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Dicionário Eletrônico Português/Espanhol para o MERCOSUL Lêda Corrêa Universidade Federal de Sergipe/UFS Integração é a palavra-chave que orienta toda a proposta do Mercado Comum do Sul – MERCOSUL e as estratégias propostas para tal intento pelo Setor Educativo desse megabloco têm como pilares o bilinguismo e a interculturalidade. As ações em curso desse setor culminaram na proposição de sucessivos planos educacionais, cuja principal meta é o ensino-aprendizagem do português e do espanhol, línguas oficiais do MERCOSUL, nas zonas fronteiriças e não fronteiriças do Brasil, Argentina, Paraguai e Uruguai, países signatários do Tratado de Assunção, que deu origem ao MERCOSUL em 26 de março de 1991. Decorridos vinte anos de existência desse acordo, a integração econômica e social entre os Estados Partes ainda é incipiente. No campo da educação, a carência de manuais didáticos de Português Língua Estrangeira, doravante PLE, e de dicionários bilíngues que privilegiem as variedades dos usos vocabulares do português e do espanhol em solo latino-americano é um dos fatores que tem dificultado a difusão e promoção do Português Brasileiro, doravante PB, como PLE nas unidades escolares dos países de língua espanhola. Em termos mais abrangentes, esse cenário ainda desfavorável para o ensino- aprendizagem de PLE, nesse espaço regional, decorre de certa debilidade das políticas linguísticas e educacionais para incrementar a formação de recursos humanos no âmbito da docência em PLE e a produção de material de ensino-aprendizagem. O projeto Formação docente e inovação tecnológica para o ensino-aprendizagem de Português Língua Estrangeira (PNPD/CAPES e FAPITEC-SE) desenvolvido por membros do Grupo Interinstitucional de Pesquisa em Lexicologia (GIPLEX), por intermédio de suas quatro principais metas – 1. realização do mapeamento geopolítico do ensino- aprendizagem do PB como PLE nas escolas de nível fundamental e médio do países integrantes do MERCOSUL; 2. aprofundamento da abordagem comunicativa para o ensino de PLE, com base na interculturalidade e no léxico, por intermédio do Núcleo de Ensino-Aprendizagem de Português para Estrangeiros (NEAPLE); 3. elaboração de um dicionário com equivalência português brasileiro e espanhol rioplatense (DIPLE); e 4. elaboração de um dicionário eletrônico de Português Brasileiro e Espanhol Rioplatense (DELPE) 1 – tem como papel fundamental contribuir com as ações de pesquisas e políticas linguísticas voltadas à expansão e difusão da variedade brasileira do PLE no MERCOSUL. Esse texto circunscreve-se à exposição das etapas de desenvolvimento da meta 4 do referido projeto, – produção de minidicionário eletrônico de Português Brasileiro e Espanhol Rioplatense -, que, no decorrer da pesquisa, sofreu uma alteração em sua arquitetura geral, concebida originalmente como semasiológica ou alfabética, passando a uma arquitetura mista, na qual a estrutura global é onomasiológica ou conceitual, isto é, organizada por eixos temáticos e subtemáticos, cujos vocábulos a eles relacionados semanticamente são dispostos em ordem alfabética, atendendo desse modo ao princípio semasiológico de organização. Essa proposta estrutural mista busca atender, em primeiro lugar, às necessidades de aprendizagem do público-alvo, aprendizes hispanofalantes de PLE, dos níveis inicial e intermediário, cuja rede vocabular associativa e seus lexemas equivalentes em língua materna (espanhol), bem como os conhecimentos dos conteúdos definitórios mais frequentes dos vocábulos em língua estrangeira (português) são ainda incipientes. Em segundo lugar, uma configuração onomasiológica ↔ semasiológica possibilita atender, por um lado, a consulta ao dicionário para fins da produção oral e escrita do aprendiz, momento em que o consulente busca ampliar a rede vocabular associativa, que faculte a ele um melhor desempenho na organização textual-discursiva em diferentes situações comunicativas em língua estrangeira. Por outro lado, a organização semasiológica decorrente da rede vocabular associativa onomasiológica possibilita ao aprendiz de uma língua estrangeira a busca dos significados do(s) lexema(s) dessa rede associativa, expandindo assim seus conhecimentos de mundo condensados nas designações vocabulares. A consulta semasiológica, segundo Welker (2004), destina-se mais ao processo de compreensão e interpretação de textos do que ao processo de produção oral e escrita, em que a consulta onomasiológica é mais adequada e eficiente por guardar