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Tutoria 1 - Módulo 2 Síndrome do Ovário Policístico 1. Entender a fisiologia do ciclo menstrual e suas alterações: As mulheres produzem gametas em ciclos mensais (em média de 28 dias, com variação normal de 24-35 dias). Esses ciclos são comumente denominados ciclos menstruais, uma vez que apresentam um período de 3 a 7 dias de sangramento uterino, conhecido como menstruação. O ciclo menstrual pode ser descrito de acordo com as mudanças que ocorrem nos folículos ovarianos, o ciclo ovariano, ou pelas mudanças que ocorrem no revestimento endometrial do útero, o ciclo uterino. Ciclo ovariano é dividido em três fases: 1. Fase folicular. A primeira parte do ciclo ovariano, conhecida como fase folicular, é um período de crescimento folicular no ovário. Essa fase é a que tem duração mais variável, de 10 a 21 dias. 2. Ovulação. Quando um ou mais folículos amadurecem, o ovário libera o(s) ovócito(s) durante a ovulação. 3. Fase lútea. A fase do ciclo ovariano que segue a ovulação é conhecida como pós-ovulatória ou fase lútea. O segundo nome tem origem na transformação do folículo rompido em um corpo lúteo, assim denominado devido ao pigmento amarelo e aos depósitos de lipídeos. O corpo lúteo secreta hormônios que continuam a preparação para a gestação. Se a gestação não ocorre, o corpo lúteo para de funcionar após cerca de duas semanas, e o ciclo ovariano é reiniciado. O revestimento endometrial do útero também segue um ciclo – o ciclo uterino – regulado por hormônios ovarianos: 1. Menstruação. O começo da fase folicular no ovário corresponde ao sangramento menstrual do útero. 2. Fase proliferativa. A parte final da fase folicular do ovário corresponde à fase proliferativa no útero, durante a qual o endométrio produz uma nova camada de células em antecipação à gestação. 3. Fase secretora. Após a ovulação, os hormônios liberados pelo corpo lúteo convertem o endométrio espessado em uma estrutura secretora. Assim, a fase lútea do ciclo ovariano corresponde à fase secretora do ciclo uterino. Se não ocorrer gravidez, as camadas superficiais do endométrio secretor são perdidas durante a menstruação, quando o ciclo uterino inicia novamente. O controle hormonal do ciclo menstrual é complexo: Os ciclos ovariano e uterino estão sob o controle primário de vários hormônios: - GnRH do hipotálamo. - FSH e LH da adeno-hipófise. - Estrogênio, progesterona, inibina e AMH do ovário. Durante a fase folicular do ciclo, o estrogênio é o hormônio esteroide dominante. A ovulação é desencadeada pelo pico de LH e de FSH. Na fase lútea, a progesterona é dominante, embora o estrogênio ainda esteja presente. O hormônio anti-mülleriano (AMH) foi inicialmente conhecido pelo seu papel no desenvolvimento masculino, porém os cientistas descobriram que o AMH também é produzido pelos folículos ovarianos na primeira parte do ciclo ovariano. O AMH aparentemente atua como um regulador para evitar que muitos folículos ovarianos se desenvolvam ao mesmo tempo. Ciclo ovariano ● Fase folicular inicial: O primeiro dia da menstruação é o dia 1 do ciclo. Este ponto foi escolhido como o início do ciclo porque o sangramento menstrual é um sinal físico facilmente observável. Pouco antes do início de cada ciclo, a secreção de gonadotrofinas pela adeno-hipófise aumenta. Sob a influência do FSH, um grupo de folículos ovarianos terciários começa a crescer. Conforme os folículos crescem, as suas células da granulosa (sob a influência do FSH) e suas células da teca (sob a influência do LH) começam a produzir hormônios esteroides. As células da granulosa também começam a secretar AMH. Esse AMH diminui a sensibilidade do folículo ao FSH, o que aparentemente impede o recrutamento de folículos primários adicionais após um grupo ter iniciado o desenvolvimento. Os médicos, atualmente, usam os níveis sanguíneos de AMH como indicador de quantos folículos estão em desenvolvimento inicial em um ciclo e como um marcador para uma condição chamada de síndrome dos ovários policísticos (SOP), em que os folículos ovarianos formam cistos cheios de líquido. As