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edufes EDITORA DA l.JNIVERSl:>ADE FEDERAL DO ESPÍRITO SANTO
REITOR I Rubens Sergio Rasseli
V1cE-REITOR I Reinaldo Centoducatte
SECRETÁRIA DE CULTURA I Rosana Paste
Coordenadora da Edufes I Elia ~/larli Lucas
CONSELHO EDITORIAL
Cleonara M. Schwartz, Fausto Edmundo Lima Pereira, Francisco Mauri de Carvalho,
João Luiz Cal mon Nogueira ela Gama, José Armínio Ferreira, Juçara Gorski Brittes, Maria
Cristina C. Leandro Pereira, Maria José Vieira Matos, Márcio Paulo Czepak ,Waldir Cintra
de Jesus Júnior e Wilberth Clayton Ferreira Salgueiro
REVISÃO DE reo E NoRMATIZAÇÃO BIBUOGRÁFICA I Lucileide Andrade de Lima do Nascimento
EDITORAÇAO, CAPA E PROJETO GRÃF1co I Denise Pimenta
Dados Internacionais de Catalogação-na-publicação (CIP)
___ (Bib_lioteca Central da Universidade Federal do Espírito Santo, ES, Brasil)
P769 Política social, trabalho e subjetividade I Vania Marla Manfroi e Luiz Jorge
Vasconcellos Pessõa de Mendonça (organizadores). - Vitória : EDUFES, 2008.
228 p. : il. ; 21 crn
Universidade Federal do Espírito Santo. Programa de Pós-Graduação em
Política Social.
Bibliografia.
ISBN: 978-85- 7772-026-2
1. Políticas públicas· Brasil. 2. Subjetividade .. 3 . .A.dolescentes - Aspectos
sociais· Espínto Santo (Estado). 4. Drogas - Aspectos sociais - Vitória, Região
Metropolitana de (ES). 5. Pobreza. 6. Brasil· Política social. l. Manfroi, Vania Maria.
11. Mendonça, Luiz Jorge Vasconcellos Pessõa de. lii. Universidade Federal do
Espírito Santo. Programa de Pós-Graduação em Política Social.
CDU: 316
SUMÁRIO
Apresentação 7
Introdução 11
Parte 1
TRABALHO, INFORMALIDADE E FINANCIAMENTO DAS
PolfTICAS PúBLICAS 17
Informalidade e Precarização no Mercado de Trabalho Brasileiro
Liana Carleial e Manoel Luiz Malaguti 19
A Questão Metodológica na Discussão sobre a
Centralidade do Trabalho
Paulo Nakatani 47
Política Econômica e Políticas Sociais, de Fhc a Lula
Reinaldo Carcanholo e grupo GEPEBra 67
Parte 2
ANALISE DE Pouncxs Seems
'
95
Um Regime Único de Aposentadoria no Brasil: Pontos para Reflexão
Rosa Maria Marques e Alain Euzéby 97
A Política Social para Crianças e Adolescentes no Governo Lula: Mu­
dança ou Continuidade?
Vania Maria Manfroi 113
O Estatuto da Criança e do Adolescente e Seus Novos Paradigmas:
Considerações a Respeito do Adolescente em Conflito com a Lei no
Estado Do Espírito Santo
Eclinete Maria Rosa, Patrícia Calman Rangel, Érika Da Rós Cardoso,
I lumberto Ribeiro Júnior 131
PoúTICA SOCIAL,TRABALHO E SvBJEnVIOADE
somente sua pobreza para valorizar e confiar em suas competências.
As entrevistas com os adolescentes e jovens mostram que o pro­
grama de ação complementar à escola, desenvolvido por ONGs, põe
ênfase no sentido coletivo do projeto de vida, ou ainda no engajamen­
to cívico e bem público. Os adolescentes colocaram-se como sujeitos
ativos do processo de mudanças na sociedade, elevaram o seu nível de
participação política e estão utilizando a ampliação de suas habilidades
em favor de seus interesses coletivos: conservação do meio ambiente,
controle da qualidade da água e da poluição dos rios na região onde mo­
ram; melhoria das condições de vida da comunidade, campanhas con­
tra a mortalidade infantil, melhoria da qualidade da educação, acesso à
cultura, ao lazer, redução do trabalho infantil, denúncia de maus-tratos
das crianças e dos adolescentes e de exploração sexual, conquista dos
seus direitos, movimentos nacionais pela paz e contra a violência, entre
outros.
Por meio da participação nas ONGs estão rompendo com a visão
que os desqualifica e os denomina fracassados e incompetentes.
REFERËNCIAS
BARATA, Oscar Soares (Coord.l, Política Social. Lisboa: Instituto Su­
perior de Ciências Sociais e Políticas, 1998.
FREIRE, Paulo. Pedagogia da autonomia: saberes necessários à prática
educativa. São Paulo: Paz e Terra, 1996.
LEE, Judith. The empowerment approach to social work practice. New
York: Columim University Press, 1994.
SILVA, Maria Liduína de Oliveira. Proteção integral e ações comple­
mentares: uma articulação entre Assistência Social e Educação. São
Paulo: Cenpec, 2003.
SPOSATI, Aldaíza. Vida urbana e gestão da pobreza. São Paulo: Cor­
tez, 1988
RODRIGUES, Maria Lucia. Horizontes do educador. CONGRESSO
INTERNACIONAL DE Vi\LORES UNIVERSAIS E O FUTURO
DA SOCIEDADE, 2001, São Paulo. Anais ... São Paulo: [s.n.], 2001.
190
PARTE 3 I POBREZA, EMANCIPAÇÃO e 5UBJETlll'AÇÃO
POLÍTICAS DE SUBJETIVAÇÃO
Leila Domingues MACHADO*
Cadaformação histórica vê e faz ver tudo o que pode assim como diz
tudo oque pode em função dascondições de enunciado e devisibilída­
de (DELEUZE,1988, p. 68)
. O termo políticas de subjetivação se refere a um processo contínuo
de produção social da subjetividade no que diz respeito à criação, bem
como, à mortificação, da vida humana em sua integralidade. Dito de
outra forma, a subjetividade não é uma instância privada e estanque
do meio, também não é um receptáculo desse mesmo meio. Há entre
subjetividade e sociedade uma produção que se dá em conjunto. Assim,
determinadas condições de vida criam formas de se estar no mundo.
