Baixe o app para aproveitar ainda mais
Prévia do material em texto
UNIVERSIDADE FEDERAL DE MINAS GERAIS FACULDADE DE FARMÁCIA PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM MEDICAMENTOS E ASSISTÊNCIA FARMACÊUTICA ROGÉRIO GUIMARÃES DE LIMA SILVA AVALIAÇÃO DA QUALIDADE DA ANTICOAGULAÇÃO ORAL EM CARDIOPATAS ATENDIDOS EM AMBULATÓRIOS DE REFERÊNCIA EM BELO HORIZONTE Belo Horizonte 2016 ROGÉRIO GUIMARÃES DE LIMA SILVA AVALIAÇÃO DA QUALIDADE DA ANTICOAGULAÇÃO ORAL EM CARDIOPATAS ATENDIDOS EM AMBULATÓRIOS DE REFERÊNCIA EM BELO HORIZONTE Dissertação apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Medicamentos e Assistência Farmacêutica da Faculdade de Farmácia da Universidade Federal de Minas Gerais, como requisito parcial à obtenção do título de Mestre em Medicamentos e Assistência Farmacêutica. Orientadora: Profa. Drª. Maria Auxiliadora Parreiras Martins. Coorientadora: Profa. Drª Caryne Margotto Bertollo. Belo Horizonte 2016 Aos meus pais, José Lima e Elizabeth. AGRADECIMENTOS Ao Deus (in) visível por me agraciar com a Sua boa, agradável e perfeita vontade (Rm 12:2). Aos meus pais, por se dedicarem sempre a dar o melhor, mesmo com toda minha ingratidão. Aos meus irmãos, cunhados e sobrinhos, em especial ao Vitor, por ter me arrancado sorrisos em épocas de céu de bronze. Às minhas orientadoras Maria Auxiliadora e Caryne Margotto pela confiança, paciência, investimento e por não desistirem de mim, mesmo quando tudo parecia perdido. Obrigado por cada palavra de incentivo e por contribuírem com minha formação. Esse trabalho não seria possível sem vocês. Ao HRTN e ao HC/UFMG e toda equipe que de alguma forma contribuírem com a coleta dos dados e com a realização desse projeto, em especial aos pacientes das clínicas de anticoagulação. À Josiane Costa pela ajuda no recrutamento, ao Pedro Guimarães pela revisão dos prontuários médicos, a Gabi Rebouças pela confecção do banco de dados, a Isadora pelo auxilio na dupla digitação e no cálculo do TTR, à Josiane Moreira pela ajuda com os resultados da RNI dos pacientes do HRTN, ao João e a Aline pela contribuição com os pacientes do HC/UFMG. Aos professores Milena Soriano e Adriano Max pelas sugestões no exame de qualificação, o que norteou e enriqueceu esse trabalho. Ao PPGMAF e a UFMG por acreditarem nesse trabalho e por contribuírem novamente com minha formação, em especial ao Silas por sempre estar disponível a organizar a parte burocrática de uma pós-graduação. Bons tempos, tempos difíceis, mas nunca tempos ruins. Steve Jobs RESUMO A qualidade da anticoagulação oral é um determinante crítico na qualidade de vida dos pacientes em uso contínuo dessa classe de medicamentos. Pacientes cardiopatas e com indicações de anticoagulação oral podem se beneficiar do tratamento quando o time in therapeutic range (TTR) está acima de 60%. Nessa faixa, o risco de sangramento e complicações tromboembólicas é minimizado, aumentando a efetividade e segurança do tratamento. Os inibidores de vitamina K são os anticoagulantes orais (ACO) mais usuais, sendo a varfarina o mais utilizado no Brasil. Dentre as características desse fármaco, destaca-se sua estreita faixa terapêutica e uma ampla variabilidade na dose resposta ao tratamento o que requer monitorização laboratorial periódica. O tempo de protrombina (TP) é o método mais comum usado para monitorar a terapia anticoagulante, por meio da relação normalizada internacional (RNI). A RNI varia de 2,0 a 3,0 para a maioria das indicações. Esse estudo tem como objetivo investigar a qualidade da anticoagulação oral em pacientes cardiopatas, atendidos em duas clínicas de anticoagulação (CA) vinculadas a dois hospitais de ensino no município de Belo Horizonte. Trata-se de um estudo observacional de coorte retrospectivo, que avaliou variáveis sociodemográficas e clínicas. Foram avaliados 544 pacientes, com mediana de idade de 63,7 (Quartil 1 (Q1) 54,3, Quartil 3 (Q3) 73,6) anos, sendo maioria do sexo feminino (57,4%), apresentando baixo grau de escolaridade e renda. A fibrilação atrial (FA) foi a indicação da ACO mais predominante (77,1%). A mediana da fração da RNI na faixa terapêutica foi 53,5% (Q1 43,5, Q3 62,5) e mediana do TTR foi 64,3% (Q1 54,0, Q3 74,0). A mediana do número de medicamentos utilizados incluindo a varfarina foi de 6,0 (Q1 5,0, Q3 7,0) e a maioria dos pacientes apresentaram comorbidades (97,5%; mediana 3,0 (Q1 2,0, Q3 5,0). O TTR institucional foi considerado satisfatório, principalmente ao ser obtido em um país em desenvolvimento e em um grupo de pacientes com baixo grau socioeconômico e cultural. Entretanto, observou-se baixo TTR individual para 210 (38,4%) pacientes. PALAVRAS CHAVE: varfarina, cardiopatias, tromboembolismo, tempo de protrombina. ABSTRACT The quality of oral anticoagulation is a critical determinant in the quality of life of patients in continuous use of this class of drugs. Patients with heart disease with indications for oral anticoagulation may benefit from treatment when the time in therapeutic range (TTR) is above 60%. In this range, the risk of bleeding and thromboembolic complications is minimized, increasing the effectiveness and safety of the treatment. The inhibitors of vitamin K are the most common oral anticoagulants (OAC) in the clinical pratice and warfarin is the most used OAC in Brazil. Warfarin has a narrow therapeutic index and a wide variability in the dose response to the treatment Therefore, it requires periodic laboratory monitoring. The prothrombin time (PT) is the most common method used to monitor anticoagulant therapy through the International Normalized Ratio (INR). The INR ranges from 2.0 to 3.0 for most indications. This study aims to investigate the quality of oral anticoagulation in patients with heart disease, attended at two anticoagulation clinics (AC) linked to two university hospitals in the city of Belo Horizonte. This is an observational retrospective cohort study that evaluated sociodemographic and clinical variables. A total of 544 patients was evaluated, with a median age of 63.7 (Quartile 1 (Q1) 54.3, Quartile 3 (Q3) 73.6) years, the majority was female (57.4%), presenting a low degree of schooling and income. Atrial fibrillation (AF) was the most predominant OAC indication (77.1%). The median fraction of the INR in the therapeutic range was 53.5% (Q1 43.5, Q3 62.5) and the median of the TTR was 64.3% (Q1 54.0, Q3 74.0). The median of medications used including warfarin was 6.0 (Q1 5.0, Q3 7.0) and the majority of patients presented comorbidities (97.5%, median 3.0 (Q1 2.0, Q3 5.0)). The institutional TTR was considered satisfactory, mainly when it was obtained in a developing country and in a patient group with low socioeconomic and cultural level. However, low individual TTR was observed for 210 (38.4%) patients. KEYS WORD: warfarin, heart diseases, thromboembolism, prothrombin time. LISTA DE ILUSTRAÇÕES Figura 1 Relação teórica da incidência de tromboembolismo e hemorragia com a intensidade da anticoagulação ....................................................................................... 28 Figura 2 Fluxograma de triagem para avaliação de critérios de elegibilidade ............... 39 LISTA DE TABELAS Tabela 1 Características sociodemográficas dos pacientes estudados em duas clínicas de anticoagulação .......................................................................................................... 40 Tabela 2 Características clínicas dos pacientes estudados em duas clínicas de anticoagulação ...............................................................................................................41 Tabela 3 Descrição dos eventos adversos hemorrágicos e tromboembólicos em duas clínicas de anticoagulação, n (%) ................................................................................... 43 Tabela 4 Descrição dos medicamentos de uso contínuo, excluindo a varfarina, pelos pacientes atendidos em duas clínicas de anticoagulação, segundo grupo anatômico da classificação ATC, n=2700* ........................................................................................... 43 Tabela 5 Descrição dos medicamentos de uso contínuo, excluindo a varfarina, pelos pacientes atendidos em duas clínicas de anticoagulação, segundo grupo terapêutico da classificação ATC, n=2700* ........................................................................................... 44 Tabela 6 Descrição de uma seleção dos medicamentos de uso contínuo pelos pacientes atendidos em duas clínicas de anticoagulação, exceto a varfarina* ............. 46 LISTA DE ANEXOS Anexo 1 Aprovação do Comitê de Ética em Pesquisa ................................................... 60 LISTA DE APÊNDICES Apêndice A Formulário de recrutamento de pacientes .................................................. 61 Apêndice B Protocolo para coleta de dados por meio de entrevista com o paciente .... 62 Apêndice C Protocolo para coleta de dados por meio de prontuários médicos ............. 63 Apêndice D Termo de consentimento livre e esclarecido .............................................. 65 Apêndice E Descrição completa dos medicamentos de uso contínuo, excluindo a varfarina, pelos pacientes atendidos em duas clínicas de anticoagulação, segundo grupo químico da classificação ATC. ............................................................................. 