clube) com seus dirigentes solicitarem ao poder público a presença de agentes de segurança que atuarão dentro e fora do dos locais onde ocorrem eventos desportivos. Cabe, também, informar a quantidade de ingressos vendidos e o número aproximado de torcedores/espectadores presentes, possibilitando, assim, que o Estado organize a segurança com o envio de contingente suficiente para determinado espetáculo. A responsabilidade prevista nos artigos 13 e 14, do Estatuto do Torcedor (Lei no 10.671/2003), não afasta o dever do Estado de proporcionar a segurança dos torcedores/ espectadores nos eventos desportivos. 35 Relações jurídicas que Envolvem o Desporto Profissional Capítulo 1 Os agentes de segurança do Estado (policiais militares) não estão subordinados a entidade organizadora e detentora do mando de jogo, motivo pelo qual, em caso de excesso por parte destes, dentro ou fora da arena desportiva, que venha a causar dano passível de reparação/indenização civil teremos o Estado como responsável. Importante salientar que a segurança do local do evento desportivo deve ser garantida pela organização, uma vez que os agentes de segurança do Estado figuram como força auxiliar em um evento com características puramente particulares e que configuram claramente relação de consumo. Sendo assim, verifica-se que a entidade organizadora, juntamente com a entidade detentora do mando de jogo (clube) e seus dirigentes, somente serão responsabilizadas civilmente por danos causados aos torcedores-espectadores quando desobedecerem as regras estabelecidas no artigos 14, incisos I e II, e artigo 23, § 2º, incisos I, II, ambos do Estatuto do Torcedor (Lei no 10. 617/2003). As referidas regras determinam que as citadas entidades devem: • Solicitar ao poder público a presença de agentes de segurança, devidamente identificados, responsáveis pela segurança dos torcedores dentro e fora da arena desportiva. • Informar ao órgão competente o local, o horário do evento, a capacidade da arena desportiva e a expectativa de público. • Apenas disponibilizar para venda ingressos na quantidade adequada com a capacidade da arena desportiva. • Permitir somente a entrada de torcedores-espectadores em número condizente com a capacidade da arena desportiva. Importante também destacar que a responsabilidade pelos possíveis danos ocorridos nos veículos dos torcedores no decorrer do evento desportivo, em regra, não é da entidade organizadora do evento. Sobre o assunto Rodrigues (2003, p. 35) leciona: Os organizadores do jogo de futebol somente seriam responsáveis pelos danos nos veículos dos torcedores, caso incluíssem o estacionamento como serviço pago oferecido aos torcedores-consumidores. Daí emergiria a reponsabilidade daqueles por qualquer dano ocorrido nos veículos dos torcedores (por exemplo, carro riscado, furtado ou roubado, pichação etc...). Importante salientar que a segurança do local do evento desportivo deve ser garantida pela organização, uma vez que os agentes de segurança do Estado figuram como força auxiliar em um evento com características puramente particulares e que configuram claramente relação de consumo. 36 LEGISLAÇÃO E DIREITO ESPORTIVO Portanto, tem-se que a entidade organizadora e a entidade detentora do mando do jogo (clube) com seus dirigentes incumbem garantir e responder pela segurança do torcedor-espectador no espaço físico que lhe compete administrar, jamais sendo responsável pela segurança pública externa, que é dever do Estado. Atividade de Estudos: 1) Qual a entidade responsável pela reparação do dano sofrido por torcedor/espectador provocado pelo agente de segurança do Estado (policiais militares)? Justifique sua resposta. __________________________________________________ __________________________________________________ __________________________________________________ __________________________________________________ __________________________________________________ ____________________________________________________________________________________________________ Algumas Considerações Destaca-se que o desporto é direito e garantia fundamental do cidadão, devendo o Estado fomentar e proporcionar formas adequadas de sua prática no meio social. Deve-se entender que atividades desportivas configuram relações de consumo, motivo pelo qual as partes envolvidas, principalmente o consumidor- torcedor, possuem especial proteção do Estado através de regramento específico. Aquele cidadão como torcedor-espectador possui especial proteção dos seus direitos pelo Estado, uma vez que também há legislação especifica regulando o tema e garantindo a reparação civil de possíveis danos causados pela pessoa jurídica de direito privado ou público fornecedora de serviço relacionado ao desporto. Por conseguinte, havendo desrespeito aos direitos do cidadão-consumidor- torcedor surge o dever de reparar ou indenizar o dano sofrido, sendo de suma importância saber distinguir dentre as várias entidades envolvidas no evento desportivo aquela que possui responsabilidade civil pelo dano causado. 