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TEORIA CONTÁBIL AVANÇADA AULA 1 Prof.ª Tassiani Aparecida dos Santos CONVERSA INICIAL O objetivo desta aula é fazer uma introdução ao mundo teórico da contabilidade em seus aspectos mais avançados e que tem sido discutido extensivamente pela academia contábil. Portanto, esse conhecimento é fundamental para a formação do contador e para o desenvolvimento da própria contabilidade, que é uma ciência social aplicada e necessita que o desenvolvimento do seu corpo de conhecimento teórico seja disseminado e aplicado na prática profissional. Nesta aula, iniciaremos pelos aspectos conceituais da Teoria contratual da firma, discorrendo sobre os conceitos primordiais. O tema 2 deste material versa sobre os fundamentos da Teoria da agência. Em seguida, o tema 3 irá descrever os elementos primordiais do conceito de conflito de agência. O tema 4 discorrerá sobre os custos de agência. Por fim, o tema 5 explica a intersecção da Teoria da agência e a contabilidade. CONTEXTUALIZANDO Ao longo dos anos, a teoria da contabilidade tem avançado sempre na mesma direção das teorias econômicas. Desde o desenvolvimento teórico dessa disciplina, suas bases foram fundadas nas descobertas microeconômicas, em especial no que tange ao funcionamento do mercado financeiro. Assim, o primeiro aspecto relevante para a compreensão dessa disciplina teórica é a compreensão da base de desenvolvimento teórico: as ciências econômicas. Portanto, ao construirmos os tópicos aqui abordados, estaremos baseados nas teorias clássicas da microeconomia. A função desta aula é apresentar e discutir essas teorias microeconômicas, nomeadamente a Teoria contratual da firma e a Teoria da agência. A compreensão desses aspectos irá proporcionar a compreensão dos conflitos em que a contabilidade está inserida e como ela se relaciona com esse mundo retratado por ambas as teorias citadas. Para começarmos a aquecer as discussões sobre teoria avançada da contabilidade, vamos refletir sobre alguns aspectos relacionados ao dia a dia das empresas: como é a formação das empresas atualmente? Como os diferentes agentes econômicos fazem acordos nas organizações? Como é a relação entre o proprietário da empresa e a diretoria ou gerentes? É amistosa ou conflituosa? Quais são os problemas que existem nessa relação? Quais são os mecanismos que existem para resolver esses problemas? Quem são os agentes que possuem o poder de decisão? Esses e outros questionamentos são importantes para o desenvolvimento desta aula. Reparem: ainda não estamos tratando diretamente da contabilidade, contudo a compreensão das relações econômicas e do comportamento dos diferentes agentes econômicos é essencial para o desenvolvimento da ciência contábil, em especial em meados do século XX. TEMA 1 – TEORIA CONTRATUAL DA FIRMA Neste primeiro tema, trataremos da Teoria contratual da firma, teoria muito importante para o desenvolvimento teórico da contabilidade, pois fundamenta as relações econômicas que ocorrem dentro da firma entre diferentes pessoas (agentes). A origem dessa teoria se deu com o nascimento das ciências econômicas no século XVIII, com a obra de Adam Smith sobre as riquezas das nações. A teoria microeconômica clássica pressupõe que o objetivo de uma empresa é maximizar o lucro e que os agentes são racionais e visam à maximização de sua utilidade (Boaventura et al., 2009). Para compreendermos melhor essa relação econômica da Teoria contratual da firma e seus desdobramentos em relação ao comportamento das pessoas dentro das empresas, vamos descrever os principais aspectos dessa teoria e como ela explica as relações entre os agentes. Sob os pressupostos teóricos dessa teoria, a empresa é vista como um conjunto de contratos, formais e informais, entre os diversos participantes das relações econômicas empresariais. Assim, podemos pensar que cada participante contribui com algo para a firma e, em troca, recebe uma contraprestação. Nisso consiste a relação contratual da firma: um agente contribui para a firma e, em troca, recebe uma bonificação, estabelecida por contrato de maneira formal ou informal (Iudícibus; Lopes, 2004). Por exemplo, os empregados contribuem com sua força de trabalho e, em troca, recebem seus salários; os acionistas contribuem com capital e, em troca, recebem dividendos e ganhos de capital; os fornecedores contribuem com produtos e serviços e recebem dinheiro, enquanto o governo contribui com a estabilidade institucional e, para isso, recebe os impostos (Iudícibus; Lopes, 2004). É importante perceber que as relações entre os agentes, conhecidas como contrato, podem ser estabelecidas de maneira formal, como no caso dos empregados e acionistas, ou de maneira informal, como no caso do governo e em alguns tipos de contrato com clientes e fornecedores. Em todos os casos, as relações econômicas entre os agentes são estabelecidas por um outro tipo de contrato (Iudícibus; Lopes, 2004). Na prática, essas relações contratuais geram alguns problemas devido a duas situações que podem ser encontradas: informação imperfeita e informação incompleta. Os casos caracterizados como de informação imperfeita são aqueles em que as regras do jogo são claramente definidas e todos os agentes as conhecem, contudo os agentes não conhecem as ações dos outros agentes. Um exemplo disso é um jogo de pôquer, no qual as regras são claras, mas nenhum jogador conhece as cartas e intenções dos outros jogadores (Iudícibus; Lopes, 2004). Informação incompleta é o caso em que nem mesmo as regras do jogo são totalmente claras. Por exemplo, podemos citar uma partida de futebol. Nesse caso, existem regras do jogo, contudo a aplicação mais rigorosa ou menos rigorosa depende do árbitro da partida (Iudícibus; Lopes, 2004). Quando as relações contratuais não funcionam de forma adequada, a firma pode ter graves problemas para seu equilíbrio e funcionamento e até mesmo quebrar, como no caso da empresa Enron, como descrito por Iudícibus e Lopes (2004): Essa empresa conseguiu durante muito tempo esconder do mercado e, principalmente, de seus acionistas sua real situação financeira. Nesse caso, tem-se uma clara quebra de contratos entre os acionistas e os executivos da empresa. Por outro lado, os auditores que deveriam contribuir para reduzir o conflito também não cumpriram com suas obrigações. Assim, podemos sumarizar a Teoria contratual da firma como uma teoria econômica amplamente utilizada para explicar as relações econômicas que afetam a firma e a própria contabilidade. Dentro desse cenário, os diferentes contratos da firma irão determinar as relações econômicas existentes, de maneira formal ou informal. Enquanto essas relações são idealmente uma troca entre os agentes e a firma, de recursos, capitais ou força de trabalho, por uma remuneração, problemas de dois tipos são comumente encontrados nessas relações contratuais: informação imperfeita e informação incompleta. Dessa maneira, com base na compreensão da Teoria contratual da firma, iremos abordar nos próximos temas desta aula, aspectos primordiais da Teoria da agência, que pode ser compreendida como uma extensão dos conceitos teóricos da teoria que acabamos de estudar. TEMA 2 – TEORIA DA AGÊNCIA Agora iremos tratar dos fundamentos da Teoria da agência. Em primeiro lugar, é preciso compreender que uma empresa é formada por dois tipos de agentes: os que possuem o capital e os meios de produção, que são os proprietários da firma, e os que possuem sua força de trabalho, os demais agentes. Contudo, quando um proprietário delega a administração a um agente (que não possui a propriedade da firma), passa a existir uma relação econômica entre o principal (proprietário da firma) e um agente (administrador). Dessa forma, iniciamos a discussão sobre os elementos fundamentais da Teoria da agência. Como explicitado no parágrafo acima, a Teoria da agência surge da separação entre o proprietário dos meios de produção e do capital e o administrador donegócio. Esse fato histórico surge com a profissionalização da gestão e a delegação de trabalho para um administrador. Antes, a administração da firma era de responsabilidade do proprietário, ou seja, administrador e dono da empresa eram a mesma pessoa (Akerlof, 1970; Watts; Zimmerman, 1978). Mas com essa separação entre proprietário e administrador surgiram conflitos e relações econômicas que foram explicadas pela Teoria da agência. Um desses problemas que surgiu com a separação entre o principal (proprietário da empresa) e o agente (administrador) foi a assimetria de informação. Os agentes, que tinham a responsabilidade de administrar o negócio do principal e assegurar o melhor resultado econômico para a firma, possuíam informações que o principal não tinha acesso. Mas por quê? É importante salientar que, ao delegar a administração da empresa para um terceiro (o agente), o proprietário perde acesso a todas as informações da empresa porque não está diretamente envolvido com o negócio, não está diariamente na empresa e não acompanha o dia a dia operacional de seu negócio. Esse fato gera a assimetria de informação, ou seja, o proprietário tem menos informações sobre sua firma do que o administrador que ele escolheu para gerir o seu negócio (Akerlof, 1970; Watts; Zimmerman, 1978). Diante da assimetria de informação, que acabamos de discorrer, e da teoria microeconômica clássica, existe um problema que fundamenta a Teoria da agência: o ser humano é maximizador da sua utilidade individual e, portanto, age em benefício próprio. Isso significa que, dentro da organização, o administrador irá priorizar seus próprios benefícios em vez da maximização do lucro empresarial, desejado pelo proprietário. Como exemplo desse comportamento do agente, vamos citar o caso de participação nos resultados da empresa. Em muitas companhias, é comum os gestores receberem incentivos para maximizarem o lucro do proprietário; assim, como um prêmio pelo alcance de um resultado desejado pelo dono da empresa, o gestor recebe uma fatia do lucro da empresa em valores monetários. Portanto, o gestor só irá se esforçar para alcançar os lucros desejados pelo empresário quando for receber uma parcela do mesmo, como forma de remuneração variável (Akerlof, 1970; Watts; Zimmerman, 1978). De forma similar ocorre com as punições. Os agentes irão desempenhar um resultado positivo e alcançarão as metas estabelecidas, se sua posição na companhia depender disso. Assim, se houver uma regra clara sobre a permanência do gestor na empresa estar atrelada aos resultados econômicos desejados, então os agentes irão se esforçar para atingir esses resultados (Akerlof, 1970; Watts; Zimmerman, 1978). Um dos pressupostos da Teoria da Agência é que, à medida que o direito pela propriedade do administrador diminui, o seu incentivo a dedicar esforços significativos também diminui consideravelmente. Isto é, quando o administrador é também o dono da empresa, ele terá maiores incentivos para se esforçar em direção à maximização dos resultados da empresa. Agora, à medida que o administrador não tem tanto direito sobre a propriedade ou não possui nenhum direito, seus esforços serão direcionados cada vez mais para o aspecto individual em vez do empresarial. Os teóricos da teoria econômica afirmam que esse problema pode ser resolvido via remuneração, em especial a remuneração variável, como é o caso da participação nos resultados da empresa. Quanto maior o resultado da empresa, maior a compensação que o gestor receberá, portanto esse agente se esforçará para alcançar o melhor resultado possível (Akerlof, 1970; Watts; Zimmerman, 1978). Assim, surge o questionamento em relação a como corrigir as divergências de interesse entre o agente e o principal. Ainda, monitoramento, vigilância e garantias: compensam? Esses questionamentos têm sido objeto de estudo dos pesquisadores, que tentam desenvolver regras de conduta para que o agente maximize o interesse do principal. Esse seria o mundo ideal. TEMA 3 – CONFLITOS DE AGÊNCIA No tema anterior, discorremos sobre os aspectos gerais da Teoria da agência. Como vimos, a relação de agência gera um conflito entre agente e principal, decorrente da divergência de interesses entre eles, fato explicado pela teoria microeconômica clássica (Akerlof, 1970; Watts; Zimmerman, 1978). Neste tópico, com o intuito de compreender essa questão e os efeitos para a organização, iremos aprofundar a discussão acerca desse conflito de agência. Segundo a teoria microeconômica clássica, o ser humano irá sempre maximizar sua utilidade individual. Portanto, o proprietário e o agente terão sempre interesses conflitantes dentro da empresa, cada qual objetivando maximizar sua utilidade individual (Akerlof, 1970; Watts; Zimmerman, 1978). Os administradores (agentes) irão procurar por situações vantajosas para si, de maneira geral, com o intuito de obter cada vez mais recursos econômicos e financeiros. Como exemplo, podemos citar situações que podem eventualmente acontecer das relações econômicas envolvendo os gestores, que tomarão decisões que tragam benefícios diretos ou indiretos para si: ao negociar com fornecedores ou clientes, os gestores podem tomar decisões prejudiciais para a empresa, mas que tragam benefícios para si, monetários ou não; os gestores podem contratar funcionários que são membros de sua família para trabalharem em sua equipe, mas estes podem não ser os melhores candidatos para a vaga de emprego; nesse caso, a decisão do gestor não foi em benefício da empresa, mas em benefício próprio, direta ou indiretamente etc. E os proprietários também estão procurando oportunidades de aumentar suas riquezas. Portanto, eles desejam que os administradores tomem decisões para maximizar o lucro da empresa. Por exemplo, o principal pode dar ordem para a retirada do bônus dos gestores; essa decisão irá desagradar os administradores e demonstra um interesse de maximizar sua utilidade individual, ou seja, a riqueza da organização. Outro exemplo é quando a empresa decide diminuir a qualidade de determinado produto para ter um lucro maior. Essa decisão visa maximizar sua utilidade, contudo irá afetar aos clientes, que obterão produtos com qualidade inferior. Dentro das organizações, a princípio, o administrador está na posição de atender aos interesses da firma, ou seja, do proprietário da empresa. Deveria, portanto, se comportar de maneira a tomar as melhores decisões para aqueles que representam: os proprietários. Contudo, ao objetivar maximizar sua utilidade, ou seja, atingir seus próprios interesses, os agentes vão procurar tomar decisões que aumentem seu poder dentro da organização. Dessa forma, suas decisões tendem a aumentar mais ainda a assimetria informacional entre os agentes. Ao tomar decisões que tendem a aumentar seu poder dentro da organização, os agentes irão aumentar a assimetria informacional com o principal, visto que é a assimetria informacional, ou seja, a falta de conhecimento do principal, que gera o poder do agente (administrador). Dessa maneira, o proprietário terá que encontrar mecanismos para diminuir essa assimetria de informação, uma vez que esse comportamento do agente pode levar a organização para caminhos diferentes daqueles desejados pelo dono da empresa. Ainda, esses conflitos de agência podem ser prejudiciais para a empresa, levando a companhia, por vezes, ao caminho do fracasso. O caso da empresa Enron é um exemplo desse tipo, gerado pela presença de conflito de agência. Os executivos da empresa (agente) conseguiram por muito tempo esconder do mercado e, principalmente, dos seus próprios acionistas (principal) sua real situação financeira, fato que levou à falência da empresa (Iudícibus; Lopes, 2004). O tema 3 desta aula tratou do aprofundamento dos conflitos de agência existentes na empresa. O que é importante gravar desse tópico é o fato de que os conflitos de agência surgem da necessidade do ser humano de maximizar sua utilidadeindividual e da separação entre principal e agente dentro das empresas, dois aspectos que foram tratados no tema 2 desta aula. Dessa natureza econômica dos agentes, surge, também, a assimetria de informação. O executivo da empresa possui maior nível de informação de qualidade e menor incerteza, comparado ao principal; esse fato acarreta em conflitos de agência, que são as tomadas de decisão, por parte do agente, divergentes dos interesses do principal. Como o proprietário pode tratar esses conflitos de agência? No próximo tema da nossa aula, iremos abordar os custos de agência, os quais são consequência dos conflitos de agência, uma vez que o principal irá objetivar implementar mecanismos para diminuir a assimetria de informação. TEMA 4 – CUSTOS DE AGÊNCIA Nos tópicos anteriores, introduzimos alguns problemas decorrentes da relação de agência e o surgimento de questionamentos em relação a como corrigir as divergências de interesse entre o agente e o principal, ou seja, o conflito de agência. Relembrando, conforme Niyama (2014): Uma relação de agência pode ser definida como um contrato sob o qual uma ou mais pessoa (o principal) designam uma outra (o agente) para executar algum serviço em seu benefício que envolve a delegação de alguma autoridade decisória para o agente. O ponto central da Teoria da Agência é o fato de que o agente busca maximizar a sua utilidade e, portanto, nem sempre age no melhor interesse do principal. É desse conflito que surgem os custos de agência, que representam a soma dos seguintes custos: monitoramento, vinculação e perda residual. Assim, podemos assegurar que os custos de agência são decorrentes dos conflitos que surgem naturalmente entre o agente e o principal, e que estão relacionados ao desalinhamento de seus interesses individuais e da assimetria informacional. A assimetria de informação existente entre o agente e o principal prejudica a conduta racional e estratégica dos indivíduos. Ao não ter acesso a todas as informações para a tomada de decisões, os indivíduos podem ser direcionados para decisões que não irão, necessariamente, implicar uma maximização da utilidade individual. É claro que essa diferença existe naturalmente, e é conhecida pelos agentes, entretanto isso gera uma diferença nos níveis de qualidade da informação e na incerteza existente entre os diferentes agentes. Como consequência, há um aumento dos custos de transação existentes nas relações econômicas. Mas o que são esses custos de agência? Como discutimos no tema anterior, os agentes têm interesses que muitas vezes conflitam com o objetivo do principal. Desses conflitos surgem o questionamento, por parte do proprietário, de como alinhar o comportamento dos agentes aos seus interesses. Os seguintes custos de agência representam os principais mecanismos de alinhamento entre principal e agente, conforme Niyama (2014): Monitoramento: representam os custos decorrentes do monitoramento do comportamento dos agentes, tais como: auditorias periódicas, restrições orçamentárias, controle de atividades, estabelecimento de programas de compensação, etc. Vinculação: são os custos relacionados aos mecanismos que visam garantir que os gerentes atuem de acordo com os interesses do principal, ou garantir que eles compensem o principal, caso atuem de maneira contrária a esses interesses. Tais mecanismos podem ser instituídos pelos próprios gerentes (agentes) que, nesse caso, também arcam com tais custos. São exemplos: divulgações voluntárias de informações contábeis adicionais, garantia de submeter as demonstrações contábeis a auditorias, limitação do poder de decisão do agente, metas e indicadores de desempenho organizacional. Perda residual: é fruto da impossibilidade de garantir que ações do agente sempre serão no melhor interesse do principal. Trata-se de um custo residual, que reduz o valor da firma, cuja extensão dependerá da eficiência dos contratos que estabelecem o monitoramento e a vinculação. Consiste na redução da riqueza do principal, em razão de divergências entre as decisões que maximização e aquelas tomadas pelo agente. Como exemplo, tem-se a situação de price protection, em que os credores impõem uma maior taxa de juros à firma, em razão da ausência de mecanismos de vinculação ou que controlem a atuação do agente. Em suma, os custos de agência são decorrentes da implementação de mecanismos para diminuir a assimetria informacional decorrente do desalinhamento entre agente e principal, aspecto natural do ser humano, que visa maximizar a utilidade individual. Em decorrência desse desalinhamento natural, surgem três tipos de custos de agência: os custos de monitoramento, os custos de vinculação e os custos relacionados a perdas residuais. TEMA 5 – TEORIA DA AGÊNCIA E CONTABILIDADE O último tópico desta aula tratará da intersecção entre a Teoria da agência e a contabilidade. Dentro desse contexto, a contabilidade é um mecanismo de diminuição da assimetria de informação, que visa divulgar as informações econômicas e financeiras aos usuários da informação contábil. Assim, investidores e credores, como acionistas e fornecedores, e ainda, clientes, funcionários, governo e a sociedade como um todo podem ter acesso às informações contábeis, fato esse que diminui a assimetria de informação entre os agentes e o principal. E, portanto, a informação contábil consiste em um custo de agência para a organização, mas também é um mecanismo de diminuição dos outros custos de agência dentro da empresa. Um dos tópicos mais estudados pela teoria da contabilidade são os mecanismos para diminuir o poder dos agentes para manipular o resultado contábil e, assim, obter melhores resultados, ou seja, diminuir a assimetria da informação. Dois fatos podem acontecer: primeiro, quando um resultado é positivo, o executivo tende a deixá-lo mais positivo para obter parcelas maiores de remuneração variável, assim irá gerenciar o resultado contábil para esse fim. Outro caso é quando o resultado da empresa é negativo, assim o executivo tende a deixá-lo mais negativo, uma vez que o impacto negativo no resultado contábil será sentido de uma só vez pela empresa. Portanto, o agente descarrega em apenas um período os valores que podem afetar o resultado contábil em outros períodos. Esse fato foi percebido nas demonstrações contábeis da Petrobrás, que, após os escândalos da Lava Jato e com um valor de mercado já abalado, resolveu lançar no resultado contábil um grande valor de impairment, aproveitando para “limpar” a contabilidade. Essas ações são decorrentes de assimetria de informação entre os diferentes agentes econômicas na relação da firma. Iudícibus e Lopes (2004) abordam cinco funções contábeis na coordenação dos vários contratos dentre agente e principal existente nas empresas: Mensurar a contribuição de cada um dos participantes nos contratos: um exemplo está nos papéis da contabilidade na remuneração dos executivos. Para reduzir os impactos do conflito de agência, tem sido apresentada a chamada remuneração variável. A ideia consiste na remuneração atrelada aos resultados da empresa. Dessa forma, os executivos são avaliados de acordo com sua participação nos contratos com o principal. Mensurar a fatia a que cada um dos participantes tem direito do resultado da empresa: para que o tópico anterior seja efetivamente praticado, é necessário que se tenha uma métrica de avaliação de desempenho do executivo, para que ele possa ser remunerado adequadamente. Informar os participantes a respeito do grau de sucesso no cumprimento dos contratos: a contabilidade também é um instrumento de avaliação de desempenho e feedback para os executivos, visto que a informação contábil é reconhecida como neutra e, portanto, eficaz para medir o resultado da organização de maneira imparcial entre os diferentes agentes econômicos. Distribuir informação para todos os potenciais participantes em contratos com a empresa para manter a liquidez de seus fatores deprodução: a contabilidade também surge como um mecanismo de diminuição da assimetria da informação entre a empresa e outros agentes, como o governo, credores e a sociedade, mantendo assim a liquidez de seus ativos. Distribuir