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A Questão Agrária Brasileira nos Anos 60

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A QUESTÃO AGRÁRIA BRASILEIRA (1950/1960) 
A ANÁLISE HISTÓRICA DE ALBERTO PASSOS GUIMARÃES E CAIO PRADO JÚNIOR 
Ricardo Oliveira da Silva I 
Claudia Wasserman II 
 
RESUMO: Este trabalho tem por objetivo apresentar um quadro introdutório sobre a questão 
agrária no Brasil no início dos anos de 1960 a partir de uma análise histórica da obra de 
Alberto Passos Guimarães e de Caio Prado Júnior. Levando em consideração que a 
temática da questão agrária possui como uma de suas características o conflito, procuramos 
ressaltar no presente estudo o aspecto da dominação e resistência nas relações sociais 
existentes no campo. No entanto, conscientes, de que outras abordagens podem ser 
realizadas. 
PALAVRAS-CHAVES: questão agrária, intelectuais, história 
ABSTRACT: This paper presents an introductory summary about the agrarian question in 
Brazil at the beginning of 1960s, making a historical analysis about the works of Alberto 
Passos Guimarães and of Caio Prado Júnior. Taking into account that the agrarian question 
is characterized by conflict, the research focuses in the present study the domination and 
social resistance in the countryside. However, the study does not deny that others analytical 
strategies would have been possible. 
KEYWORDS: agrarian question, intellectuals, history 
 
Introdução 
 
 O Brasil vivenciou no início da década de 1960 um intenso debate sobre a necessidade 
de reformas na estrutura sócio-econômica, com destaque para as mudanças na estrutura 
fundiária do país. Alberto Passos Guimarães e Caio Prado Júnior participaram desse 
debate, especialmente no que se refere ao tema da questão agrária. Deste modo, o objetivo 
principal do presente artigo é realizar uma análise introdutória do problema agrário na obra 
desses dois intelectuais no início dos anos de 1960. Segundo Virgínia Fontes [III], as 
Ciências Humanas se referem, sem cessar, aos conflitos sociais, devendo dar conta de 
explicar uma imensa gama de lutas, sejam de caráter social, político, religioso ou étnico. O 
conflito não é a única forma de relacionamento social. A cooperação, por exemplo, produz 
uma outra dinâmica. No entanto, o conflito é um dos mais visíveis e instigantes sintomas de 
transformação. Diante dessa constatação, a análise que nos propomos realizar da questão 
agrária na obra de Alberto Passos Guimarães e Caio Prado Júnior, busca evidenciar o 
conflito a partir da produção do conhecimento histórico em relação com a possibilidade de 
transformação social. 
 Segundo a autora o historiador produz conhecimento, mas esse conhecimento não é 
neutro nem paira acima da sociedade. Assim como ocorre nas demais ciências sociais, os 
historiadores estão imersos em seu tempo e em sua sociedade, tomando parte nas 
divergências e conflitos de seu próprio universo. Assim, o historiador, no processo cognitivo, 
por um lado, procura explicações objetivando o conhecimento de um certo período ou 
problema histórico. Por outro lado, ao formular os problemas, ao escolher o período e os 
temas, atua também intervindo na vida social do mundo que lhe é contemporâneo. 
 Para Antonio Gramsci [IV] essa é uma característica dos intelectuais orgânicos, ou seja, 
indivíduos que, a partir de um determinado grupo social, refletem os problemas de sua 
sociedade levando em consideração as perspectivas do grupo no qual estão inseridos. Em 
relação a Caio Prado e Alberto Passos, não podemos analisar o pensamento agrário de 
ambos sem levarmos em consideração as idéias políticas do partido do qual faziam parte, 
em outras palavras, sem levarmos em consideração o PCB. Enquanto membros desse 
partido, ambos intelectuais mantiveram diálogo com o mesmo, especialmente na vinculação 
da questão agrária a um projeto de transformação social. 
 