Os aspectos econômicos e culturais, a cidade, o emprego e o desem­
prego, a escolaridade e o analfabetismo, o medo, a violência, a miséria,
os fundamentalismos religiosos, as guerras, as etnias, as diferenças, os
preconceitos, a solidariedade, os projetos de vida, a falta de perspecti­
va, as políticas públicas, dentre tantos outros aspectos, se misturam e
dão corpo ao que se chama subjetividade. Todas as políticas que se en­
contram em curso no campo social produzem e expressam, ao mesmo
tempo, modos de vida.
Há uma corporeidade histórica e singular que ressoa as diferentes
facetas com que valores, saberes, crenças se efetivam em uma determi­
nada época. Formas de humanidade, de política, de conhecimento, en­
fim, formas de vida se engendram nesse processo. Os contornos dessas
transformações nos assinalam para a impossibilidade de naturalizarmos
um corpo históri~o que se metamorfoseia no embate de forças que, no
presente, reverberam variações na subjetividade. Mas, o que chamamos
de corpo histórico? De que tipo de história se trata?
Poderíamos ser tentados a dizer que a história seria um encadea­
mento de fatos, uma sucessão de fatos distribuídos em uma linha reta e
contínua do tempo: passado, depois presente e depois futuro. Partindo
de um ponto de origem, seguiríamos acompanhando um fato após ou­
tro em direção a um suposto ponto de chegada, determinado e inscrito
no infinito.
* Doutora em Psicologia Clínica PUC-SP, Professora do Departamento de Psico­
logia, do Programa de Pós-Graduação em Política Social e do Programa de Pós­
Graduação em Psicologia Institucional.
I OUFES j 2008 191
PolfrlCA SOCIAi. TRABALHO E SUBJETIVIDADE
A história seria definida como um conjunto de fatos verdadeiros
que vão sempre se sucedendo e que vão sempre sendo superados. O
passado passou, o presente já está passando e o futuro já vai chegar. O
passado explica o presente e no futuro se localiza o ponto de chegada
previamente determinado. Numa sucessão contínua de fatos, os con­
ceitos despontariam como descobertas. Assim, partindo de um ponto
de origem, que transcende a própria história, e em direção a um ponto
de chegada, que também a transcenderia, o conhecimento seguiria uma
evolução linear, neutra, universal e obstinada pela verdade, pelo seu
aperfeiçoamento.
Nesse tipo de concepção histórica deixam de aparecer muitas his­
tórias, muitos nomes, acontecimentos, amores e desamores, acertos,
equívocos, falhas, e, tudo isso, faz parte da história. Não de uma histó­
ria asséptica, mas da história que envolve a todos nós e que construímos
em nosso cotidiano.
A partir de uma outra perspectiva, seria impossível pensar a história
como um emaranhado de linhas tortuosas, que vem e que vão, que se
misturam, que se tocam e se afastam. Passado, presente passado e fu­
turo se embaralham. O passado não explica o presente, ele nos mostra
aproximações e, sobretudo, diferenças. Não porque evoluímos ou re­
trocedemos e sim porque sempreocorrem transformações.
Uma história sempre localizável, sempre pontual, e que exatamen­
te por isso não pode nunca ser tratada como uma história universal e
neutra, generalista e totalizante. A análise histórica só se torna possível
a partir das desnaturalizações, ou melhor,ã-partirdo momeñtoemque
todo um contexto sócio-histórico-político-cultural-econômico oferece,. ~
suporte para a sua compreensao.
"' " ..
Determinadas condições históricas possibilitam a emergência de
certos jogos de sa ber e de certas relações de poder. Saberes e poderes
que se produzem no emaranhado de muitas histórias, que constituem
corpos, que incitam paixões, onde se travam lutas, onde há acertos e
desacertos, há dúvidas e se ensaiam respostas e onde questões se proli­
feram.
O conhecimento deixa de ocupar o lugar de verdade-absoluta para
assumir a conotação de uma resposta-provisória para as questões que
emergem em uma dada época e em um dado lugar. Os conceitos são
invenções, são instrumentos de análise, também provisórios e também
datáveis. isto porque o mundo muda, porque as pessoas mudam, por­
que mudam seus prob!emas, mudam suas indagações. Como um con­
ceito que permaneceria imutável poderia dar conta das transformações
que ocorrem? Pode-se fingir que as mudanças não ocorreram ou pode-
192
PARIE 3 J 1>0SREZA, EMANCIPAÇÃO E SUBJETIVAÇAO
se ficar repetindo a mesma explicação para o que já se tornou diverso.
É preciso pensar o presente historicamente, nem antes e nem fora do
tempo, com seus limites e possibilidades. Até porque o possível não
é o que está dado e sim nossa ousadia de inventar sonhos e torná-los
atuais.
A conceituação de subjetividade, presente na obra de Foucault,
Guattari e Deleuze, se coaduna a essa acepção de história. De início é
preciso que fique claro que ao falarmos de subjetividade não estamos
nos referindo à unidade e nem à uniformidade. Osmodos de subjetiva­
ção colocam-se como subjetividades sempre em processo de mutação.
Modos de subjetivação seriam antes maneiras, disposições, meios sem­
pre diversos com que as configurações subjetivas se engendram.
Sugerimos pensar os modos de subjetivação como processos de
composição, decomposição e recomposição de sentidos múltiplos, que
se forjam nos encontros que experimentamos junto à imprevisibilidade
dos acontecimentos que constituem nossas vidas. Vida que é feita de
movimentos, de partículas e de forças que se conectam, que se desco­
nectam e se re-conectam, que se misturam e semetamorfoseiam. Esses
movimentos são o expresso de interfaces, de misturas, enfim, de com­
posições dinâmicas. Nada está parado, portanto, nada se mantém idên­
tico. A estabilidade, vivida por nós como tão necessária, é sempre pro­
visória. O curioso é que, muitas vezes, o movimento escapa ao nosso
olhar e tornamos estático o que não está parado. No entanto, bastaria
deslocar nosso olhar, mudar nossa perspectiva para percebermos esses
movimentos.