algumas informações como conhecimento comum para reduzir o custo da negociação dos contratos: outro mecanismo contábil para diminuir os custos de transação entre os contratos é a divulgação voluntária de informação contábil. Esse mecanismo tem como intuito diminuir ainda mais os custos de agência, ao tornar os demais agentes ainda mais informados para a tomada de decisões. Em suma, a contabilidade surge como um mecanismo para mitigar a assimetria de informação entre os agentes econômicos. Ao divulgar as informações econômicas e financeiras das empresas, a contabilidade contribui para a diminuição da assimetria de informação entre os diferentes agentes econômicos e, consequente, dos custos de agência. TROCANDO IDEIAS Para consolidar os conhecimentos adquiridos nesta aula, vamos realizar uma atividade de fórum. Você deverá articular os conceitos aprendidos nesta aula introdutória sobre as principais bases de desenvolvimento da teoria da contabilidade: as teorias microeconômicas clássicas, Teoria contratual da firma e Teoria da agência. Para tanto, elabore uma opinião, expondo os principais conceitos supracitados das duas teorias no fórum, no qual o objetivo é debater com seus colegas. Essa atividade auxiliará na fixação dos conteúdos estudados. NA PRÁTICA Caros alunos, chegamos à última tarefa da nossa primeira aula. Essa atividade tem cunho prático, para que vocês possam desenvolver essas habilidades durante o curso. Embora esta aula tenha envolvido basicamente questões conceituais, iremos sempre fazer exercícios de abstração e reflexão de questões do mundo econômico. Pense, reflita, aplique os conceitos estudados sobre assimetria da informação nesta aula e elabore uma resposta para a seguinte questão: Você já se perguntou o porquê de o preço de um carro diminuir só de sair da concessionária? Em questões de minutos, um bem durável chega a perder quase um quinto de seu preço. Isso significa que, ao comprar um veículo zero quilômetro, após minutos da retira do bem da concessionária, ele já não possui o mesmo valor de mercado e sofre uma grande desvalorização. Resolução: esta aula tratou das teorias clássicas da microeconomia. O aluno deverá relacionar o ponto central de ambas as teorias, Teoria contratual da firma e Teoria da agência, que se refere à assimetria de informação presente nas relações econômicas dos diversos agentes econômicos. Nesse caso prático, tratamos do clássico problema do Marktet for Lemons, no qual a assimetria de informação entre os diferentes agentes econômicos gera um efeito denominado seleção adversa. Assim, podemos explicar por que um carro tem seu valor de mercado desvalorizado apenas uma fração de tempo após a saída da concessionária. No caso prático apresentado, um comprador de um veículo zero quilômetro decide vender o bem pouco tempo depois da aquisição. Ao adentrar ao mercado de veículos seminovos, vê o valor do bem ser muito desvalorizado, mesmo estando em estado praticamente novo. Por que isso acontece? Esse é o típico exemplo do Market for Lemons, gerado pela assimetria da informação. O comprador do veículo novo sabe exatamente o estado de seu bem uma fração de tempo após a sua aquisição. Contudo, ao se tornar vendedor no mercado de automóveis usados, o novo comprador não tem informações acerca do estado e motivos que levaram à transação econômica. Geralmente, no mercado de automóveis usados, existem carros de má qualidade e boa qualidade, mas o comprador não possui essa informação. Por esse motivo, o valor dos carros de boa qualidade, como no nosso caso prático, é excessivamente desvalorizado, assim eventualmente carros de má qualidade têm seu valor de mercado superavaliado. Nos dois casos, de má e boa qualidade, a assimetria de informação entre os agentes econômicos, comprador e vendedor, gera um valor médio para os veículos. Isso acarreta em desvalorização maior de carros que deveriam ser considerados como “quase novos”. FINALIZANDO Esta aula tratou dos aspectos teóricos da economia que impactam diretamente a visão das ciências contábeis. A Teoria contratual da firma e a Teoria da agência são duas bases fundamentais para compreender o papel da contabilidade dentro do mercado financeiro. Como vimos nesta aula, a contabilidade é um importante mecanismo de diminuição da assimetria de informação e dos custos de agência dentro das relações econômicas. No primeiro tema desta aula, foram apresentados os principais conceitos da Teoria contratual da firma, em especial como foi o seu surgimento e seus elementos fundamentais. Após compreender a relação contratual da firma, os temas 2, 3 e 4 trataram da Teoria da agência, que surge da separação entre administrador e proprietário da firma. O tema 2 versou sobre as bases fundamentais da Teoria da agência. O tema 3 discorreu sobre o conflito de agência. O tema 4 explicitou os custos de agência. Por fim, o tema 5 concluiu esta aula demonstrando o papel da contabilidade dentro desse cenário da Teoria da agência, como um mecanismo de diminuição da assimetria informacional entre os agentes econômicos. REFERÊNCIAS AKERLOF, G. A. The market for “lemons”: quality uncertainty and the market mechanism. The Quarterly Journal of Economics, v. 84, n. 3, p. 488-500, 1970. BOAVENTURA, J. M. G. et al. Teoria dos stakeholders e Teoria da firma: um estudo sobre a hierarquização das funções-objetivo em empresas brasileiras. Revista Brasileia de Gestão de Negócios, v. 11, n. 32, p. 289-307, 2009. IUDÍCIBUS, S.; LOPES, A. B. Teoria avançada da contabilidade. São Paulo: Atlas, 2004. NIYAMA, J. K. Teoria avançada da contabilidade. São Paulo: Atlas, 2014. WATTS, R. L.; ZIMMERMAN, J. L. Towards a positive theory of the determination of accounting standards. The Accounting Review, v. 53, p. 112-134, 1978. TEORIA CONTÁBIL AVANÇADA AULA 2 Prof.ª Tassiani Aparecida dos Santos CONVERSA INICIAL O objetivo deste texto é apresentar a evolução histórica do pensamento contábil: da dicotomia normativo versus positivo, até as mais recentes teorias contábeis. A princípio, a pesquisa contábil tinha um caráter muito normativo, isto é, baseada em desenvolver normas de atuação profissional. Após diversas críticas a esse tipo de pesquisa, a pesquisa contábil assumiu um caráter positivo, fortemente influenciado pelas teorias econômicas. Dessa dicotomia existente no campo teórico contábil, surgiram algumas teorias que visam explicar o comportamento dos agentes econômicos, no que tange as informações contábeis, como as escolhas contábeis e o gerenciamento do resultado contábil. Iniciaremos pelos aspectos teóricos da Teoria Normativa da Contabilidade, discorrendo sobre os conceitos primordiais, o seu surgimento e desenvolvimento. Em seguida, versaremos sobre a Teoria Positiva da Contabilidade, bem como suas características, surgimento, desenvolvimento e contraposição às pesquisas normativas. Após, trataremos dos desenvolvimentos teóricos contábeis relacionado ao comportamento econômico dos agentes, explicando os fundamentos da Teoria das Escolhas Contábeis e o gerenciamento de resultados contábeis, abordando os tópicos de accruals, práticas discricionárias e não discricionárias, income smoothing, big bath accounting e window dressing. CONTEXTUALIZANDO A palavra teoria tem sido objeto de estudo, reflexão e controvérsia na literatura contábil. Temos uma teoria em contabilidade? Se sim, são diversas teorias ou temos uma teoria geral da contabilidade? Se não, surgem outros questionamentos ainda mais profundos: a contabilidade pode ser considerada uma ciência? Há uma teoria da contabilidade na prática? Ou apenas denominamos teoria da contabilidade um conjunto extenso de conceitos? Infelizmente,não existe uma resposta assertiva para essa e outras questões relacionadas. Não há consenso entre os pesquisadores (Iudicibus, 2012). Vamos tratar dos aspectos teóricos da contabilidade, independentemente dos conceitos epistemológicos de ciência. Partiremos do princípio de que temos teorias na área de contabilidade: Teoria Normativa da Contabilidade, Teoria Positiva da Contabilidade, Teoria das Escolhas Contábeis e Teorias dos Gerenciamentos de Resultados Contábeis. Diante disso, sugerimos a reflexão sobre os seguintes pontos no decorrer do texto: como essa teoria afeta a prática profissional? Quais as principais consequências para a qualidade da informação contábil? E principalmente, após conhecer os impasses teóricos, questionem-se: como, nós, profissionais de contabilidade, podemos atuar para tornar a contabilidade um instrumento cada vez mais fidedigno? Então, aperte os cintos, vamos começar. TEMA 1 – TEORIA CONTÁBIL NORMATIVA O surgimento teórico da contabilidade tem como marco a formalização das práticas de registros de operações mercantis; operações, estas, que já existiam há incontáveis períodos anteriores na história da humanidade. Essa formalização foi obra de Luca Pacioli que, em 1494, apresentou o método de partidas dobradas, embora a formalização de uma teoria da contabilidade, como conhecemos hoje, tenha ocorrido apenas no início do século XX. O início do século XX também exibiu preocupações com os seguintes temas econômicos: a intervenção estatal, o avanço dos abusos cometidos pelas corporações, o conceito da manutenção de capital, a determinação do lucro e os debates sobre a superioridade entre o balanço patrimonial e a demonstração do resultado. Até o fim da década de 1920, a contabilidade era reconhecida como uma disciplina pautada em regras flexíveis, voltada às necessidades gerenciais e que, com isso, oferecia oportunidades de manipulação de informações. Quando, em 1929, o mundo viveu a quebra da bolsa de Nova Iorque e uma das maiores crises econômicas vistas até o momento, a contabilidade foi levada ao banco dos réus e nomeadamente culpada pelo período de depressão que se alastrou pelo mundo todo; em grande parte em razão da falta de padronização e normatização dos procedimentos contábeis que deveriam ser adotados (Niyama, 2014). Assim, nesse contexto histórico de forte desconfiança da fidedignidade da contabilidade, inicia- se a busca pelo estabelecimento de princípios contábeis capazes de assegurar uma resposta adequada às necessidades da época. Concomitantemente, efeito do período da grande depressão econômica, foi criada a Securities and Exchange Commission (SEC), em 1934, com o intuito de assegurar a regulação estatal sobre o mercado de capitais e, consequentemente, sobre a contabilidade. Portanto, a partir da década de 1930, inicia-se o período conhecido como normativo (Niyama, 2014). Em 1938, a SEC transferiu a sua competência legal de prescrição dos padrões contábeis e de divulgação das informações financeiras para o setor privado, permitindo, assim, que os profissionais contábeis (contadores e auditores) ficassem responsáveis pela definição dos princípios e práticas contábeis geralmente aceitos. Contudo, a prática contábil corrente à época necessitava ser reformulada e, portanto, a SEC buscava algo diferente do que havia praticado até a quebra da bolsa de Nova Iorque em 1929 (Niyama, 2014). No período normativo da literatura contábil, a normatização mostrava-se como um caminho a ser trilhado e, para isso, uma teoria era necessária. As características dessa nova teoria da contabilidade foram pautadas pela prescrição daquilo que se entendia como a melhor prática contábil (Niyama, 2014). Na década de 1960, viu-se o surgimento de uma teoria da contabilidade desvinculada das necessidades exclusivamente teóricas. Obras dos autores Edgar Owen Edward, Philip Wilkies Bell, George Stabus, Palle Hensen, Richard Mattessich, Norton M. Bedford, R. J. Chamber, entre outros, apresentaram uma preocupação em determinar o que deveria ser o conteúdo das demonstrações contábeis. O enfoque da teoria normativa da contabilidade durante o período de 1960 a 1990 foi a mensuração dos ativos, impactos da inflação e o cálculo do lucro (Niyama, 2014). Até o momento, estudamos os aspectos históricos do surgimento e desenvolvimento da Teoria Normativa da Contabilidade. Também, conhecemos as características e objetivos dessa nova teoria contábil: a prescrição de como deveria ser a prática contábil. Agora, vamos aprender quais os principais fundamentos da pesquisa contábil nesse período? A pesquisa normativa é conhecida por ser dedutiva, subjetiva, qualitativa e focada na construção de teorias. A pesquisa é conhecida como dedutiva, pois segue o raciocínio dedutivo que é conhecido por buscar definir um modelo ideal, ou seja, como deveria ser. Ainda, nomeada qualitativa, porque visa entender como o fenômeno contábil ocorre; e subjetiva, por possuir caráter discricionário. Por fim, também é conhecida por objetivar a construção de teorias, embora, muitas vezes, a prescrição normatizada não siga as prescrições da teoria normativa (Niyama, 2014). Em suma, podemos enfatizar que esse período normativo da contabilidade foi reflexo da crise econômica de 1929, porque a falta de padronização e normatização das práticas contábeis contribuiu para o período da grande depressão. Esse período foi seguido pela regulamentação estatal e o movimento teórico de prescrição, ou seja, como a contabilidade deveria ser para preservar o interesse dos usuários das suas informações. Dessa maneira, o desenvolvimento teórico da contabilidade durante o período normativo foi marcado pelo raciocínio dedutivo, qualitativo, subjetivo e pelo enfoque na construção de teorias. TEMA 2 – TEORIA CONTÁBIL POSITIVA Neste tema, vamos tratar do aparecimento da Teoria Positiva da Contabilidade, que ocorreu em grande parte como reflexo das críticas sofridas pela corrente normativa. Assim, o primeiro questionamento é: quais foram essas críticas sofridas pela fase normativa da pesquisa contábil? Primeiramente, a crítica mais contundente às pesquisas normativas está relacionada à falta de cientificidade. O paradigma de pesquisa positivista passou a ser visto como mais importante pela academia de contabilidade, em grande parte por causa da influência das ciências econômicas. Nesse novo paradigma, o teste empírico é fundamental. Portanto, o desenvolvimento da pesquisa normativa, de característica dedutiva, passou a ser visto como não científico (Niyama, 2014). A segunda crítica à pesquisa normativa é o foco na prescrição em vez da explicação. A pesquisa normativa tem como objetivo dar orientação para a prática profissional sobre como a contabilidade deve ser, ou seja, sua maneira ideal. Portanto, a corrente normativa se preocupa com a prescrição da contabilidade. Ao olhar dos críticos, o foco da pesquisa contábil deve ser na explicação dos eventos contábeis e econômicos. Assim, explicar por que a divulgação da informação contábil afeta o valor de mercado das empresas é visto como mais importante do que dizer como a informação deve ser divulgada (Niyama, 2014). Desse modo, a partir do surgimento da teoria positiva da contabilidade, de inspiração econômica, a pesquisa contábil se voltava para compreender, explicar e predizer a prática, em vez de prescrever como ela “deve ser”. Portanto, uma das principais características desse período é o foco em explicar e prever os fenômenos contábeis (Niyama, 2014). A expansão dos mercados de capitais foi um fator que contribuiu para a perspectiva da teoria positiva da contabilidade. A escola econômica da Universidade Chicago fundamenta-se na perspectiva que a informação contábil é relevante para a decisão de investimento dos stakeholders. Nesse sentido, o mercado de capitais contribuiu para a disseminação dessa corrente de pesquisa (Niyama, 2014). Adicionalmente, a corrente positiva da contabilidade tem as seguintescaracterísticas: indutiva, objetiva, quantitativa, empírica e focada na validação de dados e hipóteses. A lógica indutiva está pautada na experiência empírica, do campo de pesquisa e validação dos dados e hipóteses, ou seja, o conhecimento é adquirido ao se conhecer a realidade. Por isso a importância da objetividade, para que a realidade seja apreendida pelos pesquisadores por meio dos métodos quantitativos (Niyama, 2014). Portanto, é importante compreender que, atualmente, a corrente positiva é a dominante nas pesquisas contábeis, em especial, na academia norte-americana, mas também no Brasil. Assim, a partir de agora, vamos discutir tópicos avançados da teoria da contabilidade que se baseiam na corrente positiva de pesquisa, utilizando uma abordagem indutiva, empírica, objetiva e quantitativa. TEMA 3 – TEORIA DAS ESCOLHAS CONTÁBEIS A pesquisa contábil foi desenvolvida em duas correntes: a teoria normativa e a teoria positiva. Ambas tratam de modelos epistemológicos de pesquisa, isto é, formas ou modelos de fazer pesquisas. Para o primeiro, o modelo é dedutivo. Para o segundo, o modelo é indutivo. Vamos discorrer sobre teorias que, influenciadas pela corrente da teoria positiva, visam explicar fenômenos contábeis e econômicos. A primeira teoria que vamos apresentar é a teoria das escolhas contábeis. Essa teoria explica fenômenos econômicos gerados pela discricionariedade das normas contábeis. Assim, busca compreender, explicar e prever as influências da contabilidade nas relações econômicas. Silva, Martins e Lemes (2016) retrataram os fundamentos da Teoria das Escolhas Contábeis da seguinte maneira: As normas contábeis oferecem flexibilidade para que sejam realizadas escolhas contábeis nas empresas, de modo que se tenha uma representação fidedigna da situação econômico-financeira empresarial por meio das demonstrações contábeis. Essa flexibilidade é necessária, pois o ambiente de divulgação é dinâmico e varia de acordo com o desenvolvimento dos mercados e os sistemas legais, tributários e regulatórios, aspectos esses que inviabilizam ou impedem a existência de normas contábeis totalmente uniformes. Por outro lado, a flexibilidade possibilita que os gestores busquem outros objetivos com as demonstrações contábeis que não necessariamente coadunam com a representação fidedigna. Conforme vimos nas palavras de Silva, Martins e Lemes (2016), as normas contábeis não são uniformes e têm margem para escolha dos procedimentos contábeis: a famosa discricionariedade normativa. Essa flexibilidade é necessária, pois o nível de desenvolvimento dos mercados financeiros globais é diferente em questões como proteção ao investidor ou ao credor, regulação, enforcement etc. (Silva; Martins; Lemes, 2016). Assim, por exemplo, o gestor tem a discricionariedade para aplicar o método PEPS ou o método do custo médio ponderado ao mensurar os estoques. A adoção de um ou outro método possibilita que os gestores busquem determinados objetivos com as demonstrações contábeis que, por vezes, não correspondem com a representação fidedigna da realidade da organização. Continuando o exemplo da mensuração dos estoques, o gestor poderá ter estoques avaliados por valores diferentes, dependendo do método escolhido. A implicação disso pode ser um ativo maior ou menor e/ou um lucro maior ou menor. Dessa forma, o gestor poderá utilizar um método ou outro, dependendo do objetivo que possui com a divulgação das demonstrações contábeis (Silva; Martins; Lemes, 2016). É importante salientar que a escolha contábil não constitui uma irregularidade, e o profissional deve escolher dentre as opções permitidas pela norma. Contudo, a escolha deve ser guiada pelo método que melhor reflita a realidade econômico-financeira da empresa. Mas como ter certeza que a empresa escolheu o método que reflete a realidade da empresa? É possível monitorar o cumprimento da norma? Podemos dizer que é impossível monitorar 100% o cumprimento da norma. Entretanto, podem- se implementar mecanismos de monitoramento. Esses mecanismos geram custos – por exemplo, os custos de agência – e, portanto, a empresa deve analisar a relação custo/benefício do monitoramento (Silva; Martins; Lemes, 2016). Outro aspecto relevante é a assimetria de informações gerada pelas escolhas contábeis. A discricionariedade normativa da contabilidade gera assimetrias informacionais. Por sua vez, a assimetria informacional produz custos de agência – já mencionado neste tópico os custos de monitoramento – e permite a manipulação das informações contábeis: divulgação de informações que não reflete a realidade econômico-financeira da companhia (Silva; Martins; Lemes, 2016). Nesse sentido, as teorias econômicas explicam que os indivíduos agem impulsionados por interesses próprios e, também, dependem da continuidade da empresa ao longo do tempo. Dessa dicotomia surgem as perspectivas oportunistíca e da eficiência, conforme detalham Silva, Martins e Lemes (2016): Nas hipóteses de plano de incentivo, o gestor pode escolher uma política de amortização linear em vez de saldos decrescentes para, oportunisticamente, aumentar a remuneração, porém essa mesma política poderia ser escolhida sob a hipótese dos planos de incentivo por razões de eficiência. Supondo que a amortização linear mensure melhor o custo de oportunidade dos ativos da empresa, esse método resulta em um lucro reportado que melhora o desempenho do gestor. Assim, na perspectiva oportunística, podem surgir dois aspectos estudados na teoria da contabilidade: a hipótese do grau de endividamento e a hipótese dos custos políticos. No primeiro caso, as empresas com alto grau de endividamento tendem a aumentar seus lucros, com o intuito de diminuir o custo de capital. Já no segundo caso, as grandes empresas, como os bancos, tendem a usar técnicas contábeis para diminuir os lucros, em razão da elevada atenção política e social que essas empresas possuem. Porém, há um contraponto à perspectiva oportunística: esses indivíduos dependem da continuidade da empresa ao longo do tempo. Dessa forma, os indivíduos tendem a utilizar métodos que diminuam os custos contratuais e que tenham maior eficiência (Silva; Martins; Lemes, 2016). A teoria das escolhas contábeis constitui uma linha de pesquisa importante para a academia de contabilidade. Ela objetiva compreender e explicar como a discricionariedade normativa afeta as ações dos agentes econômicos e o mercado financeiro. Dessa maneira, será notável sua conexão com a teoria dos gerenciamentos de resultados contábeis, tópico que estudaremos nos próximos dois temas desta aula. TEMA 4 – GERENCIAMENTO DE RESULTADOS: ACCRUALS E PRÁTICAS DISCRICIONÁRIAS E NÃO DISCRICIONÁRIAS A teoria das escolhas contábeis introduziu-nos a perspectiva da discricionariedade normativa que existe na contabilidade. Essa discricionariedade gera assimetria informacional entre os diferentes agentes econômicos. Isso permite que os gestores possam gerenciar o resultado da organização com objetivos que não correspondem com os interesses dos demais stakeholders. Sobre esse tópico, discorreremos o quarto tema desta aula. Para iniciar essa discussão, vamos apresentar alguns conceitos de gerenciamento de resultados. Essa compreensão é fundamental para a sequência desta aula e para aprendermos a diferenciar as escolhas contábeis – definidas como espaço de escolha das normas contábeis, visando à representação da realidade econômico-financeira de maneira fidedigna – e o gerenciamento de resultados, definido como segue: A intervenção proposital no processo de elaboração das demonstrações financeiras com a intenção de obter algum ganho. (Schipper, 1989) O gerenciamento de resultado ocorre quando os gestores usam julgamento no processo de elaboração das demonstrações financeiras para induzir ao erro alguns stakeholders sobre o desempenho econômico da empresa. (Healy; Wahlen, 1999) Portanto, podemos afirmar que o gerenciamento de resultados é uma intervençãoproposital nas demonstrações contábeis, por parte de um agente econômico, com o intuito de induzir ao erro outros agentes econômicos (Martinez, 2008). 