O Pensamento Político do PCB sobre a Questão Agrária 
 
 Segundo Angelo Priori [V], antes da década de 1950 haviam sido poucos os esforços do 
PCB para a compreensão da questão agrária. Durante muito tempo esse tema foi tratado 
marginalmente dentro do programa partidário, parecendo ter sido esta a tônica da maioria 
dos partidos comunistas dos países subdesenvolvidos influenciados pela III Internacional. 
Para o autor, a III Internacional Comunista percebia o camponês, o rural e a exploração 
agrícola, subordinado as questões colocadas pelo operariado, que seria aquele que 
representaria a “positividade histórica”. Desse modo, o camponês estava inserido dentro do 
projeto de superação da sociedade capitalista como um sustentáculo que permitiria a “vitória 
da classe operária”. 
 Elaborações mais consistentes sobre o problema agrário começaram a aparecer a partir 
do IV Congresso do PCB, realizado em novembro de 1954. A partir desse momento 
começou a ocorrer um debate mais elaborado em torno da questão agrária. Dois pontos 
foram ressaltados neste Congresso: a concentração da propriedade da terra nas mãos de 
poucos proprietários, influenciados pelo imperialismo, e a predominância de relações sociais 
no campo com resquícios feudais e semi-escravistas. Diante dessa constatação, o partido 
propôs a destruição do regime latifundiário através do confisco de todas as terras 
pertencentes aos grandes proprietários e a sua conseqüente entrega aos camponeses sem 
terra ou possuidores de pouca terra. 
 No entanto, uma maior inflexão no pensamento político do PCB viria a ocorrer na 
conjuntura do XX Congresso do PCUS (Partido Comunista da União Soviética), em 1956, e 
com a Declaração de Março de 1958. Santiane Arias [VI] informa que as denúncias sobre os 
crimes de Stálin, apresentadas no XX Congresso do PCUS, contribuíram para a precipitação 
de uma luta interna no PCB. Nesse momento ganhou força uma intensa crítica ao chamado 
passado dogmático, atribuindo-se a ele e a subserviência ao pensamento soviético o 
isolamento perante a sociedade brasileira, principalmente após a cassação do registro legal 
do partido em 1947. Diante disso, passou a ser exigido um olhar mais atento para a 
realidade nacional, ignorada muitas vezes em nome da fidelidade ao marxismo-leninismo 
ditado pela União Soviética. 
 Na Declaração de Março de 1958, encontramos uma caracterização sobre a estrutura 
econômica do país que evidencia esse sinal de mudança [VII]. Nessa caracterização, o Brasil 
era apresentado como um país de passado colonial que havia herdado uma agricultura 
baseada no latifúndio e em relações pré-capitalistas de trabalho, com o predomínio da 
produção agropecuária no conjunto da economia. Além disso, o país havia herdado uma 
dependência econômica em relação ao estrangeiro, fruto do comércio exterior e da 
penetração do capital monopolista nos postos-chaves da produção e da circulação. No 
entanto, foi no interior dessa estrutura econômica atrasada que começou a se processar um 
desenvolvimento capitalista nacional, o elemento progressista por excelência da economia 
brasileira. Esse desenvolvimento podia ser verificado no incremento das forças produtivas e 
na expansão, na base material da sociedade, de novas relações sociais de produção, mais 
avançadas. Porém, esse desenvolvimento encontrava nos resquícios feudais existentes no 
campo, uma resistência ao seu prosseguimento. 
 Na Resolução Política da Convenção Nacional dos Comunistas, fruto do V Congresso do 
PCB realizado no ano de 1960, esse pensamento político sobre o campo brasileiro foi 
reafirmado. 
 