células da teca sintetizam androgênios que se difundem para as células vizinhas da granulosa, onde a aromatase os converte em estrogênios Gradualmente, os níveis crescentes de estrogênio na circulação têm diversos efeitos. Os estrogênios exercem retroalimentação negativa na secreção de FSH e de LH pela adeno-hipófise, o que impede o desenvolvimento adicional de folículos no mesmo ciclo. Ao mesmo tempo, o estrogênio estimula a produção de mais estrogênio pelas células da granulosa. Esta alça de retroalimentação positiva permite que os folículos continuem sua produção de estrogênio mesmo que os níveis de FSH e de LHE diminuam. No útero, a menstruação termina durante a fase folicular inicial. Sob a influência do estrogênio proveniente dos folículos que estão se desenvolvendo, o endométrio começa a crescer, ou proliferar. Este período é caracterizado por aumento no número de células e aumento do suprimento sanguíneo para levar nutrientes e oxigênio para o endométrio espessado. O estrogênio também estimula as glândulas mucosas do colo do útero a produzirem um muco claro e aquoso. ● Fase folicular tardia: Conforme a fase folicular se aproxima do final, a secreção de estrogênio ovariano atinge o seu ponto máximo. Neste ponto do ciclo, somente um folículo ainda está se desenvolvendo. Assim que a fase folicular está completa, as células da granulosa do folículo dominante começam a secretar inibina e progesterona, além do estrogênio. O estrogênio, que até então tinha exercido um efeito de retroalimentação negativa sobre a secreção de GnRH na fase folicular inicial, muda para uma retroalimentação positiva, levando ao pico pré-ovulatório de GnRH. Imediatamente antes da ovulação, os níveis persistentemente altos de estrogênio, auxiliados pelos níveis crescentes de progesterona, aumentam a responsividade da adeno-hipófise ao GnRH. Como resultado, a secreção de LH aumenta significativamente, um fenômeno conhecido como pico de LH. O FSH também aumenta, mas em menor grau, presumivelmente por estar sendo suprimido pela inibina e pelo estrogênio. O pico de LH é parte essencial da ovulação, pois ele desencadeia a secreção de inúmeros sinais químicos necessários para os passos finais da maturação do ovócito. A meiose é retomada no folículo em desenvolvimento com a primeira divisão meiótica. Esta etapa divide o ovócito primário em ovócito secundário (2n DNA) e em um primeiro corpúsculo polar (2n), que se degenera. Enquanto essa divisão ocorre, o líquido antral acumula-se, e o folículo cresce, atingindo seu maior tamanho, preparando-se para liberar o ovócito. Os altos níveis de estrogênio na fase folicular tardia preparam o útero para uma possível gestação. O endométrio cresce até uma espessura de 3 a 4 mm. Imediatamente antes da ovulação, as glândulas cervicais produzem grandes quantidades de muco fino e filante (elástico) para facilitar a entrada do espermatozoide. A cena está preparada para a ovulação. ● Ovulação: Cerca de 16 a 24 horas após o pico de LH, a ovulação ocorre. O folículo maduro secreta prostaglandinas e enzimas proteolíticas, como metaloproteinases de matriz (MMPs) que dissolvem o colágeno e outros componentes do tecido conectivo que mantém as células foliculares unidas. As prostaglandinas podem contribuir para a ruptura da parede folicular em seu ponto mais fraco. O líquido antral jorra do ovário junto com o ovócito, o qual é circundado por duas ou três camadas de células da granulosa. O ovócito é arrastado para dentro da tuba uterina para ser fertilizado ou para morrer. ● Fase lútea inicial: Após a ovulação, as células foliculares da teca migram para o espaço antral, misturando-se com as células da granulosa e preenchendo a cavidade. Ambos os tipos celulares, então, transformam-se em células lúteas do corpo lúteo. Esse processo, conhecido como luteinização, envolve mudanças bioquímicas e morfológicas. As células lúteas recém-formadas acumulam gotículas de lipídios e grânulos de glicogênio em seucitoplasma e começam a secretar hormônios. Conforme a fase lútea progride, o corpo lúteo produz continuamente quantidades crescentes de