4.1 ACCRUALS: DISCRICIONÁRIOS E NÃO DISCRICIONÁRIOS O gerenciamento de resultados ocorre pela intervenção nos accruals por parte dos gestores. Mas o que são os accruals? E por que esse é o mecanismo que permite o gerenciamento de resultados? Primeiro, é relevante a formação da compreensão do que são os accruals e Martinez (2008) define como “todas aquelas contas de resultado que entram no cômputo do lucro, mas que não implicam em necessária movimentação de disponibilidades”. Os accruals existem em virtude da diferença entre o regime de caixa e o regime de competência. São as contas de resultado que não impactam no caixa da organização, como a depreciação, o impairment e os lançamentos de folha de pagamento no mês de ocorrência quando o pagamento ocorrerá no mês subsequente. Portanto, nada de errado existe no lançamento de accruals. O objetivo dessas contas contábeis é mensurar o resultado econômico da empresa (Martinez, 2008). O gerenciamento de resultados surge quando o gestor aumenta ou diminui os accruals com o objetivo de influenciar o lucro, por motivos alheios à realidade do negócio. Assim, temos dois tipos de accruals: accruals discricionários e accruals não discricionários (Martinez, 2008). Os accruals não discricionários são naturais aos negócios da entidade e são registrados na contabilidade com a intenção de representar a realidade econômica da organização; portanto, sem a intenção de gerenciar os resultados contábeis (Martinez, 2008). Como exemplo podemos citar a depreciação, que visa representar um ativo pelo seu valor econômico. É o caso é do impairment, que visa reavaliar o valor econômico dos ativos. No primeiro exemplo, o ativo é depreciado periodicamente; no segundo, o ativo é reavaliado, visto que a depreciação, em alguns casos, pode não ser suficiente para refletir o valor econômico do ativo. Em contraponto, os accruals discricionários são artificiais e têm como único propósito gerenciar o resultado contábil. Esses registros contábeis podem ser negativos ou positivos, indicando se a empresa objetiva melhorar ou piorar seu resultado econômico. Por exemplo, podemos citar um lançamento de depreciação ou impairment. Em ambos os casos a empresa procederá com o lançamento com o intuito de desvalorizar um ativo ou superavaliar um ativo para obter vantagens econômico-financeira. Percebem a diferença? Tanto os accruals discricionários quanto os accruals não discricionários são lançamentos de contas que não impactam caixa e, portanto, de fácil manipulação. O que difere entre os diferentes accruals é a intenção. Sobre esse aspecto, discorreremos no próximo tema desta aula, que abordará os três modelos de gerenciamento de resultado, income smoothing, big bath accounting e window dressing, e explicará as diferentes intenções por parte dos agentes econômicos em cada caso. TEMA 5 – GERENCIAMENTO DE RESULTADOS: INCOME SMOOTHING, BIG BATH ACCOUNTING, WINDOW DRESSING Estamos adentrando o último tema desta aula e o tópico a ser discutido é gerenciamento de resultados. Conforme comentamos na seção anterior, gerenciamento de resultados pode ser definido como uma intervenção proposital nas demonstrações contábeis, por um agente econômico, com o intuito de induzir ao erro outros agentes econômicos. Neste quinto tema, discorreremos sobre os três principais modos de gerenciar resultados nas organizações: income smoothing, big bath accounting e window dressing. 5.1 INCOME SMOOTHING O income smoothing é um dos modos de gerenciar resultado nas organizações. É conhecido por ter como objetivo reduzir/suavizar a variabilidade dos resultados contábeis com o intuito de estabilizar o lucro ao longo do tempo (Rivera-Castro; Martinez, 2008). Nesse cenário, a empresa vai registrar mais ou menos accruals na contabilidade dependendo do resultado contábil do período. Por exemplo, se no período X0 o lucro for de 30.000.000,00 (valor suavizado) e no período X1 o resultado contábil for de 20.000.000,00, a empresa vai gerenciar o resultado contábil para cima, com o intuito de se aproximar do valor suavizado. E se em X2 o lucro for de 40.000,00? A empresa tenderá a gerenciar o resultado contábil para baixo, com o intuito de se aproximar do valor suavizado. A relação do income smoothing se estabelece com a rentabilidade da empresa. A explicação para se fazer income smoothing é que quando há suavização dos resultados contábeis, a previsão do mercado financeiro em relação ao resultado econômico da empresa é mais assertiva e, portanto, a informação contábil se torna mais relevante e reflete positivamente no valor das ações da empresa. 5.2 BIG BATH ACCOUNTING Outro mecanismo de gerenciamento de resultados contábeis utilizado pelos gestores é o big bath accounting. Mas no que ele consiste? Este é um tipo de gerenciamento de resultados que tem como objetivo piorar um resultado ruim com o intuito de obter um resultado melhor no futuro. Como assim? O objetivo consiste em piorar o resultado da empresa? Sim, exato! Vamos pensar no seguinte caso: a empresa Alfa possui accruals que, ao serem registrados, vão afetar negativamente o resultado da empresa, assim, evitam o lançamento desses accruals enquanto o resultado for positivo. Contudo, no momento de uma crise financeira e/ou de um resultado operacional ruim, a empresa lança esses accruals que vão piorar o resultado do exercício, com o intuito de, nos próximos períodos, obter resultados mais favoráveis. Um outro caso em que pode ocorrer big bath accounting é com a mudança de gestão na organização. O novo gestor pode utilizar esse mecanismo para atribuir ao antigo gestor um desempenho ruim e, assim, garantir resultados futuros melhores, que serão atribuídos à nova gestão. 5.3 WINDOW DRESSING O window dressing é um mecanismo de gerenciamento de resultados que visa maquiar os resultados contábeis tornando-os mais positivos. O exemplo mais comum relatado pela literatura é a operação de window dressing realizada pelos fundos de investimentos. Imagine o seguinte caso: um fundo de investimentos investe em ações A, B, C e D. Ainda, o fundo de investimentos usualmente divulga o desempenho do fundo de forma trimestral. No quarto trimestre, as ações A e B superaram o índice total, mas representavam pouco dentro do peso do fundo de investimentos, enquanto as ações C e D ficaram abaixo do índice total, mas representavam muito dentro do peso do fundo de investimentos. Assim, o gestor do fundo de investimentos decide “maquiar os resultados” e, portanto, vende as ações C e D, substituindo por ações com maior índice. Essas decisões dos gestores vão levar os stakeholders a avaliarem o rendimento do fundo de investimentos de forma positiva, induzindo os demais agentes econômicos a tomarem decisões de maneira equivocada. TROCANDO IDEIAS Estamos caminhando para o final desta aula. Vamos agora trocar ideias com os colegas sobre os principais aspectos tratados? Para consolidar os conhecimentos adquiridos nesta aula, vamos realizar uma atividade de fórum. Você deverá articular os conceitos aprendidos sobre os tópicos teóricos da teoria das escolhas contábeis e o gerenciamento de resultado contábil, com o intuito de diferenciar as práticas de cada tema estudado. Reflita: escolha contábil e gerenciamento de resultados correspondem a mesma prática? Para responder a esse questionamento, exponha a sua opinião na plataforma AVA, elaborando um texto com base nos principais conceitos das teorias supracitadas. Essa atividade auxiliará na fixação dos conteúdos estudados. NA PRÁTICA Esta atividade tem cunho prático, para que vocês possam desenvolver habilidades. O tema de discussão da atividade prática é gerenciamento de resultados, o qual discutimos nos Temas 4 e 5 desta aula. Para Martinez (2008, p. 13), é crucial entender que o gerenciamento dos resultados contábeisnão é fraude contábil. No gerenciamento dos resultados contábeis, opera-se dentro dos limites do que prescreve a legislação contábil, entretanto nos pontos em que as normas contábeis facultam certa discricionariedade para o gerente, este realiza suas escolhas não em função do que dita a realidade concreta dos negócios, mas em função de outros incentivos. Enquanto a fraude contábil é caracterizada pelo ato intencional de falsificar e/ou alterar documentos contábeis, registro e demonstrações contábeis. Reúna os conhecimentos adquiridos durante esse curso e vamos fazer um exercício de abstração: O Sr. João Paulo é contador da empresa Alfa e trabalha sob a gerência do Sr. Henrique Cardoso, CEO da empresa Alfa. O Sr. Henrique Cardoso recebe remuneração variável atrelada ao desempenho da organização. O indicador utilizado para mensurar o desempenho é o lucro contábil. O Sr. João Paulo decide registrar um número elevado de accruals no período X4 que antecede a avaliação de desempenho do CEO. Esses accruals elevam o resultado contábil do período, reportando um lucro três vezes maiores. Agora, vocês deverão refletir e decidir se o ato praticado pelo Sr. João Paulo se caracteriza como fraude contábil ou gerenciamento de resultados. Apresente uma posição em relação ao cenário apresentado e justifique sua escolha. (A sugestão de resposta está ao fim deste documento). FINALIZANDO Esta aula nos auxiliou a adentrar ao mundo teórico contábil e compreender como surgiram e se desenvolveram as duas principais correntes de pesquisa da área: a teoria normativa e a teoria positiva. Ainda, discutimos alguns tópicos avançados derivados da corrente positiva da contabilidade, como a teoria das escolhas contábeis e os estudos de gerenciamento de resultados. Nos dois primeiros temas desta aula, foram apresentadas as duas correntes teóricas que guiaram o desenvolvimento das pesquisas nas ciências contábeis: a teoria normativa e a teoria positiva. Discorremos, também, sobre o desenvolvimento histórico de ambas as perspectivas, suas características e as principais críticas. Nos três últimos temas, o enfoque esteve em tópicos avançados da teoria contábil, desenvolvidos sob influência da corrente positiva. No tema 3, foi apresentada a teoria das escolhas contábeis e as implicações da discricionariedade normativa. No tema 4, expressamos os conceitos e definições de gerenciamento de resultados e a sua relação com a discricionariedade normativa. O último tema aprofundou os principais mecanismos de gerenciamento de resultados: income smoothing, big bath accounting e window dressing. REFERÊNCIAS HEALY, P. M.; WAHLEN, J. M. A review of the earnings management literature and its implications for standard setting. Accounting Horizons. v. 13, n. 1, p. 365-383, 1999. IUDICIBUS, S. Teoria da contabilidade: evolução e tendências. Revista de Contabilidade do Mestrado em Ciências Contábeis da UFRJ, v. 17, n. 2, p. 5-13, 2012. MARTINEZ, A. L. Detectando earnings management no Brasil: estimando os accruals discricionários. Revista Contabilidade & Finanças, v. 19, n. 46, p. 7-17, 2008. NIYAMA, J. K. Teoria Avançada da Contabilidade. São Paulo: Atlas, 2014. RIVERA-CASTRO, M. A.; MARTINEZ, A. L. Income smoothing como critério para montagem de carteiras: evidências empíricas no mercado brasileiro. In: XXXII EnANPAD. Anais... Rio de Janeiro, 2008. SCHIPPER, K. Commentary on earnings management. Accounting Horizons, v. 3, n.1, p. 91-102, 1989. SILVA, D. M.; MARTINS, V. A.; LEMES, S. Escolhas contábeis: reflexões para a pesquisa. Revista Contemporânea de Contabilidade, v. 13, n. 29, p. 129-156, 2016. resposta Considerando o conflito de interesses existente entre o contador e o CEO, uma vez que o primeiro está abaixo na hierarquia organizacional do segundo e o João Paulo é responsável pela elaboração dos demonstrativos contábeis, existe uma grande possibilidade de o lançamento representar um gerenciamento de resultados. O segundo elemento é que não há evidências de alteração ou destruição de documentos contábeis, o que poderia caracterizar uma fraude contábil. Assim, o cenário indica um possível gerenciamento de resultados. TEORIA CONTÁBIL AVANÇADA AULA 3 Prof.ª Tassiani Aparecida dos Santos CONVERSA INICIAL O objetivo desta aula é introduzi-los aos conteúdos mais atuais do mundo da academia contábil no que tange ao tópico de divulgação voluntária das informações contábeis. Perpassaremos algumas teorias desenvolvidas nessa área de estudos nos últimos anos, que têm sido de grande relevância para a compreensão dos mecanismos de atuação da informação contábil no mercado financeiro e de capitais. Iniciaremos pela exposição da teoria dos stakeholders, discorrendo sobre os seus conceitos e definições primordiais. O tema 2 versa sobre a teoria da legitimidade e suas principais fundamentações. Em seguida, os temas 3 e 4 tratarão dos mecanismos de divulgação voluntária das informações contábeis. No tema 3, o objetivo é conhecer os artifícios inerentes ao mundo da divulgação voluntária das informações contábeis, ou seja, o que é a divulgação voluntária e as suas relações com o mercado financeiro e de capitais. No tema 4, o enfoque recai sobre as motivações dos agentes econômicos para a divulgação voluntária das informações contábeis. Por último, o tema 5 apresenta as principais tendências da pesquisa contábil no Brasil. CONTEXTUALIZANDO A contabilidade financeira tem como finalidade o reconhecimento, a mensuração e a divulgação de informações de natureza contábil-econômico-financeira. Os procedimentos e métodos adotados para reconhecer e mensurar os elementos patrimoniais e econômicos são direcionados pelas normas de contabilidade, no Brasil vigente as IFRSs. Assim como o reconhecimento e a mensuração, a divulgação também é orientada pelas normas brasileiras de contabilidade. Portanto, essas normas estabelecem o conteúdo e o formato de divulgação dessas informações de cunho obrigatório. Além da divulgação obrigatória, existe a prática de divulgação voluntária das informações contábeis e esse é o foco de estudos desta aula. Assim, queridos alunos, de antemão já vamos informar que a divulgação voluntária não ocorre de maneira completa. Reveste-se, portanto, de elevada relevância os estudos sobre o impacto das informações adicionais em métricas de mercado, como o valor de mercado da empresa e o custo de capital, e as motivações que levam as organizações a fazerem divulgações voluntárias, mesmo estando atreladas a custos adicionais de divulgação. Diante disso, sugerimos que vocês reflitam sobre os seguintes pontos: O que é divulgação voluntária? Por que ela não acontece de maneira completa? Quais são as bases teóricas que fundamentam essas explicações? Como esses aspectos impactam o dia a dia profissional dos contadores? A divulgação voluntária acontece só para empresas de capital aberto? São muitos questionamentos, mas essa reflexão inicial auxiliará no andamento desta aula. Para tanto, sugerimos que leiam o artigo A divulgação voluntária e o gerenciamento de resultados contábeis: evidências no mercado de capitais brasileiro”, da Silvia Consoni, do Romualdo Douglas Colauto e do Gerlando Augusto Sampaio Franco de Lima, publicado no ano de 2017. TEMA 1 – TEORIA DOS STAKEHOLDERS Iniciamos, agora, a nossa discussão teórica sobre os aspectos contábeis e as relações com o mercado financeiro e de capitais. A primeira teoria a ser discutida nesta aula é a teoria dos stakeholders. Mas o que são stakeholders? Para trabalharmos com uma definição precisa do termo, a partir desse momento, precisamos entender os stakeholders como “todas as partes interessadas na empresa, as quais são definidas como qualquer grupo ou indivíduo que pode afetar ou é afetado pela realização dos objetivos da empresa” (Niyama, 2014, p. 151). Assim, podemos citar como stakeholders os acionistas da empresa, os investidores e credores,o governo, os funcionários e as comunidades que são afetadas pelas ações das organizações. A teoria dos stakeholders é uma teoria baseada nos preceitos da microeconomia clássica, conforme discutimos anteriormente. Essa teoria tem como fundamento o reconhecimento da importância da gestão dos stakeholders, isto é, “os gestores devem tomar decisões que levem em conta todos os círculos que podem afetar o valor da empresa” (Niyama, 2014, p. 152). Estamos falando da gestão dos interesses de agentes econômicos que podem afetar o valor da empresa, ou seja, em especial, investidores e credores da organização. Niyama (2014) retratou a teoria dos stakeholders da seguinte maneira: A teoria dos stakeholders da empresa requer não só uma compreensão dos tipos de influência das partes interessadas, mas também como as empresas respondem a essas influências. As partes interessadas se envolvem com a empresa, porque é do seu interesse fazê-lo, reconhecendo a capacidade de influenciar nas ações da empresa e resguardar a promoção do seu bem-estar. A busca é por uma situação de equilíbrio de poder entre stakeholders e a organização, para que assim a empresa possa ganhar legitimidade aos olhos dos atores relevantes (ou sociedade), de forma que a interação possa realmente ser mútua. Dessa maneira, é importante que as empresas tenham um bom relacionamento com seus stakeholders e isso implica bons resultados financeiros. A literatura contábil aponta que um contexto de harmonia entre empresa e stakeholders acarreta em um maior valor para a empresa, e mesmo que isso não signifique lucro no curto prazo, implica a sobrevivência da organização no longo prazo. Portanto, para manter esse equilíbrio das relações com os stakeholders, é necessário a compreensão de como gerenciar os interesses das partes relacionadas (Niyama, 2014). A teoria dos stakeholders prevê e explica os mecanismos nos quais a gestão adequada desses agentes econômicos acarreta em uma influência positiva no resultado financeiro e na valorização da empresa. A teoria também prevê que o diálogo entre as partes relacionadas gera interesses compartilhados que levarão a maximização do valor da empresa para todos os participantes do processo. Em suma, a teoria dos stakeholders versa sobre a importância da gestão dos agentes econômicos que afetam e são afetados pela organização, uma vez que uma harmonização entre os interesses da empresa e dos stakeholders provoca uma influência positiva no resultado financeiro e na valorização da empresa. TEMA 2 – TEORIA DA LEGITIMIDADE A outra teoria que sustenta os preceitos da divulgação voluntária – tópico a ser discutido nos próximos dois temas dessa aula – é a teoria da legitimidade. Essa teoria assevera que as empresas buscam meios de se legitimar perante a sociedade. Algumas dúvidas importantes para vocês refletirem: o que é legitimidade? Por que a legitimidade é importante? Quais são os meios utilizados pelas empresas para se legitimar? Vamos começar pela apresentação do conceito de legitimidade. Para Niyama (2014, p. 149), “a legitimidade deve ser definida como uma condição ou estado do sistema que se verifica quando o valor de uma entidade é congruente com o valor do sistema social da qual a entidade é uma parte”. Nesse sentido, alunos, a legitimidade pode ser compreendida como um estado ou condição pelo qual a empresa é “aceita” pelo sistema social do qual faz parte (Niyama, 2014). Por exemplo, vamos discutir a legitimidade de uma empresa mineradora X, responsável por um crime ambiental que ocorreu na comunidade em que estava inserida. Após o episódio da tragédia ambiental e social, a empresa passou a ser vista como uma empresa ruim para a comunidade que vive ao entorno da organização. Assim, a sua aceitação ou valor do sistema social passou a ser muito pequena e a empresa viu sua legitimidade se tornar ilusória. Um dos pilares fundamentais da legitimidade é a comunicação socioambiental entre empresa e sociedade. “Nessa perspectiva, a sociedade aceita e aprova os posicionamentos tomados pela organização. É importante para a legitimidade que a empresa seja vista como um ente social e ambientalmente responsável” (Niyama, 2014, p. 150). Portanto, a preocupação com a comunicação entre empresa e sociedade, no que tange aos aspectos sociais e ambientais, se configura como uma importante estratégia para conferir legitimidade. E por que a legitimidade é tão importante? As organizações só existem na medida em que a sociedade confere sobre as organizações o estado de legitimidade. Niyama (2014, p. 150) assevera que “as organizações não são consideradas detentoras de qualquer direito inerente aos recursos, ou mesmo de existir”. Dessa maneira, podemos pensar na empresa mineradora, responsável pelo crime ambiental, conforme supracitado, caso a sociedade decida que a empresa não deve existir naquele local ou que os serviços prestados para a sociedade são irrisórios perto dos riscos ambientais, essa empresa deixará de existir. Outro elemento importante para a teoria da legitimidade são os contratos sociais. Neles, estão implícitas ou explícitas a aceitação dos agentes a respeito da forma como as empresas devem atuar e se posicionar na sociedade (Niyama, 2014). Como vimos na teoria contratual da firma, se um contrato for quebrado, pode ameaçar a harmonia existente no sistema empresarial e a própria continuidade da organização. Assim, conforme Niyama (2014, p. 150): Quando um evento negativo ocorre, se tem uma ameaça presente ou potencial à legitimidade da entidade, os gestores devem procurar ferramentas que mudem ou amenizem tais efeitos, tentando assim recuperar a percepção sobre os objetivos da organização. Retomando o caso da empresa mineradora, após o incidente ambiental, provavelmente a empresa tomou decisões e ações que amenizaram o efeito do evento sobre a legitimidade, uma vez que ela foi capaz de se manter operando no mercado. Mas quais são os mecanismos utilizados para assegurar a legitimidade das empresas? São eles: disclosure social e disclosure voluntário. O disclosure social visa atuar como um instrumento de legitimação da empresa perante a sociedade, e apresenta informações de cunho socioambientais e econômico-financeiras. Esse relatório visa apresentar essas informações para um grande número de stakeholders, os quais vão legitimar e aceitar as decisões tomadas pela companhia. Dessa maneira, frequentemente, pode ser visto como um elemento estratégico para a implementação de objetivos pela organização. O disclosure, ou divulgação, voluntário será tópico de discussão dos próximos temas. Contudo, alunos, podemos adiantar que ele também atua como um instrumento de legitimidade para as organizações, como veremos a seguir. Em suma, a teoria da legitimidade versa sobre a aceitação de uma organização em seu sistema social, bem como essas implicações e os mecanismos de gestão da legitimidade. Finalizamos, assim, os dois primeiros tópicos desta aula, que objetivaram discorrer sobre duas teorias que embasam e dão fundamentos para a prática de divulgação voluntária das informações contábeis. TEMA 3 – DIVULGAÇÃO VOLUNTÁRIA DAS INFORMAÇÕES CONTÁBEIS Conforme apresentado anteriormente, a divulgação das informações contábeis se configura como um importante mecanismo para gestão dos stakeholders e da legitimidade das organizações. Neste tópico, vamos abordar as definições de divulgação voluntária e suas inter-relações com as teorias microeconômicas, nomeadamente a teoria da agência e a teoria contratual da firma. O primeiro aspecto a ser compreendido é: no que consiste a divulgação voluntária das informações contábeis? Nesse sentido, podemos definir divulgação voluntária como as informações contábeis que não têm obrigatoriedade para serem divulgadas, segundo as normas em vigor no país ou os órgãos reguladores. Contudo, essas informações são divulgadas para os stakeholders no conjunto das demonstrações financeiras. Como exemplo podemos citaro número de funcionários do gênero feminino na diretoria executiva da empresa. Essa informação não possui obrigatoriedade de divulgação, porém, a empresa pode optar por divulgá-la – a decisão, de divulgar ou não essas informações adicionais, será discutida no próximo tema. Retomando o conceito de divulgação voluntária, vamos relembrar a teoria da agência, já discutida. A teoria da agência tem como premissa que as relações entre os diferentes agentes econômicos são conflituosas, motivadas pela assimetria das informações. Nesse contexto, a assimetria de informação entre insiders – agente econômicos que estão dentro da organização e, portanto, têm informações privilegiadas – e outsiders – agentes econômicos que estão de fora das discussões e decisões operacionais da companhia e, por isso, têm menor nível de acesso a informações estratégicas – caracteriza-se como o elemento principal das relações conflituosas de agência (Consoni; Colauto; Lima, 2017). A divulgação voluntária é um mecanismo de diminuição desses conflitos de agência. De acordo com Consoni, Colauto e Lima (2017, p. 251), as pesquisas na área contábil demonstram que: A assimetria informacional reduz a medida que o nível de divulgação voluntária de informações aumenta, isso porque, pode reduzir o componente de seleção adversa do bid-ask spread (o mecanismo de proteção do preço quando os títulos são vendidos ou comprados). Consequentemente, o volume de negociações e a liquidez de mercado das ações aumentam, reduzindo potencialmente o custo de capital. Relacionamos esse trecho dos autores com a apresentação do conceito de assimetria informacional das aulas anteriores. Como vimos, ao diminuir a assimetria de informações, isto é, a diferença no nível de informação a que os diferentes agentes econômicos têm acesso, os agentes econômicos podem tomar decisões de maneira mais racional, visando maximizar a sua utilidade individual e, assim, diminui-se a seleção adversa do mercado (Consoni; Colauto; Lima, 2017). Ao reduzir a seleção adversa os agentes econômicos têm mais informações assertivas sobre os diferentes ativos da organização e podem ofertar melhores condições, elevando a negociação do mercado de capitais, aumentando a liquidez dos papéis e, consequentemente, diminuindo o custo de capital (Consoni; Colauto; Lima, 2017). Por exemplo, podemos pensar em um caso da negociação de um automóvel seminovo. Ambos os agentes econômicos, comprador e vendedor, têm informações completas sobre o estado do ativo (veículo). Esse fato acarreta em possibilidade para uma negociação racional, na qual ambos os agentes ofertam suas melhores condições. Assim, a seleção adversa é diminuída e os veículos são negociados muito próximo de seu valor real de mercado, e não pelo seu valor médio. Esse é um exemplo de diminuição da seleção adversa por meio da divulgação voluntária. Esse mesmo exemplo, se transposto para o mercado de capitais, leva ao entendimento de que a seleção adversa diminui os riscos e, portanto, aumenta o número de negociações de ativos. Esse fato acarreta em um menor custo de capital para as organizações. Portanto, os gestores têm incentivos suficientes para divulgar todas as informações adicionais com o intuito de se distinguirem no mercado e diminuírem os custos de capital. Contudo, isso não acontece. A literatura demonstrou que os gestores tendem a divulgar parcialmente as informações voluntárias. Por que não acontece a divulgação voluntária das informações contábeis de maneira completa? Esse questionamento será tratado no próximo tema. TEMA 4 – MOTIVAÇÕES PARA A DIVULGAÇÃO VOLUNTÁRIA DAS INFORMAÇÕES CONTÁBEIS Por que os gestores não divulgam as informações adicionais de maneira completa? Essa discussão tem ocupado a agenda de pesquisa contábil desde os anos 2000 e tem se apresentado como um questionamento complexo. Os pesquisadores apontaram cinco aspectos que tem se mostrado relevante dentro dessa discussão: os gestores não divulgam informações essencialmente verdadeiras, existe o gerenciamento de resultados, existem custos de divulgação, há efeitos da informação sobre o valor da companhia e os efeitos explicados pela teoria dos jogos (Consoni; Colauto; Lima, 2017). De acordo com Consoni, Colauto e Lima (2017), “a ideia de que a divulgação voluntária é eficaz e contribui para a alocação eficiente de recursos no mercado de capitais está vinculada à credibilidade das informações financeiras divulgadas”. Dessa maneira, se a informação divulgada não for essencialmente verdadeira, ela perde relevância para os stakeholders e não adiciona valor aos demonstrativos da empresa. Outro aspecto importante refere-se ao gerenciamento de resultados. Um fator determinante na credibilidade das informações adicionais é o nível de gerenciamento de resultados praticados pela companhia. Empresas que gerenciam muitas informações podem ter um retorno negativo do mercado de capitais, assim como nos casos de informações não essencialmente verdadeiras, no longo prazo. Contudo, outro aspecto que é considerado pelos gestores refere-se ao custo da informação, de maneira geral, se a informação não contém viés, ela tem um custo elevado e, portanto, a divulgação voluntária acaba não acontecendo (Consoni; Colauto; Lima, 2017). Dessa maneira, conforme discutidos nos dois primeiros aspectos que podem motivar a divulgação voluntária, é comum que os gestores apresentem informações não verdadeiras ou gerenciem as informações adicionais, pois os custos de divulgação só compensarão se obtiverem um efeito positivo sobre o valor de mercado da empresa (Consoni; Colauto; Lima, 2017). Assim, como apresentado nos parágrafos anteriores, é salutar compreender que a divulgação de informações gera custos para as organizações. Vale a pena divulgar informação adicional? Qual o custo dessa divulgação? Esses questionamentos são produzidos pelos gestores no processo de decisão da divulgação de informações adicionais. “Os custos de divulgação variam de acordo com a natureza do que for divulgado” (Consoni; Colauto; Lima, 2017). Dessa maneira, o gerenciamento dos stakeholders e da legitimidade – tópicos 1 e 2 desta aula – serão determinantes na decisão da divulgação voluntária completa, uma vez que existem custos envolvidos (Consoni; Colauto; Lima, 2017). Os gestores também avaliam os efeitos da informação adicional sobre o valor de mercado da companhia. Na prática, temos o seguinte resultado: os investidores não sabem com certeza se os gestores estão retendo informações privilegiadas, portanto, não conseguem interpretar se a empresa possui más notícias, que estão sendo retidas. Dessa forma, os investidores não conseguem distinguir entre empresas com más notícias e empresas que não fazem divulgação adicional. Nesse caso, ambas perdem valor de mercado (Consoni; Colauto; Lima, 2017). Assim, podemos afirmar que as empresas podem utilizar o mecanismo de divulgação voluntária para gerenciar os stakeholders e elevar seu valor de mercado. O último ponto a ser mencionado refere-se à teoria dos jogos. Consoni, Colauto e Lima (2017, p. 252) afirmam que “para interpretar corretamente a ação do gestor, é necessário identificar os incentivos que este tem para divulgar boas e más notícias e o conjunto de informações que poderia ter divulgado, porém escolheu não o fazer”. Por essa razão a divulgação voluntária é um caso especial da teoria dos jogos: não se sabe quais os incentivos para a divulgação de determinadas informações; para compreendê-los, é necessário avaliar todo o conjunto de informações disponíveis para divulgação e qual foi a escolha feita pelo executivo (Consoni; Colauto; Lima, 2017). Por exemplo, uma boa notícia geralmente é divulgada com o objetivo de aumentar o valor de mercado da organização em momentos de negociação de seus papéis ou de captação de recursos. Contudo, más notícias podem ser divulgadas com o intuito de reduzir o valor do lucro ou resultados operacionais futuros em momentos de negociaçãocom sindicato, no qual a empresa deseja apresentar dificuldades operacionais e econômico-financeiras (Consoni; Colauto; Lima, 2017). Em suma, as motivações que influenciam na decisão dos gestores de divulgarem as informações adicionais nos demonstrativos financeiros são essas: os gestores não divulgam informações essencialmente verdadeiras; existe o gerenciamento de resultados; existem custos de divulgação; há efeitos da informação sobre o valor da companhia e os efeitos explicados pela teoria dos jogos. Vimos, também, que a propensão maior é que os gestores selecionem as informações adicionais que vão divulgar, em razão dos cinco aspectos supracitados. Portanto, podemos afirmar que o full disclosure (divulgação completa) não acontece nas empresas estudadas pelos pesquisadores. TEMA 5 – TENDÊNCIAS DA PESQUISA CONTÁBIL NO BRASIL Adentramos, agora, um tema muito importante para os pesquisadores e futuros pesquisadores da academia contábil brasileira: as tendências da pesquisa contábil no Brasil. Neste tópico, apresentaremos sete temas de pesquisa que tem despontado como fundamentais para o desenvolvimento científico da contabilidade: intangíveis criados internamente, capital intelectual, pesquisas históricas, contabilidade gerencial e teoria da contabilidade, adequações das IFRSs, relato integrado e filosofia da contabilidade (Iudicibus; Lopes, 2004; Iudicibus, 2012). Intangíveis criados internamente (goodwill): O goodwill é um elemento patrimonial que ainda não tem mecanismos para reconhecimento e mensuração. Iudicibus (2012) aponta como um elemento que deve ser estudado pela contabilidade normativa. A indicação de um “modo de fazer ideal”, ou seja, um modelo de reconhecimento e mensuração, é fundamental para que esse item passe a ser incorporado aos demonstrativos contábeis. Capital intelectual: Assim como o goodwiil, o capital intelectual é um item que ainda não é reconhecido e mensurado no balanço patrimonial. Isso acontece, em grande parte, em virtude de a contabilidade não ter desenvolvido uma metodologia adequada para esses intangíveis. Por serem itens gerados internamente, a empresa pode utilizar como meios para gerenciamento de resultados contábeis, podendo afetar gravemente o valor dos ativos das companhias. Portanto, um estudo aprofundado deve ser realizado pela corrente normativa, a fim de encontrar métodos seguros e confiáveis de reconhecer e mensurar esses ativos. Pesquisas históricas: As pesquisas históricas têm surgido com força na área de contabilidade em âmbito internacional. Portanto, desponta, também, como um tópico a ser tratado pela academia brasileira. As ciências contábeis são uma ciência social e, portanto, sua própria existência está atrelada a existência da humanidade. Se não existirem sociedades, a contabilidade também deixa de existir. Dessa maneira, para compreender a evolução dessa ciência e os caminhos percorridos, faz-se indispensável o aprofundamento em pesquisas históricas. Contabilidade gerencial e a teoria da contabilidade: A contabilidade gerencial tem sido pouco discutida dentro do espectro da teoria da contabilidade e negligenciada durante anos. Os tópicos abordados pela teoria da contabilidade, tanto pela corrente normativa quanto pela corrente positiva, são exclusivamente preocupados com os usuários externos e, em especial, o enfoque recai sobre o mercado financeiro e de capitais. Iudicibus (2012) coloca a inserção da contabilidade gerencial dentro da teoria geral da contabilidade como uma tendência de pesquisa que contribuirá para o desenvolvimento do corpo teórico desta. Adequações das IFRSs: Um outro aspecto apontado por Iudicibus (2012) é a adequação das normas brasileiras de contabilidade às normas internacionais. Esse tópico de pesquisa vem sendo estudado nos últimos anos e já se constitui como um dos principais tópicos da agenda de pesquisa da área. Alguns questionamentos giram em torno de: a forma adotada de internacionalização foi a melhor? Os benefícios da adequação às normas internacionais compensam os custos? Qual a relação entre as IFRSs e o custo de capital? Relato integrado: O relato integrado constitui um conceito moderno dentro da contabilidade financeira que visa aprimorar e aumentar a qualidade da informação contábil-econômico- financeira. Esse relatório tem como intuito implementar um pensamento integrado como estratégia de negócio. Nesse modelo, a comunicação corporativa se torna conectada em cinco aspectos: materialidade, geração de valor, capitais, modelo de negócio e conectividade, e promove, assim, melhorias no valor de mercado da empresa e em seu custo de capital. Filosofia da contabilidade: O tema filosofia da contabilidade se configura como um aspecto fundamental para o desenvolvimento científico. Estudos que se preocupam com esse tópico devem direcionar esforços para a compreensão dos fundamentos da ciência contábil e das ontologias e epistemologias que guiam a nossa ciência. Abrir a mente para esse tipo de estudo significa evoluir para patamares superiores no campo científico. Só dessa maneira seremos capazes de desenvolver modelos epistemológicos próprios e nos abrimos para outras correntes epistemológicas, por exemplo, vertentes críticas e interpretativas. Assim, encerramos mais uma aula, apresentando perspectivas futuras de pesquisas para guiarem o desenvolvimento do corpo teórico da contabilidade e, assim, contribuírem para o direcionamento da agenda de pesquisa dos cientistas da área. TROCANDO IDEIAS Estamos caminhando para o final desta aula! Vamos trocar ideias com os colegas sobre os principais aspectos? Para consolidar os conhecimentos adquiridos nesta aula, vamos realizar uma atividade de fórum. Você deverá articular os conceitos aprendidos nesta aula sobre o que é divulgação voluntária e as motivações para praticar a divulgação voluntária das informações contábeis. Para tanto, reflita sobre a utilização dos conceitos da teoria dos jogos como explicação para as motivações dos gestores divulgarem más notícias. Descreva pelo menos dois casos em que os gestores podem divulgar más notícias e o intuito dessa divulgação. Essa atividade auxiliará na fixação dos conteúdos estudados. NA PRÁTICA Chegamos na última tarefa desta aula. Esta atividade tem cunho prático, para que vocês possam desenvolver habilidades. O tema de discussão da atividade prática é divulgação voluntária, o qual discutimos de forma explícita nos temas 3 e 4 desta aula, mas que está embasada na teoria dos stakeholders, tema 1 e na teoria da legitimidade no tema 2. Reúna os conhecimentos adquiridos durante esse curso e vamos fazer um exercício de abstração. A empresa mineradora está no período de fechamento das demonstrações contábeis. Esta empresa passou por um episódio de desastre ambiental no ano anterior. Após esse episódio, a legitimidade da empresa ficou abalada, pois a sociedade começou a ver a empresa como uma ameaça ao meio ambiente. Para tratar esse problema, no período atual, a empresa se comprometeu a tomar diversas ações de controle ambiental com o intuito de diminuir os riscos associados. Os gestores da empresa não conseguiram cumprir uma parte do contrato social de controle ambiental, 15% das barragens de rejeitos não foram tratadas de maneira adequada, conforme previa o contrato social. Contudo, os gestores decidiram informar aos stakeholders que todas as ações relacionadas ao projeto ambiental foram implementadas com sucesso. O intuito do corpo executivo era aumentar o preço das ações da companhia, visto que a empresa precisará captar investimentos no mercado no próximo período para ampliar sua fatia no mercado internacional. Questionamento: a divulgação das informações ambientais vai gerar um impacto positivou ou negativo no preço das ações da empresa? Justifique sua resposta com base nos conceitos aprendidos nesta aula. Resolução: se pensarmos isoladamente, considerando apenas esse fator ambiental, a resposta é sim. Isso porque, ao informarao mercado de capitais que todas as ações acordadas com a sociedade foram cumpridas, a legitimidade da organização será recuperada. Nesse aspecto, o aluno estará utilizando os conceitos da teoria da legitimidade, que afirma que esta é alcançada quando a empresa é aceita pelo sistema social do qual faz parte. Portanto, ao informar a sociedade que a empresa está cumprindo o seu contrato social, a legitimidade é recuperada. O outro aspecto refere-se à teoria dos stakeholders. A empresa optou por mentir aos stakeholders sobre o cumprimento do contrato social. Esse fato é explicado por essa teoria, visto que os stakeholders são agentes econômicos que podem afetar o valor da empresa. Assim, ao mentir, a empresa está ocultando uma informação e divulgando um resultado positivo, com o objetivo de aumentar seu valor de mercado. O outro lado da moeda, tratado por essa teoria, é que esses agentes também sofrem influência da organização, que, nesse caso, é o possível dano ambiental, uma vez que a organização optou pelo elevado risco ambiental. FINALIZANDO Esta aula contribui para a sedimentação dos conhecimentos que estamos adquirindo, por isso, inserimos as teorias do stakeholder e da legitimidade com o intuito de embasar as discussões sobre divulgação voluntária. Portanto, nos dois primeiros temas desta aula, foram apresentados os principais conceitos das teorias do stakeholder e da legitimidade. A primeira tratou da importância da gestão dos stakeholders para conquistar e manter a legitimidade das organizações. A segunda explicou o que é legitimidade e a importância da harmonia da empresa com o sistema social na qual está inserida. O terceiro e quarto tema da aula abordaram a divulgação voluntária. No terceiro tópico versamos sobre os fundamentos da divulgação voluntária e o que ela representa para o mercado financeiro e de capitais. No quarto tema discorremos sobre as motivações que levam os gestores a divulgarem as informações adicionais. Por fim, a aula apresentou as tendências de pesquisa na área de contabilidade e que devem figurar como itens da agenda de pesquisa dos próximos anos. REFERÊNCIAS CONSONI, S.; COLAUTO, R. D.; LIMA, G. A. S. F. A divulgação voluntária e o gerenciamento de resultados contábeis: evidências no mercado de capitais brasileiro. Revista Contabilidade & Finanças, v. 28, n. 74, p. 249-263, 2017. IUDICIBUS, S.; LOPES, A. B. Teoria avançada da contabilidade. São Paulo: Atlas, 2004. IUDICIBUS, S. Teoria da contabilidade: evolução e tendências. Revista de Contabilidade do Mestrado em Ciências Contábeis da UFRJ, v. 17, n. 2, p. 5-13, 2012. NIYAMA, J. K. Teoria avançada da contabilidade. São Paulo: Atlas, 2014. TEORIA CONTÁBIL AVANÇADA AULA 4 Prof.ª Tassiani Aparecida dos Santos CONVERSA INICIAL Nesta aula, entraremos no mundo da governança corporativa. Ela surgiu como um mecanismo para equalizar o conflito de agência dentro das organizações, essencialmente entre fornecedores de capital e executivos da empresa. No geral, essa linha de pesquisa da contabilidade é relativamente nova e tem atraído muita atenção dos pesquisadores. Iniciaremos pelos aspectos conceituais da governança corporativa, discorrendo sobre seus conceitos e valores primordiais, além de introduzir a relação entre contabilidade e governança corporativa. No tema 2 desta aula, trataremos das estruturas de poder e práticas de governança corporativa. Em seguida, nos temas 3 e 4 abordaremos os órgãos responsáveis por implementar a estrutura de poder de governança corporativa. No tema 3, o tópico é relativo aos órgãos de auditoria e fiscalização, já no tema 4 discorreremos sobre o papel do conselho de administração dentro dessas organizações. No tema 5 trataremos da Lei Sarbanes-Oxley (SOX), que surgiu para criar mecanismos de auditoria e segurança confiáveis, com regras para criação dos comitês com membros independentes. CONTEXTUALIZANDO A disciplina Teoria Avançada da Contabilidade é essencialmente teórica e tem como objetivo apresentar as principais discussões e desenvolvimentos das ciências contábeis. A governança corporativa é um desses tópicos. Contudo, o surgimento desse debate na academia foi decorrente dos escândalos contábeis que ocorreram no início dos anos 2000, portanto, esta aula tem estrita relação com o mundo prático contábil. A governança corporativa vem sendo amplamente divulgada no mundo empresarial e há um grande número de materiais sobre a implementação dos mecanismos de governança corporativa desenvolvidos por empresas de auditoria e consultoria. Sugerimos acessar os seguintes links para compreender como a Endeavor Brasil (<https://endeavor.org.br/estrategia-e-gestao/governanca-corp orativa-empresa/>) e o Instituto Brasileiro de Governança Corporativa (IBGC) (<http://www.ibgc.org.b r/userfiles/files/melhores_praticas_sp_16.pdf>) tratam do tema. Diante disso, reflita sobre os seguintes pontos: O que é governança corporativa? Porque ela é tão relevante para o mundo empresarial? No que consistem as práticas de governança corporativa? Ela é obrigatória? Para quais tipos de empresas? Sugerimos também a leitura do artigo “Governança corporativa: nível de evidenciação das informações e sua relação com a volatilidade das ações do Ibovespa” (Malacrida; Yamamoto, 2006), disponível no link: <http://www.revistas.usp.br/rcf/article/view/34196>. TEMA 1 – GOVERNANÇA CORPORATIVA: CONCEITOS E VALORES O que é governança corporativa? No momento histórico inicial da evolução da governança corporativa, ela desponta como um conjunto de mecanismos e práticas de auditoria e controle confiáveis, com o intuito equalizar os conflitos de agência das organizações (Iudícibus; Lopes, 2004). Conceitualmente expressando, a governança corporativa tem suas bases nas teorias microeconômicas clássicas que discutimos anteriormente, a teoria da agência e a teoria contratual da firma. A separação entre principal e agente, ou seja, proprietário da firma (controle) e administrador (gestão), é o evento histórico responsável pelo surgimento do conflito de agência. Após a crise de 2008, o mercado financeiro e de capitais percebeu a importância de criar meios para diminuir a assimetria de informação e o poder econômico dos executivos (insiders) da empresa. Esses mecanismos ficaram conhecidos como práticas de governança corporativa. A Comissão de Valores Mobiliários define governança corporativa como: O conjunto de práticas que tem por finalidade otimizar o desempenho de uma companhia ao proteger todas as partes interessadas, tais como investidores, empregados e credores, facilitando o acesso ao capital. (Malacrida; Yamamoto, 2006) Já o Instituto Brasileiro de Governança Corporativa (IBGC) afirma que: https://endeavor.org.br/estrategia-e-gestao/governanca-corporativa-empresa/ http://www.ibgc.org.br/userfiles/files/melhores_praticas_sp_16.pdf http://www.revistas.usp.br/rcf/article/view/34196 Na teoria econômica tradicional, a governança corporativa surge para procurar superar o chamado “conflito de agência”, presente a partir do fenômeno da separação entre a propriedade e a gestão empresarial. O “principal”, titular da propriedade, delega ao “agente” o poder de decisão sobre essa propriedade. A partir daí surgem os chamados conflitos de agência, pois os interesses daquele que administra a propriedade nem sempre estão alinhados com os de seu titular. Sob a perspectiva da teoria da agência, a preocupação maior é criar mecanismos eficientes (sistemas de monitoramento e incentivos) para garantir que o comportamento dos executivos esteja alinhado com o interesse dos acionistas. (Malacrida; Yamamoto, 2006) Portanto, podemos declarar que as práticas de governança corporativa surgem com o objetivo de monitorar e controlar os negócios, por parte dos executivos, mas principalmente por parte dos acionistas, que passam a ter acesso a mais informações das decisões operacionais, econômicas e financeirasdo corpo diretivo da organização. Dentro desse cenário, o papel da contabilidade tem sido reconhecido como fundamental na implementação das práticas de governança corporativa. Isto porque, como a contabilidade tem a função de diminuir a assimetria de informações, esta pode atuar como ferramenta de governança corporativa, tanto para a diminuição da assimetria informacional quanto para o estabelecimento de contratos entre agentes econômicos (Malacrida; Yamamoto, 2006). Adicionalmente, a governança corporativa tem como fundamentos quatro conceitos já incorporados à contabilidade: disclosure, equidade, prestação de contas e responsabilidade corporativa (Malacrida; Yamamoto, 2006). O disclosure refere-se à divulgação de informações relevantes para todos as partes interessadas no negócio da companhia. As informações divulgadas não devem se restringir àquelas exigidas por normas, regulamentos e legislações, ou seja, de natureza contábil- econômico-financeira, mas também informações de cunho social, humano e ambiental, tornando possível a tomada de decisão de maneira racional para todos os stakeholders da organização. Equidade representa o tratamento