A estrutura agrária brasileira se baseia predominantemente na grande 
propriedade da terra. [...] o monopólio da propriedade da terra pelos 
latifundiários serve de base às formas pré-capitalistas de exploração. [...] O 
monopólio da terra e as relações de produção pré-capitalistas não somente 
obstaculizam o desenvolvimento da agricultura como constituem sério 
entrave ao processo de industrialização, restringindo consideravelmente a 
expansão do mercado interno. [VIII] 
 
 Partindo dessas idéias, a soluçãoda questão agrária para o PCB significava a ruptura do 
monopólio da terra e das relações sociais de produção pré-capitalistas, dois pilares de 
sustentação dos privilégios da elite latifundiária brasileira. Para o partido, a realização de 
uma reforma agrária possibilitaria atingir estes dois pilares, contribuindo também para a 
expansão do mercado interno e para o fornecimento de matérias-primas e gêneros agrícolas 
para os centros urbanos e industriais. Essa configuração da questão agrária foi uma 
referência para o debate agrarista ocorrido entre Caio Prado Júnior e Alberto Passos 
Guimarães. 
 
A Questão Agrária em Alberto Passos Guimarães e Caio Prado Júnior: o debate no início da 
década de 1960 
 
 Alberto Passos Guimarães nasceu no Estado de Alagoas em 1908, na cidade de Maceió. 
Atuando no PCB desde a década de 1930, nos anos de 1950 desenvolveu trabalhos sobre o 
campo brasileiro. Em 1963 publicou sua principal obra sobre a questão agrária, o livro 
Quatro Séculos de Latifúndio. Caio Prado Júnior nasceu na cidade de São Paulo em 1907. 
Membro do PCB desde 1931 se destacou pelos estudos realizados sobre a sociedade 
brasileira. No início dos anos de 1960 publicou na Revista Brasiliense uma série de 
trabalhos no qual analisou a questão agrária [IX]. Nas páginas seguintes vamos ressaltar, a 
partir de uma perspectiva histórica, alguns aspectos do pensamento agrário desses dois 
intelectuais que, direta ou indiretamente, dialogaram com o pensamento político do Partido 
Comunista Brasileiro. 
 
a) latifúndio/grande propriedade fundiária: 
 A questão agrária no Brasil foi estudada nos anos de 1960 tendo como um de seus 
principais eixos de análise a concentração da propriedade da terra. Essa concentração era, 
e, diga-se de passagem, continua sendo, a principal característica da realidade agrária 
brasileira. Nesse sentido, compreender essa característica era fundamental para pensar na 
possibilidade de transformação da estrutura do campo. Para Alberto Passos Guimarães [X] a 
origem do latifúndio, conceito a partir do qual designava a concentração fundiária, estava no 
processo de colonização dos territórios indígenas pelos portugueses no século XVI. Esse 
processo aconteceu em um momento de transição na Europa de um modo de produção 
feudal para um modo de produção capitalista. Para assegurar seu domínio sobre o novo 
território conquistado, Portugal exportou para o Brasil relações econômicas e instituições 
políticas pretéritas. Em outras palavras, a estrutura nobiliárquica e o poder feudal. 
 
Quando a Metrópole decidiu lançar-se na emprêsa colonial, não lhe restava 
outra alternativa política senão a de transplantar para a América 
Portuguêsa o modo de produção dominante no além-mar. E o fêz cônscia 
de que a garantia do estabelecimento da ordem feudal deveria repousar no 
monopólio dos meios de produção fundamentais, isto é, no monopólio da 
terra. [XI] 
 
 À sombra da ordem feudal foram submetidos os outros fatores da produção na 
colonização portuguesa. A propriedade da terra assumiu o caráter de um monopólio feudal e 
colonial, resistente às transformações democráticas e capitalistas ao longo do tempo. Nesse 
autor, a instituição do latifúndio acabou se constituindo em um ônus sócio-econômico para o 
país, o qual conseguiu se perpetuar até o século XX devido à ação de uma elite que soube 
manter seu domínio sobre a população rural mediante a posse de grandes extensões de 
terra. 
 Para Caio Prado Júnior, a grande propriedade fundiária surgiu integrada a um vasto 
empreendimento comercial destinado a explorar os recursos naturais de um território virgem 
em proveito do comércio europeu. Essa teria sido a gênese da grande propriedade fundiária 
em nosso país. No livro Formação do Brasil Contemporâneo encontramos a seguinte 
afirmação: 
 