progesterona, estrogênio e inibina. A progesterona é o hormônio dominante na fase lútea. A síntese de estrogênio diminui inicialmente e depois aumenta. Entretanto, os níveis de estrogênio nunca atingem o pico observado antes da ovulação. A combinação de estrogênio e progesterona exerce retroalimentação negativa sobre o hipotálamo e a adeno-hipófise. A secreção de gonadotrofinas, adicionalmente inibidas pela produção de inibina lútea, permanece baixa ao longo da maior parte da fase lútea. Sob influência da progesterona, o endométrio continua sua preparação para a gestação e se torna uma estrutura secretora. As glândulas endometriais enrolam-se e crescem vasos sanguíneos adicionais na camada de tecido conectivo. As células endometriais depositam lipídeos e glicogênio no seu citoplasma. Esses depósitos fornecerão a nutrição para o embrião em desenvolvimento enquanto a placenta, a conexão materno-fetal, está se desenvolvendo. A progesterona também causa o espessamento do muco cervical. O muco mais espesso cria um tampão que bloqueia a abertura do colo uterino, impedindo que bactérias espermatozóides entrem no útero. Um efeito interessante da progesterona é a sua capacidade termogênica. Durante a fase lútea de um ciclo ovulatório, a temperatura corporal basal da mulher, medida logo que ela acordar pela manhã e antes de sair da cama, aumenta cerca de 0,3 a 0,5°C e permanece elevada até a menstruação. Como essa mudança no ponto de ajuste da temperatura ocorre após a ovulação, ela não pode ser usada para prever efetivamente a ovulação. Todavia, é uma maneira simples de verificar se a mulher está tendo ciclos ovulatórios ou ciclos anovulatórios (sem ovulação). ● Fase lútea tardia e menstruação: O corpo lúteo tem uma duração intrínseca de aproximadamente 12 dias. Se a gestação não ocorrer, o corpo lúteo sofre apoptose espontânea. Conforme as células lúteas degeneram, a produção de progesterona e de estrogênio diminui. Essa queda retira o sinal de retroalimentação negativa sobre a hipófise e o hipotálamo, e, assim, a secreção de FSH e de LH aumenta. Os remanescentes do corpo lúteo formam uma estrutura inativa, chamada de corpo albicante. A manutenção de um endométrio secretor depende da presença de progesterona. Quando o corpo lúteo degenera e a produção hormonal diminui, os vasos sanguíneos da camada superficial do endométrio contraem. Sem oxigênio e nutrientes, as células superficiais morrem. Cerca de dois dias após o corpo lúteo parar de funcionar, ou 14 dias após a ovulação, o endométrio começa a descamar a sua camada superficial, e a menstruação inicial. A quantidade total de menstruação liberada do útero é de aproximadamente 40 mL de sangue e 35 mL de líquido seroso e restos celulares. Em geral, existem poucos coágulos no fluxo menstrual devido à presença de plasmina , que degrada os coágulos. A menstruação continua por 3 a 7 dias, já na fase folicular do próximo ciclo ovulatório. ● 2. Entender a SOP (definição, etiologia, etiopatogenia, fatores de risco, quadro clínico, diagnóstico) ● Definição: A síndrome dos ovários policísticos (SOP) é uma doença com alta prevalência, que afeta mulheres em idade reprodutiva em todo o mundo, mas pode advir de histórico familiar patológico, principalmente materno com SOP e/ou diabetes gestacional e se estender pela pós-menopausa. Essa síndrome, portanto, pode ter consequências a curto, médio e longo prazos. Seu nome não retrata todo o espectro de sequelas que a doença pode causar, nem conjectura a morbidade a que pode estar associada, pois pacientes com SOP podem sofrer de infertilidade, resistência insulínica, intolerância à glicose (IGT) e aumento do risco de diabetes tipo 2, doença coronariana,8 dislipidemia aterogênica, morbidade cerebrovascular, carcinoma de endométrio, ansiedade e depressão. Caso engravide, a paciente estará sujeita a um aumento significativo do risco de diabetes gestacional, pré-eclâmpsia, crescimento intraútero restrito, macrossomia fetal e mortalidade perinatal. ● Etiologia: ● Etiopatogenia: A SOP é um distúrbio complexo, com componentes genéticos e ambientais. Registra-se que 20 a 40% das