Nesse sentido, a subjetividade também não está parada, os modos
de subjetivação se processamjunto à vida e aos seus movimentos, junto
aos acontecimentos que se dão no dia-a-dia, sejam eles mais ou menos
\
imprevisíveis. Desse modo, precisamos nos mover frente ao que nos
acontece. Paraisso,é necessário promovermos incessantemente monta­
gens que conectam, desconectam, re-conectam o que vemos, ouvimos,
sentimos, falamos, pensamos, sonhamos, lembramos, esperamos ... En­
tretanto, muitas vezes, experimentar a criação de novas montagens se
torna algo bastante difícil porque nos grudamos naquilo que temos e no
que já conhecemos.
A complexidade que delineia a atualidade tem convocado a realiza­
ção de estudos transdisciplinares com o intuito de lançar algumas re­
flexões sobre o que vivemos. Um ponto a ser destacado em meio a esse
campo problemático se refere aos entrecruzamentos que embaralham
poder e vida colocando em funcionamento políticas de subjetivação.
Contudo, nosso intuito é muito mais o de percorrer alguns conceitos
EDUFES I 2008 193
'
1( llt-r
--------PouTICA SOCIAL, ÎRABALHO E 5USJETIVIDllDE
r-
'::_yy '(7; I
que possam funcionar como 'disparadores' de discussões, apresentado­
os a partir de três séries: poder, resistência e biopolíticas.- - ------ ----
51:RIE 1
PoDER
Uma situação estratégica complexa nomeada poder, que não coinci­
de com algo que se possua ou que se doe, nem que se troque ou que se
adquira, nem que se retome ou que se perca ou que se guarde. Enfim,
o poder não se refere à propriedade e nem a algo substancializado. É
poder sem rei, é poder anónimo ou estratégias sem sujeito, que geram,
entretanto, um emaranhado de políticas de subjetivação. Poderíamos
dizer até que o poder em 'si mesmo' não é nada: o poder funciona.
Misturando-se a Nietzsche, Foucault afirma que nomeamos 'poder' às
correlações de forças que se fazem por combates, por enfrentamentos,
por lutas. Assim, o poder deve sempre ser pensado como relações de
poder.
Por ser relações de forças, o poder não tem forma e nem é uma re­
lação entre formas. A relação de forças se faz por afetos, por 'estados
de poder' locais, mas não localizáveis por serem móveis, difusos e ins­
táveis. Pelo poder de afetar e de ser afetado, por afetos ativos (suscitar,
incitar etc.) e afetos reativos (ser incitado, ser suscitado) presentes em
cada força. "O poder de ser afetado é como uma matéria· da força, e o. , -=-.poder de afetar é como urna/função da força" (DELEUZE, 1988, p.
79). Embora essa 'matéria' e essa 'função' não tenham ainda uma forma.
Somente quando as relações de força se atualizam, quando se encarnam,
é que assumem formas, percorrendo todo o campo social nas formas
do dizer e nas formas do ver. O poder não vê e não fala, mas faz ver e
falar.
Enquanto o poder é relação de forças, é exercício, o saber é relação
de formas, é regulamento. Entre ambos há heterogeneidades, press u po­
sições entrecruzadas, capturas recíRrocas e imanência mútua. 52.. poder
. envolve matérias.não formadas ~~ão formalizadas, enquanto
o-saber envolve funções forrnallzadàs'ê'fiiatérias formadas. As relaçöc.
de forças desestabilizam as formas, alteram suas direções e contorno­
Enquanto os saberes dão forma a estas relações de força.
Pensar o poder como anônimo ou como estratégias sem sujeito näe
se refere a urna ausência de pessoas, grupos ou lnstltuíções envolvld.i-,
nesse exercício. O anonimato se. refere a um deslocamento da questão
'Quem tem o poder?' para~~ornó_ ~rn_ poder se exércêr Quer;1 tem (J
poder seria antes uma questao labtrfntlca Isso porque o poder e onlpn­
sente e ao mesmo tempo um não lugar fixo ou central. Está em tudo 1•
, -i¡ ._ e ,,.,
1
)1 i~/.){10 ·
194 . ú) ~ +Q..... (.fa ..r.
PARTE 3 I POBREZA, EMAIKCPllÇM E SUBIETlVllÇÁO
em toda parte, se produz a cada instante, no entanto, não engloba tudo
sob uma invencível unidade. A resistência é primeira. Ela não é poder e
nem contra-poder, não é uma recusa antes uma permanente insistência.
O poder 'não é tudo: entretanto, ele quer nos fazer continuamente
acreditar em sua onipotência. Esta se desfaz na ausência de invencíveis
entidades globais. O que faz com que não haja um alvo inerte e nem
uma hegemonia nos mecanismos de poder.
...começar a análise pelo 'como' é introduzir a suspeita de que o 'poder'
não existe; é perguntar, em todo caso, a que conteúdos significativos
podemos visar quando usamos este termo majestoso, globalizante e
substantiñcador; é desconfiar que deixamos escapar um conjunto de
realidades bastante complexo, quando engatinhamos indefinidamente
diante da dupla interrogação: 'O que é o poder?"De onde vem o poder?
(FOUCAULT, 1995, p. 240).
Não importa tanto 'quem' e sim 'o que faz funcionar: isso porque
o 'quem' é contingente ou numa dada situação poderia ser qualquer um
de nós. "Todos nós temos fascismo na cabeça; e mais fundamentalmen­
te ainda: todos nós temos poder no corpo': Tal deslocamento traz à
cena a pertinência da análise de nossas diversas práticas, de quais regi­
mes elas instauram. Parece-nos mais familiar eleger vilões, entretanto,
é preciso pensar sobre o podercomo algo que se exerce, que circula e
forma redes, algo que cria e transita pelo que criou, coloca em xeque os. ,maruquersrnos,
E se nos apaixonamos pelo poder é porque este funciona escamo­
teando sempre sua face intolerável. Não se quer á. ~ominaç~,>não há
aí um pacto. Trata-se de sedução. Quanto mais acreditamos dominar e
controlar, mais nos deixamos capturar por dispositivos de dominação
e controle. O desejo de ser dominado ou a suposta aquiescência ao do­
mínio ou a servidão seria a dupla face do desejo de dominar. Em outras
palavras, quanto mais desejamos controlar mais estamos submetidos ao
poder do controle, mais o reverenciamos.