É o caráter que tomará a exploração agrária nos trópicos. Esta se realizará 
em larga escala, isto é, em grandes unidades produtoras – fazendas, 
engenhos, plantações (as plantations das colônias inglesas) – que reúnem 
cada qual um número relativamente avultado de trabalhadores. Em outras 
palavras, para cada proprietário (fazendeiro, senhor ou plantador), haveria 
muitos trabalhadores subordinados e sem propriedade. [XII] 
 
 Nesse autor, o surgimento da grande propriedade fundiária não esteve relacionado com 
a imposição de relações de produção de caráter feudal, como em Alberto Passos. Ao 
contrário, esse surgimento esteve vinculado ao aspecto mercantil que a colonização 
européia impôs nos trópicos a partir do final do século XV. Esse teria sido, inclusive, o 
sentido da colonização na América, da qual o Brasil fez parte, resultando em características 
fundamentais, tanto no plano econômico quanto no plano social, na formação e na evolução 
histórica do país. 
 
b) latifundiários/grandes proprietários de terra: 
 Para Alberto Passos, a história da classe latifundiária no Brasil possui sua origem na 
colonização portuguesa. A submissão dos novos territórios, a estrutura e as relações 
feudais, asseguraram o poder nas mãos de uma fidalguia portuguesa que se dispôs a migrar 
para o novo território, mediante manutenção de seus privilégios. O monopólio da terra em 
condições pré-capitalistas garantiu para a classe latifundiária brasileira um poder extra-
econômico. Em relação a essas formas pré-capitalistas de renda, Alberto Passos Guimarães 
definiu como: 
 
Aquelas que encerram forte vínculo extra-econômico de subordinação, do 
cultivador ou do trabalhador, ao dono da terra. Entre essas formas pré-
capitalistas estamos considerando as que obrigam o trabalhador à 
prestação pessoal de trabalho gratuito (renda-trabalho) ou a paga (pelo uso 
da terra ou pelo uso da fôrça do trabalho, conforme se queira entender) em 
produtos (renda-produto), e não em dinheiro. [XIII] 
 
 Diferentemente de Caio Prado Júnior, nesse intelectual o domínio da classe latifundiária, 
na estrutura social do país, esteve assentado na coerção extra-econômica, a qual sofreu os 
primeiros abalos apenas com as transformações ocorridas no país ao longo do século XX, 
principalmente em face da gradual introdução do capitalismo no meio rural. 
 Além disso, em função das grandes extensões de terra doadas pela Coroa a fidalguia 
portuguesa, não foi necessariamente o sangue, mas a posse da terra e da riqueza dela 
resultante que se tornou o brasão da aristocracia rural brasileira. O poder dessa aristocracia, 
por sua vez, conseguiu preservar-se ao longo do tempo. Exemplo desta preservação esteve 
na formulação da Lei de Terras de 1850, a qual resguardou a propriedade da terra da 
subdivisão, assim como no controle da elite agrária no processo de abolição da escravatura 
e no fomento da vinda de imigrantes europeus para trabalhar nas fazendas de café. 
 No caso de Caio Prado, os grandes proprietários de terra deveriam ser vistos como 
homens de negócios, para os quais a utilização da terra constituía um negócio como outro 
qualquer. A elite agrária do país não se caracterizava por uma feição nobiliárquica oriunda 
de um poder extra-econômica. Prova disso era a riqueza que havia proporcionado no 
passado a utilização da terra aos seus empreendedores, como os senhores-de-engenho do 
Nordeste, os seringalistas da Amazônia, os cacauicultores da Bahia, os fazendeiros de café 
do Rio de Janeiro, de São Paulo e Minas Gerais, assim como os pecuaristas do Rio Grande 
do Sul. 
 