37 Relações jurídicas que Envolvem o Desporto Profissional Capítulo 1 Referências ARAUJO, Luiz Alberto David; NUNES JÚNIOR, Vidal Serrano. Curso de direito constitucional. 10. ed. São Paulo: Saraiva, 2006. BRASIL. Constituição Federal. Diário Oficial da União n. 191-A, Brasília, DF, 05 out. 1988. ______. Decreto Regulamentador no 3.298/1999. Diário Oficial da União, Brasília. DF, 21 dez. 1999. ______. Lei no 10.406/2002. Diário Oficial da União, Brasília, DF, 11 jan. 2002. ______. Lei no 10.671/2003. Diário Oficial da União, Brasília, DF, 16 mai. 2003. ______. Lei no 10.741/2003. Diário Oficial da União, Brasília, DF, 03 out. 2003. ______. Lei no 8.069/1990. Diário Oficial da União, Brasília, DF, 16 jul. 1990. ______. Lei no 8.078/1990. Diário Oficial da União, Brasília, DF, 12 set. 1990. ______. Lei no 9.615/1998. Diário Oficial da União, Brasília, DF, 25 mar. 1998. ESTEVES, José. O desporto e as estruturas sociais. Lisboa: Edições Universitárias Lusófonas, 1999. ______. Racismo e desporto. Lisboa: Básica Editora, 1998. MANCUSO, Rodolfo de Camargo. Interesses difusos. 4. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1997. MARQUES, C. L. Comentários ao código de defesa do consumidor. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2003. RIO DE JANEIRO. Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro. Revista dos tribunais, São Paulo, n. 777, p. 380, julho/2000. RODRIGUES. 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CAPÍTULO 2 Contratos Desportivos A partir da concepção do saber fazer, neste capítulo você terá os seguintes objetivos de aprendizagem: � Compreender as relações de trabalho que envolvem o atleta profissional e a entidade desportiva. � Assimilar noções básicas acerca do direito das obrigações. � Saber como se dá o uso da imagem do atleta profissional. 40 LEGISLAÇÃO E DIREITO ESPORTIVO 41 Contratos Desportivos Capítulo 2 Contextualização Neste capítulo, veremos os principais aspectos envolvendo a relação de trabalho do atleta profissional, ou seja, sua natureza jurídica, o contrato de trabalho e sua duração, remuneração, jornada de trabalho, férias, seguro obrigatório, rescisão de contrato e competência da justiça trabalhista. Posteriormente, serão apresentadas noções básicas sobre o direito das obrigações e os deveres e os direitos resultantes do uso da imagem do atleta profissional. Da Relação de Trabalho do Atleta Profissional É de suma importância entender como funciona a relação entre o atleta profissional e a instituição de prática desportiva, uma vez que esta união possui características especiais que serão devidamente demonstradas adiante. a) Da Prática Desportiva Profissional Conforme já estudado no capítulo anterior quando da abordagem das modalidades desportivas, o desporto de rendimento profissional é aquele caracterizado pela existência de contrato de trabalho formal e remuneração/ contraprestação pela prática de determinada atividade. Vejamos o que diz o artigo 3º, parágrafo único, inciso I, da Lei Pelé ou Lei Sobre Desporto (Lei no 9.615/1998): Art. 3º. O desporto pode ser reconhecido em qualquer das seguintes manifestações: I - de modo profissional, caracterizado pela remuneração pactuada em contrato formal de trabalho entre o atleta e a entidade de prática desportiva; [...] O artigo 26, parágrafo único, da Lei Pelé ou Lei Sobre Desporto (Lei no 9.615/1998), dispõe que a competição profissional é promovida para obtenção de renda e disputada por atletas profissionais cuja remuneração decorra de contrato de trabalho. Vejamos: Art. 26. Atletas e entidades de prática desportiva são livres para organizar a atividade profissional, qualquer que seja sua modalidade, respeitados os termos desta Lei. O desporto de rendimento profissional é aquele caracterizado pela existência de contrato de trabalho formal e remuneração/ contraprestação pela prática de determinada atividade. A competição profissional é promovida para obtenção de renda e disputada por atletas profissionais cuja remuneração decorra de contrato de trabalho. 