mulheres tenham parentes de primeiro grau com a doença, o que sugere uma transmissão hereditária e genética. Alguns genes foram identificados como possíveis responsáveis pela doença, como o 7β-hidroxiesteroide-deidrogenase tipo 6 (HSD17B6). O estilo de vida e os fatores ambientais estão relacionados com a SOP de fenótipos mais graves. A vida sedentária está relacionada com disfunção metabólica e ganho de peso, em associação com anovulação e hiperandrogenismo. Disruptores androgênicos do meio ambiente podem ser acumulados em maior proporção em mulheres com SOP, por diminuírem o clearance hepático, o que aumenta a produção androgênica e a hiperinsulinemia. A obesidade não é a causa da SOP, mas os sintomas da síndrome são exacerbados perante a mesma. A obesidade está presente entre 30 e 75% das portadoras de SOP. A disfunção no adipócito contribui para o desenvolvimento de IGT e hiperinsulinemia. As mulheres com SOP e obesas são mais sujeitas à anovulação e, consequentemente, à infertilidade. Evidências de agregação familiar tanto para hiperandrogenemia quanto para os aspectos metabólicos foram descritas em pacientes com SOP. O padrão é de um traço autossômico dominante com penetrância variável. Mães de mulheres com SOP mostraram maior risco de DCV e hipertensão arterial, enquanto os pais apresentaram maior risco de doença cardíaca e acidente vascular cerebral (AVE). Da mesma maneira, DCV em pai e mãe foi associada a maior risco de SOP na prole feminina. Estudos recentes apontam loci implicados em papéis reprodutivos (LHCGR, FSHR e FSHB) e metabólicos (INSR e HMGA2). Uma das regiões candidatas bem-estabelecidas é a D19S884, localizada em 19p13.2 a cerca de 800 kb do gene do receptor da insulina, conferindo resistência insulínica. Polimorfismos nos genes FTO e MC4R também foram associados a alterações de IMC em mulheres com SOP e parecem não estar ligados diretamente a alterações reprodutivas, mas podem interagir com outros genes, como o POMC, predispondo certas mulheres com IMC aumentado a desenvolver SOP. Outros polimorfismos, como rs10986105 e rs10818854, localizados em 9q33, parecem estar ligados ao hiperandrogenismo e, possivelmente, à irregularidade menstrual na SOP. ● Fatores de risco: ● Quadro clínico: - Ciclos anovulatórios: pode se apresentar com quadros de sangramento uterino irregular, oligomenorreia e até amenorreia secundária. Relembrando a fisiopatologia: Anovulação crônica → sem ovulação, não há corpo lúteo → não há produção de progesterona → não há a queda de progesterona no final do ciclo, que desencadearia a menstruação → oligomenorreia/ amenorreia. Portanto, nessas pacientes, podemos fazer o teste da progesterona. Falamos sobre esse teste na aula de amenorreia, mas vou resumir aqui: Teste da Progesterona: administra-se progesterona por sete a dez dias. Após a sua suspensão, espera-se que ocorra menstruação. Havendo menstruação, é possível afirmar que havia estímulo estrogênico sobre o endométrio; porém, a falta de ovulação (se não ovula, não tem corpo lúteo, não produz progesterona) impediu a ocorrência da menstruação. Portanto, um teste da progesterona positivo significa que a paciente tinha um quadro de anovulação! Além de oligomenorreia/amenorreia, as pacientes com SOP podem apresentar quadros de sangramento disfuncional (termo cada vez menos usado). Vale relembrar as causas de sangramento uterino anormal: PALM COEIN. Na SOP, ficaríamos com o “O”: causas ovulatórias de sangramento uterino. Nessas pacientes, ele geralmente é intenso e imprevisível. Na SOP, o endométrio é cronicamente estimulado pelo estrogênio sem a oposição da progesterona. Isso leva a uma proliferação endometrial. O endométrio espessado pode ficar instável, resultando em sangramento com padrão imprevisível.A longo prazo, há riscos de hiperplasia de endométrio e até câncer de endométrio. - Hiperandrogenismo: hirsutismo e acne (lembrando que a SOP é a principal causa de hiperandrogenismo na mulher). Não é comum a virilização (clitoromegalia, alteração de voz, aumento de massa muscular). Nesses casos, devemos investigar outras causas, tais como