A grande exploração, com a sua produção comercial, representa o 
empreendimento agromercantil de uma classe socialmente bem 
diferenciada e caracterizada no conjunto da população rural: os grandes 
proprietários e fazendeiros, que aliás, não se enquadram e integram 
propriamente naquela população, a não ser pelo fato de seu negócio ter 
por objeto a produção agrária, e de eles disporem para isso, como classe, 
da maior e melhor parcela da propriedade fundiária.[XIV] 
 
 As circunstâncias históricas nas quais se desenvolveram as atividades agropecuárias, ou 
seja, em extensas propriedades que tornaram o contato humano e o convívio social, menos 
contínuo e perene, foram os fatores que possibilitaram o exercício da arbitrariedade por 
parte do proprietário de terra sobre seus empregados. Conforme Caio Prado, esse 
proprietário tendeu a se fazer “senhor” de seus empregados, com o direito privado da 
propriedade transbordando para o terreno das relações públicas e assumindo feições de um 
direito público exercido por um particular. No entanto, isso não significava nenhum indício de 
relação feudal. 
 
c) camponeses/trabalhadores rurais: 
 Para Alberto Passos Guimarães, o camponês foi o elemento de resistência da 
dominação latifundiária. Essa resistência teve suas raízes no processo de usurpação e 
colonização das terras indígenas pelos portugueses. Tal resistência se acentuou com a 
tentativa de escravização do indígena. Após a consolidação do sistema latifundiário, 
mediante o monopólio feudal e colonial da terra, novos atores sociais surgiram no campo. A 
ocupação de terras não cultivadas ou devolutas serviu de base para o surgimento dos 
posseiros e intrusos, pilares no nascimento da propriedade capitalista e da propriedade 
camponesa no Brasil. Ainda assim: 
 
Foram precisos três séculos de ásperas e contínuas lutas, sangrentas 
muitas delas, sustentadas pelas populações pobres do campo contra os 
todo-poderosos senhores de terra, para que, por fim, a despeito de tantos 
insucessos, despontassem na vida brasileira os embriões da classe 
camponesa. [XV] 
 
 A ocupação extra-legal da terra foi o precedente histórico que tornou possível a criação 
das unidades agrícolas menores, cultivadas por camponeses e seus familiares. Além disso, 
as mudanças capitalistas no século XX permitiram o surgimento, no campo, de uma 
burguesia rural, baseada na propriedade capitalista. Esse novo tipo de propriedade abriu 
espaço para a consolidação dos trabalhadores rurais assalariados, rompendo, ainda que 
parcialmente, com as relações semifeudais. 
 Em Caio Prado, a utilização da terra, em benefício de uma minoria, foi o fator que 
acarretou em ínfimos padrões de existência para a maior parte da população rural, tanto em 
seus aspectos materiais, quanto culturais. Esse foi o principal aspecto que influenciou na 
constituição da população trabalhadora rural. 
 
O papel que historicamente sempre coube à massa trabalhadora do campo 
brasileiro – salvo exceções, relativamente insignificantes dos colonos do 
extremo sul do País e do Espírito Santo -, e que ainda lhe cabe, é tão-
somente, no essencial, o de fornecer mão-de-obra à minoria privilegiada e 
dirigente desta empreitada que é e sempre foi a agropecuária brasileira. 
[XVI] 
 
 Em relação à pequena propriedade, esse intelectual, contrastando-se ao enfoque de 
Alberto Passos, considerou sua existência como sendo o resultado do retalhamento da 
grande propriedade, em face do seu não aproveitamento pela grande exploração mercantil. 
Sendo assim, foram as vicissitudes da grande exploração que resultaram na distribuição da 
propriedade fundiária. A qual, a partir de um novo momento de prosperidade, volta a 
convergir em uma nova tendência ao reagrupamento e reconstituição da grande propriedade 
fundiária. 
 
O Debate Agrarista no Início da Década de 1960: considerações sobre a participação de 
Alberto Passos Guimarães e Caio Prado Júnior 
 