igualitário de todos os sócios e partes relacionadas. Portanto, as informações devem atender às necessidades, direitos e deveres, interesses e expectativas de todos os stakeholders. O accountability ou a prestação de contas é o dever da organização em comunicar suas decisões de modo claro, conciso, compreensível e tempestivo, assumindo responsabilidade pelas informações prestadas aos stakeholders da organização. A responsabilidade corporativa estabelece que os agentes econômicos insiders devem se responsabilizar pela viabilidade econômico-financeira, levando em conta os capitais envolvidos, a curto e longo prazo: financeiro, manufaturado, intelectual, humano, social, ambiental, reputacional etc. O mercado de capital brasileiro divide a governança corporativa em três níveis: nível 1 (N1), nível 2 (N2) e novo mercado. Mas por que isso é importante? Embora a governança corporativa não seja exclusividade de empresas de capital aberto – visto que todas podem aderir a esse modelo de gestão, inclusive as de pequeno porte –, empresas que operam no mercado de capitais recebem enforcement para adotar a governança corporativa. Considerando que existe um custo para adotá-la, a adoção tem-se mostrado mais comum em grandes empresas de capital aberto e fechado e em empresas estatais. Enforcement é o processo de assegurar o cumprimento de leis, regulamentos, regras, padrões e normas sociais. As duas formas de enforcement aplicado nesse cenário são: as legislações e regulações, por exemplo, a lei SOX, para empresas que atuam no mercado americano, ou os próprios regulamentos e exigências da CVM para empresas que atuam no Brasil. A outra maneira são as normas, regras e padrões exigidos pelos stakeholders da empresa, como nos casos de empresas que não têm obrigação legal e optam pela adoção do modelo de governança corporativa. Em ambos os casos, o intuito é diminuir a assimetria de informação entre os stakeholders da empresa. Dessa maneira, surgiram os níveis de governança corporativa administrados pela CVM, que indicam ao mercado financeiro qual o nível, ou qualidade, da governança corporativa apresentada pela empresa. Quanto mais elevado o nível, mais a empresa apresenta boas práticas de governança e diminui a assimetria de informação entre os agentes econômicos. Esse processo acarreta em resultados econômicos positivos para a empresa, e, por isso, a empresa aceita pagar os custos relacionados a esse modelo de gestão. O nível 1 e o nível 2 da bolsa de valores são etapas preparatórias para o novo mercado, no qual as empresas evoluem ao adicionarem práticas que visam melhorar a relação com os investidores. No N1, as empresas devem apresentar informações acerca da dispersão acionária, ou seja, da concentração de capital (propriedade) na mão dos acionistas ou de um grupo de acionistas. No N2, as empresas incluem informações para melhorar a relação com os acionistas minoritários – aqueles que não detêm o controle da empresa, visto que a quantidade de ações ordinárias (com direito a voto) que possuem é muito pequena –, estabelecem mandato de um ano para o conselho de administração e adotam a implementação das normas internacionais de contabilidade. O novo mercado é o nível mais elevado e indica que a empresa possui boas práticas de governança corporativa, que, além das iniciativas já indicadas em N1 e N2, conta com apresentação do fluxo de caixa da organização e a emissão exclusiva de ações ordinárias, ou seja, ações que dão direito a voto. TEMA 2 – ESTRUTURA DE PODER E PRÁTICAS DE GOVERNANÇA – GOVERNANÇA COMO SISTEMA DE RELAÇÕES Agora que já conhecemos o que é a governança corporativa e sua importância para a harmonização das relações econômicas entre os diferentes agentes, podemos nos questionar: como implementar esses conceitos sobre controle e monitoramento dos negócios? O aspecto principal a ser considerado é a formatação da estrutura de poder da organização, que permitirá que as práticas de governança corporativa sejam implementadas. Portanto, apresentaremos dois pontos importantes: a estrutura de poder que a organização deverá adotar e as práticas de governança corporativa que devem ser adotadas. A estrutura de poder ou estrutura organizacional que deverá ser empregada pela organização deve considerar os seguintes aspectos, para que os conflitos de interesse sejam minimizados e a independência das partes sejam asseguradas: propriedade, controle, administração e auditoria e fiscalização. A propriedade é dividida pelos diferentes acionistas da organização: os acionistas controladores, que detêm o controle da organização, geralmente por meio da maior quantidade de ações ordinárias (com direito a voto); e os acionistas preferenciais, aqueles que detêm ações preferenciais e possuem, portanto, direito a receber dividendos – mas não tem o poder de participar das decisões da companhia. O controle é executado pelos acionistas controladores, o que não inclui os minoritários e os acionistas preferenciais. A administração é exercida pelos diretores executivos e conselho da administração. E a auditoria e fiscalização é exercida pelo conselho fiscal, auditoria independente, comitê de auditoria e auditoria interna. A figura a seguir sintetiza as relações estabelecidas entre essas quatro esferas: Figura 1 – Relações entre conselho fiscal, auditoria independente, comitê de auditoria e auditoria interna Fonte: A Estrutura, S.d. Assim, os acionistas com o controle da organização dão diretrizes do caminho a ser trilhado por ela, a curto e longo prazo, em reuniões da assembleia geral. A administração é exercida pela diretoria executiva e pelo conselho de administração. O primeiro órgão é composto pelos diretores e gerentes da organização e trabalha em conjunto com o segundo; ainda, a diretoria executiva tem a função de executar as estratégias da organização. Já o segundo órgão deve trabalhar fiscalizando a diretoria executiva com o intuito de defender os interesses dos proprietários. Adicionalmente, o conselho de administração também deve planejar as diretrizes estratégicas e decidir sobre questões relacionadas aos aspectos gerencias da empresa. Por fim, os órgãos de controle e auditoria funcionam de forma independente, garantindo fidedignidade ao processo de gestão da organização. Sobre cada um desses órgãos, suas funções e atribuições, discorreremos nos próximos temas desta aula. Agora, descreveremos o que constitui as principais práticas de governança corporativa: reconhecer e proteger o direito dos acionistas, tratar todos os acionistas equitativamente, adotar processos e procedimentos para corrigir a violação de direitos, proibir a negociação de ações com base em informações privilegiadas, reconhecer e proteger o direito de outras partes interessadas e desenvolver mecanismos de informaçãopara que todas as partes participem do processo de governança. Reconhecer e proteger o direito dos acionistas: uma organização com boas práticas de governança corporativa deve enunciar de maneira clara os direitos de todos os acionistas, incluindo os minoritários. Ainda, a empresa deve ter meios de proteger o direito e interesse dos acionistas, para que todos os proprietários sejam considerados nas decisões organizacionais. Tratar todos os acionistas equitativamente: a equidade prevê o tratamento justo e igualitário de todos os acionistas da empresa. Assim, a empresa que implementa a governança corporativa deve se atentar ao tratamento justo e igualitário em todas as decisões organizacionais, visando os interesses e direitos de todos. Adotar processos e procedimentos para corrigir a violação de direitos: é fundamental a inclusão de ferramentas, processos e procedimentos que, além de garantir o tratamento justo e igualitário para todos os acionistas, permita a correção de possíveis violações aos direitos dos acionistas. Proibir a negociação de ações com base em informações privilegiadas: um procedimento importante para garantir esses direitos é a proibição da negociação das ações com base em informações privilegiadas. Esse tipo de negociação privilegia alguns acionistas em detrimento de outros e, portanto, deve ser proibida. Reconhecer e proteger o direito de outras partes interessadas: além dos direitos e interesse dos acionistas, conforme tratamos nos tópicos anteriores, uma empresa com bons níveis de governança corporativa deve, também, se preocupar e proteger o direito dos demais stakeholders da organização. Desenvolver mecanismos de informação para que todas as partes interessadas participem do processo de governança: outro aspecto muito importante para ser implementado por empresas com bons níveis de governança corporativa são mecanismos que permitam que todos os stakeholders participem do processo de governança. Nesse quesito, atenção principal tem sido dada à inclusão dos acionistas minoritários nesse processo. Contudo, não podemos esquecer dos demais stakeholders, como funcionários, credores, meio ambiente e comunidade. Em suma, podemos afirmar que a governança corporativa é efetivada quando práticas de governança inspiradas em princípios contábeis – equidade, disclosure, accountability e reponsabilidade corporativa – são implementadas em conjunto com uma estrutura de poder capaz de garantir a efetividade dessas práticas. Essa estrutura de poder está baseada em quatro pilares: propriedade, administração, controle e auditoria e fiscalização. TEMA 3 – ÓRGÃOS DE AUDITORIA E FISCALIZAÇÃO NO PROCESSO DE GOVERNANÇA Neste tema apresentaremos o pilar de controle, auditoria e fiscalização. Os órgãos de auditoria e fiscalização têm papel essencial na sustentação da governança corporativa, assim como o conselho de administração, que abordaremos no próximo tema. O objetivo dos órgãos de auditoria e fiscalização é manter um equilíbrio entre a propriedade e a gestão, garantindo o controle e auditoria dos processos para que sejam fidedignos e alinhados aos objetivos organizacionais. Em seguida apresentaremos os dois principais órgãos desse pilar: o conselho fiscal e o comitê de auditoria. 3.1 CONSELHO FISCAL É o órgão responsável por garantir o direito dos proprietários de fiscalizar a gestão dos negócios, opinar sobre relatórios de resultados e sobre a proposta da administração à assembleia geral. Portanto, é um instrumento importante para implementar as práticas de governança, visando especialmente o controle interno e a transparência, no que diz respeito aos interesses dos proprietários. Este órgão é eleito pela assembleia geral (composta pelos proprietários da firma) e, portanto, tem a função de examinar, verificar, fiscalizar e avaliar as contas e atos da administração. Contudo, o papel desse órgão não é administrativo. Apenas, informa, opina, sugere, denuncia, garantindo o exercício do direito dos proprietários de fiscalizar a gestão do negócio, o resultado apresentado pelos administradores e as variações patrimoniais. Especificamente, o conselho fiscal tem as seguintes atribuições: fiscalizar os atos dos administradores; opinar sobre os relatórios anuais da administração; analisar trimestralmente balancetes e demonstrações financeiras do exercício social; denunciar aos órgãos da administração crimes, fraudes ou erros e sugerir providências; analisar e opinar sobre recomendações de auditores internos e externos; fiscalizar transações entre partes interessadas; convocar assembleia geral ordinária (se houver retardamento da convocação por parte dos órgãos da administração) e extraordinária (quando houver ocorrência de motivos graves ou urgentes) etc. Embora seja um órgão importante para as boas práticas de governança corporativa, não é obrigatório em algumas legislações; como é o caso da americana, britânica, alemã e francesa. No Brasil, a presença desse órgão é facultativa e a decisão é efetuada pela assembleia geral. 3.2 COMITÊ DE AUDITORIA É outro órgão importante para a estrutura de governança da organização, e é exigido pela SOX (lei que estudaremos no último tópico desta aula). Sua função é acompanhar e avaliar o ambiente de controle, abrangendo a auditoria interna e a auditoria independente. Nesse sentido, o comitê de auditoria é um órgão de controle, considerado pilar essencial na supervisão da gestão, auxiliando o conselho de administração na execução de sua missão. Esse órgão é constituído pelo conselho de administração e tem como principais atribuições: supervisão da integridade e qualidade das práticas contábeis e demonstrações de resultados; verificação da conformidade dos atos da administração em relação à legislação e estatutos; direcionamentos das relações da firma com analistas de mercado e investidores; análise e gerenciamento de riscos corporativos, como riscos de conformidade, contratuais, financeiros, tecnológicos, ambientais e de marca, imagem e reputação. Dentro desse comitê, temos ainda a figura da auditoria independente, um órgão externo e que atende aos interesses dos proprietários, analistas de mercado e investidores, do conselho de administração e do próprio comitê de auditoria. Os auditores externos são responsáveis por analisar demonstrações contábeis, com o intuito de verificar a conformidade da contabilidade às normas exigidas no país e no exterior (para aquelas que emitem títulos no mercado financeiro externo) e proceder às correções das DFs quanto à realidade da empresa, seus resultados e variações patrimoniais, se necessário. No Brasil, a Lei das SA exige a presença da auditoria das demonstrações financeiras para as empresas de capital aberto e aquelas consideradas de grande porte, e esta deve ser realizada por auditores externos/independentes registrados na CVM. Ainda, a auditoria externa deve ser contratada e avaliada pelo conselho de administração e possuir tais características: ser independente em relação à empresa, passar por rotatividade e ter competência técnica. Outra figura desse comitê é a auditoria interna. Embora relacionada ao comitê de auditoria, tem como característica a estrita prestação de serviço corporativo de apoio à diretoria executiva e ao conselho de administração; não tendo como atributo principal a independência da auditoria externa. Sua função principal é a organização do ambiente interno com foco em compliance. Pode ser relacionada como parte do comitê de auditoria, por ter relações significativas com os órgãos de governança de auditoria e fiscalização, além de focar suas atividades na adequação e efetividade do gerenciamento de riscos operacionais em relação a exigências internas e externas (Biscalquim; Vieira, 2015). TEMA 4 – CONSELHO DE ADMINISTRAÇÃO NO PROCESSO DE GOVERNANÇA Outro pilar relevante para a estrutura de governança corporativa é o conselho de administração. A governança é de fato exercida pelo conselho de administração epela diretoria executiva, embora submetida às decisões dos acionistas, formalizadas e definidas na assembleia geral. Nessa relação, a diretoria executiva é o órgão responsável pelas decisões gerenciais e execução das estratégias da companhia, e se subordina ao conselho de administração. Contudo, é o conselho de administração que seleciona o comitê executivo, o qual deve se reportar e ser avaliado por esse órgão. Assim, cabe ao conselho de administração resguardar os interesses dos proprietários da firma, monitorando a ação e comportamento do comitê executivo; e, portanto, agindo como o elo entre acionistas e administradores da empresa. Mas como é composto o conselho de administração? Quem tem direito a cadeira nesse órgão tão importante? São três tipos de membros que devem integrar o conselho de administração: proprietários (insiders), independentes (outsiders) e outsiders relacionados. Os insiders são representantes dos proprietários, controladores e minoritários. Os outsiders são conselheiros externos independentes. E os outsiders relacionados são representantes de outros stakeholders da empresa, como membros da comunidade, empregados, sindicatos (em empresas estatais) e membros de grupos que possam ser afetados pela empresa. A estrutura do conselho de administração é formada com o objetivo de garantir a independência e a inexistência de conflito de interesses entre este órgão e o diretor-executivo (CEO) e os acionistas controladores da empresa. Assim, as melhores práticas de governança corporativa indicam que o conselho de administração deve ser constituído por aproximadamente 7 membros, com a presença dos três tipos (insiders e os dois tipos de outsiders). Os conselheiros devem possuir capacitação complementar e deve haver uma programação para substituição periódica de seus membros. Já a legislação societária das sociedades anônimas prevê os seguintes pontos a serem obrigatoriamente cumpridos quanto à governança corporativa: deliberação colegiada (não individual); mínimo de três membros; presença máxima de 1/3 de diretores da companhia; programação de substituições dos membros do conselho de administração; acionistas controladores podem eleger a maioria de seus membros, ao passo que os acionistas minoritários possuem a prerrogativa para eleger um membro do conselho, se possuírem pelo menos 15% da ações com direito a voto ou 10% das ações preferencias. Aprenderemos agora quais são as principais missões, papéis, atribuições e responsabilidades do conselho de administração. Começaremos pela missão. O conselho de administração tem como objetivo proteger e valorizar o patrimônio da entidade, otimizar o retorno sobre investimentos, zelar pelos valores e crenças da organização, trabalhar em conjunto com a diretoria executiva para alcançar os propósitos estratégicos e avaliar o desempenho da diretoria executiva. Assim, podemos sintetizar a missão desse órgão como sendo o guardião dos interesses das partes interessadas na organização, como proprietários, acionistas, credores e membros da comunidade, decidindo sobre as grandes questões do negócio e monitorando a diretoria executiva com o intuito de diminuir os conflitos de agência. Em relação aos papéis, atribuições e responsabilidades desse órgão de governança, podemos citar: planejar diretrizes estratégicas e decidir sobre questões relacionadas à gestão, finanças, aspectos fiscais e de auditoria, compreendendo, ainda, aspectos legais, societários e institucionais. Especificamente, podemos citar: decisões sobre investimentos e financiamentos; destinações de resultados, como distribuição de dividendos e pacote de remuneração aos executivos; planejamento da sucessão do corpo executivo da empresa; processo estruturado para nomeação de novos conselheiros; políticas de gerenciamento de riscos; escolha e monitoramento da auditoria; e investigação de possíveis fraudes e corrupções, assegurando a presença e cumprimento do código de ética da organização. TEMA 5 – SOX Falaremos, enfim, sobre a legislação que fundamentou e deu as primeiras diretrizes legais para a aplicação dos conceitos da governança corporativa: a Lei Sarbanes-Oxley (SOX). Salienta-se, contudo, que atualmente diversas empresas adotam os princípios do modelo de governança corporativa, mas não são todas que precisam seguir a SOX. O desenvolvimento dessa lei foi resultado da crise instaurada no mercado de capitais norte- americano, decorrente das fraudes e escândalos contábeis que, em 2002, atingiram grandes empresas como a Enron, Arthur Andersen, WorldCom, Xerox etc. O intuito da lei foi trazer mais segurança aos investidores no que concerne as demonstrações e procedimentos contábeis e, assim, evitar a fuga de capital do mercado de capitais. A SOX deve ser aplicada às empresas que possuem ações registradas na SEC (comissão de valores mobiliários americana); assim, para negociar no mercado de capitais americano, todas as empresas, americanas ou não, devem seguir a Lei Sarbanes-Oxley. Nesse sentido, o objetivo da SOX é obrigar as empresas a instaurarem mecanismos de auditoria e segurança, com membros independentes, garantindo a fidedignidade do processo para os investidores. As diretrizes da SOX incluem a reestruturação de processos com o intuito de aumentar os controles e a transparência, na condução dos negócios, na administração financeira e contábil e na gestão e divulgação das informações. Assim, torna-se obrigatória a efetivação de práticas consideradas como boa governança corporativa. Ao tornar os diretores executivos e financeiros responsáveis por estabelecer e monitorar a eficácia dos controles internos e das informações divulgadas, a aplicação da lei torna-se mais certa. Ainda, os advogados e auditores ganham independência nesse processo, mas também maiores responsabilidades. E, para garantir a independência, a regulamentação sobre a contratação desses serviços independentes passa a existir. Mas quais são os principais aspectos trazidos pela Lei Sarbanes-Oxley? Podemos citar o PCAOB, a independência do auditor, a responsabilidade da empresa, o aprimoramento das demonstrações financeiras, a responsabilidade por fraudes corporativas ou criminais e o aumento das penalidades para crimes de colarinho branco. O PCAOB é um conselho de auditores de companhias abertas e tem como objetivo estabelecer normas de auditoria, controle de qualidade, ética e independência na emissão dos pareceres. Todos os auditores que prestam serviços às empresas sujeitas à Lei SOX devem estar registrados no PCAOB. A independência do auditor é assegurada pelos artigos de número 201 a 204, que versam sobre os serviços permitidos aos auditores, determinam a rotatividade do sócio responsável por cada cliente em período de pelo menos cinco anos e estabelecem as regras para a comunicação entre o comitê de auditoria e a auditoria independente. A responsabilidade da empresa é atribuída em relação ao corpo executivo. Este deve assinar os relatórios das informações contábeis e financeiras e declarar que divulgaram todos os fatos controversos, medidas de controle e fraudes ao comitê de auditoria. A Lei também proíbe medidas que possam influenciar os auditores, como presentes, jantares e viagens, e define as responsabilidades e penalidades aos diretores que agirem de maneira ilegal. Também cria regras para os advogados, obrigando-os a relatar ao comitê de auditoria evidências de violações importantes na empresa. A SOX dá diretrizes sobre a obrigatoriedade da divulgação das informações financeiras, trimestral e anualmente, sobre todos os fatos materiais que não estão demonstrados nas demonstrações contábeis, por exemplo, transações, acordos, obrigações realizadas com entidades não consolidadas, contingências e outros fatos materiais. Fica também exigido que as principais transações envolvendo a diretoria e os principais acionistas sejam comunicadas aos stakeholders. Outras determinações em relação à estrutura de governança são exigidas:nenhum diretor ou funcionário graduado poderá receber, direta ou indiretamente, empréstimos de companhia aberta; avaliação anual dos controles e procedimentos internos para emissão dos reports financeiros, com a emissão de parecer de auditor independente; divulgação tempestiva de informações adicionais relevantes para a compreensão das mudanças na situação financeira ou operacional da organização. A responsabilidade por fraude corporativa ou criminal é definida nos artigos 802, 806 e 807. A SOX trata das penalidades criminais para a alteração, destruição ou falsificação de documentos a serem utilizados nas vistorias da SEC; cria os mecanismos de proteção aos funcionários de empresas de capital aberto que denunciarem fraudes nas empresas em que trabalham; e define as penalidades criminais por prejudicar acionistas minoritários de empresas de capital aberto com informações inverídicas. Por fim, em relação ao aumento das penalidades para crimes de colarinho branco, o artigo 906 estabelece o aumento das penas sob a responsabilidade da diretoria quanto às demonstrações financeiras e define as penalidades para as infrações. TROCANDO IDEIAS Chegou a hora de trocar ideias com os colegas sobre os principais aspectos tratados nesta aula. Para consolidar os conhecimentos adquiridos, vamos realizar uma atividade de fórum. Você deverá articular os conceitos aprendidos sobre o que é governança