tumores adrenais ou ovarianos virilizantes (produtores de androgênios). O hirsutismo é a manifestação clínica mais comum do hiperandrogenismo. Outros sinais que podem surgir são acne, seborreia e alopecia de padrão androgênico (frontal). ➔ Acne: A acne se deve ao bloqueio da abertura folicular por hiperceratose, produção excessiva de sebo, proliferação de Propionibacterium acnes comensal e inflamação por ação androgênica. ➔ Alopecia: A alopecia ocorre devido a ação da 5-alfa-redutase no folículo piloso, gerando queda do cabelo. ➔ Hirsutismo: O hirsutismo é o excesso de pelos de padrão masculino (grosso e pigmentados) na mulher. Dentro do folículo piloso, a testosterona é convertida em di-hidrotestosterona (DTH) pela enzima 5-alfa-redutase. A testosterona e, principalmente, a DTH são os responsáveis por engrossar e enegrecer os pelos de áreas sensíveis a androgênios. A quantificação da distribuição de pelos pode ser feita utilizando a Escala de Ferriman-Gallwey, que possui 9 imagens com diferentes padrões de hirsutismo, sendo que o seu grau é pontuado de 0 a 4. De acordo com as novas recomendações da ASRM e ESHRE, a pontuação para considerar o hirsutismo varia de acordo com a etnia da paciente, sendo considerados o valor de 4 para orientais ou 6 para outras etnias. - Infertilidade: SOP é responsável por até 80% dos casos de infertilidade por anovulação. ● Diagnóstico: Os critérios para o diagnóstico da SOP sempre estão relacionados com a hipersecreção de LH, que compreende a irregularidade menstrual (anovulação) e o aumento da secreção dos andrógenos (clínica e/ou laboratorialmente). A partir desse entendimento, tentam-se construir critérios para justificar o conceito de síndrome da doença. A SOP é considerada um diagnóstico de exclusão. O principal critério utilizado é o de Rotterdam (ter dois de três, excluindo outras causas): - Ciclos anovulatórios: oligomenorreia ou disfunção menstrual (ex.: ciclo > 42 dias). - Hiperandrogenismo laboratorial ou clínico (acne, hirsutismo ou alopecia). - Ovários policísticos ao USG. O hiperandrogenismo laboratorial ocorre quando há elevação de pelo menos um androgênio, que pode ser testosterona total, androstenediona e/ou sulfato de desidroepiandrosterona sérica (SDHEA). Com relação à presença de ovários policísticos à USG, deve ter mais de 20 folículos antrais de tamanho entre 2 e 9 mm, em pelo menos um dos ovários ou volume ovariano maior ou igual a 10 cm3. Não deve ser considerado o ovário que apresenta folículo dominante ou corpo lúteo. Nesses casos, o exame deve ser repetido. ● 3. Relacionar a resistência insulínica com a SOP 4. Associar a SOP com suas comorbidades Na SOP, uma vez deflagrada qualquer uma das alterações implicadas em sua gênese, um círculo vicioso de eventos descrito por Yen et al. ocorre sucessivamente, perpetuando as alterações da síndrome. Assim, independentemente da porta de entrada no círculo fisiopatológico, a relação hormônio luteinizante (LH)/hormônio foliculoestimulante (FSH) aumentada provoca hipersecreção de andrógenos ovarianos e ausência de desenvolvimento folicular, com aumento da relação estrona/estradiol, que age em nível hipofisário, perpetuando as alterações de gonadotrofinas, que aumentam a secreção de andrógenos, e assim sucessivamente. ● Alterações neuroendócrinas: Está bem-descrito um aumento tônico de LH, secundário ao aumento de frequência e amplitude de pulsos de hormônio liberador de gonadotrofinas (GnRH). Esse padrão pode ocorrer por exposição pré-natal a níveis altos de andrógenos ou pela diminuição da inibição central de dopamina e opioides endógenos em relação ao GnRH. Do mesmo modo, acredita-se que a baixa concentração de FSH ocorra por inibição endógena, causada possivelmente pela concentração aumentada de hormônio antimülleriano (HAM), característica de pacientes com SOP. Modelos de animais expostos a excesso de testosterona na vida fetal revelaram defeitos metabólicos, como resistência insulínica e hiperinsulinemia em fêmeas adultas. A hipótese de programação fetal está bem-definida em modelos animais, mas ainda precisa ser confirmada em