 No início da década de1960, a perspectiva de transformação da estrutura agrária do país 
foi compreendida por setores da sociedade como necessária a concretização da revolução 
brasileira. Para o PCB, essa revolução teria um caráter democrático-burguês, como exposto 
na Declaração de Março de 1958 e no V Congresso de 1960. A resolução da questão 
agrária, principalmente mediante a realização de uma redistribuição da propriedade 
fundiária, tinha como objetivo extirpar resquícios feudais mediante avanço de relações 
sociais capitalistas no campo, assim como ampliar o mercado interno e consolidar um 
regime burguês no país. Essa etapa seria necessária para o estabelecimento de uma 
sociedade socialista. [XVII] 
 Alberto Passos Guimarães e Caio Prado Júnior, enquanto intelectuais e membros do 
PCB, refletiram acerca da sua realidade social e procuraram perceber as possibilidades de 
sua transformação, dialogando com as idéias políticas de seu partido. Neste diálogo, o 
marxismo foi importante, uma vez que a leitura desses autores sobre a realidade brasileira, 
mediante distinta compreensão sobre a teoria marxista, resultou em conflitante 
discernimento sobre a realidade brasileira, assim como em diferente proposta para a 
solução da questão agrária. 
 A reflexão histórica de Alberto Passos, a partir do materialismo histórico, o fez considerar 
a importância da ação política da Coroa portuguesa em relação à colonização do território 
brasileiro. Essa ação resultou na distribuição de imensos territórios nas mãos de uma 
fidalguia fiel ao rei e na cristalização de relações sociais feudais que, ao longo do tempo, 
contribuíram na perpetuação da concentração da propriedade da terra. Para o autor, o modo 
como em uma determinada formação social os homens obtêm o meio de existência é a base 
de um regime econômico, ou seja, o modo como os homens produzem os bens materiais de 
que necessitam para viver, determina outros processos econômicos e sociais, como, por 
exemplo, a distribuição e circulação de bens. Tendo em vista que para esse intelectual a 
colonização portuguesa no continente americano, via sistema latifundiário, ocorreu mediante 
um modo de produção feudal, pensar a transformação da estrutura agrária brasileira em 
meados do século XX seria ao mesmo tempo pensar na sua gênese. Nesse sentido, a 
reforma agrária que Alberto Passos Guimarães defendia no início da década de 1960 tinha 
um objetivo preciso: 
 
Uma reforma agrária democrática tem um alcance muito maior: seu 
objetivo fundamental é destruir pela base um duplo sistema espoliativo e 
opressivo; romper e extirpar, simultâneamente, as relações semicoloniais 
de dependência ao imperialismo e os vínculos semifeudais de 
subordinação ao poder extra-econômico, político e “jurídico” da classe 
latifundiária. [XVIII] 
 
 No V Congresso do PCB, realizado no ano de 1960, Alberto Passos [XIX], dialogando com 
as idéias de Lênin [XX], havia considerado a viabilidade de dois caminhos para a solução da 
questão agrária no Brasil: um caminho revolucionário e um caminho reformista. Segundo 
seu pensamento, as forças progressistas da sociedade deveriam apoiar no campo as 
transformações burguesas que tinham como finalidade a destruição dos laços com o 
feudalismo e o comprometimento com um desenvolvimento democrático, apoiado no 
capitalismo de Estado e na propriedade camponesa. Essa proposta, próxima ao projeto 
democrático-burguês do PCB, seria oposta ao caminho reformista, esse baseado apenas 
em transformações burguesas e sem alterações da estrutura fundiária. 
 A reflexão intelectual de Caio Prado Júnior sobre a questão agrária também teve por 
base o materialismo histórico. Segundo Astor Diehl [XXI], a tese central de Caio Prado residiu 
na tentativa de fazer historicamente a genealogia das raízes do Brasil contemporâneo e os 
desafios da revolução brasileira. Nesse sentido, a questão agrária ocupou um papel 
fundamental em sua análise, como um dos elementos a serem solucionados para a 
concretização dos desafios desta revolução. No início dos anos de 1960, reafirmando tese 
do livro Formação do Brasil Contemporâneo, Caio Prado afirmou que: 
 
O acentuado grau de concentração da propriedade fundiária que 
caracteriza [...], a generalidade da estrutura agrária brasileira, é reflexo da 
natureza de nossa economia, tal como resulta da formação do país desde 
os primórdios dacolonização, e como se perpetuou, em suas linhas gerais 
e fundamentais, até os nossos dias. A colonização brasileira e ocupação 
progressiva do território que formaria o nosso País, constituiu sempre, 
desde o início, e ainda é essencialmente assim nos dias que correm, um 
empreendimento mercantil. [XXII] 
 