Imanência do poder que solicita sempre análises do que fazemos
funcionar por diferentes vias, mas que não coincide corn transcen­
dentes. O poder não é algo exterior que vem incidir sobre nós. Nem,
tampouco, é fixo, imutável ou se exerce de cima para baixo, o poder
circula e, assim, torna-se inconcebível pensa-lo como um fenômeno de
dominação maciço e homogêneo. Os regimes de dominação funcionam
em cadeia, ou melhor, a dominação não é de 'um' sobre 'todos; mas de
todos sobre todos e cada um. Mesmo que possamos eleger num dado
momento certo foco, nos equivocamos ao concebê-lo como central.
COUFES I 2008 195
<
196 11 •UFES I 2008 197
l?olfTICA SOCIAi., ÎRA6ALHO E SUBJETIVIOAO!:
,
PART£ 3 I POBREZA, EMANCIP1\çAo E sunJETIVAÇAo
O poder coloca em jogo relações entre ìndivfduoszentre grupos,
e são essas relações de poder que cabe serem analisadas. Entretanto, a
idéia de relação não deve ser pensada como uma ação direta sobre o ou­
tro. A violência sim é uma ação direta sobre o outro, sobre seu corpo.
O poder, ao contrário, envolve uma ação sobre uma ação possível. É
preciso que entre os indivíduos envolvidos haja um espaço de liberdade,
ou melhor, que a ação não se faça sobre um alvo inerte e sim que nessa
ação sobre ação se abram campos de resposta, reações, efeitos, inven­
ções. A violência e o consentimento podem ser seus efeitos ou instru­
mentos, mas nunca princípio. A coação seria uma forma de relação já
saturada ou a interrupção da própria relação. Só há relaçõe¿_~od~
onde há possibilidade de resistência. O poder ordena as probabilidades-e o eventuali é da ordem do governo (poder de afetar) mais do que do
afrontamento.
...é um conjunto de ações sobre ações possíveis; ele opera sobre o campo
de possibilidade onde se inscreve o comportamento dos sujeito~ivos;
ele incita, induz, desvia, facilita ou torna mais difícil, arnplla'òli limita,
torna mais ou menos provável; no limite, ele coage ou impede absolu­
tamente, mas é sempre uma maneira de agir sobre um ou vários sujeitos
ativos, e o quanto eles agem ou são suscetíveis de agir (FOUCAULT,
1995, p. 243).
constituem os súditos, ou ainda, como os corpos, os desejos, os pensa­
mentos são capturados num regime de sujeição. Percorrer os exercícios
de poder em suas extremidades, em suas formas mais regionais e locais,
em sua capilaridade, lá onde investe instituições, onde forja instrumen­
tos de intervenção. Pois ao mesmo tempo em que se retiram de cena
uma unidade e um centro, também se retira a culpa, os maniqueísmos,
os dualismos ontológicos, ou melhor, esses não são fundamentos do
poder e sim alguns dos seus possíveis efeitos.
A noção de poder em Foucault (1985; 1999), não se confunde com
um modo de sujeição que se faça sob a forma da lei ou de um sistema
global e hegemônico de dominação localizado num Estado, num esta­
belecimento, numa classe, num grupo, num indivíduo ou em qualquer
outro ponto. Não se trata do modelo do direito e nem do modelo da
soberania. Tais formas regulamentadas são efeitos de conjunto dos di­
versos mecanismos de poder e de seus instrumentos .
Um regime de dominação não é conseqüência da ação de um in­
divíduo, de uma classe, de um Estado, ao contrário, um regime de
dominação se configura por múltiplos mecanismos de poder que vão
constituindo formas de Estado, de classe, de individualidade. Mas ao
mesmo tempo em que essas configurações são efeitos desses múltiplos
mecanismos também são seus intermediários, ou seja, o poder transita
pelo que constitui ou tudo o que constitui também o faz funcionar. Em
suma, cada um de nós, em cada um de nossos atos, pode reforçar mais
ou menos muitos dispositivos de poder. Em contrapartida, cada um de
nós, em cada uma de nossas práticas cotidianas, pode dar vazão, fazer
expandir múltiplas resistências, enfim, criação de ilimitadas linhas de
fuga aos regimes de dominação que se configuram em nossos dinamis­
mos espaço-temporals.
Estados de poder - disposições/ modos de se estar - localizáveis ('
instáveis, pois engendrados nas correlações de forças, em seus desequl
líbrios. f:- correlação de forças não é um jogo entre forças mais fortes é1
forças mais fracas, há diferença, heterogeneidade, instabilidade, mobl
lídade. Correlação de forças são processos. Quando se configuram dh
tri6Ûiçõesãe poder eapropriações de saber é porque ocorreu um ecru­
no processor uma parada no processo como diriam Deleuze e GuatC111I
(1972, p. 9-1 O). Não em função das forças serem heterogêneas e 1,hn
da desigualdade transfigurar-se em coágulos de dominação. E asslm u
dispositivos de dominação assumem ares de hegemonia, contudo.a du
minação pode ser global e não totalizadora e estável, ou seja, regl1r11 •
de dominação estão por toda parte tanto quanto linhas de reslstéru I I
que instauram deslocamentos/ que quebram os modelos, que rom1J1 1,1
unidades.