humanos. ● Hiperandrogenismo primário suprarrenal e/ou ovariano: Foi observada, em mulheres com SOP, alteração de uma base na região CYP17 do gene que codifica a enzima citocromo P450 17-alfa, provocando aumento de sua atividade. Ocorre, então, hipersecreção discreta de androstenediona e testosterona (T) livre, a partir de células da teca e de sulfato de deidroepiandrosterona (S-DHEA) e 17-hidroxiprogesterona a partir do córtex suprarrenal, bem como hiper-resposta dos 17-cetoesteroides ao hormônio adrenocorticotrófico (ACTH). Os altos níveis de andrógenos locais provocam atresia folicular, perpetuam a relação LH/FSH aumentada e aumentam a resistência insulínica. ● Síntese extraglandular de andrógenos: Alterações de atividade da 11β-hidroxiesteroide-deidrogenase e das 5-α e β-redutases110, podem aumentar a síntese de andrógenos no tecido adiposo. Essas enzimas estão envolvidas no metabolismo periférico do cortisol, o que pode ativar a esteroidogênese suprarrenal. Por outro lado, o aumento de tecido adiposo, por sobrepeso e obesidade, representaria uma causa exógena, ambiental, de síntese extraglandular de hormônios. ● Resistêncisa insulínica: ● Fatores intrafoliculares: Na SOP, há distribuição anômala de inibina intraovariana, com diminuição nas células da granulosa e aumento nas células da teca, o que causa atresia folicular e hiperandrogenismo. Embora dosagens séricas de inibina sejam normais em pacientes com SOP, após a fase folicular precoce, os níveis intraovarianos de inibina nas células da teca são muito maiores que os de mulheres normais, podendo contribuir para a atresia folicular no momento de seleção do folículo dominante. A inibina aumenta a produção de andrógenos mediada por LH em células da teca em cultura. A redução da folistatina nas células da granulosa pode resultar em aumento da produção de estrogênios. A kit ligande (KL) é uma citocina intraovariana que ativa os folículos primordiais e promove crescimento e sobrevida folicular, diferenciação de células do estroma, proliferação de células da teca e síntese de andrógenos.113 Desregulação da KL em pacientes anovulatórias hiperandrogênicas com SOP é uma etiopagenia promissora que vem sendo investigada. ● Obesidade; ● Diabetes tipo 2 e intolerância à glicose; ● Dislipidemia; ● Hipertensão arterial sistêmica; ● Síndrome metabólica; ● Neoplasia de endométrio; 5. Explicar a ação da metformina no tratamento da SOP Metformina (cloridrato de 1,1-dimetil biguanida) é uma biguanida atualmente usada como sensibilizador da insulina e antidiabetogênico oral. Essa substância atua como sensibilizadora da insulina na membrana celular, conduzindo a glicose para o meio intracelular. Além dessa função, para a qual foi desenvolvida, é fundamental seu papel na inibição do mecanismo hepático de gliconeogênese, evitando a dissolvência dos ácidos graxos. A metformina foi introduzida em 1957, mas só se tornou disponível para uso nos EUA em 1995, estando aprovada pela Food and Drug Administration (FDA) para tratamento de diabetes melito tipo 2, com perfil de segurança provavelmente melhor do que os observados com outros sensibilizadores da insulina. Em 1994, Velazquez et al.129 avaliaram pela primeira vez os efeitos da administração da metformina em 26 pacientes obesas com SOP com a intenção de investigar o papel da resistência à insulina na patogênese da síndrome. Após 6 meses de uso de metformina com doses de 1.500 mg/dia, os autores relataram redução significativa na circulação de níveis de andrógenos e do peso corporal. Além disso, demonstraram a eficácia da metforminana regularização dos ciclos menstruais, que passaram a ser ovulatórios em pacientes com SOP. Atualmente, ginecologistas e endocrinologistas prescrevem a metformina para tratar pacientes com SOP. A AE-PCOS sugere que a metformina seja usada para tratar e prevenir a progressão da IGT em pacientes portadoras de SOP. A American Association of Clinical Endocrinologists recomenda a metformina como intervenção inicial em pacientes com sobrepeso ou obesas com SOP. Em 2007, foi reunido o International ESHRE/ASRM-sponsored PCOS Consensus Workshop