corporativa, suas práticas e estrutura de poder, considerando especialmente o conselho de administração e o comitê de auditoria. Para tanto, elabore uma opinião, em um texto de uma página, demonstrando a importância da estrutura de governança para a efetivação de seus objetivos. Essa atividade auxiliará na fixação dos conteúdos estudados. NA PRÁTICA Esta última atividade tem cunho prático, para que possa desenvolver as habilidades durante o curso. Reúna os conhecimentos adquiridos e resolva: A empresa Alfa negocia suas ações no mercado de capitais brasileiro e norte-americano. Devido às exigências legais, segue os procedimentos e práticas de governança corporativa, com o intuito de manter a segurança e confiabilidade de seus investidores. No mês de novembro de 2010, você, funcionário do departamento de contabilidade, verificou um procedimento estranho do diretor financeiro: este solicitou que uma caixa com alguns documentos fiscais fosse transferida a outro endereço, que não era da própria empresa, e que algumas planilhas eletrônicas tivessem valores alterados. Agora, descreva como esse caso de suspeita de fraude corporativa deve ser tratado e aponte se há alguma legislação que suporte seu posicionamento. Resolução: A empresa está inserida no mercado de capitais norte-americano e, como vimos, está sujeita à legislação SOX. Com base no artigo 802 da Lei Sarbanes-Oxley, deve-se apontar como fraude corporativa a decisão do corpo executivo da organização em alterar e destruir documentos contábeis que seriam investigados pelo órgão regulador. FINALIZANDO Nesta aula, adentramos no mundo das boas práticas empresariais e vimos como são complexas, dinâmicas e extremamente normatizadas e legalizadas, o que implica em muitas responsabilidades por parte da companhia que atua no mercado de capitais. O primeiro tema desta aula nos apresentou conceitos e valores primordiais da governança corporativa, sua intersecção com a contabilidade e os níveis de governança corporativa presentes no mercado de capitais brasileiro. No segundo tema foram apresentadas as principais práticas de governança e a estrutura de poder, assim como as condições para a efetivação das práticas de boa governança e a importância da estruturação dos órgãos de governança. Os temas 3 e 4 trataram das duas estruturas de governança importantes para assegurar a independência e confiabilidade da corporação: o conselho de administração e o comitê de auditoria. O tema 3 tratou dos órgãos de auditoria e fiscalização, que abarcam o comitê de auditoria e o conselho fiscal, os quais, por sua vez, asseguram a fidedignidade dos controles e das informações divulgadas, visando o interesse dos proprietários e acionistas da empresa. O tema 4 teve como preocupação o conselho de administração, órgão responsável por fiscalizar o corpo executivo e fazer cumprir as decisões da assembleia geral, mediando os conflitos de agência entre principal e agente. Por fim, o tema 5 discorreu sobre a Lei Sarbanes-Oxley, a qual surgiu em meio a uma crise de escândalos corporativos no ambiente norte-americano e gerou muita incerteza nos investidores. Com o intuito de manter o capital dos investidores no mercado de capitais, a SEC (órgão regulador norte- americano) instaurou a Lei SOX. Ela dá diretrizes para a atuação das empresas e adoção de práticas de governança corporativa que objetivam diminuir os prejuízos informacionais e financeiros para os demais stakeholders, em especial, os investidores. Ainda, estabelece as responsabilidades corporativas e as penalidades criminais para os crimes cometidos nesse âmbito empresarial. REFERÊNCIAS BISCALQUIM, A. C.; VIEIRA, E. T. V. A auditoria interna como fortalecimento da governança corporativa nas empresas de capital aberto. Redeca, p. 56-72. A ESTRUTURA de poder, o processo e as práticas de governança corporativa. Quinto capítulo. Governança Corporativa. Disponível em: <http://governancacorporativa.com/?page_id=120>. Acesso em: 23 abr. 2019. INTRODUÇÃO à lei Sarbanes-Oxley (SOX). Disponível em: <https://portaldeauditoria.com.br/introducao-lei-sarbanes-oxley-sox/>. Acesso em: 23 abr. 2019. IUDÍCIBUS, S.; LOPES, A. B. Teoria avançada da contabilidade. 1. ed. São Paulo: Atlas, 2004. MALACRIDA, M. J. C.; YAMAMOTO, M. M. Governança corporativa: nível de evidenciação das informações e sua relação com a volatilidade das ações do Ibovespa. Revista Contabilidade & Finanças, p. 65-79, 2006. TEORIA CONTÁBIL AVANÇADA AULA 5 Prof.ª Tassiani Aparecida dos Santos CONVERSA INICIAL A contabilidade é um instrumento eficaz na diminuição da assimetria de informações. Por essa razão, tem sido muito utilizada no mercado financeiro com o intuito de auxiliar credores e investidores na tomada de decisões com maior nível de assertividade. Nesta aula, o objetivo é compreender como a contabilidade tem atuado no mercado financeiro como um mecanismo de diminuição de assimetrias de informação e, portanto, maior equilíbrio para o mercado financeiro. Dessa maneira, podemos pensar na contabilidade como um mecanismo extremamente relevante para as transações que ocorrem no mercado financeiro. Ao diminuir a assimetria de informação, ela tornará a informação no mercado financeiro mais simétrica, isto é, acessível para todos os agentes econômicos de maneira igual. Consequentemente, a contabilidade diminui as falhas de mercado e permite que as transações entre os agentes econômicos sejam mais justas e com menos custos de transação. Iniciaremos pela discussão da relação entre lucro (medida contábil) e preço das ações (medida de mercado): será que ela existe? O tema 2 desta aula versa sobre as respostas do mercado financeiro à informação contábil, ou seja, é uma reflexão sobre como o mercado reage às informações divulgadas pela contabilidade. Em seguida, o tema 3 expõe a importância da informação contábil no mercado financeiro, ao passo que o tema 4 discorre sobre o comportamento da relação lucro e retorno ao longo do tempo. Por fim, o tema 5 trata da comparação entre relevância das informações contábeis e demais informativos financeiros e não financeiros para o mercado financeiro. CONTEXTUALIZANDO A contabilidade e o mercado financeiro possuem uma estreita relação. Como a contabilidade é um instrumento eficaz na diminuição da assimetria de informação, ela diminui também a incerteza, os riscos e os custos de agência inerentes às negociações dos agentes econômicos. Portanto, a ciência contábil se reveste de suma importância para a negociaçãono mercado financeiro dos agentes econômicos. Pensem no seguinte cenário: dois agentes econômicos estão negociando a compra de um lote de ações. Entre o comprador e vendedor das ações, investidor e proprietário, respectivamente, existe assimetria de informação. Como vimos anteriormente, a assimetria de informação sempre existe nos diferentes mercados, contudo, em alguns deles, é maior, e em outros, menor. Mas o que determina essa diferença? A qualidade da informação disponível para os diferentes agentes. Nesse sentido, a contabilidade é um mecanismo de diminuição da assimetria da informação. No cenário descrito, quanto melhor for a qualidade da informação contábil, mais transparente tende a ser a negociação entre comprador e vendedor, considerando que a informação contábil é um instrumento eficaz de diminuição da assimetria de informação. Consequentemente, menor será o custo de transação, risco moral e seleção adversa, conceitos que vimos anteriormente. Dessa forma, percebe-se que existe uma expectativa quanto a possíveis relações entre a contabilidade e o mercado financeiro. Nos últimos anos, a Teoria da Contabilidade tem se dedicado a compreender se há essa relação de fato. Alguns estudos se desenvolveram sobre a importância da informação contábil e como o mercado financeiro reage. Para isso, estudamos a relação entre lucro (informação contábil) e preço das ações (reflexo do entendimento do mercado financeiro). Ainda, é importante compreender como o mercado financeiro reage a esse tipo de informação: será que o mercado financeiro valoriza a informação contábil? Métricas para capturar essa relação têm sido desenvolvidas pela academia com o intuito de afirmar a existência dessa relação. Diante disso, sugerimos que você reflita sobre os seguintes pontos: a contabilidade é um eficaz instrumento de diminuição da assimetria de informações? De que maneira e em que circunstâncias ela pode diminuir essa assimetria? Nesse sentido, como o mercado financeiro tem percebido a relevância da contabilidade? Ela tem sido aproveitada ou subaproveitada? Qual o status das pesquisas que estão sendo desenvolvidas nesse campo do conhecimento? São muitos questionamentos, mas essa reflexão inicial auxiliará no andamento desta aula. TEMA 1 – LUCRO E PREÇO DAS AÇÕES A compreensão da relação entre lucro e preço das ações é uma discussão muito relevante para a academia contábil. Isso porque compreender a relação entre essas duas métricas – o lucro, que é uma medida contábil, e o preço das ações, que é uma medida de mercado – permite refletir sobre as expectativas futuras de retorno da empresa, ou seja, torna possível afirmar a importância da informação contábil para o mercado financeiro. Assim, a constatação de uma relação da informação contábil (lucro) e do preço das ações daria uma outra magnitude para a ciência contábil devido ao seu poder preditivo. Antes de adentrarmos os estudos desenvolvidos nessa área do conhecimento, é importante comentar que pesquisas e trabalhos os quais objetivaram compreender a relação entre lucro e preço da ação referem-se ao comportamento das empresas que operam no mercado de capitais. Isso porque o desenvolvimento dos estudos só poderia ser efetuado com as informações disponibilizadas por essas empresas, que possuem obrigatoriedade de divulgação de diversas informações. Assim, os conceitos e definições discutidos nesta aula são aplicados apenas às empresas que operam no mercado de capitais. O surgimento dos conceitos de Hipóteses do Mercado Eficiente (HME) ou em inglês, Efficient Markets Hypotesis (EMH), e de Modelo de Precificação de Ativos Financeiros (MPAF), que é mais conhecido por sua sigla em inglês, CAPM (Capital Asset Pricing Model), nas ciências econômicas, no final da década de 1960, foram fundamentais para o avanço na pesquisa contábil empírica, porque esses conceitos são capazes de explicitar como a informação contábil é útil na previsão do valor futuro das empresas e na tomada de decisão dos agentes do mercado de capitais (Iudícibus; Lopes, 2004; Galdi; Lopes, 2008). O conceito de HME assevera que os preços das ações refletem todas as informações relevantes disponíveis e se ajustam aos riscos e retornos esperados, que podem ser obtidos por meio dessas informações. Portanto, é razoável presumir que existe uma relação entre a informação contábil e o preço das ações. Coube aos pesquisadores contábeis comprovarem tal relação, bem como descobrir como se dá essa relação e como é a magnitude na qual ela ocorre (Iudícibus; Lopes, 2004), visto que o conceito foi desenvolvido na área de economia e, consequentemente, o objeto contábil é foco secundário de pesquisa nas ciências econômicas. Assim, a pesquisa na área contábil pautou-se em perguntas importantíssimas, tais como: existe conteúdo informativo para o mercado de capitais nas informações contábeis? Qual é a reação do mercado perante essas informações? Quanto da informação contábil é adiantada por fontes alternativas de informação? Os lucros inesperados geram retornos inesperados no que tange ao preço das ações? Quais são as fontes de informação alternativa que competem com a informação contábil? (Iudícibus; Lopes, 2004). Essas perguntas pautam a agenda de pesquisa em contabilidade, e a apresentação e discussão dos avanços teóricos, no que tange a essas questões, serão apresentadas ao longo desta aula. Portanto, os pesquisadores da área contábil têm se pautado na existência de uma provável relação entre a informação contábil e o preço das ações. O tema é importante porque a afirmação da relação entre lucro e preço da ação indicaria que a informação contábil facilita a previsão do fluxo de caixa futuro das empresas, tal como ajuda na determinação de riscos e retornos esperados (Iudícibus; Lopes, 2004). Dessa maneira, isso seria de vital relevância para todos os agentes econômicos que operam no mercado de capitais, tais como pequenos e grandes investidores, credores e proprietários. TEMA 2 – RESPOSTA DO MERCADO À INFORMAÇÃO CONTÁBIL A maneira como o mercado financeiro reage às informações contábeis é determinante no poder preditivo da contabilidade. Mas como diferenciar, dentre tantas informações, qual é a informação relevante nas decisões de crédito e investimento? Essa foi a agenda de pesquisa pautada pela academia contábil, no que tange às relações entre lucro e preço das ações. Para que comprovem a influência da contabilidade no mercado financeiro, as pesquisas empíricas, primeiro, devem comprovar a importância da informação contábil quando comparada às demais informações disponíveis para os tomadores de decisão (relatórios de especialistas, demonstrações de empresas concorrentes, anúncio de contrato de vendas etc.). Para isso, é necessário analisar a variação no preço das ações que cada tipo de informação gera isoladamente (Iudícibus; Lopes, 2004). De maneira geral, devido ao fator tempo, as demais informações não contábeis buscam antecipar o conteúdo informacional da contabilidade para o mercado, visto que a periodicidade de divulgação das demonstrações contábeis é relativamente longa (normalmente as empresas possuem essas informações em um período mensal, contudo, a sua divulgação pode ocorrer até em período trimestral no mercado de capitais). Assim, as expectativas futuras do fluxo de caixa e do valor da empresa começam a ser formadas antes do anúncio das informações contábeis no mercado financeiro. Por consequência, não é correto afirmar que a simples variação no preço das ações prova a importância das informações contábeis, visto que é elementar a compreensão do efeito de outras informações no valor de mercado (Iudícibus; Lopes, 2004). Por exemplo, a empresa Vale teve suas ações desvalorizadas no período após os desastres ambientais que ocorreram em Mariana (2015) e Brumadinho (2019). A variação no valor de mercado é decorrente da antecipação da informação contábil, uma vez que o mercado financeiro consegue precificar a perda decapacidade operacional da companhia e os custos financeiros associados ao desastre ambiental. Dessa maneira, para avaliar se a informação contábil possui valor informativo, ou seja, apresenta alguma informação adicional ao mercado financeiro, é necessário analisar a variação dos preços das ações na data do anúncio da informação contábil (ou em um período bastante próximo). Se ocorreram variações importantes nos preços dentro desse período, pode-se dizer que a informação contábil adicionou informação ao mercado (Iudícibus; Lopes, 2004). Por exemplo, no caso da empresa Vale, se na data da divulgação das demonstrações contábeis houver variação no preço das ações, pode-se concluir que a contabilidade proveu informações adicionais ao mercado, ou seja, informações que não foram apresentadas por fontes não contábeis. Em suma, as respostas do mercado às informações contábeis dependem do poder da contabilidade de gerar informações adicionais, visto que as fontes não contábeis tentam antecipar seu conteúdo informacional. Essa antecipação é decorrente da tempestividade na qual a informação contábil é apresentada, em geral trimestralmente. De forma conclusiva, pode-se dizer que esses estudos ainda estão sendo desenvolvidos no campo contábil; contudo, já se pode afirmar que existe uma relação entre lucro e preço das ações, mas existem outros fatores que influenciam nessa resposta do mercado, por exemplo, o fator temporal. TEMA 3 – IMPORTÂNCIA DA INFORMAÇÃO CONTÁBIL PARA O MERCADO Podemos afirmar que a informação contábil é importante para o mercado financeiro? No decorrer deste tema, discorreremos sobre importantes autores que estudaram e buscaram comprovar a relevância da informação contábil e a reação que ela causa no mercado financeiro. Diversas pesquisas buscaram evoluir a teoria da contabilidade nesse sentido, e o trabalho de Ball e Brown (1968) é muito importante para compreender como a informação contábil passou a ter maior relevância (Iudícibus; Lopes, 2004). Ball e Brown (1968, citados por Iudícibus; Lopes, 2004) são dois economistas da Escola de Chicago considerados pioneiros no desenvolvimento de pesquisas que buscam compreender a relação entre a informação contábil e o mercado de capitais. Os autores buscaram investigar se o lucro contábil refletia apenas os fatores já incorporados pelas ações ou se o anúncio dos lucros continha valor informativo para o mercado de capitais. Isto é, será que a contabilidade adiciona valor ao mercado de capitais? Vamos, nesse momento, definir dois conceitos fundamentais para a compreensão do estudo de Ball e Brown: retorno anormal e lucro anormal. Um retorno anormal é um retorno gerado por determinado título ou carteira de investimentos durante um período de tempo diferente da taxa esperada de retorno. Por exemplo, ganhar 15% em um fundo de investimento do qual é esperado em média 5% ao ano criaria um retorno anormal positivo de 10%. Se, no entanto, o retorno real fosse de 2%, isso geraria um retorno anormal negativo de 3%. Um lucro anormal é o lucro acima (ou abaixo) do requerimento mínimo de remuneração do capital próprio. Por exemplo, a empresa tinha a expectativa de um lucro de 300 mil reais, mas o resultado foi 280 mil reais. Isso significa que os lucro anormais são negativos em 20 mil reais. O contrário também é verdadeiro, se a empresa possui lucros de 330 mil reais, nesse mesmo cenário, significa que o lucro anormal representa 30 mil reais positivo. Retornando ao trabalho de Ball e Brown, após conceituar lucros e retornos anormais, podemos dizer que a intenção por trás dessa pesquisa era demonstrar a relação de sinal (positivo ou negativo) da variação do lucro inesperado e das variações nas taxas de retornos anormais médios. Os pesquisadores suspeitavam que um acréscimo nos lucros inesperados acompanharia uma taxa de retorno anormal positiva, sendo que um decréscimo nos lucros desencadearia uma taxa de retorno negativa (Iudícibus; Lopes, 2004). Os resultados da pesquisa de Ball e Brown apontaram os seguintes aspectos: (1) que os retornos anuais ajustam-se de forma gradual; (2) como nem toda informação contábil é antecipada, existe uma reação do mercado após o anúncio, embora ela seja pequena (cerca de 10% a 15% de variação ocorre na data do anúncio e cerca de 85% a 90% ocorre por antecipação de notícias); (3) existe uma tendência de movimento que persiste após os anúncios, ou seja, os preços continuam subindo por um tempo após o anúncio das informações anormais, ou continuam descendo, caso os lucros sejam inferiores aos “normais” (Iudícibus; Lopes, 2004). O que podemos inferir com esses resultados? Eles demonstram a utilidade da informação contábil? Só podemos concluir que os relatórios anuais possuem conteúdo informativo e que induzem a um comportamento nos retornos anuais em magnitude de sinal. Ou seja, os resultados da pesquisa demonstram a utilidade da informação contábil. Dessa maneira, até o presente momento, percebemos que as pesquisas empíricas estão preocupadas em comprovar a relação dos sinais (positivo e negativo) entre as variações de lucros anormais e as variações de preço das ações, o que demonstra que existe utilidade nas informações de lucro contábil e que o mercado reage a esses dados. Ao assumir que os lucros estimulam o fluxo de caixa futuro, então é correto afirmar que há uma relação direta entre a magnitude da variação do lucro anormal e do retorno anormal das ações. TEMA 4 – COMPORTAMENTO DA RELAÇÃO LUCRO E RETORNO AO LONGO DO TEMPO No tema anterior desta aula, vimos que o conteúdo do lucro é informativo. Após essa constatação teórica, o passo seguinte da evolução da teoria da contabilidade foi compreender como é o comportamento da relação lucro e retorno ao longo do tempo. Nesse sentido, os pesquisadores Board e Walker (1990, citado por Iudícibus; Lopes, 2004) buscaram entender a relação entre o lucro e o retorno das ações no período de 1965 a 1982 por meio da medida ROCE (Lucro Líquido/Patrimônio Líquido) e ROVAL (Lucro Líquido/Valor de Mercado). A primeira medida se refere ao retorno em relação ao valor contábil, e a segunda medida é relativa ao retorno sobre o valor de mercado. Para compreender como essas medidas se comportavam ao longo do tempo, os autores adotaram a seguinte metodologia: os índices inesperados de retorno foram calculados pela diferença entre o índice correspondente ao período atual e o índice do período anterior. Como os autores consideravam o lucro como sendo de caráter aleatório, o valor do índice anterior funciona como um ótimo instrumento de previsão para o índice futuro do lucro (Iudícibus; Lopes, 2004). Outro aspecto fundamental na compreensão do comportamento dessa relação são os componentes do lucro contábil. O comportamento do lucro deve ser analisado em relação à atividade-fim da empresa, portanto, é importante considerar o lucro antes de itens extraordinários e não operacionais. Assim, temos o lucro extraordinário, que representa o lucro que inclui valores com características transitórias e que também é obtido da atividade-fim da empresa; e o lucro não operacional, que representa o lucro advindo de atividades que não são da atividade-fim da empresa em análise. Essa separação é fundamental, visto que os estudos relataram que, quando o lucro é padronizado, isto é, quando se divide o valor do lucro antes dos itens extraordinários e operacionais pelo valor de mercado, a magnitude do relacionamento entre lucro e preço das ações melhora drasticamente em relação aos estudos que utilizaram números absolutos (Iudícibus; Lopes, 2004). Os autores concluem que a relevância da relação entre o lucro e o patrimônio aumentam de forma lenta ao longo do tempo, com o lucro líquido perdendo seu poder de explicação quando analisado de maneira isolada, e o patrimônio líquido aumentando seu poder de explicação durante o período que foi analisado. Com esse estudo, o que somos levados a pensar? Esse estudo apresenta uma tendênciaainda mais clara nos dias de hoje. Portanto, é importante contextualizar os estudos apresentados, especialmente porque as características das empresas mudaram. O que se tem percebido é que o poder de explicação do lucro está sendo reduzido, devido ao aumento da importância das empresas de serviço e alta tecnologia. Essas empresas possuem um nível reduzido de ativos mensurados na contabilidade devido aos problemas enfrentados pela contabilidade para a mensuração dos ativos intangíveis, se formos comparar com empresas de produção intensiva, por exemplo. Ao ter seus ativos e resultados contábeis subavaliados, o poder de explicação do lucro passa a ser menor, portanto, em empresas de serviço e alta tecnologia, o valor de mercado é uma representação (proxy) mais aproximada da realidade econômica dessas organizações. Por fim, podemos citar, também, o fator frequência e magnitude das despesas extraordinárias e o aumento de pequenas empresas na bolsa de valores. No primeiro caso, o número elevado dessas despesas pode distorcer o valor do lucro e seu poder preditivo. No segundo caso, a falta de acurácia informacional pode também gerar dificuldades na previsão do lucro. O patrimônio líquido é uma boa medida quando existe iminente dissolução de empresa ou o lucro não é uma boa referência, como é o caso das pequenas empresas. Assim, em algumas situações, o patrimônio líquido tem aumentado o poder de explicação em detrimento do lucro contábil. TEMA 5 – COMPARAÇÃO ENTRE A RELEVÂNCIA DAS INFORMAÇÕES CONTÁBEIS E DEMAIS INFORMATIVOS FINANCEIROS OU NÃO No último tema desta aula, discorreremos sobre a relevância da informação contábil em comparação com outras fontes de informação. Já vimos até o momento