É preciso estar atento para as formas com que. cada um de nô•, f,
funcionar uma estratégia de dominação, através de diversas téenle ,11 ,
táticas/ a tornando global. Duplo condicionamento entre estrau 11,
globais e táticas locais, nenhuma descontinuidade, porém ncnl1111,1
homogeneidade. Não cabe uma indagação por culpados, mas C(':)t1H1
51:RIE 2
RESISTËNCIAS
O poder seria a guerra continuada por outros meios (FOUCAULT,
1999, p. 22). Entretanto, a imagem de guerra não parece ser convocada
em suas clássicas polarizações - aliados e inimigos, vencedores e ven­
cidos -, mas no jogo que comporta as relações de forças, nas multipli­
cidades presentes no combate, na disseminação desse funcionamento
que atravessa e cria instituições, corpos, desejos. Correlação de forças
tensa, difusa, desequilibrada, heterogênea, instável, desigual, móvel e
contínua.
PolfTICA SOClllL,ÎRABALHO E SuaJETIVIDADE
... multiplicidade de correlações de forças imanentes ao domínio onde se
exercem e constitutivas de sua organização; o jogo que, através de lutas
e afrontamentos incessantes as transforma, reforça, inverte; os apoios
que tais correlações de força encontram umas nas outras, formando ca­
deias ou sistemas ou, ao contrário, as defasagens e contradições que as
isolam entre si; enfim, as estratégias em que se originam e cujo esboço
geral ou cristalização institucional toma corpo nos aparelhos estatais,
na formulação da lei, nas hegemonias sociais (FOUCAULT, 1985, p.
88-9).
As relações de poder implicam exercícios de liberdade, ou melhor, o
poder implica sempre resistências. Na verdade, a resistência é primeira.
Só podemos falar em relações de poder quando são possíveis desloca­
mentos, limites, escapes, reações imprevisíveis. Entre poder e resistên­
cia há uma incitação recíproca e uma provocação permanente. Não se
trata de confronto ou de exclusão entre poder e resistência e sim de um
jogo complexo: a resistência é condição de existência do poder e seu
suporte permanente, enfim, se não há resistência resta apenas a coerção
pura e simples da violência A resistência seria o limite permanente do
poder ou seu ponto de inversão. Poder e resistências são irredutíveis e,
ao mesmo tempo, indissociáveis.
... no centro das relações de poder e como condição permanente de sua
existência, há uma 'insubmissão' e liberdades essencialmente renitentes,
não há relação de poder sem resistência, sem escapatória ou fuga, sem
inversão eventual; toda relação de poder implica, então, pelo menos de
modo virtual, uma estratégia de luta, sem que para tanto venhama se
superpor, a perderem sua especificidade e finalmente a se confundirern.
Elas constituem reciprocamente uma espécie de limite permanente.de
ponto de inversão possível. (. ..) Instabilidade, portanto, que faz com
que os mesmos processos, os mesmos acontecimentos, as mesma»
transformações possam ser decifrados tanto no interior de uma histórln
de lutas quanto na história das relações e dos dispositivos de podo,
(FOUCAULT, 1995, p. 249).
As linhas de resistência, espalhadas por toda a rede de poder, crlam
imprevisibilidades no que parecia previsível, incertezas no que pa roc lii
certo, possibilidades no que parecia impossível, fugas no que estava
capturado. Pontos móveis e transitórios, mais ou menos densos, t1n
entanto, seu roçar por corpos e almas criam regiões irredutíveis, pr,I,
incitam uma arte de viver.
A resistência nos faz insistir, colocar em movimento, nos colee.u
mos em movimento, contaminar, possibilitar, deslocar, escolher tn111
198
PARTE 3 I POBREZA, EMAMCIPAÇAD E SUDIETIVAÇÃO
quais forças se irá compor. Pois, todas as coisas possuem múltiplos sen­
tidos que dependem da pluralidade de forças em que estão amparadas.
Essa multiplicidade é insistentemente capturada por clichês que a que­
rem tornar homogênea, que pasteurizam a diversidade de seus senti­
dos, que transformam as diferenças em oposições binárias, que tentam
domar a heterogênese e nos fazer crer que as estratégias de dominação
seriam hegemônicas.
51:RIE 3
ßlOPOLfTICAS
Foucault distingue duas formas de ação sobre a vida e sobre a morte:
o poder soberano e o poder de regulamentação ou biopoder. O so­
berano tinha direito de vida e de morte com relação a todos, o que
significava que por meio do poder soberano se podia 'fazer morrer ou
deixar viver' Os súditos permaneceriam vivos. ou seriam eventualmen­
te mortos, de acordo com as circunstâncias de uma vontade soberana.
No entanto, não é sobre a vida que esse dispositivo de poder age, ou
melhor, a ação que se dá sobre a vida é a de a extinguir. Não cabe ao po­
der soberano administrar a vida ou gerir o 'fazer viver. O direito sobre
a vida se realiza através do poder de matar.
No séc. XIX, podemos acompanhar uma outra forma de direito so­
bre a vida e a morte, que emerge nesta época com maior visibilidade,
mas vem se constituindo desde meados do séc. XVII e possui, na atua­
lidade, sutis e pregnantes efeitos. O poder de regulamentação funciona
fazendo viver e deixando .morrer. O biopoder somente pôde se cons­
tituir em função de uma tecnologia de poder que já se disseminava, ou
seja, o poder disciplinar. Estas tecnologias de controle sobre o corpo
individual criaram um campo de possibilidade para a emergência de um
.poder que incide sobre a vida da população.
O poder de regulamentação seria uma:
. .. tecnologia de poder que não exclui a primeira, que não exclui a técnica
disciplinar, mas que a embute, que a integra, que a modifica parcial­
mente e que, sobretudo, vai utiliza-la implantando-se de certo modo
nela, e incrustando-se efetivamente graças a essa técnica disciplinar
prévia (FOUCAULT, 1999, p. 288-9)
Em função destas duas formas de poder - disciplina e regulamenta­
ção- não estarem em um mesmo nível, elas não se excluem e até podem
se articular. As 'sociedades de normalização' ressoam, então, o entre­
cruzamento entre a norma da disciplina e a norma da regulamentação.
CDUFES I i.008 199
PARTE 3 I POBREZA, EMANCIPAçAo e sua1envAçAoPounc« SocrM,ÎRABALHOE SUBJETIVIDADE
Opoder de regulamentação concebe a morte como algo permanente
que corrói, diminui e enfraquece a vida. Todos são portadores da morte,
enfim, todos são alvo da necessidade desse controle sobre as possíveis
doenças, sobre o acidental, sobre o eventual, sobre o que desvirtua, so­
bre o que retiraria a vida de um suposto equilíbrio.