relações entre vocábulos associados por relações de sinonímia, antonímia, hiperonímia etc. Segundo esse autor, que comenta as afirmações de Hallig & Wartburg (1952), os dicionários onomasiológicos apresentam dois problemas. O primeiro é que “a divisão em categorias, em diversos níveis, é sempre subjetiva” 1 A meta 3 é desenvolvida em parceria com pesquisadores da PUC-SP, sob a coordenação da Profa. Dra. Jeni Silva Turazza (PUC- SP) e Profa. Dra. Lêda Corrêa (UFS). (Welker, 2004, p. 49). A construção de uma estrutura vocabular hierárquica pela relação de hiponímia, a exemplo do que apresenta Lyons (1977), pode variar em função dos recortes culturais e da decisão do lexicógrafo. Essas diferenças manifestadas na hierarquia vocabular nem sempre estão no lugar onde o consulente procura suas informações. Nesse sentido, a proposta de um dicionário misto, no qual as informações podem ser encontradas também em ordem alfabética visa minimizar esse primeiro problema. O segundo problema apontado por Welker (2004) nos dicionários onomasiológicos reside na falta das definições vocabulares, que limita a ação do consulente, pois ao encontrar o lexema que procura na rede semântica, ele precisa recorrer ao dicionário semasiológico, no caso de desconhecer o significado e o contexto de uso do lexema por ele selecionado. Esse problema pode ser também minimizado no dicionário misto, tendo em vista que o consulente pode encontrar as definições relativas a diferentes contextos de uso vocabular mais frequente pela busca alfabética. Frente às justificativas expostas sobre a importância de um dicionário misto, a proposta eletrônica do DELPE constitui, por fim, a justificativa derradeira para a elaboração de um dicionário onomasiológico ↔ semasiológico, em virtude dos inúmeros recursos técnicos e operacionais desse tipo de suporte, sem os quais essa configuração híbrida seria praticamente impossível. Há aspectos importantes a serem considerados nos dicionários eletrônicos, sobretudo num contexto de inovação tecnológica, cuja direção aponta para o desenvolvimento científico e tecnológico que possa trazer contribuições inovadoras e provocar efeitos de alto impacto em diferentes segmentos sócio-econômicos nacionais e internacionais. Segundo Auroux (2009), as gramáticas e os dicionários constituem-se como produtos tecnológicos da área, aos quais acrescentamos também os manuais didáticos, por serem destinados à utilização de professores e alunos no ensino-aprendizagem de qualquer conhecimento disciplinar e escolarizado. Sob essa perspectiva, os dicionários eletrônicos reúnem, a um só tempo, a própria natureza tecnológica de que se reveste qualquer dicionário e a tecnologia eletrônica como suporte veiculador dessa produção. O DELPE – Dicionário Eletrônico de Português e Espanhol – será destinado ao uso escolar no nível primário e secundário, de instituições de ensino situadas nos Estados Partes do MERCOSUL – Argentina, Uruguai e Paraguai. O tipo de acesso aos dados em formato digital do DELPE ainda se encontra em fase de análise, diante das seguintes possibilidades de acessibilidade: a) como Pocket Electronic Dictionary (PED); b) como aplicativos em dispositivos móveis, do tipo smartphones ou computadores tablet; c) como função interna de leitor de e-book; e/ou d)como CD- ROM ou DVD-ROM. A seleção dos modos de acessibilidade dos dados digitais do DELPE dependerá dos resultados do levantamento sobre os meios de implementação desse dispositivo nas escolas de ensino primário e secundário dos países do MERCOSUL. Segundo a Lei de Inovação nº 10.973, de 2 de dezembro de 2004, que dispõe sobre incentivos à inovação e à pesquisa científica e tecnológica no ambiente produtivo, que resultem em novos produtos, processos e serviços, a equipe de pesquisadores já realizou a prospecção desse produto em âmbito nacional e internacional junto ao INPI – Instituto Nacional de Propriedade Industrial. 