Group para discutir desafios terapêuticos de mulheres com infertilidade e SOP. Questões importantes foram debatidas, como a eficácia e a segurança dos diversos tratamentos disponíveis para essas mulheres, incluindo medicamentos sensibilizadores de insulina. O grupo de estudo concluiu que os sensibilizadores de insulina não deveriam ser administrados como agentes de primeira escolha para induzir a ovulação de mulheres com SOP, restringindo-se seu uso a pacientes com IGT. Essas dúvidas permanecem, provavelmente porque ainda é preciso conhecer melhor os efeitos da metformina e seus regimes de administração em pacientes que sofrem das consequências da SOP. Em 2008, Nestler publicou um editorial interessante, no qual criticou as conclusões do consenso de 2007 e manteve o debate aberto sobre essa questão. Há cada vez mais consenso sobre o uso de sensibilizadores de insulina nos tratamentos de portadoras de resistência insulínica, seja na prevenção de distúrbios metabólicos, seja no auxílio do tratamento de infertilidade. É importante que o uso da metformina não seja banalizado, que não ocorra em todas as pacientes com SOP, pois se beneficiam dele apenas as mulheres com resistência insulínica marcada clínica ou laboratorialmente. Seu uso na infertilidade, como mais bem discutido a seguir, deve ser como coadjuvante na estimulação ovariana. As doses podem variar entre 1.700 mg até 2.550 mg/dia na apresentação comum, ou 500 a 1.500 mg na apresentação XR (microcapsulada). Um trabalho de Bruno et al. confrontou doses de 1.500 e 2.550 mg quando na variação do IMC das portadoras de SOP, evidenciando-se que as pacientes com IMC maiores se beneficiam com doses maiores. Apesar de uma metanálise publicada posteriormente ter ido de encontro ao artigo anterior, o protocolo de Bruno et al. tem sido comprovado na prática clínica. É fundamental esclarecer às pacientes os inconvenientes dos eventos adversos como náuseas, vômitos, diarreia e mal-estar, principalmente no início. Deve-se orientar as pacientes a fazer uso junto as refeições, para diminuir esses efeitos. Outro recurso seria iniciar com doses menores até atingir a dose desejada no tratamento. 6. Listar as possibilidades terapêuticas para o tratamento da SOP A escolha do tratamento para as mulheres com SOP depende dos sintomas apresentados. Os sintomas geralmente se encaixam em três categorias: distúrbios relacionados com a menstruação, sintomas relacionados com o excesso de andrógenos e estratégias do manejo da infertilidade. Na Figura 32.1 foram colocados quadros com fundo azul, para chamar a atenção para os medicamentos usados no tratamento e sua atuação na fisiopatologia da SOP. - Hiperandrogenismo: ➔ Contraceptivos orais combinados; COC promove o feedback negativo sobre a produção de LH, diminuindo a síntese de andrógenos pelos ovários. Outros mecanismos pelos quais os COCs reduzem os androgênios incluem: diminuição dos níveis de andrógeno em circulação livre por meio do aumento da produção da SHBG; diminuição da secreção de andrógeno suprarrenal; e inibição da conversão periférica da testosterona em di-hidrotestosterona e a ligação da di-hidrotestosterona aos receptores de andrógeno. Os progestógenos têm diferentes graus de efeitos andrógenos. Mais recentes, os COCs contêm progestógenos menos androgênicos, como noretindrona, desogestrel e norgestimato. ➔ A espironolactona: Um antagonista da aldosterona, é um antiandrogênico que atua principalmente por ligação ao receptor de andrógeno como um antagonista. Também inibe no ovário a esteroidogênese e atua diretamente na inibição da atividade da 5α-redutase, concorrendo com os receptores de andrógeno nos folículos. Doses de 25 a 200 mg/dia em uma ou duas doses divididas são recomendadas. Quando usada isoladamente, a espironolactona pode causar irregularidades menstruais e a feminização de fetos masculinos, portanto, as portadoras de SOP devem evitar a gravidez, administrando-se a espironolactona em combinação com anticoncepcionais orais. A espironolactona pode causar hiperpotassemia, devendo ser usada com precaução em pacientes com história de