42 LEGISLAÇÃO E DIREITO ESPORTIVO Parágrafo único. Considera-se competição profissional para os efeitos desta Lei aquela promovida para obter renda e disputada por atletas profissionais cuja remuneração decorra de contrato de trabalho desportivo. Assim, fixadas as principais características do desporto de rendimento profissional e das competições profissionais, na sequência, passaremos para o estudo dos principais aspectos trabalhistas que envolvem o exercício do desporto profissional. Atividades de Estudos: 1) Quais as principais características do desporto de rendimento profissional? Fundamente sua resposta indicando o dispositivo legal que regula o tema. __________________________________________________ __________________________________________________ __________________________________________________ __________________________________________________ __________________________________________________ __________________________________________________ __________________________________________________ 2) Quais as principais características da competição profissional? Embase sua resposta com o texto de lei. __________________________________________________ __________________________________________________ __________________________________________________ __________________________________________________ __________________________________________________ __________________________________________________ b) Da Natureza Jurídica da Relação entre o Atleta Profissional e a Entidade de Prática Desportiva A relação entre atleta profissional e entidade desportiva possui natureza trabalhista, havendo, assim, a necessidade de aplicação das normas gerais trabalhistas e previdenciárias. O artigo 28, § 4º, incisos I, II, III, IV, V e VI, da Lei no 9.615/1998 (Lei Pelé ou Lei Sobre Desporto), preleciona: A relação entre atleta profissional e entidade desportiva possuinatureza trabalhista. 43 Contratos Desportivos Capítulo 2 Art. 28. A atividade do atleta profissional é caracterizada por remuneração pactuada em contrato especial de trabalho desportivo, firmado com entidade de prática desportiva, no qual deverá constar, obrigatoriamente: [...] § 4º Aplicam-se ao atleta profissional as normas gerais da legislação trabalhista e da Seguridade Social, ressalvadas as peculiaridades constantes desta Lei, especialmente as seguintes: I - se conveniente à entidade de prática desportiva, a concentração não poderá ser superior a 3 (três) dias consecutivos por semana, desde que esteja programada qualquer partida, prova ou equivalente, amistosa ou oficial, devendo o atleta ficar à disposição do empregador por ocasião da realização de competição fora da localidade onde tenha sua sede; II - o prazo de concentração poderá ser ampliado, independentemente de qualquer pagamento adicional, quando o atleta estiver à disposição da entidade de administração do desporto; III - acréscimos remuneratórios em razão de períodos de concentração, viagens, pré-temporada e participação do atleta em partida, prova ou equivalente, conforme previsão contratual; IV - repouso semanal remunerado de 24 (vinte e quatro) horas ininterruptas, preferentemente em dia subsequente à participação do atleta na partida, prova ou equivalente, quando realizada no final de semana; V - férias anuais remuneradas de 30 (trinta) dias, acrescidas do abono de férias, coincidentes com o recesso das atividades desportivas; VI - jornada de trabalho desportiva normal de 44 (quarenta e quatro) horas semanais. Desse modo, restando configurada a natureza trabalhista da relação mantida entre o atleta profissional e a entidade desportiva, aplicam-se as normas da legislação do trabalho e da previdência social sempre respeitando as peculiaridades impostas pela lei específica. 44 LEGISLAÇÃO E DIREITO ESPORTIVO Atividade de Estudos: 1) As normas trabalhistas e previdenciárias aplicam-se na relação entre o atleta profissional e a entidade desportiva? Justifique sua resposta. __________________________________________________ __________________________________________________ __________________________________________________ __________________________________________________ __________________________________________________ __________________________________________________ c) Dos Sujeitos do Contrato de Trabalho Conforme destacado nos artigos transcritos anteriormente, verifica-se que os sujeitos do contrato de trabalho desportivo são o atleta profissional e a entidade de prática desportiva. Segue abaixo decisão proferida pelo órgão colegiado do Tribunal Regional do Trabalho da 3º Região, em que se fixa o entendimento de que árbitros de futebol não são considerados empregados e, portanto, não figuram como sujeitos do contrato de trabalho desportivo: RO/10804/91, 3º Turma do TRT da 3º Região: ÁRBITROS DE FUTEBOL – RELAÇÃO DE EMPREGO. Os árbitros de futebol não estão subordinados à federação, como também dela não recebem salário, já que são pagos pelos clubes filiados, cuja cota é estabelecida para cada partida que arbitram e retiradas das rendas auferidas nas partidas. Também não há continuidade na prestação dos seus serviços, pois podem passar nesses sem arbitrar um jogo. Nessa ralação, não se evidencia a presença dos pressupostos do artigo 3º da CLT. Julgamento 28/10/1992. Os sujeitos do contrato de trabalho desportivo são o atleta profissional e a entidade de prática desportiva. 