2 A etapa seguinte, a depender do tipo de acessibilidade a ser selecionado, corresponde ao registro de software (no caso de CD- ROM e DVD-ROM, ou ao patenteamento do produto (no caso de PED, leitor de e-book e aplicativos em dispositivos móveis). A título de demonstração da estrutura global do DELPE, apresentamos os quadros abaixo, cientes de que a pesquisa sobre a construção dos eixos temáticos e subtemáticos será iniciada pela análise das seguintes obras lexicográficas: Dicionário de palavras interligadas – analógico e ideias afins, de Kurt Pessek, Dicionário analógico – ideias afins/ thesaurus, de Francisco Ferreira dos Santos Azevedo, Pequeno dicionário de ideias afins, de Hermínio Sargentim; e Longman Lexicon of Contemporary English, de Tom McCarthur. Figura 1 – Estrutura temática e subtemática do DELPE 2 O INPI é autarquia federal vinculada ao Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior, responsável por registros de marcas, concessão de patentes, averbação de contratos de transferência tecnológica e de franquia empresarial, e por registros de programas de computador, desenho industrial e indicações geográficas, de acordo com a Lei de Propriedade Industrial (Lei nº 9.279/96) e Lei do Software (Lei nº 9609/98). TEMA 1 ANIMAL TEMA 2 TEMA N VERTEBRADO INVERTEBRADO SUBTEMA 2 SUBTEMA 2 SUBTEMA N SUBTEMA N Figura 2 – Estrutura mista onomasiológica ↔ semasiológica do DELPE Figura 3 – Outros recursos da estrutura do DELPE PORTUGUÊS ESPANHOL PORTUGUÊS ESPANHOL ABUTRE BUITRE ABELHA ABEJA ÁGUIA ÁGUILA ÁCARO ÁCARO ANTA ANTA ARANHA ARAÑA ASNO ASNO AVESTRUZ AVESTRUZ ANIMAL VERTEBRADO INVERTEBRADO LETRA A Demais recursos da estrutura do DELPE viabilizados pelo clique no vocábulo selecionado pelo consulente A TÍTULO DE EXEMPLIFICAÇÃO: ao clicar no vocábulo ASNO, o consulente encontrará os seguintes recursos disponíveis: CLASSE GRAMATICAL: substantivo masculino DEFINIÇÃO PRINCIPAL: mamífero semelhante ao cavalo, geralmente de menor porte e orelhas mais longas. Jumento, burro, jegue. EXEMPLO: O asno transporta cargas pesadas. PRONÚNCIA DO VOCÁBULO EM PB (recurso de áudio) IIMAGEM (recurso visual, quando possível) OUTRAS ACEPÇÕES acompanhadas de exemplos e equivalentes em espanhol: Definição 2: (sentido figurado. Uso: pejorativo) Indivíduo pouco inteligente; burro. Aquele rapaz é um asno, pois não aprende nada com facilidade. FORMAS DERIVADAS DE USO FREQUENTE EM PB: asneira FORMAS VERBAIS DE USO FREQUENTE EM PB: ø asno Os principais elementos da estrutura onomasiológica ↔ semasiológica do DELPE presentes nas Fig. 1, 2 e 3 serão ativados conforme a necessidade do consulente, aprendiz de PLE, por meio do recurso adicional de busca vocabular em português e em espanhol, muito comum em dicionários eletrônicos de um modo geral. Outro recurso adicional que estará disponível no DELPE é conjugação de verbos, com a finalidade de auxiliar o aluno em seu processo de aprendizagem da gramática de uma língua estrangeira. À guisa de conclusão, a proposta de elaboração de dicionários bilíngues em geral, de estrutura semasiológica, onomasiológica ou mista com fins didático- pedagógicos para o ensino-aprendizagem do PB como PLE, deve figurar na agenda das estratégias de uma política linguística voltada à promoção e difusão da língua portuguesa, na variedade brasileira, no espaço geopolítico de outros continentes, além da América do Sul. Aliados às gramáticas e aos manuais didáticos, os dicionários que tratam do vocabulário de uso frequente do português e do espanhol, nas variedades brasileira e rioplatense, com vistas ao atendimento da demanda dos países integrantes do MERCOSUL, representam o firme propósito de uma planificação linguística decorrente de uma política linguística em prol da construção da cidadania regional desse megabloco. Referências AUROUX, Sylvain. A revolução tecnológica da gramatização. Tradução por Eni Puccinelli Orlandi. Campinas, SP: Editora da Unicamp, 2009. AZEVEDO, Francisco Ferreira dos Santos. Dicionário analógico da língua portuguesa: ideias afins/thesaurus. 2 ed. rev. e ampliada. Rio de Janeiro: Lexikon, 2010. BRASIL. Lei nº 10.973, de 2 de dezembro de 2004. Dispõe sobre incentivos à inovação e à pesquisa científica e tecnológica no ambiente produtivo e dá outras providências. Diário Oficial da União, Brasília, 3 dez. 2004. LYONS, John. Semântica – I. Tradução por Wanda Ramos. Porto: Presença e São Paulo: Martins Fontes, 1977. McCARTHUR, Tom. Longman Lexicon of Contemporary. Harlow: Longman, 1981. PARAGUAI. Tratado para a constituição de um mercado comum entre a República Argentina, a República Federativa do Brasil, a República do Paraguai e a República Oriental do Uruguai. março de 1991. Disponível na Internet em: http://www.mre.gov.py/dependencias/tratados/mercosur/registro%20mercosur/Acuerdo s/1991/portugués/1.Tratado%20do%20Assunção.pdf PESSEK, Kurt. Dicionário de palavras interligadas – analógico e ideias afins. Brasília: Thesaurus, 2010. SARGENTIM, Hermínio. Pequeno dicionário de ideias afins. São Paulo: IBEP Nacional, 2008. WELKER, Herbert Andreas. Dicionários: uma pequena introdução à lexicografia. 2 ed. rev. e ampliada. Brasília: Thesaurus, 2004.