A população emerge assim como um problema político, econômico
e científico, como um problema de poder. O que se quer é o estabeleci­
mento de uma regularidade através de mecanismos globais de controle.
O biopoder quer 'fazer viver e deixar morrer' Seu alvo é a regulamen­
tação da vida, o controle de seus acidentes, de suas eventualidades, de
suas deficiências. Ele engendra 'como se vive' cotidianamente. Todas as
biotecnologias visam prolongar a vida. Então, a morte será o que escapa
ao poder e por isso o que deve ser escondido, o que deve ser vivido
privadamente. O poder tomou poss~ da vida. Ele vai do indivíduo à
população,.do corpo à espécie, do privado às cidades.
Foucault também nos diz que o advento da bomba atômica intro­
duziu questões quanto ao poder. É dado ao humano o poder de fabricar
a vida até o limite de também fabricar algo monstruoso. O poder que
gera também mata a própria vida? O poder soberano teria tomado de
assalto o biopoder? Entretanto, o que está em funcionamento não é
"fazer morrer e deixar viver" ou a lógica do poder soberano. Talvez,
também não seja mais "fazer viver e deixar morrer". Estaríamos diante
de um excesso do biopoder que utiliza o 'direito soberano' de matar
(lógica de um novo Império?). O excesso do biopoder sobre o direito
soberano o aproxima do poder de decidir o que deve viver e o que deve
morrer: "se você quer viver, é preciso que você faça morrer, é preciso
que você possa matar" (FOUCAULT, 1999, p. 305).
Esse 'direito de morte' vai ser exercido de uma forma bastante pe­
culiar. Ele não diz respeito a um poder soberano ~d~ fa~e~ morrer, nem
a um enfrenta mento e sim a uma\ rèl~ão pautada no biológico:O que
significa que a morte assume o se'fflrC!o de preservação da própria vida.
. É uma morte que se justifica pela vida. Poderíamos dizer que seria uma
espécie de 'fazer morrer para fazer viver' ou 'fazer viver fazendo mot·
rer: Não é uma coincidência que essa lógica se pareça tanto com CJ',
pressupostos nazistas.
O que se quer matar não é um inimigo ou um adversário no sentido
político. O que se quer matar é um perigo, os que se tornaram peri[Jt.>
sos para a-vida de uma p~pulação,. A morte respaldada pelo blopodn
êoinciêfè ëõm a eliminação de um perigo biológico ou com a ellmlun
ção do que ameaça à vida. Os terroristas ameaçam a vida e por ISS(') r,
extermínio deles é 'justificado' e 'aceito; ou melhor, naturalizado, ''A
função assassina do Estado só pode ser assegurada, desde que o Estado
funcione no modo do biopoder, pelo racismo" (FOUCAULT, 1999, p.
306). E o que seria este racismo? Um corte no domínio da vida entre o
que deve viver e o que deve morrer.
Deixar morrer ou fazer morrer, esse excesso do biopoder que geri,
gera, e também cessa, cansa, priva de vida, faz funcionar muitas formas
de morte. Não se trata somente do assassinato de menores infratores
ou de detentos em rebelião ou de sem-terras que invadem propriedades
ou de populações que não cumprem os 'acordos de paz' da Otan. Não
se trata somente dos tantos que morrem de fome ou de doenças banais.
Tirar a vida não é somente "o assassínio direto, mas também tudo o que
pode ser assassínio indireto: o fato de expor à morte ou, pura e simples­
mente, a morte política, a expulsão, a rejeição etc" (FOUCAULT, 1999,
p. 306). Em suma, sob a forma de perigo biológico ou de ameaça à vida
de alguns se justifica politicamente a eliminação de muitos. Produz-se
uma diversidade de formas de exclusão - social, cultural, econômica,
política ... - até um limite em que se exclui a vida sob o intuito de garan­
tir a própria vida.
A sensação de que o perigo está disseminado por toda a parte for­
talece o exercício do biopoder. Todos querem garantir a própria vida
mesmo que isso incorra na morte de outros. Na verdade, o outro que
se quer matar perde o estatuto de cidadania para ser recoberto pelo da
periculosidade. Assim, não é uma pessoa que se quer matar e sim um
perigo eminente. A morte causa menos dor e mais alívio. As tantas e
recentes cenas de "guerra" provocam mais uma torcida em favor de
uma 'raça' não-terrorista vencedora do que uma perplexidade frente aos
níveis de degradação humana.
A vida parece ter se tornado um produto a ser consumido. O que
pode fazer corn que associedades estejam mais voltadas para os códigos
' do consumidor do que para as reivindicações de cidadania. Neste caso,
se o produto vida encontra-se ameaçado é preciso colocá-lo disponível.
A 'quebra do código' não se coloca, desta forma, nas 'mortes para ga­
rantir vidas' ou no 'fazer morrer para fazer viver' e sim na interrupção
do consumo ou na interrupção da vida percebida como produto a ser
consumido. I fv ¡:o. 1 'V . l · ' ' · ' ' 4 • ' " , • ,¿ ~.,,. , I - L..J
Quando ~da um funciona por rivalidade, não se acredita que o que
está em funcionamento são mortificações. O maior poderio sobre a
vida, ou melhor, a maior eficácia do biopoder ao fabricar modos de vida,
se coloca exatamente através da maior naturalização de seus dispositi­
vos. O poder realiza uma eficaz política sobre a vida cada vez que cada
um de nós reforça, incita, vigia, majora, organiza, ordena, multiplica,
.,
EDUfES I 2008(
C;~\_. \~ v ti L 201200
202 .., . EDUFES I 2008 203
POLITICA SOCIAL, ÎRA9.~LHO E SußJEl'IVJDADE PARTE 3 I POBREZA, EMAl~CIPAÇÃO E SUßJETIVAÇAO
qualifica, mede, avalia, hierarquiza ou faz funcionar uma complexa rede
de dispositivos de controle. Há uma proliferação de tecnologias políti­
cas que vão investir todo o espaço-tempo da existência.