67 LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS ACO Anticoagulante oral ATC Anatomical Therapeutic Chemical FA Fibrilação Atrial AVC Acidente Vascular Cerebral CA Clínica de anticoagulação CAAE Certificado de Apresentação para Apreciação Ética COEP Comitê de Ética em Pesquisa CYP Citocromo P450 EUA Estados Unidos da América GLA γ- carboxiglutamina HC/UFMG Hospital das Clínicas da Universidade Federal de Minas Gerais HRTN Hospital Risoleta Tolentino Neves ISI Índice de Sensibilidade Internacional KH2 Vitamina K reduzida KO Vitamina K oxidada Q1 Quartil 1 Q3 Quartil 3 RNI Relação Normalizada Internacional SUS Sistema Único de Saúde TCLE Termo de Consentimento Livre e Esclarecido TEP Tromboembolismo pulmonar TP Tempo de Protrombina TTR Time in therapeutic range TVP Trombose venosa profunda UFMG Universidade Federal de Minas Gerais VKORC1 Vitamina K epóxido redutase WARF Wisconsin-Madison’s Wisconsin Alumni Research Foundation SUMÁRIO 1 INTRODUÇÃO ............................................................................................................ 16 2 JUSTIFICATIVA .......................................................................................................... 18 3 REVISÃO DA LITERATURA ...................................................................................... 19 3.1 Indicações clínica do uso de anticoagulantes orais ................................................. 19 3.2 Propriedades farmacológicas da varfarina ............................................................... 22 3.3 Eventos adversos ..................................................................................................... 27 3.4 Manejo de pacientes em uso de varfarina ............................................................... 29 4 OBJETIVOS ................................................................................................................ 32 4.1 Objetivo geral ........................................................................................................... 32 4.2 Objetivos específicos ............................................................................................... 32 5 METODOLOGIA ......................................................................................................... 33 5.1 Desenho e local do estudo do estudo ...................................................................... 33 5.2 Recrutamento ........................................................................................................... 33 5.3 Critérios de inclusão ................................................................................................. 34 5.4 Critérios de não inclusão .......................................................................................... 34 5.5 Coleta de dados ....................................................................................................... 34 5.6 Variáveis ................................................................................................................... 34 5.7 Desfechos de interesse ............................................................................................ 35 5.7.1 TTR – Time in therapeutic range ........................................................................... 35 5.7.2 Complicações hemorrágicas ................................................................................. 36 5.7.3 Complicações tromboembólicas ........................................................................... 37 6 CÁLCULO AMOSTRAL ............................................................................................. 37 7 ANÁLISE ESTATÍSTICA ............................................................................................ 37 8 ASPECTOS ÉTICOS .................................................................................................. 38 9 RESULTADOS ............................................................................................................ 38 9.1 Características sociodemográficas da população do estudo ................................... 39 9.2 Características clínicas da população do estudo ..................................................... 40 9.3 Caracterização dos medicamentos .......................................................................... 43 10 DISCUSSÃO ............................................................................................................. 47 11 CONSIDERAÇÕES FINAIS ...................................................................................... 53 REFERÊNCIAS .............................................................................................................. 54 ANEXOS ........................................................................................................................ 60 APÊNDICES .................................................................................................................. 61 16 1 INTRODUÇÃO O aumento da expectativa de vida ao nascer tem elevado a frequência de doenças cardiovasculares. Essa elevação também está relacionada com a melhoria do acesso a serviços de saúde, o que contribui para um maior número de pacientes diagnosticados com essas doenças. No Brasil, as doenças cardiovasculares são responsáveis pela morte anual de quase 20.000 idosos, aproximadamente 0,1% do total de idosos (ENZWEILER et al., 2011). Os anticoagulantes orais (ACO) são frequentemente indicados em indivíduos com doenças cardiovasculares, que cursam com eventos tromboembólicos ou maior risco de desenvolvê-los, sendo os inibidores de vitamina K os mais utilizados. No Brasil, a varfarina é o principal anticoagulante oral, o qual é amplamente distribuído pelo Sistema Único de Saúde (SUS). A varfarina é prescrita para prevenção primária e secundária da trombose venosa profunda(TVP), tromboembolismo pulmonar (TEP), prevenção de embolia sistêmica ou acidente vascular cerebral (AVC), em pacientes com próteses mecânicas valvares, com diagnóstico de fibrilação atrial (FA) e pessoas com doença de Chagas que apresentem fatores de risco para tromboembolismo (VERHOEF et al., 2014; HARTER; LEVINE; HENDERSON, 2015; PAIXÃO et al., 2009). A varfarina é um inibidor de vitamina K que apresenta estreita faixa terapêutica, ampla variedade na dose-resposta e alto risco para ocorrência de eventos adversos, representados principalmente pelos sangramentos. Por isso, o tratamento com varfarina requer monitorização laboratorial periódica realizada pela relação normalizada internacional (RNI), calculada a partir do tempo de protrombina (TP). A RNI-alvo para a maioria das indicações de varfarina é entre 2,0 e 3,0 (AGENO et al., 2012). Sendo uma das indicações mais predominantes para o uso de ACO, a FA apresenta prevalência em países desenvolvidos de 1% a 2,5% (VERHOEF et al., 2014), sendo a quinta maior causa de morte no Brasil e a quinta maior causa de internação no SUS, onde aproximadamente 1,5 milhões de pacientes apresentam este diagnóstico (ZIMERMAN et al., 2009). O número de internações associadas à FA ultrapassa 17 225.000 e a mortalidade atinge 88.000 pessoas anualmente (ANDRE et al., 2006). Um estudo realizado em várias regiões da França estimou o custo total associado ao tratamento da FA em 886 milhões de dólares, sendo considerando como custo as hospitalizações, uso de medicamentos, exames médicos mais aprofundados, perda do trabalho e procedimentos paramédicos (LE HEUZEY et al., 2004). Pacientes com FA têm risco aumentado em aproximadamente 20 vezes de desenvolver AVC, sendo essa condição clínica uma das principais causas de mortalidade e incapacidade do mundo. Além da FA, fatores de risco como hipertensão, diabetes melito, idade, tabagismo, obesidade, sedentarismo, também estão associados ao AVC e se constituem problemas de saúde pública em todo mundo. No Brasil, estudos conduzidos entre janeiro 2006 a maio de 2007 estimaram os gastos com AVC em 366,9 milhões de dólares (CHRISTENSEN et al., 2009). Considerando a importância do emprego terapêutico da varfarina, Connolly et al. (2008) descreveram que a qualidade da anticoagulação oral é um determinante crítico para redução da incidência de eventos adversos ao tratamento, sendo o time in therapeutic range (TTR) o método mais frequentemente utilizado para essa avaliação. Neste estudo, os autores descreveram que pacientes com TTR ≥60% usufruem de benefício duas vezes maior em relação à terapia com antiagregantes plaquetários, demonstrando uma associação entre baixo valor do TTR e um aumento das taxas de eventos tromboembólicos e hemorrágicos em pacientes em uso de anticoagulantes orais (CONNOLLY et al., 2008; WHITE et al., 2007). Diferentes modalidades de seguimento podem ser adotadas para o manejo do tratamento com varfarina, tais como o seguimento usual feito por cardiologistas ou médicos clínicos gerais, o acompanhamento em clínicas de anticoagulação (CA), o uso de dispositivos informatizados de ajuste de dose ou automonitorização auxiliado por aparelhos portáteis (point of care). As CA são definidas como clínicas multidisciplinares onde médicos, enfermeiros e farmacêuticos assumem a responsabilidade pela monitorização terapêutica do paciente em uso de ACO. Nesse modelo de assistência, o cuidado não é centrado necessariamente no profissional médico e atua utilizando 18 condutas padronizadas para manejo da dose e orientações ao paciente. Estudos conduzidos para investigar o controle da anticoagulação oral promovido pelas CA demonstraram resultados semelhantes ou superiores com relação ao controle da RNI ou à redução da taxa de complicações hemorrágicas ou tromboembólicas quando comparadas ao seguimento usual (ABDELHAFIZ; WHEELDON, 2004; CHIQUETTE et al., 1998; NICHOL et al., 2008; VAN WALRAVEN et al., 2006; WILSON et al., 2003). Mesmo com a introdução dos anticoagulantes orais alvo-específicos, considera-se que a varfarina continuará sendo um medicamento relevante no Brasil, principalmente no contexto do SUS, devido ao seu baixo custo, maior amplitude de indicações terapêuticas, além de ser um medicamento amplamente estudado. 