 Segundo alguns críticos [XXIII], a ênfase no caráter mercantil das atividades econômicas 
desenvolvidas nas grandes propriedades fundiárias brasileiras, constitui uma particularidade 
do pensamento marxista de Caio Prado, ou seja, uma análise centrada no processo de 
circulação de mercadorias. Ao ressaltar a colonização portuguesa como parte de um vasto 
empreendimento mercantil, fruto da expansão do comércio europeu, esse intelectual teria 
compreendido a economia colonial inserida na economia metropolitana, mediante o 
comércio. 
 Para Caio Prado Júnior, a solução da questão agrária deveria significar a realização de 
uma reforma agrária que modificasse as condições existentes no campo brasileiro e 
possibilitasse a elevação do padrão de vida humano da população trabalhadora rural. No 
entanto, essa medida não deveria representar a superação de uma etapa feudal ou 
semifeudal, para uma ascensão ao capitalismo. Nesse ponto, Caio Prado se afastava da 
análise de Alberto Passos Guimarães e das proposições do projeto democrático-burguês do 
PCB. Além disso, o autor também considerou importante a regulamentação de uma 
legislação trabalhista para o campo, uma vez que considerava impossível o fim da relação 
de emprego no trabalho rural e a transformação instantânea, ou mesmo em curto prazo, da 
população rural em uma coletividade de camponeses pequenos produtores e proprietários. 
 Caio Prado Júnior, assim como Alberto Passos Guimarães, desenvolveu uma 
interpretação sobre a questão agrária brasileira. Após a década de 1960, especialmente 
com os acontecimentos políticos de 1964 e com as transformações econômicas pelas quais 
o país passou no decorrer dos anos 1970, as idéias de ambos os autores, especialmente a 
tese feudal de Alberto Passos Guimarães, foram questionadas e muitas de suas idéias 
consideradas inválidas. No entanto, ainda que a realidade social tenha demonstrado a 
inconsistência de vários aspectos da análise desses intelectuais, isso não significa que 
devemos negar sua importância. Resgatar a reflexão de Caio Prado e Alberto Passos, 
buscando sua originalidade e importância no contexto histórico dos debates políticos e 
intelectuais em que foram desenvolvidas, é um exercício válido para pensarmos na história 
enquanto um campo de possibilidades quando debruçamos nosso olhar para o futuro. 
 
 
I Graduado em História pela UFSM. Mestrando em História pela UFRGS, com bolsa do CNPq. 
II Orientadora e Profª Drª do curso de pós-graduação de História da UFRGS. 
III FONTES, Virgínia. História e Conflito. In: BADARÓ, Marcelo (org.). História. Pensar & Fazer. Rio de 
Janeiro: UFF/Laboratório Dimensões da História, 1998. 
IV GRAMSCI, Antonio. Os Intelectuais e a Organização da Cultura. Tradução de COUTINHO, Carlos Nelson. 
São Paulo: Círculo do Livro S.A, 1982. 
 