Contudo, se as tecnologias de poder tem incidido cada vez sobre a
vida e sobre as subjetivações, é também por elas que passam as maiores
forças de resistência. A vida insiste em escapar continuamente. Quanto
mais se é alvo de controle tanto mais po~emos acionar em nossas vidas
focos de resistências: "as forças que resistiram se apoiaram exatamente
naquilo sobre o que ele [poder] investe - isto é, na vida e no homem
enquanto ser vivo" (FOUCAULT, 1985, p. 186).
Os processos de poder se caracterizam menos por uma potência
sem limites e mais por uma ineficácia constitutiva. Pois o poder é cego e
produz cegueira, faz ressoar impotências, é onipresente e não oniscien­
te. Por isso a necessidade de produção de tantas tecnologias de domi­
nação e de controle. O poder freqüentemente está em um impasse ou
frente a frente com o que lhe escapa.
"Quando o poder se torna biopoder, a resistência se torna poder da
vida, poder-vltal.." (DELEUZE, 1988, p. 99). Desta forma, podemos
pensar que as políticas que incidem sobre a vida abarcam tanto dispo­
sitivos de biopoder quanto exercício de resistências. Biopolíticas que
envolvem poder sobre a vida e potência de vida. Tensão que se faz na
gestão cotidiana de cada uma de nossas vidas. Biotecnologias que não
devam responder somente aos interesses do capital. Necessidade inces­
sante de avaliarmos o quanto trabalhamos para a mortificação ou para
a expansão da vida. Necessidade incessante de escolhas que respondam
mais aos princípios éticos do que ao consumo dos modelos de sucesso
amplamente ofertados no mercado.
...a resistência vem primeiro, na medida em que as relações de poder
se conservam por inteiro no diagrama, enquanto as resistências estão
necessariamente numa relação direta com o lado de fora, de onde os
diagramas vieram. De forma que um campo social mais resiste do que
cria estratégias, e o pensamento do lado de fora é um pensamento da
resistência (DELEUZE, 1988, p. 96).
PoLíTICAS DE SUBJETIVAÇÃO
_!.s políticas de subjetivação, biopolíticas, vinculadas a um processo
C,<?_ntÍnUO de produção_social da- subjetividade, pÓdem se encaminhar
!anto para a mortlficação quanto para a promoção de melhores con­
dições de vida. No-entanto, acreditarmos que elas não nos dizem res­
pelte, corño se tratasse de uma instância transcendente, faz com que
'lavemos nossas mãos' Mas, elas nunca ficam limpas!
De que tipo de vida se fala? De que tipo de existência? Como inven­
tar linhas de resistência à sobrevida? Temos nos tornado cegos, mudos
e surdos para a transmutação desse estado de coisas. Entretanto, cada
um de nós é um espaço-tempo de guerra. E...
, ' . .
Foucault é um pensador do duplo, ou melhor, um pensador das
multiplicidades. Não há em Foucault proposições de conceitos abso­
lutos ou que funcionem por generalizações. Neste sentido, Foucault
busca em Maurice Blanchot (1987; 2001) a idéia de Fora, para falar de
um pensamento do Fora ou de um pensamento da resistência. Onde a
palavra Fora assumiria o sentido de algo mais longínquo que toda exte­
rioridade e, ao mesmo tempo, mais próximo que qualquer interioridade.
Um Fora que não nos é exterior e nem tampouco interior. Fora dos dia­
gramas de poder que nos capturavam e que ajudamos a difundir. Fora de
nossos interesses particulares, de nossas certezas. Fora como abertura
à indeterminação, ao inimaginável, ao indizível, ao inumano, ao impen­
sável, ao imprevisível, ao intempestivo, enfim, uma potência dispersa,
onde qualquer forma que se ofereça será sempre demasiadamente velha
ou nova, demasiadamente estranha ou familiar (FOUCAULT, 1990, p.
72). As subjetlvaçöes são proc~sos de composição de uma multipllcl­
dacie:-de forças em devir permanente. Não são o Fora, mas uma Dobra
do Fora, uma 'invaginação' do Fora. Tamóém 12or iss_o, as subjetlvaçôc-
gù.ärdam essa "potência astuciòsa de resistência". -
I...essa guerra está presente em todos os verbos freqüentados por esse
mim mesmo, como tatear, olhar, ouvir, comer, beber, trabalhar, escrever,
dizer, amar, lutar etc. E em cada um deles, com seus problemas próprios
e com as questões que os atravessam, há o risco dos desdobramentos
do fazer no vasto pêndulo cadenciado pelo liberar e controlar, cadência
perturbada a cada emergência das circunstâncias (ORLANDI, 2002, p.
236).
Uma guerra que envolve uma infinidade de controles que nos
atravessam, que produzem formatações aos valores dominantes, bem
como, linhas de resistência que nos permitem escapar a esses controles,
nos forçando a criar outras possibilidades de vida.
Por isso, os sentidos precisam escapar às tantas máquinas abstratas
de sobrecodificação que funcionam corno indústrias de sentidos seriali­
zados. Essas máquinas estão espalhadas por tudo, produzindo verdades
científicas, políticas, morais, midiáticas ... Não é só informação o que
produzem, fabricam gente. Muitas vezes, intoleráveis modos de se estar
nos verbos da vida. Os olhos fechados e saturados de imagens. A boca
V
PoLITICA SoctAL,ÎRA9ALHO E SUBJETIVIDADE
cerrada e repleta de palavras gastas. Não é a saturação de imagens que
nos faz ver melhor. Não é a saturação de palavras que nos faz ouvir ou
dizer outra coisa.
Sabemos da curiosa mistura de enriquecimento e empobrecimento que
resultou disso tudo até agora: uma aparente democratização do acesso
aos dados e aos saberes, associada a um fechamento segregativo de suas
instâncias de elaboração; uma multiplicação dos ângulos de abordagem
antropológica e uma mestiçagem planetária das culturas, paradoxal­
mente contemporâneas de uma ascensão dos particularismos e dos
racismos; uma imensa extensão dos campos de investigação técnico­
científicos e estéticos evoluindo num contexto moral de insipidez e de­
sencanto (GUATIARI, 1993, p. 177).