2 JUSTIFICATIVA Devido ao envelhecimento populacional e à melhoria de acesso da população ao serviço de saúde no Brasil, o número de pacientes com diagnóstico definitivo de cardiopatia e, especificamente FA, poderá aumentar significativamente nas próximas décadas. Os ACO são frequentemente indicados no tratamento desses pacientes e a disponibilidade de CA no âmbito do SUS representa um avanço no manejo do tratamento. Contudo, devido às particularidades e risco inerente ao uso da varfarina, a avaliação da qualidade do controle da RNI se faz necessária para acompanhar o desempenho das CA e assegurar que seus objetivos estejam de fato sendo alcançados. Os parâmetros de avaliação da qualidade da anticoagulação oral representam indicadores diretamente relacionados à efetividade e segurança do tratamento. A relevância da execução do presente estudo está na perspectiva de melhor entendimento de como duas importantes clínicas de anticoagulação que atuam no âmbito do SUS em Belo Horizonte se situam frente aos parâmetros internacionalmente utilizadas para predição do risco de complicações ao longo da farmacoterapia com varfarina. Os resultados encontrados poderão criar subsídios para o planejamento de intervenções focadas na melhoria da qualidade e segurança desse tratamento nesses serviços. 19 3 REVISÃO DA LITERATURA 3.1 Indicações clínica do uso de anticoagulantes orais O envelhecimento da população mundial, ocasionado pelo aumento da expectativa de vida ao nascer, tem ocasionado profundas mudanças sociais e no estado de saúde das pessoas. Esse aumento da longevidade tem contribuído para um maior tempo de exposição a fatores de risco relacionados a doenças como as cardiovasculares, que representam uma das mais importantes causas de mortalidade no mundo. Apesar das taxas de mortalidade por doenças cardiovasculares no Brasil terem diminuído ao longo dos anos, elas ainda são a principal causa de morte entre idosos. Estudos mostram que essas doenças foram responsáveis por 28,1% de todas as mortes no país e, se excluídas as mortes por violência e outras causas externas, esse valor sobe para 32,1% (MASSA et al., 2016). Os ACO são frequentemente indicados em indivíduos com doenças cardiovasculares. No Brasil, a varfarina é o principal anticoagulante utilizado e é amplamente distribuído pelo SUS, sendo prescrita para prevenção primária e secundária TVP, TEP, prevenção de embolia sistêmica ou AVC em pacientes com próteses mecânicas valvares e com diagnóstico de FA e pessoas com doença de Chagas que apresentem fatores de risco para tromboembolismo (VERHOEF et al., 2014; HARTER; LEVINE; HENDERSON, 2015; PAIXÃO et al., 2009). Pacientes diagnosticados com FA apresentam um maior risco de eventos tromboembólicos, pois a estase sanguínea na região apical dos átrios pode levar à formação de trombo que pode se fragmentar em embolo e atingir a circulação sistêmica (LIP; TSE; LANE, 2012). O estudo de Framinghan (1978) demonstrou que a probabilidade de um evento tromboembólico nos pacientes com FA é 17,5 vezes maior em relação à população sem FA (LAVITOLA et al., 2009). A FA está associada, também, ao risco de TVP e TEP. Após seis meses do diagnóstico de FA, o risco de TEP é de 80% maior em relação a pacientes sem FA (ENGA et al., 2015). A morbimortalidade associada à FA pode contribuir para a redução da qualidade de vida do indivíduo e trazer grandes implicações econômicas. O uso de varfarina em pacientes 20 diagnosticados com FA reduz o risco de complicações tromboembólicas emaproximadamente 60% (VERHOEF et al., 2014). Por essa razão, diferentes diretrizes recomendam a tromboprofilaxia em pacientes com FA. Entretanto, essa indicação requer avaliação por meio de uma classificação de risco que envolve como critérios o histórico e parâmetros clínicos do paciente (FREEDMAN; POTPARA; LIP, 2016). Atualmente, o algoritmo CHA2DS2-VASc, definido por insuficiência cardíaca congestiva, hipertensão, idade ≥75 anos, diabetes mellitus, AVC, doença vascular, idade de 65 a 74 anos e sexo feminino, tem sido amplamente usado para avaliação de risco de AVC em indivíduos com FA de origem não valvar e permite estratificá-los em graus de risco de zero a nove. De acordo com essa avaliação, o risco é considerado elevado acima de 2,0, determinando a indicação do uso de ACO (LIP et al., 2010). A classificação de risco de sangramentos também é útil e possibilita a determinação mais segura da indicação de uso do anticoagulante oral. O algoritmo HAS-BLED, proposto em 2010, leva em consideração características sociodemográficas e clínicas, tais como hipertensão, função hepática e renal, AVC, história ou predisposição para sangramento, estabilidade da RNI, idade ≥65 anos, uso concomitante de bebida alcoólica e drogas de abuso. Esse algoritmo permite estratificar os pacientes em três categorias de risco de sangramento: baixo, moderado e alto (PISTERS et al., 2010). A aplicação desses algoritmos norteia de forma mais objetiva a avaliação individual do risco-benefício da indicação da farmacoterapia com ACO. Outros algoritmos também foram elaborados para avaliação de risco de sangramento como, por exemplo, o ORBIT, um algoritmo com cinco fatores de risco, tais como idade ≥75 anos; redução na hemoglobina, no hematócrito ou história de anemia; história de sangramento; insuficiência renal; tratamento com antiplaquetário. Esse algoritmo demonstrou bom desempenho na predição de eventos hemorrágicos e também pode ser usado na avaliação de risco de sangramento em pacientes tratados com varfarina (O’BRIEN et al., 2015). Apesar da disponibilidade de algoritmos para avaliação e de 21 diretrizes para o manejo do paciente com FA, a adesão a essas recomendações permanece incompleta o que resulta no uso desnecessário, bem como na omissão de uso em pacientes com elevado risco de AVC e que necessitam da tromboprofilaxia (KAKKAR et al., 2013; PROIETTI et al., 2016). Outro importante grupo com risco aumentado para eventos tromboembólicos é o dos pacientes com prótese mecânica de válvula cardíaca. A alteração do fluxo sanguíneo e a ativação dos sistemas de coagulação, devido à exposição do sangue a superfícies artificiais, contribuem para aumentar esse risco. Nesses pacientes, a tromboprofilaxia também é bastante relevante. Estudos mostram uma redução de 75% no risco de embolia grave quando os pacientes mantinham um controle adequado durante o uso de derivado cumarínico (VERHOEF et al., 2014). Ressalta-se que, no primeiro mês do pós- operatório, os mecanismos de controle da anticoagulação oral devem ser intensificados devido ao aumento da variabilidade de resposta aos ACO e do maior risco de eventos tromboembólicos (SEILER et al., 2004; VAHANIAN et al., 2012). Por sua vez, o tromboembolismo venoso, caracterizado pela TVP e TEP, frequentemente ocorre como uma complicação de cirurgia de joelho ou quadril. Vários outros fatores podem estar relacionados com o aumento do risco de eventos tromboembólicos tais como hipertensão, diabetes melito, idade, tabagismo, obesidade, sedentarismo, FA, anemia falciforme e doença de chagas (FURIE et al., 2011) e o uso de varfarina após alta hospitalar ou quando o paciente é diagnostico com evento tromboembólico que não seja decorrente de cirurgia, pode reduzir o risco dessas complicações (VERHOEF et al., 2014). No caso da doença de Chagas, Paixão et al. (2009) descreveram uma associação desta doença com o risco do desenvolvimento de eventos cardioembólicos e cerebrovasculares. O mecanismo envolvido pode ser explicado pela inflamação e surgimento de lesões tanto no endotélio quanto no endocárdio, com consequente aumento do risco trombogênico. 22 3.2 Propriedades farmacológicas da varfarina Por muitos anos, os inibidores de vitamina K foram os únicos anticoagulantes de uso oral disponíveis para o tratamento e prevenção de eventos tromboembólicos primários e secundários, apresentando efetividade em muitas indicações e sendo amplamente utilizado no mundo. Dentre os inibidores de vitamina K, os mais usuais são varfarina, acenocumarol, femprocumona e fluindiona. A varfarina é uma mistura racêmica dos enantiômeros R e S, sendo este de 2,7 a 3,8 vezes mais potente que o enantiômero R. O registro desse medicamento representa uma história de sucesso de transferência de tecnologia da Universidade de Wisconsin-Madison’s Wisconsin Alumni Research Foundation – WARF. A história começa em 1933, quando um fazendeiro de Deer Park no Texas, Estados Unidos (EUA), fez uma visita inesperada ao laboratório do professor Karl Paul Link, da escola de agricultura da universidade. O fazendeiro suspeitava que a morte das vacas de sua propriedade estava relacionada à ingestão das folhas de trevo doce. Por essa razão, o fazendeiro levou amostras da planta e de sangue não coagulado de uma de suas vacas para o laboratório de Link. Em 1941, após anos de pesquisa, Link e sua equipe isolaram o anticoagulante das folhas de trevo doce e o patentearam com o nome de warfarin, em homenagem a WARF, tendo seu uso inicial restrito como veneno para roedores (WARF, [2016?]). Somente após 1951, quando um recruta do exército norte americano sobreviveu a uma tentativa de suicídio após a utilização de doses maciças de uma preparação de varfarina destinada ao controle de roedores, foi que o potencial terapêutico da varfarina foi cogitado para prevenção e tratamento de doenças tromboembólicas (WEITZ, 2012). Os anticoagulantes orais da classe dos cumarínicos são inibidores de