litíase ou alterações renais. ➔ A drosperinona é um progestógeno mais recente que funciona como antagonista do receptor de andrógeno, e é um análogo de espironolactona com atividade antimineralocorticoide. Mas a ciproterona e a clormadinona ainda são a escolha quando se pensa em um forte poder antiandrogênico. O dienogeste é outro progestógeno mais recente, com propriedades antiandrogênicas. Embora existam riscos associados a COC, os benefícios parecem superar os riscos na maioria dos pacientes com SOP ➔ Finasterida: A finasterida é um antiandrógeno que inibe competitivamente a 5α-redutase no tecido hepático, resultando em inibição da conversão de testosterona em di-hidrotestosterona e diminuição de seus níveis plasmáticos. A finasterida é categoria X para a gravidez, dado o risco de feminização do feto masculino, tendo recomendação semelhante à da espironolactona. - Irregularidade menstrual: O uso de qualquer COC já pode inibir a proliferação endometrial e suas consequências, além de ajudar a regularizar o ciclo dessas pacientes. Os contraceptivos orais combinados com progestógenos antiandrogênicos já citados servem a este princípio de proteção endometrial. Entretanto, em pacientes que desejam engravidar, ou não querem fazer uso de contraceptivos combinados ou em que estes estão contraindicados, pode-se se lançar mão de progestógenos de segunda fase. Nesse caso, pode-se sugerir a progesterona micronizada em 100 mg em 10 ou 14 dias corridos com início no 14o dia do ciclo, ou a di-hidrogesterona na dose de 10 mg, a medroxiprogesterona também em 10 mg ou acetato de nomegestrol na dose de 5 mg, todos em mesmo esquema de segunda fase. Todos seriam indicados para proteção endometrial e regularização do ciclo - Infertilidade: A perda de peso pode melhorar os níveis de andrógenos circulantes, juntamente com o fornecimento de inúmeros outros benefícios metabólicos para as pacientes com SOP. Os benefícios da perda de peso podem ser evidentes com uma perda de pelo menos 5% do peso corporal, sendo recomendada como terapia de primeira linha para a gestão da infertilidade em mulheres com sobrepeso e obesas com SOP. A obesidade traz um risco para a gravidez e ainda está associada a abortamentos. Além disso, a obesidade está associada a redução na resposta a tratamentos de fertilidade, incluindo citrato de clomifeno e gonadotrofinas. A cirurgia bariátrica tem se mostrado eficaz para melhorar a regularidade do ciclo, aumentar a ovulação e a concepção espontânea. ➔ Citrato de clomifeno: O citrato de clomifeno é o fármaco de primeira escolha para induzir a ovulação em mulheres com SOP, mas como modelador seletivo do receptor de estrogênio tem ação parcial. A sua atividade antiestrogênica no hipotálamo induz a liberação de GnRH, aumentando a secreção do FSH pela hipófise ➔ Letrozol: O letrozol é o inibidor de aromatase mais empregado para induzir a ovulação, sendo administrado em doses entre 2,5 e 7,5 mg/dia durante 5 dias, começando no dia 3o dia. O letrozol apresenta algumas vantagens sobre o clomifeno, por não apresentar antiestrogênicos no endométrio, e ter meia-vida mais curta e maior taxa de ovulação monofolicular. Uma recente revisão sistemática e metanálise de ensaios clínicos randomizados comparando letrozol com clomifeno indicou que a administração de letrozol foi associada a uma taxa de ovulação maior por paciente. - Estilode vida: ➔ O mais importante é o estilo de vida, devendo-se estimular uma dieta reduzida em carboidratos e com mais proteínas, com um acompanhamento de nutricionista. Os exercícios físicos devem ser estimulados de 4 a 5 vezes/semana para se obter eficácia e também acompanhados por um profissional qualificado, principalmente se a paciente estiver com obesidade. Essa mudança no perfil e estilo de vida contribui para a melhora de todos os sintomas discutidos aqui, melhor até que todas as substâncias citadas; compreendendo a dificuldade dessas mudanças, cabe acompanhar sempre essas mulheres para evitar todo o processo de SM que pode vir a se instaurar com precocidade. ● ggg
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