que a contabilidade tem uma medida de lucro correlacionada com o preço das ações, ou seja, com as expectativas de caixa futuro, segundo a percepção do mercado financeiro. Vimos também que, embora outras fontes de informação antecipem a informação contábil, esta tem relevância para o mercado, pois, ainda assim, possui conteúdo informacional. Dentre as fontes que antecipam a informação contábil, abordaremos dois tipos: a informação de analistas de mercado e as informações não financeiras. A competição entre as informações contábeis e as informações de analistas gera dúvidas se a última elimina ou não a importância das informações contábeis no mercado. Estudos vêm sendo desenvolvidos nesse campo do conhecimento com o intuito de compreender se os analistas de mercado conseguem antecipar as informações fundamentais para a tomada de decisões no mercado financeiro. De maneira geral, os analistas de mercado utilizam informações do ambiente (notícias sobre o ambiente econômico, político, social, ambiental, em âmbito nacional e internacional) para compor um conjunto de informações capaz de fornecer subsídios para os agentes econômicos do mercado, como credores e investidores. Contudo, os estudos empíricos da teoria da contabilidade têm apontado que as informações de analistas e os relatórios contábeis não são substitutos e que a importância de ambas vem aumentando para o mercado de capitais (Iudícibus; Lopes, 2004). Isso significa dizer que tanto os analistas de mercado quanto os demais stakeholders (como credores e investidores) utilizam as informações contábeis para compor as informações necessárias para tomar as melhores decisões. Pensando um pouco de modo mais aplicado, pense no seguinte cenário: a empresa Alfa está adentrando o mercado de capitais e os agentes econômicos precisam decidir se o investimento nas ações da empresa Alfa trará um retorno desejado. Quais são as principais fontes de informação utilizadas nesse contexto? Agora, vamos pensar na empresa Petrobras, que já opera no mercado há bastante tempo. Quais são as informações utilizadas pelos agentes econômicos para a decisão de investimento ou crédito? Em ambos os casos, as informações contábeis e as informações dos analistas serão combinadas para compor uma base de informações confiáveis para a tomada de decisões. No primeiro caso, as informações contábeis dão um panorama do resultado econômico passado da organização, o que permite aos agentes econômicos compreenderem o padrão de operação da companhia (volume de produção, venda, eficiência etc.). Contudo, os agentes econômicos precisam acessar informações futuras, principalmente relacionadas ao ambiente enfrentado por essa companhia, em especial devido às mudanças que podem ser provocadas pela entrada no mercado de capitais. No segundo caso, estamos discorrendo sobre uma organização já estabelecida no mercado de capitais e, portanto, de conhecimento dos diferentes agentes econômicos. Nesse cenário, a informação contábil apresenta o padrão operacional da companhia, mas, adicionalmente, permite que mudanças significativas no resultado econômico possam ser percebidas, como foi o caso do grande volume de impairment registrado na contabilidade. De maneira complementar, a Petrobras será analisada com base em informações de analistas, que podem acrescentar informações mais tempestivas sobre os fatores ambientais. E em relação à competição entre as informações contábeis e as informações não financeiras? A informação contábil, assim como a informação financeira, precisa ser medida de forma mais quantitativa e tem como característica principal o curto prazo. Isso significa dizer que ela fornece subsídios para o agente econômico tomar decisões que impactarão em um período curto de tempo. As informações não financeiras possuem a característica mais qualitativa e de longo prazo, ou seja, serão capazes de informar o agente sobre o prazo mais longo, a sustentabilidade e a continuidade do negócio. Como exemplo de medidas financeiras, podemos citar o lucro, a receita de vendas, a receita financeira, a despesas de marketing etc. Como exemplo de medidas não financeiras, podemos citar o número de funcionárias mulheres no corpo executivo da empresa, a quantidade de retrabalho do setor de produção, o número de projetos sociais da comunidade afetada pela empresa etc. Combinar as informações contábeis e financeiras com as informações não financeiras aumenta o poder de explicação e predição dos fluxos de caixa futuros (Faria, 2017). Para finalizar esse tópico, é relevante enfatizar que as discussões apresentadas nesta aula são atuais e ainda estão em desenvolvimento. Como comentamos em algumas partes do texto, não existem resultados definitivos e a academia contábil tem se debruçado em questões como essas: qual a relevância da informação contábil? Como o mercado financeiro reage às informações contábeis? As informações disponibilizadas por analistas são competidoras? E em relação às informações não financeiras? Além disso, novas abordagens sobre o efeito da divulgação de outras informações tem sido objeto de estudos da contabilidade, como é o caso do Relato Integrado. TROCANDO IDEIAS Vamos agora trocar ideias com os colegas sobre os principais aspectos tratados nesta aula? Para consolidar os conhecimentos adquiridos nesta aula conceitual sobre a relação da informação contábil com o mercado financeiro, vamos realizar uma atividade de fórum. Você deverá articular os conceitos teóricos aprendidos nesta aula sobre a evolução da pesquisa contábil em relação à relevância da informação contábil para o mercado financeiro. Para tanto, exponha sua opinião e argumente se a informação contábil pode ser considerada relevante em empresas de alta tecnologia, como Google e Apple, comparativamente a outras fontes de informação. Essa atividade auxiliará na fixação dos conteúdos estudados. NA PRÁTICA Caros alunos, chegamos à última tarefa da aula de contabilidade e mercado financeiro. Essa atividade tem cunho prático, para que vocês possam desenvolver essas habilidades durante o curso. Reúna os conhecimentos adquiridos e vamos fazer um exercício prático: A empresa Alfa é do setor tecnológico e negocia suas ações no mercado de capitais brasileiro. Após perdero mercado para um grande grupo econômico, a companhia mudou seu core business para outro ramo tecnológico: atualmente trabalha com o conceito de one-stop-shop, isto é, os clientes encontram tudo que precisam na área de tecnologia com a Alfa, desde compra, venda, aluguel, manutenção de aparelhos eletrônicos. A Alfa atua com manutenção de coletores de dados, celulares, tablets, computadores, drones, câmeras fotográficas profissionais, no geral, toda a área do parque móvel de tecnologia, sendo mais de 3 mil itens no portfólio dos seus distribuidores. No ano de 20x0, ocorrem os seguintes eventos com a empresa Alfa. A empresa reportou uma informação contábil negativa em novembro de 20X0: a perda de grandes valores monetários devido a erros operacionais em uma operação de trade com compra de dólar. A empresa está em fase de conclusão de um novo produto, que deverá ser lançado no final do ano 20X1. O mercado reagiu positivamente à entrada dessa empresa em um novo marketshare. Os relatórios contábeis anuais de 20X0 apresentam um retorno anormal positivo de 10%. No caso estudado, pode-se afirmar que a informação contábil pode ser considerada relevante para o mercado? Articule os quatro elementos apresentados para justificar sua resposta. Resolução: A empresa estudada é uma empresa do setor de alta tecnologia, e como discutimos no decorrer desta aula, o lucro e as informações contábeis não refletem adequadamente o seu valor de mercado, especialmente devido às dificuldades da contabilidade na mensuração de ativos intangíveis. Ao analisarmos os quatro elementos apresentados, verificamos que o primeiro se refere a uma informação negativa proveniente da contabilidade, contudo, o impacto no mercado financeiro é irrelevante; isso porque, mesmo com uma informação contábil negativa, os retornos anormais são positivos em 10%. Verificamos que, nesse mesmo período, a empresa tem a perspectiva de lançar um novo produto tecnológico e obter o aumento de marketshare. Em suma, podemos afirmar que nessa empresa de tecnologia as informações não financeiras são mais relevantes para o mercado financeiro em comparação às informações contábeis. FINALIZANDO Esta aula adentrou a agenda de pesquisa do mundo contábil, em especial, no que se refere ao tópico contabilidade e mercado financeiro, no qual discutimos a importância da informação contábil para o mercando financeiro. Nos dois primeiros temas desta aula, discorremos sobre a relação entre o lucro (medida contábil) e o preço das ações (medida de mercado), ou seja, como o mercado financeiro reage à informação contábil. Para tanto, apresentamos as principais pesquisas empíricas nesse contexto. O terceiro tema apresentou uma discussão sobre a importância da informação contábil ao mercado financeiro. Em seguida, discutimos sobre como o lucro e o retorno se comportam ao longo do tempo. E por fim, tratamos da importância da informação contábil comparada às informações não financeiras e às informações de posse dos analistas de mercado, e chegamos à conclusão de que não há provas científicas de que as demais fontes de informação serão substitutas pelas informações contábeis. REFERÊNCIAS FARIA, M. J. da S. Tipos de divulgação da informação financeira e não financeira de responsabilidade social empresarial. Caderno EBAPE.BR, Rio de Janeiro, v. 15, Edição Especial, n. 9, set. 2017. Acesso em: <http://www.scielo.br/pdf/cebape/ v15nspe/1679-3951-cebape-15-spe-00534.pdf>. Acesso em: 28 abr. 2019. GALDI, F. C.; LOPES, A. B. Relação de longo prazo e causalidade entre o lucro contábil e o preço das ações: evidências do mercado latino-americano. Revista de Administração, v. 43, n. 2, p. 186- 201, 2008. Disponível em: <http://www.spell.org.br/documentos/ver/4410/relacao-de-longo-prazo-e- causalid ade-entre-o-lucro-contabil-e-o-preco-das-acoes--evidencias-do-mercado-latino-a mericano>. Acesso em: 28 abr. 2019. IUDÍCIBUS, S.; LOPES, A. B. Teoria Avançada da Contabilidade. São Paulo: Atlas, 2004. PAULO, E.; SARLO NETO, A.; SANTOS, M. A. C. Reação do preço das ações e intempestividade informacional do lucro contábil trimestral no Brasil. Advances in Scientific and Applied Accounting, São Paulo, v. 5, n. 1, p. 54-79, 2012. Disponível em: <http://www.atena.org.br/revista/ojs-2.2.3- 08/index.php/ASAA/ article/viewFile/1843/1699>. Acesso em: 28 abr. 2019. SANTOS, M. A. C.; LUSTOSA, P. R. B. O efeito dos componentes do lucro contábil no preço das ações. Revista UnB Contábil, Distrito Federal, v. 11, n. 1-2, p. 87-103, jan./dez. 2008. Disponível em: <https://cgg-amg.unb.br/index.php/ contabil/article/view/30/39>. Acesso em: 28 abr. 2019. TEORIA CONTÁBIL AVANÇADA AULA 6 Prof.ª Tassiani Aparecida dos Santos CONVERSA INICIAL Olá, aluno(a), vamos iniciar nossa última aula! O objetivo desta aula é introduzir aspectos normativos que sofreram alterações recentemente, como é o caso da norma de receita CPC 47 (CPC, 2016a). Qualquer mudança normativa requer não só uma imersão nas novas regras que sustentam o reconhecimento, a mensuração e a divulgação das informações contábeis, mas, principalmente, um aprofundamento conceitual para compreender o funcionamento e a natureza das relações econômicas. Portanto, relembrar os conceitos primordiais de receita, despesa, ganhos e perdas é relevante para entender as mudanças no ambiente normativo introduzidas pelo CPC 47 (CPC, 2016a). Nesta aula, iremos tratar de tópicos avançados das normas contábeis. Iniciaremos pelos aspectos conceituais da receita, despesa, ganhos e perdas. Em seguida, discorreremos sobre a nova norma para mensuração e reconhecimento de receitas, esta que foi alterada em 2018 e introduzida pelo CPC 47, respectivo IFRS 15 (CPC, 2016a). O Tema 2 deste material versa sobre os aspectos conceituais do reconhecimento de receitas. Em seguida, o Tema 3 trata dos aspectos conceituais da mensuração da receita. O Tema 4 aborda os custos do contrato e divulgação. Por fim, o Tema 5 discorre sobre a contabilização de receitas e despesas com variações cambiais e ganhos e perdas com itens monetários. Ufa! Muito assunto, não? Então, mãos à obra! CONTEXTUALIZANDO A mudança normativa do CPC 47 surgiu para acomodar a demanda normativa de unificação e simplificação das normas contábeis que tratavam do reconhecimento e mensuração das receitas. Assim, o International Accounting Standards Boards (Iasb) optou por modificar a estrutura normativa da contabilização das receitas, fato este que acarretou a publicação do IFRS 15. No Brasil, a Comissão de Valores Mobiliários (CVM) e o Comitê de Pronunciamentos Contábeis (CPC) emitiram o CPC 47, correspondente do IFRS 15 no Brasil (CPC, 2016a). Diante disso, sugerimos que você, caro(a) aluno(a), reflita sobre os seguintes pontos: o que muda com a nova estrutura normativa para a mensuração e reconhecimento das receitas? Essa norma impacta diferentemente os vários tipos de empresa? O que difere, no caso de empresas de serviço? E como é a melhor tratativa para operacionalizar essa nova estrutura normativa, ou seja, o que muda na prática das organizações? São muitos questionamentos, mas essa reflexão inicial lhe auxiliará no andamento desta aula. Saiba mais Sugerimos que leia os artigos: O impacto do CPC 47 nas empresas de capital aberto, de autoria de Lorenna Freitas Vasconcelos e Editinete Andre da Rocha Garcia (2018), link para acesso: <http://www.periodicos.ufc.br/eu/article/view/36567/83879>; e Reconhecimento da receita nos contratos de construção civil com a adoção do CPC 47: percepção dos contadores sobre a implementação da norma, de autoria de Rafaella Duarte Miranda et al. (2018), link para acesso: <http://adcont.net/index.php/adcont/adcont2018/paper/view/2944/925>. TEMA 1 – CARACTERIZAÇÕES DE RECEITAS, DESPESAS, GANHOS E PERDAS Caro(a) aluno(a), nesta aula iremos discutir aspectos conceituais e normativos da contabilidade. Neste Tema 1, em específico, iremos discorrersobre os conceitos de receita, despesa, ganhos e perdas. 1.1 RECEITA Os conceitos e definições de receita são diversos na literatura contábil e, inclusive, entre os diferentes órgãos normativos (Iudícibus, 2010). Em geral, a definição de receita está associada à entrada de elementos no ativo, em contraprestação à venda de mercadorias, produtos e serviços. As receitas são os fluxos de benefícios da empreitada da entidade. A seguir, iremos apresentar algumas definições utilizadas por pesquisadores e pelo CPC: Receita é a expressão monetária, validada pelo mercado, do agregado de bens e serviços da entidade, em sentido amplo, em determinado período de tempo e que provoca um acréscimo http://www.periodicos.ufc.br/eu/article/view/36567/83879 http://adcont.net/index.php/adcont/adcont2018/paper/view/2944/925 concomitante no ativo e no patrimônio líquido, considerado separadamente da diminuição do ativo (ou do acréscimo do passivo) e do patrimônio líquido provocados pelo esforço em produzir tal receita (Iudícibus, 2010). Em seu nível mais fundamental, receita é um aumento de lucro. Tal como o lucro, trata-se de um fluxo – a criação de bens ou serviços por uma empresa durante um período (Hendriksen; Breda, 1999). Receitas são aumentos nos benefícios econômicos durante o período contábil, sob a forma da entrada de recursos ou do aumento de ativos ou diminuição de passivos, que resultam em aumentos do patrimônio líquido, e que não estejam relacionados com a contribuição dos detentores dos instrumentos patrimoniais (CPC, 2011). A primeira definição é feita pelo pesquisador brasileiro Iudícibus (2010). A sentença evidencia a visão do autor, segundo a qual a receita é a expressão monetária do valor pago pelo mercado por um determinado produto ou serviço oferecido pela empresa. Aluno(a), vamos pensar que a empresa Alfa vende chinelos. O modelo de chinelo X custa R$ 22. Um determinado cliente resolve comprar 2 pares de chinelo X, totalizando R$ 44. A expressão monetária unitária de R$ 22 é a receita unitária do produto chinelo X. Transportando esse caso para a discussão teórica, teremos que a receita do chinelo é a expressão do valor que o mercado aceita pagar por esse produto. Complementarmente, essa receita causa aumento no ativo ou patrimônio líquido da empresa e no seu passivo derivado do esforço de produzir tal receita (conceito de despesa, que será discutido na próxima seção). Agora, ao analisarmos o conceito de Hendriksen e Breda (1999), dois autores estrangeiros, verificaremos que a definição se refere ao aumento do lucro. Portanto, os autores se baseiam em um montante líquido que, assim como no caso anterior, causa um aumento no ativo ou patrimônio líquido. Assim, se formos considerar essa definição, a receita da empresa Alfa é o valor líquido da venda do chinelo X, R$ 22, e do esforço de venda e produção desse produto. Supondo que o esforço de venda e produção representa um montante de R$ 15, assim teremos a receita no valor de R$ 7. Ou seja, a receita é o valor da venda (R$ 22) menos o esforço de venda e produção desse produto (R$ 15). Já a definição de receita do CPC (2016a) estabelece a receita como um aumento de benefício econômico, ou seja, o aumento do ativo ou a diminuição do passivo, quando causarem impacto no patrimônio sem serem derivados de operações com sócios (por exemplo, aporte de capital, emissão de ações etc.). Portanto, em relação ao exemplo anterior, a receita equivale ao montante de R$ 22. Logo, conforme ora discutido, a definição de receita efetuada pelos diferentes agentes é caracterizada pela ausência, com base em sua natureza. Assim, o enfoque recai no momento do reconhecimento e da mensuração. Por exemplo, quando ocorre a entrega de bens e serviços ao cliente ou, ainda, quando existe um efeito da receita no patrimônio ou nos ativos líquidos. 1.2 DESPESA O conceito de despesa é visto, de forma geral, como recursos sacrificados para a obtenção de benefícios. Ou seja, os recursos gastos no decorrer da atividade da entidade, para obter receitas. A seguir, vamos apresentar os conceitos de despesa com base no entendimento de pesquisadores e do CPC (2011). Despesa, em sentido estrito, representa a utilização ou o consumo de bens e serviços no processo de produzir receita. [...] o que caracteriza a despesa é o fato de ela tratar de expirações de fatores de serviços, direta ou indiretamente relacionados com a produção e a venda do produto (ou serviço) da entidade (Iudícibus, 2010). Tal como o termo receita, o termo despesa também é um conceito de fluxo. As despesas, porém, representam as variações desfavoráveis dos recursos da empresa, ou seja, são as reduções de lucro (Hendriksen; Breda, 1999). Despesas são decréscimos nos benefícios econômicos durante o período contábil, sob a forma da saída de recursos ou da redução de ativos ou assunção de passivos, que resultam em decréscimo do patrimônio líquido, e que não estejam relacionados com distribuições aos detentores dos instrumentos patrimoniais (CPC, 2011). Aluno(a), é importante perceber que o conceito de despesa é caracterizado com base no próprio conceito de receita. De maneira ampla, as duas definições dos pesquisadores apresentam o conceito de despesa como sendo a utilização de recursos na produção e na venda de produtos ou serviços e que permitirão a obtenção de benefícios econômicos (as receitas). O órgão normativo foca na definição de despesa como sendo uma redução dos benefícios econômicos da entidade. Em ambos os casos, podemos exemplificar da seguinte maneira: a empresa Alfa vende chinelo do modelo X por R$ 22 e utiliza recursos para a produção e venda desse produto no montante de R$ 15. Assim, o valor da despesa é de R$ 15, isso porque é o quanto a empresa utiliza de recursos para obter sua receita de R$ 22, com o chinelo X. 1.3 GANHOS Os ganhos são entradas de recursos geralmente desvinculados das atividades normais da empresa. Vamos analisar as definições apresentadas pela literatura e pelo CPC (2011): Muitos dizem que é necessário distinguir receitas de ganhos. [...] Os autores deste livro preferem distinguir entre as atividades produtoras de riqueza da empresa e as transferências inesperadas de riqueza decorrentes de doações ou eventos imprevistos. Em outras palavras, todas as atividades, sejam importantes ou não, relacionadas às atividades produtoras de riqueza da empresa, seriam incluídas na categoria geral de receita (Hendriksen; Breda, 1999). 4.29. A definição de receita abrange tanto receitas propriamente ditas quanto ganhos. A receita surge no curso das atividades usuais da entidade e é designada por uma variedade de nomes, tais como vendas, honorários, juros, dividendos, royalties, aluguéis. 4.30. Ganhos representam outros itens que se enquadram na definição de receita e podem ou não surgir no curso das atividades usuais da entidade, representando aumentos nos benefícios econômicos e, como tais, não diferem, em natureza, das receitas. Consequentemente, não são considerados como elemento separado nesta Estrutura Conceitual (CPC, 2011, grifos nossos). Aluno(a), como vimos nas definições anteriores, os ganhos são entradas de recursos geralmente desvinculados das atividades normais da empresa e são, portanto, definidos com base na definição de receita. Os ganhos são um tipo de receita, contudo, têm essa designação para diferenciar as entradas de recursos derivadas das atividades-fim da empresa e as entradas de recursos de itens extraordinários. Ambos os itens, receitas e ganhos, são caracterizados pelo aumento que proporcionam nos benefícios econômicos da entidade, diferindo, portanto, a origem desses recursos. O Quadro 1 exemplifica essa discussão. Quadro 1 – Diferenciação entre receitas e ganhos Descrição Fonte ou Origem Prazos de Ocorrência RECEITAS Resultam das atividades normais da empresa Rotineiras e repetitivas GANHOS Geralmente desvinculados das atividades normais da empresa Não fazem parte da rotina operacionale, portanto, não são repetitivos (eventuais) Fonte: Adaptado de Coelho; Lins, 2010. 1.4 PERDAS As perdas são definidas com base no conceito de despesa, sendo compreendidas como o resultado líquido desfavorável que não surge das operações normais da empresa. A seguir, apresentamos a definição utilizada pelo CPC (2011): 4.33. A definição de despesas abrange tanto as perdas quanto as despesas propriamente ditas que surgem no curso das atividades usuais da entidade. As despesas que surgem no curso das atividades usuais da entidade incluem, por exemplo, o custo das vendas, salários e depreciação. Geralmente, tomam a forma de desembolso ou redução de ativos como caixa e equivalentes de caixa, estoques e ativo imobilizado. 