vitamina K. Os fatores de coagulação II, VII, IX e X e as proteínas anticoagulantes C, S e Z (AGENO et al., 2012) são sintetizados em grande parte no fígado e são biologicamente inativos. Sua ativação é dependente de vitamina K reduzida (KH2), dióxido de carbono e oxigênio molecular. A reação é catalisada pela γ-glutamil carboxilase, formando epóxido de vitamina K (KO) e resíduos de γ-carboxiglutamina (GLA) nos fatores de coagulação 23 e nas proteínas anticoagulantes. Por sua vez, a 2,3-epóxido redutase (VKORC1) regenera a KH2. Esse processo de regeneração é inibido pela varfarina que, em doses terapêuticas, reduz dentre 30 a 50% da quantidade total de cada um dos fatores de coagulação não carboxilados supracitados (WEITZ, 2012). A varfarina apresenta biodisponibilidade oral quase completa, podendo ser encontrada no plasma uma hora após a sua administração oral. A varfarina atinge concentração sérica máxima (Cmax) em 4 horas, liga-se quase completamente (99%) às proteínas do plasma, em especial a albumina, e apresenta volume de distribuição de 0,14 L/Kg. O efeito anticoagulante desse fármaco geralmente se estabelece dentro de 24 horas após a administração oral, e não há evidência de que a plenitude gástrica tenha alguma influência na sua farmacocinética (MICROMEDEX® 1.0, eletronic version, 2012). A varfarina é metabolizada extensivamente pelas enzimas microssomais hepáticas, incluindo as do citocromo P450, CYP2C9, CYP2C19, CYP2C8, CYP1A2 e CYP3A4, em metabólitos hidroxilados. Também é biotransformada por redutases, gerando álcoois de varfarina, que apresentam atividade anticoagulante mínima (MICROMEDEX® 1.0, eletronic version, 2012). A S-varfarina é transformada em metabólitos inativos pela CYP2C9, enquanto que a R-varfarina é transformada pela CYP1A2, CYP2C19 (via secundária) e CYP3A4 (via secundária) (WEITZ, 2012). Pacientes que possuemos alelos CYP2C9*2 e CYP2C9*3, 11% e 7% dos caucasianos respectivamente, podem apresentar diminuição do clearence da S-varfarina. Pacientes caucasianos, carreadores dos alelos variantes CYP2C9*5, CYP2C9*9 e CYP2C9*11 e pacientes com ascendência africana, carreadores dos alelos CYP2C9*5, CYP2C9*6 e CYP2C9*11, podem ter a metabolização mediada pela CYP2C9 diminuída, o que reduz o clearance da varfarina (MICROMEDEX® 1.0, eletronic version, 2012). No Brasil, um estudo realizado com 116 pacientes que faziam uso de varfarina demonstrou que os alelos CYP2C9*2, CYP2C9*3, VKORC1-1639G>A, e APOE *ε4, estavam associados a doses mais baixas de varfarina (DE OLIVEIRA ALMEIDA et al., 2014). Aproximadamente 92% dos metabólitos inativos da varfarina são excretados na urina, e uma pequena fração é eliminada nas fezes. A taxa média de depuração do plasma é de 0,045ml/min-1 Kg-1 e a meia-vida varia de 25 a 60 horas com média de cerca de 40 24 horas. A duração de ação da varfarina é de 2 a 5 dias e a meia-vida da R-varfarina (37 a 89 horas) é maior do que a meia-vida da S-varfarina (21 a 43 horas) (WEITZ, 2012). Os inibidores de vitamina K, acenocumarol e femprocumona, também são encontrados como isômeros óticos, mas com diferentes características estereoquímicas. A forma enantiomérica R do acenocumarol apresenta meia-vida de eliminação de 9 horas e é metabolizado primariamente pela CYP2C9 e CYP2C19. Esse isômero é mais potente que o isômero S, que apresenta meia-vida de eliminação de 0,5 horas, sendo metabolizado pela CYP2C9. A femprocumona apresenta meia-vida de eliminação de 5,5 dias para as duas formas enantioméricas, ambas sendo metabolizada pela CYP2C9. Para este fármaco, o enantiômero S é 1,5 a 2,5 vezes mais potente do que o enantiômero R. Por fim, a fluindiona apresenta meia-vida de eliminação de 31 horas, e não é constituído como um composto quiral (AGENO et al., 2012). A varfarina apresenta interação com inúmeros medicamentos e outras substâncias que podem reduzir ou aumentar o seu efeito anticoagulante. Martins et al. (2011) descreveram uma considerável discrepância entre diferentes fontes de informação quanto as interações potenciais de varfarina. De forma geral, os medicamentos que podem reduzir o efeito anticoagulante incluem a colestiramina, que se liga à varfarina no trato gastrointestinal ocasionando redução na sua absorção; os barbitúricos, a carbamazepina e a rifampicina que aumentam a depuração metabólica da varfarina devido à indução das enzimas hepáticas, em especial CYP2C9; e a ingestão de grandes quantidades de alimentos ou suplementos ricos em vitamina K (WEITZ, 2012). Os medicamentos que podem aumentar o efeito anticoagulante da varfarina incluem aqueles que inibem as enzimas hepáticas, em especial a CYP2C9, como a amiodarona, antifúngicos azólicos, cimetidina, clopidogrel, clotrimazol, dissulfiram, fluoxetina, isoniazida e metronidazol, e aqueles medicamentos que participam do deslocamento dos locais de ligação das proteínas como o diurético de alça furosemida. Outros fatores que aumentam o efeito anticoagulante da varfarina são a deficiência relativa de vitamina K, resultado de dietas inadequadas, como no caso de pacientes recebendo nutrição parenteral. O uso de antimicrobianos altera a microbiota intestinal, a qual está relacionada a síntese de vitamina K, e também pode resultar em deficiência relativa 25 dessa vitamina (WEITZ, 2012). Para minimizar o risco de eventos adversos decorrentes de interações medicamentosas, é indicado, quando viável, evitar o uso concomitante de varfarina com fármacos de potencial interação, substituindo-os por medicamentos sem evidências de interação. Quando essa substituição não é possível, é recomendado aumentar a frequência de monitorização realizando ajustes de dose da varfarina, quando necessário (AGENO et al., 2012). A varfarina é um medicamento de uso oral com dose inicial que varia de 5 mg a 10 mg/dia nos primeiros dias, sendo ajustada gradativamente, conforme a necessidade. Devido à ampla variabilidade na dose-resposta e índice terapêutico estreito, a monitorização laboratorial se faz necessária para guiar os ajustes da dose do medicamento. O TP é o teste laboratorial utilizado para monitorar a terapia com varfarina. O teste é realizado adicionando-se cálcio e tromboplastina ao plasma citratado. A capacidade de resposta de uma tromboplastina pode ser medida avaliando seu índice de sensibilidade internacional (ISI), pois elas podem variar na sua capacidade de resposta à varfarina. O reconhecimento dessa sensibilidade estimulou o desenvolvimento da RNI, aprovada em 1982, calculada da seguinte forma: RNI: O ISI reflete a capacidade de resposta de uma determinada tromboplastina à redução dos fatores de coagulação dependentes da vitamina K. Quanto mais sensível o reagente, menor será o valor de ISI (HIRSH et al., 2003). O monitoramento da RNI é mais frequente no início da terapia com ACO com o objetivo de avaliar a resposta do paciente e realizar os ajustes de dose necessários para manter estável a RNI dentro da faixa terapêutica pré-estabelecida. Tanto a dose inicial quanto a dose de manutenção são definidas com base nos valores da RNI. Depois da RNI estabilizada, a frequência do monitoramento pode ser realizada em intervalos de quatro a seis semanas (VERHOEF et al., 2014; AGENO et al., 2012). Para pacientes hospitalizados, a RNI é realizada diariamente até que se mantenha estável por dois 26 dias consecutivos (AGENO et al., 2012). O ajuste de dose do ACO requer maior frequência de monitorização laboratorial para alcance da RNI-alvo (AGENO et al., 2012). Para pacientes que não estão em uso ACO, o valor da RNI é 1,0. Em muitos países, a RNI-alvo para pacientes com diagnóstico de FA e tromboembolismo venoso é de 2,0 a 3,0. Isso significa que, in vitro, o sangue desses pacientes apresenta um tempo 2 a 3 vezes maior para coagular em relação a pacientes que não estão usando ACO. Para os pacientes com prótese valvar metálica, a RNI-alvo pode ser de 2,5 a 3,5 (VERHOEF et al., 2014). A variação interindividual da dose diária varia em dependência a vários fatores, tais como idade, altura, peso, gênero, comorbidades, uso contínuo de outros medicamentos e fatores genéticos. Pacientes idosos, em geral, requerem dose diária menor de varfarina e pacientes de maior estatura e com sobrepeso requerem uma dose maior. Poderá haver variação da dose diária intraindividual devido às modificações na ingestão dietética de vitamina K, alteração no padrão de uso de medicamentos, alterações no estado de saúde do paciente (febre, vômitos, etc.) e devido a não adesão ao tratamento (VERHOEF et al., 2014; AGENO et al., 2012). Foi apontado que a presença de polimorfismos genéticos nos genes da CYP2C9 e VKORC1 pode contribuir em um-terço de todas as variações, sendo as variações relacionadas aos polimorfismos da VKORC1 (aproximadamente 30%) maiores do que as variações relacionadas aos polimorfismos da CYP2C9 (geralmente menor do que 10%) (VERHOEF et al., 2014). Vários esforços têm sido direcionados na busca de outros medicamentos com segurança e eficácia comprovada para o tratamento e controle de eventos tromboembólicos. Os inibidores do fator de coagulação Xa, como a rivaroxabana, e os inibidores direto de trombina, como a dabigatrana, apresentam evidência de benefícios em vários estudos, em especial nos casos onde o paciente é submetido a cirurgia do joelho ou quadril, eliminando a necessidade de monitorização do paciente na tromboprofilaxia de curto prazo (ADAM et al., 2013). Esses novos anticoagulantes apresentam como desvantagem o alto custo de tratamento e a ausência de antídotos específicos registrados no Brasil para reversão de sangramentos. Outra desvantagem é 27 a falta de evidência em estudos da utilização desses novos anticoagulantesno tratamento e controle de eventos tromboembólicos em pacientes diagnosticados com doença de Chagas (CAROD-ARTAL; GASCON, 2010) e em pacientes com prótese valvar metálica (CONNOLLY et al., 2008). 