45 Contratos Desportivos Capítulo 2 Atividade de Estudos: 1) Quais são os sujeitos que figuram no contrato de trabalho desportivo? _____________________________________________________ __________________________________________________ __________________________________________________ _____________________________________________________ _____________________________________________________ _____________________________________________________ _____________________________________________________ d) Do Atleta Profissional Atleta profissional é toda pessoa física que pratica determinada modalidade esportiva de forma não eventual através de entidade desportiva, havendo subordinação e contrapartida remuneratória devidamente pactuada em contrato de trabalho formal. Os requisitos para a configuração de empregado estão dispostos no artigo 3º, parágrafo único, da Consolidação das Leis do Trabalho – CLT (Decreto-lei no 5.452/1943), conforme segue: Art. 3º. Considera-se empregado toda pessoa física que prestar serviços de natureza não eventual a empregador, sob a dependência deste e mediante salário. Parágrafo único. Não haverá distinções relativas à espécie de emprego e à condição de trabalhador, nem entre o trabalho intelectual, técnico e manual. Aos 16 (dezesseis) anos de idade, o atleta poderá firmar o primeiro contrato de trabalho com entidade de prática desportiva. O referido contrato não poderá ultrapassar o prazo de 5 (cinco) anos de vigência, conforme se encontra estabelecido no artigo 29, da Lei no 9.615/1998 (da Lei Pelé ou Lei Geral Sobre Desporto): Art. 29. Art. 29. A entidade de prática desportiva formadora do atleta terá o direito de assinar com ele, a partir de 16 (dezesseis) anos de idade, o primeiro contrato especial de trabalho desportivo, cujo prazo não poderá ser superior a 5 (cinco) anos. Atleta profissional é toda pessoa física que pratica determinada modalidade esportiva de forma não eventual através de entidade desportiva, havendo subordinação e contrapartida remuneratória devidamente pactuada em contrato de trabalho formal. 46 LEGISLAÇÃO E DIREITO ESPORTIVO Atividade de Estudos: 1) Utilizando os conhecimentos até aqui adquiridos e realizando uma interpretação à luz da Consolidação das Leis Trabalhistas (Decreto-lei no 5.452/19943), conceitue atleta profissional e aponte as características necessárias para a configuração de empregado. _________________________________________________ _________________________________________________ _________________________________________________ _________________________________________________ _________________________________________________ _________________________________________________ _________________________________________________ e) Da Entidade de Prática Desportiva A entidade desportiva é aquela responsável pelo desenvolvimento do desporto e pode ser constituída na forma de sociedade empresária, desde que obedecidas a algumas regras constantes do artigo 27, § 9º, da Lei no 9.615/1998 (da Lei Pelé ou Lei Sobre Desporto) Art. 27. As entidades de prática desportiva participantes de competições profissionais e as entidades de administração de desporto ou ligas em que se organizarem, independentemente da forma jurídica adotada, sujeitam os bens particulares de seus dirigentes ao disposto no art. 50 da Lei no 10.406, de 10 de janeiro de 2002, além das sanções e responsabilidades previstas no caput do art. 1.017 da Lei no 10.406, de 10 de janeiro de 2002, na hipótese de aplicarem créditos ou bens sociais da entidade desportiva em proveito próprio ou de terceiros. [...] § 9º. É facultado às entidades desportivas profissionais constituírem-se regularmente em sociedade empresária, segundo um dos tipos regulados nos arts. 1.039 a 1.092 da Lei no 10.406, de 10 de janeiro de 2002 - Código Civil. Interpretando o artigo acima citado cumulativamente com as normas do Código Civil (Lei no 10.406/2002), podemos dizer que a entidade desportiva, na qualidade de sociedade empresária, pode ser constituída na forma de sociedade em nome coletivo (artigos 1.039 a 1.044, da Lei no 10.406/2002 – Código Civil), sociedade em comandita simples (artigos 1.045 a 1.051, da Lei no 10.406/2002 – Código Civil), sociedade limitada (artigos 1.052 a 1.087, da Lei no 10.406/2002