V PRIORI, Angelo. O PCB e a questão agrária: os manifestos e o debate político acerca dos seus temas. In: 
MAZZEO, Antônio Carlos e LAGOA, Maria Izabel (orgs.). Corações Vermelhos: os comunistas brasileiros no 
século XX. São Paulo: Cortez, 2003, p. 61-81. 
VI ARIAS, Santiane. A revista estudos sociais e a experiência de um “marxismo criador”. Dissertação (Mestrado 
em Sociologia) Instituto de Filosofia e Ciências Humanas, Universidade Estadual de Campinas. Campinas, SP: 
[s.n.], 2003. 
VII Declaração Sobre a Política do P.C.B (Março de 1958) In: CARONE, Edgard. O P.C.B. II (1943-1964). São 
Paulo: Difel, 1982, p. 176-196. 
VIII Resolução Política da Convenção Nacional dos Comunistas (agosto de 1960). In: Id. Ibid, p. 210-211. 
IX LIMONGI, Fernando Papaterra. Marxismo, nacionalismo e cultura: Caio Prado Jr. e a revista brasiliense. In: 
Revista Brasileira de Ciências Sociais. Associação nacional de pós-graduação e pesquisa em ciências sociais. 
São Paulo: Revista dos Tribunais, LTDA, Vol. 02. nº 05, p. 27 – 46, outubro de 1987. 
X GUIMARÃES, Alberto Passos. Quatro Séculos de Latifúndio. RJ: Paz e Terra, 1968. 
XI Id. Ibid, p. 28. 
XII Essa obra foi publicada originalmente em 1942. Mais detalhes In: PRADO JR, Caio. Formação do Brasil 
Contemporâneo. 14ª ed, São Paulo: Brasiliense, 1976, p. 29. 
XIII GUIMARÃES, Alberto Passos. op. cit, p. 192-193. 
XIV PRADO JR, Caio. A Questão Agrária. 2ª ed. São Paulo: Brasiliense, 1979, p. 51. 
XV GUIMARÃES, Alberto Passos. op. cit, p. 105. 
XVI PRADO JR, Caio. op. cit, p. 25. 
XVII Esse projeto foi posteriormente bastante criticado, principalmente em face dos acontecimentos políticos de 
1964. No entanto, no início dos anos de 1960 gozava de considerável influência na sociedade brasileira. Nesse 
sentido pode ser visto SEGATTO, José Antônio. O PCB e a revolução nacional democrática. In: MAZZEO, 
Antônio Carlos e LAGOA, Maria Izabel (orgs.). Corações Vermelhos: os comunistas brasileiros no século XX. 
São Paulo: Cortez, 2003, p. 123-134. 
XVIII GUIMARÃES, Alberto Passos. op. cit, p. 38. 
XIX Id. As três frentes de luta de classes no campo brasileiro. In: SANTOS, Raimundo (org.). Questão Agrária e 
Política: autores pecebistas. Seropédica, RJ: Editora da Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro, 1996, p. 
75-92. 
XX Segundo o autor, havia a possibilidade de dois caminhos para o desenvolvimento burguês no campo: o 
caminho prussiano e o caminho norte-americano. No caminho prussiano, a exploração feudal latifundiária podia 
ser lentamente transformada em uma exploração burguesa. No caminho norte-americano, os domínios 
latifundiários poderiam ser liquidados. Neste sentido, o conteúdo fundamental da via prussiana seria a 
transformação do feudalismo em sistema usurário e em exploração capitalista. No caso norte-americano, o 
conteúdo estaria na transformação do camponês em granjeiro burguês. Diante desses dois caminhos, Alberto 
Passos Guimarães defendia o caminho norte-americano para a solução da questão agrária no Brasil, como uma 
etapa importante para a construção de uma futura sociedade socialista. LENIN, V.I. O Programa Agrário da 
Social-Democracia na Primeira Revolução Russa de 1905-1907. São Paulo: Livraria Editora Ciências Humanas, 
1980. 
XXI DIEHL, Astor Antônio. Caio Prado Júnior: as idéias de futuro que se tinha no passado e o pêndulo da razão. 
In: AXT, Gunter e SCHÜLER, Fernando Luís (orgs.). Intérpretes do Brasil. Porto Alegre: Artes e Ofícios, 2004, 
p. 348-362. 
XXII PRADO JR, Caio. op. cit, p. 47-48. 
XXIII Nelson Werneck Sodré, Carlos Nelson Coutinho, Ciro Flamarion Cardoso e Topalov foram alguns críticos 
da obra caiopradiana. Para mais detalhes sobre essas críticas pode ser visto REIS, José Carlos. Anos 1960: Caio 
Prado Jr. A reconstrução crítica do sonho de emancipação nacional e autonomia nacional. In: REIS, José Carlos. 
As Identidades do Brasil: de Varnhagen e FHC. 4ª ed. Rio de Janeiro: Editora da FGV, 2001, p. 173-201.

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