3.3 Eventos adversos A hemorragia é o principal evento adverso associado ao uso de varfarina e está diretamente relacionada à RNI. Pacientes com RNI fora da faixa terapêutica apresentam maior risco de desenvolver evento tromboembólico com valores subterapêuticos e aqueles com valores supraterapêuticos apresentam risco aumentado de sangramento. Esse risco aumenta consideravelmente quando a RNI é >4,5 e aumenta exponencialmente para valores de RNI >6,0 (VAHANIAN et al., 2012). Vários fatores estão relacionados ao aumento do risco de hemorragia, tais como, idade avançada, comorbidades graves incluindo câncer, doença renal crônica, disfunção hepática, hipertensão arterial, AVC prévio, abuso de álcool e o uso concomitante de antiagregantes plaquetários ou de outros medicamentos que inibem a metabolização da varfarina (AGENO et al., 2012). Shehab et al. (2010) identificaram que mais de 65.000 pacientes são tratados anualmente em serviços de emergência nos EUA em consequência de hemorragia relacionada ao uso de varfarina. Em um estudo conduzido no Brasil, Lavitola et al. (2009) demostraram que dos 338 pacientes recrutados, 65 (19%) apresentaram episódios de sangramento, desses 65 pacientes, 53 (81,54%), apresentaram RNI ≥3,5 e 12 (18,46%) dos pacientes RNI <3,5. Em todos esses 12 pacientes foram identificadas alguma patologia associada. O cálculo da porcentagem de tempo da RNI na faixa terapêutica é um dos métodos mais indicados para avaliação da qualidade da anticoagulação oral que se correlaciona com o risco de complicações tromboembólicas e hemorrágicas (MEARS et al., 2014). Em um estudo realizado por Connolly et al. (2008), a média do tempo que o paciente se encontra na faixa terapêutica desejada, mais conhecido como TTR, de pacientes de 526 centros clínicos foi calculada, indicando que existe uma associação entre um valor 28 baixo de TTR e o aumento das taxas de eventos tromboembólicos e sangramentos graves. Os resultados dos estudos SPORTIF III e V, conforme descrito por White et al. (2007), classificaram os pacientes de acordo com o tempo da RNI na faixa terapêutica em controle adequado, apresentando TTR >75%; controle moderado, apresentando TTR de 60% a 75%; e controle inadequado, apresentando TTR <60%. O grupo classificado como controle inadequado apresentou uma maior taxa de mortalidade anual (4,2%) e sangramento grave (3,9%) se comparado com os grupos classificados como moderado (1,8% e 2,0% respectivamente) e controle adequado (1,7% e 1,6% respectivamente) (WHITE et al., 2007). Esses resultados permitem inferir que o monitoramento do paciente por meio do acompanhamento dos resultados da RNI contribui para um tratamento mais efetivo, assegurando uma melhora significativa na proteção do paciente contra eventos tromboembólicos e episódios de sangramento. A Figura 1 ilustra a relação do tempo da RNI na faixa terapêutica com a taxa de eventos adversos, onde existe uma intensidade da anticoagulação considerada ideal com risco minimizado de eventos adversos (PATEL et al., 2011). Figura 1 Relação teórica da incidência de tromboembolismo e hemorragia com a intensidade da anticoagulação Legenda: O risco de tromboembolismo diminui exponencialmente com o aumento da dose do ACO, aumentando exponencialmente o risco de sangramento. (adaptado de PATEL et al., 2011). 29 Valores da RNI supraterapêuticos podem ser revertidos, quando na ausência de sangramentos, com administração oral de vitamina K nas doses de 1 mg a 2 mg e dependem da RNI-alvo, do valor atual da RNI e da meia-vida do ACO. A redução da dose ou interrupção temporária do uso do medicamento pode permitir a queda gradual dos valores da RNI. Para reversão imediata do efeito anticoagulante em casos de hemorragia grave, a administração intravenosa de plasma fresco congelado ou complexo protrombínico concentrado devem ser consideradas (HARTER; LEVINE; HENDERSON, 2015). A administração de fator VII recombinante ativado (rfVIIa) não é recomendado devido a insuficiência de estudos que comprovem a sua eficácia e segurança (VAHANIAN et al., 2012). 3.4 Manejo de pacientes em uso de varfarina Para assegurar a efetividade e segurança do tratamento dos pacientes em uso contínuo de varfarina, a avaliação da qualidade da monitorização da RNI se faz necessária. Os métodos utilizados envolvem cálculos mais simples, como a porcentagem de valores da RNI na faixa terapêutica, como mais complexos, como o TTR e a área sob a curva da RNI-alvo elevado ao quadrado ao longo do tempo. Os métodos de escolha devem, preferencialmente, predizer desfechos clínicos e apresentar facilidade no cálculo e interpretação dos resultados (ROSE et al., 2015). Apesar disso, estudos recomendam o uso de pelo menos um método de análise de modo a promover efetividade e segurança no tratamento com ACO (SCHMITT; SPECKMAN; ANSEL, 2003). Em um estudo observacional realizado em Boston, EUA, com pacientes com FA em uso contínuo de varfarina, Rose et al. (2015) compararam a habilidade de diferentes métodos de controle da RNI para prever hemorragia clinicamente relevante. Dentre os métodos de estudo, a variabilidade da RNI, reflexo da estabilidade da anticoagulação, foi o melhor preditor associado à hemorragia clinicamente relevante, seguido pelo TTR, que reflete a intensidade da anticoagulação. A variabilidade da RNI avalia o grau em que a RNI do paciente se desvia da RNI-alvo em um intervalo de tempo. Considera-se que a RNI do paciente varia continuamente em resposta a muitas perturbações independentes e que 30 essa variação aumenta na medida em que o intervalo de análise aumenta (FIHN et al., 1993). A combinação desses dois métodos, TTR e variabilidade da RNI, forneceram informações complementares, apresentando uma maior capacidade de predizer hemorragia clinicamente relevante quando empregados em conjunto. O estudo identificou também que, o método mais fácil de calcular, como o cálculo da porcentagem da RNI na faixa terapêutica, apresentou resultados significativos associados com o risco de hemorragia, sendo fortemente correlacionado ao TTR (r=0,85). Esse resultado é de extrema importância, pois para o cálculo do TTR e da variabilidade da RNI geralmente se usam softwares que nem sempre estão disponíveis para uso clínico (ROSE et al., 2015). A qualidade da anticoagulação pode estar associada a determinadas características dos pacientes e do cuidado oferecido. Em um estudo observacional multicêntrico conduzido na Espanha com 948 pacientes com diagnóstico de FA, identificou-se que 54% dos pacientes apresentaram controle inadequado (TTR <65%) e que 46% dos pacientes permaneceram mais da metade do tempo fora da faixa terapêutica desejada (BERTOMEU-GONZALES et al., 2015). O controle adequado da anticoagulação (TTR ≥65%) foi associado a um melhor grau de escolaridade, menor número de comorbidades e baixo risco de sangramento, de acordo com o algoritmo HAS-BLED. O controle inadequado aumenta o risco de eventos adversos e requer o planejamento de intervenções. Dentre as estratégias para monitorização, destacam-se o seguimento clínico usual realizado por cardiologistas ou médicos clínicos gerais, o uso de dispositivos de ajuste de dose por computador, a automonitorização dos testes da RNI através do uso de aparelhos point-of-care, e o acompanhamento em CA (BERTOMEU- GONZALES et al., 2015). Pengo et al., 2006 descreveram que a monitorização realizada em CA é mais frequente na Holanda, Espanha e Inglaterra e a monitorização a nível de cuidados médicos de rotina, como consultas a cardiologistas e clínico geral, é mais frequente na França, 31 Canadá, EUA e Itália.Em vários estudos, o seguimento em CA se destaca pelo potencial de melhoria do controle da anticoagulação oral e, consequentemente, da redução das complicações advindas do tratamento (CHIQUETTE et al., 1998; WILSON et al., 2003; VAN WALRAVEN et al., 2006). As CA são definidas como clínicas multidisciplinares que podem ser compostas por médicos, enfermeiros e farmacêuticos que assumem responsabilidades voltadas para orientações dos pacientes. Cabe à equipe tomar decisões quanto ao ajuste de dose, frequência de monitorização e a identificação de eventos adversos. A incidência de eventos tromboembólicos e hemorragia grave foi avaliada em um estudo observacional com 271 pacientes em uso de ACO e com prótese mecânica de válvula cardíaca, antes e após a sua admissão em CA. A incidência desses eventos adversos foi significativamente menor quando os pacientes eram atendidos na CA (hemorragia 1,0% vs. 4,9% pacientes/ano; eventos tromboembólicos 0,6% vs. 6,6% pacientes/ano), o que fortalece o potencial de cuidado da CA na minimização de eventos adversos relacionados ao uso de ACO (CORTELAZZO et al., 1993). Chiquette et al. (1998), descreveram que pacientes acompanhados em CA, supervisionada por um farmacêutico clínico, apresentaram melhor controle de anticoagulação em relação ao seguimento usual, com redução das taxas de complicações hemorrágicas graves (1,6% vs 3,9%) e tromboembólicas (3,3% vs. 11,8%) de 50% a 80%, além da redução dos custos do cuidado em 1600 dólares por paciente/ano. Um ensaio clínico randomizado conduzido no Canadá avaliou a qualidade da anticoagulação oral, comparando a monitorização do paciente em CA, com a monitorização efetuada por médicos de família (WILSON et al., 2003). Embora as diferenças sejam discretas, os valores da RNI dos pacientes acompanhados nas CA ficaram 82% do tempo dentro da faixa terapêutica comparado aos 76% dos valores da RNI de pacientes acompanhados por médicos de família e os pacientes acompanhados por CA mostraram maior grau de satisfação com o serviço. Van Walraven et al. (2006) realizaram uma revisão sistemática com metaregressão, considerando para a análise final 67 artigos, publicados entre 1987 e 2005, com 123 32 grupos de pacientes, tendo em média 128 pacientes/grupo. A maioria dos grupos, 68,3%, era de pacientes acompanhados em CA, 24,4% de pacientes referentes a práticas comunitárias e 7,3% de pacientes referentes a ensaios clínicos randomizados. Em todos os grupos, a porcentagem de tempo médio na faixa terapêutica foi de 63,6% (95% intervalo de confiança (IC), 61,6-65,6%). As indicações de uso do ACO foram diversas, sendo a FA (69%) a indicação mais predominante, tendo a varfarina (73%) como o anticoagulante mais utilizado. Os estudos relacionados ao acompanhamento de pacientes em práticas comunitárias apresentaram uma redução do tempo na faixa terapêutica de 12,2% (95% IC, -19,5% a 4,8%), comparado com ensaios clínicos randomizados, e de -8,3% (95% IC, -4,4% a -12,1%) comparado às CA. Em relação aos ensaios clínicos randomizados e as CA, não houve diferença significativa, demonstrando que as CA apresentaram desempenho similar aos ensaios clínicos randomizados na prevenção de eventos tromboembólicos e hemorragias (VAN WALRAVEN et al., 2006). 