Guattari nos sugere a necessidade de umfii_propriação existen~
que "permitirá a cada um assumir plenamente sua potencialidade pro­
cessual e fazer, talvez, com que esse planeta, hoje vivido como um infer­
no por quatro quintos de sua população, transforme-se num universo
de encantamentos criadores (GUATTARI, 1993, p. 188):' Talvez, este--- ---seja um meio que nos conduza a possibilitar as palavras dizerem algg_
dlfêrerife do que sempre dizem, a possibilitar o olhar ver algo diferente
do que sempre vê, a possibilitar outras formas de vida.
Essas formas alternativas de reapropriação existencial e de autovaloriza­
ção podem tornar-se, amanhã, a razão de viver de coletividades huma­
nas e de indivíduos que se recusam a entregar-se à entropia mortífera,
característica do período que estamos vivendo (1993, p. 191 ).
Trata-se da constituição de processos de singularização e é aí que
frequentemente se dão as armadilhas das máquinas absfrãtas de sobre-,_
codificação, na medida em que se confunde particular com singular.
· O particularse refere ao que é próprio, íntimo, idiossincrático. Ora
esse é exatamente o conceito do marketing que mais vende produtos
atualmente: um banco só seu, um gerente só seu, um tênis feito sob
medida pra você.
O singular se opõe ao particular, entretanto, não se opõe ao comum.
As singularidades são relativas às diferenças, bem como, o comum, as­
sim, o comum e o singular se intercambiam na multidão, um conjunto
de singularidades cooperantes (NEGRI, 2005). Negri (1988) irá tra­
balhar a idéia de constituição do comum a partir da noção de comum,
como processo de produção ontológico, presente na obra inacabada de
Deleuze: La Grandeur de Marx. O comum se opõe ao uno, à unidade,
204
PARTE 3 I POBREZA, EMANCIPAÇÃO E SUBJETIVAÇÃO
à soberania do poder, à concepção de poder hegemônico, ele se refere
à própria concepção de comunismo, ao "conceito de comunismo que
se constrói no livro inacabado de Deleuze" (NEGRI, 1998, p. 41 ). O
comum não é o igual. O comum é feito de diferenças, ao mesmo tempo,
é condição das mobilizações produtivas (LAZZARATO, 2007).
Nesse sentido, a concepção de reapropriação existencial se refere à
ética, a uma constituição ética de si. Entretanto, essa constituição de si
não pode ser hiperindividual, privatizante, pois isso é o que mais esta­
mos vivendo e é o que mais nos mortifica. Poderíamos dizer que se trata
de uma ética de intercâmbios entre o singular e o comum. O que nos
remete ao conceito de complementaridade ou complexidade da física
quântica, que poderia ser traduzido da seguinte forma: você quer ser
feliz; mas, é possível ser feliz sozinho? Quando você compra ou ganha
um carro e coloca alarme, paga caro por seguros, contrata empresas de
rastreamento por satélite e ainda fecha os vidros quando para no sinal,
porque o seqüestro relâmpago é real, o medo é real, fica evidente que
não dá pra ser feliz sozinho. A não redistribuição de renda, as produ­
ções constantes de desigualdades, de bolsões de miséria absoluta, que­
bra qualquer suposta 'corrente de felicidade' e aciona um estrondoso
alarme que evidencia que as relações de poder se espalham por toda ma­
lha social redistribuindo constantemente 'quem' se submete e 'quem' é
submetido a que.
As subjetivações estão em processo. Caso pudéssemos fotografá­
la, a foto mostrar-nos-ia apenas uma de suas formas, a forma daquele
momento. Forma que pode durar mais ou menos tempo, mas que não é
imutável. Quando se fala a minha subjetividade, a minha opinião, o meu
desejo, não se trata de algo interno que se revela ao exterior. As formas
subjetivas são compostas socialmente. Todo sujeito é sempre coletivo.
Quando falo muitas vozes falam em mim, muitas histórias atravessam a
'·minha história. Embora haja uma composição singular em mim, que me
difere de outros, que difere cada um, somente a composição é singular.
Os pedaços de que é feita são pedaços partilhados por muita gente.
Os regimes de dominação que estão em curso em nosso tempo pro­
duzem o 'individualismo' como desejo e como necessidade. Demarcar
distinções se parece com apólices-seguro de competência e sucesso,
deixa-se de ser solidário. Ao mesmo tempo, cada um de nós se perde
em meio a uma massa homogênea de gente que pensa igual, se veste
igual, deseja igual.
As diferenças, ao contrário do que poderíamos supor, são muito
pouco exercidas. Sob uma enxurrada de moralismos e preconceitos,
quem não está sob o signo dos modelos da época precisa ser calado,
EDVFES I 2008 205
POLITICA SOCIAl, ÎRA8ALHO E St18JETIVIOAOE PARTI; 3 I POBREZA, EMAIKIPAÇÃO E SUBJETIVAÇÃO
pois incomodam, evidenciam que as coisas podem seguir outros ru­
mos.
Uma reapropriação existencial implica um exercício ético, o que di­
fere de uma adequação e se remete à promoção de mutações subjetivas
coadunadas à resistência e não ao padecimento, reversão das tantas prá­
ticas de dominação das quais participamos. Este processo envolve ava­
liações do que cada um de nós faz funcionar, tanto no que diz respeito a
si quanto aos outros. Escolhas entre o que e quando faço viver e o que e
quando faço morrer, a mim mesmo e aos outros. Invenção de políticas
de subjetivação menos coadunadas com o poder do capital e mais com­
prometidas com a potência da vida. A reapropriação existencial implica
pararmos de 'lavar as mãos: implica a participação, a constituição de
comuns, a "capacidade de assumir nas próprias mãos as condições bio­
políticas da existência" (NEGRI, 2005).
LAZARATO, Mauricio. O papel da cultura e da comunicação no capi­
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206 EOUFES J 2008 207 I
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