4.34. Perdas representam outros itens que se enquadram na definição de despesas e podem ou não surgir no curso das atividades usuais da entidade, representando decréscimos nos benefícios econômicos e, como tais, não diferem, em natureza, das demais despesas. Consequentemente, não são consideradas como elemento separado nesta Estrutura Conceitual (CPC, 2011). Assim como no caso dos ganhos, em relação às receitas, as perdas são definidas pelo CPC (2011) como uma categoria de despesas. Portanto, as perdas são um tipo de despesa que surge de maneira extraordinária, no curso das atividades da empresa ou não. Por exemplo, aquelas ocasionadas por um incêndio na fábrica, que ocorra durante uma atividade-fim da empresa; ou por um alagamento, que decorra de fatores climáticos. TEMA 2 – ASPECTOS CONCEITUAIS DO CPC 47: RECEITA DE CONTRATO COM CLIENTE (MENSURAÇÃO) Em junho de 2016, foi aprovado o CPC 47, no Brasil, que tem correlação com a IFRS 15, norma do Iasb sobre reconhecimento de receitas. A norma entrou em vigência no ano de 2018. O novo modelo normativo de receitas é uma mudança de paradigma e, portanto, constitui um importante objeto a ser estudado pela teoria avançada da contabilidade. De acordo com a nova norma, as entidades devem reconhecer a receita pela transferência de bens ou serviços para o cliente e o montante deve refletir a contraprestação que elas esperam receber em troca desses bens ou serviços (CPC, 2016a). Para a aplicação do CPC 47 (CPC, 2016a), podemos vislumbrar esse processo em cinco etapas: 1. Identificar o contrato; 2. Identificar a obrigação de desempenho; 3. Determinar o preço da transação; 4. Alocar o preço da transação 5. atender a obrigação de desempenho. O modelo de cinco etapas é ilustrado na Figura 1 e tem como objetivo auxiliar a entidade a determinar quando reconhecer a receita e por qual valor. Figura 1 – O modelo de cinco etapas Neste Tema 2, trataremos da etapa de mensuração da receita com cliente. Esse processo abrange as fases 1, 2, 3 e 4. Fase 1: identificar o contrato. Para identificar a existência de um contrato, é necessário: 1. que exista uma essência comercial; 2. que o acordo esteja aprovado e as partes, comprometidas com suas obrigações; 3. existência da contraprestação (ao menos é provável que assim o seja); 4. que os direitos aos produtos ou serviços e a condição de pagamento possam ser identificados. Assim, de maneira geral, um contrato é um acordo entre duas ou mais partes que cria direitos e obrigações exigíveis. E a exigibilidade dos direitos e obrigações é matéria legal. Eles podem ser escritos, verbais ou sugeridos pelas práticas usuais de negócios da entidade. A Figura 2 sintetiza as características necessárias para a identificação de um contrato que irá gerar receita. Figura 2 – Características para identificação de um contrato Fase 2: identificar as obrigações de desempenho. Em primeiro lugar, aluno(a), vamos definir o que seja uma obrigação de desempenho. Segundo o CPC 47, o termo obrigação de desempenho diz respeito à obrigação da entidade vendedora de desempenhar a sua obrigação de repassar o controle do bem ou serviço à entidade compradora. Por exemplo, existindo um contrato, a empresa Alfa tem a obrigação de entregar x pares do chinelo X para a empresa Beta. Portanto, uma obrigação de desempenho constitui uma promessa de entregar um bem ou prestar um serviço. Por fim, para determinarmos se existe uma obrigação de desempenho, os seguintes critérios devem ser atendidos: 1. o cliente pode se beneficiar do bem ou serviço por conta própria ou juntamente com outros recursos que estão prontamente disponíveis para ele; 2. a promessa da entidade de transferir o bem ou o serviço para o cliente é separadamente identificável de outras promessas, no contrato (KPMG, 2017). Fase 3: determinar o preço das transações. O preço da transação é o valor da contraprestação à qual a entidade espera ter direito em troca da transferência dos bens ou serviços prometidos aos clientes (CPC, 2016a). Assim, para uma empresa determinar qual o valor a que ela tem direito, decorrente de um contrato, é preciso considerar os seguintes fatores: 1. contraprestação a pagar a um cliente: esse item pode ser uma redução de um preço de uma transação, um pagamento de um bem ou serviço ou a combinação de ambos. Por exemplo: se a empresa Alfa precisa pagar um montante x para o cliente, decorrente de negociações anteriores, pode realizar um acordo para pagar em entrega de bem ou prestação de serviço; ou a contraprestação pode ser realizada em valores monetários; ou em uma combinação de ambas as possibilidade (KPMG, 2017); 2. contraprestação não monetária: esse item é mensurado por um valor justo, se for passível de ser estimado. Se não for possível, o preço de venda é decorrente do bem ou serviço que foi prometido em troca da contraprestação não monetária. Por exemplo: a empresa X vende um terreno para o senhor João. João decide realizar o pagamento com a contraprestação de três apartamentos. Ambos entram em acordo. Como determinar o preço da transação? A primeira tentativa é pelo valor justo do bem. Caso não seja possível, uma opção é identificar o valor de mercado do terreno e dos apartamentos para identificar o preço da transação (KPMG, 2017); 3. valor da contraprestação variável: primeiro questionamento é em relação ao que é uma contraprestação variável. Consideramos os seguintes itens: descontos, créditos, concessões de preço, devoluções ou bônus/penalidades por desempenho. Quando existe esse valor, a empresa deve atuar da seguinte maneira: apenas o incluirá na determinação do preço se for altamente provável que uma reversão do valor da receita para baixo não acontecerá. Por exemplo: o valor da contraprestação a pagar foi identificado no montante de R$ 1.200 e o valor da contraprestação variável foi identificado no valor de R$ 200 positivo, decorrente de uma penalidade. Assim, o valor total do preço da transação é de R$ 1.400. A empresa deverá considerar os R$ 200 apenas se for altamente provável que esse valor não diminuirá, ou seja, que o valor da receita não será menor que R$ 1.400. Portanto, a empresa deverá avaliar: a. a probabilidade de um estorno da receita ocorrer, por um evento incerto; b. a magnitude do estorno, se esse evento incerto ocorrer (KPMG, 2017); 4. componente de financiamento significativo: se o contrato possui um componente de financiamento significativo, ou seja, contraprestações em um longo período de tempo, que causem distorções do valor presente do contrato, deve-se ajustar o valor das contraprestações. Por exemplo, a empresa X vende uma máquina no valor de R$ 300 mil, à vista. Contudo, em um contrato com o cliente Alfa Peças, decide vender essa máquina em contraprestações de cinco anos. O valor presente dessa máquina poderá sofrer impacto do tempo no valor presente do dinheiro. Se isso ocorrer, a empresa X precisará ajustar os valores das contraprestações de cinco anos para que elas reflitam, no valor presente, os R$ 300 mil. Mas, como identificar se há um componente de financiamento significativo? A norma dá o seguinte direcionamento: esse cálculo pode ser complexo; contudo, de forma simplificada, se a empresa espera receber essesvalores em até 12 meses após a transferência do bem ou prestação do serviço, considera-se que não há componente de financiamento significativo (KPMG, 2017). Assim, para determinar o preço das transações, a empresa deverá considerar os quatro aspectos apontados: se a contraprestação será monetária, não monetária ou uma combinação de ambas; se existe uma contraprestação variável; e se existe um componente de financiamento significativo. Fase 4: alocar o preço das transações. A fase 4 permite à empresa mensurar, de fato, o valor da receita. Nessa etapa, ela alocará o preço das transações a cada obrigação de desempenho individual. Mas, e se o valor não for diretamente observável, seguindo os passos anteriores? A empresa deve estimá-lo da seguinte maneira: a. avaliação de mercado ajustada; b. custo esperado, mais uma margem (KPMG, 2017). TEMA 3 – ASPECTOS CONCEITUAIS DO CPC 47: RECEITA DE CONTRATO COM CLIENTE (RECONHECIMENTO) Aluno(a), o modelo de cinco etapas irá direcionar os aspectos essenciais para a mensuração da receita (etapas de 1 a 4) e o reconhecimento da receita (etapa 5). Após a fase de mensuração da receita, a empresa deve proceder ao reconhecimento desse valor na contabilidade. Mas, em qual momento deve-se reconhecer a receita? Fase 5: reconhecer a receita. A receita deve ser reconhecida no momento em que (à medida que) o controle de um bem ou serviço é transferido para o cliente. Importante salientar que o controle pode ser transferido em um momento do tempo ou ao longo do tempo e o reconhecimento deve respeitar essa característica. Portanto, o aspecto primordial para atender à quinta etapa do modelo de cinco etapas é o reconhecimento do momento da transferência de controle, em especial se ele ocorre ao longo do tempo ou não. Como identificamos se a transferência do controle ocorre ao longo do tempo? o cliente recebe e consome simultaneamente os benefícios gerados; por exemplo, num serviço de consultoria; o cliente tem seu ativo criado ou melhorado à medida que o produto ou serviço lhe é transferido; por exemplo, na construção de um anexo na fábrica do cliente X, à medida que essa construção acontece, o ativo do cliente é melhorado/criado; a empresa transfere ao cliente um serviço ou produto específico, ou seja, que só esse cliente pode utilizar. Assim, a entidade deve utilizar um método que melhor reflita a transferência de controle para o cliente. Essa transferência será o direcionador do reconhecimento da receita. Por fim, quando a empresa deve aplicar o CPC 47 (CPC, 2016a)? A Figura 3 ilustra o caminho que deve ser percorrido para obter essa resposta, visto que outros CPCs dão tratativas para reconhecimento de receitas, de maneira específica. Figura 3 – Decisões do modelo de cinco etapas Fonte: Adaptado de KPMG, 2017. Assim, se o contrato seguir o workflow de decisão para aplicação dessa norma (CPC, 2016a), então a empresa deve seguir o modelo de cinco etapas apresentados anteriormente. Contudo, quais são os casos específicos em que o CPC 47 não se aplica? arrendamento mercantil, tratado pelo CPC 06 (R2) (CPC, 2017); seguros, tratado pelo CPC 11 (CPC, 2008); instrumentos financeiros, por exemplo derivativos, tratado pelos CPCs 38, 39 e 48 (CPC, 2009a, 2009b, 2016b). Importante salientar que os itens anteriores se constituem como exemplos. A empresa deve verificar se sua operação está sendo regida por outra norma contábil. Entretanto, de maneira geral, o CPC 47 é o pronunciamento contábil utilizado para regular a mensuração e reconhecimento de receitas a partir do ano de 2018 (CPC, 2016a). TEMA 4 – ASPECTOS CONCEITUAIS DO CPC 47: RECEITA DE CONTRATO COM CLIENTE (CUSTOS DO CONTRATO E DIVULGAÇÃO) Aluno(a), nos Temas 2 e 3 desta aula, aprendemos os aspectos fundamentais do CPC 47, no que tange à mensuração e reconhecimento das receitas, a partir de 2018 (CPC, 2016a). O Tema 4 deste material irá discorrer sobre aspectos adicionais: custos do contrato e divulgação. O que são custos do contrato? Para o CPC 47, é necessário identificar e contabilizar os custos incrementais para obtenção de um contrato, ou seja, de uma receita, e os custos relacionados ao cumprimento do contrato, ou seja, de transferência do controle do bem ou serviço (obrigação de desempenho) (CPC, 2016a). Custos para obtenção de um contrato: esses custos estão relacionados ao esforço de venda ou prestação de serviço da empresa, como a comissão de venda. Esse custo só pode ser contabilizado ao longo do tempo de execução de um contrato, se a empresa espera recuperá- lo. Para fins de praticidade, o CPC 47 permite a contabilização, em um único período, se o período de amortização do ativo (bem ou serviço) for inferior a 12 meses, como ocorre no caso de componente de financiamento significativo (KPMG, 2017). Para exemplificar a contabilização do custo para obtenção de um contrato, imagine a seguinte situação: um contrato de prestação de consultoria por um período de 36 meses. O custo para obtenção desse contrato foi estimado pela empresa em R$ 2.600. A contabilização desse custo deve ser amortizada em um período de 36 meses e não em um único período contábil. Custos para cumprir um contrato: esses custos são identificados e reconhecidos atendendo aos seguintes critérios: a. se se relacionam diretamente a um contrato existente; b. se geram ou aumentam os recursos da entidade para efetivar a obrigação de desempenho do contrato; c. se se estima que possam ser recuperados. Exemplos de custos que podem e não podem ser capitalizados são apresentados no Quadro 2. Quadro 2 – Custos que podem (ou não) ser capitalizados Custos diretos que são elegíveis para capitalização se outros critérios forem atendidos Custos a serem lançados como despesas, quando incorridos – Mão de obra direta: por exemplo, salários – Materiais diretos: por exemplo, suprimentos – Alocação de custos que se referem diretamente ao contrato: por exemplo, despesas de depreciação e amortização – Custos que são expressamente cobráveis do cliente, de acordo com o contrato – Outros custos que incorram somente porque a entidade celebrou o contrato: por exemplo, os custos com subcontratantes – Custos gerais e administrativos: a menos que explicitamente cobráveis, nos termos do contrato – Custos que se referem a obrigações de desempenho satisfeitas – Custos de desperdício de materiais, mão de obra ou outros – Custos que não estão diretamente relacionados às obrigações de desempenho remanescentes, ainda não satisfeitas Fonte: Adaptado de KPMG, 2017. De maneira geral, os custos que podem ser capitalizados são aqueles diretamente relacionados a uma obrigação de desempenho e que não existiriam se o contrato não fosse celebrado entre as partes. Sobre a amortização e capitalização dos custos, o método de amortização dos custos capitalizados deve seguir uma base sistemática, de acordo com o padrão de transferência do bem ou serviço ao qual o ativo se refere (KPMG, 2017). A capitalização dos custos relacionados à obrigação de desempenho é uma mudança de paradigma para as empresas, que estavam habituadas a lançarem esses montantes como despesas do período. Portanto, constitui-se como um importante aspecto a ser analisado pela teoria da contabilidade. Aluno(a), agora vamos falar da divulgação desses itens, de acordo com o CPC 47 (CPC, 2016a)? Para cumprir a nova norma, a empresa deverá divulgar um número maior de informações sobre as receitas. A principal mudança refere-se à receita desagregada por obrigações de desempenho, que visa mostrar como os fatores econômicos podem afetar a natureza do contrato, o valor, o momento de reconhecimento e as incertezas do fluxo de caixa relativos àquela obrigação de desempenho. Assim, as seguintes categorias devem ser divulgadas pelas empresas: Contratos com clientes: desagregação das receitas por obrigações de desempenho; alterações nos ativos, passivos e custos contratuais e preço das transações alocadas à obrigação de desempenho(etapa 4) (KPMG, 2017). Julgamentos significativos ou mudanças nos julgamentos: método de determinar o momento e o valor das obrigações de desempenho (KPMG, 2017). Ativos reconhecidos pelos custos de obtenção ou cumprimento de um contrato com um cliente. TEMA 5 – CONTABILIZAÇÃO DE RECEITAS E DESPESAS COM VARIAÇÕES CAMBIAIS (CPC 02) E GANHOS E PERDAS COM ITENS MONETÁRIOS Por fim, vamos tratar, no último tema, sobre a contabilização de receitas e despesas com variações cambiais e os ganhos e perdas com itens monetários. Bora lá? Antes de abordamos a contabilização de receitas e despesas com variações cambiais, precisamos definir o que é variação cambial. A variação cambial é definida como a diferença resultante da conversão de um número específico de unidades em uma moeda para outra moeda, a diferentes taxas cambiais, conforme o CPC 02 (R2) (CPC, 2010). Vamos verificar o exemplo a seguir. Uma empresa brasileira adquire um ativo em moeda estrangeira (US), em X1. O valor em dólar é US$ 500 mil e a taxa de câmbio é de R$ 3,50 por US$ 1. Portanto, o valor é registrado em reais, no montante de R$ 1,75 milhão. Ao pagar essa dívida em X2, a taxa cambial aumentou para R$ 4 por US$ 1. Assim, o valor da dívida em moeda local foi para R$ 2 milhões, valor em dólar (US$ 500 mil) multiplicado pela taxa de câmbio em X2 (R$ 4). Essa operação gera uma variação cambial, que, nesse caso, foi de R$ 250 mil. E, como houve o aumento da dívida em moeda estrangeira, isso corresponde a uma despesa de variação cambial. Agora, vamos considerar que em X2 houvesse uma valorização do real e a taxa de câmbio fosse de R$ 3,25 por US$ 1. Qual seria o valor da variação cambial? Seria uma despesa ou uma receita? O cálculo é o mesmo: em X1 a dívida foi adquirida em dólares, no montante de US$ 500 mil, e a taxa cambial era de R$ 3,50, registrando em X1 uma dívida de R$ 1,75 milhão. Em X2, a taxa de câmbio foi para R$ 3,25. Assim, o valor da dívida a ser pago em X2, em moeda local, foi de R$ 1,625 milhão. A dívida diminui devido à variação cambial, portanto temos que registrar uma receita de variação cambial. Agora, vamos falar dos itens monetários? Bom, os itens monetários são definidos pelo CPC 02 (R2) como aqueles “representados por dinheiro ou por direitos a serem recebidos e obrigações a serem liquidadas em dinheiro” (CPC, 2010). Os ganhos ou perdas com itens monetários, que podem ser variações cambiais, devem ser registrados no período em que ocorrem. Vamos considerar que a variação do item monetário em análise é um instrumento financeiro adquirido em dólar. No período de X1, um investidor adquire um instrumento financeiro por US$ 10 mil e, nessa data, a taxa cambial era de R$ 2,25 por US$ 1. Portanto, o seu desembolso foi de R$ 22,5 mil. Logo, na data de balanço X1, o ativo será registrado no valor de R$ 22,5 mil. Em X2, o instrumento tem seu valor em dólar mantido, contudo a taxa cambial cai para R$ 1,90. Nesse momento, o valor do ativo em reais é de R$ 19 mil. Assim, a empresa deve registrar em X2 uma perda com itens monetários no valor de R$ 3,5 mil, que se refere à diferença entre o valor em reais em X1 e o valor em reais em X2. Aluno(a), é importante perceber que a variação nesse item monetário foi decorrente da variação do preço da moeda. No caso de o valor da moeda ter se desvalorizado, teríamos uma alta do dólar e, consequentemente, um reconhecimento de ganho com item monetário. TROCANDO IDEIAS Aluno(a), estamos caminhando para o final da nossa última aula! Vamos agora trocar ideias com os colegas sobre os principais aspectos tratados nesta aula? Para consolidar os conhecimentos adquiridos, vamos realizar uma atividade de fórum. Você deverá refletir sobre os conceitos aprendidos nesta aula sobre as alterações advindas do CPC 47 para a mensuração e reconhecimento de receitas. Para tanto, apresente um setor que será fortemente impactado devido às mudanças ocorridas na mensuração e reconhecimento de receitas do CPC 47. Argumente com base nas alterações do CPC 47 (CPC, 2016a). NA PRÁTICA Caro(a) aluno(a), chegamos à última tarefa da nossa última aula. Essa atividade tem cunho prático, para que você possa desenvolver suas habilidades. Reúna os conhecimentos adquiridos nesta aula para aplicarmos o CPC 47 (CPC, 2016a) à situação que se segue. Uma empresa do setor de construção civil é contratada para a construção de um edifício no terreno da empresa Alfa. O contrato foi firmado no final de X1 e a prestação do serviço deve ocorrer em 7 anos, conforme Tabela 1. A empresa receberá a contraprestação do serviço total em 4 parcelas iguais, a cada 20 meses, no montante total de R$ 1,96 milhão. Tabela 1 – Relação entre período e percentual de execução do serviço contratado por Alfa Período Percentual de execução do serviço X2 12% X3 7% X4 31% X5 8% X6 14% X7 6% X8 22% Como devemos contabilizar a receita dessa empresa de prestação de serviço (valor e momento)? Resposta: segundo o CPC 47 (CPC, 2016a), a receita deve ser reconhecida com base na transferência de controle do bem ou serviço. O terreno é da empresa Alfa, portanto a construção do edifício constitui uma transferência de controle permanente, pois a cada momento da construção temos uma transferência de controle de parte do ativo. Sendo assim, o valor da receita deve ser calculado com base na transferência do ativo para a empresa Alfa, em cada momento do tempo. Portanto, independentemente das quatro parcelas que configuram o pagamento monetário, a receita deve ser reconhecida com base na execução do serviço de construção civil. O montante total do serviço é de R$ 1,96 milhão. Tabela 2 – Relação entre período, percentual de execução do serviço e valor da receita Período Percentual de execução do serviço Valor da receita X2 12% R$ 235.200,00 X3 7% R$ 137.200,00 X4 31% R$ 607.600,00 X5 8% R$ 156.800,00 X6 14% R$ 274.400,00 X7 6% R$ 117.600,00 X8 22% R$ 431.200,00 Portanto, o valor e o momento do reconhecimento estão apresentados na Tabela 2, sendo o valor o resultado do percentual do período multiplicado pelo valor total da receita do serviço de construção civil. FINALIZANDO Olá, aluno(a), agora sim estamos finalizando nossa disciplina. Esperamos que as discussões e tópicos apresentados no decorrer dessas seis aulas tenham sido importantes para complementar e atualizar o conhecimento desenvolvido neste curso. Para isso, esta disciplina apresentou as principais discussões existentes no campo teórico e prático da contabilidade, atualmente. O primeiro tema desta aula apresentou os principais conceitos e definições de receita, despesa, ganhos e perdas, tanto considerando os pesquisadores brasileiros e estrangeiros quanto o mundo prático dos normatizadores contábeis (Iasb e CPC). Ao Tema 1, que serviu de base para a discussão posterior, se seguiu a apresentação do CPC 47, que passou a figurar no cenário brasileiro em 2018 (CPC, 2016a). Assim, o Tema 2 discorreu sobre o modelo de cinco etapas para aplicação da norma de receita CPC 47, no que tange às etapas de mensuração da receita (valor) (CPC, 2016a). O Tema 3 abordou a quinta etapa do modelo, que se refere ao reconhecimento da receita (momento). O Tema 4 tratou das novas especificidades da norma de receitas (CPC, 2016a), em especial no que tange aos custos contratuais e ao modelo de divulgação. Por fim, o Tema 5 dissertou sobre o CPC 02 (R2) (CPC, 2010), itens monetários (perdas e ganhos) e variação cambial (receitas e despesas). REFERÊNCIAS COELHO, C. U. F.; LINS, L. S. Teoria da contabilidade: abordagem contextual, histórica e gerencial. 5. ed. São Paulo: Atlas, 2010. CPC – Comitê de Pronunciamentos Contábeis. CPC 00 (R1): estrutura conceitual para elaboração e divulgação de relatório contábil-financeiro. Brasília, 15 dez. 2011. Disponível em: <http://www.cpc.org.br/Arquivos/Documentos/147_CPC00_R1.pdf>. Acesso em: 3 jun. 2019. _____. CPC 02 (R2): efeitos das mudanças nas taxas de câmbio e conversão de demonstraçõescontábeis. Brasília, 7 out. 2010. Disponível em: <http://www.cpc.org.br/Arquivos/Documentos/62_CPC_02_R2_rev%2013.pdf>. Acesso em: 3 jun. 2019. _____. CPC 06 (R2): operações de arrendamento mercantil. Brasília, 21 dez. 2017. Disponível em: <http://www.cpc.org.br/Arquivos/Documentos/533_CPC_06_(R2).pdf>. Acesso em: 3 jun. 2019. _____. CPC 11: contratos de seguro. Brasília, 17 dez. 2008. Disponível em: <http://www.cpc.org.br/Arquivos/Documentos/215_CPC_11_rev%2013.pdf>. Acesso em: 3 jun. 2019. _____. CPC 38: instrumentos financeiros – reconhecimento e mensuração. Brasília, 19 nov. 2009a. Disponível em: <http://www.cpc.org.br/Arquivos/Documentos/406_CPC_38_rev%2012.pdf>. Acesso em: 3 jun. 2019. _____. CPC 39: instrumentos financeiros – apresentação. Brasília, 19 nov. 2009b. Disponível em: <http://www.cpc.org.br/Arquivos/Documentos/410_CPC_39_rev%2013.pdf>. Acesso em: 3 jun. 2019. _____. CPC 47: receita de contrato com cliente. Brasília, 22 dez. 2016a. Disponível em: <http://www.cpc.org.br/Arquivos/Documentos/527_CPC_47_Rev_13.pdf>. Acesso em: 3 jun. 2019. _____. CPC 48: instrumentos financeiros. Brasília, 22 dez. 2016b. Disponível em: <http://www.cpc.org.br/Arquivos/Documentos/530_CPC_48_Rev_13.pdf>. Acesso em: 3 jun. 2019. HENDRIKSEN; E. S; BREDA, M. F. van. Teoria avançada da contabilidade. 5. ed. São Paulo: Atlas, 1999. IUDÍCIBUS, S. Teoria da contabilidade. 11. ed. São Paulo: Atlas, 2010. KPMG. IFRS 15: receita de contratos com clientes – a IFRS 15 no Brasil e aspectos gerais da norma. São Paulo, 2017. Disponível em: <https://assets.kpmg/content/dam/kpmg/br/pdf/2017/02/br-kpmg-ifrs-15-receita-de-contratos- com-clientes.pdf>. Acesso em: 3 jun. 2016. MIRANDA, R. D. et al. Reconhecimento da receita nos contratos de construção civil com a adoção do CPC 47: percepção dos contadores sobre a implementação da norma. In: CONGRESSO BRASILEIRO DE ADMINISTRAÇÃO E CONTABILIDADE, 9., 2018, Rio de Janeiro. Anais... Rio de Janeiro: AdCont, 2018. Disponível em: <http://adcont.net/index.php/adcont/adcont2018/paper/view/2944/925>. Acesso em: 3 jun. 2019. VASCONCELOS, L. F.; GARCIA, E. A. R. O impacto do CPC 47 nas empresas de capital aberto. Encontros Universitários da UFC, Fortaleza, v. 3, 2018. Disponível em: <http://www.periodicos.ufc.br/eu/article/view/36567/83879>. Acesso em: 3 jun. 2019.