4 OBJETIVOS 4.1 Objetivo geral • Investigar a qualidade da anticoagulação oral em pacientes com doenças cardiovasculares atendidos em duas clínicas de referência em Belo Horizonte 4.2 Objetivos específicos • Descrever o perfil sociodemográfico e clínico dos pacientes em uso de varfarina. • Avaliar a qualidade do controle da anticoagulação oral por meio da fração da RNI na faixa terapêutica e do TTR • Investigar a frequência de eventos tromboembólicos e hemorrágicos 33 5 METODOLOGIA 5.1 Desenho e local do estudo do estudo Trata-se de estudo observacional descritivo de coorte retrospectivo, realizado entre 2009 a 2015, em duas CA vinculados a dois hospitais públicos de ensino de Belo Horizonte, sendo o Hospital Risoleta Tolentino Neves (HRTN) e o Hospital das Clínicas da Universidade Federal de Minas Gerais (HC/UFMG). Ambos estão totalmente inseridos na rede pública de saúde. O HRTN está situado no eixo norte da região metropolitana de Belo Horizonte e é responsável pela assistência a pacientes de urgência clínica e cirúrgica, traumatológica e não traumatológica. Sua cobertura engloba uma população de 1,1 milhão de habitantes daquela região, contemplando os municípios de Ribeirão das Neves, Vespasiano, Santa Luzia, Pedro Leopoldo, Matozinhos, Confins, Esmeraldas, Jaboticatubas, Contagem e São José da Lapa (HRTN, 2016). O HC/UFMG é um hospital universitário, público e geral localizado no centro da região hospitalar de Belo Horizonte. Realiza atividades de ensino, pesquisa e assistência, sendo referência nos sistemas municipal e estadual de saúde no âmbito do SUS, realizando atendimentos a pacientes com patologias de média e alta complexidade (HC/UFMG, 2016). 5.2 Recrutamento Os participantes do estudo foram recrutados nos horários de atendimento do serviço das CA do HRTN e do HC/UFMG, no período de outubro de 2014 a fevereiro de 2015. Durante o tempo de espera do atendimento, os pacientes foram convidados para participar da pesquisa por meio da assinatura do termo de consentimento livre e esclarecido (TCLE). A coleta de dados foi realizada por dois pesquisadores previamente treinados por meio de entrevistas individuais para aplicação do questionário e coleta de dados sociodemográficos e clínicos (APÊNDICES A, B, C). 34 5.3 Critérios de inclusão Foram considerados elegíveis para entrada no estudo, pacientes com idade igual ou superior a 18 anos, de ambos os sexos, regularmente acompanhados nas CA do HRTN e HC/UFMG, em uso contínuo de varfarina por pelo menos dois meses, com diagnóstico definitivo de cardiopatia e presença de pelo menos uma indicação para uso de varfarina incluindo FA, prótese mecânica de válvula cardíaca, histórico de TVP, TEP, trombo intracardíaco e AVC. 5.4 Critérios de não inclusão Não foram incluídos no estudo: pacientes com previsão de uso de varfarina por menos de 12 meses, tempo mínimo aceitável para que se estabilizem as flutuações dos resultados da RNI e o paciente se adapte ao uso do medicamento, com expectativa de vida inferior a um ano, com dificuldades cognitivas para comunicação e falta de cuidador ou acompanhante com envolvimento adequado e que não aceitaram participar. 5.5 Coleta de dados A coleta de dados sociodemográficos, clínicos e de utilização de medicamentos foi realizada inicialmente por aplicação de questionários aos pacientes e as informações obtidas foram complementadas após consulta aos prontuários médicos e prescrições médicas. Os resultados de RNI foram recuperados nos bancos de dados informatizados dos hospitais estudados. 5.6 Variáveis Foram consideradas como variáveis explicativas as seguintes informações: 35 • Dados sociodemográficos: sexo, idade, grau de escolaridade, renda mensal em reais, coabitação, cor da pele autodeclarada e identificada como branca e não branca; • Dados clínicos: comorbidades, número de medicamentos utilizados continuamente por mais de 30 dias incluindo a varfarina, indicação do tratamento, RNI-alvo (2,0-3,0; 2,5-3,5), necessidade de acompanhamento para uso da varfarina, fração da RNI na faixa terapêutica, TTR, registro de sangramentos e complicações tromboembólicas. Nota: Os medicamentos registrados em prontuários médicos e utilizados por mais de 30 dias foram classificados de acordo com o grupo anatômico, terapêutico e químico da classificação Anatomical Therapeutic Chemical (ATC) da Organização Mundial da Saúde (OMS), que desde 1996 passou a ser reconhecida como padrão internacional para os estudos de utilização de medicamentos. Nessesistema de classificação, os medicamentos são divididos em diferentes grupos, de acordo com o órgão ou sistema no qual eles atuam e suas propriedades químicas, farmacológicas e terapêuticas. Os medicamentos são divididos em cinco níveis diferentes, sendo o primeiro dividido em quatorze grupos principais, seguido de subgrupos farmacológicos/terapêuticos (segundo nível). Os terceiro e quarto níveis correspondem a subgrupos químicos/farmacológicos/terapêuticos, e o quinto nível, às substâncias químicas. 5.7 Desfechos de interesse Os desfechos de interesse foram TTR e fração da RNI na faixa terapêutica e complicações hemorrágicas e tromboembólicas. 5.7.1 TTR – Time in therapeutic range Neste estudo, a qualidade da anticoagulação oral foi avaliada utilizando-se o cálculo da proporção de valores da RNI na faixa terapêutica e por meio do método Rosendaal, que assume uma relação linear entre dois valores consecutivos da RNI, atribuindo um valor específico da RNI para cada dia entre os testes (ROSENDAAL et al., 1993). O resultado 36 de TTR é apresentado em porcentagem e requer no mínimo dois resultados da RNI os quais foram obtidos ao longo do maior período de seguimento entre os anos de 2009 e 2015 e utilizados para o cálculo todos os resultados da RNI nesse período. Considerando que, intervalos maiores ou iguais a 56 dias entre valores da RNI não são interpolados (ROSENDAAL et al., 1993; RAZOUKI et al., 2014), foi necessário realizar a média aritmética ponderada entre dois ou mais conjuntos de valores da RNI, para aqueles pacientes que apresentaram essa condição. O resultado da média foi considerado como o valor de TTR final do indivíduo. Os pacientes foram classificados como tendo TTR inadequado (<60%) ou adequado (≥60%) (CONNOLLY et al., 2008). Outros pontos de corte foram testados arbitrariamente, subdividindo-se os valores de TTR em quatro categorias, a saber: 0,0-29,9%, 30,0-59,9%, 60,0-74,9%, 75,0-100,0% (CONNOLLY et al., 2008). 5.7.2 Complicações hemorrágicas As complicações hemorrágicas foram coletadas por meio de consulta aos prontuários médicos dos pacientes recrutados no estudo. Essas complicações foram diferenciadas de acordo com a gravidade, adaptando-se a definição de Patel et al., 2011 (APÊNDICE C), conforme segue: - Hemorragia Grave: sangramento clinicamente evidente associado a qualquer um dos seguintes: óbito; envolvimento de sítio anatômico crítico (intracraniano, espinal, pericárdico, articular, retroperitonial, ou intramuscular com síndrome do compartimento); queda de >2 g/dL na concentração de hemoglobina; transfusão de >2 unidades de sangue total ou concentrado de hemácias; ou invalidez permanente. - Hemorragia não grave clinicamente relevante: sangramento evidente que não atenda ao critério para sangramentos graves, mas que requer intervenção médica, contato não agendado (presencial ou por telefone) com o profissional de saúde, interrupção temporária do tratamento, dor, ou que interfere negativamente nas atividades diárias. 37 - Hemorragia não grave: eventos que não atendem aos critérios de hemorragia grave e não grave clinicamente relevante. 5.7.3 Complicações tromboembólicas A ocorrência de complicações tromboembólicas foi identificada também por consulta aos prontuários médicos dos pacientes recrutados no estudo, sustentadas através de exames confirmatórios de imagem (APÊNDICE C): • Acidente vascular cerebral isquêmico: história de AVC e/ou sequelas ao exame físico e/ou exame confirmatório de imagem como tomografia e/ou ressonância nuclear magnética • Trombose venosa profunda dos membros inferiores e superiores: duplex scan e/ou venografia • Tromboembolismo pulmonar: angiotomografia e/ou cintilografia de ventilação- perfusão e/ou arteriografia • Outros tipos de tromboembolismo sistêmico que não se enquadram em TVP, TEP e AVE: exames confirmatórios de imagem compatíveis com o quadro clínico do paciente. 6 CÁLCULO AMOSTRAL A amostra foi calculada, considerando-se a frequência previamente apurada da proporção de pacientes com controle inadequado da RNI (TTR <60%), após um levantamento realizado em uma das CA estudadas. Para o cálculo, foi utilizado o programa OpenEpi (DEAN et al., 2006). Considerando que 43% dos pacientes do HC/UFMG apresentam TTR <60% e atribuindo IC de 95%, obteve-se um total de 232 pacientes para o HRTN e 257 para o HC/UFMG. 7 ANÁLISE ESTATÍSTICA O banco de dados foi construído e validado por dupla digitação no programa EpiData 38 (versão 3.1; EpiData Assoc, Odense M, Denmark) . Os dados foram analisados utilizando-se o programa Statistical Package for Social Sciences (SPSS for Windows, versão 22.0; SPSS, Chicago, IL). Foram aplicados cálculo de proporções e medidas de tendência central e variabilidade para descrição dos dados. As variáveis quantitativas foram avaliadas quanto à distribuição normal através do teste de Kolmogorov-Smirnov com correção de Lilliefors, considerando nível de significância de 5%. Foi registrado o total de ocorrências de uso crônico de medicamentos pelos pacientes, exceto a varfarina, sendo utilizadas as frequências absoluta e relativa (proporções) para descrever a lista de medicamentos, conforme a classificação ATC. Foi aplicado o teste de Spearman para avaliar a correlação entre a fração de RNI em faixa terapêutica e o TTR, adotando nível de significância de 5%. 8 ASPECTOS ÉTICOS Considerando-se os termos da Resolução 466/2012 do Conselho Nacional de Saúde (BRASIL, 2012), todos os aspectos éticos foram observados quanto ao estudo envolvendo seres humanos. O projeto foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Universidade Federal de Minas Gerais (COEP/UFMG) em 18 de dezembro 2013 (CAAE - 08136613.4.0000.5149) (Anexo 1). Todos os participantes da pesquisa assinaram o termo de consentimento livre e esclarecido TCLE (Apêndice D). Acrescenta-se que o mestrando não pertence ao quadro de funcionários de nenhuma das instituições envolvidas e não interferiu na conduta médica e nem em decisões terapêuticas durante a condução do estudo. 9 RESULTADOS Foram avaliados como potencialmente elegíveis ao estudo 464 pacientes do HRTN e 333 do HC/UFMG. Desses pacientes, 222 do HRTN e 21 do HC/UFMG foram excluídos por não preencherem os critérios de inclusão, conforme demonstrado na figura 2. 39 9.1 Características sociodemográficas da população do estudo Foram incluídos no estudo, 242 pacientes do HRTN e 312 pacientes do HC/UFMG, totalizando 554 pacientes. A idade dos pacientes apresentou mediana de 63,7 (Quartil 1 (Q1) 54,3; Quartil 3 (Q3) 73,6) anos, sendo a maioria do sexo feminino (n=318; 57,4%). A maioria dos pacientes se declarou como não brancos (n=376; 67,9%). Em relação ao grau de escolaridade, 351 (63,4%) pacientes apresentaram ensino fundamental incompleto. A mediana de renda mensal foi R$ 724,00 (Q1 448,0; Q3 724,0) reais. Na Tabela 1 é apresentada a caracterização detalhada do perfil sociodemográfico dos pacientes do estudo. Pacientes excluídos (n=21) Recusaram participar (n=21) Incluídos (n=312) Pacientes elegíveis (n=464) HRTN HC/UFMG Pacientes elegíveis (n=333) Pacientes Excluídos (n= 222) Indicação ACO <1 ano (n=162) Recusaram participar (n= 44) Outra indicação ACO (n=15) Transferência (n=1) Incluídos (n=242) Analisados (n=554) Abreviaturas: HRTN, Hospital Risoleta Tolentino Neves; HC/UFMG, Hospital das Clínicas/UFMG; ACO, anticoagulação oral. Figura 2 Fluxograma de triagem para avaliação de critérios de elegibilidade 40 Tabela 1 Características sociodemográficas dos pacientes estudados em duas clínicas de anticoagulação HRTN (n=242) HC/UFMG (n=312) Total (n=554) Idade, mediana (Q 1; Q3) 68,4 (58,7; 76,0) 61,0 (51,25; 70,1) 63,7 (54,3; 73,6) Sexo feminino, n (%) 131(54,1) 187 (59,9) 318 (57,4) Cor da pele, n (%) Não branco 172 (71,1) 204 (65,4) 376 (67,9)178 Branco 70 (28,9) 108 (34,6) 178 (32,1) Escolaridade, n (%) Nunca estudou 38 (15,7) 27 (8,7) 65 (11,7) Ensino fundamental incompleto 138 (57,0) 213 (68,3) 351 (63,4) Ensino fundamental completo 28 (11,6) 25 (8,0) 53 (9,6) Ensino médio incompleto 8 (3,3) 7 (2,2) 15 (2,7) Ensino médio completo 23 (9,5) 36 (11,5) 59 (10,6) Graduação incompleta 2 (0,8) 3 (1,0) 5 (0,9) Graduação completa 3 (1,2) 1 (0,3) 4 (0,7) SI 2 (0,8) - 2 (0,4) Necessidade de auxílio para uso de varfarina, n (%) 62 (25,6) 36 (11,5) 98 (17,7) Renda mensal R$ reais, mediana (Q 1; Q3) 724,0 (724,0; 928,7) 603,3 (362,0; 724,0) 724,0 (448,0; 724,0) Abreviaturas: HRTN, Hospital Risoleta Tolentino Neves; HC/UFMG, Hospital das Clínicas/UFMG; Q1, Quartil 1; Q3, Quartil 3; SI, sem informação. 9.2 Características clínicas da população do estudo A caracterização clínica dos pacientes (Tabela 2) evidencia que a mediana do número de medicamentos utilizados continuamente foi de 6,0 (Q1 5,0; Q3 7,0), com mínimo de 1 e máximo de 15 medicamentos utilizados. A RNI-alvo de 2,0 a 3,0 foi a mais frequente (n=439, 79,2%). A mediana da fração da RNI na faixa terapêutica foi de 53,5 (Q1 43,5; Q3 62,5) e a mediana do TTR foi 64,3 (Q1 54,0; Q3 74,0). O coeficiente de Spearman foi 0,88 (p<0.001) demonstrando alta correlação entre a fração de RNI na faixa terapêutica e o TTR. O número de comorbidades apresentou mediana de 3,0 (Q1 2,0; Q3 5,0). A FA foi a indicação mais frequente 427 (77,1%), seguida pela prótese mecânica de válvula cardíaca 137 (24,7%). Quase todos dos pacientes (n=538, 97,5%) apresentaram comorbidades, sendo as mais prevalentes a hipertensão arterial sistêmica (n=403, 72,7%) e dislipidemia (n=231, 72,7%). 41 Tabela 2 Características clínicas dos pacientes estudados em duas clínicas de anticoagulação (continua) HRTN (n=242) HC/UFMG (n= 312) Total (n=554) Número de medicamentos em uso crônico incluindo varfarina Mediana, (Q1; Q3) (mínimo, máximo) 6,0 (5,0; 7,0) 1,15 6,0 (4,0; 7,0) 1,12 6,0 (5,0; 7,0) 1,15 RNI-alvo, n (%) 2,0-3,0 222 (91,7) 217 (69,6) 439 (79,2) 2,5-3,5 20 (8,3) 95 (30,4) 115 (20,8) TTR, mediana (Q 1; Q3)* 66,8 (57,0; 76,7) 61,5 (52,2; 72,0)** 64,3 (54,0; 74,0) TTR por categoria, n (%)* 0-29,9% 8 (3,3%) 8 (2,6%) 16 (2,9%) 30-59,9% 67 (27,7%) 127 (41,8%) 194 (35,5%) 60-74,9% 96 (39,7%) 119 (39,1%) 215 (39,4%) 75-100% 71 (29,3%) 50 (16,4%) 121 (22,2%) Fração da RNI em faixa terapêutica mediana (Q 1; Q3)* 53,9 (44,4; 63,22) 53,0 (43,2; 62,0)** 53,5 (43,5; 62,5) Fração da RNI em faixa terapêutica por categorias n (%)* 0-29,9% 15 (6,2%) 15 (4,9%) 30 (5,5%) 30-59,9% 142 (58,7%) 203 (66,8%) 345 (63,2%) 60-74,9% 71 (29,3%) 73 (24,0%) 144 (26,4%) 75,0-100% 14 (5,8%) 13 (4,3%) 27 (4,9%) Tabagismo, n (%) 21 (8,7) 22 (7,1) 43 (7,8) Indicação anticoagulação, n (%) Fibrilação atrial ou Flutter 196 (81,0) 231 (74,0) 427 (77,1) Prótese mecânica de válvula cardíaca 20 (8,3) 117 (37,5) 137 (24,7) TVP/TEP 3 (1,2) 9 (2,9) 12 (2,2) AVC/AIT 90 (37,2) 18 (5,8) 108 (19,5) Trombo intracardíaco 3 (1,2) 2 (0,6) 5 (0,9) Número de comorbidades, mediana, (Q 1; Q3) 5,0 (4,0; 6,0) 3,0 (2,0; 4,0) 3,0 (2,0; 5,0) Comorbidades, n (%) 240 (99,2) 298 (95,5) 538 (97.5) Hipertensão arterial sistêmica 213 (88,0) 190 (60,9) 403 (72,7) Dislipidemia 117 (48,3) 114 (36,5) 231 (41,7) Insuficiência cardíaca 124 (51,2) 100 (32,1) 224 (40,4) Doenças valvares 158 (65,3) 43 (13,8) 201 (36,3) Doenças respiratórias 109 (45,0) 36 (11,5) 145 (26,2) Diabetes 61 (25,2) 41 (13,1) 102 (18,4) Doenças neuropsiquiátricas 56 (23,1) 42 (13,5) 98 (17,7) Doença aórtica 74 (30,6) 3 (1,0) 77 (13,9) Doenças do endocárdio, miocárdio, pericárdio 56 (23,1) 17 (5,4) 73 (13,2) Doenças reumáticas 8 (3,3) 56 (17,9) 64 (11,6) 42 (conclusão) HRTN (n=242) HC/UFMG (n= 312) Total (n=554) Hipotireoidismo 25 (10,3) 37 (11,9) 62 (11,2) Doença de chagas 9 (3,7) 50 (16,0) 59 (10,6) Doenças do trato gastrointestinal 28 (11,6) 15 (4,8) 43 (7,8) Insuficiência renal 10 (4,1) 17 (5,4) 27 (4,9) Doença arterial coronariana 7 (2,9) 18 (5,8) 25 (4,5) Doenças vasculares periféricas 20 (8,3) 3 (1,0) 23 (4,2) Alterações oftalmológicas 7 (2,9) 11 (3,5) 18 (3,2) Arritmias 13 (5,4) 4 (1,3) 17 (3,1) Neoplasias 10 (4,1) 4 (1,3) 14 (2,5) Doenças hematológicas 11 (4,5) 2 (0,6) 13 (2,3) Doenças osteoarticulares 6 (2,5) 5 (1,6) 11 (2,0) Outras doenças do trato geniturinário 4 (1,7) 4 (1,3) 8 (1,4) Insuficiência hepática 2 (0,8) 5 (1,6) 7 (1,3) Doenças infecciosas 1 (0,4) 4 (1,3) 5 (0,9) Outras doenças da tireoide 2 (0,8) 3 (1,0) 5 (0,9) Afecções dermatológicas 1 (0,4) 3 (1,0) 4 (0,7) Déficit auditivo 1 (0,4) 2 (0,6) 3 (0,5) Outras doenças hepáticas 2 (0,8) - 2 (0,4) Abreviaturas: RNI, razão normalizada internacional; TTR, time in therapeutic range; Q1, quartil 1; Q3, quartil 3; TVP, trombose venosa profunda; TEP, tromboembolismo pulmonar; AVC, acidente vascular cerebral; AIT, ataque isquêmico transitório. * TTR calculado para n=546 pacientes * *Para oito pacientes do HC/UFMG, o cálculo do TTR não foi calculado por dificuldade de acesso aos resultados da RNI. A Tabela 3 descreve a frequência de eventos adversos relacionados ao uso da varfarina. Em relação aos eventos hemorrágicos 148 (26,7%) pacientes apresentaram hemorragia não grave, 10 (1,8%) pacientes apresentaram hemorragia não grave clinicamente relevante e 3 (0,54%) pacientes apresentaram hemorragia grave. Quanto aos eventos tromboembólicos, a presença de AVC/AIT foi a mais predominante (n=41, 7,4%), seguido por TVP (n=14, 2,5%) e TEP (n=12, 2,2%). 43 Tabela 3 Descrição dos eventos adversos hemorrágicos e tromboembólicos em duas clínicas de anticoagulação, n (%) HRTN HC/UFMG Total Eventos hemorrágicos Hemorragia grave 1 (0,4) 2 (0,64) 3 (0,54) Hemorragia não grave clinicamente relevante 10 (4,1) - 10 (1,8) Hemorragia não grave 57 (23,6) 91 (29,2) 148 (26,7) Eventos tromboembólicos AVE/AIT - 41 (13,1) 41 (7,4) TEP 11 (4,5) 3 (1,0) 14 (2,5) TVP 11 (4,5) 2 (0,64) 12 (2,2) Tromboembolismo intracardíaco 1 (0,4) - 1 (0,2) Trombose arterial aguda MID 1 (0,4) - 1 (0,2) Abreviaturas: AVE/AIT, Acidente Vascular Cerebral/Ataque Isquêmico Transitório; TEP, Trombose Venosa Profunda, TVP, Tromboembolismo Pulmonar; MID, Membro Inferior Direito 9.3 Caracterização dos medicamentos O total de registros de medicamentos de uso contínuo, excluindo a varfarina, foi 2700. De acordo com o grupo anatômico da classificação ATC, os medicamentos relacionados ao aparelho cardiovascular foram os mais utilizados (n=1923, 71,2%), conforme mostrado na Tabela 4, seguidos dos medicamentos relacionados ao aparelho digestivo e metabolismo que totalizaram 264 (9,8%). Tabela 4 Descrição dos medicamentos de uso contínuo, excluindo a varfarina, pelos pacientes atendidos em duas clínicas de anticoagulação, segundo grupo anatômico da classificação ATC, n=2700* (continua) Grupo anatômico n (%) Aparelho cardiovascular 1923 (71,2) Aparelho digestivo e metabolismo 264 (9,8) Sangue e órgãos hematopoiéticos 158 (5,9) Sistema nervoso 158 (5,9) Preparações hormonais sistêmicas excluindo hormônios sexuais e insulinas 69 (2,6) Antiinfecciosos gerais para uso sistêmico 38 (1,4) Sistema musculoesquelético 32 (1,2) Aparelho respiratório 32 (1,2) Aparelho genito-urinário e hormônios sexuais 10 (0,4) 44 (conclusão) Grupo anatômico n (%) Agentes antineoplásicos e imunomoduladores 10 (0,4) Órgãos dos sentidos 5 (0,2) Medicamentos dermatológicos 1 (0,0) Abreviaturas: ATC, Anatomical Therapeutic Chemical * Total de ocorrências de medicamentos de uso contínuo, exceto varfarinaConsiderando os medicamentos do grupo terapêutico, os betabloqueadores foram os mais utilizados (n=417, 15,4%), seguidos dos medicamentos hipolipemiantes (n=288, 10,7%), e dos diuréticos de alta eficiência, diuréticos de alça (n=258, 9,6%), inibidores de enzima conversora da angiotensina (n=245, 9,1%), antagonistas de angiotensina II (n=173, 6,4%) e medicamentos antitrombóticos (n=141, 5,2%). A Tabela 5 mostra os medicamentos de uso contínuo, exceto a varfarina, considerando o grupo terapêutico da classificação ATC. Tabela 5 Descrição dos medicamentos de uso contínuo, excluindo a varfarina, pelos pacientes atendidos em duas clínicas de anticoagulação, segundo grupo terapêutico da classificação ATC, n=2700* (continua) Grupo terapêutico n (%) Betabloqueadores 417 (15,4) Hipolipemiantes, redutores do colesterol e triglicérides 288 (10,7) Diuréticos de alta eficiência, diuréticos de alça 258 (9,6) Inibidor da ECA, simples 245 (9,1) Antagonista da angiotensina II 173 (6,4) Medicamentos antitrombóticos 141 (5,2) Agentes poupadores de potássio 126 (4,7) Medicamentos para o tratamento da úlcera péptica e refluxo gastresofágico 124 (4,6) Diuréticos de eficácia moderada, tiazidas 93 (3,4) Medicamentos hipoglicemiantes orais, excluindo insulinas 93 (3,4) Glicosídeos cardíacos 92 (3,4) Antidepressivos 81 (3,0) Bloqueadores seletivos dos canais de cálcio com efeitos principalmente vasculares 78 (2,9) Preparações hormonais sistêmicas, exceto hormônios sexuais e insulinas 60 (2,2) Antiarrítmicos, classe I e III 58 (2,1) 45 (continua) n (%) Antiepiléticos 52 (1,9) Antibacterianos betalactâmicos, penicilinas 33 (1,2) Insulinas e análogos 28 (1,0) Bloqueadores seletivos dos canais de cálcio com efeitos cardíacos diretos 26 (1,0) Vasodilatadores usados em doenças cardíacas 23 (0,9) Agentes que atuam sobre o músculo liso arteriolar 22 (0,8) Adrenérgicos para inalação 21 (0,8) Preparados antigota 20 (0,7) Ansiolíticos 16 (0,6) Outros antiasmáticos para inalação 11 (0,4) Antiadrenérgicos de ação periférica 10 (0,4) Vitamina B12 e Ácido Fólico 9 (0,3) Cálcio 8 (0,3) Corticosteróides para uso sistêmico, simples 8 (0,3) Preparações de ferro 7 (0,3) Medicamentos que afetam a estrutura óssea e a mineralização 6 (0,2) Antiadrenérgicos de ação central 6 (0,2) Agentes estabilizadores capilares 5 (0,2) Agentes imunossupressores 5 (0,2) Preparados antiglaucomatosos e mióticos 5 (0,2) Propulsivos 5 (0,2) Antiinflamatórios e antirreumáticos não esteroides 4 (0,1) Antimetabólitos 4 (0,1) Outros analgésicos e antipiréticos 4 (0,1) Antiinfecciosos e antissépticos, excluindo associações com corticosteroides 4 (0,1) Antivirais de ação direta 3 (0,1) Opiáceos 3 (0,1) Progestágenos 3 (0,1) Complexo vitamínico B, incluindo associações 2 (0,1) Contraceptivos hormonais para uso sistêmico 2 (0,1) Preparações antivertiginosas 2 (0,1) Relaxantes musculares de ação central 2 (0,1) Medicamentos usados na hiperplasia prostática benigna 2 (0,1) Antagonistas hormonais e agentes relacionados 1 (< 0,1) Antimaláricos 1 (< 0,1) Contraceptivos hormonais para uso sistêmico 1 (< 0,1) Macrolídeos, lincosamidas e estreptograminas 1 (< 0,1) Multivitaminas, associações 1 (< 0,1) Outros preparados cardíacos 1 (< 0,1) Preparações antitireoidianas 1 (< 0,1) 46 (conclusão) n (%) Sulfonamidas e Trimetoprima 1 (< 0,1) Supressores da tosse, excluindo associações com expectorantes 1 (< 0,1) Vitamina A e D, incluindo associação das duas 1 (< 0,1) Antipsoriáticos para uso sistêmico 1 (< 0,1) Agentes Dopaminérgicos 1 (< 0,1) Abreviaturas: ATC, Anatomical Therapeutic Chemical; ECA, enzima conversora de angiotensina. * Total de ocorrências de medicamentos de uso contínuo, exceto varfarina Foram descritos os medicamentos mais utilizados pelos pacientes (Tabela 6) considerando aqueles que apresentaram registros em dez ou mais pacientes. A sinvastatina foi o medicamento mais utilizado (n=263, 47,5%), seguido pela furosemida (n=256, 46,2%), carvedilol (n=214, 38,6%), enalapril (n=194, 35,0%) e losartana (n=168, 30,3%). O Apêndice E traz a lista completa dos medicamentos de uso contínuo, exceto a varfarina, por pacientes atendidos em duas clínicas de anticoagulação, segundo grupo químico da classificação ATC. Tabela 6 Descrição de uma seleção dos medicamentos de uso contínuo pelos pacientes atendidos em duas clínicas de anticoagulação, exceto a varfarina* (continua) Medicamentos HRTN (n=242) HC/UFMG (n=312) Total (n=554) Sinvastatina 130 (53,7) 133 (42,6) 263 (47,5) Furosemida 122 (50,4) 134 (42,9) 256 (46,2) Carvedilol 103 (42,6) 111 (35,6) 214 (38,6) Enalapril 85 (35,1) 109 (34,9) 194 (35,0) Losartana 82 (33,9) 86 (27,6) 168 (30,3) Ácido acetilsalicílico 23 (9,5) 110 (35,3) 133 (24,0) Espironolactona 65 (26,9) 59 (18,9) 124 (22,4) Omeprazol 43 (17,8) 76 (24,4) 119 (21,5) Atenolol 52 (21,5) 63 (20,2) 115 (20,8) Hidroclorotiazida 36 (14,9) 57 (18,3) 93 (16,8) Digoxina 37 (5,3) 55 (17,6) 92 (16,6) Anlodipino 44 (18,2) 34 (10,9) 78 (14,1) Metformina 45 (18,6) 32 (10,3) 77 (13,9) Propranolol 14 (5,8) 49 (15,7) 63 (11,4) Levotiroxina sódica 23 (9,5) 37 (11,9) 60 (10,8) Amiodarona 19 (7,9) 33 (10,6) 52 (9,4) 47 (conclusão) HRTN (n=242) HC/UFMG (n=312) Total (n=554) Captopril 24 (9,9) 26 (8,3) 50 (9,0) Benzilpenicilina benzatina - 28 (9,0) 28 (5,1) Fluoxetina 17 (7,0) 10 (3,2) 27 (4,9) Hidralazina 11 (4,5) 11 (3,5) 22 (4,0) Insulina humana NPH 20 (8,3) - 20 (3,6) Metoprolol - 17 (5,4) 17 (3,1) Isossorbida 13 (5,4) - 13 (2,3) Clonazepam 12 (5,0) - 12 (2,2) Diltiazem - 10 (3,2) 10 (1,8) *Foram selecionados aqueles medicamentos que apresentaram número de registros de utilização maior ou igual a 10 pelos pacientes das clinicas de anticoagulação 10 DISCUSSÃO No presente estudo, avaliou-se a qualidade da anticoagulação oral em pacientes cardiopatas atendidos em duas CA, vinculadas a dois hospitais universitários. A mediana dos valores de TTR (64,3%) deste estudo foi considerada satisfatória de acordo com Connolly et al. (2008) e esteve compreendida no intervalo classificado como controle moderado (60% a 75%), conforme White et al. (2007). Em um estudo observacional conduzido em uma CA brasileira, vinculada a um hospital municipal em Belo Horizonte, Costa et al. (2011) demonstraram resultados de TTR similares a deste estudo para uma população semelhante com perfil socioeconômico limitado. Connolly et al. (2008), utilizando valores de TTR de 526 centros clínicos e 15 países, demonstraram um valor médio de TTR de 63,4%, e que a média desses resultados apresentava grandes variações entre países. Considerando os países desenvolvidos, os valores de TTR variaram de 58,7-77,8% em pacientes com indicação clínica semelhante e, em relação aos pacientes do Brasil, a média de TTR foi de 47%, resultado bem abaixo daquele encontrado neste estudo. Outro estudo observacional, conduzido nos EUA, apresentou ainda a média do TTR de 66,5% (ROSE et al., 2008). Outros estudos realizados em países com baixo nível socioeconômico têm descrito valores médios de TTR semelhantes ao observado no presente estudo. Manji et al. 48 (2011), em um estudo observacional, relataram média de TTR de 64,6% em uma população rural do Quênia atendida por uma CA dirigida por farmacêuticos. Por sua vez, Víquez-Jaikel et al. (2016) demonstraram aumento do TTR médio de pacientes após início do acompanhamento farmacêutico especializado em um centro de referência da Costa Rica. O TTR médio foi de 37,4% no período em que os pacientes receberam seguimento usual. Os mesmos pacientes apresentaram média de TTR de 67,0% após início da intervenção farmacêutica. Apesar do número pequeno de pacientes envolvidos nesses estudos, esses dados reforçam o impacto positivo das CA e do atendimento especializado farmacêutico na
Compartilhar